SÉRIE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Observatório da Educação CAPES/INEP
Maria Estela Dal Pai Franco • Marília Costa Morosini
Organizadoras
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
DIMENSÕES E INDICADORES
Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
_______________________________________
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
Dimensões e indicadores
_______________________________________
Chanceler
Dom Dadeus Grings
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Ana Maria Lisboa de Mello
Bettina Steren dos Santos
Eduardo Campos Pellanda
Elaine Turk Faria
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Helenita Rosa Franco
Ir. Armando Luiz Bortolini
Jane Rita Caetano da Silveira
Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente
Jurandir Malerba
Lauro Kopper Filho
Luciano Klöckner
Marília Costa Morosini
Nuncia Maria S. de Constantino
Renato Tetelbom Stein
Ruth Maria Chittó Gauer
EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
Maria Estela Dal Pai Franco
Marilia Costa Morosini
(Orgs.)
____________________________________________________
QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
DIMENSOES E INDICADORES
____________________________________________________
Série Qualidade da Educação Superior
Observatório da Educação CAPES/INEP
v. 4
Porto Alegre, 2011
© EDIPUCRS, 2011
Giovani Domingos
dos autores
Rodrigo Valls
Q1
Qualidade na educação superior : dimensões e indicadores
[recurso eletrônico] / organizadoras, Maria Estela Dal Pai Franco, Marilia Costa Morosini. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2011.
672 p. – (Série Qualidade da Educação Superior ; 4)
Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>
ISBN 978-85-397-0137-7 (on-line)
Textos apresentados na Conference on quality in higher education; indicators and challenges ocorrido em outubro de 2010 na PUCRS em Porto Alegre.
1. Educação Superior. 2. Educação – Qualidade. I. Franco, Maria Estela Dal Pai. II. Morosini, Maria Costa III. Série.
CDD 378
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos,
microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de
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editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com
busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Organizadores:
Maria Estela Dal Pai Franco
Marilia Costa Morosini
Comitê Científico:
Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS)
Adriana Maciel (UFSM)
Arabela Campos Oliven (UFRGS)
Beatriz Zanchet (UNISINOS /UFPEL)
Cleoni Fernandes (PUCRS)
Doris Pires Vargas Bolzan (UFSM)
Elizabeth Diefenthailer Krahe (UFRGS)
Geraldo Ribas Machado (InovAval UFRGS)
Julio Cesar Godoy Bertolin (UPF)
Maria da Graça Gomes Ramos (UFPEL/UFRGS)
Mariângela da Rosa Afonso (UFPel/UFRGS)
Hamilton de Godoy Wielewicki (UFSM/UFRGS)
Solange Maria Longhi (UPF/UFRGS)
Tania Elisa Morales Garcia (UFPel/UFRGS)
Editoração Técnica:
Cecilia Luiza Broilo – PD PUCRS
Apoio Técnico:
Silvia Fernanda Rodrigues Viegas Kuckartz - PUCRS
Marja Leão Braccini- Bolsista CAPES/UNISINOS
Camila Teixeira - Bolsista IC - PUCRS
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................11
Marília Costa Morosini
Maria Estela Franco
PARTE I - QUALIDADE E EDUCAÇÃO SUPERIOR
Qualidade e Sustentabilidade ..............................................................20
Roger Born (ESPM)
Qualidade e Educação Tecnológica ....................................................34
Rosalir Viebrantz (IFSUL)
Qualidade e Formação Docente .........................................................56
Graziela de Lima (UFSM)
Qualidade e Tessitura da Docência .....................................................70
Maristela Pedrini (UCS)
Qualidade e Desenvolvimento Profissional .......................................86
Patricia Comarú (UFSM)
Qualidade e Formação Inicial de Pedagogos ..................................101
Josimar Vieira (IFRS – Campus Sertão)
Qualidade do Ensino Superior e Escrita .........................................117
Maria Inês Corte Vitória (PUCRS)
Qualidade e Estágio Discente ...........................................................132
Marilene Dalla Corte (UNIFRA)
Qualidade e Egressos .........................................................................148
Cláudia Stadlober (IPA)
Marilia Costa Morosini(PUCRS)
Qualidade e Comprometimento do Estudante ...............................172
Vera Lúcia Felicetti (PUCRS)
Qualidade e Educação Corporativa .................................................187
André Stein da Silveira(PUCRS/UNILASSALE)
Qualidade e Cursos de Excelência ...................................................202
Adriana Rivoire Menelli de Oliveira(PUCRS)
Qualidade e Práticas Pedagógicas .................................................221
Vânia Chaigar (FURG)
Cleoni Barbosa Fernandes (PUCRS)
PARTE II - QUALIDADE E GESTÃO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR
Qualidade na Gestão e Pesquisa .......................................................237
Solange Maria Longhi (UPF)
Qualidade na Gestão e Ações Afirmativas .......................................248
Arabela Campos Oliven (UFRGS)
Qualidade na Gestão e Prouni ..........................................................255
Arabela Oliven (UFRGS)
Luciane Spanhol Bordignon (UFRGS)
Quelen Gianezini (UFRGS)
Luciane Bello (UFRGS)
Qualidade na Gestão de Estudantes ................................................266
Elizabeth Diefenthaeler Krahe (UFRGS)
Hamilton de Godoy Wielewicki (UFRGS/UFSM)
Qualidade e Gestão Pedagógica ......................................................277
Elisiane Machado Lunardi (ULBRA)
Qualidade e Indicativos na Gestão da Universidade ......................292
Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS)
Mariângela da Rosa Afonso (UFPEL)
Solange Maria Longhi (UPF)
PARTE III - QUALIDADE E ENSINO SUPERIOR
Qualidade e Políticas de Inclusão ...................................................319
Marialva Pinto (UNISINOS)
Qualidade do Ensino e Ação Institucional ....................................335
Maria Antonia Azevedo (UNISINOS)
Maria Isabel da Cunha (UNISINOS)
Qualidade e Recrutamento Docente ................................................351
Maria Isabel da Cunha (UNISINOS)
Beatriz Zanchet (UNISINOS)
Qualidade e Gestão da Graduação ...................................................367
Tânia Maria Baibich-Faria (UNISINOS)
Luiz Henrique Sommer (UNISINOS)
PARTE IV - QUALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE
Qualidade e Formação dos Pedagogos ...........................................381
Cecília Luiza Broilo (PUCRS)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Funções Docentes ........................................................395
Greice Scremin (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Professor Substituto .....................................................411
Daniela Aimi (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e discentes ........................................................................428
Cecília Henriques (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Docência Orientada ......................................................447
Manuelli Neuenfeldt (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Consciência Profissional Docente ................................458
Hedioneia Pivetta (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Características Pessoais Integradas ............................474
Mirian Barbosa (UFSM)
Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM)
Qualidade e Aprendizagem Docente ................................................486
Doris Pires Vargas Bolzan (UFSM)
Ana Powaczuk (UFSM)
Eliane dos Santos (UFSM)
Adriana Figueira (UFSM)
Gislaine Rossetto (UFSM)
PARTE V - QUALIDADE E RELAÇÕES
UNIVERSIDADE/SOCIEDADE
Qualidade e Ouvidoria ......................................................................503
Ana Maria e Souza Braga (UFRGS)
Qualidade e Sistema ..........................................................................511
Júlio Godoy Bertolin (UPF)
Qualidade e Inclusão Social .............................................................526
Maria Inês Naujorks (UFSM)
Qualidade e Participação ...................................................................536
Clarice Escott (IFRS)
Qualidade, Internacionalização e Formação Política ...................545
Maria Elly Genro (UFRGS)
Bianca Costa (UFRGS)
Juliana Zirguer (UFRGS)
Qualidade e Avaliação Institucional ................................................561
Marlis Morosini Polidori (UFRGS)
Qualidade em Educação a Distância ................................................578
Cláudia Medianeira Cruz Rodrigues (UFRGS)
Lisiane Pellini Faller (UFSM/FAMES)
Qualidade e Formação Multiprofissional ......................................594
Lucia Inês Schaedler (GHC)
Qualidade e Espaços Participativos em Educação a Distância ..........614
Graziela Giacomazzo (UNESC)
Qualidade e Relações Internacionais – Mercosul/Rana ........................627
Margareth Guerra (UF Amapá)
Qualidade e Inovação em Educaçao a Distancia ............................644
Andréia Morés (UCS)
Qualidade Da Avaliação Da Comunicação ......................................660
Ana Karin Nunes (UNISC/FEEVALE)
APRESENTAÇÃO
A
RIES, Rede Sul-brasileira de Investigadores da Educação Superior,
reconhecida como Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e
Inovação pelo CNPq/FAPERGS/PRONEX tem como objetivo maior configurar
a educação superior como campo de produção de pesquisa nas Instituições de
Ensino Superior. Este objetivo se constitui pela clarificação da produção no
campo de conhecimento e pela consolidação da rede de pesquisadores na área.
Em sua trajetória a RIES é reconhecida também como Observatório
da Educação CAPES/INEP/MEC. Por sua vez, o programa de pesquisa Observatório da Educação visa ao desenvolvimento de estudos e investigações
na área de educação. Tem como objetivo estimular o crescimento da produção
acadêmica e a formação de recursos humanos pós-graduados, nos níveis de
mestrado, doutorado e pós-doutorado por meio de financiamento específico.
No caso da RIES – Observatório de Educação CAPES/INEP envolve quatro
programas de pós-graduação em Educação pertencentes as seguintes universidades
gaúchas – PUCRS, UFRGS, UFSM e UNISINOS, e seu foco é a Qualidade da
Educação Superior. Assim, desde 2006, formalmente, a RIES tem como projeto
maior a Qualidade da Educação Superior. Este foco tem sido mote de estudos,
práticas e políticas contemporâneas. Mas, mais do que certezas temos algumas
inquietudes sobre a qualidade da instituição universitária e sobre o atrelamento da
Inovação – alma da universidade, à gestão. Em setembro deste ano, na PUCRS,
em conferência sobre Conducta responsable en investigación y docencia, o Prof.
Miguel Zabalza, da Universidad de Santiago de Compostela destacava:
La universidad, nuestra universidad, ha sido brillante
y transformadora solo en los momentos en que ha sido
innovadora. A medida que han ido incrementándose las
legislaciones y la normativa, a medida que la burocracia
se ha ido adueñando de los procesos, a medida que se
ha ido fijando un discurso de lo políticamente correcto y
penalizando las desviaciones del mismo, a medida que
el profesorado se ha limitado a cumplir sus obligaciones,
la universidad ha dejado de ser un espacio de debate y
creación. Salvo honrosas excepciones, el impulso hacia
la transformación social, hacia la renovación intelectual y
creación artística y técnica no se encuentra hoy en día en la
universidad sino en otros escenarios sociales.
12
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Este questionamento e outros que identificam avaliações de grande
escala, métricas universais e rotinas burocráticas institucionais presentes no
processo de globalização conduziram a RIES a voltar-se ao estudo da Qualidade
da Educação Superior .Neste contexto o Observatório está publicando a Série
Qualidade da Educação Superior- Observatório da Educação, composta por
seis livros decorrentes de seminários realizados pela Rede RIES.
Qualidade da Educação Superior, Inovação e Universidade constituiuse no primeiro livro da serie Educação e Qualidade da Educação Superior e
está publicado (impresso e ebook, inglês e português), em 2008, pela EdPUCRS,
resultante de Seminário Internacional de igual titulo e organizado por Jorge Audy
(PUCRS) e Marilia Morosini (RIES/PUCRS)
Este livro considera que “Inovação e qualidade na
Universidade constitui um tema atual e premente na
sociedade do conhecimento. Ele preocupa, questiona e
gera projetos e iniciativas na busca da excelência. Ambos
os conceitos são multidimensionais, complexos e difíceis
de definir, porém, objeto de esclarecimento e de constante
reflexão. Exigem um processo de planejamento, de ação e
de avaliação. São idéias dinâmicas que devem adaptar-se
a marcos e a situações mutáveis ao dependerem de fatores
sócio-culturais e econômicos. Envolvem uma conotação
axiológica, pois visam a excelência do planejamento, dos
meios e, de modo especial, dos resultados. A educação para
o desenvolvimento sustentável permite, por outra parte,
permear todo o processo educativo ajudando na tomada
de decisões que levem em conta a ecologia, a justiça e a
economia de todos os povos e também das gerações futuras”
(http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/edipucrs/Capa/
PubEletrSeries).
Qualidade da Educação Superior: a Universidade como lugar de
formação, constituiu-se na segunda produção da Serie Qualidade da Educação
Superior resultante do Seminário de igual nome ocorrido na UFSM. A organização
do livro é de Silvia Maria de Aguiar Isaia, Doris Pires Vargas Bolzan e Adriana
Maciel, nossas companheiras do programa de pós-graduação em educação da
Universidade Federal de Santa Maria.
Como o próprio titulo afirma A universidade como lugar de formação,
se detém no exame do campo cientifico e reflete sobre a governança acadêmica,
as realidades encontradas, não só no Brasil mas em outras territórios decorrentes
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
13
do processo de internacionalização, reflete, em especial, sobre a formação de
professores iniciantes, o seu desenvolvimento profissional, os discursos e
práticas de professores e alunos, bem como utopias e desafios no tocante a uma
nova universidade.
Qualidade da Educação Superior: reflexões e práticas, neste momento
apresentado, constitui-se na terceira produção da Serie Qualidade da Educação
Superior resultado, basicamente, do Seminário internacional ocorrido em outubro
de 2010, na PUCRS1. A organização deste livro é de Marilia Costa Morosini e
aborda as tendências e incertezas quanto a qualidade da educação superior
em contextos de administração de risco para a reputação universitária,
experiências nacionais e internacionais de qualidade da educação superior,
como cases dos USA, da União Européia, especificamente do Processo
de Bolonha e de paises da América Latina. Se detém em indicadores
de qualidade para diferentes questões universitárias – ensino, pesquisa,
inovação, formação e desenvolvimento profissional de professores bem
como na metodologia construída para a identificação desses indicadores.
Finaliza o livro reflexões sobre os desafios a serem enfrentados.
Qualidade da Educação Superior: dimensões e indicadores
constitui-se na quarta produção da Serie Qualidade da Educação Superior
resultado também do Seminário Internacional de outubro de 2010 e
organizado por Maria Estela Dal Pai Franco e Marília Costa Morosini
. Está constituído pelos artigos, resultados de pesquisa de grupos de
investigação integrantes da RIES e pertencentes ao programa de pesquisa
Observatório de educação superior. São professores seniors e professores
em processo de formação bem como aprendizes desde os bolsistas de IC
até mestrandos, doutorandos e pós doutorandos em seu desenvolvimento
profissional. Enfim são as inúmeras ramificações da RIES, que foram
originadas pela rede ou, a ela, deram origem.
Qualidade da Educação Superior: grupos investigativos
internacionais em diálogo constituir-se-á na quinta produção da Serie
Qualidade da Educação Superior resultado do Seminário Internacional,
na PUCRS, em dezembro de 2011. Sua organização é de Maria Isabel da
Cunha. Parte da consideração que “nossas universidades se encontram
em processos de mudanças paradigmáticas, fomentadas tanto pelas
exigências socioculturais de reconfiguração dos modos de produção do
conhecimento científico e tecnológico, quanto pelas demandas externas
do mundo globalizado. Visando promover um diálogo entre os grupos
1
Conference on Quality in Higher Education; Indicators and Challenges. Porto Alegre, October 15-16, 2010.
14
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
de pesquisa do Brasil com grupos investigativos internacionais (USA,
México, UE, AL) preocupados com a qualidade de educação superior.”
(http://www.pucrs.br/evento).
Qualidade da Educação Superior: avaliação e implicações para o
futuro da universidade constituir-se-á na sexta produção da Serie Qualidade
da Educação Superior resultado do Seminário Internacional, na PUCRS,
em dezembro de 2011. Sua organização é de Denise Leite e Cleoni Barbosa
Fernandes, com a colaboração de Cecilia Luiza Broilo.
No seminário acima citado além dos grupos das quatro universidades
buscou-se ampliar a socialização da produção da rede RIES à comunidade
cientifica de forma geral. Em outras palavras, pesquisadores e aprendizes de
outras IES apresentaram suas pesquisas sobre Educação Superior. Este sexto
livro é dedicado a dar visibilidade a essa rica produção.
Com a Serie Qualidade da Educação Superior consubstancia-se o
programa de pesquisa e sua caminhada ao longo de seis anos. Nos livros iniciais
apresentam-se as discussões de caráter mais teórico. Neles estão imbricadas
posturas nacionais e internacionais, preparando o grupo de pesquisa para se
lançar ao desafio de produção de indicadores para a educação superior brasileira.
Após, a rede RIES apresenta indicadores de educação superior, na perspectiva
nacional e, em alguns casos, regional. Os grupos de pesquisa que integram a
Rede apresentam seus estudos de qualidade em inúmeros cases. Integra este
livro também considerações e experiências de caráter internacional. No quinto
livro a Rede RIES apresenta resultados de seus indicadores para serem discutidos
por observadores críticos internacionais. Finalmente neste ciclo de produção de
conhecimento sobre qualidade na Educação Superior a Rede RIES, nesta série
propicia a visibilidade de inúmeras outras produções sobre o tema influenciadas
pelo próprio Observatório, mas também, em mão de via dupla, influenciadora do
Observatório.
Resta-nos, ainda como desafio, o que brevemente ocorrerá, a testagem
na realidade brasileira, dos indicadores aprimorados pelos observadores críticos
internacionais.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
15
GRAFICO 1 - OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
CAPES/INEP
O presente livro Qualidade da Educação Superior: dimensões e
indicadores constitui uma das produções integrante da Serie Qualidade da
Educação Superior e nele são apresentadas produções dos grupos e redes de
pesquisa que compõem a RIES. Revela, desse modo a perspectiva, a reflexão e
as pesquisas decorrentes das duas pontas que circunscrevem a Pós-graduação
brasileira: a dos pesquisadores-professores Sênior e a dos professores de nível
superior, em formação, na Pós-graduação stricto sensu .
É pertinente registrar que participam da primeira ponta profissional
com larga experiência na orientação de trabalhos científicos, na vida políticoadministrativa de distintos tipos de universidades e que exerceram/exercem
fincões na alta administração e setores institucionais e/ou na direção de unidades
e coordenação cursos. Isso revela um dos pontos fundamentais que são o mote
da presente obra: sua expressão das diferenças, desigualdades e diversidades
que amalgamam a educação superior brasileira e precisam ser consideradas
no estabelecimento de indicadores de qualidade. Tais considerações, aliadas
às características de trajetória dos pesquisadores e grupos componentes, levam
Franco, co-organizadora desta obra a nominar a RIES, em trabalho recente, como
16
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
uma meta-rede. A RIES, num primeiro movimento congregou pesquisadores, mas
em seus movimentos subseqüentes, tudo indica, congrega grupos cujas ações e
produtos os caracterizam como redes consolidadas e/ou em formação, mesmo que
não façam uso de tal desígnio lingüístico. Tais grupos-redes, em projetos como
os que perfazem o Núcleo de excelência do CNPq e o Observatório de educação
Capes/Inep participam das direções imprimidas, mas são articulados no âmbito da
RIES, como coloca a autora citada.
Um testemunho das colocações acima está na estruturação do presente
livro que se faz em cinco partes.
A PARTE I discute a Qualidade e Educação Superior. É composta por
13 artigos cujos autores são provenientes de distintas instituições, mas têm um
ponto em comum: todos fazem /fizeram parte do Programa de Pós-graduação
em Educação da PUCRS e, mesmo tendo retornado ou assumido em outras IES
mantém contato e produção ligada à universidade de sua formação. A qualidade,
discutida nos artigos converge para aspectos tais quais Sustentabilidade,
Educação Tecnológica, Formação Docente, Tessitura da Docência, Formação
Inicial de Pedagogos, a Escrita, o Ensino Superior, Estágio Discente, Egressos,
Comprometimento do Estudante, e Educação Corporativa. Os professores
e docentes que assinam os artigos são respectivamente Roger Born (ESPM),
Rosalir Viebrantz (IFSUL), Graziela de Lima (UFSM), Maristela Pedrini (UCS),
Patricia Comarú (UFSM), Josimar Vieira (IFRS – Campus Sertão), Maria Inês
Corte Vitória (PUCRS), Marilene Dalla Corte (UNIFRA), Cláudia Stadlober
(IPA), Vera Lúcia Felicetti (PUCRS), André Stein da Silveira e Marilia Morosini,
e Cleoni Barbosa Fernandes da PUCRS.
A PARTE II é centralizada na Qualidade e Gestão da Educação
Superior e sua composição engloba 6 artigos. O ponto que une todos eles é
a sua vinculação com a Rede GEU- Grupo de Estudos sobre Universidade, a
mais antiga de todas as presentes nesta obra, criada em 1988 e que passou pelo
movimento de projetos para grupo, de grupo para rede e agora de rede para
inserção em outras redes congêneres, no Brasil e no exterior. Os s grupos de
pesquisa, foram estabelecidos a partir da presença de docentes como alunos ou
egressos do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS. Os artigos
apresentados convergem para as seguintes temáticas da qualidade na gestão:
Gestão e Pesquisa, Relações Universidade e Sociedade, Ações Afirmativas,
Prouni, Estudantes e Indicativos de Qualidade na Gestão da Universidade. Os
artigos são de autoria de Solange Maria Longhi (UPF/UFRGS), Mariângela
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
17
da Rosa Afonso (UFPel), Arabela Campos Oliven (UFRGS), Luciane Spanhol
Bordignon (UFRGS), Quelen Gianezini (UFRGS), Luciane Bello (UFRGS),
Elizabeth Diefenthaeler Krahe (UFRGS), Hamilton de Godoy Wielewicki
(UFRGS/UFSM) e Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS).
A PARTE III focaliza a Qualidade e Ensino Superior, e foi desenvolvida
por participantes ligados à Unisinos, como docentes e/ou como professores em
formação de pós-graduação, os quais contribuíram com 5 artigos. São abordadas
questões da qestão de qualidade tais como Políticas de Inclusão, Ensino e Ação
Institucional, Recrutamento Docente, Gestão da Graduação e Ensino Superior.
Os autores são Marialva Pinto (UNISINOS), Mª Antonia Azevedo (UNISINOS),
Maria Isabel da Cunha (UNISINOS), Beatriz Zan chet (UNISINOS), Maria Isabel
da Cunha (UNISINOS), Tânia Faria (UNISINOS), Luiz Sommer (UNISINOS).
A PARTE IV converge para Qualidade e Formação Docente. Nos 9
trabalhos que compõem esta parte, predominam autores docentes ou docentes da
UFSM ou docentes em formação naquele instituição. As temáticas abordadas são
a Formação dos Pedagogos, Funções Docentes, Professor Substituto, Discentes,
Docência Orientada, Consciência Profissional Docente, Características Pessoais
Integradas, Aprendizagem Docente e Desenvolvimento Profissional Docente.
Os autores são Cecília Luiza Broilo (PUCRS), Silvia Maria de Aguiar Isaia
(UFSM), Greice Scremin (UFSM), Daniela Aimi (UFSM), Cecília Henriques
(UFSM), Manuelli Neuenfeldt (UFSM), Hedioneia Pivetta (UFSM), Mirian
Barbosa (UFSM), Ana Powaczuk (UFSM), Eliane dos Santos (UFSM),
Gislaine Rossetto (UFSM), Adriana Figueira (UFSM), Doris Bolzan (UFSM)
e Adriana Rocha Maciel (UFSM).
A PARTE V tem como tema centralizador a Qualidade e Relações
Universidade/Sociedade. São 12 trabalhos, muitos dos quais frutos de teses e
dissertações vinculados ao InovAval, grupo de pesquisa do Pós-graduação em
Educação da UFRGS, coordenado pela Professora Denise B. C. Leite. Os artigos
abordam questões tais quais: Ouvidoria, Sistema de Educação Superior, Inclusão
Social, Internacionalização, Participação, Avaliação Institucional, Formação
Política, Formação Multiprofissional, Relações Universidade e Sociedade,
Relações Internacionais e Inovação em Ead. Os autores são Ana Maria e Souza
Braga (UFRGS), Júlio Godoy Bertolin (UPF), Mª Inês Naujorks (UFSM), Clarice
Escott (IFRS), Maria Elly Genro (UFRGS), Bianca Costa (UFRGS), Juliana
Zirguer (UFRGS), Marlis Morosini Polidori (UFRGS), Cláudia Cruz Rodrigues
(UFRGS), Lucia Inês Schaedler (GHC), Graziela Giacomazzo (UNESC),
Margareth Guerra (UF Amapá - MERCOSUL) e Andréia Mores (UCS).
18
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Partindo da crença na governança compartilhada é muito importante
registrar o especial agradecimento as coordenadoras da Rede/RIES, que
sempre contribuíram para a consolidação da Rede, Profª Drª. Maria Isabel
Cunha (UNISINOS); e Profª Drª Sílvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM). Um
agradecimento especial a Profª Drª. Denise Leite (UFRGS) e a Profª Drª Cleoni
Maria Barboza Fernandes (PUCRS).
Porto Alegre, 11 anos da RIES
Marilia Costa Morosini
Cooordenadora RIES – Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação
Superior
Maria Estela Dal Pai Franco
Equipe Fundadora e Membro do Conselho da RIES (UFRGS)
Co-Organizadora
Primavera de 2011
PARTE I
QUALIDADE E EDUCAÇÃO SUPERIOR
QUALIDADE E SUSTENTABILIDADE
Roger Born1
Introdução
J
á é de longa data que o conceito de marketing passou a ser
corretamente compreendido e aceito como algo positivo em diversos
setores, dentre os quais o da educação superior no Brasil. De modo geral, os
gestores de instituições de ensino enxergam ser indispensável compreender as
necessidades de seus alunos e buscar atendê-las, promovendo sua satisfação. E
assim são realizadas importantes ações no sentido da melhoria da qualidade do
serviço, tal como prega larga bibliografia em marketing de serviços (BERRY,
1996; DENTON, 1990; GRONROOS, 1995; LAS CASAS, 1991; LOVELOCK;
WRIGHT, 2001; ZEITHAML; BITNER, 2003).
Muitas escolas de administração e negócios são coerentes com aquilo
que ensinam. Consideram o mercado como prospects2, os alunos como clientes e
buscam realizar a melhor gestão de marketing possível, pois isso gera qualidade,
satisfação e, assim, fidelidade, tal como escrito nos livros que utilizam em sala
de aula. A satisfação de necessidades é assumida como estratégia institucional,
passando a regular as ações de todas as áreas. Desta forma, a escola inteira se
volta para o aluno, buscando entender e atender os seus requisitos de qualidade,
esperando assim também cumprir o seu papel com os diferentes stakeholders3
envolvidos nesta relação, na linha do que defendem ícones do marketing, como
Philip Kotler (2000).
A Administração de Marketing é “[...] o processo de planejar e executar
a concepção, a determinação do preço (pricing), a promoção e a distribuição
de ideias, bens e serviços para criar trocas que satisfaçam metas individuais e
organizacionais” (AMERICAN MARKETING ASSOCIATION apud KOTLER,
2000, p. 30). Nesta linha, a orientação de todo o gestor em uma empresa que
trabalha integrada e orientada para o marketing se constitui em identificar e
atender as necessidades do cliente, o que coloca quem compra como ponto de
partida e figura central da ação empresarial. Contudo, Kotler (2000, p. 47) sustenta
que, em tempos de “[...] deterioração ambiental, escassez de recursos, explosão
demográfica, fome e miséria em todo o mundo [...]” o conceito de marketing se
Doutor em Educação (PUCRS). Professor titular de planejamento estratégico (ESPM-RS). Empresário.
Clientes em prospecção.
Partes envolvidas (interessadas) no processo de uma organização: clientes, fornecedores, acionistas,
colaboradores, comunidade, etc.
1
2
3
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
21
torna insuficiente por não abranger “[...] os conflitos potenciais entre desejos
e interesses dos consumidores e o bem-estar social a longo prazo”. Por isso,
torna-se necessária uma nova perspectiva, a qual chama de marketing societal.
Nessa proposta, preserva-se o foco no cliente, mas se considera o impacto desta
relação no ambiente em que ocorre, envolvendo aspectos biológicos e sociais
não imediatos.
O debate sobre como organizações agem nos ambientes em que atuam
é amplo, abrangendo desde aspectos biológicos (GORE, 2006), passando
pela influência nas instituições (MATIAS, 2005) e chegando até a definição
de paradigmas (BERTRAND; VALOIS, 1994). Invariavelmente, os autores
consideram profundo o impacto das ações empresariais, motivo pelo qual,
muito provavelmente, estão sendo reconhecidas como práticas de excelência
empresarial aquelas que envolvam e respeitem os stakeholders (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004).
Para melhor gerirem a qualidade de seus serviços, muitas escolas
de negócios e instituições de ensino de modo geral, realizam levantamentos
freqüentes, inquirindo os alunos acerca da maneira como percebem uma série
de quesitos referentes ao curso que realizam, bem como a outros aspectos da
organização. Assim, de tempo em tempo, os estudantes são convidados a
responderem sobre sua avaliação de atributos como a relevância dos conteúdos,
a didática do professor, as tecnologias utilizadas em aula, o conforto de
instalações, o atendimento na secretaria, a tradição da instituição, etc. O
resultado desse trabalho serve como base para a gestão da qualidade do serviço
prestado, permitindo um adequado planejamento das medidas a serem tomadas
(GRONROOS, 1995; KOTLER, 2000; ZEITHAML; BITNER, 2003).
A gestão da qualidade do serviço, tal como amplamente defendido na
bibliografia referência neste assunto, é feita através de melhoria contínua com
vistas à supressão de falhas e à adição de novidades. De acordo com Grönroos
(1995), isso se dá, basicamente, por meio da administração da qualidade técnica
(“o que”), da qualidade funcional (“como”) e da imagem daquilo que se oferece
ao mercado. Segundo o autor, o objetivo do gestor é reduzir lacunas entre
aquilo que o cliente espera e aquilo que ele percebe do serviço, conforme as
especificações formuladas por ele próprio. Por outro lado, dentro da perspectiva
de marketing societal defendida por Kotler (2000) e convergente com as práticas
consideradas sustentáveis4 pelo IBGC5 (2004), além dos clientes, as “vozes” dos
A sustentabilidade consiste na habilidade de ser sustentável, ou seja, ser capaz de equilibrar as dimensões
social, ambiental e econômica inerentes à qualquer tipo de negócio (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004).
5
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) é uma organização que, por meio de educação
4
22
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
colaboradores, da comunidade e de outras partes interessadas no processo de
cada organização também deveriam ser consideradas tanto na especificação dos
serviços quanto na avaliação dos mesmos.
Um estudo da revista AméricaEconomia (MESTRES..., 2010, p. 64)
informa que 82% dos respondentes apontaram que “Ampliar e aprofundar
conhecimentos” se constitui no principal benefício obtido por meio da realização
de cursos de pós-graduação em Administração. A busca pelo acúmulo de
conhecimentos e pela certificação disso é algo muito valorizado na atualidade,
visto que nas organizações vigora o entendimento de que a posse de informações
e o domínio da técnica são as ferramentas determinantes na tomada de decisão
estratégica. Portanto, pode-se afirmar que a procura por serviços de escolas de
negócios esteja pautada, em grande parte, pela busca de conhecimentos para
gerir melhor e, assim, progredir em uma carreira profissional.
Levando-se em consideração o contexto até aqui descrito, compreendese oportuna a realização de dois questionamentos. O primeiro deles diz respeito à
busca de conhecimentos como necessidade central dos alunos de negócios. Será
que, ao atendê-la, a escola estará provendo um benefício suficiente para fazer
frente aos desafios da carreira que o administrador terá de enfrentar? O segundo,
e possivelmente mais importante questionamento, refere-se à capacidade dos
serviços atualmente ofertados por estas escolas também atenderem interesses
mais abrangentes, em uma perspectiva sustentável. Em outras palavras, a
orientação mercadológica que coloca o aluno em posição de destaque privilegia
o desenvolvimento de qualidade em escolas de Administração? No sentido
de gerar discussão sobre estes temas, propondo algumas respostas para os
questionamentos, primeiramente irá se explorar o entendimento que Levitt
(1990) realiza sobre produtos, passando-se, logo após, aos achados realizados
pelo autor deste texto sobre conhecimento, sabedoria e saberes para administrar
melhor (BORN, 2009; BORN, 2010).
Os Níveis de um Produto
De acordo com Levitt (1990, p. 89), “As pessoas compram produtos
(produtos puramente tangíveis, ou produtos puramente intangíveis, ou híbridos
de ambos) a fim de resolver problemas. Produtos são ferramentas para a solução
e debates, se dedica a promoção da Governança Corporativa, que consiste em um sistema de boas práticas
empresariais que objetivam o aumento do valor e a perpetuidade dos negócios (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
23
de problemas”. Para o autor, uma vez que produtos são criados para solucionar
problemas de clientes, compete apenas a eles auxiliarem a desenvolvê-los.
Apesar do pensamento socioambiental não estar presente nas palavras deste
autor, ainda assim os níveis de produto criados por ele podem ser úteis na
reflexão sobre a suficiência da oferta de conhecimento como “solução” para os
“problemas” tanto de alunos e escolas de negócios quanto da sociedade.
Segundo o autor, um produto pode ser dividido em quatro diferentes
níveis. O primeiro nível é formado pelo “produto genérico”. Constitui-se
no elemento essencial, sem o qual o produto não existe. Entretanto, isso
não é suficiente para o cliente, que espera mais de um fornecedor. Por isso,
existe uma segunda camada que, somada ao “produto genérico”, forma o
“produto esperado”, que diz respeito às condições mínimas que um bem ou
serviço deve possuir para que seja comprado pelo cliente. Por exemplo, uma
indústria que produza aço terá o aço como “produto genérico”, mas só será
capaz de vendê-lo com a presença de adequação às quantidades vendidas,
preços competitivos e entrega.
O “produto aumentado” é o terceiro nível de produto e também
engloba os dois anteriores. Justifica-se, pois “[...] a diferenciação não se esgota
meramente dando-se ao cliente o que ele espera. O que ele espera pode ser
aumentado, oferecendo-lhe mais do que ele pensa que necessita ou do que se
acostumou a esperar” (LEVITT, 1990, p. 94). Portanto, na busca por dispor
mais valor ao seu cliente, isto é, melhor resolver os seus problemas, a empresa
vai “aumentando” a oferta de soluções e, com isso, ampliando o seu campo de
diferenciação. Exemplo disso seria disponibilizar aos seus clientes cursos e
informações sobre a utilização do aço, ou ainda auxílio no desenvolvimento de
seus próprios produtos.
Como visto, a busca pela diferenciação passa pela oferta de “produto
aumentado”, o que se faz muito importante, principalmente em mercados
concorridos. Neste sentido, há necessidade de se buscar identificar o “produto
potencial”, isto é, aquilo que ainda pode ser feito para capturar a atenção e
satisfazer clientes. Segundo o Levitt (1990, p. 96, grifo do autor): “O que pode
ser possível não é puramente uma questão do que pode ser imaginável, em
base do que é ou pode ser conhecido, a respeito de clientes e concorrentes.
Geralmente isso depende muito de condições mutáveis. É por isso que os
homens de negócios já não se cumprimentam com a velha retórica: Como
vão os negócios? Agora a pergunta busca informação substantiva: Que há de
novo?” Assim sendo, a busca por aquilo que poderia potencialmente ajudar
24
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
melhor na resolução de problemas é o ponto fundamental no desenvolvimento
do raciocínio que se pretende conduzir.
Figura 1 - O conceito total de produto (LEVITT, 1990, p. 91).
Com base no conceito criado por Levitt (1990), pode-se inferir que, em
uma instituição de ensino superior, tal como uma escola de negócios, a aula
seja o “produto genérico”. Por sua vez, professores com formação acadêmica
e experiência prática, salas de aula confortáveis, biblioteca com os títulos
necessários ao curso e instituição com reconhecimento, dentre outras, são
características de “produto esperado” por administradores em formação. No que
diz respeito ao “produto aumentado”, por sua vez, são cada vez mais freqüentes
os exemplos de escolas com iniciativas em sustentabilidade6, em ação social
e no desenvolvimento de inovações envolvendo alunos, professores
e diferentes partes da sociedade, tais como empresas, ONG´s, governo
e a própria comunidade. Assim sendo, a pergunta que cabe é: o que,
potencialmente, poderia ser feito para resolver os problemas dos alunos?
Ou ainda, nas palavras de Levitt (1990, p. 96), o “[...] que há de novo?”.
Considerando que o conceito de marketing se encontra em um processo
6
A “habilidade de sustentar” diz respeito à capacidade de uma organização conciliar harmonicamente as suas
atividades (impactos) econômicas, sociais e ambientais.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
25
de transformação, de um olhar egoísta em direção ao marketing societal,
o que poderia ser feito pelos alunos que trouxesse bons resultados para
todas as partes envolvidas na educação de negócios?
Alguns Achados sobre Conhecimento, Sabedoria e
Sabedoria para Gerir Melhor
Será que a busca por conhecimentos, através do acúmulo de informações
e de técnicas administrativas, é a melhor estratégia para os estudantes de
Administração alcançarem seus objetivos? Em outras palavras, será que o
benefício esperado em questão é adequado ao problema que os alunos pretendem
resolver? Para responder essa questão, inicialmente se buscará em Pozo (2007)
elementos que demonstrarão que em tempos de abundância (ou até excesso)
de informações, deve-se, na verdade, buscar aprender como obter e utilizar a
informação. Logo após, os ensinamentos de Kautilya7, apresentados por Sihag
(2008), demonstrarão que o conhecimento é apenas parte do todo necessário
para se tomar decisões sábias. Então, finalmente, os trabalhos de Born (2009;
2010) explicarão em que consiste a sabedoria necessária para gerir empresas de
maneira a conciliar os interesses das principais partes envolvidas: a sociedade, a
empresa e o próprio sujeito gestor.
A facilidade do acesso à informação e o simultâneo aumento em seu
volume de geração têm levado à formação da sociedade do conhecimento. No
entanto, se por um lado este é um fenômeno que traz a impressão de domínio
e entendimento, por outro, o que se evidencia é que o excesso de informações
acaba por dificultar o estabelecimento de sentido. Neste sentido, Pozo (2007)
afirma que um dos desafios da formação universitária constitui-se na gestão da
informação e na sua adequada conversão em efetivo conhecimento.
A “democracia cognitiva”, que se forma a partir das novas maneiras de
acessar e de comunicar ideias, traz consigo a possibilidade de efetiva ascensão
à sociedade do conhecimento. Por outro lado, tal possibilidade carrega em si
dois grandes desafios. O primeiro consiste na capacidade de organizar o enorme
montante de informações, tornando-o, de fato, conhecimento. Já o segundo, por
sua vez, dá conta da capacidade de compreender e se relacionar com a incerteza,
na busca pela construção de entendimentos que se mostrem abertos a outras
formas de enxergar o mundo e, desta maneira, mais propensos à mudança. Assim
sendo, na nova cultura de aprendizagem, o conhecimento pode ser visto como
7
Estadista indiano que viveu durante o quarto século antes de Cristo (SIHAG, 2008).
26
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
algo flexível, falível e de caráter construtivo, em oposição ao formato absoluto,
incorrigível e acabado, geralmente trabalhado nas disciplinas universitárias
(POZO, 2007).
Diante da elevada “perecibilidade” dos conceitos técnicos e específicos
comumente trabalhados nos cursos universitários e da incerteza quanto a sua
aplicabilidade futura, Pozo (2007, p. 46) afirma que “[...] aprender a aprender
constitui uma das demandas essenciais que deve satisfazer a formação
universitária.” E, neste sentido, o enfoque a ser dado na formação de profissionais
é o desenvolvimento da capacidade de solução de problemas. Em outras palavras,
dada a incerteza dos eventos e dos conhecimentos demandados no futuro, há de
se preparar o profissional, primeiramente, para a identificação dessas situações
inéditas para as quais ele não dispõe de soluções prontas, tornando-o capaz de refletir
sobre a possibilidade do uso estratégico de seus conhecimentos. Nesta perspectiva,
fica claro que conhecer não trata de acumular informações internamente, mas de
aprender a lidar com o mundo daquelas que existem lá fora.
Sihag (2008), por sua vez, utiliza-se dos ensinamentos de Kautilya para
defender que as informações e o conhecimento necessitam de inteligência e de
uma visão ética para serem devidamente empregados. Para o estadista, a sabedoria
possuía valor insuperável na tomada de decisões. Segundo o autor (2008, p. 1,
tradução nossa): “Certamente a gestão do conhecimento deve ser mais importante
que a gestão de informações, que por sua vez deve ser mais importante que a
gestão de dados, mas ainda a gestão do conhecimento, sozinha, não é uma solução
para obter o sucesso e nem será”.
O primeiro “insight” do pensamento de Kautilya é sobre o valor
insuperável da sabedoria. Segundo ele, a gestão por sabedoria deveria estar
baseada em três pilares: informações, ou dados organizados; conhecimento,
que consiste nos métodos e abordagens, e inteligência. “Uma pessoa sábia,
dependendo da situação, sabe como reconciliar, negociar ou coordenar as
forças conflitantes que, às vezes, surgem das ideias, instituições e interesses”
(SIHAG, 2008, p. 1, tradução nossa). Assim sendo, segundo a visão de Kautilya,
a sabedoria seria o caminho para trazer luz à complexidade dos problemas que
se colocam diante do estadista.
Kautilya também destacou a importância dos valores éticos (honestidade,
tolerância e verdade, por exemplo) como parte inseparável e fundamental da
sabedoria para governar. No seu entendimento, a sabedoria é uma maneira de se
obter uma decisão a partir do conhecimento pessoal e das informações obtidas,
o que só é possível de ser realizado com sucesso através de uma visão ética.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
27
Para ele, liderar consiste em possuir uma compreensão de um dever com os
governados e em ter um senso de orientação para o longo prazo (SIHAG, 2008).
As fontes da sabedoria, segundo Kautilya, são duas. A primeira consiste
na valorização da racionalidade ampliada e no desenvolvimento do senso de
observação. Neste sentido, ouvir a análise e o julgamento de conselheiros é visto
como uma maneira de atingir o melhor julgamento. A segunda fonte é a educação,
que possui quatro funções: a compreensão de fatos históricos relevantes;
o desenvolvimento de conhecimentos voltados à construção do caráter; o
desenvolvimento de capacidades cognitivas, como a reflexão e a síntese, para
pensar melhor; e, finalmente, a busca pelo autocontrole das emoções prejudiciais
ao julgamento, tais como a raiva, a inveja e a arrogância (SIHAG, 2008). Como
se pode observar, para Kautilya, a qualidade da gestão depende da qualidade
do gestor, responsável pelas tomadas de decisões. Isso representa dizer que o
mesmo considera administrar um processo inseparável do sujeito e da sabedoria
que o mesmo foi capaz de construir.
Em convergência com as ideias apresentadas por Sihag (2008),
Born (2009; 2010) afirma que a sabedoria dos gestores estratégicos8, a qual
conceitua “saberes estratégicos”, é constituída por conhecimentos, habilidades,
competências, percepções e valores indispensáveis à tomada de decisão eficaz.
Esta, segundo o autor, ocorre em diferentes espaços de aprendizagem, chamados
de “camadas”, que são a família, a escola, a empresa e as associações. Tornase importante compreender o sentido de eficácia neste contexto, ao qual já se
aplica a intenção de harmonizar interesses e alcançar objetivos socioambientais,
organizacionais e pessoais. Para tanto, defende ser necessário que os gestores
aprendam a deixar a posição de atores coadjuvantes nas empresas, assumindo o
protagonismo e a responsabilidade pelas decisões que tomam. Condição para isso
é o desenvolvimento de uma ética pessoal capaz de fazer suportar os conflitos
e dilemas inerentes à alta gestão consciente. A Figura 2 apresenta um quadroresumo dos componentes e dos respectivos conteúdos dos saberes estratégicos.
Uma empresa pode ser dividida em três níveis hierárquicos: estratégico, tático e operacional. Os gestores
estratégicos (presidentes, diretores,...) compõem a chamada “alta administração”, a quem compete analisar
o longo prazo e tomar decisões no sentido de conduzir a organização rumo aos seus objetivos (BATEMAN;
SNELL, 1998).
8
28
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Figura 2 – Saberes Estratégicos: esquema-resumo (BORN, 2010)
Como se pode observar na Figura 2, em sua parte periférica se encontram
as camadas da construção dos saberes estratégicos. Escola e família são as
camadas de influência predominante até a juventude, quando as outras camadas
passam a operar. O sentido das setas maiores indica a ordem normal em que estas
camadas de aprendizagem passam a fazer parte da vida do indivíduo, não sendo
essa uma regra. Por sua vez, as setas menores demonstram as “idas e vindas” que
ocorrem ao longo de uma trajetória pessoal. Um exemplo disso ocorre quando
um jovem executivo busca conselhos profissionais junto ao seu pai.
Os círculos trazem a ideia de movimento, pois é assim que se encontra
a construção da sabedoria estratégica: do nascimento até a morte do sujeito. Os
valores, critérios essenciais de tomada de decisão, também se transformam, em
direção à formação de uma ética própria do sujeito. Contudo, costumam conservar
em algum nível a essência da família. O caminho da “autoética”, defendido por
Morin (2005), faz-se necessário para que o gestor consiga lidar com o conflito do
egoísmo versus a vontade de pertencer. Por isso a posição dos valores na Figura
2: são eles os responsáveis pelo equilíbrio ao longo da trajetória de construção
dos saberes estratégicos.
O primeiro valor do gestor estratégico é o trabalho. Não porque é
simplesmente isso que se espera de um alto diretivo, mas porque estar envolvido
com a criação de produtos úteis à sociedade é o que traz significado a uma
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
29
existência e coloca o sujeito em contato com o seu meio, assim como também
afirmaram Maslow (2001) e Schaie e Willis (2003). Não só a responsabilidade,
compreendida como dever com os outros, mas também a integridade é um
importante critério de decisão na vida de um gestor. O conhecimento, ou
melhor, a sua busca, é um valor que deve ser considerado objetivo e estratégia
no desenvolvimento da sabedoria estratégica. A curiosidade move o sujeito em
direção a novas experiências de aprendizagem. Em outras palavras, deve-se
buscar conhecer mais para conseguir saber mais. Finalmente, a sustentabilidade
é um valor que se mostra útil não somente por seus evidentes benefícios sociais,
mas também por ser capaz de conectar o mundo interior do gestor ao mundo que
o cerca, aguçando suas percepções e o tornando mais apto a decisões complexas.
Além disso, esse é um valor com grande potencial de geração de equilíbrio e
bem-estar pessoal.
Os conhecimentos que compõem os saberes estratégicos se dividem em
quatro conteúdos, cujo interesse é qualitativo e não quantitativo, isto é, devese aprender caminhos para entender como melhor se apropriar daquilo que é
necessário para resolver os problemas que se colocam diante do gestor. Neste
sentido, de acordo com Gerdau (apud BORN, 2009), deve-se conhecer economia
mundial e local, que permite atribuir “ordem” ao pensamento; filosofia, que
possibilita refletir sobre a ordem estabelecida; relações políticas, que fortalecem
os laços com o ambiente externo; e, ainda, o próprio setor de atuação, para se
obter a necessária profundidade para a tomada de decisão.
As habilidades que compõem a sabedoria do estrategista são duas: a
resistência à pressão e a persistência nos objetivos. Possuem como ponto comum
a resiliência, que consiste na habilidade de tolerar emoções que possam ser
prejudiciais ao processo de aprendizagem. Assim, o gestor sábio deve ser capaz
de se manter firme aos seus valores e propósitos de longo prazo, mesmo sob
coerção interna ou externa.
Três competências merecem destaque na construção de um gestor
estratégico. Segundo Born (2009), elas coincidem com inteligências descritas
por Gardner (1994; 1995), que são maximizadas quando a capacidade genética
soma-se ao treinamento ao longo da vida. A inteligência (ou competência)
lógico-matemática auxilia o gestor a formular diagnósticos mais precisos diante
de situações complexas. A inteligência interpessoal, por sua vez, refere-se à
habilidade de compreender e ser capaz de responder em sintonia aos pensamentos
e sentimentos dos outros. Ainda, a intrapessoal consiste na competência de
uma pessoa compreender a si própria e encontrar soluções para seus conflitos e
30
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
problemas. Em outras palavras, essa competência se faz indispensável, pois, para
gerir uma empresa com lógica e com boas relações humanas, antes o sujeito deve
ser capaz de gerir a si próprio.
Finalmente, seis conteúdos perfazem as “percepções” e reforçam a
importância que o sentir possui na tomada de decisão estratégica. A intuição
frente às oportunidades é a primeira delas. Confiança para tomar proveito das
oportunidades e com isso aprender é outra. Possuir consciência de longo prazo
é fundamental para um gestor estratégico, assim como ser dotado de crítica e
autocrítica, ou seja, de uma postura aberta e questionadora com relação ao mundo
e a si próprio. Sentir-se um ser inacabado é outra percepção importante, de outra
forma a sua curiosidade se reduz e diminuem as possibilidades de aprendizagem
e desenvolvimento. Por fim, possuir “sensibilidade concreta” torna possível
buscar explicações mais abertas e permeadas pela complexidade.
Considerações Finais
Retornando aos questionamentos iniciais, o primeiro ponto abordado
será a dúvida que se lançou a respeito da suficiência do conhecimento provido
na escola de negócios para fazer frente aos desafios da carreira de administrador.
Através da leitura de Pozo (2007), Sihag (2008) e Born (2009; 2010), pode-se
afirmar que o conhecimento é a condição necessária, porém não suficiente para
a gestão estratégica de organizações. Para tomar decisões em nível estratégico,
torna-se necessário trilhar um caminho de aprendizagem que envolve outros
locais, além da escola de negócios, e que compreende a totalidade de um ciclo
vital. Como se viu, o conhecimento é uma importante arma na resolução dos
problemas do gestor. Entretanto, por exemplo, o mesmo necessitará ser capaz
de sentir o ambiente em que se encontra, para fazer “leituras adequadas”, bem
como de ética, para decidir acertadamente, mesmo sob pressão. Assim sendo,
para fazer frente aos problemas típicos da alta gestão, reforça-se a necessidade
dos saberes estratégicos, que são compostos por valores, conhecimentos,
habilidades, competências e percepções.
Muito embora o conhecimento seja algo insuficiente para gerir
organizações, curiosamente, ao elegê-lo como meio (estratégia) e fim (objetivo)
em suas vidas, os indivíduos acabam por encontrar a sabedoria estratégica.
Segundo o estudo de Born (2009), isso ocorre porque a inquietude e a curiosidade
por conhecer mais acabam por mover o sujeito em direção a oportunidades de
aprendizagem, imbuindo-o da confiança necessária para encarar os desafios
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
31
(riscos) inerentes a estes eventos. Portanto, em busca de conhecimento, muitos
alcançam sabedoria. Todavia, acredita-se que, ao discernir corretamente
conhecimento e sabedoria estratégica, a jornada de desenvolvimento pessoal e
profissional do administrador possa se tornar mais eficaz e proveitosa.
O segundo questionamento lançado ao início deste texto foi mais
ousado: estariam as escolas de negócios provendo serviços capazes de atender a
totalidade dos interesses envolvidos em sua atuação? Para se buscar respostas,
antes há de se levar em conta que as instituições de ensino diferem entre si,
portanto, as situações podem variar consideravelmente. Levando-se em conta a
abordagem teórica aqui proposta e a visão tradicional do marketing, que sugere
o cliente (aluno) como princípio e fim da atividade empresarial, e observando o
modelo proposto por Levitt (1990), que prevê o desenvolvimento de produtos
orientados aos problemas do cliente, então, pode-se esboçar uma resposta: as
escolas de negócios estão voltadas para o desenvolvimento dos conhecimentos
de seus alunos.
A insuficiência na formação de gestores estratégicos pode ser
vislumbrada diariamente em notícias sobre os setores público e privado. Tratase, em boa parte, de uma questão conceitual relacionada à definição de quem
é o cliente e quais são os problemas de fato a serem resolvidos. Felizmente, o
marketing societal e, depois, a sustentabilidade, estão auxiliando a promover
iniciativas no sentido de se colocar comunidade, professores, empresários,
trabalhadores, ONG´s, governo, além dos próprios alunos, juntos na
especificação da qualidade desejada nos serviços de educação de negócios.
Céticos podem questionar a importância da orientação das escolas de
negócios para os stakeholders, afinal o sujeito da educação é o aluno e, ao menos
em escolas privadas, é ele quem “paga a conta”. Entretanto, a sabedoria estratégica
supera o conhecimento, sendo essencial à formação de gestores eficazes. Neste
contexto, deve-se questionar a razão pela qual a escola de negócios se encontra
tão amarrada ao desenvolvimento de conhecimentos. Evidentemente, como
exposto, é quase uma questão paradigmática. Contudo, deve-se considerar a
incapacidade de um só grupo de indivíduos (no caso os alunos) especificarem
a qualidade dos serviços de educação em negócios que, em última instância,
impactarão não somente sobre as suas vidas, como também sobre a de muitos.
Por fim, pode-se dizer que o aluno é uma parte muito relevante na
concepção da qualidade dos serviços prestados pelas escolas de Administração.
Mas os stakeholders são a sua totalidade. O conhecimento, por sua vez, é uma
parte importante do produto dessas organizações. Porém, os saberes estratégicos
32
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
representam o “produto potencial”, a direção para que os diretores de escolas
devem olhar na busca pelo “produto aumentado”, capaz de desenvolver
administradores com sabedoria suficiente para administrarem organizações de
maneira sustentável e realizarem a si próprios.
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ZEITHAML, Valarie A.; BITNER, Mary Jo. Marketing de serviços: a
empresa com foco no cliente. Porto Alegre: Bookman, 2003.
Qualidade a Educação tecnológica
Rosalir Viebrantz1
Introdução
O
ritmo no crescimento nos cursos de educação tecnológica nos últimos
anos tem sido ligeiramente maior do que o observado em anos
anteriores; com isso a temática da qualidade e da garantia de qualidade tornouse relevante nesse cenário. A qualidade no domínio da educação profissional
e nos cursos superiores de tecnologia tornou-se uma questão de importância
crescente, tanto para os investigadores e profissionais da educação, como para
a comunidade em geral (VIEBRANTZ, 2010). Uma variedade de abordagem,
sobre qualidade, tem sido desenvolvidas e implementadas em diferentes setores
como, por exemplo, no ensino superior (CRUICKSHANK, 2003), nas escolas,
na educação profissional e tecnológica (GREENWOOD; GAUNT, 1994), no
setor de educação à distância (YASIN et al., 2004), ou na indústria de serviços
em geral (DOUGLAS; FREDENDALL, 2004; ITTNER; LARCKER, 1997).
As abordagens, sobre qualidade em educação, diferem em vários
aspectos, como âmbito ou metodologia. Não há um entendimento comum sobre
a terminologia ou a metodologia da qualidade, porque qualidade pode ser vista
a partir de uma variedade de perspectivas e dimensões. Ehlers (2003) e Ehlers
e Pawlowski (2004), afirmam que a qualidade possui uma perspectiva multi no
seu construir. A principal perspectiva é a terminologia e os correspondentes da
compreensão de qualidade. O termo qualidade não é definido e interpretado
como no senso comum. Uma definição, de qualidade, amplamente utilizada por
Juran (1951, 1974, 1992) é a Adequação à finalidade. Além disso, a International
Organization for Standardization (2000) define qualidade dentro a norma ISO
9000:2000 como a capacidade de um conjunto de características intrínsecas
de um produto, sistema, ou processo em cumprir as exigências dos clientes e
outras partes interessadas. No entanto, para Pawlowski (2007), estas definições
são demasiado genéricas para ser aplicado no domínio da aprendizagem na
educação tecnológica. Os requisitos específicos de ambientes de aprendizagem,
na educação tecnológica, tais como a incorporação das complexas funções no
processo educacional, não são tidos em conta.
Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense – Campus Camaquã.
Cursando Pós-Doutorado em Educação - PUC/RS. [email protected]
1
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
35
A partir de outra perspectiva, a qualidade depende também do seu
âmbito e objetivos. Vários conceitos foram desenvolvidos para fins genéricos,
tais como a gestão da qualidade total (DEMING, 1982). A Gestão da qualidade
total também foi aplicada a setores específicos, por exemplo, sistemas
de informação de gestão (CORTADA, 1995; RAVICHANDRAN, 2000),
desenvolvimento de software (RAI, SONG; TROUTT, 1998; GILL, 2005),
ou na gestão do ensino superior tecnológico (CRUICKSHANK, 2003). Além
disso, vários conceitos foram desenvolvidos para específicas finalidades, tais
como métricas de qualidade dos dados (PIPINO; LEE; WANG, 2002) ou para
medir o desempenho dos alunos e dos professores (SHAHA, et al., 2004). A
perspectiva recente, em educação tecnológica, com o foco na metodologia da
abordagem da qualidade é a garantia de qualidade.2
As diferentes perspectivas de qualidade em educação tecnológica definem
a qualidade no seguinte reunião adequada das partes interessadas objetivo e
necessidades, que são o resultado de um processo transparente, participativo e de
negociação dentro de uma organização (PAWLOWSKI, 2007). Além disso, no
campo do ensino tecnológico, a qualidade está relacionada a todos os processos,
produtos e serviços para a aprendizagem, apoiada pela utilização de informações
e tecnologias de comunicação. Para Pawlowski (2007), a definição de qualidade,
em educação tecnológica, precisa ser fundamentada em vários atributos refletindo
diferentes perspectivas.
Na perspectiva de Pawlowski (2007), o principal problema, para as
organizações educacionais tecnológicas, é encontrar um conceito de qualidade
adequado que atenda às suas exigências e necessidades no que diz respeito aos
atributos (VIEBRANTZ; MOROSINI, 2009). No domínio da abordagem da
qualidade para a aprendizagem tecnológica, as abordagens genéricas não são
limitadas a um domínio (como a organização educacional ou provedores de
aprendizagem). Elas são adaptadas às exigências específicas no domínio. Mas
as abordagens específicas de qualidade são abordagens que lidam com certos
aspectos do domínio da aprendizagem (PAWLOWSKI, 2007).
2
Para a Organização - Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a garantia de qualidade pode ser descrita
como uma atenção sistemática, estruturada e contínua à qualidade em termos de manutenção e melhoramento da
qualidade e, em termos mais concretos, de políticas, ações e procedimentos necessários para assegurar que aquela
qualidade está sendo mantida e melhorada. O conceito de garantia de qualidade é, portanto, complexo, até o ponto em
que abrange as dimensões múltiplas de inputs, processos e resultados, bem como a maneira como essas dimensões
mudam ao longo do tempo. Na prática, atividades de garantia de qualidade tomam várias formas e abrangem um
amplo espectro de processos designados para monitorar, manter e aumentar a qualidade. Essas atividades alcançam
desde diretrizes e orientações genéricas a processos internos de auto-revisões e revisões externas. Diferentes
abordagens podem ser tomadas por sistemas de garantia de qualidade. Essas não são mutuamente exclusivas, e
agências/órgãos de garantia de qualidade podem adotar uma ou mais dessas, abordagens, de acordo com diferentes
sistemas e tradições educacionais, e a OCDE destaca a Acreditação, a Avaliação e a Auditoria.
36
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
As abordagens genéricas, como a ISO 9000:2000 (International
Organization for Standardization, 2000) ou European Foundation for Quality
Management (EFQM, 2003) são amplamente utilizados e bem aceitas no campo
da gestão da qualidade, na educação tecnológica. No entanto, para Pawlowski
(2005), o esforço para adaptar as abordagens é muito elevado. Para Pawlowski
(2005), normalmente uma organização educacional tecnológica, não tem muita
orientação específica de domínio para fornecer descrições dos seus processos
educativos. Apesar dessas dificuldades, existe uma variedade de exemplos bem
sucedidos na educação tecnológica. Cruickshank (2003) mostra que é possível
a utilização dessas normas no contexto da aprendizagem tecnológica, mas que a
adaptação dessas normas ainda requer um grande esforço. Além disso, nenhuma
dessas abordagens tem uma vasta aceitação na Europa (EHLERS, 2003).
Pawlowski (2007), ao referir-se às abordagens relacionadas, afirma que
existe uma variedade de abordagens relacionadas a um determinado objetivo de
qualidade. Estes padrões são utilizados para assegurar a qualidade com aspectos
muito específicos, tais como a qualidade dos dados ou a interoperabilidade. As
abordagens podem ser classificadas do seguinte modo:
Tipo de Norma
Proposta
Abordagens
genéricas de
qualidade
Conceitos de gestão da qualidade
ou garantia de qualidade,
independente do domínio de uso.
Abordagem
específica de
qualidade para
aprendizagem,
na educação
tecnológica
Abordagens
relacionadas
Gestão da qualidade ou conceitos
de garantia da qualidade para
o campo da aprendizagem na
educação tecnológica.
Exemplo
ISO 9000:2000 (International Organization
for Standardization, 2000)
EFQM (European Foundation for Quality
Management, 2003)
BLA Quality Mark
Association, 2005)
(British
Learning
QAA Framework (Consortium for Excellence
in Higher Education, 2001)
Quality on the Line Benchmarks (Institute for
Higher Education Policy, 2000)
ASTD Quality Criteria, American Society for
Training & Development (2001)
Gerenciar ou garantir aspectos
específicos de qualidade. Por
exemplo,
aprendizagem de padrões de
tecnologia
são usados para assegurar
interoperabilidade com um
objetivo específico de qualidade.
Learning Object Metadata IEEE Learning
Technology Standards Committee (2002)
Data Quality (Pipino et al., 2002; Pierce, 2004)
Quadro 1 - Classificação das abordagens de qualidade - Fonte: Elaboração da autora a
partir de Pawlowski, 2007.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
37
Em geral, as abordagens da qualidade – genéricas, específicas e abordagens
relacionadas podem ser útil para fins pedagógicos nas organizações de educação
tecnológica. No entanto, para Pawlowski (2007), existem várias deficiências:
antes de tudo, a maioria das normas e das abordagens não é comparável; somente
os peritos entendem em profundidade as normas, os usuários são informados
sobre a extensão e aplicabilidade de um determinado contexto. Entretanto, os
esforços, em muitos casos, são demasiado elevados, na adaptação de normas
genéricas. Sem contar que as normas são normalmente não utilizadas e não bem
conhecidas na comunidade. Assim sendo, para Pawlowski (2007), o objetivo
de transparência não pode ser alcançado, em profundidade, por essas normas
e abordagens. (GLEAZER; PARNELL; PIERCE, 2004; HIRATA, K. 2006;
PIERCE, 2004; THIAGARAJAN; ZAIRI, 1997;).
Nesse contexto nascem novas normas, novos processos, para tentar
harmonizar a gestão da qualidade em ambientes educacionais tecnológicos. Por
exemplo, a norma ISO/IEC 19761-1 e o modelo de processo PAS 1032-1, são as mais
importantes no contexto educacional tecnológico. Sendo assim, nos perguntamos
quais são as possíveis dimesões e indicadores de qualidade necessários para avaliar
cursos de graduação tecnológicos? Para tanto, o objetivo principal deste trabalho
é apresentar dimensões e indicadores de qualidade para Avaliação de Cursos
Tecnológicos que possam contribuir para assegurar a qualidade.
Procedimentos metodológicos
Este estudo é caracterizado como de natureza predominantemente
qualitativa. Quanto aos seus objetivos se caracteriza como exploratório, visto que
buscou gerar insights e descobrir idéias gerais sobre a qualidade e a garantia de
qualidade no que diz respeito ao problema em estudo. As técnicas utilizadas foram
a pesquisa bibliográfica e a documental. A pesquisa bibliográfica tanto possibilitou
o resgate dos principais conceitos e discussões inerentes a qualidade e a garantia
de qualidade, como orientou e subsidiou o levantamento e a construção da matriz
de referência usado para análise. A pesquisa documental capta, na legislação, os
mecanismos de ordenamento da qualidade nas instituições de ensino profissional e
tecnológica e de modo específico nos cursos superiores tecnológicos.
Para verificar a consistência dos modelos na construção das dimensões
e dos indicadores, em nível de curso de graduação tecnológico, seguiu-se,
entre outros, as abordagens de Juliatto (2005; AQUINO; COOTE, 1991;
38
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
SRIKANTHAN; DALRYMPLE, 2002; DILL, 2000; DUBOIS, 1998;
GARVIN, 1992; GREEN, 1968; HOURSBURHG, 1999; HUTCHINS, 1993;
AQUINO.;PUENTES, 2004; SRIKANTHAN 2002; LAKATOS; MARCONI,
2001; KUH, 2009; PFEFFER, N.; COOTE, 1991; PISTRAK, 1981; TAM, 2001).
A matriz de referência, para a elaboração das dimensões e dos indicadores, foi
construida a partir do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
- SINAES (SINAES, 2004) - e das Organizações das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO - Conferência Mundial sobre o Ensino
Superior no Século XXI- (MAYOR, 1998); da norma ISO/IEC 19796-1:2005,
dos modelos de processos (PAS 1032-1; EFQM); e levamos em consideração
o processo de gestão sistêmica do Senac/RS. Para a sistematização da matriz
(dimensões e indicadores), seguiu-se a orientação de Contandriopoulos (1999)
e outros, em que a análise qualitativa dos mesmos compreendeu as seguintes
etapas: a) escolha das normas e processos para a construção da matriz; b) seleção
dos modelos; c) projeto e protocolo de análise; d) escolha e aplicação dos modos
de análise; e) análise transversal; f) construção das dimensões e dos indicadores
de qualidade em nível de curso de graduação tecnológico.
