IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Energia Potencial Elétrica Física I revisitada1 Seja um corpo de massa m que se move em linha reta sob ação de uma força F que atua ao longo da linha. O trabalho feito pela força para deslocar o corpo de a para b é dado por: → = . A segunda lei de Newton nos dá: . Substituindo na expressão para o trabalho: = = → = . A definição de velocidade nos dá: 1 Nota: Não será feita aqui uma revisão pormenorizada do conteúdo de Física I. Apenas alguns conceitos principais serão relembrados. Para uma revisão mais rigorosa e detalhada, recomenda-se ler o Capítulo 7 do livro-texto (Física I). 1 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 = ⟹ = . Substituindo na expressão para o trabalho: → = = . Como a massa do corpo é constante, → = = − . 2 2 A energia cinética do corpo é definida por: 1 = . 2 Portanto, podemos escrever o trabalho feito pela força F como igual à variação da energia cinética: 1 1 → = − = − = Δ. 2 2 1 Este resultado é conhecido como teorema do trabalho-energia e ele vale mesmo quando o movimento não se dá em linha reta e a força não aponta na mesma direção do movimento (veja a figura abaixo). 2 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Nesta figura, a curva C indica a trajetória do corpo (note que ela é é o vetor elemento de linha (um vetor infinitesimal orientada) e ℓ com a direção da reta tangente à trajetória em cada ponto e o sentido do movimento do corpo). A força atuando sobre o corpo também . está indicada no desenho. Note que ela faz um ângulo com ℓ Se o elemento de trabalho feito pela força para deslocar o corpo ao for indicado por longo de C por um elemento de linha ℓ = cos # ℓ, = ∙ ℓ 2 , então o trabalho feito por para onde φ é o ângulo entre e ℓ deslocar o corpo ao longo da trajetória C de a para b é indicado por & ⟶ ' ' = cos # ℓ, = ∙ ℓ 3 e o teorema do trabalho-energia nos diz que: & ⟶ = Δ = − . 4 Note que, em geral, o trabalho feito pela força para levar o corpo de a para b depende da trajetória C por onde o corpo vai de a para b. Uma pergunta que podemos fazer é se existe algum tipo de força tal que o trabalho feito por ela para levar um corpo de a para b não depende da trajetória C. 3 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Não sabemos se existe tal tipo de força2, mas por ora vamos supor que existe. Portanto, nos próximos parágrafos vamos assumir como hipótese que a força do nosso problema é tal que o trabalho feito por ela não depende da trajetória. Assumindo que o trabalho feito pela força independe da trajetória, a equação (4) nos diz que a variação da energia cinética do corpo quando ele se move de a para b depende apenas desses dois pontos. Uma característica do movimento do corpo que está implícita na afirmação acima é que a energia cinética do corpo varia quando ele vai de a para b. Outra pergunta que podemos fazer neste caso é se não seria possível inventar uma grandeza que não varie durante o movimento do corpo, isto é, que permaneça constante durante o movimento. Vamos designar essa possível grandeza invariante por E e vamos chamá-la de energia do corpo3. Como a energia cinética K não permanece constante durante o movimento do corpo, para que essa nova grandeza E permaneça 2 3 Na verdade sabemos, pois já fizemos Física I. A palavra energia vem do grego energeia (ἐνέργεια) e significa força, vigor, atividade, firmeza. 4 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 constante é necessário adicionar “algo” a K para que a soma de K com esse “algo” permaneça constante e seja igual a E: E ≡ K + “algo”. Já que estamos usando o termo energia, vamos chamar este “algo” de energia potencial. Vamos designá-lo por U. Então, E ≡ K + U. (5) Como queremos que E permaneça constante durante o movimento do corpo, devemos ter: Δ* = 0 ⟹ Δ + - = 0. Ou seja, Δ + Δ- = 0. Ou ainda, Δ- = −ΔK. O símbolo ∆ indica o valor da grandeza em b menos o valor da grandeza em a. Logo: - − - = −/ − 0. Então: ou, + - = + -, * = * . 