Matriz Referência: Para Construção de Dimensões
e Indicadores de Qualidade para Educação
Tecnológica
Juliatto (2005), afirma que a qualidade em organizações de educação
superior, necessita derivar para ação concreta e para resultados. Destaca ainda,
que a qualidade aferida por quaisquer critérios, em dada situação, ou está
ausente ou está presente. Desta forma, “o problema” da sua aferição torna-se um
problema de avaliação empírica e prática. Assim, a qualidade requer visibilidade
e precisa ser demonstrada, pois não existe qualidade invisível. O autor em sua
abordagem de qualidade combinou estudos diferentes e complementares para
dimensionar a qualidade e categorizou indicadores para sua aferição segundo
três categorias: insumo, processo e produto. Os indicadores utilizados são: a)
Indicadores da qualidade do insumo: que é o sentido de missão institucional,
ambientes de vivência estudantil, tamanho institucional, recursos financeiros e
qualidade dos candidatos matriculados; b) Indicadores da qualidade do processo:
que é a estrutura institucional, envolvimento do estudante, interação professoraluno, esforço do aluno, acesso ao conhecimento, grau de exigência, ensino
competente e projeto pedagógico; c) Indicadores de qualidade do produto:
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
39
necessita ser aferida pelos critérios da missão institucional, tanto quanto pela
adequação e resposta à clientela que serve.
Tam (2001, p. 49), observa que como resultado das diferentes visões
sobre qualidade na educação superior, uma variedade de “sistemas e abordagens
tem sido desenvolvida para monitorar qualidade de diferentes tipos e em
diferentes níveis, indicando ênfases e prioridades variadas.” Estes sistemas
incluem: a) Controle de qualidade: é um sistema para verificar se os produtos
produzidos ou os serviços fornecidos alcançam os padrões pré-definidos; b)
Garantia da qualidade: é baseada na premissa que cada um na organização tem
a responsabilidade de manter e elevar a qualidade do produto ou do serviço; c)
Auditoria da qualidade: são os meios de certificar-se de que os sistemas e as
estruturas relevantes dentro de uma instituição apóiam sua missão de ensinar, e
para assegurar-se de que a prevenção é ou está além de um nível satisfatório da
qualidade; d) Avaliação da qualidade: envolve o julgamento no desempenho de
critérios, internamente e externamente. Para avaliar as instituições de educação
superior; compara-se o desempenho através de uma escala de indicadores. Os
indicadores estão associados a diferentes dimensões.
Para o SINAES (SINAES, 2004, p. 14), “ [...] indicadores são aspectos,
qualitativos e quantitativos, que possibilitam obterem-se evidências concretas,
que, de forma simples ou complexa, caracterizam a realidade dos múltiplos
elementos institucionais que retratam.” Entretanto, Juliatto (2005, p. 79) alerta
que “os indicadores de qualidade mudam em função do tempo, como acontece
com o próprio conceito de qualidade em educação.”
Para a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI,
(MAYOR 1998) chega-se a qualidade através do conceito fundamental que
é “garantia da qualidade”. O sistema de garantia de qualidade é um meio
utilizado pela instituição para confirmar, para si própria e aos outros, que foram
estabelecidas as condições indispensáveis para os estudantes atingirem os
padrões que a instituição fixou para si.
A OECD (2009), ao referir-se a “globalização do ensino superior para
2030” - afirma que: o foco na garantia de qualidade irá reforçar a cooperação
transfronteiriça da educação superior em resposta ao crescimento do ensino privado,
dos rankings institucionais e na busca de responsabilização, ou seja: a ênfase na
garantia da qualidade global começou a avançar para a avaliação educativa e os
resultados do mercado de trabalho, em vez de insumos, mas ainda há notáveis
diferenças entre a auditoria e abordagens de avaliação em todas as regiões. Ao
mesmo tempo, pode-se observar o aparecimento de acreditação transfronteiriça e
40
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
um reforço geral de cooperação além-fronteiras - várias redes regionais de agências
de garantia da qualidade foram estabelecidas e há um crescente interesse na criação
comum regional de critérios e metodologias, particularmente na Europa. “O
surgimento de um quadro comum de garantia de qualidade em uma escala global
não parece provável no futuro próximo.” (ORGANISATION FOR ECONOMIC
CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2009, p.17).
Em Pawlowski (2007), a definição de qualidade, em educação tecnológica,
precisa ser fundamentada em vários atributos refletindo diferentes perspectivas.
Para descrever abordagens de qualidade em profundidade, o autor sugere que seja
observado os atributos que podem nos ajudar a distinguir conceitos de qualidade:
a) Contexto e âmbito de aplicação: refere-se ao contexto da abordagem, ou
seja, que processos abrangem; b) Objetivos: os objetivos de qualidade podem
ser alcançados por uma abordagem. c) Foco: foco na abordagem de qualidade
das: 1) organizações / processos, 2) produtos/serviços, ou 3) competências; d)
Perspectivas: refere-se às partes interessadas e, correspondentemente, a partir da
qual uma perspectiva ou abordagem de qualidade foi concebida; e) Metodologia:
métodos e instrumentos que são utilizados; f) Métricas: critérios e indicadores
aplicados para medir o sucesso.
As abordagens e as normas apresentadas no memorial de referência para
a construção da matriz das dimensões e indicadores de qualidade, em nível de
curso de graduação tecnológica, traduzem elementos que asseguram a construção
da qualidade na perspectiva da garantia de qualidade e de atendimento às
demandas de diferentes “stakeholders”. A metodologia de construção da matriz
já foi apresentada anteriormente.
Modelo
Idéia
UNESCO - Conferência
Mundial sobre o Ensino
Superior no Século XXI, –
(MAYOR, 1998)
Garantia da Qualidade
Visão Sistêmica - holística
Determina como demissões de qualidade:
- do pessoal;
- dos projetos;
- dos estudantes;
- da infra-estrutura;
- e do ambiente interno e externo.
41
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
ISO/IEC 19796-1:2005
Foco na Aprendizagem;
Visão Sistêmica - holística
O modelo de processo, desta norma é abrangente,
cobre todos os aspectos e exigências dos fornecedores,
bem como dos usuários e da aprendizagem. Apóia o
desenvolvimento de perfis das organizações educacionais
tecnológicas (como objetivos, métodos, relações, e as
pessoas envolvidas).
1)
Necessidade de análise - Identificação e descrição
dos requisitos, exigências e limitações de um projeto de
ensino;
2)
Estrutura de análise - Identificação da estrutura e
do contexto de um processo educativo;
3)
Concepção / Projeto - Concepção e planejamento
de um processo educativo;
4)
Desenvolvimento / produção - Realização de
conceitos;
5
Implementação - Descrição
componentes tecnológicos;
da
implementação
)
dos
6)
Processo de aprendizagem - Realização e
utilização do processo de aprendizagem;
7)
Avaliação / otimização - Descrição dos métodos
de avaliação, princípios e procedimentos;
- Esta norma de qualidade prevê uma abordagem
harmonizada para gerir, a garantia de qualidade, ou avaliar
a qualidade.
- A descrição do modelo proporciona processos para
desenvolver cenários de aprendizagem especificando:
objetivos de qualidade; métodos para garantir a qualidade;
agentes envolvidos neste processo; relações com outros
processos; métodos de avaliação para avaliar o sucesso de
um processo; normas de referências.
42
PAS 1032-1
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Foco na Aprendizagem;
Modelo de processo holístico – editorial, documentação,
avaliação;
Categorias:
- Análise das necessidades;
- Quadro de análise;
- Concepção / Design;
- Desenvolvimento / Produção;
- Implementação;
- Processo de aprendizagem realização;
- Avaliação / Otimização.
EFQM
Modelo de processo – holístico
- Conceitos Fundamentais da Excelência: Orientação para
os resultados; Foco no cliente; Liderança e constância de
propósitos; Gestão por processos e fatos.
O modelo é baseado em nove critérios (cinco critérios
“facilitadores” e quatro critérios de resultados. A liderança;
A gestão do pessoal; A política e a estratégia; As parcerias
e os recursos; Os processos; A satisfação do pessoal; A
satisfação do cliente; A integração à coletividade; Os
resultados operacionais.
A EFQM propõe diferentes métodos de auto-avaliação:
auto-avaliação por workshop;
auto-avaliação pelo diagrama de matriz;
auto-avaliação por check list;
auto-avaliação por formulário;
auto-avaliação pela simulação de uma proposta de avaliação
nacional ou internacional;
auto-avaliação pelo envolvimento de colegas/pares.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
SINAES/CURSO
Lei - 10.861/ 2004.
43
O Estado - Regula, Avalia e Supervisiona. SINAES Regulação pelo MEC – Condução do processo INEP.
- SINAES – visão sistêmica.
Os instrumentos que subsidiam a produção de indicadores
de qualidade e os processos de avaliação de cursos são:
- o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)
- e as avaliações in loco realizadas pelas comissões de
especialistas.
No âmbito do Sinaes e da regulação dos cursos de graduação
prevê avaliação periódica. Três tipos de avaliação:
Para autorização: Essa avaliação é feita quando uma
instituição pede autorização ao MEC para abrir um curso.
Ela é feita por dois avaliadores, que seguem parâmetros
de um documento próprio que orienta as visitas, os
instrumentos para avaliação in loco. São avaliadas as três
dimensões do curso quanto à adequação ao projeto proposto:
a organização didático-pedagógica; o corpo docente e
técnico-administrativo e as instalações físicas.
Para reconhecimento: Quando a primeira turma do curso
novo entra na segunda metade do curso, a instituição deve
solicitar seu reconhecimento. Uma segunda avaliação é feita
segundo instrumentos próprios para verificar se foi cumprido
o projeto apresentado para autorização. Sendo avaliada a
organização didático-pedagógica, o corpo docente, discente,
técnico-administrativo e as instalações físicas.
Para renovação de reconhecimento: Essa avaliação é
feita de acordo com o Ciclo do Sinaes, ou seja, a cada três
anos. É calculado o Conceito Preliminar do Curso (CPC) e
aqueles cursos que tiverem conceito preliminar 1 ou 2 serão
avaliados in loco. Os cursos com conceito 3 e 4 receberão
visitas apenas se solicitarem.
- Avalia-se: Dimensão 1: Organização Didático-pedagógica;
Dimensão 2: Corpo docente; Dimensão 3: Instalações físicas.
SENAC-RS
Modelo de gestão sistêmica
Normas adotadas: ISO 9001:2000; Programa Gaúcho da
Qualidade; SINAES; Indicadores Institucionais.
Quadro 2 - Memorial dos processos e normas de qualidade: referência para a elaboração
da matriz das Diemsões e dos Indicadores. Fonte: a autora (2009).
44
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Proposição de: Dimensões e Indicadores para
Avaliação de Cursos Tecnológicos
Avaliar a qualidade de um curso tecnológico não é uma tarefa simples;
existem vários trabalhos na literatura que definem itens que são utilizados no
processo de avaliação os quais podem fornecer parâmetros para indicar melhorias
a serem efetuadas sobre os diversos aspectos do curso avaliado, da instituição e
ou do sistema educacional. Embora sejam utilizadas denominações diferentes
para esses itens (indicadores, diretrizes, componentes, padrões), todos eles têm
como objetivo: fornecer pontos de referência para a avaliação da qualidade de
um curso tecnológico, da instituição e ou do sistema educacional.
Algumas das normas estudadas, nesse texto, ressaltam em suas
políticas, diretrizes e padrões de qualidade definidos, para o ensino superior
a nível institucional e de curso, a necessidade de uma equipe profissional
multidisciplinar. A importância da comunicação e interatividade entre professor
e aluno e a necessidade de infra-estrutura de apoio, entre outros.
Ainda que existam referências sobre a avaliação de cursos, percebe-se
que esta ainda é uma tarefa árdua de ser realizada, entretanto verificar, se uma
determinada dimensão/indicador está inteiramente, parcialmente ou não está
contemplado; requer que o avaliador compreenda o que deve ser analisado
sobre aquele item e consiga obter as informações que lhe permita dar um
parecer sobre ele.
O modelo de referência das dimensões e dos indicadores, para avaliação de
cursos de graduação em tecnologia, nasceu de uma longa revisão bibliográfica e
análise dos modelos investigados. Fundamenta-se na - Lei n. 10.861/04, SINAES
-, em uma visão sistêmica da Educação Superior concebida pela UNESCO - na
Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI, (MAYOR, 1998)
e em uma visão holística, concebida pela norma ISO/IEC 19796-1:2005, pelo
PAS 1032-1 e EFQM, entre outros.
Na construção das dimensões e indicadores, levou-se, também, em
consideração algumas necessidades e competências que o aluno, hoje, precisa
ter: conhecimento, competência e rede (MOROSINI, 1999, 2009a, 2009b;
PAWLOWSKI, 2007). Isso vai além da exigência de aprendizagem autodirigida ou
autoguiada. Estamos falando sobre o surgimento do trabalhador do conhecimento
e seu poder, usando o conhecimento, informação e tecnologias de aprendizagem
para retomar o controle de sua própria vida, capital pessoal e intelectual (KUH,
2009; MOROSINI, 2008a; 2008b; SANTOS, 1975, 2004a ,2004b). Para a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
45
elaboração do quadro abaixo, partimos do princípio de que, além dos deveres de
responsabilidade com sua própria aprendizagem, o educando para desenvolver
seus conhecimentos, competências e relacionamentos de rede; necessita garantir
alguns direitos que foram elencados a partir da fundamentação teórica desse
texto e da experiência da autora no trabalho com a educação profissional e
cursos de graduação tecnológico, entre outros autores (MOROSSINI, 2008a;
SOUZA, 2005; TARDIF, 2002; TEICHLER, 2005). Segue abaixo os direitos:
Direito
Os educandos têm o direito de
1.
Acesso à aprendizagem
acesso aberto e igualitário à educação, formação e
outras oportunidades de aprendizagem;
2.
Informação sobre a
aprendizagem
informações completas e precisas sobre a
aprendizagem;
3.
Aprendizagem e orientação
informação aberta e orientação sobre todos os
aspectos da educação, oportunidades e direitos;
4.
Aprendizagem e administração
uma administração eficiente, cortês e rápida;
5.
Aprendizagem e pessoal de
apoio
ser apoiado por pessoal qualificado e competente,
que estejam ativamente envolvidos em seu
desenvolvimento profissional contínuo;
6.
Ambiente de aprendizagem
um ambiente adequado, acessível ao estado da arte
da aprendizagem facilitando o apoio dos pares;
7.
Portfólio
um portfólio para planejar e gerir a aprendizagem,
valores e bens dentro da comunidade de
aprendizagem;
8.
Atividades de aprendizagem
aprendizagem que é relevante para a vida do aluno;
9.
Recursos de aprendizagem
apropriado de recursos de aprendizagem para
facilitar a aprendizagem autodirigida;
10.
Normas profissionais
Precisas e normas profissionais atualizadas;
11.
Planejamento de aprendizagem
participar ou ser adequadamente representado no
planejamento de atividades de aprendizagem de
conhecimento geral;
12.
Aprendizagem prévia
reconhecimento da aprendizagem prévia;
13.
Aprendizagem e indução
indução adequada nos processos de aprendizagem;
14.
Estratégias de aprendizagem
estratégias de aprendizagem personalizadas e uma
gama equilibrada de aprendizagem e estratégias
pedagógicas;
46
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
15.
Aprendizagem autodirigida
controle pessoal
aprendizagem;
sobre
a
experiência
16.
Acompanhamento e avaliação
um processo de avaliação justa e transparente;
17.
feedback de queixas/
reclamações
um retorno justo e eficaz aos comentários e
reclamações.
de
Quadro 3 - A lei dos direitos do educando. Fonte: A autora (2009).
As nove dimensões e os seus indicadores que sugerimos, a partir da
metodologia já explicitada, para avaliar a qualidade de um curso de graduação
tecnológico são:
Quadro 4 - Dimensões para avaliar um curso de graduação tecnológico. Fonte: A
autora (2009).
Em cada uma das nove dimensões vamos encontrar indicadores, os quais
são passíveis de mutação conforme a realidade institucional de cada organização
de educação tecnológica que esteja sendo avaliada em um determinado tempo e
espaço.
Dimensão
Indicadores
Analisar o mercado potencial e as características do produto;
1- Inclusão na
economia do
conhecimento
Supervisão e controle da cadeia de valor sobre o retorno e sobre o
método de investimento;
Avaliação e regular otimização no processamento de custos;
Participação do formando no mercado de trabalho, na comunidade e
na sociedade.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
2 - Organização
técnica do curso
47
Desenvolvimento e implementação de normas/ diretrizes e medidas
para garantir a qualidade técnica;
Conformidade dos recursos com as normas técnicas internacionais;
Descrição dos recursos técnicos e comprovação de seu uso na IES.
Projeto padrão do curso;
Congruência do projeto com diretrizes da área;
3- Planejamento do
curso
Apreciação e avaliação do projeto de curso por um comitê e pelos
participantes;
Verificação regular do conteúdo do curso e design;
Normas mínimas para o desenvolvimento de conteúdo.
Consulta individual ao aluno;
4 - Organização do
curso
Pré-requisitos de seleção do aluno individualmente;
Mostrar possíveis caminhos e métodos de estudo;
Tutores, para os alunos, nos processos de aprendizagem individual.
Integração regular de um “controle” no ensino;
5 - Implantação do
Curso
Implementação de um curso construtivo e contemporâneo que
proporcione feedback ao aprendiz;
Integração entre os alunos;
6 - Apoio ao aluno
Apoio em questões técnicas, organizacionais e conteúdos orientados;
Normalização dos processos de apoio.
Educação regular e capacitação;
7 - Apoio aos
educadores
8 - Acesso à rede
educacional
Auto-avaliação;
Suporte técnico.
Segurança nos dados e privacidade;
Mecanismos de controle no acesso a rede;
Qualidade, da rede, disponível.
Verificação dos objetivos de aprendizagem;
9 - Avaliação e
auditoria
Eficácia do curso;
Elevação nos dados e avaliação regular do curso.
48
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Quadro 5 - Dimensões e Indicadores de qualidade para avaliar um curso de graduação
tecnológico. Fonte: A autora (2009).
O processo de acreditação de um curso superior de tecnologia conforme
as nove dimensões e indicadores3 apresenta o seguinte fluxo:
Figura 1 - Processo de acreditação. Fonte: A autora (2009).
A partir das nove dimensões e dos indicadores avaliados no curso
superior de tecnologia, sugerimos que seja na medida do possível levado
em consideração, também, os processos de aprendizagem individual, das
comunidades de aprendizagem e da aprendizagem territorial, avaliando alguns
possíveis indicadores.
Quem
Que
% tempo gasto na
aprendizagem (formal,
informal e não formal).
Como o que eu aprendi
mudou a minha
vida como cidadão,
trabalhador, cônjuge, etc?
Quais são os meus
estilos de aprendizado
preferidos?
% de indivíduos que
alcançaram sucesso no
programa/curso.
Qual é o impacto
do programa sobre
o desempenho da
organização?
Quais são os
métodos de ensino
e aprendizagem
utilizados?
Comunidade
(profissional)
% dos profissionais
engajados em uma
comunidade e no
desenvolvimento
profissional contínuo.
Quais são as práticas
emergentes provocadas
pela comunidade?
Como fazer
comunidades de apoio
à prática reflexiva e
prática informada?
Organização
% do pessoal envolvido
em atividades de
aprendizagem.
Desenvolvimento e
adaptação da proporção
de aprendizagem?
Como é o
reconhecimento da
aprendizagem nãoformal?
Individual
Programa/
curso
3
Os 24 meses são apenas como referência.
Como
49
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
Comunidade/
cidade/região
% de cidadãos que
participam ativamente
em associações, clubes
e redes.
% da população
registrada na educação
de adultos centros
culturais e universidades
populares.
Sistemas de orientação,
centros comunitários,
bibliotecas públicas,
etc.
Sociedade
% dos cidadãos e
de trabalhadores,
engajados a qualquer
momento em atividades
de aprendizagem.
Proporção cultural/
profissional de
aprendizagem.
% de qualificações
entregues embora a
acreditação prévia da
aprendizagem.
Quadro 6 - Indicadores de aprendizagem necessários em um curso de graduação
tecnológico-Fonte: A autora (2009).
Avaliar a qualidade de um curso de graduação tecnológico não é uma
tarefa simples. A definição de um processo de qualidade é uma atividade
extremamente criativa e demanda empenho para a definição da arquitetura a
ser utilizada. Neste aspecto, o uso dos “modelos” de qualidade (da norma ISO/
IEC 19796-1:2005, pelo PAS 1032-1 e EFQM, entre outros) sugeridos neste
texto como fundamentais para a educação profissional tecnológica representam
um grande atalho, uma vez que a organização dos “modelos” e sua arquitetura
podem ser aproveitados.
Embora a necessidade de continuidade e aprimoramento deste estudo,
espera-se que a matriz das diemsões e dos indicadores proposto possam
contribuir para o desenvolvimento da gestão da qualidade e da garantia da
qualidade nos cursos tecnológicos.
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QUALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE
Graziela Escandiel de Lima1
O
trabalho que ora se apresenta situa-se num contexto social e
educacional em que se percebe a necessidade de que se constitua um
outro olhar para a infância vivida nos espaços de Educação Infantil e, pensando
dessa forma um olhar também outro para as diferentes ações que compõem o
dia a dia dessas instituições. Neste sentido, tematiza-se o cotidiano da Educação
Infantil com crianças que vivem sua infância aqui e agora junto a pedagogos que
vivem também num contexto de vida cotidiana em que é mister se pensar e fazer
de forma diferenciada a formação de pedagogos.
Considera-se que a caracterização do que e como se configura o trabalho
pedagógico na educação da criança pequena é uma questão que necessita de um
olhar atencioso, pois representa ainda um desafio para os pedagogos, desafio
esse que precisa ser encarado nos cursos de formação inicial em Pedagogia.
Tendo em vista os intensos debates que se sucederam à implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia (DCNs), considerase que a questão não é mais questionar se vamos continuar estabelecendo processos
formativos nos cursos de Pedagogia pelo que determinam as DCNs. Sobretudo
precisamos pensar: Como caracterizamos a educação da criança pequena nos
cursos de formação de pedagogos? Como nos interrogamos a respeito da infância
vivida nos espaços institucionais da Educação Infantil? Que elementos emergem
do cotidiano de educação da criança pequena e que contribuem para pensar a
formação de pedagogos hoje?
Este trabalho demonstra um recorte da pesquisa organizada para que se
pudesse configurar o trabalho pedagógico na Educação Infantil buscando, com
esse estudo, apontar elementos referenciais para a formação de pedagogos para
atuarem com crianças pequenas.
Resende (2006) argumentando sobre o trabalho pedagógico faz
referência à necessidade de que a unidade teoria e prática possa se estabelecer
a partir de uma relação de interdependência. Nesse sentido a autora continua
sua problematização situando alguns equívocos a serem considerados
no campo educacional. O primeiro equívoco refere-se aos processos de
formação, os quais se caracterizam por currículos fragmentados e disciplinas
estanques, o que ocasiona uma organização do trabalho pedagógico nessa
mesma lógica. Um outro equívoco situa-se no entendimento de que a relação
1
Doutora em Educação PUCRS. Professora do Departamento de Metodologia do Ensino/CE/UFSM.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
57
teórico-prática se dá em momentos estanques, desvinculados do todo que
compõe o processo de formação.
Para a autora (2006, p. 22): “(...) a unidade teórico-prática associa-se
ao nível de consciência com que nos relacionamos e realizamos interferências
na realidade.” Para a autora a capacidade de ter consciência ocorre “(...) se
os pontos de conexão fizerem parte do cotidiano educativo dos sujeitos – que
ensinam e ao mesmo tempo aprendem – alunos e professores” (Idem, p. 22). Ou
seja, as atividades em que teoria e prática se mostram aliadas não precisam ser
excepcionais, nem caracterizar-se por uma “festa”, o que coaduna com o que
Heller (2002) infere ser a dimensão ética de uma vida decente, uma vida na qual
a cotidianidade é o palco da decência.
Nesse trabalho há uma aposta e um convite de que se reflita sobre as
limitações geradas pela forma como se implementaram os processos formativos
de pedagogos após a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de Pedagogia. Tem-se claro que as DCNs materializaram uma proposta
de formação bastante frágil no que diz respeito a elementos importantes que
compõem o campo de conhecimentos necessários aos pedagogos.
Assim, para se discutir sobre que formação se pretende para a atuação com
as crianças pequenas, é preciso discutir questões relativas às políticas públicas que
se refletem nas proposições de formação que acontecem nas universidades. Ou
seja, precisamos recompor os cenários mais amplos em que acontecem as reformas
da educação e da formação de professores. O sentido de se discutir as reformas está
relacionado ao conceito de regulação social, de ajustamento, adaptação para fins
específicos: o equilíbrio do todo, a coesão (MAUÉS, 2003, p. 95).
As reformas educacionais acontecem conectadas às mudanças
econômicas mundiais e essas estão respaldadas pelo Banco Mundial. Para este
organismo financeiro, a educação precisa ser produtiva e para isso investe-se
pesadamente na formação de professores, sugerindo-a mais curta e fora das
universidades. Com esses “esclarecimentos” pretende-se colocar em pauta a
formação aligeirada e polivalente que se empreendeu a partir das políticas de
formação de professores que se sucederam na década passada.
Maués observa que as reformas educacionais tem indicado alguns
elementos considerados básicos e que devem compor a “arquitetura da formação
de professores”. Para ela “Os elementos constitutivos desse novo receituário da
formação são a “universitarização”/profissionalização, a ênfase na formação
prática/validação das experiências, a formação continuada, a educação a distância
e a pedagogia das competências” (2003, p. 99).
58
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
A universitarização/profissionalização é descrita pela autora como
aligeirada e na qual se qualificaria melhor a formação encaminhando-se para a
profissionalização. Ela representa a elevação da formação para o nível superior,
o que na realidade brasileira não tem sido sinônimo de elevação da qualidade
da educação e nem da própria formação proposta.
A ênfase na formação prática é defendida pelas reformas para que o
professor, como outros profissionais, entre em contato real com o meio em que
deverá atuar; soma-se a esse argumento o de que os cursos de formação têm
sido muito teóricos e desvinculados do contexto escolar. O saber prático é então
valorizado como o saber que vai “resolver os problemas do cotidiano”. Esta
ênfase faz aumentar o número de horas dedicadas aos componentes práticos dos
cursos de formação. Para Maués:
A questão que se coloca é relativa à importância e ao
papel dos saberes teóricos na formação. Até que ponto os
currículos dos cursos estarão dando importância à formação
de um profissional crítico, analítico, capaz de compreender
os processos sociais e fazer as relações necessárias entre
estes e a sala de aula, a profissão os conteúdos ensinados?
(2003, p. 102).
A autora traz questões importantes para se pensar a ênfase dada à prática
nos cursos de formação de professores. Uma formação centrada na prática ou no
aproveitamento de experiências com a validação correspondente é para a autora
interessante, mas precisa ser analisada de forma crítica para que não pressione a
formação a ponto de diminuir a duração dos cursos.
A formação contínua é parte integrante de todas as reformas educacionais,
objetiva-se um alinhamento dos professores já em exercício com as decisões
da política educacional. Há também a perspectiva de que a formação contínua
possa reparar uma formação inicial deficitária, o que corrobora com a idéia do
aligeiramento dessa, pois na formação contínua se faz o que se deixou de fazer
na formação inicial.
As competências para ensinar são apresentadas como eixo nuclearizador
da formação nas reformas educacionais. Falar em competências é falar no saber
fazer e esse modelo de formação apresenta-se: polivalente, flexível, utilitarista e
que atende a exigências imediatas. Citando Ramos, Maués delibera:
A formação do professor a partir do modelo de competências
pode contribuir para a subordinação da educação ao
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
59
racionalismo utilitarista do mercado e, no dizer de Ramos
(2001), “[...] a pedagogia das competências [...] assume
e se limita ao senso comum como lógica orientadora das
ações humanas, [...] reduz todo sentido do conhecimento ao
pragmatismo” (2003, p. 107).
Essas ponderações colocam-se num cenário mais amplo de decisões
que afetam indistintamente a escola e também os processos de formação dos
professores. Elas estão atreladas à globalização/mundialização, por sua vez
considerada uma nova fase na internacionalização do capital. A globalização e o
neoliberalismo, que a constitui, é a forma que se encontrou para resolver a crise
do capitalismo. Pode-se dizer que este é um modelo cujos princípios geram um
novo tipo de indivíduo, de instituições sociais, de políticas sociais e educacionais
e conseqüentemente de formação de professores (MAUÉS, 2003).
Os indicadores das reformas educacionais aqui discutidos estão
vinculados à lógica de mercado que é, por sua vez, voltada para a sociedade dita
hoje globalizada. Nessa perspectiva o ser humano como sujeito crítico, produtor
de conhecimento e construtor de sua história tem menos valor. Se as reformas
trazem consigo esta tônica, é sobre elas que se precisa discutir ao se propor
pensar a concepção de formação de professores que se vai adotar.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia
são uma expressão, um reflexo desse cenário. Um cenário de racionalização
burocrática em que seria necessária alguma regulamentação às inúmeras
propostas de cursos que aconteciam à época no Brasil. Um cenário em que se
entende a necessidade de pensar detidamente sobre que formação, que professor
e que escola queremos, mas que numa “simplificação dos procedimentos”
não compreende o atendimento às demandas colocadas que dizem respeito a
“novas propostas de formação humana, para cuja construção a liberdade para
experimentar a diversidade é condição necessária” (KUENZER, 2006).
Talvez a maior controvérsia apontada em relação às DCNs seja a que
diz respeito à redução da definição do Pedagogo ao professor. O debate que
antecedeu a aprovação da Resolução CNE/CP n. 1, de 15/05/2006 traz essa
controvérsia explicitada e historicizada com base nas produções advindas dos
anos 80 e 90 nas quais se discutia o estatuto epistemológico da pedagogia.
Nesse sentido, retoma-se a discussão da Pedagogia como campo
de conhecimento teórico e de práticas que integra e sistematiza diferentes
conhecimentos. Para Libâneo (2006) a Pedagogia é um campo científico e
não apenas um curso. O objeto da ciência pedagógica é o estudo do fenômeno
60
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
educativo e o ensino desse campo científico pode dar-se num curso, o de
Pedagogia. Considera também que a base de um curso de Pedagogia não pode
ser a docência. Para ele, a base de um curso de pedagogia é o estudo do fenômeno
educativo em sua complexidade e em sua amplitude.
O foco estabelecido pelas DCNs na formação para a docência: na Educação
Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Cursos do Ensino Médio na
modalidade Normal, cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar, cursos em outras áreas que requeiram conhecimentos pedagógicos são
uma proposta de formação além de generalista, reducionista do campo de estudos
e formação do pedagogo.
Nessa mesma direção, Kuenzer (2006) refere-se à intrínseca contradição
colocada por um dos pareceristas sobre um foco restrito: a docência, mas com
uma ampliação demasiada do perfil profissional que resulta ‘na ineficácia práxica
da proposta, pois o que está em tudo não está em lugar nenhum’. Também
argumenta que ao propor a formação para a docência, junto às muitas outras
atribuições adicionais opera-se uma totalidade vazia no curso de Pedagogia e
uma deformação do perfil do Pedagogo, considerando que este profissional seria
um novo salvador da pátria.
Esta é uma questão que pode ser vista de no mínimo dois modos, já que
é sim um equívoco epistemológico e ideológico (LIBÂNEO, 2006) reduzir o
que seria um campo de conhecimentos – a Pedagogia – a um curso de formação
de professores. Porém, o que se tem ponderado é que com as DCNs sendo
implementadas tal qual foram propostas coloca-se uma formação nos cursos
de Pedagogia que ainda assim não dá conta nem do que já se reduziu – formar
para a docência.
No caso da Educação Infantil, dada à polivalência que se propõe para o
pedagogo – professor perde-se uma força que se constituía na consolidação de uma
área emergente: a educação da criança pequena. Conforme já discutido (LIMA,
2010), sabe-se da referência tida nos cursos de pedagogia acerca da formação com
base nos processos de escolarização do Ensino Fundamental. Mesmo formando
para a docência, considera-se que a Educação Infantil era (e ainda é) uma referência
– força – necessária nos cursos de formação de pedagogos.
Outro ponto discutido nos debates acima referidos é a demarcação de
uma formação nos cursos de Pedagogia ser baseada na prática, pois a prática por
si só não ensina. Não fala por si mesma.
Os fatos práticos, ou fenômenos, têm que ser identificados,
contados, analisados, interpretados, já que a realidade não se
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
61
deixa revelar através da observação imediata; é preciso ver
além da imediaticidade para compreender as relações, as
conexões, as estruturas internas, as formas de organização,
as relações entre parte e totalidade, as finalidades, que não se
deixam conhecer no primeiro momento, quando se percebem
apenas os fatos superficiais, aparentes, que ainda não se
constituem em conhecimento (KUENZER, 2006, p. 205).
A autora ainda argumenta que o ato de conhecer não prescinde do
trabalho intelectual, o qual se caracteriza por um movimento do pensamento, em
direção ao que não é espontâneo. O imperativo é conhecer a realidade para nela
poder atuar. E essa é uma atividade crítico-prática que é sustentada na categoria
práxis, para que se possa pensar numa formação humana em que se gesta as
transformações que podemos como sujeitos humanos fazer (KUENZER, 2006).
Uma formação profissional não pode ser exclusivamente baseada na
prática, pois se considera que os alunos em formação geralmente estabelecem
uma relação bastante fragmentada e dual com as práticas observadas. De um lado
observam-se “boas práticas” e conseqüentemente “ótimos professores” sobre os
quais se relacionam de maneira acrítica e via de regra por sucessivas imitações; e
de outro se observam professores com suas “práticas obsoletas e tradicionais” com
os quais não estabelecem relação alguma a não ser a da crítica baseada nos chavões
acadêmicos que aprendem no curso.
Essas observações são colocadas no sentido de pontuar a fragilidade de
conhecimentos que se pensa serem necessários para efetivamente poder olhar,
interpretar, analisar, compreender e efetivamente conhecer os campos de atuação
que se colocam aos pedagogos.
A formação conforme se acredita só se dá pela via do conhecimento.
Conhecimento e reconhecimento das relações cotidianas e da necessidade de
que essas se constituam em processos pensados e refletidos. A concretude da
vida diária, assim, é colocada lada a lado com o saber acumulado, abrindo-se à
possibilidade de outros conhecimentos que se produzam na dialética do conhecer
e do não conhecer, isso como parte do que o ser humano pode e deve fazer para
que se possa, além de conhecer, transformar a realidade, construindo assim, um
outro mundo possível.
Se as discussões acerca dos processos de constituição das DCNs no
campo educacional apontam para uma formação generalista, fundada numa
Epistemologia da prática, tendo um caráter reducionista do campo da Pedagogia
dado pela consideração da docência como foco de estudo, considera-se que é
62
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
preciso que se rediscuta a formação empreendida nos cursos de Pedagogia
após a aprovação desse documento, pois considera-se que:
Ser pedagogo requer fazer pedagogia, ou seja, teorizar
sobre a educação, projetar, implementar, acompanhar e
avaliar processos educacionais em diferentes contextos.
As tradicionais habilitações dão lugar à docência, cuja
concepção apresentada nas diretrizes curriculares busca
abarcar o fazer pedagógico nas suas diferentes abrangências.
Será isto possível? (CRUZ, 2008, p. 9).
Tendo como base as produções que se seguiram às DCNs e analisando
as próprias diretrizes é preciso questionar “(...) a possibilidade de efetivação de
uma formação que discuta e articule teórica e metodologicamente os elementos
que circundam a especificidade (da formação) do curso de Pedagogia, (...)”
(LEÃO et al, 2007, p. 9).
Sobre esse aspecto pode-se fazer um breve destaque. A reflexão a ser feita
aponta para uma concepção de formação que leva em conta um processo formativo
e vai no sentido de se pensar o curso de Pedagogia como um dos espaços em que
o acadêmico que poderá2 atuar com a criança – pequena - tenha a oportunidade de
conhecer, em termos teórico-práticos seu campo de atuação profissional.
A concepção de formação defendida está alicerçada no que Isaía
conceitua como processo formativo docente. Para ela este processo “engloba
tanto o desenvolvimento pessoal quanto profissional dos professores, sendo
esse um processo de natureza social” (2006, p. 351). Esta conceituação, pensase, pode estar articulada ao que Cunha elabora como formação inicial, sendo
esta pensada também como “processos institucionais de formação para uma
profissão” (2006, p. 353-354).
É preciso então, ter em conta uma concepção de formação como um
continuum, posto que considera as várias fases e momentos das trajetórias
formativas e profissionais de cada pessoa em formação. Neste sentido, Lima, ao
prefaciar o livro de Soraiha Miranda de Lima, demarca a relevância do espaçotempo da formação inicial no processo de formação de professores. Assim como já
explicitado por Maués, considera que:
2
Esta expressão é utilizada no sentido de pontuar a possibilidade dada pelos novos apontamentos legais sobre
a formação de Pedagogos. Pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia não
há mais uma habilitação em Educação Infantil, mas sim a preferência de que se direcionem os estudos e os
Estágios para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
63
Por razões de natureza marcadamente econômica, as políticas
educacionais induzidas pelos organismos internacionais
financiadores da educação nos países em desenvolvimento
vêm privilegiando a formação continuada e negligenciando
a inicial, como se esta não tivesse função específica. Se,
de um lado, ela não pode ser vista como o momento por
excelência no qual se dá a apropriação do conhecimento
profissional a ser aplicado à futura atuação, de outro há
que se reconhecer sua capacidade de proporcionar um bom
suporte, no sentido de preparar os professores para atuarem
na profissão (LIMA In LIMA, 2007, p. 11).
A despeito das políticas educacionais estarem de alguma forma induzindo
a que se deixe para realizar uma tarefa formativa de boa qualidade em um tempo
futuro, a autora considera que é preciso reconhecer que há, no curso de pedagogia,
um espaço de potencial desenvolvimento de referenciais acerca do trabalho futuro,
em que se pese, como a autora, é preciso considerar que: “Ademais, não se continua
o que não se iniciou...” (p. 11).
Dessa forma pensa-se que os processos formativos entrecruzam as
dimensões curriculares e as experiências formativas e se constituem nos processos
que os acadêmicos vivenciam e que acionam com elementos estruturantes
da atividade docente (futura), pois se compõem de elementos conceituais,
metodológicos, valorativos, atitutidinais, políticos e éticos perpassando, dessa
forma, os processos formativos no curso de Pedagogia.
O livro de Lima (2007) demonstra sua tese de que no curso de pedagogia
“aprende-se a ensinar”, no caso da sua pesquisa que analisa a influência do curso
no processo de aprendizagem profissional da docência de alunos-já-professores,
é possível dizer que “[...] a formação docente transcende o curso de formação,
mas não pode prescindir dele“ (2007, p. 151). É nessa linha de argumentação que
se pensa a formação inicial como espaço de aprendizagem dos elementos que
compõem o trabalho pedagógico – foco da atuação profissional futura - mesmo
que esses elementos sejam de alguma forma reconfigurados pela experiência de
atuar profissionalmente mediante a inserção no mundo do trabalho.
A intenção desse trabalho não é estabelecer uma discussão maniqueísta
a respeito da melhor modalidade ou nível de formação – inicial ou continuada
– para pedagogos que atuam com crianças pequenas. Sugere-se, porém
atenção a essas determinações sociais e econômicas que se refletem nos rumos
profissionais de um coletivo. E esse coletivo, professores sem formação ou
com formação deficitária, na verdade existe pelo processo histórico marcado
64
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
pela inexistência de políticas de Estado para a formação profissional para atuar
na educação da primeira infância.
Estas reflexões precisam incitar a quem se envolve com a formação de
professores para que se possa pensar e atuar de forma coerente na busca por
uma Educação Superior de qualidade. Ao profissional responsável direto pela
educação das crianças, requer-se que reconheça a formação cada vez mais
qualificada como um direito (KRAMER, 2008) e também como uma necessidade.
Requer-se também que, sendo acadêmico, acadêmica, estabeleça uma relação
crítica com sua própria formação e exija que essa formação seja qualificada; e
ainda, que sendo professor formador, professora formadora, que reconheça a
importância de se discutir sobre que formação está se fazendo e como esta se
difunde na co-responsabilidade de todos pela educação da criança pequena.
Discutir o caráter pedagógico das ações que se realizam na educação da
criança pequena, requer um olhar para as influências exercidas pelas políticas
internacionais em termos de se pensar a formação de professores, implica
também discutir como se pensou e pensa a formação e a atuação de pedagogos
junto à criança pequena. Coloca-se também a necessidade de relevar aspectos da
constituição profissional que nos falam de um jeito possível e desejável de ser
pedagogo no tempo em que vivemos.
O pedagogo nos cenários de formação: desafios
de pensar o trabalho pedagógico
Face à criança, é como se ele (o professor)
fosse um representante de todos os habitantes adultos,
apontando os detalhes e dizendo à criança:
- Isso é o nosso mundo.
(HANNAH ARENDT, 2009, p. 239)
A colocação de Hannah Arendt fala de uma relação que se acredita estar
em consonância com o que Didonet (2009)3 infere: “(...) precisamos nos reportar
ao significado primeiro da Pedagogia: Paidos + agogé. Ou seja, Pedagogo é
3
Essa fala foi registrada no V Encontro Estadual do Fórum Gaúcho de Educação Infantil, realizado em 16 de
novembro de 2009 na UNISINOS/RS. O Palestrante referia-se à palavra Pedagogia, que tem origem na Grécia
Antiga: paidós (criança) e agogé (condução). “O termo pedagogo surgiu na Grécia Clássica, cujo significado
etimológico é preceptor, mestre, guia, aquele que conduz; era o escravo que conduzia os meninos até o
paedagogium” (WIKIPEDIA - PEDAGOGIA). Sua fala foi marcada pela discussão acerca da obrigatoriedade
da Educação Infantil para a criança e a família, determinada pela PEC 059/2009. Seu argumento a respeito do
Pedagogo figura como um posicionamento de que para ser pedagogo é preciso criar e alimentar na criança a
atração e o encantamento pelos espaços de Educação Infantil.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
65
aquele que acompanha a criança, um caminhante.” Ser caminhante é ser aprendiz
de futuro, é acompanhar uma nova geração e responsabilizar-se por ela e pelo
que podemos fazer no mundo com ela e por ela, sobretudo na sua educação.
A formação proposta nos cursos de Pedagogia apresenta uma relação
invertida de produção da profissionalidade dos acadêmicos em formação.
Sabendo que os processos formativos configuram formas de se olhar e pensar a
infância e sua educação, é possível visualizar nesses processos - no interior das
disciplinas, em conversas informais e nos textos trabalhados - a idéia de que ser
professor é uma profissão. Porém, aí se dá a relação invertida, pois, no decorrer
do processo formativo, as discussões sobre de que se compõe essa profissão no
caso do trabalho com a criança pequena, apresentam-se muito superficiais e sem
a difusão dos conhecimentos acadêmicos produzidos sobre esta temática.4
Para além desse descompasso, entende-se que no decorrer do curso
precisaríamos trabalhar na perspectiva do conhecimento e do reconhecimento
de que a Educação Infantil é um espaço em que, para se querer estar e
permanecer, é necessário reconhecer as demandas teórico-práticas desse
trabalho. Isso implica entender que as aproximações e a identificação com a
Educação Infantil, relações possíveis de acontecer nos processos formativos
que se desenvolvem na formação inicial, se dão para além do gostar de
crianças. Pensa-se na aprendizagem sempre necessária de, ao estar com elas, ver
no que são hoje a possibilidade de um trabalho que se produz a partir de relações
de respeito, comprometimento e ética.
Buscar as relações teórico-práticas que envolvem o trabalho com a
criança envolve ter clareza de que nestas relações incluem-se o cuidado e a
educação, dimensões inseparáveis do trabalho pedagógico que permeiam as
ações de pedagogos junto às crianças e que muitas vezes não estão claras
para as pessoas que dizem “gostar delas”. Um “gosto pela profissão” envolve
encantamento, vontade de estar perto, de se saber professor com a possibilidade
de trabalhar com crianças ainda bem pequenas, que apontam a novidade, que
renovam o mundo, que podem e querem se relacionar com este mundo de
forma autônoma.
Ser pedagogo é se responsabilizar pela infância, é assumir a autoridade
que é legítima a quem se coloca esta responsabilidade. As imagens sobre ser
professor de crianças pequenas refletem o contexto social e cultural em que
são produzidas, e é também de acordo com o que se vive e com as imagens
4
Esta afirmação está pautada nas experiências profissionais nos cursos em que já atuei, considera-se que poucos
são os professores formadores que levam em conta que os acadêmicos poderão atuar com crianças pequenas e
por isso, essas discussões via de regra não acontecem.
66
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
que se tem de criança e da infância, que se produz um pensar sobre como se
pode atuar com a criança pequena.
A busca pelo possível na formação de pedagogos
Entende-se que o trabalho pedagógico que se realiza com a criança
pequena depende e muito da concepção que se tem da própria função social da
Educação Infantil. Retomar concepções, reconstruí-las e construir referências
para o trabalho com a criança pequena na formação de pedagogos é um processo
que tem acontecido em meio aos avanços e retrocessos existentes na área da
Educação Infantil em interface com a Educação Superior.
Acredita-se que em sua perspectiva normativa qualquer proposta
de formação constrói referenciais de trabalho e, nesse caso, os Elementos
Referenciais colocados a seguir compõem, em diferentes dimensões, o trabalho
pedagógico na Educação Infantil. Nesse sentido, apontam-se essas dimensões e
esses elementos para que se possam pensar os processos formativos de pedagogos
com referências ligadas à educação da criança pequena.
- Dimensão Político-valorativa: Nela estão os Elementos Referenciais
ligados à ética, aos compromissos que temos com a infância e sua educação.
Essa dimensão que se desdobra no trabalho pedagógico desenvolvido no dia
a dia, se mostra na forma com que se concebe e desenvolvem-se as diferentes
ações que estruturam o trabalho com a criança pequena. A ética pressupõe
posicionamento político que precisa ser discutido e refletido conjuntamente nos
espaços educativos, e se demonstra no envolvimento e implicação com a infância
vivida nos espaços de educação coletiva.
- Dimensão Epistemológica envolve Elementos Referenciais que são
conceituais e metodológicos, como a saúde e o bem estar físico da criança tendo em
vista sua educação (não na perspectiva da puericultura, ou das práticas higienistas
mas do cuidado com a saúde da criança – o ambiente coletivo demanda ter esses
cuidados...) Rotinas, Educação e Cuidado, Relação complementar à da família
na Educação da criança, Afetividade, Concepções de Currículo, planejamento;
- Dimensão Histórico, Social e Cultural: envolvendo a constituição
histórica da Educação Infantil, sua função social, as políticas públicas, Concepções
de infância e a possibilidade de construção de um outro olhar para a criança.
O Esquema colocado a seguir demonstra a relação entre as Dimensões do
Trabalho Pedagógicos os Elementos Referenciais apontados no estudo realizado
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
67
e apresentado na Tese de Doutorado que se propõe a pensar os processos
formativos de pedagogos no que diz respeito à educação de crianças pequenas.
68
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Considera-se que em cada uma dessas dimensões os elementos
referenciais se articulam entre si e entre as dimensões, não há como pensar em
cada um desses elementos desconectados dos outros, pois na cotidianidade vivida
nos espaços educativos todos são necessários para que se possa pensar e fazer a
educação da criança pequena com base em uma intencionalidade profissional –
pedagogicamente referenciada.
Importa, nesse sentido, pensar no trabalho pedagógico na Educação
Infantil discutindo o lugar do adulto-pedagogo que atua profissionalmente com a
criança pequena. Sua atuação precisa se pautar por uma intencionalidade expressa
em forma de planejamento, direção, sentido dado ao trabalho pedagógico com
a criança pequena, o que pede além de preparo profissional, comprometimento
por atuar nas possibilidades de que as crianças aprendam e se desenvolvam.
Esse comprometimento gera escolhas de fundo moral que orientam as ações
no cotidiano. Para tanto reforça-se a necessidade de os processos formativos
envolverem atividades e experiências que possibilitem o contato e o envolvimento
no cotidiano de educação de crianças pequenas, com vistas ao encantamento ético,
o gosto pela profissão de ser pedagogo e atuar com as crianças pequenas.
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Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
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QUALIDADE E TESSITURA DA DOCÊNCIA
Maristela Pedrini1
1. A educação
professores
brasileira e a formação
O
de
surgimento do Ensino Superior no Brasil tem seu passado alicerçado
nos princípios de Portugal, país colonizador e se consolidou a partir
de Institutos isolados, com finalidade profissionalizante, de caráter elitista, na
medida em que atendia aos filhos da aristocracia colonial que não podiam estudar
na Europa devido à proibição de Napoleão Bonaparte.
O desenvolvimento do Ensino Superior no Brasil deu-se muito lentamente
até o ano 1889, ano da proclamação da república, sendo que a finalidade do
curso superior era dar direito a ocupar cargos privilegiados num mercado de
trabalho restrito, além de oportunizar o prestígio social. Até o final do século
XIX o Brasil contava com 24 estabelecimentos de Ensino Superior com cerca de
10.000 estudantes. A partir da Constituição da República em 1891, a iniciativa
privada formada pelas elites locais e confessionais católicas cria seus próprios
estabelecimentos de ensino superior, movimento que gerou o início da expansão
das universidades. A consolidação do ensino superior no Brasil contou com um
modelo adotado a partir do que pregou a reforma pombalina em Portugal: libertar
o ensino dos entraves conservadores tidos como responsáveis pelo atraso do
país em relação aos demais europeus, e o modelo napoleônico que contemplava
o divórcio entre o ensino e a pesquisa científica.
O século XXI traz no seu bojo a mudança paradigmática e a dinamicidade
das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que se refletem
cotidianamente em todos os segmentos da sociedade, de forma especial no
ensino, no que ensinar e na formação dos professores para um ofício em uma
realidade complexa e em constantes transformações. falta de professores e a
pouca qualificação dos mesmos são problemas que aparecem nos levantamentos
do Ministério do Ministério da Educação (MEC). Os dados revelam que no Brasil
há cerca de 300 mil pessoas lecionando sem terem licenciatura e outros 300 mil
professores com atuação em áreas diferentes das quais possuem a habilitação.
1
Docente da Universidade de Caxias do Sul/RS. Agência Financiadora PUCRS/CAPES
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
71
As políticas governamentais tem promovido o debate na busca de
soluções para a situação vivenciada no que se refere à formação de professores
para a atuação na educação básica brasileira. Em meio à realidade atual em
que à educação é legada a reconstrução da sociedade (Delors,1998), faltam
professores, os cursos de formação de professores frequentemente são alvo de
críticas e, ainda, a plasticidade do conhecimento na era da informação faz surgir
novos paradigmas para a formação de professores é que nos prova a educação à
distância, por exemplo.
2. A formação de professores para as séries inciais
do ensino fundamental
2.1 Bases legais para a formação de professores
Na última década, após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a formação docente passou a
tomar destaque nos debates na área educacional. Um dos fatores que contribuiu
para que a sociedade se voltasse à temática da formação docente foi, sem
dúvida, a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien,
Tailândia, no ano de 1990 que chamou a atenção do mundo para a necessidade
de oportunizar a educação para todos os cidadãos de forma inclusiva, como meio
de melhoria humana e social.
A formação do professor para a educação básica está regulamentada na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/1996. No Título V - Dos
Profissionais da Educação, artigo n° 61, consta que a formação dos profissionais
de educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades
de ensino e às características de desenvolvimento do educando estará alicerçada
na articulação entre a teoria e a prática, oportunizando a formação em serviço,
o aproveitamento da formação e de experiências anteriores em instituições de
ensino e outras atividades.
O artigo n° 62 aponta para a formação de docentes para a atuação na
educação básica esclarecendo sobre a titulação específica para a formação docente
para o exercício na educação básica. Tal exigência da LDB busca a correção a
defasagem de qualificação dos professores que atuam nesse na educação básica
nacional. Há de se referir que os cursos de formação para professores tiveram
muitas reestruturações e mudanças ao longo da história do sistema educacional
brasileiro. Considerando o que nos traz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
72
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Nacional, para a atuação na educação básica o professor deverá ter formação
em nível superior, em licenciatura plena oferecida em diferentes espaços “em
universidades e institutos superiores de educação”. Já para a atuação em Educação
Infantil e, para a docência nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, ainda
é admitida a formação oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
A partir da nova LDB cabe aos estabelecimentos de ensino sejam privados
ou públicos, exigirem a formação mínima ao realizarem seus processos seletivos
de docentes. De acordo com a nova legislação do ensino, no Brasil, para o
ingresso na carreira para o exercício da docência nas Séries Iniciais do Ensino
Fundamental o interessado deverá ter formação em nível médio e habilitação para
a docência obtida em Curso Normal Superior ou em Licenciatura em Pedagogia
– Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais.
É consciente a busca de uma formação de qualidade pelas políticas
públicas em todo o território brasileiro, seja através de planos do governo federal,
seja pelas iniciativas dos próprios estados. Num país de tantos contrastes e tantas
peculiaridades, a formação de professores se constitui num dos estudos mais atuais
e mais necessários se entendermos a importância do papel da escola, e como tal
dos professores enquanto agentes do ato educativo, como refere Leite sobre a
instituição escola (2005, p. 51): “[...] instituição onde se desenvolvem estratégias
que fazem dos actos de ensinar e de aprender não apenas um meio de reprodução,
mas também de produção e transformação social.”
Nesse sentido as instituições formadoras de professores vivem uma
realidade de reconfiguração dos currículos dos cursos com vistas a privilegiar
uma formação para a docência para que atenda as bases legais e, sobretudo, no
que se refere ao repertório de conhecimentos científicos acadêmicos associados
à prática que servem de alicerce para o exercício docente, sendo que buscar a
compreensão de como se constrói a docência tem movido a pesquisa em educação
em nível mundial, daí a relevância e os contributos do estudo aqui descrito.
3. O cenário e seus atores: o caminho a percorrer
Na busca do aprofundamento dos processos vivenciados que possibilitam
a reflexão sobre a compreensão de como se constrói a docência, a pesquisa se
propôs a investigar o papel da formação universitária em Curso de Pedagogia na
construção da docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, focalizando
como objetivos específicos: analisar quais são os saberes docentes construídos a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
73
partir dos conhecimentos universitários e de que forma os mesmos são influenciados
pelos saberes práticos; verificar como os saberes construídos através da formação
universitária se refletem na prática docente no cotidiano escolar; identificar como
a “epistemologia da prática profissional docente” se configura a partir da formação
pedagógica universitária e ao longo da carreira e analisar como os professores das
Séries Iniciais do Ensino Fundamental participantes da investigação compreendem
a construção da própria docência.
A escolha das cinco professoras participantes da presente investigação foi
intencional e fundamentou-se nos seguintes critérios de seleção: ingressaram no
curso superior após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de
20 de dezembro de 1996; são egressas do Curso de Pedagogia- Habilitação para
as Séries Iniciais; atuavam (e atuam) na mesma escola exercendo a docência nas
séries iniciais do Ensino Fundamental quando iniciaram o Curso de Graduação
em Pedagogia – Habilitação Séries Iniciais. Houve a necessidade de estabelecer
os critérios acima apresentados, a fim de encontrar similitudes para o presente
estudo, focando o estudo com docentes que realizaram sua formação acadêmica
na mesma instituição de Ensino Superior, num mesmo curso de graduação e que
atuam numa mesma realidade escolar.
É importante ainda ressaltar, que os critérios acima não uniformizam a
experiência, uma vez que cada uma das docentes possui sua trajetória de vida
pessoal e profissional não apenas marcada pela diferença cronológica, mas sim
pela essência de suas subjetividades e riqueza de suas interações ao longo da
existência e da carreira, o que será explicitado no decorrer do presente relatório.
Busquei a compreensão do fenômeno da formação docente sob o prisma
da formação universitária e dos processos pessoais vivenciados ao longo da
carreira, processos esses pessoais e intransferíveis, desta forma, o estudo aqui
apresentado não cabe generalizações. Assim, situo que a presente pesquisa
está fundamentada no paradigma construtivista, com abordagem qualitativa e
apoiando-me em Lüdke e André (1986) argumento que a opção metodológica
pela pesquisa qualitativa ou naturalística do tipo de estudo de caso se justifica por
“desenvolver-se numa situação natural, rico em dados descritivos, tem um plano
aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.
A coleta de informações para a constituição do corpus da presente
investigação ocorreu mediante a realização de entrevistas semiestruturadas,
observação do cotidiano escolar através do diário de campo e análise
documental.
Para Lüdke e André (1986) são considerados documentos
“quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação
74
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
sobre o comportamento humano”. Assim, foi realizado um planejamento para
observação onde foi previsto o que observar e o tempo das observações. O
tempo em que interagi com as participantes da investigação possibilitou a
formação de um corpus documental significativo, pois os espaços de interações
foram de uma riqueza inigualável.
A partir da análise textual discursiva (Moraes, 2003) encontrei mecanismos
que me possibilitaram aproximações, reflexões e compreensões como as
participantes da pesquisa se construíram enquanto docentes, através da construção
de um conhecimento que é tecido nas interelações dos aspectos subjetivos e sociais,
contextualizados, envolvendo o eu e suas inserções no mundo intra e intersubjetivo.
As entrevistas semiestruturadas, os encontros sistemáticos, na universidade e na
escola passaram a ser registrados para que as participantes pudessem socializar
suas trajetórias de formação docente, oportunizando o rever-se, o redescobrir-se e
o re-inventar-se, a partir de si e do outro.
Ainda, as observações da prática das participantes da investigação no
interior da escola oportunizaram a verificação da coerência entre os aportes teóricos
estudados ao nível da graduação, o discurso e a prática das docentes para analisar
quais os saberes docentes construídos a partir dos conhecimentos universitários
e de que forma os mesmos são influenciados pelos saberes práticos, verificar
como os saberes construídos através da formação universitária se refletem na
prática docente no cotidiano escolar, identificar como a epistemologia da prática
profissional docente se configura a partir da formação pedagógica universitária
e ao longo da carreira.
4. As vozes das professoras e a tessitura da docência
Como já apresentado neste texto, a formação de professores tem sido
objeto muitos estudos, debates e pesquisas, dada a relevância social da educação
enquanto possibilidade de transformação social e da importância do ofício de
professor neste contexto em que à educação é legada a responsabilidade de um
futuro melhor para a espécie humana no planeta terra (Delors, 2001).
Exercendo a docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, Ensino
Médio, Curso de Habilitação ao Magistério há mais de vinte anos e desde 2003
atuando como docente no Curso de Graduação em Pedagogia as inquietações
são muitas, o desejo de buscar a compreensão do processo de formação para
a docência ou da profissionalização docente me acompanha e me instiga ao
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
75
aprofundamento desta temática, pois enquanto docente em contínua formação,
também sou docente formadora de docentes. No cotejo dessas duas dimensões
e entre intensas reflexões busquei a construção de um conhecimento que venha
a contribuir para a compreensão da complexidade da formação para a docência.
Minha trajetória em busca da formação para a docência mobiliza em
mim o desejo de compreender como se processa este movimento nos espaços
por onde transito, uma vez que o educador é um ser humano, com sua cultura,
suas vivências, sua subjetividade, sua história, com inserção em seu contexto
de atuação, pressupostos esses que me levam a refletir que a prática docente
não pode ser neutra, nem tão pouco restrita à transmissão de conhecimentos
formalizados ou de saberes acadêmicos proporcionados pelo curso de formação.
Ao movimento de formação docente mote desta investigação, tenho
a ousadia, como pontuou Nóvoa (2008) de chamar “tessitura da docência”.2
Assim, parto da concepção de que o educador é um ser em contínua construção,
com sentimentos, vivências, competências e habilidades que interage com seus
pares, com o conhecimento acadêmico, com seus alunos, seres igualmente em
processo de formação.
Remetendo-me ao paradigma da complexidade (Morin, 1999), a docência
se constitui numa profissão de interações humanas (Tardif e Lessard, 2005)
e provoca mudanças nos sujeitos envolvidos no processo de forma recursiva,
ou seja, a ação docente gera conseqüências nos educandos, assim como esses
produzem modificações em seus professores de forma dialógica (Morin, 2002)
defini com o problema de investigação Qual o papel da formação universitária
na tessitura da docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental? a fim de
compreender qual o papel da formação universitária em Curso de Pedagogia
na tessitura da docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e como as
experiências da vida contribuem para dar sentido às vivências no processo de
formação pessoal e profissional das docentes participantes desse estudo.
Assim, para buscar respostas as minhas indagações, me utilizei dos
princípios da análise textual discursiva (Moraes, 2003), com a imersão no
conjunto dos materiais analisados, o corpus da investigação, num trabalho
incansável de leituras e releituras, de impregnação e reflexão, foi realizada a
unitarização e categorização do conjunto de significantes obtidos através das
entrevistas semi-estruturadas aos quais passarei a comunicar neste capítulo.
conceituação tomada emprestada da Música e que vem sendo muito empregada atualmente no campo
educacional. A tessitura musical cujo significado metafórico tem sinônimo de entrelaçamento, encadeamento
expressa como os sons se organizam numa composição musical a exemplo do que ocorre no tramado de fios
que compõem um tecido.
2
76
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O processo analítico sem categorias a priori gerou dúvidas e se constituiu
num grande desafio, pois todo o texto suscita uma multiplicidade de leituras, com
muitas possibilidades de interpretação. Foi possível construir compreensões a
partir conhecimentos e teorias buscando ser fiel à perspectiva das participantes.
Do movimento descrito emergiram os seguintes agrupamentos ou categorias
cujas reflexões e apropriações passarei a relatar.
4.1. A Formação para a docência: História Pessoal e Social
Ao ser constituído o grupo de participantes da pesquisa e ao iniciarmos
nossos diálogos, pude verificar que minhas dúvidas e indagações sobre o processo
de tessitura da docência também fazia parte do universo de questionamentos das
professoras, minhas colegas e, também minhas alunas na graduação.
Buscar a compreensão de como as professoras constroem a sua docência
para atuar nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental não se traduz em tarefa fácil
uma vez que, por mais que os estudos tenham sido intensificados nos últimos
anos, o processo de formação docente ainda é circundado por muitas dúvidas
e incertezas, haja visto a complexidade de todo o processo que não se reduz a
manuais ou receitas.
Ao serem questionadas sobre “Quais os fatos que ocorreram no decorrer de
sua trajetória de formação docente para que viesses a realizar a docência que hoje
tem?” as professoras participantes da pesquisa corroboraram os estudos de Tardif
(2002), quando, em seus depoimentos, revelam que a vida profissional sempre
esteve associada à vida pessoal. Os depoimentos das participantes trouxeram
como fatos significativos para a construção de sua docência os movimentos que
realizaram para dar conta das necessidades emergentes no cotidiano de atuação
docente, movimentos esses que lhes proporcionaram a construção de saberes para
situações às quais necessitavam dar respostas.
As professoras entrevistadas reconheceram e expressaram que a vida
pessoal não pode ser dissociada da vida profissional e, por mais originais que
sejam as práticas e as representações de um professor, ganham sentido somente
quando colocadas em destaque em relação a essa situação coletiva de trabalho
e que todas as vivências são importantes para a formação de um referencial
pedagógico que venham a auxiliar nas intervenções no cotidiano escolar.
Tais reflexões remetem à concepção de formação contínua enquanto
um processo permanente, reflexivo, permeado por fragilidades e ambiguidades
e, ao mesmo tempo, de uma complexidade e dinamicidade que permite, ao
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
77
longo de sua história, que o ser humano possa construir sua identidade pessoal
e profissional, resultado de “relações complexas tecidas entre a definição de
si e a percepção interior, entre o objectivo e o subjectivo, entre o eu e o outro,
entre o social e o pessoal” (Lupianski, 1990 In Moita, 2000).
As falas das professoras reiteraram que a indissociabilidade do ser
pessoa e do ser profissional é real e, portanto, por mais que as professoras tenham
realizados os mesmos cursos de formação docente institucionalizada: magistério
em nível de segundo grau e Licenciatura em Pedagogia em nível superior, como
também muitos cursos de atualização comuns ao longo da carreira e que atuem
na mesma realidade escolar, regidas pelas mesmas regras e legislação, a prática
docente de cada uma das mesmas é singular, pois é resultante de sua interação
consigo mesma, com suas circunstâncias, com suas vivências, experiências, num
processo individual e intransferível, circunscrito pelo cotidiano de cada um.
4.2. A docência e os saberes da experiência
Compreender o movimento de formação para a docência requer
mergulharmos na história da profissão docente; pressupõe a compreensão
do que é preciso saber para poder ensinar e o que permeia essa atividade
universal, complexa e em constante transformação, num mundo multicultural.
Como já me referi anteriormente, ao longo dos últimos anos inúmeras
pesquisas buscam identificar o repertório de conhecimentos e saberes
inerentes à formação do professor.
As vozes das professoras no que se refere à questão Como as experiências
de sua vida contribuíram para o sentido que dá ao processo de formação pessoal
e profissional corroboram com os estudos de Tardif (2002) uma vez que revelam
que seus saberes docentes não se restringem à formação em nível magistério
ou em curso universitário, muito embora reconheçam o valor dos mesmos,
como expressou a professora P1: “Minha vida pessoal, particular, sempre
esteve estreitamente vinculada a profissional, uma vez que como mãe, mulher e
professora, esses aspectos não poderiam ser dissociados pois são faces, papéis
exercidos por uma mesma pessoa.” Observa-se que o depoimento da professora
está impregnado de mensagens referentes ao seu processo de construção pessoal
e profissional, considerando a indissociabilidade da pessoa e da profissional.
No campo do reconhecimento da experiência para a tessitura do saber
docente, a professora P2 afirmou “Valho-me de minha experiência, recriando-a,
inovando-a, para que o aluno tenha sucesso em suas aprendizagens”. A fala da
professora remete ao valor do conhecimento da experiência demonstrando que o
78
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
sucesso da aprendizagem dos seus alunos reside na própria capacidade de criar
e inovar. Revela situar sua concepção de aprendizagem centrada na figura do
professor, trazendo para si toda a responsabilidade do sucesso ou insucesso escolar.
As falas das professoras remetem à compreensão de que a docência
é singularmente construída, elaborada e reelaborada em contexto como já
foi referenciado, pois embora as professoras tenham vivências semelhantes
no decorrer do percurso pessoal e profissional, a maneira de vivê-las e as
conseqüências das mesmas ao nível pessoal e profissional dependem de um
processo subjetivo, logo temporal, pessoal e intransferível, resultante, porém do
entrelaçamento de múltiplos saberes. À luz do que preconiza Tardif (2002), o
saber experiencial é personalizado, é um saber existencial, pois está ligado à
história de vida e é experienciado por ser experimentado no trabalho. É um saber
temporal, evolutivo e dinâmico que se constrói no âmbito da carreira, de uma
história de vida profissional, e implica uma socialização e uma aprendizagem da
profissão. É um saber social e construído pelo ator em interação com diversas
fontes sociais de conhecimento, de competências, de saber-ensinar provenientes
da cultura circundante.
Assim, a partir das observações, dos diálogos e da convivência com
as professoras no cotidiano escolar, é possível identificar que as mesmas
configuram a epistemologia da prática profissional docente articulando a
formação pedagógica universitária ao repertório de saberes construídos pela
experiência ao longo da carreira.
4.3. A formação universitária: o lugar que ocupa no ser e no fazer
docente
Considerando que as professoras participantes da pesquisa iniciaram
o Curso de Licenciatura em Pedagogia - Habilitação em Séries Iniciais do
Ensino Fundamental após a Lei de Diretrizes e Bases de 20 de dezembro de
1996, muitos dos nossos encontros sejam em sala de aula na universidade ou
nos espaços de discussão organizados nas reuniões pedagógicas da escola
versaram sobre o papel da universidade na formação das docentes.
As professoras foram questionadas sobre “Qual o papel da formação
acadêmica do Curso de Licenciatura em Pedagogia na construção do seu
fazer docente?” O questionamento permitiu compreender como as professoras
veem a própria trajetória da formação universitária no que se refere aos
conhecimentos teóricos e, também, de que forma os mesmos são influenciados
pelos saberes práticos.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
79
As respostas ao questionamento foram coerentes com a idéia de
Tardif (2002) quando afirma que os profissionais, em sua prática, devem se
apropriar e se apoiar em conhecimentos especializados e formalizados por
intermédio de disciplinas científicas tanto em suas bases teóricas quanto em
suas conseqüências práticas, conhecimentos científicos e técnicos passíveis de
serem revisáveis, criticáveis e aperfeiçoados ao longo da carreira.
De forma geral as professoras reconhecem a importância da formação
universitária na construção de saberes para lidarem com o cotidiano escolar,
como expressa a professora P5 “Com o passar das atividades e da experiência
percebemos que algo nos falta, por mais que nos esforçamos e buscamos chega um
momento que sozinhos não alcançamos nossos objetivos. Passa a ser o momento
de buscar algo mais para nossa profissão docente[...]. A fala da professora nos
oportuniza a compreensão de que a mesma buscou, além da formação universitária,
o conhecimento de novas estratégias de ensino, ou seja, para essa professora, a
formação acadêmica possibilitou a inovação, o domínio de novas formas de
aprender e de ensinar, ou seja, a apropriação de saberes científicos pedagógicos.
Nesse sentido, é possível afirmar que a formação universitária para as
professoras participantes da investigação ocupa importante papel na sua trajetória
de formação para a docência, sendo que as mesmas revelam apoiar sua prática
em conhecimentos especializados e formalizados, entretanto os mesmos são
elaborados, contextualizados e não simplesmente aplicados, pois as professoras
explicaram que escolhem com autonomia os métodos e técnicas de acordo com
a realidade em que atuam.
Pertinente a esta reflexão podemos citar Gauthier (1998) que chama
atenção para o “reservatório de saberes” necessários ao ensino e destaca que o
saber disciplinar se refere aos saberes produzidos pelos pesquisadores e cientistas
nas diversas disciplinas científicas, ao conhecimento por eles produzidos a respeito
do mundo. Assim, o professor não produz o saber disciplinar, mas para ensinar
precisa conhecer os saberes disciplinares e as teorias subjacentes aos mesmos.
A formação universitária ou equivalente como demonstram diferentes
estudos e, também, as falas das professoras participantes da presente pesquisa,
oportuniza a apropriação dos conhecimentos especializados e formalizados a partir
da conferência de um diploma para a obtenção de um título profissional. Embora
esses conhecimentos sejam necessários, a prática mostra que não garantem a
competência profissional. Além de o professor realizar os cursos de formação e
aperfeiçoamento, precisa transformar este saber, fazer a transposição didática em
contexto, o que exige autonomia, discernimento e capacidade de reflexão.
80
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
4.4. A reflexão e a docência
Prática reflexiva, postura reflexiva, professor reflexivo, saberes
docentes, autonomia intelectual crítica termos em evidência nos referenciais
atuais de educação, mais do que belas palavras que enaltecem discursos ou
tornam leituras pedagógicas agradáveis e modernas. Mais do que um modismo
pedagógico, contêm um grande significado para a prática docente. Apontam
um caminho real, não acabado, que conduz à formação do professor ético e
inovador e à transformação de práticas educativas muitas vezes estagnadas,
reféns da racionalidade acadêmica, que prioriza a transmissão de conteúdos e a
reprodução das informações adquiridas, ou da racionalidade técnica que obedece
acriticamente a normas e prescrições.
Schön (1992), o inspirador do movimento do professor reflexivo
defende a formação do professor, a partir da reflexão na ação, para ser capaz
de solucionar problemas que se apresentam no cotidiano. A formação de um
prático reflexivo demanda formas de investigação novas para a maioria das
escolas formadoras de profissionais docentes: a investigação sobre a reflexão
na ação, característica dos práticos competentes que centram sua praxis no
diálogo como elemento essencial para sua tarefa comunicativa, na qual estão
implicados sentimentos e conhecimentos.
Concordando com Zeichner (1993), afirmo que refletindo sobre a
própria prática, cada uma das professoras compreende melhor sua atividade,
na medida em que examina a maneira como ensina e como constrói seu
conhecimento docente, como ilustra a fala da professora P1 “Aos poucos, entre
erros e acertos, construções, observações, buscas e reflexões, atuando em
classes multiseriadas obrigaram-me a desenvolver e decodificar o processo de
ensino e de aprendizagem.”
Cada professor necessita empregar sua capacidade reflexiva, criatividade,
iniciativa, de estabelecer relações e ter abertura de espírito a fim de ultrapassar o
nível meramente descritivo e atingir a essência da reflexividade enquanto meio
para interagir com o conhecimento e mediá-lo de forma autônoma e flexível,
construindo novos saberes, inspiradores de novas ações (Alarcão, 2003). As
professoras participantes da pesquisa demonstraram que assumem uma postura
crítica e reflexiva sobre sua formação para a docência na medida em que se
manifestam sobre suas apropriações teóricas, como também no próprio campo de
trabalho, buscando não só o seu próprio desenvolvimento pessoal, mas também de
seus alunos e da instituição na qual exercem sua função docente.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
81
As reflexões aqui apresentadas e falas das professoras nos dão a
compreender que as professoras compreendem como constroem a própria
docência enquanto um movimento de ação-reflexão (Schön, 1987), balizado
pelas noções fundamentais como conhecimento na ação (knowing-in-action),
reflexão na ação (reflection-in-action) reflexão sobre a ação (refletion on action)
e reflexão sobre a reflexão na ação (refletion on refletion-in-action), processo
que leva as professoras a compreenderem como se constrem enquanto docentes
levando-as a progredir no seu desenvolvimento e na sua tessitura da docência.
4.5. A carreira docente: encantos e exigências e a tessitura da
docência
Os diálogos com as participantes da pesquisa revelaram uma postura
segura em relação à escolha da profissão, como afirma a professora P1 “A opção
pelo magistério foi consciente, mesmo diante das adversidades e deficiências
apresentadas quer na experiência e/ou funcionalidades.”
O professor assume sua prática. Ninguém pode assumir pelo outro
ou determinar como deve ser a prática do outro. Cada um faz o seu caminho
de aprimoramento, de construção de autonomia, entretanto a construção da
autonomia é defendida como forma de os indivíduos se constituírem e se
relacionarem, não como uma capacidade individual, mas como uma construção
da coletividade.
A autonomia se constrói no encontro, como desenvolvimento das
convicções e finalidades profissionais, mediadas pelo entendimento, pelo
diálogo; entender as perspectivas e expectativas sociais é tão importante como
se fazer compreender socialmente por parte dos profissionais. Para Sacristán
(1992), o professor é o centro condutor visível dos processos de educação
institucionalizados. Este papel central que o professor ocupa permite a reflexão
sobre as diferentes tendências pedagógicas que verificamos nos profissionais
responsáveis pelo ensino em nossas escolas. O espaço de sala de aula apresenta
pluralidades, incertezas e conflitos cada vez mais evidentes, que exigem do
professor não só o conhecimento científico acadêmico, mas também habilidades
específicas para administrar as situações que se apresentam no decorrer de sua
práxis pedagógica.
Os estudos de Nóvoa (2000) apresentam argumentos que sustentam a
idéia de que o professor, desde sua formação inicial e ao longo de sua carreira
busca reproduzir modelos de práticas com as quais interagiu ao longo de
82
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
sua própria vida de estudante, bem como nos cursos de formação para o
magistério seja em nível médio ou em curso superior. Sob esse ponto de
vista, o fazer pedagógico do professor é plural, construído ao longo da vida
do professor enquanto pessoa.
Diante do exposto é possível afirmar que a formação do professor é complexa
e ocorre em rede, com o estabelecimento de infinitas conexões, segundo Maturana
(2003), conexões rizomáticas que nos permitem a apropriação de conhecimentos
que se articulam resultando num saber cada vez mais elaborado, produzindo uma
prática pedagógica entendida como um processo que se constrói. Assim como no
universo “tudo está tecido junto”, tudo se relaciona de forma sistêmica (Morin,
2002), a construção da docência, tanto para o principiante na carreira, quanto para
o docente experiente (TARDIF, 2002) necessita ser continuamente reelaborada
e transformada dentro do contexto de atuação, pois é no entrelaçamento dos
constructos teóricos, dos práticos e da experiência à luz da compreensão subjetiva
de cada sujeito que se constrói o professor.
A articulação entre a Universidade e a escola passa pela definição de
novas figuras profissionais e pela valorização dos espaços da prática e da reflexão
sobre a prática (Zeichner,1993). Para Maués (2003), de maneira geral a formação
contínua constitui parte integrante de todas as reformas que se estão processando,
tendo sempre como objetivo maior a busca de um alinhamento dos professores que
já estão em exercício com as últimas decisões em matéria de política educacional.
A formação continuada ou em serviço prevista na LDB da Educação
Nacional, pressupõe uma abordagem na formação de professores que valorize o seu
contexto, com o entendimento de que não só atinge o professor, mas todos aqueles
que atuam na escola. Ainda há de se referir as novas tecnologias da inteligência que
acenam com novas possibilidades de formação tais como os ambientes virtuais de
aprendizagem e a educação à distância.
Considerações Finais
Sem dúvida, o futuro da educação depende do avanço do conhecimento;
a vinculação entre saber e poder está cada vez mais estreita. O domínio do
conhecimento pela sociedade é um elemento imprescindível para a concentração
do poder econômico e político que rege as relações da humanidade.
É importante que se diga, também, que em educação não existem
mudanças mágicas, de um dia para o outro, o trabalho em educação exige adotar
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
83
estratégias que garantam sua continuidade para uma transformação profunda.
O presente estudo se configura como uma proposta para se refletir a formação
do professor para exercer a docência nas séries iniciais do ensino fundamental,
sendo que focalizou a formação em nível universitário e seus contributos para a
tessitura da docência.
Entendo que a interação com as professoras participantes da pesquisa,
suas falas e acima de tudo, seu testemunho prático no chão da escola mostraram
que os conhecimentos universitários contribuem para construção dos saberes
docentes necessários no dia a dias da docência nas séries iniciais do Ensino
Fundamental e, os mesmos sofrem influência do saberes práticos forma pela
qual são reconstruídos em contexto para dar conta das urgências e necessidades
do cotidiano da escola.
Ainda, foi possível verificar a “epistemologia da prática profissional
docente, na medida em que as professoras enfatizam que os saberes da experiência
determinam seu fazer docente, embora reconheçam o papel dos conhecimentos
teóricos enquanto alicerces para a prática.
Um estudo desta natureza não se encerra com o final do texto. Muito
pelo contrário, lança novos questionamentos e funda a possibilidade de novos
estudos, tais como a investigação de como as professoras formadas em Curso
de Pedagogia modalidade à distância compreendem o seu processo de formação
para a docência à luz do emprego das novas tecnologias da inteligência. Quais
os saberes? Quais as habilidades e competências para um fazer pedagógico na
era da informação?
Como reflexão em conclusão considero pertinente destacar que o todo
o trabalho remete construção da docência enquanto tessitura como já referido
no decorrer do texto, a formação como elemento essencial, mas não único
no desenvolvimento profissional docente, pois o viver e o conviver de cada
docente é, em grande parte, determinante do seu fazer docente.
Permito-me a dizer que ao ousar a lançar-me nesta investigação estava
consciente de que não seria tarefa fácil. No entanto, agora agrego as minhas
questões iniciais muitas outras indagações, para as quais, enquanto educadora
e pesquisadora, continuarei buscando respostas com a consciência de que não
há uma resposta a ser encontrada em algum lugar, mas é na busca que reside a
descoberta, pois ao longo de todo o estudo clarificou a tese de que é no exercício
da profissão que se configura o processo de tornar-se professor, o aprendizado
da ou a tessitura da docência se constrói agregando a complexidade do ser, do
conhecer, do fazer e do conviver.
84
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
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Qualidade E desenvolvimento profissional
Patrícia do Amaral Comarú1
D
esde o início da década de noventa, há o registro de que as discussões
sobre a qualidade da Educação Superior começaram a ocupar mais
espaço nas pautas institucionais, tendo em vista que muitos estudos e trabalhos
investigativos acerca dessa questão vieram a público.
A partir da inquietação de Morosini (2008, p.4), sinto-me provocada à
seguinte questão reflexiva: o que é, portanto, educação de qualidade? Educação
de qualidade, segundo constata a autora, é a que “apóia todos os direitos
humanos [...] é localmente importante e culturalmente adequada [...] constrói
conhecimentos, habilidades vitais, perspectivas, atitudes e valores”.
Então, aproximar o conceito de qualidade à área de educação, num
sentido amplo, representa reconhecer que ela pode consistir num significante,
com múltiplos sentidos importantes, por meio de conceituações fundamentais,
como a de sujeito, sociedade, vida e educação, inter-relacionadas com ideias
afins, de caráter mais global.
Dentre outras concepções significativas, Brandão (1981) identifica
a educação como processo vital que contempla forças conjugadas pela ação
consciente e de livre-arbítrio dos sujeitos envolvidos, enquanto atividade
criadora que visa à realização de potencialidades próprias (físicas, morais,
espirituais e intelectuais).
Por isso, a educação se constitui no principal agente da transição
para o desenvolvimento sustentável, segundo os documentos da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), visto
que incentiva e aprimora a capacidade humana para fazer, de suas próprias
concepções sociais, a realidade a ser vivida.
Tal realidade, para ser compreendida, requer um pensamento mutável
acerca das partes e do todo, entre si, por consistir em uma rede de laços e
interações, constantemente. Tendo por fim o desenvolvimento sustentável, a
educação é percebida como um processo de aprendizagem para tomada decisões,
tendo por consideração, a largo prazo, o futuro da economia, ecologia e equidade
de todas as comunidades representadas.
Segundo Morosini (2008), dentre as noções de qualidade existentes na
Educação Superior, há aquelas que, ainda, estão sob as diretrizes da qualidade
1
Professora Doutora em Educação – PUCRS. Departamento de Metodologia do Ensino – MEN/CE/UFSM
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
87
isomórfica, orientadas por princípios financeiros, envolvendo avaliações para
credenciamento e mantendo o isomorfismo e a padronização, voltados ao mercado.
Na releitura dos últimos tempos, acerca desta temática, a autora
declara que as fronteiras estão mais tênues, entre as diferentes categorias
de qualidade, especialmente na perspectiva de construção do conceito de
qualidade como equidade.
Se, antes, havia a necessidade de programas institucionais de formação/
profissionalização docente, na Educação Superior, agora se constata como
emergencial a implementação de oportunidades para o aprofundamento
teórico-prático, diante dos desafios postos.
Entre as facetas do conceito de qualidade, busco contemplar aquela que
se relaciona com o próprio ensino universitário, como instrumento de construção
de um profissional cidadão, por sua responsabilidade e comprometimento para
com as mudanças sociais, que se impõem nacional e internacionalmente.
Para tanto, é preciso estar focado numa visão de conjunto, que integra
diversos sinais que, também, apresentam dimensão subjetiva e, portanto qualitativa,
ao se refletir acerca de certa realidade. Assim, valorizo a expressão interpretativa
de tais indicadores, sem ignorar a dimensão objetiva e quantitativa dos mesmos.
Compreendo, então, o processo sistemático, organizado e autorreflexivo
que envolve todo o percurso, desde a formação inicial, que abrange o exercício
continuado da docência nos diversos espaços institucionais em que se desenrola.
Dentre várias concepções, há o reconhecimento de que os indicadores são
correspondentes a sinais ou marcas,2 ao longo de determinado processo que se
deseja avaliar.
Cabe salientar, então, que este processo autoformativo não implica em
uma espécie de aprendizado individualista e solitário. Pelo contrário, explicita
a importância de “caminhar com” (JOSSO, 2004) no sentido de que se aprende
na interação3 com o entorno, na tomada de consciência da gama de experiências
que cada ser humano vivencia e de onde provêm inúmeras lições e aprendizados.
Filloux (2004) destaca a importância de cada pessoa, em formação, pensar
sobre o que faz e, consequentemente, identificar que significações têm essa ação
para, a partir dessa reflexão, autoformar-se, no momento em que auxilia o outro,
para além da simples absorção de conhecimentos.
Marcas não são rótulos externos e, sim, o resultado de relações humanas, cuja composição dos fluxos se faz
e se refaz, somando-se e esboçando novas composições. Contam uma história dos modos de constituição do
sujeito, resultam de processo em que o externo e o interno são inseparáveis (COLLA, 1999).
3
Considerada por Ardoino (2005) como intercâmbio entre duas pessoas, dois ou mais sujeitos, enquanto interações
repletas de sentido, desejo, projetos e ambições, tendo em vista que a intersubjetividade supõe a interatividade.
2
88
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Reconhecer a pertinência das concepções do conhecimento pedagógico
compartilhado4 e das redes de interações se torna imprescindível, quando se investiga
acerca do processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.
Com isso, a trajetória vivida passa a ser considerada como ponto de
partida aos estudos que abordam essa articulação, necessária entre o pessoal
e o profissional, problematizando as situações e conquistas do sujeito, nesse
movimento de (trans)formação, no decorrer do tempo (ISAIA, 2009).
A partir da premissa de que o estudo acerca da trama vivencial e de suas
inter-relações revela o percurso trilhado por uma rede coletiva de professores,
em espaços e tempos diferenciados, entendo que a multiplicidade das gerações
pedagógicas representa os modos diferenciados de participação, interação e
compreensão dos processos e trajetórias formativas a serem empreendidas
(ISAIA e BOLZAN, 2007).
Assim, no momento em há interligação entre o mundo pessoal e o
âmbito social de intervenção, em conjunto com o cenário profissional, outros
conhecimentos do(a) professor(a) poderão emergir mediante as representações
das experiências pedagógicas, tanto pessoais quanto coletivas.
Desenvolvimento profissional: possibilidades de redimensionamento da
formação docente
A continuidade do processo formativo, entre outras, centra-se por
demandas integradoras de suas dimensões (sociais, culturais e políticas), que
são importantes à constituição de espaços interdiscursivos e intersubjetivos5 para
discussões pertinentes acerca de questões pedagógicas.
Isaia (2006) refere-se à aprendizagem docente como processo inter e
intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres
próprios, associados à realidade concreta da docência nos diversos campos
de atuação. O importante não é apenas compreender o ser professor(a), mas
entendê-lo a partir de cada contexto, no qual as trajetórias formativas são
consideradas em relação às ações correspondentes da prática profissional.
A pessoa deve concentrar-se em si, como figura-chave à evolução, sendo
original, expressando-se com sinceridade transparente (PERETTI, 2000). Esse
movimento em direção à coerência, de modo autêntico para assunção da própria
4
Sistema de ideias com distintos níveis de concretude e articulação, que apresenta dimensões dinâmicas de
caráter processual. Implica numa rede de relações interpessoais, por quatro dimensões: o conhecimento teórico
e conceitual, a experiência prática do professor, a reflexão sobre a ação docente e a transformação da ação
pedagógica (BOLZAN, 2006).
5
Relacionados à aprendizagem docente colaborativa: processo plural, interativo e mediacional, que envolve
movimento de construção e reconstrução de ideias, e premissas, advindas do processo de compartilhamento
(ISAIA, 2007; BOLZAN, 2007; BOLZAN e ISAIA, 2007a, 2007b).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
89
identidade, entretanto, apresenta certo risco à inércia de corromper-se, numa
postura isolada, narcisista e fechada aos outros interlocutores.
Em se tratando de docência, a questão do cuidado emerge a partir daquilo
que se descobre no outro (ZAMBERLAN; COSTENARO, 2001), ao agregar
referenciais de conhecimentos e atitudes próprias que desvelam a humanização
nas ações concretas, pelo viés da dimensão afetiva e expressiva do cuidado.
Como rede de relações, a trajetória contribui à reflexão, ao
compartilhamento e à reconstrução de experiências e conhecimentos, que
possibilitam o desenvolvimento profissional.6
Portanto, os espaços educacionais auxiliam na construção e desenvolvimento
da professoralidade,7 por ser um processo que orienta para constante apropriação
de conhecimentos, saberes e fazeres próprios, a cada área profissional, ao longo de
um percurso que integra as ações como trajetórias formativas.
Em acordo com Isaia e Bolzan (2008), penso que a professoralidade
emerge como indicador de qualidade na Educação Superior, a partir do resgate
de trajetórias pessoais e profissionais, as quais entrelaçam espaços e tempos que
possibilitam a reconfiguração da prática pedagógica universitária.
Ao partir dessa perspectiva de professoralidade, cabe evidenciar que a
subjetividade marca o percurso formativo docente, porque reconhece, por meio
da interdiscursividade e da intersubjetividade,8 o processo plural, interativo e
mediacional que se configura como indicador de qualidade na Educação Superior.
É pertinente retomar, então, o marco reflexivo de uma intersubjetividade,
que envolve o(s) sujeito(s), principalmente na relação formativa, seja consigo
próprio, seja com o(s) outro(s). Em decorrência, ressurge a questão do retorno
sobre si,9 pelo formador.
Para Josso (2004), esse campo é explorado no transcorrer do
percurso evolutivo, pelas trocas que incitam a responsabilidade de usufruir,
conscientemente, dos indícios de observação, dos elementos teóricos e
das experiências de referência, servem de parâmetros referenciais aos
pensamentos, ações e escolhas.
6
Processo contínuo, sistemático, organizado, envolvendo tanto os esforços dos professores em sua dimensão
pessoal e interpessoal, como a intenção concreta, por parte das instituições nas quais trabalham, de criarem
condições para que esse processo se efetive.
7
Marca produzida no sujeito e um estado, que faz diferença na organização da prática subjetiva, pela diferença
que o sujeito produz em si. Identifica-se com o espaço da docência. É uma diferença produzida no sujeito, um
estado em risco de desequilíbrio permanente (OLIVEIRA, 2009).
8
Permite descobrir o conceito de abertura à experiência (JOSSO, 2004), que designa a dimensão transformadora
do autoconhecimento pela produção de novos saberes.
9
Engloba a análise de como se sente, a rejeição de defesa contra o que sentem e pensam sobre as próprias
experiências, de maneira mais sincera possível (FILLOUX, 2004).
90
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Tal processo exige ações auto, hétero e interformativas, pela construção
e reconstrução conceitual, advindas do processo de compartilhamento. Então,
o desenvolvimento profissional docente se delineia por demarcações de
caminhos, considerando a sua finalidade formativa e as respectivas trajetórias
pessoais, profissionais e institucionais, imbricadas nesse processo (ISAIA e
BOLZAN, 2008).
O conceito de desenvolvimento profissional, portanto, está vinculado
à necessidade de visão alargada da aprendizagem profissional, incluindo a
questão eminentemente pessoal e as oportunidades informais do contexto de
trabalho pedagógico.
Reconhecer as trajetórias formativas, a criação de espaços de interlocução
pedagógica e a aceitação dos desafios, postos à docência, via redes de relações10
e mediações, torna necessário considerar tais relações como componentes
intrínsecos aos processos de partilha no âmbito de ensino e aprendizagem, na
formação profissional.
De um modo geral, conforme Huberman e Schapira (2000), as relações
entre as pessoas têm dimensão fundamental na relação pedagógica, a partir de
alguns indicadores, como a manutenção de bons contatos, sem chegar a uma
dependência mútua, pois isso dificulta a satisfação pessoal, tendo em vista que
não se experimenta, de fato, tais relações, quando um dos sujeitos envolvidos se
limita meramente às formalidades.
Assim, em relação à qualidade do processo formativo docente, é
fundamental compreender as trajetórias percorridas pelos professores como
marcas significativas deste processo, ao valorizar a intrínseca relação entre
trajetória pessoal, profissional e percurso formativo.
Diante dessa constatação, Josso (2004, p.231) evidencia que “a
temporalidade das aprendizagens relacionais varia segundo a sua articulação ou
a sua independência face às aprendizagens existenciais ou reflexivas”. Tendo por
expectativa um novo horizonte, os contextos formadores servem de referência
para os professores reconhecerem, compreenderem e interpretarem as realidades
da vida, que se constituem por escolhas e oportunidades do cotidiano vivenciado.
O desenvolvimento profissional, entre outros significados, pode ser
compreendido por um estado de orientação e formação para a educação do
sujeito, e não como estado condicionado a ações de formação específica, no
decorrer da prática profissional (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001).
10
Processo de troca entre pares, implicando no compartilhamento de significados e ideias acerca do conhecimento
pedagógico. A partir da atividade discursiva, permite a construção conjunta de saberes e fazeres de forma
compartilhada (BOLZAN, 2002).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
91
Então, as características e capacidades específicas da profissão
constituem integradamente a busca pelo profissionalismo,11 visto que há uma
complexa variedade de exigências, ao profissional, para o exercício do trabalho
com valores supremos, como a dignidade, justiça e responsabilidade.
O processo socializador de aquisição das características e capacidades,
por outra derivação terminológica de profissão, consiste na denominada
profissionalização.12 De acordo com o resultado de pesquisas científicas,
há o reconhecimento em prol da necessidade de instaurar um processo de
profissionalização docente nas IES.
Em decorrência do pressuposto que a profissionalização possibilita
a sistematização dos saberes necessários à docência (ANASTASIOU, 2009)
reafirmo a compreensão da mesma pelo caráter de continuidade, pois os
profissionais oriundos de várias áreas ocupam os espaços da docência, com
saberes prévios de outras experiências.
Por isso, o processo de profissionalização não contempla apenas os
professores que ingressam nas IES, mas consiste em horizontes de possibilidades13
continuadas de reflexão, sistematização de estudos e busca coletiva de alternativas
e estratégias de mediação ao fazer pedagógico, independente da área de atuação e
formação profissional dos professores.
Entretanto, registra-se a inexistência, no Brasil, de amparo legal
em âmbito nacional que estimule a formação pedagógica dos professores
universitários (PACHANE, 2003). A opção por oferecer, ou não, esta formação
fica a cargo dos regimentos de cada IES, mesmo que seja responsável, por
meio da política institucional, pelo oferecimento ou apoio de discussões
reflexivas e propostas incentivadoras, que regulamentem e confirmem a
necessidade da mesma.
Quanto à formação continuada dos professores universitários, discute-se
a complexidade deste nível de ensino, de forma ampla e contextual. Por outro
enfoque, há a defesa de superação da concepção individualista de formação
centrada no professor e, como tal, organizada à margem do seu desenvolvimento
profissional. Assim, a mudança da profissionalidade e o aperfeiçoamento
dos professores devem ser entendidos como um modelo de desenvolvimento
Segundo Veiga (2006), tem de alicerçar-se em orientações éticas, de acordo com as ideias educativas
democráticas, que respeite os valores dos profissionais.
12
Não é um processo simplificado. Possibilidade de construção coletiva do professor e seus alunos, que
contempla a subjetividade docente inserida na prática (VEIGA, 2006, p.3).
13
Contribuem à mediação desenvolvente que, para Maciel (2009a), abrange a apreensão de ideias evidentes,
como motivação do professor, redes de significados, atuação pedagógica, condições objetivas e subjetivas à
construção de práticas (trans)formadoras.
11
92
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
profissional e pessoal, evolutivo e continuado, que precisa estar referenciado nos
contextos que determinam a prática.
O desenvolvimento profissional dos professores tem sido objeto de
propostas educacionais que valorizam uma formação docente não mais baseada
na racionalidade técnica, mas “em uma perspectiva que reconhece a capacidade
desses profissionais de decidir, de confrontar suas ações cotidianas com as
produções teóricas” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.264).
A literatura pedagógica existente prospera com significativa relevância
acerca de dimensões relativas ao desenvolvimento profissional, que envolvem: os
modelos e estratégias utilizados para compreensão de tal desenvolvimento; os ciclos
da carreira; o conhecimento específico do professor; as etapas de desenvolvimento
cognitivo da aprendizagem do adulto e, por consequência, os diversos fatores e
contextos que influenciam esses processos.
Tais estudos, embora apresentem diferentes perspectivas, pois seus
pressupostos possuem divergências e ambiguidades, têm contribuído para com
esse novo enfoque de desenvolvimento profissional, quando se constata que a
formação envolve toda carreira docente.
Tal desenvolvimento deve estar intimamente relacionado com a
instituição educativa, na possibilidade de inovação curricular, para melhor
qualificação do ensino e da profissionalidade docente. Assim, há necessidade
de se compreender a natureza e os diferentes contextos em que ocorrem os
processos de aprendizagem da docência.14
As investigações acerca dos processos de desenvolvimento profissional
têm apontado diversas estratégias, em que se destaca a reflexão e a investigação
como componentes na construção desse desenvolvimento, tendo como referências
as experiências pessoais-profissionais e o enfrentamento das relações estabelecidas
entre as situações práticas incertas e os valores considerados educativos.
Isso remete à explicação a respeito das teorias de aprendizagens
dos adultos, referendadas por Marcelo García (1999), em que se tratando de
mudanças maiores, os professores reorganizam suas crenças ou concepções
sobre o ensino-aprendizagem, o contexto institucional, entre outros para, depois,
adotarem mudanças na prática.
Cabe ressaltar, também, que o desenvolvimento profissional implica
não só indivíduos, mas essencialmente grupos: os professores como coletivo,
os formadores dos professores, os responsáveis pelas instituições formadoras
e os responsáveis pelas políticas de formação.
Requer uma capacidade de pensamento mais ampla, como também a capacidade de construir sentido e de
interpretar sentido aos outros (McEWAN, 1998).
14
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
93
Todos esses grupos que influenciam, direta ou indiretamente, nos
processos de desenvolvimento docente deveriam contribuir na implementação
de propostas que tivessem como foco central um trabalho colaborativo15 mais
amplo, em que este passe a constituir-se no próprio processo de desenvolvimento
e aprendizagem profissional, propiciando mudanças significativas a todos os
envolvidos nesse processo.
A palavra profissionalidade não está ainda dicionarizada; mas referindose à questão da profissão professor, Gimeno Sacristán (1995, p. 65) entende
“por profissionalidade a afirmação do que é específico na ação docente, isto é,
o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores
que constituem a especificidade de ser professor”.
Os profissionais, nas diferentes profissões, desenvolvem determinados
comportamentos, destrezas, valores, atitudes, constroem conhecimentos que
constituem o que é específico da profissão, ao que se chama de profissionalidade
(GIMENO SACRISTÁN, 1995, p.65). No que diz respeito ao professor,
refletir sobre ela, segundo esse autor, remete ao “tipo de desempenho e de
conhecimento específicos da profissão docente”.
De acordo com as análises de Libâneo (2001, p. 63), a profissionalidade
docente pode ser definida como o “conjunto de requisitos profissionais que tornam
alguém um professor, uma professora”. Tais requisitos encontram relações com
os conhecimentos, as habilidades e atitudes necessárias ao exercício profissional
que diferem os professores dos profissionais, entre as mais diversas áreas.
Ao lado do desenvolvimento da profissionalidade, assume relevante papel
na profissionalização docente o enfoque cultural, que tem merecido destaque
singular no âmbito educacional, tendo em vista a complexidade da realidade e a
busca da sua compreensão. O conceito do que é profissionalidade docente não é
estático, sendo, portanto, constantemente elaborado.
O conceito de desenvolvimento profissional, ressaltado por Almeida
(2000), pressupõe a ideia de crescimento, evolução e ampliação das
possibilidades de atuação dos professores. Nesse sentido, as duas dimensões
da prática docente são compatibilizadas, inseparavelmente: a qualificação do
professor e as condições concretas em que ele atua.
O estudo sobre os processos de desenvolvimento profissional se
concretiza pela análise singular da construção de cada percurso, a partir das
significações próprias de cada professor, contemplando as dimensões (pessoal,
Proporciona tempo para investigação reflexiva e educativa, relativamente inexplorada ao desenvolvimento
docente (GOODSON, MEASOR e SIKES, 2004).
15
94
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
profissional, curricular, cultural e a de impacto) do seu trabalho, que são
constituídas na inter-relação.
Nesse entendimento, o desenvolvimento profissional abrange situações
de aprendizagens que afetam o processo de aprender a ensinar, tendo em vista
o crescimento intelectual e profissional docente, o qual pressupõe evolução e
continuidade (MONTEIRO; MIZUKAMI, 2001).
Assim, ao reconhecer o professor como profissional,16 enquanto agente
dinâmico cultural, social e curricular (RAMALHO, 2003), o conceito de
profissionalização apresenta-se como o desenvolvimento sistemático da profissão,
fundamentado na prática e mobilização de conhecimentos especializados, que
favorecem o aperfeiçoamento das competências profissionais.
Assim, evidencio que a concepção de desenvolvimento profissional
dos professores pressupõe uma perspectiva de formação que prioriza o caráter
contextual e organizacional, direcionado para a mudança (MARCELO GARCÍA,
1999), a qual supera a visão individualista das ações de aperfeiçoamento
docente porque se desenvolve, sobretudo, nas relações consigo próprio em
inter-relação com os outros.
O processo de desenvolvimento profissional defende a inter-relação
da trajetória pessoal e profissional docente com o da IES. Fernández Pérez
(citado por MARCELO GARCÍA, 1999) salienta a exigência, no processo, de
promover a construção do saber específico, não trivial, como fundamentação
crítico-científica e autopercepção positiva do professor universitário.
Em prol de uma formação na perspectiva generalista, em relação aos
processos de ensinar e aprender, contrapondo-se à formação específica da própria
área do conhecimento, destaco as relações intersubjetivas que, dentre as questões
comuns à docência superior, são baseadas por princípios éticos e de responsabilidade
social, na construção do seu projeto de vida pessoal e profissional.
Consequentemente, qualquer tomada de decisão traz consigo um conjunto
de conhecimentos, que expressam valores e levam em conta uma série de
questões implícitas e explícitas, as quais tornam possível a realização de tarefas
diversificadas, por meio da comparação entre similaridades e discrepâncias das
situações que se apresentam.
Na busca de uma nova configuração ao processo de desenvolvimento
profissional docente, aliado a construção de redes de relacionamentos articulados,
Portal e Duhá (2005) enfatizam a emergência de se investir na capacitação de um
16
Montero (2005) ressalta que a consideração do professor como profissional se baseia na sua dedicação ao
processo de ensino-aprendizagem, e não domínio de uma(s) disciplina(s), embora isso seja conhecimento
essencial no processo de profissionalização.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
95
docente empreendedor íntegro e consciente. Em especial, destacam a necessidade
de articulação equilibrada entre o sentir, o pensar e o agir na ressignificação de
vivências, bem como na concretização dos propósitos educacionais.
A formação pode favorecer o desenvolvimento profissional dos docentes
à medida que se constituam professores reflexivos, capazes de assumirem a
responsabilidade pelo próprio desenvolvimento profissional e de participarem,
com empenho e competência, na definição e implementação de políticas
educativas crítico-reflexivas.
Portanto, no campo profissional, o desenvolvimento de uma carreira
é caracterizado como um processo e não por uma série de acontecimentos.
Numa abordagem sociopsicológica, trata-se de um estudo sobre o percurso de
uma pessoa-profissional numa série de organizações, compreendendo como a
singularidade desse sujeito e tais organizações influenciam-se entre si.
Nesse contexto, ao rever cada trajetória em sua universalidade,
aponto a importância da experiência pessoal na aprendizagem profissional17 e
da significação pessoal de tal atividade. Esse processo investigativo sobre as
concepções, experiências e necessidades ao processo de formação docente
ressignifica, como fundamental, o compromisso para com o envolvimento,
principalmente numa sociedade em transição, em que há mudança de paradigmas
e a instauração imediata de novas tecnologias.
Hoje, com esse novo paradigma de comunicação, principalmente quanto
ao veloz acesso às informações, vejo que as novas gerações já têm outra relação
com seus próprios aprendizados: aprendem sobre o mundo, enquanto são
estimulados a serem espontâneos e autônomos.
E a trajetória profissional, construída também pelo entrelaçamento de
gerações, está associada à luta que se estabelece entre aqueles que se consideram
donos do mundo sociopedagógico e os que querem temporariamente atingí-lo,
nas vivências situacionais.
Vejo, então, em Levinson (1986, p.398) apoiado às ideias de Ortega
y Gasset, como primordial o destaque, nesse processo, frente a que “somos
responsáveis não somente de nosso próprio trabalho e, talvez, do trabalho dos
outros, mas também da evolução da atual geração de jovens adultos que, em
breve, entrarão na geração dominante”.18
Compreendida, segundo Maciel (2009b), como processo simultâneo, de desenvolvimento das múltiplas
possibilidades instauradas a partir da ambiência (interior e exterior) e de permanentes avanços enquanto
sujeito que se autorrealiza ao longo da vida.
18
Tradução realizada pela autora deste estudo.
17
96
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Entendo os professores como uma geração pedagógica (ISAIA, 2006)19
que, cada vez mais, clama por reflexões fundamentadas acerca da profissão e
trajetória docente. Assim, a partir do estudo acerca das exigências e implicações à
vida dos professores, poderá emergir a reconstrução significativa dessa profissão,
quando se almeja um movimento de (re)organização social para os novos tempos.
A educação na sua diretividade, enquanto ação especificamente
humana, reflete a sua politicidade inerente à concepção freireana. A qualidade
de ser política está enraizada na própria educabilidade do ser humano, por sua
condição histórica, inconclusa, que necessita eticamente fazer opções e tomar
decisões em sua trajetória vital.
A universidade e seu professor, nas ações de interação com significado,
têm o importante papel de ser fator chave para o desenvolvimento humano e
social, na formação das próximas gerações. Portanto, pela consideração das
perspectivas regional e global emerge como desafio da Educação Superior o
compromisso colaborativo para com o desenvolvimento humano e social.
Measor e Sikes (2004) defendem, então, a necessidade de priorizar a
abordagem interacionista na formação, que contemple o mundo de significados
subjetivos, as realidades e intenções dos envolvidos. Portanto, a fim de que
os professores possam desenvolver-se profissionalmente (DAY, 2001), faz-se
necessário atentar ao pensamento crítico-reflexivo aos propósitos morais, bem
como às suas destrezas pedagógicas e de gestão, pela via dos contextos culturais
e de liderança em que trabalham.
Entretanto, Goodson, Measor e Sikes (2004) ressaltam o entendimento
de que é preciso ter ciência dos incidentes críticos da vida, assim como as fases
importantes da carreira, pois ambos afetam as percepções e práticas cotidianas,
especialmente quanto ao desempenho profissional docente.
Quanto à promoção e incentivo ao desenvolvimento profissional
docente, faz-se necessário a realização de levantamento e análise sistemática
das necessidades formativas, possibilitando reflexão conjunta e pertinente às
prioridades elencadas.
Assim, muito além de uma proposta concebida como treinamento
prévio, o desenvolvimento profissional é pautado por princípios em forma de
compromisso reflexivo (McEWAN, 1998) entre sujeitos, que gera a mobilização
intencional do processo da própria formação, a partir das contribuições
representativas e de competências já existentes.
Situam-se na mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores, crenças, convicções e estilos
próprios de compreender e experienciar a docência, como modos diferenciados de interação na trajetória
formativa, a ser empreendida pelos professores e a instituição em que atuam (ISAIA, 2006).
19
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
97
O sujeito professor(a), ao observar o cotidiano de suas relações reserva,
nele, momentos para si e reconhece o quanto estes são favoráveis à revitalização
de sua energia produtiva, especialmente no âmbito do trabalho.
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QUALIDADE E FORMAÇÃO INICIAL DE PEDAGOGOS
Josimar Vieira
A
Conferência Nacional de Educação - Conae foi realizada no período
de 28 de março a 1º de abril de 2010, em Brasília – Distrito Federal,
tendo como tema central: Construindo o sistema nacional articulado: o plano
nacional de educação, diretrizes e estratégias de ação.
A Conae é resultado da parceria que se estabeleceu entre os sistemas
de ensino, os órgãos educacionais, o Congresso Nacional e a sociedade civil.
O processo de mobilização e debate sobre a educação brasileira desencadeado
por esta conferência está traduzido num Documento Final que apresenta
diretrizes, metas e ações para a política nacional de educação, na perspectiva
da inclusão, igualdade e diversidade. Disponível no link http://conae.mec.gov.
br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf, este documento
anuncia caminhos para a educação brasileira e apresenta deliberações para a
formulação e materialização de políticas de Estado na educação, sobretudo, para
a construção do novo Plano Nacional de Educação, período 2011-2020 e para o
estabelecimento, consolidação e avanço das políticas de educação e gestão que
dele resultarem em políticas de Estado.
Mantém a estrutura do Documento-Referência que serviu de base para as
conferências municipais, intermunicipais, estaduais, distrital e nacional e com o
Documento-Base para a etapa nacional da Conae, constituindo-se dos seis eixos
temáticos: I - Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade:
organização e regulação da educação nacional; II - Qualidade da educação,
gestão democrática e avaliação; III - Democratização do acesso, permanência
e sucesso escolar; IV - Formação e valorização dos trabalhadores em educação;
V – Financiamento da educação e controle social; VI - Justiça social, educação e
trabalho: inclusão, diversidade e igualdade.
Analisando cada eixo temático, foi possível constatar ocorrências que
demonstram preocupações com a qualidade da educação superior e nela, com a
formação de professores, conforme segue:
102
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Papel do Estado na garantia do direito à educação
de qualidade: organização e regulação da
educação nacional
Logo no início do primeiro Eixo, o Documento Final ressalta que “[...]
É dever do Estado a garantia do direito à educação de qualidade, estabelecido na
Constituição Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB/1996) e no Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010)” (p. 20).
Ainda considerando a Constituição Brasileira, o Documento destaca
a importância da cooperação que deve existir entre a União e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista assegurar políticas públicas
que garantam a oferta de educação escolar com qualidade. Chama a atenção
que um dos princípios explícitos no artigo 206 da Constituição Federal é a
garantia de padrão de qualidade. Na página 23, o Documento enfatiza: “[...] fazse necessário o esforço integrado e colaborativo, a fim de consolidar novas bases
na relação entre os entes federados, para garantir o direito à educação e à escola
de qualidade social”.
Ao procurar objetivar uma análise deste artigo da atual Constituição
Federal, é possível destacar o sentido de intenção ou cumprimento de
intenção como propósito e meta na direção do estabelecimento de um padrão
de qualidade para a educação escolar. Tomando a educação superior, pode-se
dizer que a garantia de padrão de qualidade social deve se caracterizar pelo
esforço para atender os alunos, proporcionando seu desenvolvimento humano e
instrumentalizando-os para o trabalho, bem como, para o exercício da cidadania,
que é o meio de sobrevivência da sociedade organizada.
No primeiro Eixo ainda consta que a instituição de um sistema nacional
de educação, concebido como expressão institucional do esforço organizado,
autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação é
condição essencial à garantia de um padrão unitário de qualidade nas instituições
educacionais públicas e privadas em todo o País. “[...] Os planos de educação,
em todos os seus âmbitos (municipal, estadual, distrital e federal), devem conter
obrigatoriamente diretrizes, metas e estratégias de ação que garantam o acesso à
educação de qualidade desde a creche até a pós-graduação” (p. 25).
Associado a necessidade de garantia do acesso à educação de qualidade,
o Eixo I destaca que nos esforços da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios para elevar a qualidade dos diversos níveis, etapas e modalidades
de ensino deve ser incluída a ampliação do financiamento, ou seja, “[...] a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
103
valorização e a qualificação da educação implicam, incisivamente, a ampliação
do seu financiamento” (p.27).
Sabe-se que o financiamento da educação no Brasil tem como grande
fonte de recursos a receita de impostos e de certa forma isso define a forma de
colaboração entre os entes federados. Os municípios e estados tem que investir
25% da receita de impostos (ICMS, IPVA, entre outros) em educação, manutenção
e desenvolvimento do ensino. Já a União tem que gastar 18% da receita. Este é
o grosso do financiamento da escola pública. Atualmente a legislação permite
a destinação de recursos públicos para escolas comunitárias, para bolsas de
estudos nas instituições privadas, entre outros casos. Nesta Conferência está
clara a intenção de retomar o princípio do recurso público para escola pública.
Este Eixo, ao se referir à qualidade ressalta ainda que o Sistema Nacional
de Educação, sob o regime de colaboração, precisará garantir a unidade no
atendimento de qualidade por meio dos mesmos parâmetros, nas diversas
instituições públicas, sejam elas federais, estaduais, do DF ou municipais
(p.27). Nesses parâmetros encontra-se a universalização do acesso, a ampliação
da jornada escolar e a garantia da permanência bem-sucedida para crianças,
adolescentes, jovens e adultos, em todas as etapas e modalidades (p.29). Para
isso será preciso investimento na educação: financiamento; inclusão social;
reconhecimento e valorização à diversidade; gestão democrática e formação e
valorização dos profissionais da educação, dentre outros (p. 30).
Quando faz referência ao Sistema Nacional de Educação, o Eixo I
manifesta preocupações com a qualidade e salienta que o mesmo deve prover:
a) A definição e a garantia de padrões mínimos de qualidade, incluindo a
igualdade de condições para acesso e permanência na escola.
b) A garantia de instalações gerais adequadas aos padrões mínimos de
qualidade, em consonância com a avaliação positiva dos usuários, [...] levando em
consideração as necessidades pedagógicas e da comunidade a serem atendidas.
c) Equipamentos em quantidade, qualidade e condições de uso adequadas
às atividades educativas.
d) Biblioteca com profissional qualificado, espaço físico apropriado
para leitura, consulta ao acervo, estudo individual e/ou em grupo, pesquisa online; acervo com quantidade e qualidade para atender o trabalho pedagógico e o
número de estudantes existentes na escola (p.31 – 32).
104
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Qualidade da educação, gestão democrática e
avaliação
Considerando o documento na sua totalidade, neste Eixo também são
apresentadas algumas dimensões de qualidade relacionadas mais especificamente
com o processo de gestão e avaliação. Para este Eixo, a educação com qualidade
requer processos de avaliação, capazes de assegurar a construção da qualidade
social inerente ao processo educativo, de modo a favorecer o desenvolvimento e
a apreensão de saberes científicos, artísticos, tecnológicos, sociais e históricos,
compreendendo as necessidades do mundo do trabalho, os elementos materiais e
a subjetividade humana (p. 41).
A qualidade da educação superior para o contexto capitalista global em que
se encontram as instituições de ensino superior, diz respeito ao seu desempenho
enquanto colaboradora na construção de uma sociedade mais inclusiva, solidária
e justa. Essas instituições devem instrumentalizar os estudantes para superar as
condições adversas de suas existências, sair da margem da sociedade, apropriarse dela, tornar-se sujeito. Para tanto, torna-se necessário o reconhecimento das
demandas de convivência do contexto (respeito às diferenças), a criação de
condições para o exercício da democracia (consciência política) e a preparação
para o trabalho.
Dessa forma, a fundamentação da gestão democrática está na constituição
de um espaço público de direito, que deve promover condições de igualdade,
liberdade, justiça e diálogo em todas as esferas e estrutura material e financeira
para a oferta de educação de qualidade. Para tanto, conceitos de autonomia,
democratização, descentralização, qualidade e participação devem ser debatidos
coletivamente, para maior legitimidade e concretude no cotidiano (p. 43).
Nesta direção, este Eixo II destaca que a gestão democrática da educação
está vinculada ao projeto que se quer implementar e este traz em seu bojo uma
dada concepção do que entende por qualidade da educação. O delineamento e
a explicitação de dimensões, fatores e indicadores de qualidade têm adquirido
importância na agenda de governos, movimentos sociais, pais/mães e/ou
responsáveis, estudantes e pesquisadores/as do campo da educação (p. 45-6).
Para este Eixo,
Debater a qualidade remete à apreensão de um conjunto
de variáveis que interfere no âmbito das relações sociais
mais amplas, envolvendo questões macroestruturais, como
concentração de renda, desigualdade social, garantia do
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
105
direito à educação, dentre outras. Envolve, igualmente,
questões concernentes à análise de sistemas e instituições
de educação básica e superior, bem como ao processo de
organização e gestão do trabalho educativo, que implica
condição de trabalho, processos de gestão educacional,
dinâmica curricular, formação e profissionalização (p. 46).
Além disso, a construção de princípios e base para a efetivação de
políticas de Estado direcionadas à educação básica e superior de qualidade
depende de alguns fatores, que são:
a) Articulação das dimensões intra e extraescolares, conforme consta na
citação apresentada anteriormente.
b) A dimensão socioeconômica e cultural, uma vez que o ato educativo se
dá em um contexto de posições e disposições no espaço social heterogêneo e plural.
c) Condições, dimensões e fatores para a oferta de um ensino sintonizado
com a superação da desigualdade socioeconômica e cultural entre as regiões.
d) Promoção e atualização histórico-cultural em termos de formação
sólida, crítica, criativa, ética e solidária, em sintonia com as políticas públicas de
inclusão, de resgate social e do mundo do trabalho.
e) Democratização dos processos de organização e gestão dos processos
educativos.
f) Condições da oferta de educação (relação número de estudantes por
turma, estudantes por docente e estudantes por funcionário técnico-administrativo),
uma vez que melhores médias dessa relação são relevantes para a qualidade da
formação oferecida.
g) Financiamento público.
h) Estrutura e características da instituição: projetos desenvolvidos, o
ambiente educativo, tipo e condições de gestão, gestão da prática pedagógica,
espaços coletivos de decisão, projeto político-pedagógico ou PDI das instituições,
participação e integração da comunidade escolar, visão de qualidade dos agentes
escolares, avaliação da aprendizagem e do trabalho escolar realizado, formação
e condições de trabalho dos profissionais da escola, dimensão do acesso,
permanência e sucesso escolar etc..
i) Organização sindical e estudantil.
j) Motivação, satisfação com o trabalho e identificação dos professores
com a instituição educativa.
k) Satisfação e engajamento ativo dos diferentes segmentos e, sobretudo,
do estudante e do professor, no processo político-pedagógico.
106
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Além desses princípios e diretrizes, o Eixo II enfatiza que é necessário
estabelecer referências, dimensões e mecanismos para a instituição dos padrões
de qualidade desejáveis para a educação básica e superior e explicita: “[...]
é fundamental definir dimensões, fatores e condições de qualidade a serem
considerados como referência analítica e política na melhoria do processo
educativo” (p. 49), assim como consolidar mecanismos de acompanhamento da
produção, implantação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais,
produzindo uma formação de qualidade socialmente referenciada, nos
diferentes níveis e modalidades.
As dimensões são estabelecidas no Eixo II de forma bem detalhada
podendo ser sintetizada da seguinte forma:
a) Dimensões extraescolares envolvendo dois níveis: o espaço social
e as obrigações do Estado e a dimensão dos direitos dos cidadãos e das
obrigações do Estado.
b) Dimensões intraescolares identificadas em quatro planos: 1) plano
do sistema (condições de oferta de educação básica e superior); 2) plano da
instituição educativa (gestão e organização do trabalho educativo); 3) plano
do professor (formação, profissionalização e ação pedagógica) e 4) plano do
estudante (acesso, permanência e desempenho).
Diante dessas dimensões,
[...] A avaliação do sistema educacional vem adquirindo
centralidade como estratégia imprescindível para gerar
novas atitudes e práticas, bem como acompanhar os
resultados das novas competências atribuídas à gestão.
Junto à garantia da qualidade da educação, os dispositivos
legais (CF/88, LDB e o PNE) indicam a avaliação como
base para a melhoria dos processos educativos e, nessa
direção, estabelecem competências dos entes federativos,
especialmente da União, visando assegurar o processo
nacional de avaliação das instituições de educação, com a
cooperação dos sistemas de ensino (p. 54).
Para o Eixo II, avaliar a formação e a ação dos professores e dos
estudantes complementa um processo de compromissos com a qualidade da
educação. Uma autoavaliação institucional identifica lacunas na formação
inicial, assim como potenciais específicos em professores e demais
trabalhadores em educação. Essa concepção de avaliação poderá incentivar
os docentes à atualização pedagógica, contemplando, ainda, no plano de
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
107
carreira, momentos de formação continuada, resultando em uma educação de
qualidade socialmente referenciada.
[...] Uma concepção ampla de avaliação precisa incorporar
o atributo da qualidade como função social da instituição
educativa (p. 55). Deve reunir as dimensões: projetos
político-pedagógicos; infraestrutura; tempo de permanência
do estudante na instituição; gestão democrática; participação
do corpo discente na vida escolar, sistema de avaliação
local; carreira, salário e qualificação dos trabalhadores da
educação; formação continuada e tempo de planejamento
na unidade de ensino; formação e forma de escolha do
dirigente escolar; número de estudantes por sala e material
pedagógico disponível (p. 55).
[...] Na educação superior é preciso aprimorar o processo
avaliativo, tornando-o mais abrangente, de modo a
promover o desenvolvimento institucional e a melhoria da
qualidade da educação como lógica constitutiva do processo
avaliativo emancipatório, considerando, efetivamente,
a autonomia das IES, a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Além disso, faz-se necessária maior
interrelação das sistemáticas de avaliação da graduação e da
pós-graduação, na constituição de um sistema de avaliação
para a educação superior (p. 56).
Democratização do acesso, permanência e sucesso
escolar
Neste Eixo, o Documento Final da Conae ressalta inicialmente que
uma instituição educativa para ter qualidade social deve garantir o acesso
ao conhecimento e ao patrimônio cultural historicamente produzido pela
sociedade, por meio da construção de conhecimentos críticos e emancipadores
a partir de contextos concretos (p. 63). Precisa construir processos pedagógicos,
curriculares e avaliativos centrados na melhoria das condições de aprendizagem,
tendo em vista a definição e reconstrução permanente de padrões adequados de
qualidade educativa.
Para a Conae, uma instituição educativa de boa qualidade é vista
positivamente pelos estudantes, pelas mães, pais e/ou responsáveis e pela
comunidade, o que normalmente resulta em maior empenho dos estudantes
108
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
no processo de aprendizagem, assim como na maior participação das famílias
no projeto político-pedagógico (PPP) ou no Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) (p. 64).
Ainda segundo a Conae, uma instituição com PPP ou PDI claramente
definidos pelo conjunto dos agentes e empenhada na formação e na aprendizagem
dos estudantes obtém respostas mais positivas, sobretudo porque as aulas e
as atividades educativas são mais abrangentes e envolventes e os professores
utilizam estratégias e recursos pedagógicos adequados aos conteúdos e às
características dos estudantes. São instituições onde os estudantes reconhecem
e valorizam o trabalho dos professores e demais trabalhadores da educação e
se envolvem mais no processo de aprendizagem.
Por se tratar de um Eixo preocupado com a democratização do acesso
à educação, este Documento ressalta a importância de se verificar alguns
indicadores que dão a dimensão do acesso, permanência e sucesso dos/das
estudantes no processo educativo. “[...] No que se refere à educação superior,
conforme dados recentes, observa-se que esse nível de ensino continua
elitista e excludente. A expansão ocorrida na última década não foi capaz de
democratizar efetivamente esse nível de ensino, sobretudo se considerarmos
a qualidade” (p.66).
No Brasil, pode-se afirmar que o acesso ao ensino superior ainda é
bastante restrito e não atende à demanda, principalmente na faixa etária de 18
a 24 anos, pois apenas 12,1% dessa população encontram-se matriculados em
algum curso de graduação (Inep, 2007). Além disso, 74,1% das matrículas estão
no setor privado, enquanto apenas 25,9% estão em IES públicas; cerca de 68%
das matrículas do setor privado são registradas no turno noturno, enquanto o
setor público apresenta um percentual de 36% (p. 66).
No entanto, o Documento Final da Conae reconhece que, embora tenha
ocorrido um crescimento considerável, tanto privado como público, ainda se está
longe dos parâmetros da real democratização desse nível de ensino, sobretudo
em termos de acesso, permanência e conclusão e, ainda, quanto à qualidade da
oferta de cursos para os estudantes-trabalhadores (p. 68).
A educação superior pode ser fundamento para a democratização do
acesso, da permanência e do sucesso escolar, ou seja, pode ser instrumento
na construção da qualidade social da educação como direito social. Para isso,
é necessário reconhecê-la como bem público social e um direito humano
universal e, portanto, como dever do Estado. Para ter qualidade social, é preciso
democratizar o acesso dos segmentos menos favorecidos da sociedade aos cursos
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
109
superiores, assim como interiorizar instituições estaduais e federais e construção
de novos campi e ampliação da oferta de cursos já existentes (p.74).
Formação e valorização dos trabalhadores em
educação
No quarto Eixo, o Documento Final aborda sobre a formação e
valorização dos profissionais da educação. Um padrão de qualidade na formação
dos profissionais que atuam na educação básica e superior será possível se
for institucionalizado uma Política Nacional de Formação e Valorização dos
Profissionais da Educação. Para isso é preciso considerar a legislação vigente e
as necessidades das instituições e sistemas de ensino.
Para o desenvolvimento de uma educação básica e superior de qualidade
faz-se necessário uma política nacional de formação dos profissionais da educação
fundamentada na dialética entre teoria e prática, ou seja, que a prática profissional
seja valorizada como momento de construção e ampliação do conhecimento,
através da reflexão, análise e problematização do conhecimento e das soluções
criadas no ato pedagógico.
Além desse fundamento, uma educação superior com qualidade
requer uma política nacional de formação e valorização dos profissionais do
magistério, pautada pelo/a:
a) Reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à
articulação entre teoria e prática (ação/reflexão/ação).
b) Integração e interdisciplinaridade curriculares, dando significado e
relevância aos conteúdos básicos, articulados com a realidade social e cultural.
c) Construção do conhecimento pelos profissionais da educação,
através da sua vivência investigativa e o aperfeiçoamento da prática educativa,
participando em projetos de pesquisa e extensão, desenvolvidos nas IES e em
grupos de estudos na educação básica.
d) Implementação de processos que consolidem a identidade dos
professores.
e) Fortalecimento e ampliação das licenciaturas e implantação de
políticas de formação continuada de pós-graduação.
f) Realização de processos de formação inicial e continuada dos docentes.
g) Desenvolvimento de competências e habilidades para o uso das
tecnologias de informação e comunicação dos profissionais da educação.
110
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
h) Promoção de espaços para a reflexão crítica sobre as diferentes linguagens
midiáticas, possibilitando o desenvolvimento de criticidade e criatividade.
i) Instituição de um padrão de qualidade aos cursos de formação de
professores.
Esta perspectiva de formação e profissionalização docente deve se
alicerçar em princípios de uma base comum nacional, como parâmetro para a
definição da qualidade, bem como ser resultado da articulação necessária entre o
MEC, as instituições formadoras e os sistemas de ensino.
Reportando-se à formação e profissionalização docente que está
ocorrendo na modalidade de Educação a Distância, este Eixo explicita:
[...] A formação inicial deverá se dar de forma presencial,
inclusive aquelas destinadas aos/à professores/as leigos/as
[...] como aos/às professores/as de educação infantil e anos
iniciais do fundamental em exercício, possuidores/as de
formação em nível médio. [...] A formação inicial pode, de
forma excepcional, ocorrer na modalidade de EAD para os/
as profissionais da educação em exercício, onde não existam
cursos presenciais, cuja oferta deve ser desenvolvida sob
rígida regulamentação, acompanhamento e avaliação (p. 83).
A utilização das modalidades presencial ou de EAD, deve ter por
princípio pedagógico uma formação de qualidade socialmente referenciada. O
papel do professor é fundamental para o bom andamento dos cursos, exigindo
uma dinâmica pedagógica que enfatize a ação docente em todos os momentos
do processo formativo, ou seja, implantação, acompanhamento, monitoramento
e avaliação das ações de formação.
Reportando-se a qualidade da formação inicial e continuada de
professores, o Documento reconhece este processo não é satisfatório. Adverte
que o setor privado responde por 74,1% das matrículas em cursos de graduação
presenciais (INEP, 2007). A maior parte dessas matrículas encontra-se em
instituições não universitárias, sobretudo em cursos oferecidos no turno noturno.
De modo geral, o Documento chama a atenção para os cursos de
licenciaturas que apresentam um conjunto de dificuldades nos seus desenhos e
práticas curriculares, caracterizado da seguinte forma:
[...] a) Uma dicotomia entre ensino e pesquisa, como se a
pesquisa só fosse possível nos bacharelados; b) uma separação
bastante evidente entre formação acadêmica (teoria) e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
111
realidade prática e, ainda, entre disciplinas de conteúdo
pedagógico e disciplinas de conteúdo específico; c) uma
formação pedagógica (complementação pedagógica) mínima
para os cursos de licenciatura, à exceção da pedagogia; d)
uma desarticulação dos componentes curriculares com o
perfil do/da profissional a ser formado/a (p. 86).
Além desses problemas existentes no processo de formação inicial
de professores, é premente o estabelecimento de políticas, programas e ações
efetivas, especificamente voltadas para a prevenção, atenção e atendimento à
saúde e integridade física, mental e moral dos profissionais da educação, como
condição para a melhoria da qualidade do ensino.
Outro aspecto apontado por este Eixo e que mantém relação com a
qualidade da formação de professores diz respeito à necessidade da avaliação
do processo de avaliação da formação e da ação dos profissionais da educação.
Uma autoavaliação institucional, nos sistemas de ensino, com critérios
definidos nacionalmente, podem ser identificadas lacunas na formação inicial,
passíveis de serem sanadas pelo desenvolvimento de um programa de formação
continuada, assim como se poderão identificar, também, potenciais específicos
em profissionais de educação, seja em encontros pedagógicos semanais de
coordenação pedagógica na escola, seja em âmbito do próprio sistema de ensino.
É enfatizado que a avaliação pedagógica dos profissionais da educação
(na perspectiva de superação de suas dificuldades, de continuidade de sua
formação e da conseqüente melhoria do desempenho discente) apresenta-se
como instrumento de valorização profissional e aprimoramento da qualidade
social da educação.
Finalmente, o Eixo quatro chama a atenção para o fato de que a
universalização da educação básica de qualidade para todos, visando à inclusão
social, exigirá a revisão crítica do que vem sendo feito na formação inicial e
continuada de professores e sua valorização. Informa que há desafios históricos
relacionados com articulação entre formação, profissionalização, valorização,
elevação do estatuto socioeconômico e técnico-científico dos professores e a
ampliação do controle do exercício profissional, tendo em vista a valorização da
profissão e a construção da identidade profissional, que precisam ser enfrentados
pelos governos, sistemas de ensino, instituições de ensino e entidades da área.
112
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Financiamento da educação e controle social
Continuando com a análise do Documento Final da Conae, o Eixo V
apresenta dimensões de qualidade relacionadas com o financiamento da educação
e adverte que para o acesso equitativo e universal à educação de qualidade e
para a elevação de estudantes matriculados na educação superior pública, urge
aumentar os recursos investidos na área, principalmente da União, além de
solucionar a desigualdade regional.
Para ampliar o número de vagas na educação superior pública é
necessário aperfeiçoar, democratizar, ampliar a execução e superar os limites
do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a
implementação de outros programas de expansão discutidos com a comunidade
universitária e com a sociedade local, para que esta seja feita com garantia e
elevação da qualidade.
Para o Documento, o debate sobre o financiamento da educação é
central e envolve a solução de alguns problemas: a revisão do papel da União
no financiamento da educação básica; a instituição de um regime de colaboração
entre os entes federados; o estabelecimento de uma valorização dos trabalhadores
em educação; a definição de referenciais de qualidade para todos os níveis e
modalidades de educação/ensino e a definição do papel da educação superior
pública no processo de desenvolvimento do País.
Já no que diz respeito ao controle e acompanhamento da educação,
este Eixo afirma que apesar dos recentes avanços conquistados pela sociedade
brasileira nos termos do ordenamento jurídico relativo às políticas educacionais,
o esforço para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação ficará
gravemente prejudicado se não haver o estabelecimento de referenciais de
qualidade para todos os níveis educacionais.
Esse parece ser um dos grandes desafios do Plano Nacional de Educação
para a próxima década (2011 – 2020). Considerando um quadro multifacetado,
heterogêneo e complexo que pode ser atribuído ao conceito de qualidade em
educação e uma extraordinária diversidade social, cultural, econômica e
geográfica do País, fica claro não ser possível haver um conceito absoluto
para qualidade em educação em um único atributo e muito menos estabelecer
referenciais únicos de qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino.