5 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Nossa conclusão é que, dada a hipótese central sob a qual se baseou nosso estudo acima: • A força é tal que o trabalho feito por ela para levar um corpo de um ponto a para um ponto b não depende da trajetória usada. Então é possível inventar uma grandeza energia E que permanece constante ao longo do movimento do corpo. A constância da energia é possível porque inventamos outra grandeza, denominada energia potencial U, que depende apenas do ponto ocupado pelo corpo, U = U(x), tal que variações na energia cinética K correspondem exatamente a variações opostas na energia potencial U: ∆K = −∆U. Uma força tal que o trabalho feito por ela para levar um corpo de um ponto inicial a para um ponto final b dependa apenas dos pontos e não da trajetória usada é chamada de conservativa. Podemos resumir o que fizemos acima dizendo que: i. Se encontrarmos uma força conservativa, ii. Podemos definir uma energia potencial U associada à força, cujo valor depende apenas do ponto onde está o corpo, tal que 6 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 variações em U sejam exatamente iguais a variações na energia cinética K, mas de sinal contrário, e iii. Portanto, é possível definir uma energia E = K + U que permanece constante durante o movimento do corpo. Um tipo importante de força em física é o que se chama de força central. Uma força central tem sua origem num centro de força e atua sobre um corpo ao longo da linha reta que une o corpo ao centro de forças. Exemplos são a força gravitacional (p. ex., o centro do Sol é o centro de força da força gravitacional que ele exerce sobre a Terra) e a força elétrica (p. ex., o centro de uma carga puntiforme é o centro de força da força elétrica que ela exerce sobre uma carga de prova à distância r dela). Uma força central pode ser expressa como = 11̂ , 6 onde 1̂ é o versor que define a direção radial entre o centro de força e ponto à distância r do centro. Note que pode ser atrativa ou repulsiva. Quando uma partícula se move se um ponto a para um ponto b ao longo de uma trajetória C sob a ação de uma força central, o trabalho feito pela força é dado por (3): 7 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 & ⟶ ' ' = 11̂ ∙ ℓ. = ∙ ℓ Esta equação pode ser reescrita decompondo-se o vetor elemento de nas suas componentes ao longo da direção radial 1̂ e da linha ℓ direção perpendicular a 1̂ , que vamos chamar aqui de 4̂ (veja a figura abaixo). Sendo assim: & ⟶ ' ' ' = 111̂ ∙ 1̂ + 141̂ ∙ 4̂ ⇒ = 11̂ ∙ ℓ ⟹ & ⟶ = 11. ' 8 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Note que F(r) só depende da variável r, de maneira que o resultado da integral acima distância só vai depender dos pontos inicial e final (e não mais da trajetória C). Portanto, no caso de uma força central o trabalho feito pela força para levar um corpo de um ponto a a um ponto b não depende da trajetória: & ⟶ = 11, 7 ou seja, forças centrais são conservativas. Energia potencial elétrica A força elétrica é uma força central. Por exemplo, a força exercida por uma carga Q sobre uma carga de prova q é = 7* = 7 8 1̂ . 49:; 1 Portanto, como visto na revisão acima, é possível associar uma energia potencial à força elétrica. Essa energia potencial só depende da posição 1 em que está a carga q em relação ao centro de força. Ela será indicada por U e será chamada de energia potencial elétrica. 9 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Devido ao fato de a força elétrica ser conservativa, o trabalho feito por essa força para levar uma carga q de um ponto a a um ponto b independe da trajetória e satisfaz: → = −Δ- = −- − - . 