Tomando o Documento Final como referência, para o alcance de uma
educação de qualidade no Brasil, se torna estratégica o envolvimento dos
profissionais da educação, assim como das organizações da sociedade civil
com os órgãos públicos das diversas esferas de governo e com as agências
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
113
internacionais. A partir do enfrentamento das divergências, dos conflitos de
interesse e das relações desiguais de poder, a partir do estabelecimento de
parcerias, da partilha de informações e da integração dos diferentes segmentos,
serão construídos novos sentidos para a qualidade da educação.
Numa outra direção, e não desvinculada dos referenciais de
qualidade, este Eixo V destaca que atualmente, os gastos por aluno-ano dos
níveis e modalidades da educação, especialmente na educação básica, são
significativamente inferiores aos requeridos para os insumos adequados a um
ensino de qualidade. Em se tratando da educação superior, este Documento
aponta ações que devem ser asseguradas:
a) Estabelecer um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Superior Pública, vinculando recursos dos impostos, taxas e contribuições, de
modo a efetivar a autonomia universitária prevista na CF/1988.
b) Instituir parâmetros para a distribuição dos recursos entre as
instituições públicas que considerem, em seu conjunto, as diversas atividades
desenvolvidas pelas instituições.
c) Definir as condições a serem satisfeitas por estados, distrito
federal e municípios para demandarem recursos do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Superior Pública.
d) Garantir recursos orçamentários para que as universidades públicas
possam definir e executar seus projetos de pesquisa, propiciando autonomia
de pesquisa.
e) Alocar recursos financeiros para a expansão da graduação nas
instituições públicas no período noturno, com a condição de que o número de
vagas nesse período seja 1/3 (um terço) do número total de vagas.
f) Definir parâmetros que expressem a qualidade da instituição de
educação superior e estabelecer que o volume mínimo de recursos financeiros seja
alocado para (p. 116) que as atividades de ensino (graduação e pós-graduação),
pesquisa e extensão reflitam a qualidade estabelecida.
g) Estabelecer programas de apoio à permanência dos estudantes nas
instituições públicas, considerando-se que há a necessidade de provocar uma
grande expansão dos cursos de graduação presenciais.
h) Ampliar a política do ProuniI e do Reuni, para que os recursos
públicos destinados a estes programas possam ampliar, melhorar e reestruturar
as instituições públicas de ensino superior, fortalecendo seu caráter público,
gratuito e de qualidade.
114
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
i) Garantir orçamentos às políticas de acesso e permanência na educação
superior para inclusão dos negros, povos indígenas, além de outros grupos e
extratos sociais historicamente excluídos desse nível de ensino.
j) Garantir financiamento do governo federal ou estadual nos campi
universitários públicos para oferta de curso de graduação, pós-graduação,
mestrado e doutorado aos profissionais da educação.
Para a consolidação dessas ações é necessário enfrentar o principal
problema do financiamento educacional no país, ou seja, a falta de recursos,
exercendo acompanhamento e controle social para que sejam devidamente
aplicados. Para superar a fragmentação e o isolamento das políticas educacionais,
é preciso criar um sistema nacional de educação que, através do regime de
colaboração, garanta os recursos necessários à educação pública com qualidade.
Justiça social, educação e trabalho: inclusão,
diversidade e igualdade
A centralidade deste Eixo diz respeito à concepção de educação
democrática que orienta o presente documento e, nesse sentido, ele pode ser
considerado o Eixo político, prático e pedagógico das políticas educacionais,
com mecanismos que assegurem a participação dos movimentos sociais e
populares. Pretende-se com este Eixo que as questões ligadas à justiça social, ao
trabalho e à diversidade estejam presentes nas diversas instituições educativas e
em todos os níveis e modalidades de educação.
considerações
Refletindo sobre as manifestações com a qualidade da educação
superior e nela, com a formação de professores presentes no Documento Final
da Conae, chega-se ao final deste trabalho consciente de que Qualidade, com
maiúscula, é na verdade, um conjunto de qualidades (RIOS, 2006). Trazendo
a formação inicial de professores para esta reflexão, tem-se que considerar
que se trata de um processo que envolve qualidades. A especificidade e a
multidimensionalidade da atuação profissional do professor suscitam um
processo de formação que inclua a reflexão sobre “[...] quais são os desafios
na formação e profissionalização do educador, hoje, numa perspectiva de
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
115
construção de relações sociais alternativas – democráticas, solidárias ou
socialistas – e o papel da educação nesta construção” (FRIGOTTO, 1996, p.78).
Como bem aborda este pesquisador e o Documento Final da Conae, a
formação de professores deve envolver dimensões ético-políticas, teóricas e
epistemológicas, técnicas e político-organizativas. Diante dessas dimensões e das
análises feitas no decorrer deste trabalho, fica ainda mais evidente a necessidade
de se repensar a práxis pedagógica do processo de formação de professores.
Um bom indicador parece ser a busca de subsídios a partir de um referencial
teórico-metodológico capaz de compreender o que está implícito no processo,
que combata a fragmentação cada vez mais acentuada e que proporcione uma
atuação profissional com qualidades.
Na análise do Documento Final da Conae, constatou-se que existem
diversos, diferentes e legítimas manifestações sobre a qualidade do processo
de formação de professores. Independentemente do nível de análise - papel do
Estado, gestão e avaliação, acesso, permanência e sucesso escolar, formação
e valorização dos profissionais da educação, financiamento, justiça social,
educação e trabalho -, o entendimento de qualidade em educação superior pode
variar no tempo e no espaço.
Chegando-se a uma tentativa de finalização, é importante ressaltar que
preocupações com a qualidade da formação de professores são manifestadas
no Documento Final da Conae em diferentes aspectos relacionados com o
cotidiano da educação escolar, conduzido pela articulação entre teoria e prática
(ação/reflexão/ação). Assim, pode-se afirmar que o entendimento de qualidade é
inexoravelmente subjetivo, porque depende fundamentalmente das concepções
de mundo e de educação superior de quem o emite.
As ocorrências que demonstram preocupações com a qualidade da
formação de professores no Documento Final da Conae sugerem um alargamento
da concepção de qualidade, que envolve compromissos e comportamentos
característicos do ser humano, fundados em diferentes teorias, concepções
de mundo e juízos de valor. Trata-se, então, de qualidades da formação de
professores e não qualidade em um sentido unívoco, capaz de abarcar de maneira
simplista, um objeto multifacetado. Além disso, sugere outras buscas teóricas
e novas análises de novos dados de processos de desenvolvimento de pesquisa
sobre a formação de professores.
116
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Referências
FRIGOTTO, Gaudêncio. A formação e a profissionalização do educador: novos
desafios. In: SILVA, Tomaz Tadeu e GENTILI, Pablo (orgs.). Escola S.A. quem
ganha e quem perde no mercado educacional no neoliberalismo. Brasília
(DF): CNTE, 1996.
RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência de
melhor qualidade. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2006.
BRASIL, Ministério da Educação. Documento final, Brasília (DF), 2010.
Disponível em: http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/
documento_final_sl.pdf. Acesso em: 26 de set. 2010.
QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR E ESCRITA
Maria Inês Corte Vitória1
Introdução
A
temática que envolve a produção escrita no ensino superior tem
suscitado fecunda discussão sobre o desenvolvimento e qualificação
da escrita nesta etapa de ensino - além de trazer à tona questões referentes à
formação dos professores e ao entendimento que se tem sobre boas práticas
pedagógicas em produção escrita na universidade. Ouvem-se muitas queixas dos
professores universitários dizendo que seus alunos pouco escrevem e que existem
sérias dificuldades em produzir textos acadêmicos. O que fazer? Eles estão na
universidade, assim sendo, trata-se de fortalecer o desenvolvimento de situações
pedagógicas que levem ao aprimoramento da escritura. Por via de conseqüência,
também se agregam a essas discussões os fundamentos epistemológicos que
norteiam o trabalho docente, as escolhas didático-metodológicas mais indicadas
para realizar um trabalho de escrita consistente no ensino superior e as concepções
que costumam cercar aquilo que se entende por “boa escrita”. Nesse sentido, fazse importante destacar o papel do ensino universitário nesse processo:
La formación universitaria ha de ser, por su propia naturaleza, una
formación de alto nivel e que deje bien sentadas las bases para los aprendizajes
posteriores. Eso sólo se logra con una adecuada selección de contenidos que
habrán de ser, en todo caso, amplios y suficientes para garantizar esa formación
como profesionales actualizados y de alto nivel. (ZABALZA, 2003. p. 78).
A partir do entendimento do autor, de que seleção adequada de conteúdos
significa escolher os mais importantes desse âmbito curricular, acomodá-los às
necessidades formativas do aluno, adequá-los às condições de tempo e de recursos
com que contamos, e organizá-los de tal modo que sejam de fato acessíveis aos
acadêmicos (ZABALZA, 2003) – considera-se importante incentivar a discussão,
a socialização das limitações e das dificuldades apresentadas pelos alunos, no que
diz respeito à leitura e escrita, já que é a partir destas habilidades que o aluno poderá,
efetivamente, usufruir de maneira plena das práticas sociais da língua. Assim
sendo, o presente artigo se origina de uma pesquisa ainda em desenvolvimento,
1
Professora do Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação PUCRS. Pesquisa na área de educação,
com ênfase em alfabetização e letramento, produção escrita e ensino superior. Integra o Núcleo de Educação de
Jovens e Adultos da Faculdade de Educação (NEJA) da PUCRS.
118
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
financiada pelo CNPQ, e realizada junto a alunos de Ensino Superior, mapeando
as principais dificuldades e potencialidades apresentadas nos textos dos sujeitos da
pesquisa e analisando quais estratégias pedagógicas contribuem para a qualificação
dos processos de escrita na universidade. No presente artigo serão apresentados
os primeiros resultados da investigação, sob forma de reflexões e indicações de
estratégias pedagógicas para qualificação da escrita no ensino superior.
Este estudo se propõe a discutir a qualidade da escrita em contextos
de ensino superior, enfatizando a relação entre dois processos implicados no
aprimoramento da língua escrita, quais sejam, ler e escrever. Dessa forma, o
artigo analisa os processos de elaboração de textos exigidos em larga escala nos
cursos superiores, sob a ótica do que deve ser observado em termos de conteúdo
e estrutura formal, relacionando estes dois aspectos a questões mais amplas tais
como: análise dos gêneros de texto mais solicitados, especificidades estruturais de
cada gênero textual, adequação de linguagem, bem como princípios e estratégias
pedagógicas de escrita para o ensino superior. De muitas formas esse trabalho
imprime o sentido que temos dado aos processos de ler e escrever em contextos
de ensino superior: leitura e escrita como condição fundamental para inserção e
interação dos alunos com/no meio acadêmico, familiarizando-os com linguagens
específicas das áreas de conhecimento, preparando-os para atender a demanda
que todo curso superior exige, incluindo-se nesta demanda os diferentes tipos de
escritas exigidas por cursos de tal natureza. Acreditamos que é a partir de sólida
formação na leitura e na escrita - constituída tanto de aspectos teóricos quanto
práticos - aliada ao exercício de escrever e permanente reflexão sobre o que se lê
e o que se escreve, que podemos pensar num trabalho de escrita como algo para
além do mero cumprimento de tarefas acadêmicas, para se constituir como meio
de geração/produção de novos conhecimentos.
Testemunho contundente de que a escrita no ensino superior assume
alguns desafios ainda não superados, é a forma como os alunos expressam
suas inquietações quando necessitam elaborar material por escrito, sejam
eles artigos, resenhas, resumos, resumos expandidos até dissertações e teses.
Depoimentos recorrentes por parte dos acadêmicos evidenciam que os alunos
têm muito a dizer, mas nem sempre sabem como fazê-lo, há muito sobre o que
escrever, mas nem sempre se sabe qual a forma mais adequada para expressarse por escrito. Assim sendo, nos parece importante adiantar uma listagem dos
principais erros/dificuldades encontrados nos textos das turmas investigadas, já
que temos utilizado algumas estratégias (descritas no final deste artigo) para a
qualificação destas escritas. Dessa forma, a continuidade desta investigação se
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
119
dará ao longo de dois semestres (com a aplicação de estratégias pedagógicas),
para que, ao final do próximo semestre – 2012/I - se possa testá-los para ver
como os alunos-sujeitos da pesquisa se encontram em suas escritas. Principais
erros/limitações encontrados na escrita: ortografia – sobretudo de palavras em
que não regras a que recorrer em momentos de dúvidas – as representações
gráficas do fonema /s/, por exemplo; repetição de vocábulos no mesmo
parágrafo; repetição de elementos coesivos (sobretudo dos elementos “onde”
“daí”; “então”; “que”); ausência de coerência entre o que está anunciado no
início do texto e o que o texto apresenta em seu desenvolvimento; atendimento
parcial ao enunciado da questão; distância entre três movimentos ativados no
ato da escrita: o que o sujeito pensa dizer, o que efetivamente o sujeito diz e o
que o leitor entende.
Isto posto, consideramos que a escrita no ensino superior é apresentada
neste artigo não como protocolo ou modelo de como escrever bem, mas como
referência teórico-prática para a reflexão de alunos e professores sobre a prática
da escrita exercida em contextos universitários. Nosso desejo é de que estes
resultados, ainda que parciais, sirvam de inspiração para outras alternativas,
outras propostas, outros fazeres, outros olhares.
Qualificação da escrita no ensino superior
A presente investigação se amparou nos princípios da pesquisa
qualitativa, adotando como diretriz metodológica a pesquisa-ação,
eminentemente pedagógica, dentro da perspectiva de ser o exercício
pedagógico configurado como uma ação que cientificiza a prática educativa,
a partir de princípios éticos que visualizam a contínua formação dos sujeitos
da prática. A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica
que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo. Por isso, Propusemos um estudo de caráter
qualitativo, realizado com alunos do curso de Pedagogia, recorrendo-se, para
tal, a entrevistas semi-estruturadas e textos por eles elaborados, coletados
ao longo do semestre letivo. Dessa maneira, os textos dos alunos nos têm
dado a chance de mapear o tipo de sintaxe por eles utilizada na escrita, o
vocabulário, a pontuação, a acentuação, a coesão e coerência dos textos,
registros estes que evidenciaram o desempenho de cada sujeito investigado.
120
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Nessa perspectiva, Páez (2007) diz que o sonho de todo aquele que
se planeja para escrever é fazê-lo em uma casa grande, com uma maravilhosa
vista sobre o mar, com um cachorro peludo dormitando junto a uma lareira da
sala principal. E é também este autor que diz: quem espera ter essas condições
para escrever, na realidade não quer escrever. Pensando nessas questões que
envolvem as condições (ou a falta delas) para escrever, é que as reflexões acerca
da qualificação da escrita foram elaboradas. Não se pensa em buscar a formação
de escritores nas salas de aula, mas de promover o desenvolvimento de sujeitos
capazes de utilizar a escrita sob as mais variadas formas e possibilidades,
contribuindo para um acesso mais pleno às práticas sociais da língua escrita, na
qual todos estamos inseridos e da qual todos dependemos para atuar de forma
consciente e crítica no mundo do trabalho e na vida em sociedade.
Mesmo em se tratando de ensino superior, etapa em que se espera uma
escrita mais qualificada, o que se percebe é que existe um distanciamento entre
o aluno e a linguagem escrita e isto se desvela em sala de aula com a resistência
que os alunos apresentam em escrever. Na prática de sala de aula, encontramos
alunos que têm o que dizer, mas não sabem como fazê-lo. Encontramos, também,
limitações de tempo para o exercício da escritura e, ainda, falta de motivação por
parte de alunos que não reconhecem, na escrita, uma oportunidade de colocar-se
no mundo, assim como uma forma de melhor entender a si mesmo e à realidade
que os cerca. Aliado a isso, percebe-se uma preocupação em escrever “bonito”,
ao invés de escrever com clareza, daí surgindo uma espécie de compromisso
muito mais com a estética e bem menos com o significado do que é escrito. Nos
parece que é exatamente aí que reside o ponto de partida para um promissor
trabalho em escrita no ensino superior: partir de onde o aluno está, levar em
conta o que ele escreve, analisar como escreve; identificar para quem escreve,
refletir com o aluno sobre o lugar que na vida dele a escrita ocupa, buscar saber
da importância – ou não – da escrita para este sujeito, suas experiências com a
escrita, o espaço que o exercício da escrita mantem garantido – ou não – no seu
fazer cotidiano do aluno universitário.
Nesse sentido, algumas considerações podem orientar a discussão e a
conscientização com respeito aos múltiplos usos e funções que uma sociedade
letrada outorga ao modo escrito da língua. Por um lado, o propósito da escritura
é estritamente utilitário para desenvolver-se em sociedade e resolver com
eficácia os problemas concretos de trabalho, de reivindicação de cidadania ou
de levar a cabo um requisito acadêmico de qualquer nível. Por outro lado, é
de se esperar na escrita uma maior abertura para práticas sociais variadas que
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
121
eduquem a sensibilidade, que formem um sentido estético e que permitam um
maior conhecimento da realidade do mundo. Esta motivação se deve orientar
pela leitura atenta dos textos que podem servir de pauta para o exercício reflexivo
da escritura. Com isto se quer indicar que é absolutamente necessário proceder
à leitura de textos variados e submergir em sua compreensão, reflexão e análise,
antes e a cada vez que se empreenda a tarefa de escrever. A pessoa familiarizada
com obras escritas, ainda que não seja de forma reflexiva e consciente, está mais
capacitada para adaptar-se às formas culturais que veiculam a transmissão da
informação por escrito. A escrita, como herança cultural, assume determinadas
funções e especializações que as próprias práticas sociais têm gerado, ativando-a
de tal forma que a diversidade dos textos é ampla abarcando desde textos mais
técnicos e científicos até os clássicos da literatura. Os mais rígidos e fixos em
seu modo de apresentar-se são os que têm um uso mais comum, quer dizer, são
os de uso geral dos cidadãos; normalmente fazem parte do sistema burocrático
da organização social. Os que permitem uma maior liberdade e um alijamento
da rigidez, no entanto, não estão isentos de certas convenções que se constatam
tanto nos escritos científicos como nos literários e periodísticos, por conterem
exemplos de escrituras que pressupõem ofício, profissionalismo e arte.
É importante, ainda, ter em conta que sem um acesso constante à leitura,
a escrita se faz difícil e custosa. Esta circunstância deve estar presente em
qualquer planejamento que se faça no ensino superior a respeito da qualificação
da escrita, com vistas a se criar possibilidades de que o aluno se sinta motivado
pelo entorno e que tenha a oportunidade de estabelecer uma relação constante
entre a sua própria escrita e diversificados modelos de referência.
Estratégias para qualificação da Escrita no
Ensino Superior
Conhecer a língua não consiste somente em saber as palavras que se
usam para cada função lingüística, em cada gênero ou tipo de texto, mas também
é necessário saber interpretar acertadamente a intenção com que se utilizam.
Não basta decodificar as palavras, segundo o valor semântico que lhes atribui
o dicionário, porque este não diz nada sobre a intenção com que as pessoas as
utilizam. Para poder interpretar o sentido de cada vocábulo é preciso relacioná-lo
com as expressões enunciadas, com seu contexto extralinguístico. O significado
se constrói a partir das relações entre propósito comunicativo, contexto social e
palavra. A conseqüência didática dessa forma de entender a leitura e a escrita é
122
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
incluí-la nos contextos reais ou verossímeis em que se utiliza a língua, que deve
incluir atividades práticas como elemento essencial na qualificação da escrita.
Aprender a utilizar a escrita só tem sentido se houver a compreensão de que
com tal habilidade se pode atingir objetivos que seriam impensáveis somente
com a oralidade. Na perspectiva que este estudo assume, a escrita é entendida
como um conjunto de habilidades e comportamentos que se estabelecem desde
o ato de escrever o próprio nome até escrever uma tese. A propósito disso, cabe
pensar que são inúmeros os desafios que ainda não superamos quando o assunto
é a escrita no ensino superior, pois ainda é demasiado alto o número de alunos
que expressa variado número de dificuldades ao escrever. Talvez essa breve
introdução se justifique por estarmos fartos de constatar o óbvio – a escrita dos
alunos precisa ser qualificada – e de esperar que, por um passe de mágica, esta
mesma escrita se veja afetada por nosso desejo de que ela se aprimore, sem que
nenhuma ação intencionalmente pedagógica seja tomada.
Princípios e estratégia
Principio 1 - A elaboração de resenhas críticas: exercício de síntese
e argumentação
Nas inúmeras experiências vividas como e junto a produtores de textos,
sejam eles de que natureza forem, acadêmica ou pessoal,, o que se observa de
maneira geral é que o sujeito que se propõe a escrever vai superando várias etapas
ao longo desse processo. A primeira delas é aquela em que se depara com a folha
do caderno/tela do computador, que parece teimar em ficar em branco: as ideias
não aparecem, as palavras não fluem, o conteúdo de que necessitamos para “dar
corpo” ao que pretendemos expressar parece se diluir num mar de abstrações que
costumam resultar naquilo que costumamos chamar de “falta de inspiração”, falta
de “jeito para escrever”. Outra etapa com que nos deparamos é escrevermos de
forma espontânea, sem censura, registrando o que nos vem à cabeça, tomando mais
cuidado com o que queremos dizer do que com a forma como estamos dizendo. No
mais das vezes, achamos mesmo que se a primeira escritura não estiver boa é porque
o que estamos tentando escrever não vale a pena, não tem importância, não será
considerada como uma boa escrita. Lamentavelmente, a maioria dos produtores
de texto não passa a uma etapa posterior, que seria aquela em que, depois de feito
o primeiro registro, nos distanciamos do texto por um tempo, para voltar a ele
com menos envolvimento emocional. Isso significa que quando estamos muito
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
123
envolvidos naquilo que estamos escrevendo, pensamos que todo e qualquer lector
entenderá o que escrevemos, entretanto, quando se trata de linguagem escrita, é
bom lembrar que não contamos com nenhum recurso da linguagem oral: os gestos,
as mímicas, a expressão facial terão de ser substituídos por recursos típicos da
escrita: gramática, pontuação, elementos de coesão e coherencia e vocabulario
serão nossos suportes para expressarmos com fidelidade nossos pensamentos.
Trata-se de contarmos com instrumentos específicos para cada tipo de linguagem
e utilizá-los de maneira experimental: trocando, substituindo, acrescentando,
retirando, ejercitando, enfim, a escrita como uma habilidade que se aprimora no
fazer constante e sistemático. Por isso mesmo, registrar sem hesitação o que nos
vem á cabeça, mesmo que de maneira aparentemente tosca e primária, significa dar
um grande passo em direção á escrita aprimorada e cuidada. Só podemos melhorar
aquilo que já existe e é precisamente essa ideia de escrita como artesanato que
queremos desenvolver junto aos alunos do ensino superior.
Cabe sembrar que, se o que nos conduz é o conceito de inspiração,
de dom para a escrita, provavelmente nos paralisemos na primeira tentativa
de elaborar uma escrita: aquí prepondera a ideia de produto. Entretanto,
se o que nos conduz é a crença de que escrever é uma habilidade que se
aprimora artesanalmente, com exercício constante e prática sistemática,
provavelmente encontraremos no ato de escrever a possibilidade de criar e
recriar constantemente formas e maneiras de melhor expresar o que temos a
dizer: aquí prepondera a ideia de processo. E assim entendida como processo
podemos dizer que todos podem aprender a escrever mais e melhor.
Proposta: Eleger um tema significativo para o grupo;
orientar os alunos com enunciado objetivo e claro; sugerir
recursos que favoreçam a escrita; solicitar a leitura de
textos com a mesma tipologia que será solicitada ao aluno;
solicitar que, depois da primeira elaboração, os alunos se
distanciem do texto até o dia seguinte; retomar a escrita
depois deste afastamento, iniciando o trabalho artesanal de
releitura e de reescrita.
Exemplo de enunciado: Elabore uma resenha crítica, evidenciando as
características deste tipo de texto, apresentando a síntese e argumentação de
forma objetiva e clara.
Primeira etapa: leitura de diversos textos do mesmo gênero solicitado na
atividade, a partir das quais os alunos possam buscar suporte para a elaboração
do próprio texto.
124
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Segunda etapa: realizar a primeira escrita, exercitando espontaneamente
o ato de registrar as idéias sobre o texto a ser resenhado.
Terceira etapa: reler, desta vez, focando a atenção não somente nas idéias
retiradas do texto, mas também na forma como estas idéias estão descritas.
Quarta etapa: reescrever, focando-se nas pistas que o professor
forneceu: estrutura formal do texto, idéias principais do conteúdo resenhado,
posicionamento pessoal.
Quinta etapa: entregar o texto a um colega para que seja lido e para que
eventuais alterações possam ser indicadas por outro “par de olhos”.
Sexta etapa: reescrever o texto, levando em conta as indicações feitas no
texto pelo colega.
Princípio 2 - A auto-correção de textos como exercício de pesquisa
O ensino da escrita no ensino superior, consideradas as exceções, tem
seguido duas tendências contrárias. De um lado, a mais tradicional, centrada no
ensino da metalinguagem e, de outro, a centrada na criatividade. No primeiro
caso, privilegia-se o saber a respeito da língua, desconsiderando a prática social
no uso da língua. Por isso, o objetivo da produção de um texto é o exercício, e
o destinatário da produção é o professor, a quem caberá avaliar o produto final,
levando em conta o número de acertos de erros e acertos em relação à norma
culta padrão que rege a língua. No segundo caso, a aula se transforma num
ativismo, em geral, sem direção e sem objetivos claramente definidos por parte
do professor. Como não há espaço para nenhum tipo de análise lingüística,
qualquer texto apresentado é supervalorizado. A valorização da produção é
válida, mas não pode se constituir no único objetivo do professor. Oportunizar
a ampliação do desempenho lingüístico do aluno, possibilitando-lhe o domínio
de novos recursos expressivos deveria ser uma preocupação constante no
ensino superior. Como se pode observar, não há, nos procedimentos adotados
pelas duas posturas, nenhuma preocupação com a tarefa de auto-correção do
aluno em relação ao próprio texto. Não é raro anular a etapa em que o aluno
examina a própria escrita e analisa até que ponto sua comunicação/expressão
conseguiu traduzir o que de fato queria comunicar/expressar.
Na prática, o aluno realiza a tarefa exigida pelo professor; este corrige
e devolve ao aluno; o aluno, na maioria das vezes, sequer lê as anotações
feitas pelo professor. O trabalho de correção (reconhecidamente extenuante
no cotidiano do professor) se esvazia de sentido, pois é realizado de forma
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
125
solitária e individual, não agregando conhecimentos sobre a escrita do aluno,
uma vez que o professor corrige para si mesmo.
Dessa forma, há um desestímulo em produzir textos para o professor,
por parte dos alunos, e um desgaste improdutivo em corrigir, por parte do
professor. Para ensinar a escrever é preciso considerar o texto como fruto de
um processo, constituído por exercícios permanentes que o aluno deve realizar.
As atividades próprias do processo de escrita englobam fases que vão, desde
o pré-desenvolvimento (que inclui todos os tipos de exercícios, experiências
ou atividades cuja finalidade é incentivar a criação, a seleção e a organização
das ideias e dos fatos antes de iniciar o rascunho do texto), passando para
o desenvolvimento, propriamente dito, que consiste na tarefa de transpor as
idéias para um texto que respeite as convenções da língua e o gênero solicitado;
após, selecionando as observações e comentários de leitores (que poderão
ser os familiares, os colegas, o professor), chegando à revisão, que inclui as
reelaborações parciais ou totais, levando em conta os comentários recebidos;
até a redação amplamente revisada, que consiste na apresentação final do texto.
Para tanto, insistimos na tarefa de auto-correção como forma de pensar na
própria escrita como exercício permanente de ajustes e reelaborações.
Proposta: Reescreva seu texto, observando os códigos indicados pelo professor.
Exemplo de código para auto-correção:
→
Ausência de elementos de coesão
≈
Ausência de Coerência entre o que está anunciado
na introdução e o que aparece no desenvolvimento e
conclusão
≠
Argumentos inconsistentes
≡
Repetição de idéias/ repetição de nexos oracionais
Repetição de vocábulos
Como se pode observar, para cada aspecto do texto que apresentar
problemas, o professor apenas indicará no princípio da frase e/ou parágrafo que
há alterações que devem ser feitas. Tais alterações serão parte do exercício de
auto-correção realizada pelo aluno. Para tanto, deveremos ter em sala de aula
como material básico de consulta: dicionários, gramáticas, dicionários de idéias
afins. Cada professor, de acordo com o contexto em que se insere, acrescentará
126
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
aos códigos de auto-correção os aspectos que lhe parecerem mais necessários, de
acordo com as escritas produzidas pelo grupo.
Princípio 3 - Os diários de aula como instrumento de qualificação da
escrita no ensino superior
É importante que se ofereça em contextos de ensino superior um espaço
narrativo em que os pensamentos, ações e sentimentos dos alunos sejam
registrados de forma sistemática. Para tanto, a proposta de criar diários de aula
é extrema valia tanto para o professor quanto para o aluno. Na perspectiva
indicada por Zabalza, os diários de aula podem servir como ferramenta que
transforma o pensamento do aluno em narrativa. Neste exercício de narrar a
própria rotina, os alunos podem recuperar imagens e situações, revisando as
experiências por eles vividas (exercício reflexivo) e analisando-as s também
do ponto de vista da escrita (exercício de auto-correção), voltando ao próprio
texto sempre que desejarem e/ou necessitarem, tanto para refletir sobre o que
escreveram quanto para aprimorar a forma como escreveram. Nesse sentido,
os textos dos diários de aula passam a assumir um caráter de descentramento,
ou seja, propomos aos alunos contar e contarem-se ao falar sobre os aspectos
que lhes pareçam mais significativos da aula.
Neste ato, surge um aluno narrador do próprio pensamento, o que
possivelmente o ajudará a organizar de maneira mais sequencial e lógica todo e
qualquer texto que se propor a elaborar. Sugerimos, inclusive, que o professor
também elabore seus diários de aula, pois conforme Zabalza (2004, p. 11) os
Diários de Aula servem “como um recurso formativo no âmbito da formação
permanente dos docentes e profissionais da educação”, afirmando que “esse é
o itinerário que muitos professores são capazes de seguir por meio da atividade
narrativa e reflexiva que os diários proporcionam”. Nesses registros, são relatados
os sentimentos em relação a ele próprio diante do vivido, em relação aos alunos e à
prática da sala de aula, sempre de acordo com as necessidades e a idiossincrasia de
cada escrita docente. Por isso, na perspectiva de Zabalza (2004, p. 17) “os diários
permitem aos professores e aos alunos, revisar elementos de seu mundo pessoal
que frequentemente permanecem ocultos à sua própria percepção enquanto está
envolvido nas ações cotidianas de trabalho”. Trata-se também de perceber a
escrita como prática social, revestida de sentido, e não como atividade protocolar,
esvaziada de significação. Consideramos igualmente importante destacar que é
necessário que se incorporem os saberes sobre a escrita que os alunos apresentam
em aula e façam deles o ponto de partida para o trabalho de qualificação da escrita,
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
127
incentivando a que a escrita ocupe lugar diário na rotina do aluno, favorecendo um
ambiente em que a postura dialógica e questionadora seja parte deste processo.
Assim entendido, o exercício de escrever passa a ser um instrumento de
reflexão. Podemos pensar também que na escrita dos diários de aula os alunos
do ensino superior aprendem sobre si mesmos e sobre a forma de comunicar
suas percepções a outros, conferindo um lugar mais confortável ao sujeito,
afinal ele está inevitavelmente inserido numa cultura letrada, mas dela muitas
vezes excluído pela “falta de passaporte” que dá entrada nessa cultura: a prática
social da escrita. Por isso, insistimos na criação de mecanismos pedagógicos
que assegurem a continuidade do exercício de escrever: o aluno só aprende a
escrever, escrevendo, se deparando com problemas e dilemas com os quais não
se depararia caso não estivesse escrevendo. Dessa forma, ler o que escreveram
os colegas, explicar as impressões pessoais que causam estes textos e escutar
as opiniões e entendimentos de outros sobre os próprios textos são atividades
importantes para o desenvolvimento do processo de escrever. Essa possibilidade
de aprimorar a escrita, trabalhar nela como num artesanato, permite uma
elaboração mais cuidadosa do texto, na medida em que podemos a ele voltar
sempre que sentirmos necessidade de recuperar memórias, mas também
necessidade de aplicar recursos específicos da língua escrita, convenções típicas
na norma culta e vocabulário adequado a essa modalidade de linguagem.
Proposta: Fundamentar os diários de aula, quais suas características, o que se
costuma nele registrar, quando devemos escrever o diário, qual é o sentido do
diário de aula para a aprendizagem de quem o elabora; buscar uma consígnia
aberta para o início da tarefa.
Exemplo de enunciado com consígnia aberta: “Escreve no teu diário tudo
aquilo que te pareça importante em tua aula”.
Primeira etapa: ler para o grupo algum texto deste gênero, como modelo, a
partir do qual os alunos possam buscar suporte para a elaboração do próprio texto.
Segunda etapa: realizar os primeiros diários, focando-se nas pistas que o
professor forneceu no enunciado: “escrever no teu diário de aula tudo aquilo que
te pareça importante em tua aula”.
Terceira etapa: enfatizar a sistematização da escrita – no mínimo- quatro
vezes por semana.
Quinta etapa: ter sempre consigo os diários de aula, para eventuais
registros de palavras e/ou expressões que podem vir a ser desenvolvidos com
mais tempo e reflexão.
128
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Princípio 4 - A reescrita de diferentes gêneros textuais
Começamos a discutir sobre esse princípio por esclarecer nosso
entendimento sobre a importância da reescrita de um texto, seu papel no
desenvolvimento da escrita do aluno, bem como sua contribuição para a
ampliação de vocabulário. Na perspectiva que assume esse estudo, reescrita é
definida como a reprodução escrita de um texto que já dominamos e/ou com
o qual nos sentimos familiarizados. Como conseqüência deste entendimento,
cabe destacar que somente podemos propor a reescrita de algum texto aos
alunos quando este texto já tiver sido explorado pelo professor o bastante a
ponto de promover repertório suficiente para que o aluno registre por escrito
o que até então foi explorado na oralidade. Nesse sentido, ressaltamos que
a escrita sempre oscila entre dois aspectos que necessitam ser levados em
conta: CONTEÚDO e FORMA , ou seja, saber o que vamos escrever e o como
vamos escrever. Assim sendo, nesta prática de reescritura, o que vou escrever
passa a ser um desafio já superado, pois o texto, dada a leitura individual e
exploração em grupo já é de conhecimento do aluno. A propósito disso,
para que nos familiarizemos com os textos recomendam-se várias leituras,
leituras que poderão ser exploradas individual e silencionamente, seguidas
de discussão em duplas sobre o significado do texto, assim como através
de seminários integradores nos quais os alunos possam discutir o que mais
lhes pareceu significativo no texto e leitura compartihada entre professor e
alunos. A intencionalidade pedagógica desse tipo de estratégia é favorecer a
aproximação entre o aluno e o conteúdo do texto, que será por ele reescrito.
Por isso, voltamos ao início desse capítulo quando citamos os dois aspectos
implícitos na reescrita: CONTEÚDO e FORMA.
Dessa maneira, se já sabemos sobre o que vamos escrever, precisamos
agora buscar a maneira mais qualificada de fazê-lo. Então, ultrapassada a
etapa de exploração do conteúdo, nos deteremos mais na forma, o que implica
passar para o registro escrito o que até então foi discutido na oralidade.
Trata-se de uma estratégia interessante, pois através dela enriquemos nosso
vocabulário, nos familiarizamos com modos e tempos verbais típicos da língua
escrita; nos deparamos com dilemas que não surgiriam, caso não estivéssemos
escrevendo; lançamos mão de recursos específicos da língua escrita (pesquisa
em dicionários para rever a ortografia, para evitar repetições de palavras,
desenvolvendo, com isso, a memória visual, que costuma ser valiosa para a
escrita correta das palavras...). A propósito disso, a leitura do texto, seguida
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
129
de interpretação individual e/ou coletiva; a socialização de opiniões sobre o
conteúdo do texto; os comentários acerca do tipo de linguagem utilizada pelo
autor; enfim, toda a exploração feita sobre o que foi lido ajudará os alunos a
criarem suas próprias estratégias, já que partimos do princípio de que ninguém
escreve sobre o que desconhece.
Proposta pedagógica: Eleger um tipo de texto para ser explorado junto
aos alunos – neste exemplo usaremos, aleatoriamente uma resenha, mais
especificamente uma crônica; chamar a atenção para as características do texto,
promovendo a familiaridade do aluno com o texto que está sendo analisado;
oferecer exemplos de resenhas por escrito para que os alunos acompanhem a
segunda e/ou terceira leitura do professor, familiarizando-os com a estrutura
formal deste tipo de texto (tamanho, estrutura dos parágrafos, características
da linguagem presente no texto: informal, culta ...); discussão sobre a temática
da resenha; debates, opiniões sobre o texto lido pelo professor, exercícios orais
sobre o conteúdo da resenha. Somente depois de uma exploração extensa é que
passamos para a etapa de reescrita da resenha lida; sugerir que se distanciem
do texto até o dia seguinte; reler a escrita depois deste afastamento para só
então partir para a reescrita final.
Exemplo de enunciado: Reescreva a resenha apresentada em aula, destacando
as principais características deste tipo de gênero textual, em termos de
linguagem, estrutura e forma.
Primeira etapa - eleger um tipo de texto para ser explorado junto aos alunos.
Segunda etapa - chamar a atenção para as características do texto.
Terceira etapa - realizar em voz alta a leitura da resenha.
Quarta-etapa - oferecer a resenha por escrito para que os alunos
acompanhem a segunda e/ou terceira leitura do professor.
Quinta etapa - discutir sobre a temática da resenha; debater, solicitar,
opiniões.
Sexta etapa - solicitar a reescrita da resenha.
À guisa de conclusão
Ainda que parciais, os resultados da pesquisa até aqui analisados
podem orientar a discussão com respeito aos múltiplos usos e funções que uma
130
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
cultura letrada outorga ao modo escrito da língua. Por um lado, o propósito
da escritura é estritamente utilitário para desenvolver-se em sociedade e
resolver com eficácia os problemas concretos de trabalho, de reivindicação
de cidadania ou de levar a cabo um requisito acadêmico. Por outro lado, é
de se esperar na escrita uma maior abertura de práticas sociais e culturais
variadas e estimulantes que eduquem a sensibilidade, que formem um sentido
estético e que permitam um maior conhecimento da realidade do mundo. Esta
motivação se deve orientar para a leitura atenta dos textos que podem servir
de pauta para o exercício reflexivo da escrita. Com isto se quer indicar que é
absolutamente necessário proceder à leitura de textos variados e submergir em
sua compreensão, reflexão e análise, antes e a cada vez que empreendemos a
tarefa de escrever. A pessoa familiarizada com obras escritas, ainda que não
seja de forma reflexiva e consciente, está mais capacitada para adaptar-se
às formas culturais que veiculam a informação por escrito. A escrita, como
herança cultural, tem assumido determinadas funções e especializações que as
próprias práticas sociais têm gerado, ativando-a de tal forma que a diversidade
dos textos, bem como os formatos que assumem é muito ampla, abarcando
desde textos mais técnicos e científicos até clássicos da literatura. Os mais
rígidos e fixos em seu modo de apresentar-se são os que têm um uso mais
comum, quer dizer, são os de uso geral dos cidadãos; normalmente fazem parte
do sistema burocrático da organização social. Os que permitem uma maior
liberdade e um alijamento da rigidez, no entanto, não estão isentos de certas
convenções que se constatam tanto nos escritos científicos como nos literários
e informativos, por conterem exemplos de escrituras que pressupõem ofício,
exercício constante e permanentes revisões. A propósito disso, destaca-se que
a escrita, sua apropriação, sua utilização, sua (re)significação e prática social
são constructos sobre os quais deveriam se assentar todas as práticas de escrita.
É importante, ainda, ter em conta que sem um acesso constante à leitura, a
escrita se faz difícil e custosa, o que, em geral, costuma resultar em alunos
não-desejosos de escrever. Esta circunstância deve estar presente em qualquer
planejamento que se faça a respeito da qualificação da escrita, com vistas a se
criar possibilidades para que o aluno se sinta instigado a escrever no ensino
superior e que tenha a oportunidade de estabelecer uma relação constante entre
a sua própria escrita e bons modelos de referência.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
131
Referências
CHRISTOFOLI, Maria Conceição Pillon. A aprendizagem da língua
escrita: construção dos processos de ler e escrever. Porto Alegre: PUCRS,
2003.Tese de Doutorado.
MOROSINI, Marília Costa; Audy, Jorge Nicolas. (orgs). Inovação e Qualidade
na Universidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
VITÓRIA, Maria Inês Corte. A qualidade da produçao escrita em funçao da
modalidade de apresentaçao da informaçao num estudo sobre uma amostra de
alunos de primeira e terceira série do Ensino Médio de três escolas de Porto
Alegre. Santiago de Compostela: Universidad Santiago de Compostela, 2001.
Tese de Doutorado.
ZABALZA, Miguel Beraza. 2003. Competencias docentes del profesorado
universitario: calidad y desarollo profesional. Madrid: Narcea.
QUALIDADE E ESTÁGIO DISCENTE
Marilene Gabriel Dalla Corte1
A
busca da qualidade no ensino superior vem aumentando e
norteando pesquisas focadas em desvelar caminhos possíveis
e viáveis para [re]construir, [re]significar e potencializar novos formatos e
estratégias à formação de professores.
No contexto da formação de professores, o estágio curricular é um
assunto que tem recebido criticas sobre sua transitoriedade no currículo dos
cursos, bem como sobre o pouco vínculo que estabelece com os referenciais
teóricos e com o campo de atuação profissional.
Nesse sentido, o estudo e o debate sobre a relação estágio curricular
e qualidade na educação superior potencializa o conhecimento de fatores
que efetivamente estão relacionados e interferem na qualidade dos processos
formativos do futuro professor. São fatores que, direta ou indiretamente,
desvelam indicadores, os quais tem diferentes valores e conotações e que
mostram a informação das coisas, dos fatos, dos princípios, das práticas, entre
outros aspectos relacionados aos processos formativos na educação superior.
O indicador é útil quando aponta para além do cenário de como os contextos
e práticas são; se torna útil quando comparado e aponta para possibilidades com
“[...] a informação de como a coisa deveria ser” (JULIATTO, 2005, p. 80).
Tendo por base o exposto, prioriza-se, nesse texto, abordar questões
e relações elementares referentes a indicadores de qualidade na educação
superior e contribuições à formação de qualidade do pedagogo, sob o viés do
estágio curricular.
1. Qualidade e educação superior
A qualidade da educação superior requer relação estreita com dispositivos
sistemáticos de avaliação. Nessa perspectiva, questiona-se: Qual a concepção de
qualidade norteia esse processo? Existe uma concepção específica de qualidade
para a educação superior? Como a avaliação, pode contribuir efetivamente para
a qualidade da educação superior?
1
Doutoranda em Educação PPGE/PUCRS. Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA,
Santa Maria/RS. Profª. da Rede Municipal de Ensino de Santa Maria/RS. Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa FORPRODOC/UNIFRA.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
133
De acordo com a UNESCO, qualidade é um conceito multifacetado e
que está em constante [re]construção; depende, sobretudo, das políticas públicas
e do paradigma educacional vigente. Para tanto, os indicadores da qualidade
da educação foram criados para contribuir com as instituições, órgãos e
setores envolvidos com a educação, na avaliação e na melhoria dos processos
organizacionais e formativos.
No Relatório Conciso sobre o Imperativo da Qualidade da UNESCO
(2004), são apresentados fatores que interferem na qualidade, os quais estão
diretamente relacionados ao acesso à educação, aos seus processos educacionais,
bem como aos seus resultados: características do aluno, contexto, insumo, ensino
e aprendizado, resultados.
Demo (1985) faz alusão a conceitos: qualidade acadêmica – habilidade
de produzir originalmente um determinado conhecimento; qualidade social –
capacidade de identificar e aproximar a comunidade local e regional aos seus
problemas de desenvolvimento, ou seja, capacidade de aproximação teóricoprática; qualidade educativa – se refere à formação dos profissionais, sejam eles
formadores, administradores, dirigentes políticos, cidadãos, entre outros, os
quais contribuem para a organização democrática da sociedade.
Defourny e Cunha (2008, p. 302), apontam que,
[...] há necessidade de se ter, cada vez mais, uma visão
como um bem comum de todas as nações e pessoas e uma
visão integrada e integradora do conceito de qualidade em
educação que permita a universidade oferecer à juventude
que nela ingressa a oportunidade de uma formação a mais
integral possível [..]
o que remete ao compromisso de a universidade promover o desenvolvimento
pessoal, profissional e organizacional, como possibilidade da qualidade de
vida em sociedade. Porém, a visão e o entendimento que se tem de qualidade
vai depender do lugar de que se olha e do enfoque que se quer adotar. Portanto,
não existe uma concepção específica de qualidade.
Morosini (2001, p. 90) coloca que a qualidade pode adotar e/ou ser
compreendida sob várias perspectivas. Sobre essa questão, diz: “Alguns enquadram
qualidade na concepção de isomorfismo, articulada à idéia da empregabilidade e à
lógica de mercado. Outros a entendem como respeito à diversidade e para outros,
ainda, a qualidade vem imbricada ao conceito de eqüidade”. Essas três perspectivas
de qualidade estão inter-relacionadas, contrapondo uma separação específica.
134
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
A autora aponta que essas três concepções de qualidade, as quais,
agregadas à educação, certamente são produzidas pelas expectativas e políticas
públicas. Basicamente, se sabe que quando institucionalmente se faz opções
por algumas práticas, se está mobilizado por marcos regulatórios sob o viés das
políticas públicas. Nesse sentido, é importante destacar que os condicionantes
societais paradigmáticos interferem nas concepções e práticas de avaliação
e, consequentemente, produzem indicadores que apontam a qualidade dos
serviços, da aprendizagem, dos espaços físicos, da gestão, do conhecimento
[re]construído, dos recursos, da formação profissional, entre outros aspectos.
Conforme a relação que se estabelece entre a sociedade e as IES, assim
como a tipologia de IES e seu o compromisso social, instaura-se uma concepção
e abordagem de qualidade na pedagogia universitária, em especial na formação
de professores. Não existe, portanto, somente uma concepção e/ou tendência
de qualidade numa Instituição de Ensino Superior, já que dependendo do
momento e da situação a instituição adota uma sistemática ou outra, assim
como pode estar mesclando as diferentes facetas que envolvem a qualidade.
Juliatto (2005) cita Drenth (1987) que enumera três utilidades ou funções
aos indicadores de qualidade na educação: função de monitorar dados, função
avaliadora e função de comunicação. Estas três funções podem ofertar uma base
sólida de diálogo para [re]significar objetivos e metas, práticas educativas, bem
como potencializar mudanças e melhorias educacionais
Os indicadores de qualidade apontam para informações valorativas e
úteis ao campo/área de abrangência e estudo, assim como para as instituições e
para o sistema de ensino. A sua relevância está nas contribuições e utilidade de
apoio ao diálogo institucional, às tomadas de decisões, até, por fim, sinalizar as
potencialidades e fragilidades.
Em recente pesquisa acerca do Estado do Conhecimento, alusiva às
produções científicas sobre a qualidade na educação superior, nos GT 4 – Didática,
GT 8 – Formação de Professores e GT 11 Política de Educação Superior, da
ANPED2, verificou-se que no período de 2000 a 2008 foram socializadas e
registradas importantes pesquisas.
No GT 4 da 24ª Reunião da ANPED, Castanhos (2001) se refere a
qualidade do ensino superior numa sociedade em processo de mudança acelerada:
docência e inovação. A autora pontua como importantes à qualidade do ensino a
relação professor-aluno e a qualidade da relação teoria e prática.
2
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: www.anped.org.br
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
135
Na 25ª Reunião da ANPED, no GT 11, Morosini e Franco (2002) fazem
alusão às políticas públicas de qualidade universitária e construção de espaços
de participação. As autoras apresentam tensões entre regulação e emancipação,
assim como refletem as políticas públicas de avaliação no Brasil e, conseqüente,
a qualidade na universidade. Propõem a qualidade universitária tendo como
pressuposto essencial a construção dos espaços de participação.
No GT 4 da 26ª Reunião da ANPED, Balzan e Júnior (2003) socializam
os dados sobre o ensino superior nas áreas de ciências humanas e ciências sociais
aplicadas e apontam indicadores de qualidade. O trabalho apontou para sete
categorias, consideradas como qualidades básicas (indicadores), que devem
estar presentes no perfil do profissional formado: ética, cultura geral por
parte do docente-pesquisador, domínio sobre a área de atuação, atualização
permanente, trabalhar em equipe, formação interdisciplinar, consciência dos
condicionantes societais.
No GT 11 da 31ª Reunião da ANPED, Real (2008) aborda os impactos
da política de avaliação na educação superior brasileira. A autora referenda
que a concepção de qualidade presente nas instituições parte da busca e
da apropriação das notas/conceitos como significantes da sua qualidade.
Constatou, a partir dos pareceres de Comissões Avaliadoras, que se forjam
conceitos a partir de situações incipientes e momentâneas de qualidade:
[...] acervo da biblioteca e os equipamentos de informática
são adquiridos nos momentos anteriores à visita de avaliação;
os professores em regime de tempo integral possuem quase
toda a totalidade da carga horária em sala de aula, o que
os tornam professores horistas, com grande carga horária;
a infraestrutura física existente não é compatível com o
desenvolvimento de pesquisa e de extensão, uma vez que não
há salas individualizadas para os professores pesquisadores,
o número de laboratórios é fortemente compartilhado entre os
cursos da instituição e o corpo docente não possui produção
acadêmica; o número de funcionários técnico-administrativos
não acompanha o crescimento do número crescente de cursos
e vagas; o aumento do número de vagas dentro de um mesmo
curso sem alterar as condições de funcionamento, entre
outros fatores; tudo isso permite afirmar que as IES buscam
produzir seus resultados, na obtenção dos conceitos positivos
sem contudo alterar a sua lógica intrínseca, ainda arraigada
na concepção de uma qualidade mínima definida nos
formulários de avaliação a partir de critérios e indicadores
136
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
pré-estabelecidos de acordo com os seus interesses, incluídos
na diversificação institucional, que se constitui a partir da
lógica da competição. (p. 13)
A preocupação das IES quanto à obtenção de conceitos positivos nas
avaliações externas é prioridade, uma vez que esse processo, na lógica atual,
atesta boa qualidade dos serviços prestados, porém proporciona apenas qualidade
formal em detrimento de uma qualidade real.
Cunha, Fernandes e Pinto (2008), apontam indicadores de inovação no
ensino de graduação, entre eles destacam-se: a ruptura com a forma tradicional
de ensinar e aprender; a gestão participativa; a reconfiguração dos saberes; a
reorganização da relação teoria/prática; a perspectiva orgânica no processo de
concepção, desenvolvimento e avaliação; a mediação entre as subjetividades
dos envolvidos e o conhecimento; o protagonismo.
Morosini (2008), ao tratar sobre a internacionalização da educação
superior, no que se refere a indicadores na perspectiva da qualidade do ensino e da
pesquisa, sinaliza:
Reformas no currículo, padrões mais altos e desenvolvimento
de instrumento para avaliação de estudante, inovação
em programas profissionais, programas melhores para
instrutores e desenvolvimento em padrões e sistemas de
promoção; grande consolidação da qualidade e crescimento
da atenção dada a função ensino nas IES e nas comunidades
acadêmicas, através de discussões sobre ensino, monitoria
e implicações do ensino por ele mesmo [...] da informação
para os professores sobre seus pontos fortes e fragilidades,
situações diagnósticas de ajuda; discussão e mudança de
valores desenvolvimento de sentido de pertença a uma
IES e legitimidade daqueles que iniciaram a avaliação.
(MOROSINI, 2008, p. 262)
A implementação de mecanismos avaliativos que priorizam a
qualidade da educação superior está relacionada a mudanças no processo
ensino e aprendizagem, sobretudo, porque apontam para critérios e
indicadores que desvelam o que está acontecendo a contento e o que precisa
ser redimencionado para alcançar os objetivos previstos para a IES, para o
Curso, para a produção docente e discente, entre outros aspectos.
No sistema educacional em vigência, no Brasil, a avaliação se constitui
importante elemento interveniente ao desenvolvimento e qualificação das
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
137
políticas de Educação, seja para a educação básica quanto superior. Para tanto,
é importante destacar que existem duas concepções e práticas de avaliação na
Educação Superior. Uma focada na [re]significação e transformação acadêmica,
numa visão emancipatória. A outra envolvida com a constatação e o controle dos
resultados e suas relações com o mercado, portanto, tendo como ponto de partida
e de chegada marcos regulatórios.
Com ênfase e objetivos diferentes, o Sistema de Avaliação da Educação
Superior, no Brasil, utiliza instrumentos que concebe adequados aos pressupostos
e proposições governamentais. Nesse sentido, para além de coletar e constatar
dados dos contextos educacionais, interpreta-os apresentando resultados obtidos.
Sua finalidade primeira se refere a auxiliar as IES a efetivamente se conhecerem,
a se repensarem, a se articularem e a sedimentarem compromissos voltados para a
excelência dos processos formativos dos futuros profissionais. Nesta perspectiva,
o foco do SINAES, Lei no 10.861 (BRASIL, 2004), elementarmente, está voltado
para o currículo, a formação dos professores, assim como a infraestrutura e
cultura organizacional da IES e seus respectivos cursos.
Em conformidade com o INEP/MEC, em termos de indicadores que
encaminham para a qualidade da educação superior, são três aspectos essenciais
apresentados e regulamentados, inclusos no Decreto nº 3.860 (BRASIL,
2001): avaliação das IES; avaliação dos Cursos de Graduação; avaliação do
Desempenho dos Estudantes da Graduação.
De acordo com o Manual de Orientações Gerais do SINAES/MEC,
as informações oriundas do processo de avaliação de cada IES “[...] são um
importante ponto de partida para o desenvolvimento da auto-consciência
institucional e para a própria atividade avaliativa” ((BRASIL, 2004, p.
14). Para tanto, são dez as dimensões que devem ser analisadas e avaliadas
em conformidade com as especificidades de cada instituição, porém não
devem ser vistas fatores limitadores. De maneira geral, essas dimensões,
voltadas para a qualidade dos cursos de graduação, requerem ser analisadas
considerando a natureza jurídica de cada instituição (pública ou privada),
bem como sua organização administrativa (faculdades isoladas, centros
universitários, universidades) e pedagógica.
Em especial atenção ao curso de Pedagogia, também, cabe destacar
a Portaria nº 808/MEC (BRASIL, 2010) que aprova o “Instrumento de
Avaliação para Reconhecimento de Cursos de Licenciatura em Pedagogia”,
no âmbito do SINAES. Tal documento apresenta três dimensões (organização
didático-pedagógica do curso, corpo docente, infraestrutura), as quais
138
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
retratam a abrangência e indicadores de qualidade para o curso, tendo por
base critérios de análise.
Acredita-se, pois, que os muitos desafios na busca de indicadores de
qualidade da educação superior e, consequentemente, à profissionalização
docente, devem, também, estar focados nas perdas salariais, em projetos
de formação continuada que atendam à crescente demanda do magistério e
priorizem a necessária qualificação pedagógica, assim como na melhoria da
articulação e implementação curricular dos cursos de formação, sejam eles de
licenciatura ou bacharelado.
Portanto, os indicadores institucionais são efetivamente reflexos da
conjuntura de perfis da IES e de seus cursos, os quais necessitam instrumentalizarse a partir de dados e informações coletados periodicamente. Esse processo
de coleta e análise de dados potencializa avaliações mais coesas e confiáveis,
tendo por base o retrato da realidade institucional em sua integralidade e, por
conseqüência, possibilita a definição de prioridades e encaminhamentos para
qualificar suas ações formativas.
2. O estágio curricular como espaço e processo
formativo: em busca de indicadores de qualidade
O estágio como um espaço de ricas vivências e aprendizagens, se
concretiza nas diferentes atividades necessárias à formação do pedagogo.
É nesse contexto que acontece o estabelecimento de conexões entre as
experiências vividas e a real aprendizagem que se constrói, na medida em que
são concretizadas discussões e teorizações sobre as proposições firmadas e as
situações encontradas em campo.
É pontual que não basta ir à instituição de estágio. É importante
que as atividades realizadas lá sejam consideradas como pilares de reflexão
e crítica, como recursos problematizadores in lócus pelo currículo do curso
de formação de professores. Porém, é pela inserção dentro de um espaço e
tempo institucional, voltada para a prática profissional, que são privilegiados
momentos de análise contextualizada ancorada em referenciais teóricos, e
alavancada a produção própria do futuro professor. Daí decorre a expressão
“estágio como espaço de formação”.
Outro aspecto a ser considerado para que o estágio se constitua,
efetivamente, “processo formativo”, está na condição de envolvimento dessa
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
139
disciplina com a totalidade das atividades realizadas na dimensão curricular do
curso de formação de professores. É na sua indissociabilidade com as demais
disciplinas, tendo por base os pressupostos da proposta pedagógica do curso, que
se efetivam as relações e articulações teórico-práticas por meio de estratégias
formativas de imersão em campo de atuação.
É evidente que, nessa articulação teoria e prática, é preciso evitar o que
Freitas (1992) denomina de estrutura organizacional etapista quando destaca
que nas primeiras etapas formativas dos cursos os acadêmicos se apropriam das
disciplinas teóricas ou de fundamentos; após surgem as disciplinas pedagógicas
ou como diz o autor as disciplinas teórico-práticas; finalizando o curso surgem
os estágios supervisionados, traduzidos pelas práticas de ensino. Na maioria das
vezes, segundo o autor, essa estrutura do currículo do curso não está conectada
entre si, pois “[...] Separam-se elementos indissociáveis como se o conhecimento
pudesse primeiro ser adquirido para depois ser praticado” (p.12).
De acordo com Cunha (2003), na década de 60 o estágio esteve focado
na trilogia do ver, julgar e agir; na década de 70 priorizou a utilização de
conhecimentos teóricos; nos anos 80 o envolvimento com a prática e a denúncia
foi o eixo norteador; nos anos 90 buscou melhorar o ensino. Atualmente, o
estágio se ancora na tendência de estar mobilizado e de mobilizar a relação
ensino e pesquisa, em que os processos investigativos pressupõem conhecimento
da realidade, instrumentalização de saberes e fazeres, bem como a pesquisa
colaborativa nos processos de formação inicial e continuada de professores.
Para Pimenta e Lima (2004), a concepção de estágio como pesquisa
e a pesquisa no estágio considera-o como meio de intervenção no contexto
de atuação do futuro professor, pela natureza científica dos processos
investigativos. Isso que requer outra relação com o campo de trabalho, que
desafia tanto o professor formador, o futuro professor como o professor em
serviço a adotarem uma nova postura pela problematização e teorização da
realidade. Necessitam, portanto, contextualizar, verificar e desocultar os pontos
fortes e as fragilidades, questionar e buscar possíveis soluções e explicações
para fatos, situações e problemas do cotidiano da docência, ancorando-se na
[re]construção dos seus repertórios de saberes.
Kenski (1994) pressupõe que a formação de um professor requer
consciência de que sua ação docente está co-relacionada intimamente a “[...]
comportamento de observação, reflexão crítica e reorganização de suas ações” (p.
41), o que de certa forma [re]significa os saberes e fazeres da profissão docente.
140
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Piconez (1994) defende a relação dialética teoria e prática; nessa relação
a prática necessita ser recriada, [re]significada tendo por base o cotidiano da
profissão docente. Para a autora, o estágio precisa consolidar-se nas dimensões
política, epistemológica e profissional, o que requer processos investigativos
relacionados as atividades teórico-práticas.
Ghedin, Almeida e Leite (2008) ressaltam que o estágio que tem sido
desenvolvido nos cursos de formação de professores tem suas características
muito relacionadas a modelos de racionalidade técnica. Tais modelos ancoramse, segundo o autor, em transmissão do conhecimento e tem como habilidades
cognitivas a memorização, a descrição de dados coletados, assim como relatos
de experiências sem caráter analítico-reflexivo. Sendo assim, essa concepção de
educação não valoriza e nem estimula a formação intelectual do futuro professor;
acaba por gerar atitudes conformistas e conservadoras de hábitos e idéias que
legitimam o que está instituído – a cultura dominante. Nessa perspectiva, o
estágio reduz-se somente à constatação por práticas de observação e descrição
das ações desenvolvidas por professores em serviço na educação básica, sem
potencializar análise crítica e novas propostas de práticas docentes.
Tendo por finalidade a superação do paradigma da racionalidade técnica
no ensino superior, Ghedin, Almeida e Leite (2008), sinalizam o que a prática de
ensino e o estágio precisam priorizar na formação docente para contribuir com uma
melhor formação profissional. Para tanto, apresentam indicadores de qualidade,
em especial à formação de professores: indissociabilidade entre teoria e prática,
consistência epistemológica, consistência de saberes docentes, problematização e
reflexão na ação e sobre a ação, conhecimento dos diversos âmbitos e funções da
profissão professor, aproximação entre IES e espaços de estágio.
Pimenta e Lima (2004, p. 215) dizem que
[...] a perspectiva do estágio como pesquisa da realidade
aponta para a necessidade de considerar o planejamento,
o desenvolvimento e a avaliação dos estágios um projeto
orgânico no projeto pedagógico coletivo do curso de
formação e um processo negociado e compartilhado entre
os professores orientadores, os estagiários e as escolas.
Dessa forma, o projeto de estágio pode constituir em projeto
de pesquisa colaborativa da prática dos envolvidos.
Tendo por base a síntese de conversas com professores de quatro
universidades no país, as autoras apresentam, em sua obra que trata do
estágio e da docência, sugestões desses professores a respeito de questões
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
141
que poderão ser repensadas com o foco na qualidade dos estágios: o estágio
repensado com a estrutura curricular do curso e sendo desenvolvido no
decorrer do curso; o estágio articulando o ensino e a pesquisa; a relação
teoria e prática tão necessária e importante no estágio; um bom processo
de planejamento; a importância da dimensão coletiva do conhecimento
e do trabalho conjunto entre universidade e escolas; avaliação processual
envolvendo todos os momentos e movimentos do estágio.
Para Candau (2000) não se pode ter uma visão reducionista de formação
docente. Segundo a autora, a cultura interfere nesta questão, uma vez que requer
espaços de pensar, viver e aprofundar o olhar para um sentido mais antropológico
do ir e vir, do grupo e suas vicissitudes, da expressão dos modos de pensar,
organizar, relacionar-se e atribuir sentido. O que, se de certa forma, reporta à corelação instituído e instituinte.
Cabe registrar que, é por meio da cultura organizacional de uma
comunidade que são estruturadas, articuladas, organizadas e, de certa forma,
satisfeitas as necessidades e expectativas de um determinado grupo de pessoas.
Em contrapartida, também, é importante destacar que a cultura organizacional
está relacionada a situações de adaptação, tendo como ponto de partida e de
chegada a(s) forma(s) pela qual(is) são definidas as estratégias de ação e as
condições para se chegar a atingir os objetivos e metas propostas.
Com o objetivo que verificar o que dizem as produções científicas
socializadas nas reuniões anuais da ANPED, no que diz respeito à relação qualidade
e estágio curricular no curso de Pedagogia, constatou-se que em sua maioria
definem o estágio como processo formativo que tem seus espaços e proposições
focados na inter-relação teoria e prática e na aproximação IES e escola. Alguns
autores se destacam pelas contribuições:
Para Guerra (2000) pensar o estágio supervisionado, implica pensá-lo
como processo no Curso de Pedagogia, entendendo que esta é uma experiência
peculiar, porém não desvinculada de um contexto social, político, cultural
e pedagógico mais amplo. Ao assumir o estágio supervisionado como eixo
articulador do curso de Pedagogia, Guerra compreende que é neste espaço
curricular e nos processos oriundos dessa disciplina que: acontece e se
fortalece de forma mais próxima a relação teoria-prática; que é necessária a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; que o estágio aproxima o
aluno da complexidade da realidade de atuação profissional; que o estágio é um
espaço para reflexão das práticas pedagógicas.
142
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Santos (2005) aborda que, ao pensar a prática pedagógica dos professores,
faz-se necessário considerar o processo de formação inicial dos mesmos em
instituições destinadas a essa finalidade e questiona-se: Qual lugar tem ocupado,
no percurso de formação inicial dos professores, a questão da prática pedagógica?
Qual a seriedade com que vem sendo assumida a orientação e a realização do estágio
curricular na formação inicial de professores? Para a autora é necessário discutir
constantemente o papel do estágio curricular na formação inicial dos professores.
Independente dos diferentes enfoques atribuídos e implementados no estágio
curricular, historicamente o estágio foi assumido como um componente curricular
responsável pela parte prática do curso e, consequentemente, pela formação prática
dos professores. De certa forma, este enfoque, atribui muita responsabilidade e
esta disciplina, assim como aos professores orientadores de estágio.
Em outra produção científica da ANPED, realizada por Perini (2006),
encontra-se que o estágio é um dos lócus onde a identidade do professor começa
a ser efetivamente construída. Porém, ressalta que é necessário organizar as
atividades práticas de estágio de maneira a acabar ou minimizar o distanciamento
teórico-prático, no sentido de evitar que o estágio se constitua um momento
tarefeiro na formação inicial, ou como ela diz: “evitando o fazer pelo fazer”.
Pereira (2004) apresenta que os pesquisados inferem que para
melhorar o curso de Pedagogia é necessário o aumento da carga horária
da disciplina de estágio supervisionado. A intenção da autora é oferecer
subsídios com a finalidade de contribuir para a reflexão sobre a formação do
pedagogo, visando a qualidade da prática pedagógica oferecida nos Cursos de
Pedagogia. Assim, conforme a autora, redimensionando o tempo de inserção
do estagiário em campo de atuação profissional, amplia-se a possibilidade de
constituir o estágio como espaço de investigação, reflexão e intervenção no
cotidiano escolar, bem como oportuniza ao futuro professor inter-relacionar
qualitativamente teoria e prática no exercício da docência.
Outra contribuição, para além do contexto da ANPED, está no texto de
Mello (2000) que, ao refletir sobre a formação inicial de professores para a educação
básica, faz uma abordagem aprofundada acerca da compreensão sobre “prática”
e questões que interferem na qualidade da mesma nos cursos de formação de
professores, a qual ela intitula “uma (re)visão radical”. Nesse sentido, ela coloca:
A prática deverá estar presente desde o primeiro dia de
aula do curso superior de formação docente, por meio
da presença orientada em escolas de educação infantil e
ensinos fundamental e médio ou de forma mediada pela
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
143
utilização de vídeos, estudos de casos e depoimentos ou
qualquer outro recurso didático que permita a reconstrução
ou simulação de situações reais. O que hoje se entende
por estágio deverá, sempre que as condições permitirem,
ser equivalente à “residência” para a profissão médica: a
culminância de um processo de prática que ocorre pelo
exercício profissional pleno, supervisionado ou monitorado
continuamente por um tutor ou professor experiente que
permita um retorno imediato ao futuro professor dos
acertos e falhas de sua atuação. (p. 104).
Sob a ótica da autora, verifica-se que a importância da prática é
decorrente do significado que se atribui a ela, assim como da maneira como são
articulados os processos formativos no curso de formação de professores. Qual o
lugar que a prática ocupa? Como ela é articulada? De que maneira as atividades
de estágio potencializam competências ao futuro professor? Como diz Mello
(2000), as “competências são formadas na prática, portanto isso deve ocorrer
necessariamente em situações concretas, contextualizadas” (p.104).
O futuro pedagogo, tendo por base as situações teóricas e práticas
vividas nos seus processos formativos em nível de graduação, necessariamente,
precisará saber fazer a transposição didática. Para tanto, lhe é indispensável
possuir um rol de conhecimentos e competências de gestão do processo de ensino
e de aprendizagem, de estruturação e articulação dos conteúdos, considerando,
entre outros aspectos, o que deve ser ensinado, sua seqüência e as estratégias
apropriadas ao contexto e aos sujeitos envolvidos.
Compreende-se, portanto, que o estágio, como um dos elementos
articuladores do currículo do curso de Pedagogia, precisa ser planejado
e vivenciado de maneira que essa articulação se efetive pelos processos
de problematização da realidade, pela análise e diagnóstico das questões
educacionais e pela definição de possíveis encaminhamentos para cada situação
vivida nos contextos de formação e atuação profissional.
Considerações finais
O estágio curricular repercute na formação de qualidade do pedagogo e
está relacionado às políticas educacionais, à organização curricular e à cultura
organizacional do curso, assim como às concepções e práticas dos professores
formadores e dos futuros professores.
144
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Porém, é essencial que sejam feitos movimentos reflexivos e de
co-responsabilidade entre IES e instituições campo de estágio, bem como
entre professores e alunos, no sentido de consolidar processos formativos na
dinâmica curricular do curso de Pedagogia, os quais desencadeiem inter-elações
qualitativas com os indicadores abaixo relacionados:
− investimento em estratégias formativas que potencializem a
indissociabilidade da teoria e prática;
− melhorias na articulação dos tempos do e no estágio,
de maneira que se constituam articuladores da dinâmica
curricular do curso de Pedagogia e estejam em consonância
com os pressupostos legais;
− empreendimento em ações que oportunizem ao estágio
se constituir, efetivamente, via de mão dupla entre
IES e instituições parceiras, como íntimo espaço de
compartilhamento de saberes e fazeres da profissão docente;
− realização de processos investigativos reflexivos, [re]
construtivos e instrumentalizadores da produção científica na
profissão docente.
Nessa perspectiva, o estágio curricular pode contribuir com a formação
de qualidade do pedagogo na medida em que, efetivamente, se constituir
elemento mobilizador de saberes teórico-práticos, entrecruzar e articular a
proposta curricular do curso de Pedagogia, assim como potencializar interrelações significativas com as instituições parcerias.
O estágio curricular transcende a proposição de momento de prática;
transcende a idéia de “super”visão relacionada somente a constatação do que o
aluno estagiário está concretizando no contexto de atuação ou se está colocando
em prática “tudo o que aprendeu” no curso; avança da concepção de momento
final ou de culminância de um curso de graduação.
Precisa, então, constituir-se amplo mecanismo investigativo e
reflexivo de ir e vir na profissão professor ao longo do curso, com carga
horária apropriada ao tempo de percepção, maturação e reflexividade pelo
docente e discente, o que subentende fluência, dinâmica e mobilização de
saberes e fazeres dos professores formadores, dos futuros professores e dos
professores em serviço no campo de estágio.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
145
Nessa perspectiva, a qualidade da formação do pedagogo se
concretiza eminentemente pela construção da identidade desse profissional;
se desenvolve na confluência qualitativa entre diferenciados momentos de
formação e de prática profissional.
Portanto, conclui-se que o estágio curricular constitui-se determinante
na qualidade do curso de Pedagogia, uma vez que a visão e o entendimento que
se tem de estágio vai interferir no investimento das estratégias formativas e no
envolvimento dos professores formadores, dos futuros professores, assim como dos
professores em serviço no campo de estágio. Assim, tendo por base os indicadores
de qualidade supracitados e do prisma que se olha e do enfoque e abordagem que
se tem ou se quer dar ou adotar nos processos formativos na educação superior, o
estágio repercutirá ou não na qualidade da formação dos futuros pedagogos.
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QUALIDADE E EGRESSOS
Claudia De Salles Stadtlober1
Marília Costa Morosini2
Introdução
O
crescimento das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, o
acesso ao mesmo, com uma expansão majoritariamente no ensino
privado, que, em 1995 representava 71,1% e, em 2006, 89,33% de todas as
matrículas do país (MEC, INEP, DEAES, 2006), na graduação, coloca em debate
a questão da qualidade deste ensino e do papel do Estado, enquanto regulador. Por
serem processos ainda bastante novos não há muitas informações e mecanismos
que possam medir e avaliar a qualidade do ensino prestado nas IES.
No Século XXI, a qualidade é uma busca da maioria das Instituições.
Inicialmente, mais um modismo, uma tendência que aos poucos deixaria de
existir (MOROSINI, 2003). No entanto, a avaliação da qualidade é realizada
hoje em todos os meios de serviços públicos e privados, sempre estabelecendo
padrões e melhorias contínuas. Saber a satisfação dos clientes, em relação aos
seus serviços e preparação para o mercado de trabalho, é um desafio das IES, a
fim de desenvolverem uma graduação mais qualificada e que atenda as demandas
da sociedade, do poder público.
Nesse contexto, o Ministério da Educação (MEC) avalia as universidades,
através dos SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
no Brasil, lançado em 2004, em que há integração desde as provas realizadas
com acadêmicos, até a avaliação institucional e do curso, por parte dos alunos,
professores e colaboradores.
Em estudo sobre a Educação Superior no Estado do Rio Grande do Sul, de
1991 a 2004, foi constatado que o modelo de expansão do ensino superior ocorreu
em cursos com maior apelo popular, ficando mais da metade das matrículas em
seis cursos. No ano de 2004, o curso com maior procura foi administração que,
neste relatório, aparece com 620.718 matrículas (MOROSINI e ROSSATO, 2006).
O número de cursos de administração cresceu no RS e em todo o Brasil,
assim como as instituições de ensino, principalmente as Faculdades: de 511
cursos de graduação, em 1991, o Estado passou para 1262, em 2004 (MOROSINI
1
Doutora em Educação PUCRS, Mestre em Ciências Socias Aplicadas Unisinos, Graduada em Administração
Unisinos, Professora e Coordenadora do Curso de Administração do Centro Universitário Metodista do IPA.
2
Orientadora do trabalho, Doutora em Educação, Diretora da Faculdade de Educação da PUCRS.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
149
e ROSSATO, 2006). Há também um crescimento importante do mercado, o que
demanda mais profissionais qualificados e número de vagas para estágios. As
ofertas de trabalho em administração são maiores, o que faz com que muitos
jovens visualizem as possibilidades de empregabilidade e sucesso profissional.
O ensino superior em administração, no Brasil, forma por ano 67.000
profissionais (CRARS, 2004). Com suas especificidades e diferenças, cada curso
lança seus profissionais no mercado, com conhecimentos gerais e específicos,
segundo o currículo, necessidades da região e legislação vigente.
No ano de 2005 o MEC, lançou uma Resolução nº 4 (DOU,2005),
com as novas diretrizes curriculares para os cursos de administração. Este
documento foi amplamente discutido e já está implementado, mas propõe, em
síntese, uma formação mais generalista e ampliada no sentido da inserção social
dos profissionais administradores, proibindo principalmente a formação com
habilitação, o que mudou o cenário da área.
Torna-se importante questionar se o conhecimento propiciado nesse
âmbito de formação está sendo atendido nos currículos e como os administradores
se relacionam com a sociedade e o mercado de trabalho. Também indaga-se
sobre a forma como os professores apoiaram e incentivaram os seus alunos
na busca de seu desenvolvimento pessoal e profissional, com o objetivo de
desenvolver competências que os diferenciem no mercado de trabalho e os tornem
profissionais capazes de concorrer a uma boa colocação, gerando impacto social;
perceber a congruência a partir da satisfação dos egressos, da sua qualificação e
do ambiente onde estão inseridos.
O presente estudo teve como obetivo geral: discutir a qualidade do curso de
graduação de administração. E como objetivos específicos: apresentar a qualidade
do ensino superior de administração a partir da congruência entre satisfação e
empregabilidade no mercado de trabalho de egressos de administração; construir
indicadores de qualidade para a avaliação dos cursos de administração.
O desenvolvimento do estudo se justifica, pois, administração é uma
profissão que surge e se expande em um momento de grandes transformações
mundiais, exigindo um novo ator social que desenvolva e aprimore as organizações,
através de sistemas de redes, uma vez que as informações estão conectadas por
meio da tecnologia de informação.
E nesse novo paradigma tecnológico e social é que devemos formar e
preparar o profissional administrador. Assim, novas competências são exigidas
para esse indivíduo e novos desafios são colocados diariamente tanto para
ele, como para a escola que irá prepará-lo. Colom (2004, p. 149), diz que “A
150
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
mudança na sociedade está tão instalada, que a única resposta possível é educar
para a incerteza, porque as certezas são cada vez menos certas”.
As instituições de ensino têm um grande desafio: formar e educar
profissionais para um mercado de trabalho demasiado volátil. Para Castells
(1999), o trabalho está no cerne da estrutura social, e, ao mesmo tempo, constatase uma nova ordem mundial econômica: transformação no mercado de trabalho,
flexibilidades que não existiam, dificuldades que não ocorriam e modificações
nos tipos de trabalho. Houve diminuição das atividades rural e industrial e há,
cada vez mais, o aumento da prestação de serviços.
Assim, torna-se um desafio propiciar ao indivíduo um desenvolvimento
satisfatório e a possibilidade de buscar o seu conhecimento com qualidade e de
diferentes formas. Além disso, definir o que é a qualidade para os acadêmicos e
para a sociedade é algo que está no cerne de nossas discussões.
Os acadêmicos de administração passam, no mínimo, quatro anos na
faculdade, buscando conhecimentos específicos para o seu aprimoramento
e exigindo eficiência dos professores, uma vez que querem sempre a teoria
aliada à prática (BERTRAND, 2001). Sabemos que não há como ensinar toda
a prática. Ensinamos a teoria e estudamos os casos específicos, mas segundo
Mintzberg (2006), não há nenhuma escola que possa durante um curso ensinar
todas as práticas.
Para aliarmos a qualidade ao ensino ou a imaginada qualidade que os
acadêmicos almejam, devemos cada vez mais aproximar a teoria da prática,
principalmente para prender atenção e despertar o interesse do estudante.
Estes são desafios para as escolas, mas mais ainda para os professores que, no
caso da administração, foram formados para serem executivos e poucos têm
formação pedagógica. Então, o professor administrador chega à sala de aula com
seus conceitos, conhecimentos, e sua cultura (TARDIF, 2003; BERTRAND,
2001) e vai se inserir em um mundo novo de trocas, de experiências, em que
deverá interagir com os acadêmicos, onde cada “ser humano é um universo”
(MOSQUERA e STOUBÄUS, 2004).
Todas essas questões também estão no cerne do desenvolvimento do
ensino superior, dadas pelos alunos, pelos professores e pelos órgãos reguladores,
os quais padronizaram o sistema de avaliação das IES, mas cujos critérios de
elaboração e eficácia ainda são questionáveis pouco claros.
Assim, este texto se propõe apresentar a tese de que qualidade em ensino
superior se desenvolve de diferentes formas, com diferentes didáticas e com
muito empenho e participação dos alunos.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
151
Referencial Teórico
De 1990 a 2000, o ensino superior cresce como forte oportunidade de
negócios no país, atraindo muitos investidores nacionais e internacionais e se
tornando, em alguns casos, empresas privadas e sociedades anônimas. A LDB
é promulgada em 1996, trazendo diversificação, expansão e privatização para o
ensino superior. Com a sociedade do conhecimento cada vez mais disseminada
e globalizada, a educação superior no Brasil se expandiu e demandou do Estado,
cada vez mais, políticas de regulação: políticas públicas de inclusão, como políticas
de cotas, PROUNI, REUNI, fortalecimento do sistema de avaliação e controle das
faculdades também foram inseridas pelo Estado.
O ensino foi se configurando com diferentes tipos de propostas de avaliação
da qualidade, pois sempre esteve sob o olhar atento dos órgãos executivos e
normativos do país (MEC/SESu, CNE, Capes). Assim, em outros tempos, houve
o Programa de Avaliação Institucional da Universidade Brasileira (PAIUB), o
Programa de Modernização e Qualificação do Ensino Superior e o Exame Nacional
de Cursos (Provão). Atualmente temos instituído no país o SINAES, sendo que a
avaliação dos alunos ocorre pelo ENADE. Todas as diretrizes são iguais para todos
os Estados da União no Brasil.
A trajetória do ensino superior no Estado do Rio Grande do Sul
inicia em 1883, com a Escola de Medicina Veterinária e Agricultura Prática
em Pelotas, sendo esse o embrião da atual Universidade Federal de Pelotas
(MOROSINI, 2005).
Há, então, uma nova ordem para o ensino superior que é dada pela
expansão do mercado de ensino, pelas políticas públicas e pelo mercado. Nesse,
bojo, nasce, na década de 1970, o curso de administração.
A educação superior de administração no Brasil é bastante jovem,
quando comparada a outras profissões. No ano de 1941, é criado o primeiro
curso de Administração de Negócios - ESAN/SP, embasado no modelo do curso
da Graduate School of Business Administration da Universidade de Harvard
(CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2005). Logo, no ano de
1946, é criada a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo, sendo, naquele momento, oferecidas somente
matérias de administração.
Em 1952, é criada a Escola de Administração Pública e de Empresas da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Em 1954, surge a Escola
Brasileira de Administração de Empresas de São Paulo, vinculada à FGV e é
152
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
instituído o primeiro currículo especializado em administração, que servirá de
base para muitos outros cursos em todo o país.
O ensino superior de administração cresceu muito com o desenvolvimento
da FGV, passando também a oferecer cursos de pós-graduação na área e
disseminando-se por todo o Brasil. Foi regulamentado em 1965 (CONSELHO
FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2005).
Em 1965, a profissão de administrador é regulamentada pela Lei nº 4.769, de
09 de setembro. Em 1966, já havia um currículo mínimo indicado para a formação
de administrador. Naquele momento, habilitava o profissional para o exercício da
profissão como técnico em administração. Esta denominação foi alterada no ano de
1985, para Administrador.
Em 2004 há alteração nas diretrizes curriculares do curso de
administração (DCN’s). O primeiro objetivo do MEC com esta regulamentação é
para definir que a nomenclatura do curso seja tão-somente Curso de Bacharelado
em Administração, excluindo a extensão das habilitações no nome do curso,
podendo constar apenas no projeto pedagógico de cada curso e na grade
curricular. A partir desse momento, há um novo cenário no mercado de ensino
superior de administração. Como graduação podem ser oferecidos os cursos de
Administração ou Administração Pública, as demais diferenças somente são
contempladas no projeto pedagógico.
A expansão do ensino superior de administração, assim como da
profissão é bastante expressiva na década de 90. Segundo o Conselho Federal
de Administração (2005) em 1970, tínhamos 164 instituições de ensino de
administração, em 2003, já passava de 1700 IES, com mais de 500 mil matrículas
e aproximadamente 64 mil formados por ano em administração.
Com toda a mudança social e cultural que o nosso país passa, o
curso de administração, atende uma realidade de mercado, pois no Século
XXI cada vez mais percebemos a importância que é dada ao indivíduo que
trabalha e, principalmente, como essa questão está associada à felicidade e ao
desenvolvimento pessoal, e à inclusão na sociedade do trabalho.
Tezanos (2001) afirma que atualmente o trabalho é fator importante na
estratificação social. O indivíduo, com um trabalho e uma profissão, passa a ter
isso como “extensão” do seu nome e como algo que lhe qualifica, pois faz parte
do desenvolvimento adulto a entrada no mercado de trabalho e principalmente a
ascensão profissional e o aprimoramento na carreira. Para Schaie e Wiilis (2003):
Los trabajos son un elemento crucial para establecer
quién és uno, es decir, el sentido de la identidad personal.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
153
Muchas personas se presentan diciendo su ocupación: “Soy
Alejandro Sandoval, agente de bolsa”. El trabajo afecta a la
vida de muchas formas (SCHAIE e WIILIS, 2003, p. 216).3
Assim, o trabalho, na nossa cultura, tem forte poder no processo de
desenvolvimento humano e realização pessoal e social dos indivíduos, o que faz
com que muitos jovens e adultos busquem de diferentes formas sua entrada e
consolidação no mercado de trabalho.
No Brasil, no ano de 1996 havia, aproximadamente, 31 milhões de jovens
(IBGE, 1996) com idade entre 15 e 24 anos, hoje esses números ultrapassam 40
milhões (IBGE, 2004). Estes dados fazem com que o país ainda seja considerado
um país jovem. Em 1996, os alunos no ensino superior eram, aproximadamente
1,8 milhões, em 2008 esse número passa para mais de 5 milhões de acadêmicos
no ensino superior (MEC, INEP, 2008), que querem e que tentam se inserir no
mercado de trabalho, por meio de uma graduação que lhes qualifique para competir.
Os formandos que saem todos os semestres das faculdades estão com suas
cabeças cheias de sonhos, aspirando muitas oportunidades de trabalho no mercado.
Mas esse início no mercado estará ligado diretamente ao seu crescimento enquanto
acadêmico, aos conhecimentos que adquiriu e as habilidades que desenvolveu,
não só aos seus conhecimentos para indicações, que também são importantes,
mas principalmente pela sua competência, o seu compromisso e motivação para o
trabalho (SCHAIE e WIILIS, 2003).
Destacamos nesse processo, o novo olhar sobre o aluno que devem ter
as instituições de ensino superior, pois, diferente das sociedades do Século XIX
e XX, este acadêmico deve ser preparado para uma sociedade tecnologicamente
avançada, onde o aprendizado se distingue.
Com esse novo paradigma de sociedade, está dado um grande desafio
para as universidades: preparar o acadêmico para o mundo profissional, de forma
que ele tenha o melhor desempenho e se inclua no meio profissional.
Temos um novo modelo de desenvolvimento social, com informações
globalizadas, sendo as empresas em rede o lócus produtivo. Logo, aquele indivíduo
que alcançar maior e melhor conhecimento, aceitando as diferenças e que seja
capaz de perceber que a mudança está dada, fará o diferencial na sociedade.
Para Tezanos (2001), diferentes são os fatores que excluem ou integram
os indivíduos, mas sua análise inicia pelo trabalho, demonstrando que o emprego
fixo, com renda assegurada, com desenvolvimento social, cultural, pessoal e
3
Os trabalhos são um elemento crucial para reconhecer quem é cada pessoa, isto é, o sentido da identidade
pessoal. Muitas pessoas se apresentam dizendo sua ocupação. “Sou Alejandro Sandoval, agente da bolsa. O
trabalho influencia a vida de muitas formas.
154
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
social, integra socialmente a pessoa e lhe dá melhor qualidade de vida. Quando
o indivíduo está desempregado ou em um subemprego, sua condição social
fica fragilizada e sua participação na sociedade é enfraquecida, ou às vezes, até
mesmo isolado socialmente.
A pessoa com melhor emprego e qualificação, será mais bem sucedida e
pode gerar mudança social na comunidade, ou seja, impacto social, a partir dos
seus conhecimentos.
Para avaliar o impacto gerado pelos egressos de uma universidade, vários
itens são levados em conta. Para Roche (2002), avaliação do impacto “é a análise
sistemática das mudanças duradouras ou significativas na vida das pessoas, e
ocasionadas por determinada ação ou série de ações (ROCHE, 2002, p. 37)”.
Desta forma, a verdadeira certeza da qualidade do curso de ensino superior,
que lhe preparou para um mercado de trabalho, é perceber a mudança, o impacto
social que o egresso pode causar com sua formação. Passar todo o conhecimento
em quatro ou cinco anos de formação é impossível, mas fornecer os meios para que
os alunos sempre busquem o conhecimento é da competência das universidades.
Conforme Tezanos (2001):
O conhecimento científico e o desenvolvimento da
capacidade de aplicação das inovações tecnológicas
desempenham um papel cada vez mais central como fator de
mudança e de dinamismo econômico e social. Os recursos
científico-tecnológicos se convertem em uma variável
econômica central. (TEZANOS, 2001, p.81).
Se a mudança está dada para o mercado, também está dada para as
Instituições de Ensino que precisam rever a forma de qualificação dos alunos
e dos seus cursos superiores. Para Morosini (2006), nesta sociedade é mais
exigida a alta qualificação, é necessário estar apto a enfrentar a sociedade de
informação e viver nela; “mudanças na economia do trabalho, e no mercado
de trabalho que se torna transitório e anula os limites entre trabalho, o tempo
livre, a educação e a assistência (MOROSINI, 2006, p. 90)”.
Assim, o trabalho se transforma e também modifica o mercado de
trabalho: novos conceitos e pressupostos estão sendo avaliados.
O curso de administração é relativamente novo. Como profissão, a
administração no Brasil só foi reconhecida em 1968. É uma profissão que está de
acordo com o seu tempo, que pretende gerar mudanças significativas na gestão
de empresas públicas, privadas e do terceiro setor, formando um novo conceito
de profissional, preparado para gerir instituições da forma mais adequada.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
155
Entendemos que esse é um dos papéis das universidades: preparar os
alunos para a mudança, para um mercado de trabalho concorrido. Somente
dessa forma, o profissional de administração poderá gerar impacto na
sociedade. Para Cabrera, Weerts e Zulick (s/d) um dos únicos indicadores da
Associação Nacional de Universidades e Empresas (NACE):
Emplea para evaluar el impacto de la universidad consisten
en la estimación de si la educación universitaria ha sido
una inversión que ha merecido o no la pena y la medida en
que el servicio de orientación laboral de la universidad ha
resultado útil encontrar trabajo4 (CABRERA, WEERTS e
ZULICK, s/d, p. 58).
Percebemos estas questões nas universidades, sendo o questionamento
da qualidade e efetividade realizado a todo o momento na sociedade, embora,
no Brasil, o sistema de ensino superior ainda é pouco avaliado, principalmente
quando se fala de estudo com egressos, poucas são as instituições que praticam
este tipo de avaliação e muitas hoje estão fazendo alguma pesquisa com
egressos por exigência do Ministério da Educação que passa a solicitar esta
informação com obrigatoriedade das Instituições de Ensino.
No texto dos autores Cabrera, Weerts e Zulick (s/d), verificamos que, na
Europa, os estudos com egressos são realizados há mais de 60 anos em quase 90%
das universidades. São avaliadas questões como o lucro do egresso universitário,
a implicação e aquisição de habilidade do estudante e as doações e contribuições
dos egressos para a universidade. A maioria dos estudos desenvolvidos é quanto
aos lucros e prestígio dos egressos na atividade profissional e desenvolvimento
social, pois isso pode ser um indicador de qualidade da Instituição.
No nosso país, algumas universidades promovem e divulgam os
seus egressos mais famosos, como forma de marketing para a Instituição e,
principalmente, para demonstrar a qualidade de seu ensino e, desse modo, atrair
mais alunos. A empregabilidade, que está como questão de inserção no mercado
de trabalho e no desenvolvimento do indivíduo, também pode ser relacionada à
qualidade do ensino superior e aproveitamento escolar do egresso na Instituição
onde fez a sua formação.
Dessa forma, a empregabilidade do egresso como é realizada na Europa,
pode ser um critério de avaliação do ensino superior. O emprego estável e
Emprego para avaliar o impacto da universidade, consiste na estimativa se a educação universitária, se
tem sido um investimento que tem merecido ou não, se tem valido a pena; e na medida em que o serviço de
orientação para o trabalho da universidade tem apresentado resultado útil para encontrar trabalho.
4
156
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
sonhado pelos nossos antepassados como algo para toda a vida, com garantias e
continuidade, pertence a um tempo pretérito. Na atualidade, o bom profissional
deve ter várias experiências e desenvolver seu conhecimento de diferentes
formas. Não há mais um pressuposto único para a definição de bom profissional,
assim como para o emprego vitalício, que já é passado, segundo Bridges (1995).
Temos que preparar, hoje, um profissional diferenciado para uma nova
realidade, que, de acordo com Bridges (1995) apresenta: “As condições de
trabalho motivadas pelas novas realidades tecnológicas e econômicas não são
empregos no sentido tradicional...” (1995, p. 10). Constatamos, então, que
há uma nova organização profissional. Muitas vezes, o profissional tem uma
relação de trabalho que é de prestador de serviço, ou terceirizado e recebe sua
remuneração através da atividade que desenvolve e da forma que a faz.
Assim, um cidadão que busca um trabalho, que deseja estar no mercado
de trabalho mais inserido em sua área de origem, gera muitas discussões e
análises. O tema da empregabilidade, sua inserção como tema de discussão está
diretamente relacionado às mudanças nas relações de trabalho (HANASHIRO,
TEIXEIRA, ZACCARELLI, 2007).
Nesse contexto, cresce o interesse pelo tema da empregabilidade, que, para
os autores Hanashiro, Teixeira, Zaccarelli (2007) “é a capacidade de obter trabalho
e renda” (2007, p. 163), e tem sido amplamente discutido no espaço empresarial;
do mesmo modo, esta discussão tem sido levada para as Universidades, pois são
elas, em grande maioria, as responsáveis pelo preparo dos profissionais.
Observamos que a empregabilidade tem sido usada para avaliar a qualidade
do ensino superior, mas é um tema complexo e novo no meio acadêmico. Em
um texto de Morosini e Franco (2001), verificamos que no “Dearing Report é
afirmado que: a função primária da educação superior é a preparação para o mundo
do trabalho. Tal pressão deságua na concepção de employability” (2001, p.4).
A empregabilidade, no Brasil, está sendo discutida nos meios acadêmicos
há pouco tempo. Por isso, questionaremos este tema valendo-nos de alguns
estudos estrangeiros.
Em pesquisa publicada na Association for Institutional Research,
realizada por Delaney (2005), foram avaliadas e escutadas a voz dos estudantes,
verificando a qualidade do seu curso de graduação. As questões levantadas neste
estudo: em que extensão o aluno graduado pensa que a faculdade melhorou suas
habilidades; como os alunos estão satisfeitos quanto às experiências acadêmicas
e a vida estudantil; como o aluno avalia o impacto da faculdade e variação da
satisfação por gênero e cidadania; quais são os predicados dos graduados na
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
157
satisfação geral e na reavaliação da faculdade, caso escolham a mesma para
voltar a estudar. Foi aplicada uma pesquisa quantitativa, que trouxe informações
relevantes para avaliar a qualidade da graduação por parte dos alunos, sua
satisfação e conhecimento adquirido.
Alguns autores avaliaram a qualidade a partir da empregabilidade
e do impacto social do profissional no mercado de trabalho. Knight e Yorke
(2003), estabelece o significado para empregabilidade como sendo: “A set of
achievements, understandings and personal atributes that make individuals more
likely to gain employment and be successful in their chosen occupations5 (2003,
p. 5)”. O mesmo autor definiu critérios de qualidade, dividindo em qualidades
pessoais, habilidades centrais e habilidades de processo, e, enfocou, dentro
destes três itens, vários pontos para análise, como: qualidades pessoais (maleável
autoteoria; autoconsciência; autoconfiança; independência; inteligência
emocional; adaptabilidade; tolerância ao estresse; iniciativa; desejo de aprender;
refletir); habilidades centrais (efetividade na leitura; habilidade de usar números;
retenção de informação; habilidade para acessar diferentes fontes; habilidades
lingüísticas; autogerenciamento ; análise crítica; criatividade; compreensão;
comunicação escrita; apresentação oral; explicar bem e consciência global –
econômicos e culturais) e habilidades de processo (habilidades com Software;
conhecimento comercial; sensitividade política; habilidades para trabalhar com
outras culturas; sensitividade ética; priorização; planejamento; habilidades de
aplicar um conhecimento; agir moralmente; habilidade para lidar com situações
complexas e ambíguas; solucionar problemas; influenciador; saber argumentar
e justificar um ponto de vista ou ação; resolver conflitos; tomador de decisão;
negociador e trabalho em equipe) (KNIGHT e YORKE, 2003).
Os pressupostos, levantados por Knight e Yorke (2003) para avaliar a
qualidade do ensino superior, mostram o grande desafio que têm as universidades,
pois devem desenvolver nos acadêmicos habilidades, conhecimentos e atitudes
pessoais a partir dos aspectos mencionados pelo autor. Para Morosini (2001):
“Entre as concepções de qualidade universitária identifica-se a tendência ao
isomorfismo, à diversidade e à equidade” (2001, p.3).
É importante ressaltar que as formas de desenvolvimento do ensino
superior são diferentes de uma região para outra e de um país para outro,
pois há características peculiares a cada localidade, assim como a vinculação
do ensino superior com o mundo do trabalho tem especificidades de cada
região (TEICHLER, 2005).
Um conjunto de realizações, entendimentos e atributos pessoais que tornam os indivíduos mais propensos a
obter um emprego e ser bem sucedidos na profissão escolhida.
5
158
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
A conquista de um emprego, ou seja, tornar-se empregável e manter-se
no mesmo também representa uma tarefa difícil, uma vez que as necessidades do
mercado de trabalho determinam um constante aprimoramento de conhecimentos,
habilidades, atitudes que, sintonizadas, vem ao encontro das exigências dos
stakeholders (HARVEY, 1999). É alinhar as necessidades do mercado de trabalho,
com possibilidades para os egressos e para o desenvolvimento do ensino superior.
O autor Teichler (2005), menciona conexões entre o ensino superior e o
trabalho. Eis o resultado esperado dos egressos:
Flexibilidade, capacidade e desejo de contribuir com
inovações e criatividade, capacidade de fazer frente às
incertezas, interesse em seguir aprendendo e preparação
para fazê-lo ao longo de toda vida, sensibilidade social e
habilidades para se comunicar, capacidade de trabalhar em
equipe, disponibilidade para assumir responsabilidades,
empreendedorismo, capacidade de preparar-se para a
internacionalização do mercado, trabalhar em diferentes
culturas e versatilidade em competências genéricas que são
comuns em diferentes disciplinas (TEICHLER, 2005, p.51).
Vários itens que constam do texto de Teichler (2005), também aparecem
em autores citados anteriormente, pois ao analisarmos o desenvolvimento
acadêmico e as necessidades de mercado verificamos que, atualmente, muito
mais do que a busca de um diploma, o profissional precisa estar preparado para as
mudanças, para os desafios e para as possibilidades que um mundo globalizado
oferece e até mesmo determina.
No Brasil, as exigências do mercado de trabalho aumentaram para os
jovens graduados, da mesma forma que houve crescimento, nos últimos anos, do
percentual de desemprego para a camada mais jovem da população, conforme
dados do IPEA/FGV. Esses registros mostram um panorama de apreensão, pois
temos questões econômicas e sociais relevantes, como a participação da mulher
cada vez maior no mercado de trabalho, além da entrada de ferramentas de
tecnologia o que, às vezes, pode diminuir a oferta de trabalho, como, outras
vezes, representar uma nova possibilidade de trabalho.
Assim, é emergente discutir a empregabilidade dos egressos do
ensino superior, Morosini (2004), “identifica na literatura internacional que
empregabilidade não é conseguir empregos para graduados. É muito mais:
o desenvolvimento de capacidade crítica no processo de aprendizagem
continuada (2004, p.94)”.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
159
O desenvolvimento humano se dá ao longo de toda a vida, nunca
paramos de aprender (SCHAIE e WIILIS, 2003), mas a manutenção e o sucesso
no mercado de trabalho são pontos fundamentais no nosso desenvolvimento.
Trabalhar padrões de qualidade do ensino superior para o crescimento e
aprimoramento de indivíduos que realmente geram impacto social com sua
formação, satisfação na vida profissional é o desafio para as Instituições de
Ensino Superior. Sendo assim, formar um profissional com um modelo de
competências, capaz de lhe garantir empregabilidade e estabelecer esse
paradigma ainda é algo novo no nosso modelo de ensino.
Os autores colocam vários itens que são importantes para o
desenvolvimento acadêmico. Vemos as características dos pré-universitários,
que estão relacionadas a fatores pessoais; as práticas pedagógicas, que
são organizadas e aplicadas aos acadêmicos, e que também podem estar
relacionadas a questões individuais e à história de cada aluno e professor
(TARDIF, 2003); ganhos de competências, que se dará pelo desenvolvimento
e é muito individual de cada acadêmico; e o clima da sala de aula, que envolve
todos os aspectos anteriores.
Consideramos esse envolvimento como geral, uma vez que o acadêmico
chega ao ensino superior com suas necessidades, aspirações e histórico familiar.
Cabe ao professor, com sua vivência e com o clima em sala de aula proporcionar
a cada aluno o desenvolvimento de suas habilidades e competências de forma
diferenciada, despertando, em cada um, o interesse pelo conhecimento em
todas as questões presentes na figura e comentadas acima, sabendo-se que não
são questões mensuráveis de forma igualitária a todos os acadêmicos. Avaliar
estas questões com o egresso pode fornecer o panorama do desenvolvimento
dele na faculdade, seu ganho pessoal, sua ascensão profissional e realização no
ambiente de trabalho.
Para o autor Schwartzman (2008) a maioria dos alunos de
administração busca uma formação adicional e maior acesso ao mercado de
trabalho, mas a formação especializada se dá, cada vez mais, nesse caso, nos
cursos de pós-graduação.
Para o desenvolvimento todos buscam cursos de qualidade, reconhecidos
no mercado, em instituições consolidadas. A qualidade que, há algum tempo,
chegou a ser vista apenas como um modismo tomou outros rumos. Hoje é cobrada
pelo MEC, pelas empresas e pela comunidade e está no centro de muitas discussões
do país, assim como nas normas e regras que regulam o ensino superior.
160
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
A busca pela qualidade é uma realidade na nossa sociedade atual. Processo
iniciado em boa parte do mundo, no final dos anos oitenta, atingiu seu ápice nos
anos noventa no Brasil. A partir daquele momento, tornou-se fundamental para o
crescimento de qualquer instituição; é fortemente cobrada, em todos os serviços
e bens, seja na área pública ou privada.
Neste contexto, analisamos a qualidade no ensino superior de forma
ampla, verificando as discussões decorrentes no meio acadêmico e empresarial,
os conceitos e algumas posições sobre a cobrança da qualidade no ensino e as
formas de avaliação.
Para OECD (2008, p. 1)
A qualidade da educação fornecida é igualmente
importante para assegurar que graduados terciários
estejam efetivamente equipados para participar na nova
economia e na sociedade com liberdade, dessa forma
sendo preparados para subseqüentemente engajar-se em
atividades de aprendizado permanentes a fim de atualizar
seu conhecimento e suas habilidades, assim como as
fronteiras de conhecimento se distanciam.
O ensino de qualidade para algumas instituições de ensino superior
parece uma imposição de formas e processos a serem atendidos, mas longe de ser
uma imposição é antes disso uma necessidade, pois com o crescimento do ensino,
de cursos, de faculdades é premente regular e sistematizar um conceito mínimo
para os cursos e formações, de maneira universal, guardando as diferenças e
especificidades de cada área.
Para Leite (2009), é como se as organizações estivessem pressionadas
pela qualidade em avaliação. Para algumas IES, a avaliação e o recebimento de
avaliadores do MEC parecem um “monstro”. “Por outro lado, qualidade e avaliação
tornam-se, por vezes, ameaçadoras quando provém de um estado avaliativo e
“legisferante”; participação e avaliação tornam-se portadoras de reconhecimento
público quando oriundas de comunidades internas” (LEITE, 2009, p. 7).
A tensão está formada no meio do ensino superior: por um lado, tem um
Estado que legisla, cobra qualidade e permite pouca autonomia às Universidades
e, por outro lado, também temos a comunidade, com amplo acesso a todo o tipo
de informações, pressionando e exigindo cada vez mais o ensino de qualidade.
O processo de avaliação da qualidade do ensino superior aparece,
inicialmente, nos primórdios da Universidade Medieval como algo interno das
instituições de ensino, mas, a partir da década de 1980, torna-se uma preocupação
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
161
pública, onde os governos e a comunidade começam cada vez mais a cobrar e a
pedir prestação de contas sobre a mesma (AMARAL, 2009).
Avaliação e qualidade são temas recorrentes. Há bem pouco tempo a
grande maioria das Universidades sequer aceitava a sua cobrança, colocando-se
em um local de superioridade e longe das avaliações de mercado. Agora todas
as IES são avaliadas por diferentes atores sociais. A discussão também é ampla
no sentido de indicar o que é qualidade, como pode ser medida e diferenciada de
uma instituição para outra: definir os critérios, os diferenciais e dar uma nota é
questionado pelas IES a todo o momento.
Para Morosini (2009, p. 3):
Entre as concepções de qualidade universitária identifica-se
à tendência ao isomorfismo, a diversidade e à equidade. Isomorfismo está relacionado à estantardização, com o predomínio do critério de empregabilidade; diversidade está relacionada à consideração das especificidades das instituições e/ou
cursos; e equidade à avaliação social.
Avaliar a qualidade é um processo complexo, que inclui atores
diferentes e diferentes papéis: “a avaliação adquire especial significado quando
se consideram o contexto social, a cultura avaliativa do país no âmbito da
educação e as tendências pedagógicas” (ENRICONE e GRILLO, 2003, p. 47).
A partir do processo de avaliação da qualidade das IES, é possível indicar
outras diretrizes de desenvolvimento do ensino superior, repensar processos
que fortaleçam a educação brasileira.
“A palavra avaliação, dentre os seus significados, quer dizer: medir, comparar,
analisar, significa valorar pela emissão de juízo de valor” (FREITAS, 1997, p. 19);
assim, há bem pouco tempo, as formas de avaliação não estavam claras e as medidas
também eram imprecisas. Com a instalação de um processo de avaliação da qualidade
no ensino superior cada vez mais organizado, ainda que questionado por muitos, os
parâmetros são cada vez mais trabalhados pelo SINAES, em que a avaliação da
qualidade tem diferentes abordagens, pretendendo alcançar todo o contingente e
abrangência do ensino superior, avaliando os cursos, os egressos, as IES.
O ensino superior tem um desafio muito grande que é inserir nas suas
práticas todos os indicativos do MEC, das diretrizes curriculares, bem como os
anseios da sociedade, dos seus clientes e ser efetivo para garantir a entrada no
mercado de trabalho, pois é para o trabalho que a universidade forma e prepara
seus alunos e na sociedade que o aluno deverá gerar impacto e promover o
162
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
crescimento social de todos. Assim, o curso de administração, que é o primeiro
curso em quantidade de alunos no ensino superior, o primeiro em número de
formandos por ano, está desafiado a preparar gestores cada vez mais qualificados
para desenvolverem as empresas de todos os setores sociais.
Desta forma, nos questionamos sobre a qualidade do ensino em
administração, da formação, do currículo e, mais do que isso, do “produto“
final prestado pela Faculdade: que é o conhecimento; até que ponto ele está
correspondendo nos currículos e como preparamos nossos clientes para o
mercado; como está a satisfação dos acadêmicos e a sua motivação para o
desenvolvimento profissional.
É importante ressaltar que a satisfação depende de como cada indivíduo
valoriza alguns aspectos da sua vida, do seu desenvolvimento profissional e
pessoal, por isso é considerado um processo intrínseco de cada pessoa.
Para Robbins (2005, p.23), a satisfação no trabalho pode ser definida
como: “o conjunto de sentimentos que uma pessoa possui com relação ao seu
trabalho. [...] é mais uma atitude do que um comportamento”. Já para Abreu (2002,
p.18) “é o estado de conforto obtido com o atendimento de uma necessidade”.
Robbins (2005, p. 66): afirma que “a avaliação da satisfação de uma
pessoa é muito mais ampla, pois é o resultado de uma complexa somatória
de diferentes elementos”. A autoavaliação da satisfação no trabalho tem os
componentes relacionados às questões monetárias e não monetárias, como o
trabalho que se faz, o reconhecimento que o indivíduo tem no seu trabalho e as
suas preferências pessoais. A satisfação é chave determinante para o bem estar
dos indivíduos no trabalho (VILA, GARCIA-ARACIL, MORA, 2007).
É identificada a congruência entre a satisfação no trabalho e a
graduação escolhida. Para Wolniak e Pascarella (2005) há uma evidência
considerável no campo da sociologia com a satisfação de trabalho, dizendo
que existe dentro de uma ordem causal, como um resultado da sua remuneração
e da sua formação indiretamente.
Os autores identificaram duas hipóteses de congruência para a busca da
graduação e maior especialização para chegar à satisfação no trabalho: habilidade
de ter melhores ganhos financeiros - esse com maior indicativo, conforme a área
de formação e a outra, de realizar um trabalho melhor, com retornos positivos para
a sua carreira (WOLNIAK e PASCARELLA, 2005). Na teoria de Holland (1997),
a congruência é dada pela personalidade com o ambiente, em que o indivíduo, a
partir das suas características pessoais, vai escolher uma profissão em que possa
melhor exaltar suas qualidades.
163
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
Cabrera, Vries e Anderson (2008), incluem a congruência entre a
faculdade e o mundo do trabalho: o local onde o trabalho está inserido, meio
econômico, social, bem como o trabalho realizado. Estas questões de trabalho, no
Brasil, fizeram aumentar a procura pelo curso de administração: curso com uma
formação generalista e, em grande parte, com boa procura de estagiários, sendo
que os profissionais formados podem atuar em diferentes atividades da nossa
economia. Os alunos enxergam na faculdade de administração a possibilidade
de melhorar seus rendimentos, de ter uma profissão reconhecida e também
ter amplas possibilidades de trabalho, pois podem atuar em todos os tipos de
empresas e negócios.
A qualificação que o egresso terá ao final do seu curso é percebida
a partir de algumas questões que estão no cerne desta pesquisa. Para Bergan
(2007) apud Morosini (2009, p. 3) a qualificação é a relação existente entre
conhecimentos desenvolvidos durante o processo educacional e demandas do
mundo do trabalho.
Sugestão de indicadores de
graduação em administração
qualidade
da
Somados aos indicadores existentes atualmente, no Ensino Superior
de administração, das IES, do conselho de classe e do MEC. Indicamos com o
desenvolvimento do estudo realizado no ano de 2009, através da survey e do
grupo focal, com os conhecimentos da pesquisadora sobre a área e alicerçados no
referencial teórico, sugerimos para a área de ensino superior em administração os
seguintes indicadores:
- % Percentual de aulas teóricas x % aulas práticas.
- % Utilização de estudos de casos na graduação de administração.
- % Atividades complementares práticas que os alunos se envolveram na graduação de administração.
- Tempo de trabalho acadêmico dos professores x tempo de trabalho
em outras atividades.
Entendemos que estes indicadores ajudariam as IES a organizarem melhor
o seu corpo docente e principalmente formar profissionais administradores com
maior qualidade para enfrentar as demandas do mercado de trabalho. Muitas IES
164
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
investem valores bem expressivos em treinamento pedagógico dos professores
que entendemos que é relevante, mas na área de administração os investimentos
também poderiam ser direcionados para formar mais professores em jogos de
empresas e também em programas de visitas e estágios onde pudessem cruzar
teoria e prática, para depois desenvolver o aprendizado com os seus alunos.
Desenvolver um currículo de administração onde as competências sejam
desenvolvidas, com o enfoque de qualidade com a tendência do isomorfismo,
da diversidade e da equidade (MOROSINI, 2009), buscando desenvolver um
profissional qualificado para atender as demandas do mercado e principalmente
um egresso que possa gerar impacto social com o seu conhecimento e uma
mudança que traga benefícios sociais para todos.
A proposta apresentada tem o objetivo de indicar que o desenvolvimento
do ensino está fortemente alicerçado em um currículo bem constituído e
elaborado, que possa ser executado por docentes capacitados e habilitados. E
que o ensino pode e deve ser medido; sua qualidade, seu desenvolvimento, pois
inserindo mais indicadores, teremos uma forma de avaliar e melhorar o ensino
superior de administração.
No livro de Mintzberg (2006) direcionado para os cursos de MBA
americanos, mas que também podemos aproveitar este conhecimento; ele
faz uma crítica a ter um modelo de ensino somente embasado em prática de
estudos de casos e diz que é a teoria que consolida os casos. Nas faculdades de
administração ainda não temos a prática consolidada em todas as disciplinas,
de utilizar estudo de casos ou jogos de empresas. Entendemos que no ensino
superior de administração temos que encontrar a medida entre ter muitos estudos
de casos, ou práticas e teoria e tornar as aulas mais atrativas, com um aprendizado
ativo, onde alunos e professores construam o conhecimento.
Conclusões e Sugestões
A qualidade da educação é um tema amplamente discutido na nossa
sociedade. Ela é utilizada pelo Estado como principal critério para avaliar as IES
e os cursos superiores, bem como a sociedade de forma geral também avalia os
cursos por suas notas e resultados.
Este estudo discutiu a partir dos teóricos e do curso de administração
a empregabilidade, o mundo do trabalho e própria evolução da profissão de
administrador.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
165
Analisamos a qualidade do ensino superior a partir da congruência, sendo
que os egressos identificaram diferentes aspectos relacionados à congruência e à
satisfação no trabalho e satisfação com a IES.
Ao final da análise, apontamos indicadores de qualidade do ensino superior
de administração que entendemos que as IES podem incorporar nos cursos de
Administração, junto aos indicadores que já utilizam. Consideramos, que a partir
destes indicadores, outros trabalhos devem ser desenvolvidos e apropriados para
cada realidade e para cada cultura diferenciada que temos no nosso país, podendo
aprimorar os sistemas de avaliações do ensino superior em administração.
Concluímos que o estudo da qualidade é amplo e específico, devendo
contar com profissionais altamente qualificados, para que uma avaliação
criteriosa e sistemática possa, cada vez mais, trazer para as IES e para sociedade
um ensino superior de qualidade, juntamente com uma mudança social e impacto
social, gerado pelos conhecimentos e competências adquiridas pelos egressos na
sua vida acadêmica.
Confirmamos que a qualificação está diretamente relacionada à
qualidade do ensino superior, as práticas de sala de aula. Mas a participação
dos alunos durante a graduação é o fator fundamental para sua empregabilidade
e para o seu sucesso profissional.
Acreditamos que formar administradores é um desafio para os
professores. No entanto, ter a oportunidade, enquanto profissionais, de ajudar
outras pessoas a se desenvolverem e, ver, a partir delas, o impacto social que
isso pode gerar, é algo que gratifica. Por isso, pensamos que a pesquisa na área
de administração deve ser estimulada e ampliada, com respeito, com coerência e
principalmente com muita responsabilidade.
O estudo da qualidade do ensino superior em Administração está em
construção, uma vez que ainda estamos aprendendo. O caminho é longo e
sempre deve ser alimentado e realimentado para buscar, cada vez mais, um
ensino com qualidade, com apoio das políticas do governo, das empresas e de
toda a sociedade. A construção de profissões fortes e reconhecidas, sabemos, se
dá pela chancela da sociedade como um todo.
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QUALIDADE E COMPROMETIMENTO DO ESTUDANTE1
Vera Lucia Felicetti2
Introdução
N
ovos paradigmas educacionais emergem na Educação Superior
brasileira. É uma década de transformações. Dentre os paradigmas,
a qualidade é o desafio do século XXI. Desafio este como marca de novas
perspectivas para o desenvolvimento econômico, social e humano de uma nação.
Tais perspectivas denotam a relevância desse nível de ensino, pois a ele compete
a formação dos mais diversos quadros profissionais, culturais e científicos.
Devido a importância de uma formação de qualidade, esta vem sendo
no Brasil, nos últimos tempos, o cerne de discussões e reformas educacionais.
Entre os princípios da Constituição Brasileira, aponta-se que é de competência
dos órgãos de governo garantir que o ensino seja ministrado com base em padrões
de qualidade e na igualdade de condições para o acesso aos níveis mais elevados
do ensino (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN define padrões de qualidade como “a variedade e quantidade mínima,
por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem.” (BRASIL, Art. 4o, alínea IX, 1996).
O Plano Nacional de Educação – PNE tem entre seus objetivos a
definição de diretrizes, metas e estratégias de implementação de modo a
assegurar o desenvolvimento e a manutenção do ensino, em todos os seus
níveis, através de ações integradas dos poderes públicos que conduzam à
melhoria da qualidade do ensino, logo na melhoria da formação profissional,
humanística, científica e tecnológica (BRASIL, 2001).
Percebe-se na Constituição, na LDB e no PNE preocupações voltadas
à qualidade da Educação Superior pautadas em três dimensões: 1) Processo:
relacionado à existência de insumos que propiciam a manutenção e desenvolvimento
de um ensino de qualidade, entre eles destaca-se a avaliação do ensino. 2) Entrada:
aqui tem-se aspectos relacionados ao acesso do estudante nesse nível de ensino,
e 3) Resultados: voltados à permanência do educando na instituição de ensino e a
sua formação para o mercado de trabalho. Estas dimensões são determinadas pela
Constituição Federal, garantidas pela LDB e implementadas pelo PNE.
Este texto tem uma versão inicial no Pré-Projeto de Tese Comprometimento do Estudante: um elo entre
aprendizagem e inclusão social.
2
Bolsista CAPES. Integrante Programa de Pesquisa conjunta CAPES/PUCRS/Universidade do Texas.
1
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
173
Os aspectos de entrada, processo e resultados que permeiam a questão
da qualidade da Educação Superior não são explicitamente assim denominados
nos documentos oficiais brasileiros, entretanto, eles são aspectos de relevantes
estudos em âmbito internacional, uma vez que organizam a complexidade
existente no universo da qualidade educacional. Segundo a OECD (2008) a
crescente internacionalização da Educação Superior tende a estabelecer padrões
semelhantes de garantia de qualidade entre os países, e as dimensões entrada,
processo e resultado definidas por Harvey (2004-2009), permitem a identificação
e organização de padrões universais.
Estudos de Harvey (2004-2009) apontam o conceito de qualidade como
sendo um construto complexo, pois além de abranger dimensões múltiplas de
entradas, processos e resultados, abrange a maneira como essas dimensões
acontecem ao longo do tempo.
Fatores de entrada estão relacionados às características iniciais dos
estudantes envolvidos nesse contexto tais como suas perspectivas quanto ao curso,
seus objetivos e aspirações pessoais, suas aptidões, habilidades e talentos, sua etnia,
nível socioeconômico e também às características do currículo; o fator resultado/
saída observa os resultados da aprendizagem desenvolvidas e/ou adquiridas durante
a vida acadêmica, a permanência do aluno na instituição de ensino, a satisfação
dos graduados e empregadores, ou seja, está associado, às transformações e/ou
melhorias desenvolvidas nas aptidões, habilidades e talentos; e o fator processo
diz respeito a tudo que é realizado durante o desenvolvimento educacional, aborda
o ensino, a aprendizagem e a avaliação (HARVEY, 2004-2009; SCHOMBURG;
TEICHLER, 2008; CABRERA; LANASA, 2005).
Estudos de Schomburg e Teichler (2008) mostram um modelo conceitual
de análise na Educação Superior, no qual as dimensões quanto a qualidade na
Educação Superior são organizadas. Isso está representado na figura 1.
174
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Figura 1: Modelo de análise na Educação Superior
Fonte: Traduzido e adaptado de Schomburg e Teichler (2008) pela autora.
Sob esse viés, a garantia da qualidade se dá de forma sistemática,
estruturada e contínua, voltada para a manutenção e melhoria da qualidade
(VROEIJENSTIJN, 1995). Isso se resume, na prática, de acordo com Woodlhouse
(1999), à necessidade de políticas, ações e procedimentos que assegurem que a
qualidade está sendo melhorada e mantida.
Uma das ações que proporcionam acompanhar a trajetória da qualidade
educacional é dada via avaliações. Um dos objetivos do PNE remete-se a
“Institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação interna e externa
que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do
ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica” (BRASIL, 2001, p.43).
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES,
busca assegurar a “integração das dimensões internas e externas, particular
e global, somativo e formativo, quantitativo e qualitativo e os diversos
objetos e objetivos da avaliação” (BRASIL, 2007, p. 88). O SINAES envolve
diferentes instrumentos, momentos e sujeitos (órgãos reguladores, avaliadores,
instituições, dirigentes, professores e alunos).
Sob essa perspectiva a avaliação da qualidade abrange diferentes
enfoques: a avaliação voltada aos gestores, aos docentes, aos alunos e outros.
Tem-se, então, a reduzação do papel do estado, e entram em cena novos
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
175
protagonistas, entre eles o aluno, o qual foi visto, por longo tempo, como ator
coadjuvante dentro das instituições de Educação Superior.
O texto a seguir abordará a relação existente entre o aluno e a qualidade
do ensino na Educação Superior. Versará sob o comprometimento do estudante
e os principais indicadores de comprometimento durante o processo de ensino
e aprendizagem capazes de intervir para com a melhoria da qualidade da
Educação Superior.
Comprometimento e seus benchmarks
Um dos mais recentes temas de estudo no Brasil, acerca da qualidade
na Educação Superior, tem o foco no aluno, ou seja, na avaliação do seu
desempenho (MOROSINI, 2010). Tem-se aqui um novo olhar no processo de
ensino e aprendizagem, pois além de se avaliar gestores, professores e outros,
os alunos passam a ser avaliados. Nada mais natural, uma vez que ele é o
principal protagonista no contexto educacional. Assim, o velho e tradicional
discurso responsabilizando a instituição pela não obtenção de emprego e/ou
não conclusão do curso pelo aluno, bem como a responsabilização do professor
pela não aprendizagem, passa a ter um novo personagem no rol de responsáveis:
o próprio estudante.
As instituições de Educação Superior e os professores têm, certamente,
uma série de responsabilidades, os primeiros em administrar recursos, programas,
procedimentos, normas e incentivos que venham intervir na aprendizagem
e no desenvolvimento do estudante; os professores utilizando “boas práticas
em Educação Superior” tais como: técnicas de aprendizagem ativa, feedback
imediato, enfatizando tempo na tarefa, respeitando diferentes talentos e estilos
de aprendizagem, desenvolvendo reciprocidade e cooperação entre os estudantes
e incentivando-os de modo a proporcionar um melhor desenvolvimento na
aprendizagem (CHICKERING; GAMSON, 1987). Entretanto, os alunos
também são responsáveis para com os resultados que obtêm, devido à qualidade
de esforços que investem na sua aprendizagem, bem como da utilização que
fazem dos recursos disponibilizados pelas universidades para esse fim. Isso
abrange o comportamento do estudante, destaca o que ele faz, como faz e o
quanto ele faz para melhorar a sua aprendizagem, em suma, põe em destaque
o comprometimento do aluno no percurso acadêmico. “Entende-se, então, por
comprometimento com a aprendizagem, a relevância dada ao como aprender,
176
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
isto é, a variedade e intensidade de meios utilizados para tal, como também o
tempo disponibilizado para esse fim” (FELICETTI; MOROSINI, 2008, p. 2).
Assim, a qualidade da aprendizagem, logo a qualidade da formação
acadêmica está atrelada ao esforço empenhado pelo estudante. Segundo
Pace (1979, 1981, 1984) a qualidade da experiência educacional depende da
qualidade do esforço investido durante o processo de aprendizagem. “Toda
aprendizagem e desenvolvimento requer um investimento de tempo e esforço
do aluno. O tempo é uma dimensão de freqüência. Esforço é uma dimensão
de qualidade, no sentido de que alguns processos educacionais exigem mais
esforços do que outros”. (PACE, 1984, p. 4).
Certamento o esforço e dedicação variam de acordo com o grau de
exigência de cada curso, o mesmo ocorre com os alunos, alguns necessitam
uma maior dedicação de tempo e esforço para com sua aprendizagem. Porém, a
necessidade do comprometimento do aluno com sua aprendizagem é fundamental
à todos os estudantes, independente da característica discente ou do tipo de curso.
Para Astin (1984, p. 297) o “envolvimento estudantil se refere ao
montante de energia física e psicológica que o estudante dedica à experiência
acadêmica”, isto é, um aluno que gasta energia estudando, participando
ativamente de atividades estudantis e frequentemente interagindo com
professores e colegas tem maior probabilidade de progresso na aprendizagem
do que aquele que negligência os estudos, não participa de atividades escolares
e nem interage com colegas e professores.
Estudos de Pascarella e Terenzini apontam que: “O impacto na
universidade é, largamente determinado pelo esforço individual e pelo
desenvolvimento no âmbito acadêmico, interpessoal e extracurricular ofertados
no campus”(2005, p. 602).
Os estudos de Tinto (1987) voltados para a permanência do estudante
na instituição de ensino apontam que a disposição do aluno em trabalhar para
a realização das suas metas é um componente importante para a persistência
na Educação Superior. Enquanto que a falta de vontade ou comprometimento
demonstra ser um estímulo à evasão. “O fato inevitável é que para a conclusão
universitária requer-se algum esforço” (TINTO, 1987, p. 44).
Os resultados de pesquisas e estudos destacam a importância do
envolvimento como um indicador de desempenho do estudante, isso sugere que
o envolvimento do aluno é uma medida de qualidade institucional.
Nos estudos de Kuh (2009), Kuh e outros (1991, 2005) o termo
engajamento é geralmente utilizado para representar construtos tais como a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
177
qualidade do esforço, ao passo que o envolvimento é usado em atividades
produtivas de aprendizagem. No Brasil termos com ideias similares são
utilizados por Felicetti e Morosini (2008) quando se referem a comprometimento
e compromisso do estudante com a aprendizagem.
Pesquisadores como Cabrera e outros (1999), Kuh, Palmer e Kish
(2003) apontam o engajamento como um fator que intervém positivamente
para o ajuste do estudante na universidade. Para Harper (2009), um ativo
engajamento do estudante em atividades universitárias, dentro ou fora da
sala de aula, é visto como uma possibilidade de sucesso no meio acadêmico,
proporcionando o desenvolvimento do discente em inúmeras áreas, e ainda
estimulando-os a persistirem na universidade; esse mesmo autor aborda o
aumento do desenvolvimento social dos alunos dado a um maior engajamento
(HARPER, 2008); a proposta de engajamento educacional, de acordo
com Anaya (1996) e Baxter Magolda (1992) produz ganhos e benefícios
no desenvolvimento cognitivo e nas habilidades mentais dos estudantes;
outros pesquisadores destacam o desenvolvimento psicosocial relacionado
ao engajamento e com questões de identidade, associadas a gênero e raça,
proporcionando uma auto-imagem positiva (HARPER, 2004; TORRES;
HOWARD-HAMILTON; COOPER, 2003); e ainda, há estudos que indicam
maior desenvolvimento étnico e moral associado ao engajamento (EVANS,
1987; REST, 1993).
As pesquisas acerca do engajamento estudantil têm mostrado
resultados que repercutem positivamente na formação do estudante como um
todo. A aprendizagem e o desenvolvimento pessoal são influenciados pelo
comportamento do aluno bem como pelas características institucionais. O
National Survey Student Engagement – NSSE usou uma combinação de análises
conceituais e empíricas para identificar pontos de referência (benchmarks), ou
seja, indicadores de práticas educativas eficazes que podem indicar a relação
entre o sucesso acadêmico e o engajamento/comprometimento estudantil. Esses
indicadores foram baseados em quarenta e duas questões-chave do NSSE as
quais estão relacionadas às experiências dos estudantes (KUH, 2009).
Os cinco benchmarks de efetiva prática educacional, segundo Kuh
(2009) são:
1. Nível de desafio acadêmico. Um elemento central para uma aprendizagem
de qualidade é desafiando o aluno a um trabalho criativo e intelectual.
As universidades podem promover elevados níveis de sucesso estudantil,
178
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
enfatizando a importância do esforço e estabelecendo grandes expectativas para
o desempenho dos alunos. As atividades e condições para isso são:
−Preparando para a aula: estudando, lendo, escrevendo, pesquisando e
demais atividades relacionadas à disciplina;
−Enfatizando o tempo de estudo e trabalho em tarefas acadêmicas no
ambiente do campus;
−Quantidade de leituras de livros texto, livros, ou livros referentes ao
curso;
−Quantidade textos e/ou artigos escritos com vinte páginas ou mais, entre
cinco e dezenove páginas, e a quantidade abaixo de cinco páginas;
−Trabalho que exigiu seu esforço além do esperado para satisfazer as
metas ou expectativas de um instrutor;
−Trabalho de curso enfatizando a análise dos elementos básicos de uma
idéia, uma experiência, ou teoria;
−Trabalho de curso enfatizando a síntese e organização de idéias,
informações, experiências novas, interpretações mais complexas e
relacionamentos;
−Trabalho de curso enfatizando a tomada de decisões sobre o valor das
informações, dos argumentos, ou métodos;
−Trabalho de curso enfatizando aplicação das teorias e conceitos em
problemas práticos ou em situações novas.
2. Aprendizagem ativa e colaborativa. Os alunos aprendem mais quando estão
envolvidos intensamente na sua educação e quando lhes é pedido para pensar
sobre o que estão aprendendo em diferentes contextos. Colaborando com outras
pessoas na resolução de problemas ou situações difíceis os prepara para as
circunstâncias hodiernas na faculdade bem como fora dela:
−Perguntando em aula ou contribuído para com as discussões;
−Fazendo apresentações em aula;
−Trabalhando com outros estudantes em projetos durante as aulas;
−Trabalhando com seus colegas fora da sala de aula para preparar a tarefa
de aula;
−Sendo tutor ou tutorado por outros estudantes;
−Participando em um projeto comunitário como parte do curso regular;
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
179
−Discutindo idéias a partir de leituras ou aulas com seus colegas ou outras
pessoas fora da aula.
3. Interação aluno-professor. Os alunos aprendem mais facilmente a pensar e
resolver problemas práticos através da interação com os professores, tanto dentro
quanto fora da sala de aula. Os professores passam a ser modelos, mentores e
guias para a contínua aprendizagem ao longo da vida:
−Discutindo a aula ou tarefas com um instrutor;
−Falando sobre planos de carreira com um professor ou conselheiro;
−Discutindo idéias a partir de suas leituras ou aulas com professores fora
da aula;
−Trabalhando com professores em outras atividades do curso, como por
exemplo, comitês, atividades da vida estudantil e assim por diante;
−Recebendo prontamente o feedback dos professores sobre o desempenho
acadêmico;
−Trabalhando com professores em projetos de pesquisa fora da sala de aula.
4. Enriquecendo experiências educacionais. Oportunizar atividades
complementárias de aprendizagem dentro e fora da sala de aula ampliam os
programas acadêmicos. Diversidade de experiências ensina aos estudantes
valiosas coisas sobre os outros e sobre si mesmos. Tecnologia facilita a
colaboração entre instrutores e colegas. Estágios e serviços comunitários são
oportunidades para integração e aplicação de conhecimentos. Isso pode ser
desenvolvido através de:
−Participação em atividades extracurriculares, tais como organizações
estudantis, esportes e outras;
−Serviço comunitário ou trabalho voluntário;
−Estudar no exterior;
−Estudos independente ou maior que o designado;
−Concluindo experiências de graduando, tais como exame abrangente,
teses e outros;
−Prática de estágio, experiências práticas, tarefa extra classe;
−Curso de língua estrangeira;
−Diálogos com estudantes de diferentes raças e etnias;
180
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
−Diálogos com estudantes de diferentes religiões, crenças, opiniões
políticas, ou valores pessoais;
−Usando a tecnologia eletrônica para discutir ou completar uma tarefa;
−Ambiente do campus que proporciona o contato entre estudantes de
diferentes experiências sociais, econômicas, racial ou étnica;
−Participando em comunidades de aprendizagem ou outro programa formal
onde grupos de estudantes realizam duas ou mais aulas por semana juntos.
5. Ambiente de apoio no campus. Estudantes têm melhor desempenho e
são mais satisfeitos na universidade quando estão comprometidos com o
seu sucesso e cultivam um positivo trabalho e relação social entre diferentes
grupos no campus:
−Ambiente do campus proporciona o apoio que o aluno precisa para ter
sucesso acadêmico;
−O ambiente do campus ajuda o aluno a lidar com as responsabilidades
não acadêmicas, tais como trabalho, família e outros;
−O ambiente do campus fornece apoio para o aluno prosperar socialmente;
−Qualidade nas relações com outros estudantes;
−Qualidade nas relações com professores;
−Qualidade nas relações com pessoal do administrativo e escritórios.
O conjunto de benchmarks que permeia o contexto educacional
tem o aluno como principal protagonista, onde o comprometimento deste
nas atividades associadas a cada benchmark do NSSE é considerado
educacionalmente decisivo, pois tais atividades conduzem ao aprofundamento
nos níveis de aprendizagem e na produção de duradouros e contáveis ganhos e
resultados educacionais (KUH, et al., 2005).