8 Segundo esta equação, quando o trabalho feito pela força elétrica é positivo → > 0, a variação na energia potencial é negativa (∆U < 0) e vice-versa. Para exemplificar isso, consideremos o caso de uma carga de prova q0 movendo-se em um campo elétrico uniforme (por exemplo, o campo gerado no interior de duas placas planas e paralelas como mostra a figura abaixo). Consideremos dois pontos, a e b, ao longo de uma linha horizontal no interior das placas. A distância entre os pontos é d (veja a figura acima) 10 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Vamos considerar inicialmente o caso em que a carga q0 é positiva (q0 > 0). Quando a carga se move no mesmo sentido do campo, ou seja, de a para b, o trabalho feito pela força elétrica é: → = 7; * ∙ > = 7; * − = 7; * > 0. De (8) temos: Δ- = −→ < 0. A energia potencial elétrica diminui quando a carga positiva q0 passa de a para b (mesmo sentido do campo elétrico e mesmo sentido da força elétrica sobre q0). Por outro lado, quando essa carga positiva q0 se move no sentido contrário ao do campo elétrico, por exemplo de b para a, o trabalho feito pela força elétrica é: → = 7; * ∙ > = 7; * − = −7; * < 0. Neste caso, Δ- = −→ > 0, ou seja, a energia potencial elétrica aumenta quando a carga q0 se move no sentido contrário ao do campo elétrico (e sentido contrário ao da força elétrica sobre q0). Consideremos agora o caso em que a carga q0 é negativa (q0 < 0). 11 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Quando a carga se move no mesmo sentido do campo, de a para b, o trabalho feito pela força elétrica é: → = −7; * ∙ > = −7; * − = −7; * < 0. Portanto: Δ- = −→ > 0. A energia potencial elétrica aumenta quando a carga negativa −q0 se movimenta no mesmo sentido do campo elétrico (que é o sentido contrário ao da força elétrica sobre q0). Por fim, quando a carga negativa q0 se move no sentido contrário ao do campo elétrico, de b para a, o trabalho feito pela força elétrica é: → = −7; * ∙ > = −7; * − = 7; * > 0. Neste caso, Δ- = −→ < 0, ou seja, a energia potencial elétrica diminui quando a carga negativa q0 se move no sentido contrário ao do campo elétrico (mas que é o mesmo sentido da força elétrica sobre ela). Observe com cuidado os resultados acima. Note que, independentemente do sinal da carga q0, quando ela se move no mesmo sentido da força elétrica a energia potencial elétrica diminui. 12 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Por outro lado, quando a carga q0 se move no sentido contrário ao da força elétrica atuando sobre ela a energia potencial elétrica aumenta. Compare este resultado com o de uma partícula de massa m movendo-se em um campo gravitacional uniforme @. Quando a partícula cai, indo de uma altura maior para uma menor, ela se move no mesmo sentido da força gravitacional. Neste caso ela perde energia potencial gravitacional. Já quando a partícula sobe, indo de uma altura mais baixa para uma maior, ela se move no sentido contrário ao da força gravitacional. Neste caso, ela ganha energia potencial gravitacional. O resultado acima vale para um campo elétrico uniforme. Como será no caso geral de uma carga de prova q0 movendo-se ao longo de uma trajetória qualquer de um ponto a para um ponto b na presença de um campo elétrico gerado por uma carga Q? Veja a figura 23.6 do livro-texto (pg. 74). Vamos supor, para simplificar, que a origem do sistema de coordenadas coincide com o centro da carga Q (o centro de força). O trabalho feito pela força elétrica é = 7; * ∙ ℓ = → = ∙ ℓ 7; 8 1 1̂ ∙ 1̂ ⟹ 49:; 1 13 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 ⟹ → 7; 8 1 7; 8 1 A B = 7; 8 C− 1 + 1 D ⟹ = = − 49:; 49:; 1 1 1 49:; 1 ⟹ → = 7; 8 1 1 C − D = −Δ- ⟹ 49:; 1 1 ⟹ Δ- = - − - = 1 7; 8 1 7; 8 − . 49:; 1 49:; 1 Portanto, podemos definir a energia potencial elétrica associada às cargas q0 e Q quando elas estão separadas pela distância r por - 1 = 1 7; 8 . 49:; 1 9 Note que esta definição é absolutamente geral. Na dedução acima não foi feita qualquer restrição quanto aos sinais das cargas q0 e Q. Quando as duas cargas têm o mesmo sinal a energia potencial é positiva e quando elas têm sinais contrários a energia potencial é negativa. A energia potencial elétrica varia com a distância r entre as cargas de acordo com r-1 (observe os gráficos na figura 23.7 do livro-texto). Isto significa que a energia potencial elétrica tende a zero quando a distância r → ∞. Portanto, é natural definir o zero da energia potencial elétrica no infinito: U → 0, r → ∞. 