A melhoria da qualidade na Educação Superior depende do
comprometimento de todos os envolvidos nesse contexto (MIDDLEHURST;
WOODLHOUSE, 1995) em especial o comprometimento do aluno, uma vez
que “nada nem ninguém pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se
empenhar no processo de aprendizagem.” (TARDIF, 2002, p. 132).
Portanto, a percepção quanto à qualidade do ensino requer medidas
que possibilitem perceber o grau de comprometimento dos envolvidos nesse
contexto, em especial o do aluno. Entretanto, as avaliações no contexto
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
181
educacional brasileiro com relação ao aluno têm como foco o desempenho
do estudante, e não as ações e/ou atividades comportamentais que podem
evidenciar o comprometimento do estudante com a sua aprendizagem.
Limitações e desafios da avaliação discente no
contexto brasileiro
A avaliação do desempenho acadêmico iniciou com a implementação
do Exame Nacional de Cursos – ENC, conhecido como “Provão” em 1996
(BRASIL, 2007). A partir do ENC o aluno passou a ter participação ativa na
avaliação da Educação Superior. Atualmente o Exame Nacional de Desempenho
de Estudantes – ENADE substitui o Provão. O ENADE é componente curricular
obrigatório dos cursos de graduação, e mede o desempenho dos alunos em
relação aos conteúdos programáticos constantes nas diretrizes curriculares de
seus cursos. A aplicação desse exame é acompanhada de um instrumento que
identifica o perfil dos estudantes, a fim de uma melhor compreensão de seus
resultados. Os resultados da avaliação do desempenho dos alunos de cada curso
são expressos por meio de conceitos, ordenados em uma escala de cinco níveis.
A principal inovação do ENADE foi à criação do “Indicador de
Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD), conforme
estabelecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP, é a diferença entre o desempenho médio dos concluintes de
um curso e o desempenho médio estimado para os concluintes desse mesmo
curso” (BRASIL, 2007, p. 213). Esse indicador parece ser mais justo do que os
conceitos ordenados em uma escala como o apresentado no ENADE, uma vez que
considera o perfil dos candidatos, promovendo, assim, uma concorrência entre
indivíduos supostamente nivelados quanto às condições de entrada, ao passo
que o ENADE implica em certa competição entre todos os cursos avaliados,
desconsiderando a bagagem anterior dos candidatos. “O IDD busca uma espécie
de handicap em que os concorrentes são nivelados pelas condições de ingresso
e, dessa forma, propiciando que a disputa se dê em condições mais equilibradas”
(BITTENCOURT, et. al., 2008).
Infelizmente as questões que compõe o Exame Nacional de Desempenho
de Estudantes não caracterizam o comportamento do estudante com relação às
atividades de aprendizagem, ou seja, não evidenciam o comprometimento do
aluno. Assim, as avaliações voltadas ao estudante parecem ignorar totalmente
182
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
a forma como os estudantes melhor aprendem, pois quando se avalia o
comprometimento do aluno em relação a sua aprendizagem se está pondo
em evidência um conjunto de efetivas práticas educacionais que intervêm
positivamente no processo de ensino e aprendizagem. Práticas educacionais que
evidenciam o que o aluno faz para melhor aprender.
Os alunos aprendem lendo, escrevendo, assistindo aula, palestras ou
conferências, discutindo com colegas e professores entre inúmeras outras
atividades. Assim, nada mais natural que avaliar a qualidade e intensidade do
esforço empenhado no desenvolvimento dessas atividades, pois a compreensão
dos desafios que enfrenta a educação superior desse século que está associado
à avaliação do aluno, não pode esquecer as práticas que guiam todo esse
processo, e muito menos o comportamento em relação à elas. Isso evidencia que
o conhecimento não é uma mercadoria transferível, mas sim uma construção
pessoal capaz de estabelecer interligações complexas que se desenvolvem e se
relacionam com a memória no processo de ampliação da compreensão conceitual,
o que permite ao profissional ser autonômo e competente no que faz.
O processo de avaliação discente desenvolvido no Brasil, embora pertença
à dimensão do processo dentro do modelo de análise na Educação Superior, ainda
encontra-se muito limitado, uma vez que avalia apenas o desempenho estudantil.
Certamente inovações como o IDD vêm melhorar a forma avaliativa, mas há a
necessidade de novas formas de avaliar o aluno durante seu percurso na instituição
de ensino. Avaliação como instrumento de transformação social, que oportuniza
a reflexão acerca dos caminhos percorridos durante o processo de ensino e
aprendizagem, avaliação que permita perceber a relação existente entre o aluno e
as maneiras que contribuem para um melhor aprender.
Quando as formas como o estudante pode melhor aprender se tornam
evidentes, há a possibilidade de se repensar, recriar, reorganizar e/ou manter as
formas que melhor intervêm para o sucesso acadêmico, em extensão a qualidade
da formação do aluno, bem como a da instituição a qual ele pertence.
Para se ter melhores efeitos no processo avaliativo do discente, mudanças
substanciais são necessárias. Terá que ser mudada a ênfase nos critérios utilizados
para avaliar a qualidade do ensino. Há a necessidade de uma avaliação que
forneça uma diversidade de abordagens, entre elas as capazes de contemplar
estilos de aprendizagem, de capitalizar de forma mais eficaz os pontos fortes
e fracos dos discentes durante o processo de ensino e aprendizagem.
Portanto, mudanças e/ou o desenvolvimento de novas formas de avaliação
estudantil é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino. Avaliações que
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
183
possibilitem perceber o comprometimento do aluno no processo de ensino e de
aprendizagem. Novas formas de avaliar o aluno representam um dos grandes
desafios na educação superior brasileira. Isso, certamente, se extende para os
demais níveis de ensino, pois uma das missões da educação superior é o alcance
de uma educação de qualidade para todos.
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QUALIDADE E EDUCAÇÃO CORPORATIVA
André Stein da Silveira1
Introdução
A
expansão da educação em diferentes ambientes é uma realidade a ser
considerada. No mundo corporativo esta prática vem acentuandose ao longo dos últimos anos. Caracterizada como educação não formal2, a
chamada educação corporativa, busca a capacitação e o desenvolvimento das
pessoas para as atividades profissionais atendendo necessidades específicas do
“mundo do trabalho”.
Ao estudar o tema durante a construção de sua tese de doutorado o autor
deparou com dificuldades para encontrar informações sobre características,
propostas pedagógicas, planos de ensino, disciplinas ministradas e, sobre
os resultados alcançados. A quantidade crescente de empresas que estão
implantando seus próprios programas de educação não impedem a escassez
destas informações. Segundo Eboli (2010, p. 141) “atualmente estima-se (não
existe um banco de dados confiável) que mais de 300 organizações brasileiras
ou multinacionais, tanto na esfera pública quanto privada, já implantaram e
estão operando seus SECs (Sistema de Educação Corporativa)”.
Apesar das inúmeras matérias noticiadas3 sobre este formato de educação,
pouco se conhece sobre a eficácia dos seus resultados no que diz respeito ao
processo de ensino e aprendizagem. Isto se deve pelo fato de que o sucesso ou
fracasso dos programas interessa aos próprios investidores e aos seus partícipes.
Além disto, a maioria das organizações mantém veladamente uma política de sigilo
das informações e, por questões estratégicas não divulgam detalhes dos programas.
Neste artigo o autor faz um recorte de sua tese trazendo à reflexão o modelo
de avaliação dos resultados e os impactos na qualidade dos programas de educação
1
Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação-PUCRS. Doutor em Educação/PUCRS.
Mestre em Economia – UFRGS. Especialista em Economia Empresarial/UFRGS e Marketing/ESPM.
Economista/ PUCRS. Docente do Programa de MBA e da graduação do Unilasalle. Consultor Empresarial.
e-mail: [email protected]
2
Educação não-formal: “[...] toda a atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do
sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto
adultos como infantis.” Coombs (1968, apud ARANTES, 2008, p. 33).
3
Pesquisa na internet resultou em 4.350.000 notícias com o título “Educação Corporativa”. Disponível
em: <http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&source=hp&q=EducacaoC3A7C3A3o+corporativa&oq=Edu
cacaoC3A7C3A3o+corporativa&aq=f&aqi=g10&aql=1&gs_sm=e&gs_upl=2729l8021l0l8562l20l15l0l3l
3l0l663l5357l2-1.2.5.4l12l0&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.,cf.osb&fp=f6591c96bdf03a97&biw=1366&bih=606.
Acesso em: 18 out. 2011.
188
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
corporativa. Sua investigação, que tinha por objetivo, conhecer os impactos que
a educação corporativa gerava ao desenvolvimento humano de seus partícipes
proporciona agora, as análises que serão discorridas ao longo deste texto.
Na primeira parte do texto o autor abordará conceitos, fundamentações
teóricas e discussões sobre a educação corporativa. Num segundo momento o
autor apresentará as questões metodológicas, principalmente sob o ponto de
vista da construção de um modelo sobre a avaliação de um sistema de educação
corporativa. Na terceira e última parte apresentará suas considerações finais.
Educação corporativa – conceitos e reflexões
Ao fazer o recorte de sua tese intitulada “A educação corporativa e suas
contribuições para o desenvolvimento humano” (SILVEIRA, 2010) o autor
trouxe à discussão o presente tema para instigar possíveis reflexões sobre o
efetivo resultado de tais programas. Sua preocupação ao longo da pesquisa esteve
centrada na descoberta da eficácia dos programas de educação na opinião dos
próprios partícipes. Não tratou-se de uma pesquisa de satisfação e sim de uma
abordagem mais densa, onde procurou através da pesquisa, desvelar a sensação
sobre o desenvolvimento pessoal na ótica dos próprios partícipes.
Segundo Maister (2010), a “Educação Corporativa busca sustentar a
vantagem competitiva, inspirando um aprendizado permanente e um desempenho
excepcional dos valores humanos e, consequentemente, das organizações”.
Para Maister (2010, [sp]):
a educação corporativa tem por finalidade o desenvolvimento
e a educação de funcionários, clientes e fornecedores, com
o objetivo de atender às estratégias empresariais de uma
organização, como meio de alavancar novas oportunidades,
entrar em novos mercados globais, criar relacionamentos
mais profundos com os clientes e impulsionar a organização
para um novo futuro.
As empresas que investem em Programas de Educação Corporativa,
além do desenvolvimento humano pessoal e profissional de seus funcionários,
almejam a conquista de outros benefícios. Dentre eles, pode-se destacar que
desejam apresentar uma boa imagem perante a sociedade, querem a retenção
dos melhores talentos e, por conseguinte, a redução da rotatividade de
pessoal e a formação de equipes mais preparadas e motivadas. Tudo isto leva
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
189
a alcançar também melhores resultados para a empresa, aumentando a sua
competitividade e a própria lucratividade.
Para Chagas in Bayma (2005, p. 154), Gerente-Executivo de Recursos
Humanos da Petrobrás:
O que interessa é o vínculo da atividade empresarial com o
pioneirismo da pesquisa acadêmica, tendo em vista treinar
pessoas numa dimensão de educação continuada, com o
respaldo da universidade. Assim, em vez de catedráticos,
a empresa ganha funcionários tanto atentos à realidade
dos negócios quanto capazes de gerar resultados de alta
qualidade e de atualidade indiscutível para a empresa.
Um aspecto que deve ser considerado ao refletir-se sobre os motivos em
que levam empresas a desenvolverem sistemas próprios de educação é o hiato
que existe entre o que alguém aprende na Educação Formal e as novas tecnologias
disponibilizadas. A “chamada escola formal” nada mais é do que um espaço para
aprendizagem. O desenvolvimento educacional ocorre nos mais diversificados
ambientes. Para Arantes (2008, p. 17) a escola é uma instituição histórica, “Foi
e é funcional a certas sociedades, mas o que é realmente essencial a qualquer
sociedade é a educação. A escola constitui apenas uma de suas formas, e nunca
de maneira exclusiva”.
A evolução tecnológica, aplicada ao trabalho, é muito veloz e
vem causando grandes mudanças nos aspectos culturais e na relação entre
empregador e empregado, é a chamada Revolução Informacional no século XXI
(CAMARGO apud STAREC, 2006). O que aprendemos, nos bancos escolares,
já não é suficiente e não acompanha a velocidade da mudança neste mundo de
tecnologias. A consequência disto é uma defasagem no aprendizado das pessoas,
o que impacta na produtividade e nos resultados da empresa. Surge, então, uma
lacuna, um hiato entre o conhecimento adquirido em sala de aula e o tecnológico,
necessário por força das novas demandas dos negócios.
A Tecnologia permeia, atualmente, todos os segmentos. Os mais
diversos e variados processos requerem, hoje, softwares e hardwares modernos e
adequados, que possam atender a um volume enorme de informações e imagens
que transitam em redes como a Internet.
Segundo Kotler4 citado em artigo publicado na Revista HSMManagement (2009, p. 117):
4
ALERTA VERMELHO permanente. HSM Management, São Paulo: HSM do Brasil, ano 13, n. 75, v. 4, p.
117-123, jul./ago. 2009.
190
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
[...] as empresas precisarão abandonar a sensação
de segurança que haviam construído com políticas,
estratégias e táticas resultantes de anos de tentativa
e erro e aceitar que agora surgiu um ponto de inflexão
estratégica gigantesco. Ou mantém a estratégia e correm
os riscos derivados dessa decisão – o novo ambiente pode
castigar e, inclusive, levar à ruptura-, ou reconhecem a
necessidade de uma nova.
Os sistemas de gestão estão cada vez mais sofisticados e exigem
conhecimentos específicos de áreas que antes não eram trabalhadas. Profissões
mais simples que, anteriormente exigiam do trabalhador apenas o Ensino
Fundamental, hoje requerem conhecimento em Informática e, na maior parte
dos casos, o conhecimento de um segundo, ou terceiro idioma.
Um dos grandes desafios nos programas de educação corporativa
consiste em medir resultados e benefícios dos projetos, ou seja avaliar a
eficácia do ensino e aprendizagem. No contexto da educação formal o estado
avalia e regula. Para Bucci, Motta (2008, apud MOROSINI, 2008, p. 252),
“[...] O estado avalia e o estado regula. A função realmente capaz de garantir
que os cursos satisfaçam a razão pelo qual foram autorizados é a avaliação de
qualidade, renovável periodicamente, conforme dispõe a LDB”.
No contexto dos programas de educação corporativa a avaliação tornase um compromisso interno da própria instituição, não obstante os conteúdos
desenvolvidos e aplicados impactem direta ou indiretamente no ser humano
por conseqüência na sociedade como um todo. O processo de ensino e
aprendizagem, mesmo que no ambiente não formal, afetará o desenvolvimento
pessoal e profissional. Poderá contribuir positivamente, e este é o propósito da
grande maioria das corporações que investem nestes projetos.
Uma das reflexões que se pode fazer é sobre os programas com fraco
conteúdo programático, docentes não preparados e sem acompanhamento
pedagógico. Além disto, há de se pensar a necessidade e aplicação de temas
interdisciplinares.5
5
Abordagem interdisciplinar: “[...] numa primeira aproximação, pode ser caracterizada como a interação existente
entre duas ou mais disciplinas, o que pode ocorrer desde a simples comunicação de ideias aos estudantes sobre
cada uma das disciplinas indo até a integração mútua de conceitos básicos de epistemologia, de terminologia, de
metodologia, de procedimentos e de organização da pesquisa e do ensino a elas relacionado. Esta situação supõe,
portanto, a composição de um grupo de pessoas decididas a encontrar pontos de convergência teóricos ou práticos,
valendo-se de sua formação individual nos diferentes campos do conhecimento – cada um deles com seus conceitos,
métodos, dados e termos próprios. Significa, portanto, que uma abordagem interdisciplinar não despreza nem anula
as características de cada disciplina, mas estabelece o diálogo entre elas, em função de alcançar a compreensão de
algum fenômeno natural ou social complexo ou de solucionar um problema socialmente complexo. O fundamento
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
191
Para Tavares (1997, apud BROILO, 2007, p.286) “não é possível falar e
muito menos compreender, qualquer percurso de formação sem passar por dois
“vectores” essenciais do conhecimento: as diferentes especialidades e campos
da área das ciências da educação, numa perspectiva inter e transdiciplinar”.
O autor do presente texto identificou dois tipos de resultados que
podem ser avaliados. Um deles diz respeito ao resultado gerado objetivamente,
medido por indicadores de desempenho. Trata-se do melhoramento do
desempenho real, podendo ser medido em percentual, em valor, em unidades
produtivas, dentre outros parâmetros. O outro resultado é subjetivo, envolve
comportamento humano. Normalmente é medido por pesquisa de clima
organizacional, ou pelo grau de satisfação dos partícipes para com os próprios
programas de treinamento e desenvolvimento.
Phillips (1997, apud EBOLI, et al., 2010, p. 316) introduziu cálculos
financeiros para mensurar e justificar os resultados em treinamento e
desenvolvimento. Criou o ROI (return over investment ou retorno sobre o
investimento).
O cálculo do ROI dos programas traria os seguintes benefícios à
organização:
Mensura a contribuição de cada programa, determinando
se foi um bom investimento;
Determina que programas contribuem mais para a
organização, determinando prioridades;
Traz um foco nos resultados de todos os programas, não
somente aqueles escolhidos para avaliação financeira;
O processo pode convencer a administração de que se trata
de um investimento, não de uma despesa.
Para o autor a qualidade nos programas de educação corporativa deve ser
avaliada por critérios relacionados ao desenvolvimento humano.
Na página de apresentação da edição brasileira do Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI
(DELORS, 2003), o então Ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato
Souza, sugere que o desenvolvimento: “[...] humano é entendido como a evolução
da ‘capacidade de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do sentido
das responsabilidades’” (DELORS, 2003, p. 9).
principal dessa abordagem é a necessidade de reunir e articular os múltiplos olhares sobre uma determinada realidade
cuja unicidade é normalmente enganosa, especialmente porque não dá transparência imediata à complexidade
homem-sociedade ou homem-natureza”.(BORDAS, in FRANCO, KRAHE (Orgs), 2007, p. 87).
192
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Se a empresa passa a investir na formação continuada, criando
programas educacionais internos, capazes de orientar e motivar seus
funcionários a estudarem e atualizarem-se permanentemente, isto terá um
impacto no desenvolvimento humano dos seus partícipes.
Mosqueira e Stöbaus (1984), ao abordarem o desenvolvimento humano,
preocupam-se mais com o cunho humanista-existencial. Segundo eles, “cremos
que esse foco de estudo se torna cada vez mais específico e, ao mesmo tempo, abre
perspectivas eminentemente novas, que tornam o estudo desafiador e fascinante
em si mesmo” (MOSQUEIRA; STÖBAUS, 1984, p. 67). Para esses autores, “o
desenvolvimento humano é aqui considerado como um fenômeno de toda a vida,
principiando com o nascimento e encerrando com a morte” (MOSQUEIRA;
STÖBAUS, 1984, p. 67).
Os desenvolvimentistas, profissionais que estudam o desenvolvimento
humano, concentram-se na mudança de desenvolvimento. Segundo Papalia
e Olds (2000, p. 25), “a mudança de desenvolvimento é sistemática enquanto
coerente e organizada. Ela é adaptativa no sentido de que tem por objetivo lidar
com as condições internas e externas da existência em constante mutação”.
Em um mundo tão complexo e repleto de variáveis e inter-relações, a
evolução como pessoa e profissional, seja ele um empreendedor, trabalhando
por conta própria ou um funcionário de empresa, implica a compreensão do
ambiente, a motivação individual e a capacidade em ampliar os relacionamentos.
O indivíduo que melhor adaptar-se às mudanças e tiver bons relacionamentos
sociais terá melhores condições de crescimento. É um exercício não somente de
cumprimento de tarefas profissionais no ambiente de trabalho, mas também, de
interação, percepção e participação em determinados contextos. Para tanto, o
conhecimento, as atitudes e a inteligência emocional são fortes ferramentas para a
sobrevivência e o crescimento da pessoa no mundo empresarial.
Segundo Delors (2003, p. 113) “O mundo do trabalho constitui,
igualmente, um espaço privilegiado de educação”. Para ele o conjunto de
habilidades, o valor formativo do trabalho, quando inserido no sistema educativo,
têm muita importância na maior parte das sociedades.
Delors (2003, p. 113) defende que “Devem multiplicar-se as parcerias
entre o sistema educativo e as empresas de modo a favorecer a aproximação
necessária entre formação inicial e formação contínua”. Para ele iria facilitar a
tomada de consciência pelos adolescentes das dificuldades e oportunidades da
vida profissional, ajudando-os a adquirir um conhecimento mais perfeito de si
mesmos e a saber orientar-se.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
193
Chowdhury (2003, p. 5) defende a educação para todos. Segundo ele “é a
estratégia fundamental para a administração”. Para ele a educação para todos “[...]
envolve o treinamento de toda a equipe, sem discriminação, desde o chairman até o
operário da fábrica”. Segundo ele, todo programa de treinamento deve ter um plano
de implementação estratégica e deve ser monitorado pelos gerentes para garantir que
o treinamento não seja perda de tempo. Para ele as iniciativas fracassam porque o
gerenciamento impõe a mudança aos funcionários, em vez de educá-los quanto ao
que a organização planeja fazer. Chowdhury (2003) valoriza as pessoas quando diz
“As pessoas criam organizações, e podem destruí-las. A mercadoria mais valiosa nos
negócios não é a tecnologia nem o capital, são as pessoas”.
Para Gardner em seu artigo publicado na Revista Book Summary-HSM,
2009, p. 40), “no futuro, o indivíduo se dará conta de que é um estudante eterno
e conseguirá tirar proveito do processo de aprendizado sobre o mundo”.
Grande parte das informações, investigadas em testes de inteligência,
reflete conhecimento adquirido pela vivência em um determinado meio
social e educacional.
Segundo Maslow (2001), se a relação com o trabalho fosse favorável,
ou seja, se a pessoa tivesse uma satisfação em suas necessidades, o efeito seria
bastante favorável ao desenvolvimento. Os indivíduos, altamente ‘evoluídos’,
assimilam o seu trabalho como identidade, ou seja, o trabalho torna-se parte
inerente à definição que eles fazem de si próprios, ao complementar (2001, p. 1):
O trabalho pode ser psicoterapêutico, psicológico (viabilizar
o crescimento de pessoas sãs em direção à auto-realização).
Isto, claro, é até certo ponto um relacionamento circular,
isto é, se considerarmos, para início de conversa, pessoas
razoavelmente saudáveis em uma organização razoavelmente
boa, então o trabalho tende a melhorar as pessoas, o que tende
a melhorar o setor, o que, por sua vez, tende a melhorar as
pessoas envolvidas, e assim por diante.
Nos últimos anos, o investimento no desenvolvimento da pessoa veio se
moldando de acordo com as necessidades do mercado de trabalho. No período
do ‘boom’ da industrialização brasileira, nos anos 70, momento em que a política
de substituição das importações incentivou a indústria nacional, o importante era
a mão-de-obra de base. A capacitação básica, com foco principal na indústria, era
o grande diferencial. Havia carência de mão-de-obra para operar as máquinas e
os equipamentos, uma vez que a indústria estava em franco desenvolvimento.
194
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Em outro momento, o Estado apoiou iniciativas para a formação em
cursos técnicos. Havia um ‘interesse velado’, por parte do governo de então,
para que a grande massa da população obtivesse um conhecimento técnico e
específico, enquanto a universalidade do conhecimento não importava. Se a
especialidade do conhecimento, por um lado, atendeu às demandas de mercado,
por outro trouxe grandes limitações ao conhecimento geral, às possibilidades de
formar pessoas com capacidade crítica.
A partir destas reflexões o autor buscou fundamentos teóricos que
permitissem a construção de uma base para a avaliação de um programa de
educação corporativa. A investigação ocorreu através de um estudo de caso, cuja
instituição (SENAC-RS) desenvolve programas de educação corporativa com as
seguintes características: financiamento educacional através do fornecimento de
um programa de bolsa auxílio aos seus funcionários, o incentivo a participação em
seminários, congressos e capacitações diversas e por fim um programa intitulado
PDL (Programa de Desenvolvimento da Liderança).
A busca por uma metodologia de avaliação
O autor encontrou em Chiavenato (2006) um conjunto de elementos que
o subsidiaram na elaboração do questionário quanti-qualitativo. Utilizou as doze
tendências ao desenvolvimento humano no ambiente de trabalho apresentadas por
Chiavenato (2006), para criar seu questionário de pesquisa.
Para Chiavenato (2006), os processos para o desenvolvimento de pessoas
apresentam doze tendências:
1. Forte ênfase em agregar valor às pessoas e à organização.
2. Participação ativa dos gerentes e das suas equipes.
3. Intensa ligação com o negócio da empresa.
4. Aprimoramento pessoal como parte da melhoria da qualidade de vida
das pessoas.
5. Contínua preparação da empresa e das pessoas para o futuro e o destino.
6. Novas abordagens, decorrentes da influência da tecnologia da
informação.
7. Adequação das práticas de treinamento às diferenças individuais das
pessoas.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
195
8. Ênfase em técnicas grupais e solidárias.
9. Utilização de mecanismos de motivação e de realização pessoal.
10. Busca incessante da excelência.
11. Compartilhamento da informação em substituição aos controles
externos.
12. Permanente fonte de retroação ou retroinformação.
13. A partir das doze tendências o autor desenvolveu o questionário:
Quadro 1: Tendências nos processos de desenvolvimento de pessoas e questões
elaboradas pelo pesquisador.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Chiavenato, 2006.
196
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Além das doze tendências o autor fez uso dos fundamentos teóricos
de Chiavenato (2006) que avaliam a eficácia dos treinamentos. Estes foram
adaptados para aplicação aos gestores com o objetivo de conhecer na visão
destes a eficácia dos treinamentos, mediante uma série de itens, considerando
Nível Organizacional, Nível dos Recursos Humanos e Nível das Tarefas e
Operações. Chiavenato (2006) aborda a eficácia dos treinamentos através dos
seguintes temas:
AVALIAÇÃO AO NÍVEL ORGANIZACIONAL
Ao nível organizacional, o treinamento deve proporcionar resultados como:
1. Aumento da eficácia organizacional
2. Melhoria da imagem da empresa.
3. Melhoria do clima organizacional.
4. Melhor relacionamento empresa x empregados.
5. Facilidade nas mudanças e na inovação.
6. Aumento da eficiência etc.
AVALIAÇÃO NO NÍVEL DOS RECURSOS HUMANOS.
No nível dos recursos humanos, o treinamento deve proporcionar
resultados como:
1. Redução da rotatividade de pessoal.
2. Redução do absenteísmo.
3. Aumento da eficiência individual dos empregados.
4. Aumento das habilidades das pessoas.
5. Aumento do conhecimento das pessoas.
6. Mudanças de atitudes e de comportamentos das pessoas etc.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
197
AVALIAÇÃO DAS TAREFAS E OPERAÇÕES.
Ao nível das tarefas e operações, o treinamento deve proporcionar
resultados como:
1. Aumento de produtividade.
2. Melhoria da qualidade dos produtos e serviços..
3. Redução no fluxo da produção
4. Melhor atendimento ao cliente.
5. Redução do índice de acidentes
6. Redução do índice de manutenção de máquinas e equipamentos etc.
Diante destes fundamentos, o autor desenvolveu dois modelos de
questionário, um deles para aplicação em todos os funcionários, partícipes de
alguma modalidade dos programas de educação corporativa da instituição em
análise. O outro questionário teve como foco os gestores que participaram da
escolha dos programas e autorizaram seus funcionários a participarem dos
programas. Os dois modelos foram montados com 17 questões fechadas e 4
questões abertas, semi-estruturadas.
Para as questões fechadas o autor utilizou uma escala com as
seguintes opções:
1. Insatisfeito
2. Parcialmente satisfeito
3. Satisfeito
4. Muito satisfeito
5. Sem opinião formada
As questões abertas, semi-estruturadas foram formatadas para possibilitar
que os partícipes emitissem suas opiniões, considerando seus sentimentos em
relação ao programa, aspectos cultural, emocional e profissional.
Para análise dos resultados o autor fez uso, além da estatística
descritiva, a análise de conteúdo de Bardin (1977, p.101). A organização do
material foi bastante intensa uma vez que os instrumentos geraram um grande
198
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
volume de respostas, alternativas e proposições. Segundo Bardin (1977) a fase
de pré-análise inclui a leitura flutuante, a escolha de documentos, a formulação
de hipóteses e objetivos, a elaboração de indicadores e a preparação do material.
O autor constituiu “um corpus” que, segundo Bardin (1977) é um
conjunto de documentos que são submetidos aos procedimentos analíticos. O
mesmo procurou fazer uso das regras indicadas pela autora:
1) Regra da exaustividade: devem ser considerados todos os elementos do
corpus da pesquisa. Todos os elementos presentes no questionário devem
ser considerados exaustivamente. Durante a pesquisa, todas as questões e
respostas foram consideradas, até mesmo quando a opção marcada foi “sem
opinião formada”. Nestes casos o autor procurou identificar motivos que
justificassem esta marcação.
2) Regra da representatividade: A amostra analisada deve ser representativa,
para que os resultados obtidos possam ser generalizados ao todo. Além
disto, deve-se priorizar os dados que possuem maior significado. Na
presente investigação, o cálculo da amostra garantiu esta representatividade.
A ferramenta permitiu também identificar aspectos subjetivos na amostra
que contribuíram para a representatividade. A pesquisa foi composta por
funcionários que exercem os mais variados cargos e atuam em vários
departamentos permitindo uma excelente distribuição amostral.
3) Regra da homogeneidade: diz respeito à escolha de critérios precisos para
análise das respostas. As respostas foram agrupadas por temas permitindo
seguir um padrão de análise para todas as questões, apresentando-as em
gráficos padronizados.
4) Regra da pertinência: os documentos selecionados devem ser adequados,
enquanto fonte de informação, de modo a corresponderem aos objetivos
propostos na tese. O autor selecionou os documentos extremamente
pertinentes e adequados ao campo de investigação.
Na fase de exploração e tratamento dos resultados, os instrumentos
permitiram identificar as impressões e os sentimentos dos partícipes da educação
corporativa, o quê proporcionou aos gestores condições de avaliar e inferir sobre
os resultados dos programas de treinamento e desenvolvimento.
Considerações finais
Através da investigação e do uso dos instrumentos de avaliação o
autor percebeu o quanto o programa de educação corporativa contribui para o
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
199
desenvolvimento dos seus partícipes. A aplicação da pesquisa fundamentada
nas doze tendências para o desenvolvimento de Chiavenato (2006) permitiram
identificar questões sobre o desenvolvimento pessoal e profissional e também
avaliar a satisfação sobre os treinamentos, considerando o nível organizacional, os
recursos humanos e as tarefas e operações.
As análises das respostas quantitativas permitiram identificar o grau
de satisfação com a estruturação do programa de educação corporativa e as
contribuições ao próprio desenvolvimento dos partícipes. Contribuições estas
relacionadas às tendências já mencionadas.
As questões qualitativas evidenciaram aspectos bastante positivos, como
envolvimento, comprometimento, desenvolvimento, satisfação, importância dos
programas para o desenvolvimento pessoal.
Entretanto, emergiram, das questões qualitativas, sugestões que, para
o pesquisador, traduzem os anseios, tais como ampliação dos programas,
melhoria na divulgação das oportunidades de cursos, participação em eventos e
treinamentos fora do Estado, entre outros.
Da pesquisa emergiram termos como: “emocionalmente mais equilibrado,
estimulado para exercer as atividades, integrado à instituição, respeito às opiniões,
satisfação com as oportunidades”, dentre outros. O instrumento permitiu ainda, que
os partícipes emitissem uma série de sugestões, as quais o autor destaca, “ampliar
cada vez mais o programa, criar um plano de divulgação aos colaboradores,
acompanhar a eficácia”.
Por parte dos gestores, o autor destaca que os instrumentos de pesquisa
permitiram identificar sentimentos muito positivos sobre o programa. Para eles
os programas foram efetivos, com grande eficácia no atingimento dos objetivos
empresariais, sobretudo na promoção do desenvolvimento das pessoas.
Ao refletir sobre a eficácia dos programas de educação corporativa pelo
olhar dos partícipes o autor procurou um viés mais humanístico. Focou não somente
em questões técnicas, mensuráveis através de indicadores de resultados, mas nas
contribuições ao desenvolvimento humano que estes programas podem proporcionar.
O uso de escalas de satisfação alicerçadas em fundamentos de Chiavenato (2006)
permitiu abordar questões que permeiam toda a organização e geraram centenas
de combinações de resultados capazes de proporcionar uma excelente visão de
satisfação e desenvolvimento dos partícipes.
Quando o autor cruzou os dados quantitativos com os qualitativos,
mesclando, perfil, escalas de satisfação e análise de conteúdo pode perceber
o quão importante tem sido o programa para seus partícipes o que remete a
200
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
validação da aplicabilidade do programa de educação corporativa investigado
e, sobretudo dos efeitos positivos no desenvolvimento das pessoas, enquanto
partícipes da educação corporativa.
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estratégica da informação e inteligência competitiva. São Paulo: Saraiva, 2006.
QUALIDADE E CURSOS DE EXCELÊNCIA
Adriana Rivoire Menelli de Oliveira1
Introdução
A
temática do ensino tem levado a sociedade brasileira ao debate
sobre a qualidade dos atuais cursos de graduação oferecidos pelas
instituições de educação superior, que formam profissionais para o mercado de
trabalho nas suas mais diversas áreas. A recente discussão sobre as repercussões
de um ensino de qualidade em egressos tem permitido avaliar se a formação
oferecida aos alunos, ao longo de anos, os qualifica ou não como bons profissionais
para enfrentar os desafios da vida e a sua profissão de forma sólida e competente.
As políticas públicas voltadas à melhoria do ensino surgem pelo
entendimento de que a qualificação da formação profissional passa pela avaliação
da educação superior e dos cursos de graduação ofertados pelas IES. As primeiras
iniciativas de avaliação surgem com a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES focalizando os programas de pós-graduação,
em 1970 e com Programa de Avaliação de Reforma Univeristária – PARU2, de
1983 a 1986, instituído pelo MEC, por meio de avaliações isoladas e não de caráter
nacional. Em dezembro de 1993, é criado o Programa de Avaliação Institucional
das Universidades Brasileiras - PAIUB3 com o objetivo de desenvolver e levar
a qualidade e reflexão às instituições de ensino superior, dentro de uma visão
formativa/emancipatória. Na segunda metade dos anos de 1990, instala-se uma
proposta de avaliação por resultados com a implantação do ENC4 (Provão) e,
somente nos anos 2000, com a implantação do SINAES5, em 2004, o tema
qualidade de ensino assume um caráter crítico para consolidação do processo de
avaliação em todas as instituições de educação ‘superior no país.
1
Graduada em Letras, Mestre e Doutora em Educação pela PUCRS e realizando Estágio Pós-doutoral em
Educação na PUCRS.
2
O Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU) foi desenvolvido no final do governo militar, em
junho de 1983, por iniciativa do Conselho Federal de Educação (CFE).
3
O Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB) foi criado em dezembro de
1993, por meio do lançamento de um documento básico da Coordenadoria Geral de Análise e Avaliação
Institucional da Secretaria de Educação Superior (SESU) e da Comissão Nacional de Avaliação das
Universidades Brasileiras.
4
Decreto 2026/96. ENC/Provão, que perdurou de 1996 a 2003.
5
Instituído pela Lei Nº. 10.861/2004, o SINAES nasce com objetivo de assegurar processo nacional de
avaliação das instituições de educação superior (IES), dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico
dos seus estudantes, nos termos do art. 9o, VI, VIII e IX, da LDB.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
203
Diante da realidade emergente de qualificar os cursos de graduação
oferecidos pelas IES, o Curso de Graduação em Nutrição/UFRGS foi
escolhido como objeto de estudo para esta pesquisa, a partir dos resultados
da avaliação realizada pelas turmas do curso que participaram do 1º Ciclo de
Avaliação do SINAES.
Na primeira parte do texto, o estudo propõe-se analisar a implantação do
SINAES, a partir da configuração e entendimento da avaliação de instituições e
de cursos de graduação no Brasil, para a formação de profissionais qualificados
e preparados para o mercado de trabalho.
Em seguida, é apresentado o curso de Graduação em Nutrição da
UFRGS, a sua história acadêmica, referenciais e proposta curricular. Na
continuidade, a metodologia desenvolvida para o levantamento dos dados da
pesquisa e a análise do estudo proposto.
Destarte, as considerações finais que levam aos resultados da pesquisa,
ainda que parciais, remetendo aos observadores refletir sobre o impacto da
qualidade de ensino em egressos de cursos de graduação das instituições de
educação superior em nosso país.
O SINAES e os indicadores de qualidade
O processo de avaliação das instituições e dos cursos de graduação
instituído, ao longo dos últimos dez anos, vem sofrendo mudanças significativas,
que têm repercutido na evolução e desenvolvimento das IES no Brasil.
Considerando as diversas iniciativas já referidas neste texto, para
regulamentar a avaliação nas IES desde a década de 1970 no país, atualmente, a
partir do advento do SINAES, no ano de 2004, pode-se constatar um processo de
consolidação do sistema de avaliação para a educação superior.
De forma a referendar a proposta do SINAES sobre o entendimento de
avaliação, destaca-se o que é declarado no instrumento de avaliação de cursos
de graduação sobre avaliação da formação acadêmica e a qualidade de ensino.
A avaliação da formação acadêmica e profissional é entendida
como uma atividade estruturada que permite a apreensão da
qualidade do curso no contexto da realidade institucional,
no sentido de formar cidadãos conscientes e profissionais
responsáveis e capazes de realizar transformações sociais
(MEC/INEP, 2006, p. 8).
204
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Segundo a legislação, o SINAES é formado por três componentes
principais: a Avaliação das Instituições (AVALIES), dos Cursos de Graduação
(ACG) e do Desempenho dos Estudantes (ENADE). Com relação ao as IES, a
avaliação desenvolve-se em duas etapas: a auto-avaliação e a avaliação externa.
A avaliação institucional é compreendida por dois momentos distintos:
a auto-avaliação e a avaliação externa in loco. A auto-avaliação ocorre em cada
IES, é feita por uma comissão formada por representantes do quadro técnicoadministrativo e dos corpos docente e discente da própria instituição, além de
membros externos da comunidade. O processo ocorre por ciclos e os resultados
da auto-avaliação compõem, conjuntamente com as demais avaliações do
SINAES, o todo da avaliação da IES.
A avaliação externa ocorre a partir das comissões de avaliação
designadas pelo INEP, que terá como atribuição comparar os objetivos,
resultados e dificuldades declarados pela instituição em sua auto-avaliação e o
que os avaliadores externos observarem acerca da realidade institucional. Os
mesmos dez quesitos considerados pela auto-avaliação — que envolvem desde
infra-estrutura, gestão, corpo docente, pesquisa e até responsabilidade social da
instituição na região onde atua — serão verificados pela avaliação externa.
A Avaliação de Cursos de Graduação – ACG está diretamente ligada
ao reconhecimento e à renovação do reconhecimento dos cursos. Ocorre por
meio de instrumentos e procedimentos que incluem visitas in loco de comissões
assessoras de avaliação. Já os estudantes, participam de um exame nacional de
forma amostral, no primeiro e último ano do curso. Os resultados das avaliações
possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e instituições de
educação superior no País.
Segundo a Portaria Normativa no 4/2008 do MEC6, que regulamenta a
aplicação do conceito preliminar de cursos superiores, para fins dos processos
de renovação de reconhecimento respectivos, no âmbito do ciclo avaliativo do
SINAES, no § 1º do Artigo 2º, considera-se conceito preliminar satisfatório
igual ou superior a três. Nestes casos, as avaliações in loco ficam dispensados
de avaliação in loco nos processos de renovação de reconhecimento respectivos.
O Conceito Preliminar de Curso é formado pelos insumos que lhe são
atribuídos, 30% da nota final; o ENADE, com atribuição de 40%; e o IDD7
MEC. Portaria Normativa MEC Nº 4, de 5 de agosto de 2008. DOU 06.08.2008, republicada em 07.08.2008.
O Indicador de Diferença Entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) tem o propósito de trazer
às instituições informações comparativas dos desempenhos de seus estudantes concluintes em relação aos
resultados obtidos, em média, pelas demais instituições cujos perfis de seus estudantes ingressantes são
semelhantes. Entende-se que essas informações são boas aproximações do que seria considerado efeito do
curso. O IDD é a diferença entre o desempenho médio do concluinte de um curso e o desempenho médio
estimado para os concluintes desse mesmo curso e representa, portanto, quanto cada curso se destaca da
6
7
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
205
com 30%. Os insumos são compostos pelas seguintes informações: infraestrutura e instalações físicas, com peso 10,2; recursos didático-pedagógicos,
com 27,2 de peso; corpo docente, considerando-se a titulação, peso de 38,9; e
o regime de trabalho com o peso de 23,8. O CPC é obtido numa escala que vai
de 1 a 5, em que 1 indica o menor resultado e 5 corresponde ao maior resultado.
(MEC/ INEP, 2007).8
Para efeito, o Conceito Preliminar de Curso considerou os resultados do
1º Ciclo de Avaliação do SINAES, no período compreendido entre 2004 e 2007.
Os cursos de graduação que participaram do Enade em 2007 totalizam 3.238,
considerando que destes, 37%, não apresentam CPC por algum motivo relevante,
que os impediram de receber conceito, como não apresentar Conceito Enade,
não ter registro no cadastro de docentes, falta de informação em mais de um
componente do termo de ‘insumo’ do CPC, entre outros. Por outro lado, os cursos
que participaram do Enade e alcançaram CPC=3, CPC=4 e CPC=5, somam 46%
do total de cursos, representando um montante significativo com CPC satisfatório.
O Enade, como parte integrante do SINAES, caracteriza-se por ser um
exame que avalia o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação em
relação aos conteúdos, as habilidades e competências desenvolvidas em sala de
aula. Os instrumentos básicos do Enade são a prova, o questionário de impressões
dos estudantes sobre a prova, o questionário do estudante e o questionário do
coordenador do curso/habilitação.
De acordo com o § 1º, do Artigo 5º, da LEI Nº 10.861/2004, o ENADE
terá como atribuição “aferir o desempenho dos estudantes em relação aos
conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo
curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes
da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas
exteriores ao âmbito específico de sua profissão ligados à realidade brasileira e
mundial e a outras áreas do conhecimento”, o que revela a amplitude do exame
que é aplicado aos estudantes com relação ao projeto pedagógico do curso e ao
perfil do egresso definido e esperado para o ingresso na carreira profissional.
Além dos procedimentos de avaliação, o SINAES utiliza instrumentos
complementares, como Censo da Educação Superior; Cadastro das Instituições e
Cursos; Sistemas de registro da CAPES, SESU, SETEC e outros; questionários
dos alunos e Plano de Desenvolvimento Institucional.
média, podendo ficar acima ou abaixo do que seria esperado para ele baseando-se no perfil de seus estudantes.
Conceito IDD é uma transformação do IDD Índice, de forma que ele seja apresentado em cinco categorias (1 a
5) sendo que 1 é o resultado mais baixo e 5 é o melhor resultado possível no IDD Conceito.
8
Ministério da Educação, INEP. Cálculo do Conceito Preliminar de Cursos de Graduação Nota Técnica,
INEP, 2007.
206
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Na perspectiva de abranger, de forma integradora as diversas dimensões
da realidade da IES, o processo avaliativo do SINAES propõe assegurar sua
coerência conceitual, epistemológica e prática, bem como o alcance dos objetivos
dos diversos instrumentos e modalidades (RODRIGUES, 2008).
A proposta do SINAES vem, portanto, aprimorar os processos acadêmicos
desenvolvidos nas IES brasileiras, de forma que busquem a melhoria da
qualidade de ensino para a formação de profissionais competentes e preparados
para o mercado de trabalho. Os indicadores de qualidade, que ocorre por meio
dos três componentes principais: a Avaliação das Instituições (AVALIES), dos
Cursos de Graduação (ACG) e do Desempenho dos Estudantes (ENADE), é um
caminho para qualificar os cursos de graduação, os processos acadêmicos e as
instituições de ensino.
Quando se fala em qualidade, pode ser de vários aspectos, pois é
uma palavra que pode ser considerada polissêmica, porque seu entendimento
dependerá do tema a que se refere como qualidade de vida, qualidade de um
produto, índices de qualidade, entre outros. Nesse caso, fala-se de qualidade de
ensino, no entendimento estrito de formação humana, formação profissional em
cursos de graduação. Sobre o entendimento de qualidade, buscou-se a etimologia
do termo, que vem do latim qualitate, que significa “propriedade, atributo ou
condição das coisas ou pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes
determinar a natureza” (FERREIRA, 1975, p. 1175).
Leite (2006), por sua vez “designa a avaliação da qualidade entendida
como um atributo ou conjunto de atributos dos objetivos, dos serviços e das
relações que existem no seio das instituições das sociedades modernas” (LEITE,
2006, p. 468). Definir qualidade depende do olhar de quem a conceitua e entende,
e as expectativas estão diretamente relacionadas ao conceito constituído.
Morosini (2006) desenvolveu três conceitos de qualidade em educação,
sendo estas denominadas, como Isomórfica, da Diversidade e da Equidade da
Educação de acordo com pode ser visto na definição em destaque.
Qualidade Isomórfica da Educação refere-se a critérios
estandardizados com tendência a considerar um modelo
único de qualidade. Qualidade da Diversidade em Educação
define-se como multidimensional de avaliação que envolve
outras funções e atividades da instituição: ensino, programas
acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência, ambiente
acadêmico em geral... [. . .] evitando a uniformidade.
Qualidade Social ou da Equidade da Educação é aquela
ligada a democracia e conseqüentemente à noção de
207
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
cidadania e à concepção de educação por inteiro... [. . .] tem
um forte componente ético-social marcado pelo direito do
cidadão a ter direitos; e considera a concretude das práticas
escolares na elaboração de políticas públicas mais justas
(MOROSINI, 2006, p. 468, 469).
O Plano Nacional de Educação – PNE9 de 2001 aborda como prioridade
os aspectos que dizem respeito à qualidade de ensino contemplando parâmetros
curriculares nacionais, currículo, formação e valorização de professores e de
profissionais da educação em geral, avaliação educacional, equipamentos,
materiais didático-pedagógicos, infra-estrutura física, financiamento e gestão.
A proposta de uma formação qualificada diversifica-se diante dos
referenciais de cada sociedade. Por isso, o conceito de qualidade de ensino deve
estar presente nos debates, fóruns e seminários, não somente de representantes
da educação, mas também com a participação da sociedade civil organizada,
para que sejam definidas políticas públicas que avancem no desenvolvimento
e privilegiem o bem estar humano.
Diante da legislação e das ações que vêm sendo realizadas em relação
à avaliação das IES, dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes,
a seguir é apresentado o Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, como
um dos cursos de graduação de qualidade a alcançar conceito satisfatório no
processo de avaliação do 1º Ciclo Avaliativo do SINAES.
Caracterização
Nutrição
do
Curso
de
Graduação
em
O Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS10 foi escolhido para
ser objeto de estudo da pesquisa, considerando os indicadores de qualidade
e os resultados alcançados, que o colocaram o curso da universidade entre os
melhores da área da saúde do estado do Rio Grande do Sul. Como integrante
do 1º Ciclo Avaliativo do SINAES (2004-2007), o Curso de Graduação em
Nutrição da UFRGS destaca-se pelo conceito máximo (4) alcançado no
Conceito Preliminar de Curso (CPC), no Exame Nacional da Educação
Superior (Conceito ENADE) e em seu IDD.11
Plano Nacional de Educação – PNE, aprovado pela Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001.
Criado em 30 de Julho de 1999 através da decisão nº 111/99 do Conselho Universitário. Reconhecido pela
Portaria nº 1.794/MEC de 18 de junho de 2004.
11
CPC, Enade, IDD – Controle de Avaliação do SINAES – 2007, Diretoria de Avaliação da Educação Superior.
9
10
208
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O Curso de Graduação em Nutrição integra a Faculdade de Medicina da
UFRGS e localiza-se no espaço físico dos cursos da saúde, próximo ao Hospital
de Clínicas de Porto Alegre, no Campus Saúde. O curso foi fundado em 2000,
em vista da crescente importância desta ciência na promoção da Saúde. (2007).
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em
Nutrição - PPC tem duração de 8 semestres, em turno integral, com 60
vagas anuais, ingressando metade dos acadêmicos no 1º semestre e a outra
metade no 2º semestre letivo. A titulação que o aluno recebe, quando da
finalização do curso, é de Nutricionista, um profissional da área da saúde,
“capacitado a atuar visando à segurança alimentar e à Atenção Dietética,
em todas as áreas do conhecimento em que a alimentação e nutrição se
apresentem fundamentais para a promoção, a manutenção e a recuperação da
saúde”. (PPC Nutrição, 2007, p.8).
Ao concluir o Curso de Graduação em Nutrição o profissional deverá
apresentar competências e habilidades para: aplicar conhecimentos sobre a
composição, propriedades e transformações dos alimentos e seu aproveitamento
pelo organismo humano; atuar em políticas e programas de educação, seguranças
e vigilância nutricional, alimentar e sanitária; atuar em equipes de terapia
nutricional; avaliar, diagnosticar e acompanhar o estado nutricional; prescrever,
analisar, supervisionar e avaliar dietas e suplementos dietéticos para indivíduos
sadios e enfermos; planejar, gerenciar e avaliar unidades de alimentação e nutrição,
visando à saúde de coletividades sadias e enfermas; desenvolver atividades de
auditoria, assessoria e consultoria na área de alimentação e nutrição; exercer
controle de qualidade dos alimentos; desenvolver e avaliar novas fórmulas ou
produtos alimentares (PPC de Nutrição, 2007).
O texto das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Nutrição,12 em seu Artigo 3º, define o perfil do formando egresso/profissional,
como um Nutricionista que terá uma formação generalista, humanista e crítica,
capacitado a atuar, visando à segurança alimentar e à atenção dietética, em
todas as áreas do conhecimento em que alimentação e nutrição se apresentem
fundamentais para a promoção, manutenção e recuperação da saúde e para a
prevenção de doenças de indivíduos ou grupos populacionais, contribuindo para
a melhoria da qualidade de vida, pautado em princípios éticos, com reflexão
sobre a realidade econômica, política, social e cultural.
O Nutricionista é um profissional da saúde e, como tal, deve ter
competências e habilidades gerais próprias desenvolvidas com relação à atenção
12
RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 5, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
209
à saúde, à tomada de decisão, à comunicação, à liderança, à administração e
gerenciamento e à educação permanente.
O Curso de Graduação em Nutrição deve preparar, portanto, o profissional
Nutricionista para o acompanhamento, desenvolvimento e promoção da saúde
da sociedade, buscando seu crescimento e saúde nutricional global.
A metodologia como promotora de saberes
Com os fundamentos delineados para a investigação, utilizou-se a
abordagem quali-quantitativa para o desenvolvimento do estudo, a partir
dos resultados do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES, dos dados do CPC,13 do
Enade14 e do IDD,15 além do levantamento dos dados das turmas do Curso de
Graduação em Nutrição, da UFRGS, dos anos de 2005 a 2007 e, também, com
os egressos de 2008.
A pesquisa pode ser classificada como exploratória, pois proporciona
maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. Esse tipo
de pesquisa pode envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas
experientes no problema pesquisado. Com relação aos procedimentos técnicos,
caracteriza-se como bibliográfica e de levantamento, isto é, é desenvolvida com
base em livros e artigos científicos e com interrogação direta das pessoas que se
deseja conhecer ou saber informações (GIL, 2002).
Segundo Marconi e Lakatos (2003, p.83), “o método científico é o conjunto das
atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permitem
alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros - traçando o caminho a ser
seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. Corroborando com
essa idéia, Garcia (1998, p.44) coloca que “o método representa um procedimento
racional e ordenado (forma de pensar), constituído por instrumentos básicos, que
implica utilizar a reflexão e a experimentação, para proceder ao longo do caminho
(significado etimológico de método) e alcançar os objetivos preestabelecidos no
planejamento da pesquisa (projeto)”.
13
Conceito Preliminar de Curso é um indicador prévio de qualidade dos cursos de graduação. Esse indicador
combina o desempenho obtido pelos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)
com os resultados do Indicador de Diferença de Desempenho (IDD) e com as informações de infra-estrutura
e instalações físicas, recursos didático-pedagógicos e corpo docente oferecidas pelo curso de uma determinada
Instituição de Ensino Superior.
14
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes.
15
Indicador de Diferença de Desempenho.
210
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O objetivo da investigação foi analisar a importância do SINAES16 para
a avaliação da educação superior e seu impacto para o avanço da qualidade de
ensino no Brasil, a partir dos resultados alcançados pelo Curso de Graduação
em Nutrição da UFRGS no 1º Ciclo de Avaliação do SINAES. O estudo aborda
o impacto da qualidade de ensino em egressos do Curso de Graduação em
Nutrição, da Faculdade de Medicina, da UFRGS, que participaram do ENADE,
nos anos compreendidos entre 2005 e 2008.
Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica aos documentos
sobre a legislação brasileira sobre avaliação da educação superior e de autores
para fundamentar teoricamente o estudo. O acesso aos dados para a investigação
ocorreu por meio de documentos disponibilizados pelo Portal do INEP17
(relatórios e pesquisas) e pela Coordenação do Curso de Graduação em Nutrição
da UFRGS (PPC e egressos).
Em um segundo momento, a pesquisa objetivou-se a buscar dados
qualitativos, por meio de entrevistas com a coordenação do Curso de Graduação
em Nutrição e a professora pesquisadora responsável pelo Departamento de
Medicina Social, da Faculdade de Medicina - FAMED, visando proporcionar
maior familiaridade com o problema para torná-lo explícito (GIL, 2002).
A proposta foi aproximar a análise qualitativa com a quantitativa, para
que se complementassem e enriquecessem o estudo investigativo. Assim,
reverberando sobre a importância da análise documental, Bardin (2004, p.
40) afirma que o importante é o armazenamento sob uma forma variável
e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que este obtenha
informações (quantitativas) e com o máximo de pertinência (qualitativo). Por
isso o destaque para os documentos, que são fontes potenciais que auxiliam
no entendimento e nas diversas visões, que a análise de conteúdo dos dados
pode oferecer em uma pesquisa.
Na ocasião da entrevista, foi apresentado o projeto de pesquisa e a
proposta de survey18 a ser enviado aos egressos do curso. Por ser também
de interesse da universidade a realização da investigação proposta pela
O SINAES é composto por três grandes pilares: avaliação dos estudantes pelo ENADE; avaliação dos
cursos de graduação desenvolvida por visitas in loco; avaliação institucional compreendendo a autoavaliação e a avaliação externa.
17
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep - autarquia federal vinculada
ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema
Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para
a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e eqüidade, bem como produzir informações claras e
confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral.
18
Os surveys aplicados aos egressos basearam-se no modelo desenvolvido por Satdlober (2010), já validado
anteriormente em sua Tese “Qualidade do ensino superior no Curso de Administração: a avaliação dos
egressos” (2010), que teve como referência o modelo de Cabrera, Weerts e Zulick (s/d) e ANECA 2009.
16
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
211
pesquisadora, houve plena aceitação dos professores do curso, os quais
facilitaram o acesso aos dados dos egressos, além de disponibilizarem os
documentos referentes ao Projeto Pedagógico do Curso – PPC e a listagem dos
alunos das turmas de 2005, 2006, 2007 e 2008.
Ao final do mês de junho, o survey eletrônico foi encaminhado aos 91 egressos
do curso pela plataforma virtual do Google, via e-mail, para os endereços particulares
de cada egresso. Dessa forma, utilizou-se uma survey, que é um procedimento para
coleta de dados. De acordo com Hair Jr. Et. AL (2005, p. 157), “os métodos survey
recaem em duas categorias amplas: administração de questionários e entrevistas. (...)
enviadas pelo correio e as surveys eletrônicas”. Neste estudo, utilizou-se o formulário
eletrônico para o envio dos questionários aos egressos do curso.
Uma das alunas pesquisadoras do Departamento de Medicina Social
prontificou-se a auxiliar na formatação do documento, no envio dos questionários
e pelo seu monitoramento. O survey foi enviado anexo a uma mensagem para
todos os participantes, como formulário eletrônico contendo 100 questões,
subdivididas em partes, sendo a primeira, sobre as características desenvolvidas
durante a formação na graduação, com 22 questões; a segunda, sobre o progresso
desenvolvido durante a formação, com 21 questões; a terceira, sobre o resultado
de ter cursado um curso de graduação, com 9 questões; a quarta parte, sobre a
avaliação do curso realizado, com 9 questões; a parte cinco, sobre a importância
dada aos diferentes aspectos do trabalho, com 16 questões e, a última parte, sobre
informações gerais, com 21 questões fechadas e duas abertas de forma a facilitar
a compilação dos dados para análise. Na medida em que os egressos do curso
respondiam aos formulários, os dados iam sendo compilados em gráficos, o que
visualmente proporcionou acompanhar as respostas como um todo.
De junho a agosto, apenas 34 surveys haviam sido respondidos dos
91 enviados, fazendo com que a coleta se estendesse por mais tempo além do
previsto. Definiu-se o mês de setembro para o encerramento do recebimento das
respostas para posterior compilação total dos dados e análise final.
A coleta de dados foi realizada a partir dos dados bibliográficos levantados
pelos documentos existentes e disponíveis (secundários) e das respostas dos
surveys aplicados aos egressos (primários).
Com os dados levantados, após a revisão de literatura sobre o tema da
qualidade de ensino e cursos de graduação, organizou-se um quadro referência
com as categorias de análise, que proporcionaram a triangulação dos saberes,
tendo por base a teoria que aborda os temas da qualidade de ensino e da
avaliação de cursos de graduação; os resultados do 1º Ciclo de Avaliação do
SINAES e as surveys com egressos.
212
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Após o momento de compilação dos dados, direcionou-se o estudo
para a análise dos dados da pesquisa. No decorrer do levantamento, categorias
emergiram de acordo com o objeto do estudo. Para tanto, buscou-se em Triviños
(1996, p.161) o referencial teórico para embasar o processo de análise de
conteúdo, pois, para o autor, “o processo pode ser feito da seguinte forma: préanálise (organização do material), descrição analítica dos dados (codificação,
classificação, categorização), interpretação referencial (tratamento e reflexão)”.
Reafirmando a idéia, o objetivo da interpretação “é a procura do sentido mais
amplo de tais respostas, por sua ligação com outros conhecimentos já obtidos”
(SELLTIZ et al apud RAUEN, 1999, p. 122).
Corroborando com os autores acima, Bardin (2004, p. 37) afirma que a
Análise de Conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção destas mensagens”.
Assim, com o processo investigativo definido, a próxima etapa foi selecionar
as quatro categorias que emergiram do estudo. Abaixo, os construtos e relações das
categorias e suas características com as questões aplicadas aos egressos.
Tabela 2: Quadro conceitual das categorias para análise.
CATEGORIAS
DESCRIÇÃO
QUESTÕES
1. Projeto pedagógico do
curso de graduação
Características do curso para
a formação profissional de
qualidade
Parte 1:7; 10; 12; 13;
Parte 2: 1; 2; 3; 12; 21
Parte 3: 6; 8;
Parte 4: 1; 4; 8; 9;
2. Organização curricular relação ensino -aprendizagem
Relação do conhecimento
com a aprendizagem do aluno
Parte 1: 1; 5; 6; 8; 9; 10; 11;
14; 16; 18; 19; 20; 21; 22;
Parte 2: 11, 14;
Parte 3: 4; 5; Parte 4:3; 6; 9
3. Competências/habilidades
e formação profissional
Características
desenvolvidas para a
formação profissional de
qualidade
Parte 1: 4; 8; Parte 2:4; 5; 6;
8; 9; 16; 18; 19; 20;
Parte 3: 4; 7; Parte 4: 7; 8;
4. Impacto da qualidade de
ensino em egressos
Indicadores de qualidade do
curso e o impacto na vida
profissional.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010.
Parte 1:6; 7; 12;
Parte 2: 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7;
10; 11; 12; 13; 16; 18; 19; 20
Parte 3: 1; 2; 3; 4; 6; 7; 8; 9
Parte 4: 1; 2;
Parte 5: 5; 8; 9; 12; 13; 14;
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
213
Com base nos referenciais teóricos e os dos dados da pesquisa levantados
durante a investigação, as categorias tornaram possível a análise criteriosa sobre
a qualidade de ensino na graduação, a partir dos dados dos questionários dos
egressos e de documentos sobre o Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS,
e de documentos sobre o SINAES.
Resultados preliminares
O estudo sobre o impacto da qualidade de ensino em egressos
participantes do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES permite, ainda que de forma
parcial, levantar indicadores de qualidade de ensino na graduação, tendo em
vista os resultados das análises dos dados coletados nas entrevistas com alunos
egressos, coordenação de curso e resultados de avaliação.
A Categoria Projeto Pedagógico do Curso de Graduação aborda as
características consideradas importantes para a formação profissional, com
relação aos indicadores de qualidade. No que tange aos aspectos do Curso de
Graduação em Nutrição, da UFRGS, os indicadores de qualidade levantados pelos
egressos, em relação a sua formação, são destacados como mais significativos,
no quadros abaixo. Cada quadro representa o desdobramento de cada Categoria
que, após análise detalhada, possibilitou elencar indicadores de qualidade do
Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS.
De acordo com os resultados parciais e preliminares do estudo, perante
a categoria “Projeto Pedagógico do Curso de Graduação”, que compatibiliza a
organização, a estrutura do projeto pedagógico do curso e a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão, os dados compilados revelam aspectos
importantes que podem ser visualizados a seguir no Quadro 1.
Quadro 1: Projeto Pedagógico do Curso de Graduação
Ação docente
Os professores apresentavam propostas de reforço em
sala de aula, quando surgiam dificuldades; sentiam-se
desafiados pelos professores; os professores guiavam o
desenvolvimento dos alunos.
Prática
Oportunidade de colocar em prática as qualificações
que desenvolveu durante o curso; desenvolveram
conhecimento técnico da linguagem em nutrição; têm
conhecimento de quais mudanças são necessárias para
a melhoria dos processos nutricionais em uma empresa/
instituição; envolveram-se em práticas que lhes ajudaram
no seu desenvolvimento, durante a sua formação.
Metodologia
Satisfação com os métodos e teorias aplicados no ensino.
214
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Entendimento da profissão
Entenderam a atividade do nutricionista e o trabalho que
atualmente desenvolvem; entenderam a nutrição como
uma área que possui uma infinidade de inter-relações
com outros conhecimentos técnicos e humanos.
Preparação para o mercado de
trabalho
Afirmam terem tido progresso durante a sua formação
no curso; a conclusão do curso de Nutrição ajudou a
entrar no mercado de trabalho; a formação impactou a
sua satisfação com relação ao seu trabalho profissional;
satisfação com a preparação recebida pela faculdade
onde realizou o curso de Nutrição.
Satisfação
Avaliação máxima para o curso que realizaram.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010.
Os resultados alcançados pelo Curso de Graduação em Nutrição pelo
Sinaes, quanto então o curso alcançou conceito satisfatório 4 em todas as
dimensões, representam que o curso vem desenvolvendo uma formação que
tem feito diferença na vida acadêmica e egressa de seus alunos. Confirmando
a avaliação, os egressos revelaram que, em relação ao projeto pedagógico do
curso, alguns indicadores são fundamentais para uma formação de qualidade,
tais como, ação docente comprometida e de excelência; prática pedagógica;
metodologia; entendimento da profissão, clareza dos objetivos; preparação para
o mercado de trabalho, e satisfação com a formação.
O Quadro 2 “Organização curricular - relação ensino-aprendizagem”
aborda a organização curricular do curso, a relação ensino-aprendizagem e as
articulações do conhecimento com a prática pedagógica.
Quadro 2: Organização curricular – relação ensino-aprendizagem.
Reflexão e participação
Existiam oportunidades para os alunos trabalharem em grupos;
sentiam-se encorajados para apresentar soluções quando os
problemas surgiam em sala de aula; discutiam idéias com os colegas
em sala de aula.
Ação docente
O professor apresentava propostas de reforço em sala de aula, quando
surgiam dificuldades; as atividades de sala de aula eram claramente
explicadas; os professores ministravam aulas mais expositivas;
interação de professores com alunos fora do ambiente de sala de aula.
Teoria e Prática
Nos estudos houve maior ênfase no trabalho teórico; nos estudos
houve maior ênfase no trabalho prático.
Ação reflexão ação
Nos estudos houve maior ênfase na apresentação escrita; nos estudos
houve maior ênfase na apresentação oral.
Avaliação
Recebiam retorno sobre os trabalhos realizados em aula
(avaliação); o professor frequentemente apresentava retorno
sobre os trabalhos realizados.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
215
Os resultados de “Organização curricular” demonstram os indicadores
sobre o currículo do curso de graduação, importantes para a formação de
profissionais qualificados. Diante das colocações dos egressos, indicadores
são apontados, de acordo com as colocações dos egressos, a saber, reflexão e
participação; ação docente; teoria e prática; ação reflexão ação, e avaliação.
A seguir, o Quadro 3 aborda as “Competências/habilidades” desenvolvidas
pelos alunos do curso de graduação durante a sua formação.
Quadro 3: Competências/habilidades
Relação interpessoal
Escutam as idéias dos colegas de forma aberta; os alunos ensinavam
e aprendiam uns com os outros; discutiam idéias com os colegas de
sala de aula.
Habilidades práticas
Envolveu-se em práticas que lhes ajudaram no seu desenvolvimento;
desenvolveram conhecimento nos processos que envolvem a profissão
de nutricionista; habilidade técnica desenvolvida em nutrição;
habilidade para encaminhar questões nutricionais.
Comunicação
Descrevem um problema oralmente; descrevem um problema por
escrito claramente.
Avaliação
Avaliam o trabalho como algo colaborativo, vendo a unidade como
uma equipe; combinam as alternativas e avaliam o que é melhor para o
desenvolvimento da equipe de nutrição.
Competência
Organizam as informações nutricionais em categorias e as aplica de forma
adequada; sente-se habilitado para ser um nutricionista; desenvolveram
na graduação habilidades humanas, conceituais e teóricas.
Compromisso pessoal
Desenvolveram senso de responsabilidade com a sua própria
aprendizagem.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010.
Conforme o Quadro 3 acima é elencado indicadores de qualidade relativos
ao desenvolvimento das competências e das habilidades que os acadêmicos do
curso de graduação em Nutrição adquiriram durante a sua formação, a saber,
relação interpessoal; habilidades práticas; comunicação; avaliação; competência,
e compromisso pessoal.
O Quadro 4, que trata do “Impacto da qualidade de ensino em egressos”,
permite observar os aspectos considerados importantes para o egresso, após sua
formação acadêmica para a sua vida profissional.
216
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Quadro 4: Impacto da qualidade de ensino em egressos
Competências/
habilidades
Sentiam-se encorajados para apresentar soluções quando os
problemas surgiam em sala de aula. Oportunidades de colocar em
prática as qualificações que desenvolveram; Entenderam a atividade
do nutricionista e o trabalho que desenvolve; Entenderam a nutrição
como uma área que possui uma infinidade de inter-relações com outros
conhecimentos técnicos e humanos; Desenvolveram conhecimento
técnico da linguagem em nutrição; Desenvolveram conhecimento
nos processos que envolvem a profissão de nutricionista; Habilidades
técnicas desenvolvidas em nutrição; Habilidade para encaminhar
questões nutricionais.
Conhecimento e prática
profissional
Organizam as informações nutricionais em categorias e as aplica
adequada. Aplicam um conceito abstrato ou idéia para resolução de
problema relativo a sua profissão; Desenvolvem metodologia útil
para o desenvolvimento da profissão de nutricionista.
Autonomia
Identificam as pessoas necessárias para resolver os problemas
quando eles aparecem; Percebem quais mudanças necessárias para
a melhoria dos processos nutricionais em uma empresa/instituição;
Percebe quais mudanças necessárias para o desenvolvimento das
atividades nutricionais em uma empresa/instituição.
Avaliação e
discernimento
Escutam idéias dos colegas de forma aberta; Avaliam o trabalho como
algo colaborativo, vendo a unidade como uma equipe; Combinam as
alternativas e avaliam o que é melhor para o desenvolvimento da
equipe de nutrição
Confiança
A confiança em ter feito o curso de Nutrição lhe abriu portas;
A confiança em ter concluído o curso de Nutrição lhe tornou um
profissional melhor.
Responsabilidade
Desenvolveram senso de responsabilidade com a sua própria
aprendizagem; Sentem-se habilitados para ser um nutricionista;
Satisfação profissional
A sua formação impactou a sua satisfação com relação ao seu trabalho
profissional; Satisfação com a preparação recebida pela faculdade
onde realizou o curso de nutrição; Satisfação com as possibilidades
Compromisso social
Aplicam no trabalho e no meio social as competências desenvolvidas
na universidade; oportunidade de fazer algo útil para a sociedade.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010.
O Quadro 4 revela os indicadores de qualidade considerados importantes
pelos egressos do Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, para a sua vida
profissional atual no mercado de trabalho, a saber, competências e habilidades
adquiridas durante a formação; conhecimento técnico e prática profissional;
autonomia; avaliação e discernimento para a tomada de decisão; confiança
enquanto profissional; responsabilidade, e satisfação profissional.
Diante dos dados parciais encontrados na pesquisa e analisados, os
indicadores de qualidade que levaram o Curso de Graduação em Nutrição, da
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
217
UFRGS, a alcançar o conceito satisfatório 4, em todas as dimensões do 1º Ciclo
Avaliativo do SINAES (2004-2007), induzem as características elencadas acima,
que retratam o sentimento dos egressos do curso em relação a sua formação.
Considerando os indicadores de qualidade que emergiram do estudo
sobre os resultados do 1º Ciclo Avaliativo do Sinaes, dos resultados dos surveys
aplicados aos egressos do Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS e dos
documentos da legislação brasileira, LDB, Diretrizes Curriculares e SINAES,
é possível verificar que a qualidade de ensino dos cursos de graduação está
diretamente interligada com os processos de avaliação instituídos nessa última
década, com as propostas dos projetos pedagógicos instituídos nas IES e o perfil
de egressos que se propõem a formar, com o quadro docente capacitado, com o
conhecimento teórico e a prática profissional proposta, assim como as ações de
responsabilidade social do curso com a sociedade.
Verifica-se que os indicadores que emergiram deste estudo, sobre
a qualidade de cursos de graduação, que os mesmos estão de acordo com as
Diretrizes Curriculares definidas pelo MEC, em consonância com a proposta de
um ensino de qualidade, em sintonia com a realidade latente da sociedade, bem
como com os princípios que levam ao compromisso transformador da sociedade.
Além, disso, o estudo demonstra que a vida egressa dos alunos, tem relação direta
com o seu futuro sucesso profissional, tendo em vista à formação de qualidade,
a instituição de referência, a prática profissional desenvolvida no curso e o
conhecimento refinado promovido por professores capacitados e competentes.
Comprovação desta afirmação verifica-se na vida atual dos egressos e seus
empregos, pois, do total de participantes que responderam ao survey, 53% já
possui um emprego, 33% possui dois, 10% já trabalha em três locais e, apenas
3%, possui mais que três locais de trabalho.
Foi possível verificar também que a grande maioria dos egressos é do
sexo feminino, dedicava-se mais de 5 a 6 horas por semana aos estudos e aos
trabalhos acadêmicos; da mesma forma realizaram estágios ligados ao curso e que
demoraram de 4 a 5 anos para concluírem a graduação. Atualmente, pretendem
realizar doutorado na área, e já possuem emprego, tanto na área pública, quanto
privada, em empresas de grande e médio porte. Do montante, 57% possuem
consultórios próprios, 14% trabalham em creches, 7% em academias e 29%
em outros espaços e, 100%, demorou de 1 a 2 anos para conseguir o primeiro
emprego na sua área profissional.
218
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Considerações Finais
A busca da qualidade de ensino em cursos de graduação é um grande
desafio nos dias atuais para a sociedade brasileira. A regulação da educação
superior pelos órgãos governamentais está cada vez mais intensa e o seu
acompanhamento vem constatando o quanto ainda se precisa evoluir, em termos
de projetos pedagógicos, organização curricular e qualificação docente.
O estudo realizado a partir da realidade do Curso de Graduação em
Nutrição da UFRGS promoveu uma ampla reflexão sobre os indicadores de
qualidade elencados pelos egressos de seu curso. Na análise, percebeu-se que
consideram para a sua vida profissional, após a sua formação, a partir das
categorias que emergiram durante o estudo. Conforme o elencado, os indicadores
estão de acordo com as Diretrizes Curriculares e a LDB, o que demonstra que
o curso já vinha se antecipando na busca de indicadores de qualidade para se
qualificar e qualificar o ensino ministrado na universidade.
Assim, ratificam-se alguns indicadores que são primordiais para uma
formação de qualidade nos cursos de graduação, como aqueles que vêm sendo
propostos e que devem ser considerados nas avaliações realizadas pelo Sinaes, como
as dez dimensões que abrangem desde a organização e a estrutura institucional,
o projeto pedagógico dos cursos bem avaliados e sua organização curricular, até
a capacitação, titulação e experiência dos docentes que estão fazendo parte dos
cursos de graduação nas IES brasileiras.
Destarte, é possível qualificar o ensino dos cursos de graduação, bem
como aperfeiçoar as suas propostas pedagógicas, de acordo com a realidade e
as necessidades das comunidades locais; capacitar para uma vida profissional
satisfatória e contribuir para o desenvolvimento da sociedade e a transformação
de cidadãos que clamam por uma educação de excelência e por uma vida mais
digna e igualitária.
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QUALIDADE E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Vânia Alves Martins Chaigar1
Cleoni Maria Barboza Fernandes2
E
sse trabalho se insere no Grupo de Pesquisa Interinstitucional –
Formação de Professores, Licenciaturas e Práticas Pedagógicas3
– que atualmente estuda por meio da pesquisa “Movimentos de configuração
curricular de cursos de licenciatura: dilemas e desafios nos processos
formativos da Formação Inicial de Professores” movimentos e momentos de
reconfiguração curricular de cursos de Formação Inicial de Professores a partir
das Resoluções CNE/CP 1 e 2 de 2002.
Nessas resoluções na discussão das políticas públicas que definiram
as reformas educativas, a temática da qualidade assume uma centralidade,
encaminhando a necessidade de uma educação/formação de qualidade para a
Educação Superior, neste caso a Formação Inicial de Professores. Discutir
educação de qualidade implica em trabalhar com a porosidade de significados,
desnudando a qualidade como ela se sustentasse em si mesmo. Temos a clareza
epistemológica e política que, ao tratar da qualidade, entramos em um terreno
movediço, com o risco de reduzi-lo a uma adjetivação sem sentido e sem direção.
A concepção de qualidade é multidimensional envolvendo uma
complexidade que não é aprisionada tanto do ponto de vista linguístico, quanto
político. Rios (2001) chama a atenção para o fato de que o termo qualidade já
carrega em sua compreensão uma idéia de algo bom, que se contrapõe a noção
de defeitos, incompletudes (p.68). A autora ainda destaca que:
quando se fala em qualidade, está se pensando em um série
de atributos que teria essa educação.A qualidade, então, não
seria um atributo, uma propriedade, mas consistiria num
conjunto de atributos, de propriedades que caracterizariam
uma boa educação. Poderíamos dizer então, que a Qualidade,
com maiúscula, é na verdade, um conjunto de qualidades.
Cortella (1998) nos traz a contribuição de compreender qualidade em
uma base ético-existencial e política de uma escola para todos: qualidade
Doutor em Educação pela UNISINOS. Professora do Curso de Mestrado em Educação da FURG. Pósdoutoranda em Educação pela PUCRS. Integrante do grupo de pesquisa “Formação de professores,
Licenciaturas e Práticas Pedagógicas” desde 2010.
2
Doutor em Educação pela UFRGS e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS.
3
Grupo constituído pelas instituições PUCRS/UFPEL/UFSM/IFCatarinense – campus de Camboriú.
1
222
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
social, a qual precisa revelar-se como objetivo último da escola pública na
educação da classe trabalhadora, (p.15), comprometida com a democratização
da sociedade, em relação ao acesso e à permanência, para atender a um
objetivo político-social de democratizar o saber. Esse objetivo necessita para
ser alcançado, de uma sólida base científica, formação crítica de cidadania e
solidariedade de classe social (p.14-15).
Nesse contexto trazemos um recorte de pesquisa que envolve os cursos
de Geografia e Pedagogia de uma universidade pública para fortalecer um
sentimento de pertença e uma qualificação do processo pedagógico tendo a
pesquisa como princípio educativo, como um indicador fundante para nossas
práticas pedagógicas. Entendemos prática pedagógica como:
Prática intencional de ensino e de aprendizagem, não
reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar e
Ed aprender, mas articulada a uma educação como prática
social e ao conhecimento como produção histórica e cultural,
datado e situado, numa relação dialética e tensionada
entre prática-teoria-prática, conteúdo-forma, sujeitossaberes-experiências e perspectivas interdisciplinares.
(FERNANDES: 2003, p.376).
Há dois anos teve início na Universidade Federal do Rio Grande,
FURG, o projeto “Rios que se cruzam” uma iniciativa de professores docentes
vinculados ao Núcleo de Educação e Memória (EDUCAMEMÓRIA) do Instituto
de Educação e ao Núcleo de Análises Urbanas (NAU) do Instituto de Ciências
Humanas e da Informação.
O trabalho foi desenvolvido nas disciplinas de Metodologia de Ensino das
Ciências Sociais, no curso Licenciatura em Pedagogia e, Ensino do Município de
Rio Grande no curso Licenciatura em Geografia, visando potencializar saberes
docentes e discentes através de práticas interdisciplinares. Esse processo vem sendo
pesquisado desde 2009 e está sendo aprofundado ao longo de 2011 em estágio de
pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS.
Durante o ano de 2009 o projeto foi-se construindo no percurso,
valorizando as experiências distintas dos sujeitos envolvidos, respeitando os
diferentes tempos das disciplinas, traçando caminhos a partir dessas caminhadas
peculiares, porém feitas no coletivo. O projeto Rios que se cruzam desenvolveu
ao longo desse ano as seguintes atividades: reuniões de planejamento entre os
professores coordenadores, conversas com as duas turmas para esclarecimento
do trabalho, realização de saída de campo das turmas na cidade de Rio Grande;
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
223
encontros entre estudantes de Pedagogia e Geografia através de aulas coletivas
para troca de saberes e projetos discentes (nessa fase estudantes de Geografia
trabalharam os conceitos geográficos dos PCNs e estudantes de Pedagogia
apresentaram projetos investigativos na cidade: “Memórias, lugares e a
cidade”), pesquisas de campo; produção de relatórios de pesquisa, organização
de evento de extensão para socializar as pesquisas realizadas: “I Seminário
Memórias, lugares e a cidade”.4
Em 2010 o projeto foi reconfigurado em função das demandas dos
professores e a parceria foi restaurada no segundo semestre, na organização e
coordenação do II Seminário Memórias, lugares e a cidade.5 Duas (02) turmas
do segundo ano de Pedagogia (diurna e noturna) foram envolvidas e vinte (20)
pesquisas foram produzidas por sessenta e cinco estudantes, na disciplina de
Metodologia de Ensino de Ciências Sociais. Embora não tenha sido possível
manter a parceria discente entre estudantes dos dois cursos, o que certamente
empobreceu o processo educativo, o rigor das investigações e a qualidade das
produções mostraram amadurecimento do projeto, o que nos leva a refletir sobre
as prováveis aprendizagens ocorridas.
Como fontes dessas reflexões, tomamos relatórios de pesquisa, anotações
realizadas em sala de aula, depoimentos de estudantes e instrumentos de avaliação
do projeto. Algumas considerações sobre a construção do trabalho, os impactos
nos processos formativos e categorias deslindadas, além das motivações de
nossos movimentos docentes, estaremos registrando a seguir.
Sob o desafio de ensinar e significar conteúdos cuja compreensão é exigente
em conceitos, muitas vezes complexos, a jovens estudantes de licenciaturas fomos
provocados a refletir sobre modos de pensar e perceber desses discentes, pois
entendíamos que estavam a apresentar novos comportamentos na sala de aula,
manifestando assim, provavelmente, culturas peculiares às novas demandas que
acessaram à Universidade, mais intensamente, a partir do início dos anos 2000.
Segundo Cunha (2008, p. 6) as exigências que progressivamente
se apresentam para o exercício da profissão impõem o desenvolvimento de
habilidades e saberes antes não configurados, estimulando novas compreensões
sobre o fazer profissional docente.
4
O Seminário ocorreu nos dias 02 e 09/12/2009, socializou dez (10) pesquisas realizadas pela turma de
estudantes de Pedagogia, na cidade de Rio Grande e apresentou duas (02) palestras.
5
O II Seminário Memórias, lugares e a cidade ocorreu de 29/11 a 01/12/2010, socializou quinze (15) pesquisas,
realizadas por duas turmas da Pedagogia na cidade de Rio Grande, proporcionou cinco (05) mini-cursos, uma
mostra de cinema e memória e três atividades denominadas “costura de memórias”, com a finalidade de discutir
teoricamente os trabalhos. Paralelo ao Seminário transcorreu a I Mostra O lugar da memória na escola, em
parceria com a 18ª CRE e SMEC de Rio Grande, RS.
224
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Sobretudo no ensino noturno, onde desenvolvemos nossa
experimentação, tem sido mais nítida algumas alterações nas configurações de
discentes universitários. A turma da Pedagogia, por exemplo, no ano letivo de
2009, foi constituída por 42 mulheres, trabalhadoras na maioria (comerciárias,
merendeiras, enfermeiras, faxineiras, professoras, entre outras), desempregadas,
donas de casa; poucas, apenas estudantes. Essas mulheres possuíam idades
e interesses bem distintos, assim como experiências de vida intensas e são a
primeira geração da família historicamente a romper com o círculo do ensino
básico, na maior parte, segundo diagnóstico feito na turma.
“Narciso acha feio o que não é espelho”, já havia sentenciado Caetano
muitos anos atrás na canção Sampa. A primeira questão que emerge dessas
relações sociais inéditas é a do estranhamento: linguagens, valores, interpretações,
posturas, etc., entram em choque. É um exercício que se assemelha a um jogo
no qual cada qual tenta capturar o outro (ou suas intencionalidades), palmo a
palmo, através de sondagens, deixas, observações, proposições e muito “tato”
feitas num cenário de riscos e incertezas.
Pinto ao analisar dados empíricos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) no início dos anos
2000, sobre programas de inclusão diz:
A combinação contextual de valores, emoções, sistemas
simbólicos, representações culturais e interesses calculados
nas disposições que analisam as práticas acadêmicas faz
com que as estruturas coletivas e as trajetórias individuais
que elas sustentam e possibilitam escapem aos propósitos
explícitos das ideologias pedagógicas (2006, p. 141).
Mesmo que a inclusão de sujeitos, que historicamente não acessavam
a Universidade, esteja a escapar aos propósitos das ideologias pedagógicas,
conforme o excerto acima sinaliza ou, acrescentamos, não se resuma a
metodologias, abre espaço às docências para a instauração de experiências que em
“Rios que se cruzam” esteve sustentada por dois pilares principais: No diálogo,
concretizado no estímulo ao uso da própria voz e à escuta atenta da voz do outro
e de suas peculiaridades (ainda que difícil) e na curiosidade epistemológica, o
aguçamento da dúvida e da vontade de conhecer, entendida como fundamental
para a produção do conhecimento. É a curiosidade “metodicamente rigorosa”
que pode levar a “achados cada vez mais exatos” (FREIRE, 1997, p. 139).
Embora sejam categorias muito presentes na obra freireana e
reconhecidas como parte de uma docência compromissada com a transformação
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
225
social, não são nada fáceis de serem instauradas nos contextos contemporâneos
de individualismos exacerbados, alteração em categorias históricas como a de
estudante e professor, arrefecimento do coletivo, representações arraigadas
sobre ciência, entre outras.
Assumir-se como estudante protagonista que divide com o professor
o compromisso de construir as condições que possibilitam o ensinar e o
aprender, por exemplo, pode exigir uma subjetividade positiva que lhe permita
o reconhecimento de suas potencialidades, o que em muitos casos demanda
tempo e investimento. Também ocorre, convivendo simultaneamente com isso,
o oposto, isto é, a crença de que já sabe ou, ainda, a minimização da importância
dos novos conhecimentos vistos apenas como “teorias” que nada vão acrescentar.
Resumindo: pouco ou excesso de confiança na própria cultura.
Questões como essas visíveis no “miúdo” dos espaços educativos da
Universidade fazem parte de mutações sociais que estão ocorrendo no mundo
ocidental e, nesse sentido, tornar-se aluno “já não significa tanto a submissão a
modelos prévios, ao contrário, consiste em construir sua experiência como tal
e atribuir um sentido a este trabalho” (DUBET apud DAYRELL, 2007, p. 16).
A sala de aula não é mais capaz de ser o abrigo das respostas formuladas
somente a partir dela mesma; constitui-se num espaço sempre em elaboração,
permanentemente produzida segundo a correlação de forças que se fazem e
refazem, fora de suas paredes atribuindo novos sentidos tanto à docência quanto à
discência. Daí reconhecermos a incompletude das nossas docências e buscarmos
a aproximação de experimentos interdisciplinares que segundo Fazenda são uma
“atitude de ousadia e busca, frente ao conhecimento” (2008, p. 324).
As experiências são sempre renovadas e a formação é profundamente
atravessada pelo caráter biográfico das pessoas já que são dotadas de
singularidades e ao expressá-las, mediante narrativas, provocam influências na
percepção de quem às ouve. Conforme Nóvoa (2004, p. 14), “a nossa matéria
são as pedras vivas, as pessoas, porque neste campo, os verbos conjugam-se nas
suas formas transitivas e prenominais: formar é sempre formar-se”.
O reconhecimento de que a nossa matéria são pessoas, cuja formação não
começa na Universidade (e daí talvez interrogarmos sobre a adequação do termo
formação inicial), que trazem em suas bagagens lastros produzidos em diferentes
tempos-espaços geram indícios sobre modos próprios de apreensão e produção
do conhecimento. No caso é pouco provável ou desejável que possam/queiram
se despir de si mesmos em nome de conhecimentos acadêmicos ou maneiras
tradicionais de trabalhá-los na sala de aula.
226
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Estudo anterior na perspectiva autobiográfica sobre formação de
professores analisando o despojamento (voluntário ou não) de parte de si durante
os processos formativos gerou a reflexão e o sentimento de que memórias foram
perdidas, “à força de paradigmas que consideram civilizados aqueles que se
esquecem de si e entregam porções generosas de seus saberes como outorga a
novos e insípidos conhecimentos” (CHAIGAR, 2008, p. 246). Daí a valorização
da instauração do diálogo e da curiosidade na condução do processo educativo
visto como autoformação confirmando o que Nóvoa afirmara anteriormente:
“formar é sempre formar-se”!
O educador Paulo Freire já havia nos deixado a lição de que ensinar
e aprender são verbos conjugados simultaneamente. O autor enfatizou que só
é capaz de ensinar, aquele que é capaz de aprender porque embora o papel do
professor seja distinto do de estudante e constitua uma atividade marcada pela
diretividade – não é possível ser neutro -, a docência não existe sem a discência:
“as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto, um do outro” (FREIRE, 1997, p. 25).
A diretividade na sala de aula é expressa pela corporeidade das intenções
e na perspectiva do diálogo é incompatível com a “issoalização” do outro - vêlo como objeto das nossas proposições. Entretanto, se nos indispomos com o
denominado “ensino bancário” também não concordamos em centrar o ensino
no estudante. Em ambos, um dos lados precisa abrir mão de ser sujeito, necessita
negar-se perante o outro o que, por si só, invalida qualquer ideia de alteridade.
Se por uma perspectiva é inadmissível a coisificação discente, por outra que
professor estará disposto a abrir mão de ser na sala de aula?
Propor situações em que estudantes assumam a condição de protagonismo,
é um processo longo, delicado e sinuoso, pois se trata de subverter uma histórica
ordem cartesiana, que perdurou na modernidade, na qual estudantes e professores
possuíam papéis fixos e pré-determinados.
A docência e a discência se produzem em ambientes mediados por
práticas sociais: todo um conjunto de representações, saberes, conhecimentos,
valores, (des) identificações decorrem desses encontros em que professores
e estudantes travam disputas pela ocupação de espaços de poder. Nada é tão
clean, ambos representam interesses específicos e, muitas vezes, tensionados
por contradições e/ou oposições. Freire também frisou sobre o equívoco dos
falsos consensos, nos quais o professor finge concordar com o estudante para não
contrariá-lo ou confrontá-lo.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
227
Escutá-lo não significa concordar com o que está a falar ou se acomodar
a essa fala, na concretização da simples aderência. O professor tem o direito de
contestar posturas preconceituosas ou chamar a atenção sobre o reducionismo
de algumas explicações, por exemplo. Embora lhe caiba compreender que o
seu “aqui” geralmente é o “lá” dos estudantes, conforme Freire (2003), não
tem obrigação de “dar a ilusão de que concorda com os alunos” (id., p. 206).
Como parte dessa escuta - atenta e tensa - no trabalho com estudantes de
Pedagogia e Geografia algumas descobertas/constatações têm sido observadas
na relação com a geografia e a história da cidade: presença de estereótipos e/
ou precariedade sobre conceitos como natureza, paisagem, espaço, sujeito
histórico, além das dificuldades para associar local e global, relacionar conceitos
acadêmicos com conteúdos escolares, entre outros. Em muitas ocasiões quando
perguntados sobre o que sabem/trazem sobre a cidade na qual vivem, enumeram
monumentos, locais turísticos e a presença constante dos “vultos”, como os que
estão a constituir nomes de ruas, escolas e praças.
Aparentemente a cidade continua a ser um ente abstrato para muitos,
inclusive discentes de cursos de licenciatura como a Pedagogia, embora
sejam os profissionais dessa área que durante os anos iniciais do ensino
fundamental, terão a incumbência de ensinar sobre o município no qual vivem.
No ensino público de Rio Grande, normalmente o município é conteúdo de
ensino do terceiro ano, sendo que no restante da vida escolar praticamente ele
desaparece do currículo, fato que pode ser uma das explicações para o precário
conhecimento sobre a cidade.
Um dos focos do projeto foi a troca entre estudantes de Pedagogia e
Geografia no sentido de promover intercâmbios conceituais, pois enquanto o
primeiro curso tem um currículo muito focado no ensino o segundo aprofundase mais nos conceitos da área. Trata-se de duas fronteiras a serem ultrapassadas
e estão relacionadas, em parte, aos campos de conhecimento no qual se inserem,
visto que a maneira como se configuraram as licenciaturas no Brasil carreou para
o presente um legado, ainda não totalmente ultrapassado.
Enquanto a Pedagogia, concebida numa perspectiva tecnicista, se forjou
com um caráter meramente instrumental, o que levou a área a ser considerada
desprovida de epistemologias (CUNHA, 2008), as demais licenciaturas “tiveram
o campo disciplinar como matriz e a estrutura desse conhecimento prevaleceu
na organização de seus currículos e representações da docência” (id, p. 9).
Fazer a Pedagogia e a Geografia intercambiar e ultrapassar limites
curriculares levou-nos a desejar privilegiar como tema a cidade e suas
228
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
memórias, propondo-as sob a forma de projeto investigativo na disciplina de
Metodologia de Ensino de Ciências Sociais, com a denominação de Memórias,
lugares e a cidade.6
Como perceber a cidade? Marco Polo entendia ser difícil expressar com
palavras, visto que as mesmas poderiam engessar percepções: “As margens da
memória, uma vez fixadas com palavras, cancelam-se - disse Polo. – Pode ser
que eu tenha medo de repentinamente perder Veneza, se falar a respeito dela.
Ou pode ser que, falando de outras cidades, já a tenha perdido pouco a pouco”
(CALVINO, 2009, p. 82).
A despeito dessa briga com as palavras a cidade é a expressão visual mais
apurada (talvez) de uma determinada sociedade. Suas paisagens são cunhadas
por disputas, escolhas, processos, histórias. Revelam as memórias que tiveram
força para triunfar e ocultam as que sucumbiram a despeito de quantos e/ou do
quê representaram.
Le Goff (2003) alerta para o fato de que na história é permanente a
luta pela memória que vai prevalecer e depende das correlações de forças de
cada época. Não é à toa que os “vultos” históricos, que constam nas listas
de programas escolares, parecem tão pouco com os sujeitos comuns - os
“ordinários” como diz Certeau (1998), presentes nas histórias narradas em
família, nas rodas de conversas na vizinhança ou ouvidas nos deslocamentos
realizados na cidade. São leituras distintas sobre a cidade e sua memória, mas
que, entretanto, raramente são entendidas como elementos de um jogo no qual
a categoria sujeito histórico faz a diferença.
Os historiadores citados nos remetem a co-relações com a produção
do espaço citadino, isto é, embora na cidade prevaleçam determinados tipos de
memórias, são os sujeitos ordinários em seus percursos e deslocamentos que
atribuem significado a elementos espaciais, independente dos marcos oficiais: uma
“língua espacial”, conforme Certeau (1998, p. 178), é criada como fruto dessa
relação entre as pessoas (citadinos) e suas caminhadas que, ao se movimentarem
por toda parte, fazem “desaparecer a cidade em certas regiões, exageram-na em
outras, distorcem-na, fragmentam e alteram sua ordem, no entanto imóvel” (id,
p. 182). Muitas cidades imaginárias são criadas e recriadas nessa relação peculiar.
Possamai recorrendo a essa língua e escrita da cidade diz:
Além de ausência ou presença de reminiscências, na cidade,
memória e esquecimento tornam-se materialidade no espaço
O projeto de ensino com pesquisa foi transformado em atividade de extensão com o formato de evento nos
anos de 2009 e 2010, I e II Seminário Memórias, lugares e a cidade, respectivamente. E foi articulado com o
Pós-doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
6
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
229
urbano. Os traçados das ruas são alterados, as construções
são substituídas, os itinerários são modificados, as barreiras
escondem do olhar. Por outro lado, monumentos são
erigidos para valorizar determinadas memórias. [ ] Memória
e esquecimento adquirem formas materiais que configuram
a cidade como um palimpsesto em que diferentes textos
sobrepõem-se, convivem, desencontram-se (2010, p. 212).
A sobreposição de textos também ocorre nos micro espaços como
bairros, vilas, ruas ou grupos sociais como família, vizinhos, escola, etc., nos
quais algumas memórias perduram no tempo ao contrário de outras: Enquanto
alguns personagens se agigantam nas sombras de memórias, por exemplo, outros
se apequenam ou desaparecem, sem deixar vestígios, nas histórias e narrativas
ratificadas pelo senso comum.
A memória social passa por questões de ordem coletiva, contextual,
política, mas também está atrelada a questões de ordem subjetiva, individual,
afetiva, emocional. Para Bosi (1994, p. 422) “a apreensão do tempo dependente
da ação passada e da presente, diversa em cada pessoa. Um tempo que fosse
abstrato e a-social nunca poderia abarcar lembranças e não constituiria a
natureza humana”. E pondera:
Cada memória individual é um ponto de vista sobre a
memória coletiva. Nossos deslocamentos alteram esse
ponto de vista: pertencer a novos grupos nos faz evocar
lembranças significativas para este presente e sob a luz
explicativa que convém à ação atual. O que nos parece
unidade é múltiplo. Para localizar uma lembrança não
basta um fio de Ariadne; é preciso desenrolar fios de
meadas diversas, pois ela é um ponto de encontro de
vários caminhos, é um ponto complexo de convergência
dos muitos planos do nosso passado (1994, p. 413).
A memória, portanto, não apenas lança luz ao passado numa perspectiva
saudosista; a memória ajuda a juntar as pontas desses fios, aparentemente
desconexos, a compreender como foi construído o presente, o que estamos
sendo e deixando-nos pistas e alertas sobre as múltiplas possibilidades quanto à
produção do futuro.
A aproximação de estudantes das licenciaturas com algumas de suas
memórias, a possibilidade de realizarem diferentes leituras e perceberem as
diversas línguas produzidas por quem fez/faz e viveu/vive a cidade levou a alguns
movimentos discentes. Desses destacaremos três dimensões que foram recorrentes
230
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
em 2009 e 2010 e embora sejam distintos fios de uma mesma trama, foram
separados com fins meramente didáticos.
A primeira dimensão refere-se à reconfiguração de olhares para
com a cidade. Se para Ostrower (1988, p. 173) “só podemos mesmo pensar e
imaginar mediante imagens do espaço” ao conferir maior atenção à cidade, na
mediação com a memória, foi possível que alguns estudantes qualificassem seu
olhar, refizessem percepções e conceitos espaciais. Produzir outros imaginários
sobre si na/com a cidade também traduz capacidades de sobreporem-se à cultura
da vitimização e a precariedades materiais do cotidiano, como as que estão
amalgamadas às condições objetivas de muitos dos estudantes que fazem as
nossas salas de aulas:
Ajudou-nos a compreender a importância de situar-nos,
de entender em que lugar estou, de saber que a cidade não
é feita de prédios e edifícios, ou que Rio Grande não é
apenas Porto, Cassino e Furg. Existem pessoas que vivem
e vivenciam experiências que constituem essa cidade e que,
infelizmente, não as identificamos como parte da cidade...
(D., Feminino, Pedagogia Noturno, 2009)
Antes simplesmente tirava fotos de lugares bonitos para
guardar de recordação, e de minha cidade muito poucas
fotos eu tenho, mas agora vou aproveitar as férias e fazer um
“turismo” pela minha própria cidade, indo além do simples
olhar, observando cada praça, cada prédio histórico ou não,
escola enfim estou começando a aprender a olhar, ou melhor,
ver além, observar e isso não tem preço, é maravilhoso (E.,
Feminino, Pedagogia Diurno, 2010).
Parece-nos um dado importante a constatação desse aprendizado de
que a cidade vai está além de prédios, instituições e clichês turísticos, ou estar
“começando a aprender a olhar” e maravilhar-se com isso, pois se aproxima de
um conhecimento atravessado por sentidos, por uma estesia, no qual o sujeito
apropria-se do conhecimento novo para reconfigurar a si mesmo. Embora não
tenhamos neste momento elementos suficientes para ratificar essa afirmativa, ela
nos parece plausível e será objeto de aprofundamentos investigativos durante o
estágio pós-doutoral.
A segunda dimensão é o da valorização do lugar e da história local,
percebendo o significado do conceito sujeito histórico. Analisando depoimentos
e relatórios do ano de 2009, já havíamos considerado que ao darem seus
testemunhos e/ou ouvirem a versão de familiares, relações foram estabelecidas e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
231
fatos históricos, até então abstratos, “saltaram” dos livros e ganharam a liberdade,
os jeitos, falas e singularidades das pessoas comuns (CHAIGAR, 2010).
Durante a pesquisa, nos surpreendemos com as histórias
contadas nos livros e com a relatada por moradores da
cidade, à medida que desconhecíamos boa parte dessa
história. Muitas vezes, não percebemos o patrimônio
histórico social que temos, apenas interagimos sem percebêlo como importante referência de nossa memória (C., Cl., e
M., Feminino, Pedagogia Noturno, 2009).
Este projeto ao meu entender foi muito importante, pois
passei a valorizar mais o que se passa ao meu redor. Passei
a dar mais relevância ao sentimento de pertencimento, de
entender o quanto nossa história e a história de quem nos
rodeiam pode nos trazer sentimentos e entendimentos antes
não percebidos (L., Feminino, Pedagogia Diurno, 2010).
Os depoimentos confirmam o caráter social da memória, defendido por
Bosi (1994) na qual os sujeitos cruzam memórias particulares com coletivas
produzindo sentidos distintos que, por sua vez, reconfiguram saberes. Cabe
destacar que a produção desse sujeito histórico implica perdas, abrir mão de
algumas certezas, pois “mudar é perder uma parte de si mesmo; é deixar para
trás lembranças que precisam desse ambiente para sobreviver” (BOSI, 1994, p.
436), daí, talvez, parte de algumas resistências observadas em sala de aula quando
provocados a se aventurarem em outros saberes ou a refletirem amparados em
outros paradigmas.
Ao menos parcialmente, pensamos que uma maneira de perceber a história
e a geografia – mecanicista, linear, ilustrativa, factual, compartimentalizada –
foi superada por muitos. Esse fato associado à idéia da aprendizagem como
processo permanente, tem gerado em nós a expectativa de que outros modos
de ensinar essas disciplinas nos anos iniciais do ensino fundamental, na escola,
também possam ocorrer.
E a terceira dimensão que destacamos é a identificação do conhecimento
como experiência de vida e autoconhecimento.
Nestas experiências tornei-me mais humano, pois me
instigou um contato que perpassa a mera pesquisa, desse
modo, caracterizando-a como uma vivência e troca de
saberes, pois ambos, pesquisador e entrevistado, são
232
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
pessoas, pessoas estas, carregadas/ricas de histórias e
memórias que constituem a personalidade e que por sua vez
personalizam o lugar. Esta complexa e paradoxal relação
não necessita tanta explicação, apenas a compreensão que
se dá no convívio, contato “face to face”, isto é cara a cara,
no diálogo, na socialização de dúvidas, medos e conquistas
(M., Masculino, Pedagogia Noturna, 2010).
Durante a pesquisa, o mais estimulante foi a liberdade, com
responsabilidade, somado ao desejo de fazer bem. Tivemos
por objetivo nos emocionar, acredito que o atingimos.
Descobrimos que as memórias têm cor, tem som e tem sabor
e podem ter “vida própria”, acabam fugindo do nosso
controle, porque são impregnadas de emoção e emoção é
sempre imprevisível, por isso charmosa e estimulante (M.,
Feminino, Pedagogia Diurno, 2010).
“Tornei-me mais humano”. “Tivemos por objetivo nos emocionar”. São
frases contundentes e até surpreendentes tendo em vista a aridez e pragmatismo
no qual, comumente, são produzidos os conhecimentos acadêmicos e é
percebida a ciência. Em algumas situações, nessas mesmas turmas, pudemos ter
o contraponto do quanto ainda a ciência é vista como algo exterior aos sujeitos:
o que nos alcança e nos toca não é ciência; a ciência é o que não nos alcança,
não nos toca.
O desterro da ternura da edificação do conhecimento é apontado por
Restrepo (2000) como uma das causas da esterilidade de algumas produções e da
atomização de nossas culturas. A “emoção é imprevisível”, escreveu a estudante,
difícil de mensurar, conferir peso, capturar em categorias estanques. Para abarcála o conhecimento precisaria assumir sua face da incerteza, da imprevisibilidade
e da afetividade o que não é muito propício face à supremacia da racionalidade
técnica na produção científica.
Já Larrosa (2002) alerta para a dificuldade da experiência se concretizar na
contemporaneidade, justamente pela dificuldade do envolvimento e pelo excesso
de ocorrências, facilmente confundidas com experiência. Para o autor passar por
muitas coisas não equivale a experimentar: “Nunca se passaram tantas coisas,
mas a experiência é cada vez mais rara” (LARROSA, 2002, p. 21). Experiência
pressupõe envolvimento e movimento, numa palavra: transformação.
Todo conhecimento é autoconhecimento (SOUSA SANTOS, 2002)!
Esse foi um dos enunciados que ao final do século XX ressoou como inovação
e provocou-nos a pensar sobre os porquês da produção do conhecimento e suas
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
233
finalidades. Como parte desse esforço, no micro espaço da sala de aula, temos
investido na significação das aprendizagens valorizando categorias que nos são
caras como o diálogo e a curiosidade epistemológica que podem qualificar as
práticas pedagógicas e encaminhar a construção do coletivo, condição para
construir a cidadania.
Embora o produto desse processo seja mais pontual e necessite aparas,
aprofundamentos, ele se constitui em uma parceria condicionada aos contextos
dos seus sujeitos. A qualidade das pesquisas realizadas na cidade, a diversidade
de temas escolhidos, os depoimentos de estudantes e a atração de diferentes
áreas para as duas edições do Seminário Memórias, lugares e a cidade, levamnos a crer na sua validade e a desejar dar continuidade junto aos nossos núcleos
de pesquisa e salas de aula.
A síntese provisória da reflexão realizada indica que movimentos
percebidos nos discentes também produziram movimentos nos docentes,
reforçando enunciados sobre o caráter amalgamado dessas categorias. Nos
processos educativos entendidos como auto-formação a mudança em um dos
sujeitos produz alterações no outro: exercitamos a divisão de poder do espaço
da sala de aula, nos desafiamos a incorporar a imprevisibilidade e as surpresas
como elementos didáticos e epistemológicos, nos propomos a dar combate à
categoria certeza entre os discentes (ainda muito presente nas culturas desses
jovens), investimos na confiança no trabalho de cada parceiro, testamos nossos
limites e possibilidades de exercitar o diálogo considerando as relações sociais e
os contextos das salas de aula contemporâneas.
Consideramos as dimensões como indicadores que nos remetem
para outras instâncias na discussão da qualidade das práticas pedagógicas,
as quais estão sendo aprofundadas. Mas, constatamos que a pesquisa como
princípio educativo, requer uma inserção na prática social que tende a gerar
autoria e responsabilidade com o outro e traz para o currículo uma perspectiva
interdisciplinar.
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direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
(V. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência)
PARTE II
QUALIDADE E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
QUALIDADE NA GESTÃO E PESQUISA
Solange Maria Longhi
Introdução
A
s discussões acerca da qualidade da Educação Superior – ES, nos
últimos tempos, têm ocupado muitos pensadores, especialistas,
gestores, cidadãos das mais variadas áreas e diferentes tipos de instituições e
organizações da sociedade. As questões que dizem respeito à ES não preocupam
apenas aqueles que se encontram, mais diretamente envolvidos nesse contexto,
como docentes, alunos (e seus familiares), técnicos, funcionários mas também
a sociedade como um todo.
Pelo momento contraditório que o mundo passa, de transformações,
em que co-existem problemas e avanços de toda ordem, o olhar atento
que a avaliação permite elaborar sobre a realidade da ES é decisivo para o
aperfeiçoamento da própria universidade - instituição símbolo onde se
desenvolve esse nível de educação. José Dias Sobrinho (2010, p. 195), uma
das maiores autoridades nessa área, em seu artigo retrospectivo Avaliação e
transformações da educação superior brasileira (1995 - 2009): do Provão
aos Sinaes, enfatiza que “a avaliação é a ferramenta principal da organização
e implementação das reformas educacionais.” De fato, os resultados da
avaliação nas IES, mesmo muitas vezes recebendo contestações têm provocado
melhorias institucionais e se tornado presença transformadora nos currículos,
planos e programas; nas metodologias e práticas de formação, nas estruturas
organizacionais e de gestão, “nas políticas e prioridades da pesquisa, nas
noções de pertinência e responsabilidade social.” (Id.Ibid.). Para ele avaliação
e transformações educacionais interatuam reciprocamente. A avaliação é o
motor de qualquer reforma e qualquer mudança contextual produz alterações
nos processos avaliativos. Da mesma forma, as transformações que afetam a
ES e “sua avaliação fazem parte, de modo particular, porém, com enorme
relevância, das complexas e profundas mudanças na sociedade, na economia e
no mundo do conhecimento em âmbito global.” (Id. p. 196).
A trajetória da avaliação na ES embora seja mais recente no Brasil, vem se
delineando em todo o mundo, há longo tempo, mais acentuadamente em meados do
século passado. Ao findar o século XX, porém, alguns projetos de avaliação, que se
tornaram bastante conhecidos como o Paiub (Programa de Avaliação Institucional
238
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Brasileiro - das instituições federais), e o Paiung (Programa de Avaliação
Institucional das Instituições pertencentes ao grupo do Comung - Consórcio das
Universidades Comunitárias Gaúchas), já faziam parte das vidas institucionais
de muitas universidades no contexto brasileiro, como comprovam depoimentos
(LONGHI, 2001) de universidades vinculadas ao Comung - (criado em 1993).
Entretanto, a implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
– Sinaes (Lei 10.861/2004), provocou no país, um conjunto relevante de mudanças
nas universidades e demais tipos de IES públicas, privadas, comunitárias, de
grande, médio e pequeno porte. Embora, naturalmente, adequações e críticas
foram e continuam sendo elaboradas, cada vez mais se fortalece a concepção de
avaliação como atividade científica, parte integrante do processo de construção
do conhecimento (DAVYT; VELHO, 2000), inerente ao clássico tripé ou tríplice
função da universidade – ensino – pesquisa - extensão.
A importância do conhecimento como instrumento para uma vida
melhor e mais digna tem sido pretensão dos que vêm se dedicando a construir
uma universidade emancipada e democrática. O conhecimento é necessário
para a manutenção e a preservação da vida das pessoas, da sociedade e do meio
ambiente; nos tempos atuais torna-se imprescindível e, conseqüentemente,
reforça a responsabilidade da universidade como instituição, na socialização do
conhecimento seja aquele que ela preserva, seja o que ela consegue construir
através de seus docentes e pesquisadores.
A questão que se coloca é como avaliar a qualidade da pesquisa que é
realizada nas universidades. O que pode orientar a gestão universitária na busca
de uma pesquisa de melhor qualidade? Já se conseguiu referenciar indicativos
para a avaliação das atividades relacionadas ao ensino na universidade.
Entretanto, quanto à avaliação da extensão e da pesquisa, parece faltar muito,
ainda. O presente trabalho se caracteriza como uma reflexão que se enquadra no
âmbito dos estudos da Rede GEU1 acerca dos grupos de Pesquisa (FRANCO;
LONGHI; RAMOS, Orgs., 2009), abordando os vínculos entre qualidade e
pesquisa no que tange à avaliação da gestão acadêmica, procurando discutir
dois requisitos considerados essenciais: legitimidade e compromisso social na
produção do conhecimento para, a seguir, propor alguns indicativos na gestão e
avaliação da pesquisa na universidade.
A Rede GEU (Grupo de Estudos sobre Universidade), liderada pela UFRGS PPGEDU (Programa de Pósgraduação em Educação), congrega o GEUIpesq/UFRGS - Grupo de Estudos sobre Universidade Inovação e
Pesquisa, o GEU Sociologia - UFRGS (Porto Alegre – RS), o GEU/UPF (Passo Fundo - RS) e o GEU/Ipesq/
UFpel (Pelotas - RS).
1
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
239
Pontuando algumas questões
Face ao que se presencia no mundo atual, em decorrência de inúmeros
avanços científicos e tecnológicos, a indagação acerca da responsabilidade
sobre o conhecimento que se produz bem como sobre suas conseqüências
(atuais ou futuras), se impõe a todos. Essa não é, de modo algum, uma
questão simples de ser resolvida. Como essa dupla responsabilidade poderá
ser assumida pela universidade? Ninguém desconhece que é impossível
garantir o uso que se fará com o que se consegue obter como produto da
ciência. A história nos mostra que o que se conhece serve tanto para o bem
quanto para o mal. Há muito desconhecimento, ainda, de conseqüências não
somente de ações, como também, de atitudes frente a novos conhecimentos.
Isso, entretanto não exime a universidade de ser cuidadosa e cautelosa com o
que produz e com o que divulga; ela não pode permitir ao pesquisador uma
atitude de “irresponsabilidade social” diante dos resultados da aplicação do
conhecimento. (SANTOS, 2004, p.40).
Outro conjunto de preocupações se impõe face à forte presença da
globalização: a ciência passa a ser a maior força produtiva “de primeira ordem”
(SANTOS, 2004 a, p. 19), quer esteja ela no ocidente quanto no ocidental oriente.
O conhecimento vem provocando alterações profundas no mundo do trabalho,
mudando as formas de produção na indústria, na agricultura, nos serviços,
principalmente pela presença já quase imprescindível da tecnologia em todos os
processos produtivos e em qualquer área. Nesse contexto o conhecimento passa
a ser mercadoria. Assim, a universidade que é geradora de conhecimentos e, ao
mesmo tempo, agência educativa voltada à formação do cidadão, que prepara
recursos humanos especializados em nível superior, se encontra sob muita tensão.
As expectativas e o apoio da sociedade estão em razão direta de resultados que
satisfaçam suas necessidades, especialmente as relacionadas ao setor econômico,
fazendo aflorar contradições em princípios que a universidade, têm primado
em manter. A tensão torna-se pressão uma vez que é muito difícil conciliar a
perspectiva de um conhecimento cujo benefício deveria servir a todos, porque
este conhecimento nem sempre é universalmente posto à disposição, visto que o
próprio acesso à universidade continua restrito. Santos (2004 b), identifica que
isso tem desequilibrado a instituição universitária.
Esta contraposição entre uma pressão hiper-privatista
e uma pressão hiper-publicista não só tem vindo a
desestabilizar a institucionalidade da universidade, como
240
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
tem criado uma fractura profunda na identidade social e
cultural desta, uma fractura traduzida em desorientação
e tacticismo;2 traduzida sobretudo, numa certa paralisia
disfarçada por uma atitude defensiva, resistente à mudança
em nome da autonomia universitária e da liberdade
acadêmica. (SANTOS, 2004 b, p. 44).
O que resulta do processo sistemático, alicerçado em metodologias
rigorosas, inserido em campos teóricos consagrados ou emergentes - a pesquisa,
é fruto de um conjunto de ações conduzidas por pesquisadores das mais diversas
áreas. Imbricadas entre si ou não estas ações encontram-se respaldadas em
políticas mais amplas, regulamentadas e normatizadas segundo o local e o tempo,
o que por sua vez implica, também, responsabilidade institucional. Desse modo,
a gestão da pesquisa na universidade não é algo apenas burocrático-organizacional
é também político. O processo de pesquisa, que ocorre no contexto da agência
educativa que é a universidade, é uma das melhores formas de garantir autonomia
e transparência a docentes pesquisadores, a estudantes universitários e à própria
instituição, assegurando-lhe legitimidade perante a sociedade. O processo de
pesquisa é sempre exigente tanto na perspectiva de receber a crítica e ser aceito pela
comunidade científica, quanto o de oferecer resposta aos problemas, às dúvidas
que o geram exigindo, constante revisão em sua condução e em seus propósitos.
O rigor metodológico, indispensável para assegurar a qualidade
científica do conhecimento que é produzido na universidade, será suficiente
para garantir sua legitimidade? Quem define a qualidade de dado conhecimento
também tem autoridade para lhe garantir legitimidade? “Quem decide qual é o
marco da excelência ou da qualidade de uma universidade “ (LEITE, 2005, p.
27), da qualidade da sua pesquisa? Não se pretende adentrar aqui a discussões
conceituais em torno das concepções de qualidade e de legitimidade. Morosini,
em 2001, apresentava a dificuldade de se chegar à precisão do que significam e o
quanto se relacionam avaliação e qualidade. De modo geral não temos avançado
muito nessa direção como debate até porque parece, temos aceito e incorporado
em nossas vidas e em nossas instituições, a idéia de que a qualidade advinda da
avaliação é imprescindível, ninguém abre mão disso. Muito embora algumas
áreas como a gerontologia, a saúde (BOSI et al, 2007, FIOCRUZ, 1999), venham
avançado mais nessas discussões, desenvolvendo padrões por exemplo, em
torno da “qualidade de vida” que hoje são reconhecidos em diversos contextos,
2
Nota nossa – A expressão tacticismo não faz parte do vocabulário corrente no Brasil; o sentido que pode ser
atribuído e que parece aqui se coadunar é o da idéia de táctico – mais freqüentemente utilizado na versão de
tático, como um arranjo.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
241
de modo geral, ter qualidade significa alcançar bons patamares (alta pontuação),
nos resultados de um processo avaliativo.
De qualquer forma a idéia de qualidade em educação e em pesquisa,
seguindo a linha de raciocínio de Davok (2007), implica uma idéia de comparação
e depende da clareza acerca do que a educação e a pesquisa na universidade
devem proporcionar ao cidadão e à sociedade. “A qualidade de uma instituição
pode, e deve, ser definida por aqueles sujeitos que a fazem ser do jeito que ela
é...” (LEITE, 2005, p. 28). Donde se entende que qualidade, em dada instituição,
ocorre quando os que fazem a educação e a pesquisa conseguem realizar o que
se propuseram fazer e o fazem bem. Se prosseguirmos um pouquinho mais
deduzindo o pensamento, teremos: existe qualidade na instituição e em sua
pesquisa quando realiza as atividades científicas e educativas a que se propõem,
as realiza bem e o que resulta desse processo (conhecimento), se coaduna às
necessidades sociais, beneficiando o maior número de pessoas.
Quando surgem indagações acerca de para que, a quem servirão os
resultados dos estudos e pesquisas, a qualidade se desdobra em legitimidade. O
que pode garantir legitimidade a dado conhecimento? Que critérios precisam ser
seguidos ou perseguidos para tal? Santos afirma que
...só existe conhecimento em sociedade e, portanto, quanto
maior for seu reconhecimento, maior será sua capacidade
para conformar a sociedade, para conferir inteligibilidade ao
seu presente e ao seu passado e dar sentido e direção ao seu
futuro. (2004, p.17).
O conceito de legitimidade implica a idéia de autêntico, de justo, de
válido, de verdadeiro. Considera-se como legítimo o que é explicado pelo bom
senso partilhado, o que é reconhecido como sendo importante e necessário, em
dadas circunstâncias, para o bem de dada coletividade, da comunidade, do maior
número de pessoas e não por um conhecimento que desde sua concepção já se
coloca num patamar superior, acessível a poucos e que serve apenas a um grupo
restrito. Santos (1994), ao se referir às crises que a universidade moderna enfrenta,
indica a de legitimidade como aquela que se instala quando a instituição se afasta
de seu compromisso com os que estão fora da comunidade acadêmica e que a
ela não conseguem chegar, por diversas razões. Principalmente aqueles que se
encontram em situação de exclusão social em decorrência da falta de condições
materiais que lhes dificulta acesso à cultura e continuidade da educação. Para
que a universidade vença tal crise deve ser capaz de zelar pela defesa de um
242
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
conhecimento que privilegie necessidades mais próximas e mais comprometidas
com os problemas do desenvolvimento humano, social, econômico de sua
comunidade. Dessa forma parece ser redundante afirmar que a tarefa primordial
que a universidade de qualidade precisa permanentemente se impor é a de indagarse acerca da finalidade de sua missão.
O que, pois, considerar ao avaliar a pesquisa na universidade? Tentar
responder a esta indagação significa correr o risco de tornar-se pretensamente,
normativo. Entretanto, a gestão acadêmica da pesquisa em uma universidade
que almeja alcançar patamares crescentes de qualidade e legitimidade, requer
que o gestor tenha delineado uma gama considerável de aspectos a considerar e
fazer com que os mesmos aconteçam, articulando pessoas e informações tanto
na tomada de decisões, quanto na sua execução, acompanhamento e avaliação.
Dessa forma, pontuam-se alguns indicativos com o intuito de participar do esforço
de encontrar caminhos para a avaliação da gestão da pesquisa na universidade.
Não conclusões, indicativos
Considerando as contribuições advindas das leituras (não
necessariamente apenas aquelas aqui mencionadas), e da reflexão em torno de
práticas vivenciadas, os dois primeiros pontos a indicar se apresentam como
princípios da instituição universitária como um todo os quais precisam impregnar
a avaliação da gestão da pesquisa: - o da qualidade científica e o do compromisso
institucional com a repercussão social do conhecimento construído. O primeiro,
por demais conhecido de toda comunidade acadêmica que tem se empenhado
para obter o reconhecimento através da produção intelectual indexada e que,
seria redundante, no escopo do presente trabalho abordá-lo. O segundo, que
se sustenta na articulação da pesquisa com as necessidades sociais, em todas as
escalas, será objeto da exposição, na seqüência.
Entretanto, princípios e ações precisam articular-se no conjunto
aglutinador das políticas institucionais de pesquisa. Elas implicam grande
variedade de decisões e tarefas conseqüentes, envolvendo o planejamento,
o acompanhamento e a avaliação das mesmas, no todo da vida institucional.
Alguns destaques desse conjunto merecem ser comentados: regulamentação da
atividade de pesquisa, estrutura organizacional, linhas de pesquisa, grupos de
pesquisa, formação continuada de pesquisadores, organização e participação
em eventos científicos, educação científica, iniciação científica, formas de
socialização e divulgação dos resultados da pesquisa.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
243
Destacar primeiramente a regulamentação das atividades de pesquisa
pode subentender um formalismo exagerado, entretanto, o que se preza é o
primado da transparência, da democratização, da possibilidade e do compromisso
de fazer pesquisa na universidade. Assim, é indispensável a existência de editais,
normas, resoluções, instrumentos que regulamentem e orientem a proposição, a
institucionalização e a socialização da pesquisa, estabelecendo critérios, prazos,
condições, fluxos e dinâmicas a serem seguidos e que sejam do conhecimento de
todos os envolvidos e interessados. Para que isso ocorra entende-se igualmente
indispensável, a existência de uma estrutura organizacional capilar para a
pesquisa, desde os órgãos centrais da administração (conselhos superiores, pró
ou vice-reitorias, coordenações), que se desdobre como presença descentralizada
e atuante em unidades/ departamentos/ divisões/ setores/ núcleos chegando
até os docentes, os alunos e os funcionários. Nesse mesmo conjunto pode-se
destacar a importância e imprescindibilidade da existência de comissões internas
e externas para avaliação, emissão de pareceres e acompanhamento de projetos
e de outras solicitações pertinentes à atividade de pesquisa (licenças, convênios).
Destaca-se, ainda, como indispensável, a presença/ ou a possibilidade de acesso
a Comitês de Ética em Pesquisa. Nesse grande bloco emerge como importante a
questão da sustentabilidade da pesquisa na instituição assegurada no orçamento
institucional, porém, alicerçada na participação e empenho dos pesquisadores
em concorrer a editais de agências de fomento à pesquisa, na busca de parcerias
para a realização de pesquisas ou do apoio às atividades de ou vinculadas à
pesquisa ou a sua divulgação/ socialização. A existência de infra-estrutura
adequada implica o acesso a laboratórios, equipamentos, salas especializadas,
biblioteca, recursos tecnológicos, informáticos, de variadas ordens.
A existência de Linhas de Pesquisa – LP, implica não apenas na indicação
do seu número que pouco pode dizer de sua propriedade e exeqüibilidade mas
na explicitação das áreas com as quais estão articuladas e da sua coerência e
consistência com a identidade institucional, expressa nos planos institucionais.
As LP não podem apenas constar em documentos. Elas, de fato, representam
prioridades institucionais a partir de temáticas de origem justificada (científica
ou social), de problemas reais de qualquer ordem; alimentam, reciprocamente
as ações de ensino em todas as etapas da educação superior – graduação, pósgraduação lato e stricto sensu e de extensão desenvolvidas. LP bem justificadas
se transformam em programas específicos que ocorrem na graduação e pósgraduação, envolvendo a comunidade acadêmica, articulando a pesquisa ao
ensino e à extensão como formas de efetivar o compromisso social e político
244
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
da Instituição. As LP servem como sinalizadores e, ao mesmo tempo, precisam
suportar a análise crítica e multidisciplinar das conseqüências do conhecimento
produzido, as repercussões e os efeitos de sua socialização. A análise deve ser
ampliada pois não poderá ser restrita apenas à comunidade acadêmica.
A qualidade da gestão da pesquisa na universidade brasileira passa
pelos grupos de pesquisa – GP. Eles são de fato espaços de pesquisa e de sua
institucionalização e cada vez mais se evidencia sua importância na edificação da
ciência que a realidade brasileira requer (FRANCO, LONGHI, 2009). A qualidade
da pesquisa se revela quando os GP se encontram articulados às LP existentes
permitindo, também, que se originem novas LP. É importante que sua composição
aglutine pesquisadores experientes com os que estão iniciando sua trajetória, articule
alunos de diferentes cursos de graduação, pós-graduação lato e stricto sensu, exalunos (egressos), futuros alunos e até pessoas capacitadas externas à comunidade
acadêmica ; articule diferentes áreas do conhecimento, as que já conseguem se
aproximar e aquelas cuja aproximação ainda é incipiente, como alternativa de
superação dos problemas oriundos da excessiva fragmentação do conhecimento. É
esperado que os GP, por sua vez, extrapolem os contornos geográficos institucionais
e estabeleçam ou criem redes que permitam a discussão de problemas e de temáticas
inerentes à pesquisa para melhor realizarem a crítica e porem à prova seus avanços.
O espaço do debate, das análises críticas, das discussões coletivas, em equipe,
permite a identificação de pontos de estrangulamento, de impasses e de dificuldades
como também faz aflorar a visualização de possibilidades, permite a reflexão sobre
a tarefa da ciência e de suas conseqüências. Além da racionalização de recursos
que sempre são escassos, o uso compartilhado de equipamentos permite maior
entrosamento e respeito entre os pesquisadores quando a pesquisa se organiza
através dos GP. Sem sombra de dúvidas pode-se afirmar que uma das melhores
políticas do CNPq das últimas décadas, juntamente com a iniciação científica e o
Lattes, é a de criação do Diretório dos Grupos de Pesquisa (não cabe, no momento,
detalhar cada uma dessas; fica como perspectiva para novos estudos).
Convém destacar a importância da presença, na instituição ou fora
dela, de oportunidades de formação profissional continuada de docentes e
pesquisadores que vem sendo enfatizada há mais de uma década por todo
grupo da Pedagogia Universitária – em especial da Rede GEU e da RIES (Rede
Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior), e ainda daqueles que
discutem avaliação na e da universidade. Nessa perspectiva, a existência de
estudos e discussões em torno da metodologia de pesquisa e aperfeiçoamento
dos processos científicos, nas mais diversas áreas, pode caracterizar um estágio
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
245
mais avançado da qualidade da pesquisa institucional. Da mesma forma, denota
qualidade na gestão da pesquisa a organização, a participação e a inserção
dos docentes pesquisadores nas associações de área e em eventos científicos
(congressos, seminários, reuniões científicas, jornadas, salões, workshops), de
toda ordem, como organizadores, como membros de comissão científica, como
debatedores, conferencistas, participantes, comunicadores.
Por sua vez, a existência de uma Iniciação Científica – IC organizada
pode confirmar a qualidade na gestão da pesquisa na universidade como integrante
do esforço de formação do cidadão através da educação científica (ROCHA,
2007). A qualidade da IC se evidencia não apenas pelo número de bolsistas
de IC em diferentes áreas, acompanhados de docentes mas também, pelas
oportunidades de formação sistemática que lhes são oferecidas como oficinas,
mini-cursos ou treinamentos que os preparam para o domínio da tecnologia e
exploração de seus recursos para o bem escrever resumos, organizar pôsteres,
apresentar comunicações, participar de levantamentos e organização de dados e
informações. É imprescindível que a instituição inclua carga horária que permita
aos orientadores ocuparem-se das tarefas inerentes à formação dos alunos em
iniciação na pesquisa.
Como já mencionado, um dos pontos mais conhecidos e gerador de
inúmeras e intermináveis discussões, é a gestão da produção científica institucional.
Contudo é na socialização da pesquisa e sua articulação com a extensão e o
ensino que residem muitas preocupações. A grande maioria das IES não se situa
na perspectiva da grande universidade (pública ou privada), cuja pesquisa, tanto
básica quanto aplicada, é pujante, e se destina a uma ampla realidade nacional e
internacional contribuindo com seus aportes teóricos para o avanço da ciência e
da tecnologia de ponta. Entretanto, a diversidade que caracteriza a ES brasileira
permite e enseja que instituições inseridas em seus contextos desenvolvam
pesquisas com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento humano, social,
cultural, econômico sustentável de suas regiões. Primordialmente, os resultados
obtidos nas pesquisas precisam ser utilizados no desenrolar dos programas
de ensino - os alunos da instituição são seus primeiros destinatários. Outros
destinatários são: o cidadão situado - empresário, comerciante, agricultor,
que investe no setor industrial em geral e da agroindústria em particular (por
serem instituições normalmente sediadas ou mais próximas da zona rural);
cooperativas, prefeituras, conselhos locais e regionais, sindicatos, associações de
profissionais; creches, escolas, hospitais, casas geriátricas, agências de serviços.
Tais destinatários esperam que informações decorrentes dos estudos e pesquisas,
246
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
importantes para a melhora de suas atividades, sejam divulgadas de forma
acessível e de veículos diversificados como periódicos e livros de circulação
regional, muitas vezes traduzidos nos jornais diários, nos programas de rádio, nas
transmissões da emissora de TV local, na maioria das vezes, em debates e mesas
redonda na TV Educativa (das próprias instituições), que, por trazerem notícias
da comunidade, são assiduamente acompanhadas pela população. Além disso,
os resultados dos estudos precisam ser socializados e debatidos em Seminários,
em Jornadas, em reuniões, encontros e em outras atividades características da
extensão da instituição universitária, que se entrelaça à pesquisa.
Enfim, a realidade das diversas experiências de gestão institucional
da pesquisa que procuram construir, com responsabilidade, conhecimentos de
uma ciência promotora da emancipação de sujeitos autônomos e da sociedade,
precisa ser considerada nos processos avaliativos. Assim, o próprio processo de
construção da ciência e de sua avaliação poderá imprimir novo ânimo à vida
das instituições de ES e da comunidade. Essa perspectiva, legítima em sua
correspondência aos anseios da comunidade, precisa encontrar receptividade e
ser captada em seu dinamismo pela sensibilidade dos avaliadores permitindo
alcançar melhor qualidade da pesquisa na universidade. A Capes, ao se abrir para
toda comunidade acadêmica através do seu Observatório – sediado, neste evento,
na PUCRS, demonstra a importância da democratização do conhecimento;
representa a possibilidade de diferentes vozes serem ouvidas, alcançarem eco e
tornam o momento da avaliação mais do que raio-x, uma ressonância social.
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Ciências” revisitado. São Paulo: Cortez, 2004 a .
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QUALIDADE NA GESTÃO E AÇÕES AFIRMATIVAS
Arabela Campos Oliven1
Definição de políticas de ação afirmativa
P
olíticas de ação afirmativa são bastante abrangentes. Elas podem
ter lugar em diferentes esferas: econômica, política, educacional,
da saúde etc.. O objetivo central desse trabalho é a análise de políticas de
ação afirmativa implementadas em universidades sejam elas cotas sociais ou
raciais, políticas preferenciais através de bônus, reserva de vagas destinadas a
determinados grupos na seleção de alunos aos cursos de graduação. Essas têm
sido atualmente as formas mais usuais em que essas políticas tem sido aplicadas
nas instituições de educação superior brasileiras.
Políticas de ação afirmativa referem-se a um conjunto de ações e
orientações de caráter governamental ou institucional destinadas a beneficiar
minorias e grupos que tenham sido historicamente discriminados. Assim, a subrepresentação de minorias em instituições e posições de maior prestígio e poder
na sociedade é considerada um reflexo de discriminação.
A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que
dificultem o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho e universidades.
Portanto, criam-se incentivos, que busquem o equilíbrio da representatividade
de certos grupos, que fazem parte de determinada sociedade. . Raça, etnia, sexo
e origem social têm sido os principais critérios para o uso de discriminações
positivas, como são chamadas algumas políticas de ação afirmativa.
Universidades ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm
implementado esse tipo de política o que contribui, de forma significativa, para
aumentar a diversidade nos sistemas universitários, tanto na composição do
corpo discente, docente e de funcionário como, também, na organização do
currículo, programas de estudos, de extensão e de pesquisa.