14 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Adotando esta definição para o zero da energia potencial elétrica, podemos interpretar a energia potencial U(r) associada às duas cargas Q e q0 como o negativo do trabalho feito pela força elétrica para trazer a carga q0 do infinito até uma distância r da carga Q. No caso em que Q e q0 têm o mesmo sinal, a força entre elas é repulsiva e o trabalho para trazer q0 de ∞ até r é negativo (a carga q0 é movida no sentido contrário ao da força elétrica). Como o trabalho é negativo, a variação na energia potencial é positiva. Portanto, quando as duas cargas têm o mesmo sinal, a energia potencial elétrica aumenta quando q0 se aproxima de Q. Observe o gráfico da esquerda na figura 23.7 do livro-texto. A análise feita acima se inverte quando as duas cargas têm sinais contrários. O trabalho para trazer q0 de ∞ até r é positivo (a carga q0 é movida no mesmo sentido da força elétrica, que neste caso é atrativa). Como o trabalho é positivo, a variação na energia potencial é negativa. Portanto, quando as duas cargas têm sinais contrários, a energia potencial elétrica diminui quando q0 se aproxima de Q. Observe o gráfico da direita na figura 23.7 do livro-texto. Observe também os gráficos de U versus r feitos abaixo. 15 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Quando a carga q0 se move no mesmo sentido da força elétrica, a energia potencial elétrica diminui. Quando a carga q0 se move no sentido contrário ao da força elétrica, a energia potencial aumenta. Note que estamos sempre nos referindo à energia potencial associada às duas cargas, q0 e Q. A energia potencial elétrica não é uma propriedade de uma carga única, mas das duas cargas. Ela está associada à interação elétrica entre elas. Lembrando das aulas sobre lei de Gauss, o campo elétrico na parte de fora de uma distribuição de cargas esfericamente simétrica é o mesmo que o gerado por uma carga puntiforme no centro da distribuição com a mesma carga líquida dela. Sendo assim, a equação (9) para a energia potencial é a mesma quando a carga de prova q0 está do lado de fora da distribuição esfericamente simétrica de carga a uma distância r do seu centro. 16 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Quando existem N cargas puntiformes no espaço (q1, q2, q3, ..., qN), a energia potencial elétrica associada a essas cargas e a uma carga de prova q0 em um ponto P qualquer do espaço é dada, pelo princípio da superposição, por: L 7I 7; 7K 7; 7F 7 7G C + + + ⋯+ D = J . -= 49:; 1F 1 1G 1I 49:; 1K KMF 10 A situação está ilustrada pela figura abaixo. Note que quando todas as distâncias ri → ∞, isto é, quando q0 estiver a uma distância muito grande de todas as cargas qi, a energia potencial associada às cargas e a q0 tende a zero (U → ∞). Como podemos representar qualquer distribuição de cargas por um conjunto de cargas puntiformes, a energia potencial elétrica associada a qualquer distribuição de cargas e a uma carga de prova q0 é dada pela expressão acima. 17 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 6 Note que isto implica que existe a energia potencial elétrica associada à distribuição de cargas e à carga q0. Portanto, o campo elétrico produzido por qualquer distribuição estática de cargas dá origem a uma força conservativa. Podemos também definir a energia potencial elétrica de uma distribuição arbitrária de cargas, q1, q2, q3, ..., qN, como a energia potencial associada às interações entre cada par de cargas. Note que não tem sentido definir a energia potencial associada à interação de uma partícula com ela mesma (seria infinita) e nem se deve contar duas vezes a mesma interação (da partícula i com a partícula j e da j com a i). Portanto, podemos escrever a energia potencial elétrica de um conjunto de N cargas puntiformes como: 7K 7N 1 J . -= 49:; 1KN KON 11 Note que também é possível escrever esta energia como uma soma por todas as combinações ij (i≠j), só que então será necessário dividir por dois para descontar os termos duplicados. A expressão ficaria assim: -= 7K 7N 1 J . 89:; 1KN K,N KPN 12 18