Políticas de ação afirmativa existem em diversos países, variando os
sujeitos de direito a que se destinam. A Índia, por exemplo, reserva um percentual
de vagas em suas universidades públicas a castas consideradas inferiores,
os dalits, ou “intocáveis”2. Na Indonésia, a grande maioria dos estudantes
Professora da Linha de pesquisa Universidade: teoria e prática do Programa de após Graduação em Educação
da UFRGS e pesquisadora do GEU.
2
WEISSKOPF, Thomas. “A experiência da Índia com ação afirmativa na seleção para o ensino superior”
in FERES Júnior, João e ZONINSEIN, Jonas (orgs.) Ação afirmativa no ensino superior brasileiro, Belo
1
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
249
nas universidades de elite é proveniente da ilha de Java. As políticas de ação
afirmativa nesse país têm um caráter regional: destinam-se a estudantes de outras
ilhas.3 O debate sobre ações afirmativas tem, pois, um caráter transnacional.
Essas políticas, no entanto, apresentam especificidades nacionais.
Muitos afirmam que o uso de políticas de ação afirmativa no Brasil,
principalmente as referentes a cotas nas universidades com base em dados
raciais, seria uma forma de imitarmos os Estados Unidos, que possuem uma
sociedade bastante diferente da brasileira e, mais ainda, num período em
que as próprias universidades americanas estão abolindo essas políticas. É
importante, pois, conhecer a realidade tanto norte-americana como também de
outros países. Isso nos possibilita uma comparação com a situação brasileira.
Índia e Estados Unidos foram dos primeiros países a possuir políticas
de ação afirmativa. Nesses países ações afirmativas nas universidades eram
políticas de estado. A adoção dessas políticas foi fortemente influenciada pela
mobilização dos movimentos negros numa sociedade segregada (o caso dos
Estados Unidos) e num contexto histórico impregnado pelas idéias das lutas de
libertação das colônias asiáticas e africanas do jugo europeu (o caso da Índia
que possuía uma sociedade de castas). O discurso era o da cidadania e a luta
era pelos direitos civis.
Levando em conta o contexto histórico em que as políticas de ação
afirmativa passaram a ser implementadas nas universidades desses dois
países, por volta da metade do século XX, com o atual contexto brasileiro,
em que as primeiras experiências vêm sendo realizadas, no início do século
XXI, existem aspectos diferentes que convêm salientar.
O debate sobre as ações afirmativas, principalmente aquele referente a
cotas nas universidades brasileiras, embora tenha um marcado cunho nacional,
acontece numa outra conjuntura em termos mundiais. Ele se pauta num discurso
mais amplo de inclusão de grupos discriminados expresso em protocolos
internacionais, assinados pela maioria dos países do mundo, inclusive o Brasil. Ele
tem mais a ver com a visão dos direitos humanos, do direito ao reconhecimento,
do valor de cada cultura e do respeito à diversidade.
Para Charles Taylor “nossa identidade é particularmente formada pelo
reconhecimento ou por sua ausência, ou ainda pela má impressão que os outros
têm de nós: uma pessoa ou um grupo de pessoas pode sofrer um prejuízo ou uma
horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008.
3
GOASTELLEC, Gaële, “D’um multiculturalisme à l’autre. Les politiques universitaire et la justice
sociale: une comparaison États-Unis – Indonésie” in FELOUZIS, Georges (ed). Les mutations actuelles de
l’université, Paris: PUF, 2003.
250
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
deformação real se as pessoas ou a sociedade que o cercam remetem-lhe uma
imagem limitada, aviltante ou desprezível de si mesmo”.4
O Brasil foi um dos 167 Estados que ratificou a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Com isso o país
se compromete a não apenas combater a discriminação através de medidas
punitivas como também promover a igualdade através de políticas afirmativas
que combatam as desigualdades tanto sociais quanto raciais.5
As políticas de AA tocam em pontos nevrálgicos de qualquer
sociedade, ou seja, como as estruturas de oportunidades favorecem certos
grupos em detrimento de outros, deixando claro que esta é uma situação
injusta. Essas políticas incentivam um maior conhecimento das desigualdades
sociais e estimulam a negociação entre grupos privilegiados, desprivilegiados
e aqueles que se sentem lesados pela aplicação de tais políticas.
O Brasil, suas desigualdades e as políticas de ação
afirmativa
A sociedade brasileira é visceralmente desigual, desde a sua origem.
Basta lembrar que a primeira tentativa de ocupação sistemática da Colônia
pelos portugueses foi através da distribuição de capitanias hereditárias. Para
dar um dado mais atual, o Brasil tem 130.000 milionários e segundo o Boston
Consulting Group, esses cento e trinta mil milionários possuem uma fortuna
conjunta estimada em US$573 bilhões – mais da metade do PIB nacional.6
Até poucos anos atrás, o Brasil era o país que apresentava a maior
concentração de renda do mundo, medida pelo coeficiente de Gini. Esse
coeficiente varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de zero mais
igualitária é a distribuição de renda de um país e quanto mais próximo de um,
mais concentrada é a renda. Se tomarmos uma série histórica, no período de
1977 a 1999 o coeficiente de Gini se manteve ao redor de 0,60 num intervalo
que vai de 0,58 a 0,64. Com relação a esse período de duas décadas “muito
mais importante do que as pequenas flutuações observadas na desigualdade é
a inacreditável estabilidade da intensa desigualdade de renda que acompanha a
sociedade brasileira ao longo de todos esses anos”.7
TAYLOR, Charles (et al.). Multiculturalism examinig the politics of recognition. Princeton: Princeton
University Press, 1992.
5
PIOVESAN, Flavia. “Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos”. Cadernos de Pesquisa.
São Paulo, v.35, n. 124, p 43-55, jan/abr. 2005.
6
“Milionários brasileiros têm meio PIB” Folha de São Paulo, 15/07/07, Caderno B p 1.
7
BARROS, Ricardo Paes, HENRIQUES, Ricardo, MENDONÇA, Rosane. “A estabilidade inaceitável:
4
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
251
Um agravante a essa situação é que a desigualdade educacional no
Brasil é ainda maior do que a de renda.8 Ao adaptar o coeficiente de Gini para
comparar o desempenho de alunos da oitava série nas provas de matemática
do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica, exame do MEC que
avalia a qualidade da educação) em 2003, o pesquisador José Francisco Soares,
coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade
Federal de Minas Gerais, encontrou um coeficiente de 0.63. Para aquele mesmo
ano, o coeficiente de Gini para medir a concentração de renda era de 0,54.
Akkari,9 ao estudar as desigualdades educacionais em nosso país,
aponta “ ser a dualidade ensino público/ensino particular a grade de leitura
apropriada para analisar o sistema educativo atual no Brasil.” Citando dados
do INEP de 1996, o autor mostra que o ensino público fundamental acolheu
88% do total de alunos e o médio,79,5%, ou seja, a grande maioria. O autor
apresenta dados baseados no desempenho em matemática dos alunos de terceira
série por tipo de escola, se pública ou privada. Os piores resultados são os da
Região Norte em que as escolas municipais e estaduais e as escolas particulares
obtêm um resultado médio de 163, 167 e 213 pontos, respectivamente. O melhor
resultado encontra-se na rede privada da Região Sudeste com um escore médio
de 238. Outra maneira de medir a desigualdade educacional em termos regionais
é a comparação do nível de qualificação do corpo docente das escolas. Assim,
enquanto no Maranhão professores leigos em escolas de ensino fundamental
com o primário incompleto chegam a 18,7 % e com o ensino médio incompleto
atingem 29,7%; na região Sudeste esse percentual é de 0,6 e 1,1 respectivamente.
As desigualdades de renda e educacionais se traduzem em privação de
oportunidades no mercado de trabalho e do gozo dos direitos constitucionais
assegurados aos cidadãos, reforçando o ciclo vicioso da exclusão. Mas existe
um grupo de brasileiros que, além da privação em termos de renda, sofre na pele
a discriminação: os negros. Embora nem todos os pobres sejam negros e nem
todos os negros sejam pobres, dados de estatísticas oficiais nos mostram como é
grande o fosso que separa a população negra da branca na sociedade brasileira.
A invisibilidade do negro na maioria dos espaços de poder e de prestígio
na sociedade brasileira é uma forma de não-reconhecimento. A população negra é
a que apresenta as piores condições de vida. Estudo realizado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, ao comparar 173 países com relação ao
desigualdade e pobreza no Brasil” in HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de
Janeiro, IPEA, 2000, p. 35-59.
8
GOIS, Antônio. ”Desigualdade educacional é ainda maior que a de renda” Folha de São Paulo 24/12/2007, C-1.
9
AKKARI, A. J. “Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre o estado, privatização e descentralização”
Educação e Sociedade, ano XXII, n. 74, Abril, 2001, p 168.
252
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Médio), coloca o Brasil em 73 º lugar.
No entanto a mesma média para a população branca colocaria o país em 44º lugar,
em relação aos demais países do estudo; já a média para a população preta e parda
brasileira nos colocaria em 105º lugar.
A novo clima internacional de respeito aos direitos humanos e de
incentivo para a luta por uma igualdade entre cidadãos que não seja apenas
formal, mas também material, levou a um questionamento do tipo de
universidade que excluía segmentos discriminados da população: negros,
índios, pobres e portadores de deficiência.
POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA EM UNIVERSIDADES
BRASILEIRAS
Políticas de ação afirmativa são bastante recentes em nosso país.
Em 1991, a Lei n. 8.213/91 estabeleceu a obrigatoriedade da contratação de
pessoas portadoras de deficiência em empresas privadas. O debate sobre essas
políticas, no entanto, passa a ter maior repercussão após a III Conferência
Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban, África do Sul, em que
o Brasil se posicionou a favor de políticas públicas que venham a favorecer
grupos historicamente discriminados.
Em nível de educação superior, não existe consenso sobre qual a melhor
orientação a tomar, se a favor de uma política de estado ou de respeito à autonomia
universitária e como colocar em prática tal política.
Um estudo feito com 98 instituições federais e estaduais revela que,
atualmente, 70% das mesmas já adotam políticas de ação afirmativa na forma
de cota ou bônus na seleção de alunos favorecendo alunos de escolas públicas,
negros, índios e outros grupos.10
Em termos de setor privado o Programa Universidade para Todos
(PROUNI), iniciado em 2005, tem a finalidade de conceder bolsas de estudos a
estudantes de baixa renda para o pagamento de matrículas em instituições privadas
de educação superior. As instituições recebem isenções de certos impostos e em
contrapartida devem oferecer 10% a 20% de suas vagas para estudantes de escolas
públicas. Entre esses alunos leva em consideração o percentual de negros e indígenas
da população do estado onde se encontra o estabelecimento de ensino. Dentro
desse percentual o PROUNI reserva, também, bolsas aos candidatos portadores
10
“Ação afirmativa privilegia ensino público e não raça” Folha de São Paulo 30/08/2010 p 1.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
253
de deficiência e aos autodeclarados pretos, pardos ou índios. O percentual de cotas
étnico raciais deve ser igual àquele de cidadãos pretos, pardos e índios, por unidade
da Federação conforme o último censo.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para dar um exemplo,
a partir de 2008 reservou 30% de suas vagas para alunos de escolas públicas
(cotas sociais), sendo que metade dessas vagas seria destinada a candidatos
autodeclarados negros (cotas raciais). Essa política no seu primeiro ano de
implementação aumentou o número absoluto de afrodescendentes de 265, em
2007, para 615 em 2008.
É significativo registrar que a UFRGS, além disso, disponibilizou dez
novas vagas para representantes de comunidades indígenas nos cursos por elas
apontados. Os cursos escolhidos foram: Agronomia, Direito, Enfermagem,
História, Jornalismo, Letras, Medicina, Odontologia, Pedagogia e Matemática.
Os candidatos passaram por processo de seleção especial.
A UFRGS, desde 2004, tem organizado a Semana Indígena com
espetáculos de arte e oficinas para a reflexão das culturas e estudo das línguas
guarani e kaiguangue. No ano de 2008, a programação incluiu um painel
com estudantes indígenas, que entraram nas vagas da universidade colocadas
à disposição das comunidades a que eles pertencem. O depoimento desses
universitários deixa bem claro que a oportunidade de estudar na mais conceituada
universidade do Estado representa o reconhecimento de suas comunidades,
tanto no que elas podem nos oferecer, quanto na aceitação do direito que esses
povos têm de aprender numa universidade pública aqueles conhecimentos
que consideram fundamentais para a melhoria de suas condições de vida. Eles
são líderes nos seus grupos de origem e expressaram o desejo de lutar pelo
estabelecimento de políticas voltadas às necessidades das populações indígenas.
Iniciaram apresentando-se com os seus nomes em português e na sua língua
materna; entusiasmaram-se com o interesse dos presentes; falaram de suas
vivências, da cultura diversificada dos índios. Concluíram com canções cantadas
em kaingangue.
A universidade pública, ao propiciar espaço para que representantes
de comunidades indígenas tenham acesso à educação superior estimula a
diversidade, acolhendo representantes de grupos até então praticamente ausentes
dos cursos superiores mais seletivos. Assim o país se beneficiará de um conjunto
de profissionais com uma visão mais próxima da realidade em que vive boa parte
de nossa população.
254
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Desafios à gestão das universidades
As políticas de ação afirmativa colocam grandes desafios à gestão de
universidades que formam a elite de um país. Tais políticas para que tenham
sucesso exigem uma discussão prévia entre todos os segmentos da comunidade
acadêmica – professores, funcionários e alunos – a fim de que a instituição
apresente abertura para uma nova realidade e se comprometa com o seu sucesso
das novas políticas institucionais.
Como as políticas de ação afirmativa nas universidades tem um caráter
provisório elas fazem parte de um processo que deve ser acompanhado e avaliado
nos seus múltiplos aspectos: processo de seleção; representatividade de minorias
em diferentes cursos; desempenho dos alunos; evasão; taxa de graduação.
Considerando que os grupos sub-representados são, em geral, alvo de
discriminação, torna-se importante a presença de uma auditoria na universidade,
que trate de casos de preconceito.
É indispensável o oferecimento de reforço pedagógico para aqueles que
encontram dificuldade em acompanhar o ritmo dos demais colegas na medida
em que não tiveram as mesmas possibilidades devido a certas deficiências das
escolas públicas.
Alunos com necessidades especiais, como os portadores de
deficiência, exigem um esforço de adaptação das instituições, não apenas em
termos arquitetônicos, mas no desenvolvimento dos recursos humanos para
lidar com esses alunos.
A pedagogia universitária, como campo de pesquisa, necessita
responder aos desafios que as políticas de ação afirmativa estão colocando
para as universidades brasileiras em termos de inclusão e acompanhamento de
alunos pertencentes a grupos até recentemente pouco representados nos cursos
mais seletivos.
QUALIDADE NA GESTÃO E PROUNI
Arabela Campos Oliven1
Luciane Bordignon2
Quelen Gianezini3
Luciane Bello4
Introdução
A
expansão da educação superior brasileira faz parte de um conjunto
de ações implantadas pelo governo federal (FHC, 1995 - 2002; Lula,
1993 - 2010) nas últimas duas décadas. Tal expansão teve seu início marcado
pela ampliação de Instituições de Ensino Superior (IES) no setor privado.
Nos últimos anos esta expansão vem ocorrendo em duas direções.
A primeira consiste na ampliação física, com a criação de novas Instituições
Federais de Ensino Superior (IFES), com a interiorização mediante a criação de
novos campi, com a reorganização institucional de algumas IFES e com a ampliação
de vagas, principalmente, no turno noturno. Estas ações integram o Programa de
Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)
e tem contribuído para a expansão do ensino superior no setor público.5
A segunda direção incide na perspectiva de ampliação social do ensino
superior através de uma política governamental de inclusão social baseada na
concepção de reduzir as desigualdades sociais através da educação. Tal perspectiva
contempla tanto o setor público, com a implantação das cotas raciais e sociais;
quanto o setor privado, com subsídios através de concessão de bolsas (PROUNI) e
financiamento estudantil (FIES).6
Professora Associada do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre
Universidade (GEU). E-mail para contato: [email protected]
2
Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PPGEDU-UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU). Professora da Universidade
do Oeste de Santa Catarina. E-mail para contato: [email protected]
3
Cientista Social (UFRGS), Mestre em Sociologia (UFRGS) e Doutoranda em Educação (UFRGS).
Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU) e Bolsista CAPES. E-mail para contato: quelen.
[email protected]
4
Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (PPGEDU-UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU). E-mail para contato:
[email protected]
5
Vide GIANEZINI (2009).
6
Sobre este assunto ver: GIANEZINI, BORDIGNON, OLIVEN (2010); GIANEZINI (2008).
1
256
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
É a partir desta última – a concessão de bolsas estudantis no setor privado,
especificamente o PROUNI – que se propôs analisar, neste artigo, a qualidade na
gestão de relações universidade e sociedade, focando em uma IES comunitária
de Santa Catarina, a UNOESC. Além disso, este estudo procura compreender as
possíveis alterações que este programa pode causar na gestão de uma IES, no
corpo docente e nas motivações dos alunos.
Assim, questionam-se: quais são os principais reflexos da implantação do
PROUNI na gestão das IES? É possível identificar indicadores de qualidade na
gestão institucional? Se sim, estes indicadores poderiam servir para estabelecer
possíveis relações entre a universidade e sociedade?
Estes são os questionamentos norteadores deste estudo e para tentar
respondê-los, tomou-se por base a realização de uma pesquisa em distintos bancos
de dados, tais como: do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
e o próprio banco de dados da UNOESC.
Cabe salientar ainda, que a implementação de políticas de ações
afirmativas, como o PROUNI, se realiza num contexto delicado em meio a
aprovações, polêmicas e posições contraditórias. Há grupos que impulsionam
esta política e há grupos que se opõem a ela. Neste contexto, o termo ação
afirmativa “refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias
e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no
passado” (OLIVEN, 2007, p. 151).
Paralelamente, este debate e o presente estudo têm por mérito a questão
da distribuição social do acesso ao ensino superior, independente do caráter
político ideológico.
A UNOESC e o PROUNI
Para analisar a qualidade na gestão de relações universidade e sociedade
com profundidade, foi necessário delimitar o universo do presente estudo
focando em uma unidade federativa e em uma universidade.
A particularidade deste estudo reside nos seguintes dados descritos abaixo.
Escolheu-se o Estado de Santa Catarina por sua diversidade geográfica,
sócio-econômica, étnica e cultural. Em 2009, havia no estado 6.118.743
habitantes descendentes de distintas etnias (açorianos, poloneses, alemães,
italianos, austríacos), distribuídos por 293 municípios (IBGE, 2009).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
257
Cabe destacar, que Santa Catarina possui uma taxa de escolarização
bruta de 24,6% e líquida de 14,7%, ambas acima da média nacional.
O sistema de educação superior catarinense é composto por 93 IES.
Somente 07 destas são públicas (03 federais, 01 estadual e 03 municipais),
as demais (92%) são privadas (60 privadas e 20 comunitárias/confessionais/
filantrópicas). Ainda estão divididas em 11 universidades, 05 centros
universitários, 75 faculdades (IES isoladas) e 02 IFTs.
De acordo com os dados mais atualizados pelo INEP (2008), há 205.127
matrículas no ensino de graduação em Santa Catarina, das quais 41% encontramse nas universidades comunitárias.
Em relação a IES escolheu-se a Universidade do Oeste de Santa
Catarina (UNOESC) por ser uma universidade multi-campi e de natureza
administrativa privada e comunitária. Considerando o seu histórico papel
social no cenário educacional de Santa Catarina, e suas distintas peculiaridades
que as cercam, reforçam a realização deste estudo.
A UNOESC nasceu no final da década de 1960 pela união de quatro
fundações isoladas de ensino superior. Somente em 1991 obteve autorização para
implantar o projeto de universidade, vindo a ser reconhecida como tal em 1995.
No primeiro semestre de 2010, a UNOESC contava com 19.776
estudantes de educação básica, graduação e pós-graduação (Especialização e
Mestrado). A UNOESC adota o PROUNI desde 2006, e em 2010 a Unidade
de Joaçaba7, conta com 424 bolsistas.
A categoria administrativa de universidade comunitária está prevista
na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBN). Na Constituição Federal (artigo nº 213) as instituições poderão
ser consideradas como comunitárias, como confessionais ou como filantrópicas
se conseguirem provar a finalidade não lucrativa e aplicar seus excedentes
financeiros em educação. Consta ainda neste artigo, em seu 2º parágrafo, a
possibilidade de algumas atividades universitárias (pesquisa e extensão) virem a
receber apoio financeiro do poder público.
Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UNOESC
(com vigência de 2007 até 2011), existem quatro categorias que precisam ser
analisadas para planejar o futuro da instituição: a sua atuação regional, a sua
A Universidade do Oeste de Santa Catarina possui quinze Campus e Unidades: Campus de São Miguel do
Oeste: Cunha Porã (Unidade), Maravilha (Campus aproximado), Mondaí (Unidade), Pinhalzinho (Campus
aproximado), São José do Cedro (Campus aproximado); Campus de Xanxerê: São Domingos (Unidade),
Campus de Joaçaba: Campos Novos (Campus aproximado), Capinzal (Campus aproximado), Tangará
(Unidade); Campus de Videira: Fraiburgo (Campus aproximado), Lebon Regis (Unidade), Salto Veloso
(Unidade), Santa Cecília (Unidade) e Chapecó (Unidade).
7
258
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
identidade institucional, o seu credenciamento público versus legitimidade
social e a sua plenitude universitária. O PDI aborda que o credenciamento
público versus legitimidade social não se limitaria, somente, ao cumprimento
dos indicadores exigidos pela legislação. Ele se efetiva na capacidade que a IES
possui para responder aos grandes desafios postos pela comunidade de sua região
de abrangência. Um destes desafios é oportunizar equidade no acesso ao ensino
superior. Neste sentido, tem-se o PROUNI que sinaliza para este acesso.
O PROUNI é uma política pública que tem o objetivo de democratizar o
acesso à educação superior,8 com a valorização do mérito do estudante, através
de concessão de bolsas de estudos integrais ou parciais em instituições privadas
de educação superior. Assinalam-se aqui dois tipos de IES privadas: as IES
sem fins lucrativos, como as filantrópicas ou comunitárias/confessionais, que
correspondem a 21,41% do sistema de ensino superior privado e oferecem 20%
das vagas para o PROUNI; e as IES com fins lucrativos, como as empresariais,
que podem ter desconto de impostos e oferecem até 10% das vagas para o
PROUNI. Das 1.934 IES privadas (INEP, 2005), 1.283 (66,33%) já haviam
aderido ao programa no segundo semestre de 2006.
O programa é voltado a estudantes sem diploma de ensino superior;
de baixa renda; professores da rede pública; portadores de necessidades
especiais; pardos; negros; e índios autodeclarados, em cursos de graduação e
sequenciais de formação específica.9
Procedimentos metodológicos
Os dados foram coletados mediante a realização de 03 entrevistas com
gestores, a aplicação de 84 questionários aos estudantes e, entre estes, 8 bolsistas
do PROUNI e pesquisa em fontes documentais disponíveis na própria IES.
Os questionários foram aplicados aos discentes dos Cursos de Engenharia de
Produção Mecânica, Direito e Pedagogia. A opção por tais cursos deve-se ao fato
de pertencerem a distintas áreas do conhecimento: Ciências Exatas e da Terra,
Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas, respectivamente.
8
Em 2005 o PROUNI ofereceu 112.275 mil bolsas em 1.142 instituições de ensino superior de todo o país. Em
2006 foram 138.768 mil bolsas e em 2007, foram 163.854. A meta do governo para os próximos quatro anos é
de atingir o número de 400 mil novas bolsas de estudos. A implementação do PROUNI, somada à criação de 10
universidades federais e 49 novos campi, amplia significativamente o número de vagas na educação superior,
interioriza a educação pública e gratuita e combate as desigualdades regionais. Fonte: http:<//prouniinscricao.
mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm>. Acesso em: 20 nov. 2007.
9
Disponível em: <www.mec.gov.br/prouni>. Acesso em: 20 nov. 2007.
259
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
Em relação ao perfil dos entrevistados, cabe salientar, que os docentes
entrevistados foram os coordenadores dos três cursos e integrantes da reitoria.
Os discentes eram 08 bolsistas e 76 não bolsistas, totalizando de 38 alunos do
Curso de Direito, 29 alunos do Curso de Pedagogia e 17 alunos do curso de
Engenharia da Produção Mecânica.
Sintetiza-se na tabela 1 o perfil dos discentes.
Tabela 1 – Perfil dos discentes entrevistados
CURSO
IDADE
POSSUI BOLSA DO PROUNI
Não
Sim
Pedagogia
19 a 31 anos
Total
Parcial
Direito
19 a 54 anos
4
4
0
0
25
34
Engenharia de Produção
Mecânica
17 a 29 anos
0
0
17
Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário.
Em relação ao término do ensino fundamental, 79 estudantes do três
cursos questionados levaram 8 anos para concluí-lo e eram oriundos de escola
pública. Quanto ao ensino médio, 80 estudantes levaram 3 anos para concluí-lo
e são oriundos de escolas públicas. A conclusão da graduação e ingresso em um
curso de pós-graduação é unânime.
O PROUNI sob a ótica dos alunos
Entre os objetivos desta pesquisa está a identificação das motivações e o
olhar dos acadêmicos sobre o PROUNI. Na tabela 2 apresenta-se, sucintamente,
a percepção dos discentes sobre o PROUNI.
Tabela 2 – Considerações dos discentes de Pedagogia, Direito e Engenharia de Produção
Mecânica sobre o PROUNI.
Curso
Política
pública
que facilita
o acesso
ao ensino
superior
Uma
medida
paliativa
Uma política de
democratização do
Ensino Superior,
possibilitando a
inclusão social
Uma política
injusta pois
favorece
certos
grupos em
detrimento
de outros
Não
respondeu
260
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Pedagogia
Engenharia
de Produção
Mecânica
Direito
12 alunos
20 alunos
TOTAL
40 alunos
8 alunos
1 aluno
Nenhum
aluno
Nenhum
aluno
1 aluno
10 alunos
2 alunos
5 alunos
3 alunos
6 alunos
-
10 alunos
3 alunos
5 alunos
23 alunos
11 alunos
10 alunos
Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário.
De acordo com a tabela, a maioria dos alunos entrevistados considera o
PROUNI uma política pública facilitadora para o acesso ao ensino superior e uma
política de democratização do ensino superior, possibilitando a inclusão social.
Os dados da tabela 3 referem-se ao questionamento sobre a política do
PROUNI contribuir para aproximar ou não a universidade e a sociedade.
Tabela 3 – Considerações dos discentes de Pedagogia, Direito e Engenharia de Produção
Mecânica sobre a política do PROUNI contribuir para a aproximar ou não a universidade
e a sociedade
Curso
O PROUNI contribui
para aproximar a
Universidade e a
Sociedade
O PROUNI não
contribui para
aproximar a
Universidade e a
Sociedade
Não
respondeu
De certa forma
Pedagogia
22 alunos
1 aluno
6 alunos
-
Engenharia
de Produção
Mecânica
15 alunos
Nenhum aluno
2 alunos
-
Direito
25 alunos
2 alunos
7 alunos
4 alunos
TOTAL
62 alunos
3 alunos
15 alunos
4 alunos
Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário.
Constatou-se que a maioria dos alunos entende que o PROUNI contribui
para aproximar a universidade e a sociedade. Os alunos percebem o PROUNI
como: acesso ao ensino superior, possibilidade de fazer uma graduação gratuita,
melhorias na vida profissional e, simultaneamente, na situação econômica, além
da inclusão dos menos favorecidos e ampliação das oportunidades.
O PROUNI sob a ótica dos gestores
A gestão da educação em geral é tema central das políticas educacionais,
na contemporaneidade, em todo mundo. Segundo Luce e Medeiros “a organização
das instituições e a relação delas com a comunidade em que estão situadas e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
261
com os governos a que são vinculadas, implica diferentes concepções sobre a
organização do espaço público e da responsabilidade do Estado, da sociedade e
dos profissionais da educação” (2006, p. 15).
Na perspectiva da organização das instituições e sua relação com os
sujeitos sociais da comunidade, Habermas (2007) reflete sobre a inclusão do
outro, que significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos. A
perspectiva habermasiana, salienta a responsabilidade solidária geral de cada um
pelo outro, referindo-se ao “nós” flexível em uma comunidade, que resiste a
tudo o que é substancial e que amplia constantemente suas fronteiras porosas,
pela idéia negativa da abolição da discriminação e do sofrimento, assim como da
inclusão dos marginalizados. Essa inclusão, segundo Habermas, significa que as
fronteiras da comunidade estão abertas a todos.
A gestão da educação no ensino superior pressupõe participação da
instituição e da comunidade na qual está inserida. A entrevista com os gestores
buscou apreender o olhar pelo âmbito dos gestores.
Uma das questões apontava para a descrição das mudanças na gestão
com a implantação da política do PROUNI. Os gestores assim se manifestaram:
para as universidades que aderiram ao PROUNI, as mudanças
na gestão são diminutas, pois o programa se insere nessas IES
como sendo um entre outros programas que elas mantém, tais
como Programas de Bolsas de Estudos com recursos de outras
naturezas. De outro lado, tais instituições terão que deixar de
oferecer vários outros serviços às comunidades carentes de
seu entorno, uma vez que os recursos da isenção de cobrança
da cota patronal estarão migrando aos poucos ao PROUNI,
causando enorme prejuízo às populações carentes que se
beneficiavam de Projetos desenvolvidos pelas IES (G1).10
Outro gestor salientou que “na gestão da universidade não houve
mudanças e sim um controle para adequar a parte contábil aos recursos
disponíveis e a organização destes para a prestação de contas” (G2).
Ao serem questionados se é possível reconhecer indicadores de
qualidade na gestão educacional com a política de bolsas do PROUNI e em
caso afirmativo, estes indicadores poderiam servir para estabelecer possíveis
relações entre a universidade e a sociedade, os gestores se pronunciaram desta
forma: “é muito cedo para se ter uma avaliação do programa, mas, de qualquer
10
A letra “G” significa gestor e o número posterior a esta letra (1, 2, 3, 4...) representa a ordem em que foram
realizadas as entrevistas, as quais foram feitas ao longo do mês de setembro de 2010.
262
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
forma, certamente o PROUNI não deixa de ser uma política de afirmação,
resgatando a dívida social que a sociedade brasileira tem para com os excluídos
da universidade” (G1).
Outro gestor diz:
sim, quando da adesão da UNOESC ao PROUNI, houve um
grande trabalho de divulgação do programa e aproximação
das escolas do ensino médio das regiões de abrangência da
UNOESC. Por diversas vezes responsáveis pelo programa
na instituição estiveram presente em escolas, em reuniões
de diretores de escolas, justamente com a finalidade de
divulgar o programa e critérios para acesso ao benefício.
A partir disso, temos estabelecido um contato mais direto
com as escolas e sociedade. Esta relação é aprimorada
no ano de 2010 com a instituição da Comissão Local de
Acompanhamento de Controle Social do PROUNI que
possui representatividade docente, discente e representantes
da sociedade civil. As reuniões ocorrem bimestralmente em
cada unidade de oferta do PROUNI (G2).
Afirma outro gestor que “o PROUNI tem potencial para fomentar a
discussão sobre a qualidade social da educação, na concepção de Arroyo, e nesta
medida, orientar as políticas internas, por meio de indicadores de qualidade na
gestão educacional” (G3).
Em se tratando da questão da qualidade, Schwartzman (apud SGUISSARDI,
2009, p. 263) diz que esta questão “surge como problema socialmente significativo
quando os resultados ou produtos que se obtêm das instituições de educação
superior deixam de corresponder às expectativas dos diferentes grupos e setores
que delas participam, e, mais, quando a frustração contínua dessas expectativas
começa a se tornar insustentável” (1992, p. 13). Fortalece esta idéia Vroeijenstein
(apud MORONISI, 2003, p. 387) ao dizer que “a qualidade é responsabilidade de
todos os membros do corpo docente, técnico-administrativo e dos alunos. Antes de
tudo, é uma responsabilidade compartilhada”.
Na opinião dos gestores, as mudanças na gestão com a instituição do
PROUNI foram diminutas e se concentrou no controle contábil. Quanto à
aproximação das relações da universidade com a sociedade revelou-se pela
entrevista, que ainda é cedo para uma avaliação do programa, mas o PROUNI
se constitui em uma política de afirmação que aproximou universidade
com a sociedade, principalmente pela instituição da Comissão Local de
acompanhamento do PROUNI que agrega docentes, discentes sociedade civil.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
263
Corrobora com esta perspectiva, Paro (2000, p. 08) ao afirmar que por sua
característica de relação humana, a educação só pode dar-se mediante o processo
pedagógico, necessariamente dialógico, não dominador, que garanta a condição
do sujeito tanto do educador quanto do educando. Por sua imprescindibilidade
para a realização histórico-humana, a educação deve ser direito de todos os
indivíduos enquanto viabilizadora de sua condição de seres humanos.
Em relação à questão sobre a existência na universidade de uma política
de apoio a bolsista do PROUNI, os gestores se expressaram desta forma:
a universidade tem uma política através do Serviço de
Apoio ao Estudante (SAE). Temos uma estrutura que
está à disposição dos estudantes. O SAE trabalha sob o
aspecto de três grandes políticas de atendimento: Política
de Apoio Financeiro (bolsas de estudo), Política de
Apoio PsicoSocial (através do programa de atendimento
psicológico gratuito e serviço de classificados), apoio para
inserção ao mercado de trabalho (através da gestão de
estágios curriculares não obrigatórios).(G2).
Outro gestor se manifestou:
a UNOESC apóia os alunos bolsistas do PROUNI assim
como apóia todos os demais alunos que apresentam
dificuldades econômicas para se manterem na
universidade, sem discriminação. Esse apoio se configura
pelos Programas que o Serviço de Apoio ao Estudante
desenvolve junto aos alunos carentes. Contudo, não
destina qualquer tipo de apoio financeiro, pois esse apoio
o aluno prounista já tem do Estado (G1).
Considerações finais
A elaboração deste artigo permitiu refletir sobre a qualidade na gestão de
relações universidade e sociedade. Retomando a problemática da pesquisa (a)
quais são os principais reflexos da implantação do PROUNI na gestão das IES?
(b) é possível identificar indicadores de qualidade na gestão institucional? Se
sim, (c) estes indicadores poderiam servir para estabelecer possíveis relações
entre a universidade e sociedade? Chegou-se às seguintes considerações: a)
a maioria dos alunos entrevistados considera o PROUNI uma política pública
que facilita o acesso ao ensino superior; uma política de democratização do
264
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
ensino superior, possibilitando a inclusão social e compreendem que o PROUNI
contribui para aproximar a universidade e a sociedade; b) os gestores consideram
que: as mudanças na gestão são reduzidas, porém revelam que o PROUNI
aproxima as relações entre a universidade e a sociedade e que ainda é cedo para
avaliar o programa, mas indicam que o PROUNI se caracteriza por uma política
de afirmação, permitindo a inclusão na universidade.
Através deste estudo pode-se chegar a algumas constatações. Ainda
são poucos os estudos minuciosos sobre o PROUNI, por este motivo, o
monitoramento desta política pode se estender de forma contínua na busca de
novas averiguações.
Reitera-se que as políticas públicas, como o PROUNI, podem possibilitar
que os interesses e necessidades de grupos excluídos sejam atendidos, permitindo,
segundo Santos (2005) um novo mundo possível, no qual pode haver o
reconhecimento das diferenças, fazendo, este, parte de uma busca de alternativas.
Com as idéias enunciadas neste artigo, espera-se ter deixado a reflexão
e as constatações apresentadas sobre o PROUNI bem como a indagação:
poderá o PROUNI se configurar como um indicador no quesito atenção aos
discentes no Plano de Desenvolvimento Institucional? Todavia, esta nova
indagação merece uma reflexão mais cuidadosa e formulação de novas
hipóteses para sua compreensão.
Referências
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Programa Universidade para Todos - PROUNI regula a atuação de entidades
beneficentes de assistência social no ensino superior e dá outras providencias.
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Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
265
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na
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SGUISSARD, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI. São
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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA. Plano de
Desenvolvimento Institucional (2007 -2011).
QUALIDADE NA GESTAO DE ESTUDANTES
Elizabeth Diefenthaeler Krahe1
Hamilton de Godoy Wielewicki2
Qualidade: característica, propriedade ou
atributo essencial ou distintivo de algo.
Do latim: qualĭtas, -ātis
O contexto
A
Universidade brasileira, nessa primeira década do século XXI, não
está infensa e, portanto, reflete os movimentos do mundo ocidental
em sua reconfiguração quanto aos papéis e funções que se propõe a exercer na
formação dos jovens para a sociedade das próximas décadas. O texto que estamos
iniciando propõe-se a analisar o que diz um grupo de alunos, de uma tradicional
universidade pública brasileira, quanto a seu entendimento do que vem a ser
uma instituição superior de qualidade. Partimos do pressuposto de que o termo
“qualidade” é compreendido como atributo essencial, trazendo, portanto, uma
conotação de característica positiva.
Em análise do momento contemporâneo, Hargreaves (2003, p. xviii)
(APUD Popkewitz et al, 2009) argumenta criticamente contra a enfatização
do materialismo e daquilo que denomina marketização das reformas
neoliberais. Indica aquele autor estarmos em uma sociedade do conhecimento,
afirmando que, em verdade, se trata de “uma sociedade da aprendizagem
[...] que processa informação e conhecimento de tal modo a maximizar a
aprendizagem, estimular a engenhosidade e a criação e desenvolver a
capacidade de iniciar [e lidar com] a mudança”.
Assim, nessa mesma perspectiva de procura pelo entendimento dos
fenômenos sociais atuais, encontramos em Popkewitz et al (2009) a análise
de construção de um sujeito que se quer cosmopolita, e afirmam que este
termo, já usado no início do séc. XX na ideia de um cidadão global liberto do
provincianismo e da tradição, retorna agora reformulado “como o topoi do
conhecimento e da sociedade comunicacional, no qual uma criança que seja
aprendiz por toda a vida pode recriar continuamente seu eu ao se tornar um
agente de resolução de problemas (p.76)”.
1
2
Docente do PPGEdu e membro do GEU-Ipesq na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Docente da Universidade Federal de Santa Maria e mebro do GEU-Ipesq/UFRGS.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
267
A partir da convergência de tais entendimentos, no quadro das análises
conduzidas pelo GEU Ipesq procuramos dar continuidade aos debates sobre
o conceito de “universidade de qualidade” trazendo para a reflexão diversas
circunstâncias que interferem no cotidiano dos jovens estudantes universitários e
dessa forma, entendemos ser de vital importância a incorporação das vozes de tais
sujeitos nos processos que visam a ponderar acerca dos parâmetros e indicadores
que objetivam a discutir qualidade no âmbito das instituições de educação superior.
E assim, queremos discutir (em que pese a redundância implicada) qualidade a partir
de uma perspectiva qualitativa. Embora referindo-se especificamente ao cenário da
avaliação da pós-graduação, Hortale (2010, p. 1838) pondera por exemplo, que os
“principais indicadores do instrumento de avaliação são de natureza quantitativa,
faltando indicadores de natureza qualitativa, como por exemplo, de opinião do
corpo discente sobre a satisfação e a qualidade do curso”.
Nossa intenção, portanto, é partir para a tessitura do argumento deste
trabalho com base no ponto de vista de uma licencianda que pondera que “A
busca por uma educação/formação de qualidade resulta incisivamente na
busca por valores que até então não eram cogitados, e parar para pensar no
que queremos em nível de universidade nem sempre é fácil quando estamos
vivendo este perturbado e inconstante mundo de universitários”. Assim, visando
trazer subsídios para nossas discussões, do Grupo GEU, com a pesquisa “Vozes
da Comunidade: Universidade de qualidade” buscamos ouvir estudantes de
diferentes áreas, nos diversos campi da UFRGS.
Desvelando a voz dos estudantes
Para construir o arcabouço de um quadro indicativo de quais atributos
os estudantes universitários, de uma IES pública, indicam como necessários para
que uma universidade seja classificada como de qualidade, ou melhor, de boa
qualidade, desenvolvemos uma ação investigativa, através de entrevistas, que
ocorreram nos meses de setembro e outubro de 2008 nos campi da UFRGS. Foram
analisadas respostas de 85 alunos e alunas de diferentes áreas de conhecimento.
Para as entrevistas contamos com a ajuda de uma aluna estudante de
graduação em licenciatura e bolsista de iniciação científica, e a abordagem ocorreu
de forma aleatória, sendo que os locais mais visitados eram os bares, restaurantes
e espaços de grande circulação de estudantes como saguões e pátios da UFRGS.
Todavia verificou-se que a abordagem direta, com gravações ou formulários de
respostas, conforme planejado, não foi bem aceita.
268
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O formulário continha apenas duas perguntas reflexivas e dissertativas:
(a) O que você entende por Universidade de Qualidade? (b) Quais valores ela
deve possuir?
A escolha por um formulário com amplo espaço para respostas
dissertativas se deu pelo fato de querer deixar o aluno à vontade para expressar sua
opinião e também para não ter apenas as respostas esperadas pelo entrevistador,
esperava-se um pouco de reflexão e argumentação do mesmo.
Na abordagem direta, os alunos declararam sentirem-se incomodados
com a complexidade das perguntas e com o necessário tempo que seria requerido
para pensar ao responder. Assim, passou-se a entregar então os formulários
para serem preenchidos e posteriormente devolvidos. Contudo, como costuma
acontecer neste tipo de metodologia, o retorno foi de poucas unidades.
Frente a este fato, o baixo retorno dos formulários, repensou-se a estratégia
de abordagem, e resolveu-se utilizar um meio atualmente extremamente familiar ao
jovens universitários: o MSN. A opção por tal estratégia para estabelecer contato com
os estudantes procura, na linha do tipo de investigação já realizada por Wielewicki
& Rubin (2008) identificar espaços públicos nos quais os estudantes constituamse socialmente e que, além disso, por serem, como as redes sociais, instâncias
informais, podem trazer à tona, “ideias – tanto no teor, quanto na forma – muitas
vezes ausentes das esferas públicas” (p. 90), permitindo, desse modo, “enxergar
mais nitidamente abaixo da linha da superfície dos argumentos frequentemente
trazidos em instâncias que requerem um maior nível de formalidade”, como seria
o caso da avaliação institucional formal. Acrescente-se a isso a constatação de que
muitos jovens (estudantes) comunicam-se por vezes com maior naturalidade em
tais esferas de ação social. Percebeu-se, sob certo sentido, que mesmo plenamente
cientes de se tratar de um trabalho formal de pesquisa, os estudantes responderam
de forma direta, sem que fosse possível observar pressão de tempo ou ansiedade, o
que resultou em rico material para análise.
Dialogando com os resultados e uma discussão
preliminar
Finda a coleta, realizou-se uma segunda etapa da pesquisa: estudo e análise
de conteúdo das entrevistas, utilizando-se para tanto a perspectiva de análise de
conteúdo (BARDIN, 1977). Inicialmente, foi possível identificar que as falas dos
estudantes poderiam ser classificadas em dois grandes tópicos - estrutura e ensinonos quais salientaram-se três grandes categorias: educação, valores morais e éticos
269
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
e espaço físico. Elencando os conceitos e ideias que se repetiam em diversos
depoimentos, estabelecemos um conjunto de categorias secundárias, concomitantes
as três acima descritas. Estas, no entanto tiveram incidências menores.
Assim, foi possível esboçar o seguinte quadro diagramático das respostas
por eles oferecidas:
UVERSIDADE DE QUALIDADE
Espaço físico
Estrutura
Incentivos à pesquisa e a extensão
Conscientização social
Cultura
Compromisso social
Incentivo à diversidade
Educação
Respeito
Valores morais e éticos
Ensino
Administração
Professores
Figura 1 – Visão diagramática - Universidade de Qualidade
Em análise preliminar, ao se tratar de espaço físico e educação, a distribuição quantitativa de respostas foi relativamente homogênea entre as distintas
categorias, como se pode observar no gráfico a seguir:
Universidade de Qualidade
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
72
65
61
47
39
35
31
23
22
22
estudantes em %
Figura 2 – Categorização das respostas (em %)
270
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Qualidade como uma questão material
Do ponto de vista quantitativo, destaca-se a menção feita à infraestrutura, em que pese haver relativa proximidade de ocorrências situadas para
além das dimensões de estrutura física da instituição, tais como a consideração
geral sobre a qualidade geral da formação e da atuação dos docentes.
Os alunos demonstraram ter uma preocupação constante em relação ao
que a universidade oferece em termos de infra-estrutura, emprego de tecnologias
e formação prevendo inovações mercadológicas, assim como se percebeu como
uma das prioridades o respeito dos professores para com cada aluno. Uma
afirmação que respalda esta última percepção: “Respeito de professores para
alunos, mais comprometimento dos professores para os alunos.” (A05 )3
Talvez seja prudente fazer, como já indicamos anteriormente, uma
observação mais apurada sobre o destaque dado ao primeiro ponto - o que a
maioria dos alunos aponta inicialmente como qualidade na universidade diz
respeito focalmente à sua infraestrutura física. Parcela muito significativa
dos depoimentos começam a discussão do que é entendido como qualidade
com base no julgamento de sua infra-estrutura física. Indicam como condição
imprescindível e primeira, portanto, um bom ou adequado sistema físico,
refletido em boas salas de aula; bons laboratórios; bons materiais didáticos, bem
como uma boa estrutura para pesquisa e extensão. O conjunto destes seria então
indicativo de universidade de qualidade. Longe de excluir tais parâmetros para a
avaliação de qualidade, questiona-se aqui o fato de tais questões assumirem um
papel basilar na organização da argumentação dos estudantes consultados sobre
o que se entende por qualidade. Tal ênfase pode ser relacionada a uma teoria da
hierarquia das necessidades, na qual fisiologia e segurança encontram-se na base
da pirâmide, logo a parte física dos sujeitos precisa ser satisfeita para só então
as emoções e o intelecto serem passíveis de desenvolvimento, em suma, as aulas
terem condições de surtir efeito.
Foi destaque nos depoimentos a ênfase indicada pelas repetições de
quesitos ligados à infra-estrutura, para os quais a queixa maior se deu em relação
a serviços básicos como banheiros, tomando a primazia nas listagens, precedendo
à demanda por bons profissionais de ensino ou meios de aprendizagem e métodos,
como se observa, por exemplo, nas seguintes assertivas:
Banheiros limpos, professores
infraestrutura (A03)
3
As iniciais correspondem aos nomes dos estudantes
qualificados
e
boa
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
271
Boa infra-estrutura, com banheiros, rede de informática
e acesso par todos, restaurantes, debate de valores e
construção de conhecimento em conjunto, etc. (A33).
Paralelamente a tais dimensões podem ser encontrados igualmente
elencados com fundamentais para uma universidade de qualidade a melhoria
de bens de consumo e até mesmo boa iluminação, bem como bibliotecas mais
preparadas para a demanda de alunos matriculados em uma mesma cadeira,
indicando haver atualmente falta de material para consulta e até mesmo a
exiguidade de espaço físico para estudos.
Sinteticamente, uma expressão prototípica desse foco na infraestrutura
pode ser vista na seguinte posição de um dos estudantes entrevistados:
“[Espera-se que a universidade] Ofereça a seus alunos a estrutura que
eles merecem” (A01).
A forte presença de questões relativas à infra-estrutura institucional
nas indicações dos estudantes vai numa direção ligeiramente diferente do que
indicaram Souza e Reinert (2010) em seu estudo. Merece, portanto, estudos
adicionais em torno de explanações mais consistentes sobre as razões que levam
estudantes a constituir tais condições como o foco de seu entendimento sobre o
que possa ser entendido como qualidade na educação superior.
Mesmo assim, parafraseando a fala dos estudantes, a qualidade da infraestrutura seria um indicativo de que os estudos poderiam ser levados adiante
com sucesso. Essa questão, no entanto, exige alguma cautela, particularmente
diante do alerta feito por Andriola et al (2006) quanto ao potencial impacto da
falta de infra-estrutura sobre as taxas de evasão observáveis em vários contextos
de educação superior. Dito de outra forma, se a presença de condições adequadas
de infra-estrutura não garante per se o sucesso de uma instituição, sua falta, por
outro lado, pode ser determinante para o fracasso de sua missão.
Qualidade como Ética e Compromisso Social
Entretanto, há na rede de falas, outras tantas assertivas indicativas de
outras categorias, dentre as quais destacamos a Ética e o Compromisso Social,
que, em seu conjunto, deixam um claro alerta ao fato de que os estudantes estão
sintonizados com a ideia de que uma universidade de qualidade é, de modo
bastante relevante, uma universidade ética, como destacam as seguintes falas:
272
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Autenticidade,
credibilidade,
compromisso
social,
comprometimento e ética (A82)
Ela deve ter como principal objetivo passar o conhecimento
e também ser uma instituição correta e transparente (A47)
Respeito, ética e amizade cultiva (A36
A universidade deve ser multidisciplinar, deve haver
comprometimento de todos, e prestar serviços a sociedade,
deve haver mais compromisso social (A59)
Acho que o que a universidade precisa é uma mentalidade
voltada para a sociedade, não ficar somente pensando no
ensino pelo ensino, não que todos esses papéis sejam de
responsabilidade da instituição. O aluno, o estudante precisa
levar isso à universidade também. Acho que o aluno é tão
decisivo na formação da universidade quanto a universidade
na formação do aluno. Participar de debates, fazer pesquisas,
tudo isso que não se enquadre somente dentro da sala de aula
sabe, essas coisas precisam ter espaço na universidade (A48)
Ética, democracia, responsabilidade social (pesquisa voltada
a buscar soluções para problemas da sociedade)(A35)
Como pode ser observado pelas falas, mas sobretudo pelo recurso aos
dados constantes da Figura 1 (Categorização das respostas – em %), temas
como o respeito, a conscientização social, a ética e a responsabilidade social são
presenças marcantes nas falas dos estudantes quando se referem ao que entendem
ser uma universidade de qualidade, o que reforça o sentido de haver – em se
tratando de estudantes de uma universidade pública – uma nítida preocupação
com a relevância social da instituição
Dentre as respostas e argumentações dos entrevistados foi possível
perceber também a ênfase em uma universidade que ofereça qualidade de ensino
aliada a inclusão ao mercado de trabalho,
Uma universidade que de um ensino de qualidade e estimule
o aluno a estar presente em sala de aula, que estimule
trabalho de iniciação científica e bolsas de extensão, que
mostre verdadeiramente o mercado de trabalho e que insira
o aluno no mercado de trabalho uma busca por melhores
professores e suas qualidades didático-pedagógicas. (A34)
Nesse sentido, Nunes & Helfer (2009, p. 181) indicam, em seu estudo das
opiniões de discentes de uma universidade comunitária de porte médio do Rio
Grande do Sul, que “as dimensões do conhecimento profissional e contextual são
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
273
as que têm mais peso na ideia da boa prática docente” e podem, por conseguinte,
ter um considerável impacto na formulação do conceito de qualidade que
estudantes conseguem formular.
As entrevistas também salientam, por outro lado, que os estudantes
entendem haver alguns obstáculos a um processo do qual resulte uma universidade
feita com qualidade, com algumas diferenças entre distintas áreas. Na área das
ciências exatas e engenharias, por exemplo, o foco das preocupações parece estar
centrado nos processos de ensino e de aprendizagem, particularmente no que
se refere ao distanciamento e frieza de determinados professores em relação à
aprendizagem e, de mesmo modo, resultados obtidos pelos alunos em algumas
disciplinas, que parecem ter ‘tradição’ de produzir reprovações em massa. Por
outro lado, na área das Ciências Humanas, em cursos como, por exemplo, Ciências
Sociais e Filosofia, as preocupações deslocam-se para questões que transcendem
os aspectos mais diretamente relacionados aos cursos em si. Estudantes daqueles
cursos frequentemente aludem a uma falta de motivação em relação à futura
profissão e sua inserção na sociedade. Além disso, parece haver, em função
dessa pretensa falta de motivação diante do campo de atuação profissional,
questionamento quanto ao status de tais cursos no âmbito da universidade.
Assim, as preocupações expressas pelos estudantes parecem dar conta de
diferentes níveis de valorização das profissões (bem como do status profissional
a elas atribuído). Pode-se hipotetizar que além disso, como muitas das carreiras
no campo das Humanidades estão relacionadas ao ensino, pode-se estender
o argumento ao fato de que a docência, como profissão é insuficientemente
valorizada (cf. Tardif e Lessard, 2005) e pouco atraente (Hargreaves, et al., 2002),
na universidade, de igual modo, os reflexos de tais percepções são evidenciados
numa menor valorização intelectual da função ensino e, mais agudamente
da extensão, em comparação com a pesquisa, em detrimento de uma relação
indissociável e, portanto, não preponderante, de nenhuma.
De qualquer modo, o que se quer registrar aqui é que se, de um lado,
é mister reconhecer que as áreas não são iguais, por outro lado, é preciso
zelar para que as diferenças concreta ou simbolicamente existentes não sejam
convertidas em loci de desigualdade e injustiça. Nessa direção, Santos (2006,
p. 157) argumenta que “a injustiça social assenta na injustiça cognitiva”, e que,
guardadas as devidas proporções e resguardadas as diferenças entre os contextos e
situações aludidas, é necessário reconhecer que: há práticas de saber dominantes,
assentadas na ciência moderna ocidental, e práticas de saber subalternas, assentes
em saberes não científicos, ocidentais e não ocidentais, e que esta hierarquia
274
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
produz e reproduz desigualdade social no mundo. (SANTOS, 2006: p. 158)
Diante de tal constatação, é preciso considerar que a existência de canais
institucionais que permitam uma realimentação contínua dos vínculos entre
universidade e sociedade e entre os diferentes atores que a constituem pode ter
um papel potencializador de suas próprias ações e de redução das desigualdades
que por ventura a perturbem. Conversamente, a falta de tal canal organizado de
modo mais intenso e institucional, por sua vez, pode gerar uma situação que
enfraquece ou dificulta discussões de natureza mais complexa, inclusive as que
dizem respeito ao juízo que se faz da ação da universidade. É preciso, portanto,
que sejam estimuladas as iniciativas de acompanhamento dos estudantes da
universidade, bem como de seus egressos ou ainda a interlocução sistemática
com as pessoas, instituições e contextos que estejam em sua área de abrangência.
Oportunidades para tanto têm se apresentado, particularmente no que
diz respeito aos processos de avaliação institucional suscitados pelo SINAES4,
que incorpora na dinâmica da avaliação institucional a interlocução com a
comunidade. Essa, no entanto, tem sido reportada como uma área na qual ainda
se precisa, em termos de Brasil, produzir avanços mais consideráveis.
No que se refere a uma desigualdade percebida entre as diferentes áreas
ou campos disciplinares no âmbito da instituição, Wielewicki (2010) alerta, a
partir de um outro contexto, que embora a forma de constituição dos órgãos
de representação (e talvez seja o caso de considerar a avaliação institucional
como uma forma de representação e ausculta) possa comportar uma análise mais
detida, as idiossincrasias de tais instâncias – aqui incluídas as desigualdades
de tratamento não somente entre áreas e cursos, mas também dentro as áreas
atuantes nos diferentes cursos – são, dado seu frequentemente limitado nível
de autonomia, mais claramente identificáveis como sintomáticas de uma
desigualdade no âmbito dos cursos, do que propriamente causadora dessas
desigualdades.
Qualidade como participação e diálogo
Por fim, cabe argumentar aqui por uma participação mais ativa (e
talvez proativa) dos estudantes na avaliação da qualidade da educação superior,
sobretudo a partir de uma perspectiva problematizadora de sua condição de
atores decisivos de sua própria formação. Nesse sentido, a situação reportada
4
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, criado pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
275
no presente trabalho talvez deva repensada em termos da possibilidade de
que representa em termos do diálogo no âmbito da instituição. Além disso,
para finalizar, conforme apontam Antunes et al. (2010, p. 176) além de
relativamente escassos, os estudos sobre qualidade da educação a partir da
perspectiva dos discentes tendem a se restringir sobre a avaliação da qualidade
do trabalho dos docentes. Aqueles autores indicam, entretanto, a necessidade
de que embora seja necessário dialogar, na avaliação institucional, com a
perspectiva dos diversos atores sociais envolvidos, é fundamental não perder
de vista na avaliação da qualidade da educação superior o “ponto de vista de
um importante segmento de um cenário formativo, a quem se destina a função
político-social de uma instituição educacional – os alunos. (ibid, p. 177), cujas
vozes precisam ser mais audíveis, inclusive em termos de como a instituição
pensa a si mesma e se faz percebida por quem a constitui.
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QUALIDADE E GESTÃO PEDAGÓGICA
Elisiane Machado Lunardi 1
D
urante os últimos anos, em virtude da crescente importância que
a educação superior vem assumindo para o crescimento dos seres
humanos e para o desenvolvimento sociocultural e econômico dos países e
sociedades, a qualidade se tornou assunto de grande importância não apenas para
governos e instituições, mas também para toda a sociedade de maneira geral.
A preocupação dos governos em relação à qualidade da educação tem
estado manifesta em suas políticas. Muitas são as respostas que têm sido
dadas à pergunta: O que é qualidade em educação na educação superior?
A relação qualidade e educação superior está intrinsecamente agregada a
observância das políticas educacionais vigentes para o ensino superior e a
cultura organizacional da IES, bem como repercute na formação e atuação
dos profissionais e futuros profissionais.
Esse texto apresenta concepções e conceitos sobre qualidade no ensino
superior e gestão pedagógica de professores. O objetivo deste estudo consiste em
apontar algumas reflexões ancoradas em um estudo bibliográfico sobre qualidade
e gestão pedagógica de professores do ensino superior.
Qualidade no ensino superior
Muitas são as respostas que têm sido dadas à pergunta: O que é qualidade
na educação superior? Ultimamente, o debate sobre a educação superior vem
sendo focado sobre a qualidade, garantia de qualidade, para a aprendizagem,
a formação e a educação, abarcando estruturas, os processos e os resultados
educacionais (PAWLOWSKI, 2007; ADELSBERGER et al., 2008; SOMERS,
2010; MOROSINI, 2008).
Vários autores demonstram crescente preocupação com a educação, em
especial, no que tange a sua melhoria no ensino superior. Neste enfoque, Juliatto
(2005, p.19-20) diz: Cresce no Brasil a preocupação com a qualidade da educação
superior [...] A preocupação demonstra que se vê inadiável a necessidade de
melhoramento imediato, o que demanda critério, proficiência e, mais que tudo,
1
Acadêmica do Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Profª Adjunta do Curso de Pedagogia em EAD da Universidade
Luterana do Brasil – ULBRA/Canoas - RS
278
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
determinação e constância. [...] A preocupação com a qualidade da educação
superior não ocorre apenas no Brasil. Ela existe como crescente desafio mundial.
Percebe-se a preocupação com a melhoria de qualidade da educação
considerando que nas últimas décadas, no mundo inteiro, está acontecendo um
movimento de internacionalização na educação superior e, consequentemente,
está voltado para a qualidade da educação entendendo-a como pilar para a
formação e atuação profissional.
Várias são as instituições, órgãos e entidades, preocupados com as ações
de responsabilidade social da Universidade, voltados para que se instaure uma
pedagogia universitária de qualidade no mundo.
Órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO estão empenhados em questões e
ações que priorizam a universidade socialmente responsável.
Morosini (2008), ao tratar sobre a internacionalização da educação
superior, no que se refere a indicadores na perspectiva da qualidade do ensino e da
pesquisa, sinaliza: “O impacto no ensino e na pesquisa tem como características:
a visão que a qualidade está relacionada à responsabilidade e ao compromisso e
contribui para o desenvolvimento de experiências de aprendizado de estudantes”.
Também, a autora se refere as “[...] evidências do impacto da avaliação
de qualidade sobre as práticas de ensino” (p. 262), que apontam, propriamente
dito, prováveis indicadores de qualidade da educação superior:
Reformas no currículo, padrões mais altos e desenvolvimento
de instrumento para avaliação de estudante, inovação
em programas profissionais, programas melhores para
instrutores e desenvolvimento em padrões e sistemas de
promoção; grande consolidação da qualidade e crescimento
da atenção dada a função ensino nas IES e nas comunidades
acadêmicas, através de discussões sobre ensino, monitoria
e implicações do ensino por ele mesmo [...] da informação
para os professores sobre seus pontos fortes e fragilidades,
situações diagnósticas de ajuda; discussão e mudança de
valores desenvolvimento de sentido de pertença a uma
IES e legitimidade daqueles que iniciaram a avaliação.
(MOROSINI, 2008, p. 262).
Assim, a implementação de mecanismos avaliativos que priorizam
a qualidade da educação superior está relacionada a mudanças no processo
ensino e aprendizagem, sobretudo, porque apontam para critérios e indicadores
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
279
que sinalizam o que está acontecendo e o que precisa ser redimensionado para
alcançar os objetivos previstos para a IES, para o Curso, para a produção docente
e discente, entre outros aspectos.
Sendo assim, pode-se defender que a qualidade no ensino superior, entre
outras instâncias, tem como premissa: produção científica docente e discente;
padrões de satisfação às necessidades dos sujeitos os quais a instituição está
disponibilizando seus serviços; padrões mínimos os quais possam garantir que as
necessidades sejam bem atendidas; aprimoramento dos ambientes, os processos
de gestão e organização, o processo ensino-aprendizagem e as relações.
Nesse sentido, a relação qualidade – ensino superior está intrinsecamente
agregada a cultura estabelecida pelos cursos de formação, bem como repercute
nos contextos educacionais em que os professores atuam. Examinar as questões
que envolvem a formação e atuação dos professores, em especial na cultura da
Instituição de Ensino Superior (IES) e nas práticas que qualificam a formação
pretendida com o enfoque no eixo da gestão pedagógica universitária, exige
que se olhe sobre o viés de um ensino eficaz. De acordo com Cabrera (2010) e
Cabrera e LaNasa (2008) ensino eficaz é o que é capaz de produzir resultados
demonstráveis em relação á aquisição de competências.
Segundo Sugumar (2009), a competência se refere ao conhecimento,
habilidades e atitudes que deverá ter durante sua carreira. Nesse sentido,
a docência no ensino superior é espaço de processos específicos, os quais
necessitam ser interpretados, especialmente pelo contexto societário, assim
como as atividades acadêmicas que autorizam a certificação – e entre elas o
ensino – estão, inevitavelmente, relacionadas com perspectivas de boa qualidade
na atuação profissional dos docentes no ensino superior. Para (RIOS, 2001,
BRASLAVASK, 1999), a boa qualidade se refere à competência docente com
a capacidade de fazer com saber e com consciência dos resultados desse saber.
A qualidade de uma universidade está diretamente ligada à qualidade do
ensino que oferece que, por sua vez, vincula-se ao trabalho que o professor realiza
em sala de aula e em outros espaços acadêmicos destinados à aprendizagem dos
estudantes. Desta forma, professores qualificados, bem preparados e dispostos a
investir na aprendizagem dos alunos terão maiores condições de criar as situações
necessárias para uma formação acadêmica consistente.
Para Tardif (2000, p. 13), é importante compreender a epistemologia da
prática profissional como o “estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente
pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar
todas as suas tarefas”. A sala de aula passa a ser o lugar privilegiado de
280
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
mobilização e construção de novos saberes que configurarão o fazer docente.
As dimensões éticas e estéticas da gestão pedagógica dos professores passam a
ser consideradas, pois essa prática implica construção de valores, expectativas e
relações interpessoais que vão tecendo a complexidade da trama que o processo
de ensino-aprendizagem produz.
García (1999, p. 26) conceitua a formação de professores da seguinte
maneira:
A formação de professores é a área de conhecimentos,
investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito
da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos
através dos quais os professores – em formação ou em
exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em
experiências de aprendizagem através dos quais adquiram
ou melhoram os seus conhecimentos, competências e
disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente
no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola,
com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os
alunos recebem.
Tal processo exige ações auto, hétero e interformativas, pela construção
e reconstrução conceitual, advindas do processo de compartilhamento. Então,
o desenvolvimento profissional docente se delineia por demarcações de
caminhos, considerando a sua finalidade formativa e as respectivas trajetórias
pessoais, profissionais e institucionais, imbricadas nesse processo (ISAIA e
BOLZAN, 2008).
Entrelaçar em uma pesquisa o desenvolvimento profissional e as relações
com a qualidade da educação superior significa desafiar a investigar a trajetória
docente, com o olhar criterioso e investigativo nos pressupostos básicos e
formativos dos professores.
Juliatto (2005, p.79) expressa que:
Os indicadores de qualidade têm de ser empregados com
cuidado e para a finalidade para a qual foram criados.
Eles não são medidas absolutas da qualidade. Eles são
indicadores de qualidade singelos, mas significativos.
Eles indicam e sinalam algo que até pode necessitar de
maior elucidação e explicação. A ênfase deve ser dada
aos indicadores como sinais ou guias que por certo,
comportam valiosa informação.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
281
O autor aborda com ênfase a questão quantitativa como norteadora
e disseminadora de possíveis indicadores, mas aponta para a necessidade
de uma abordagem qualitativa complementar para confirmar e qualificar
efetivamente os dados obtidos. Entre várias concepções, Isaia e Bolzan (2008)
reconhecem que os indicadores são correspondentes sinais ou marcas, ao longo
de determinado processo que se deseja avaliar. Para tanto, é preciso focar uma visão de conjunto que integra diversos
aspectos que apresentam dimensão subjetiva e, portanto qualitativa, ao se
refletir acerca de certa realidade. Assim, elege-se a expressão interpretativa de
indicadores, sem ignorar a dimensão objetiva e quantitativa dos mesmos.
Destaca-se a qualidade sob três enfoques abordados por Morosini
(2001, p.90):
Alguns enquadram qualidade na concepção de
isomorfismo, articulada à idéia da empregabilidade e à
lógica de mercado. Outros a entendem como respeito
à diversidade e para outros, ainda, a qualidade vem
imbricada ao conceito de eqüidade.
A autora aponta três concepções de qualidade do ensino superior, as
quais, certamente, são produzidas pelas expectativas e políticas de administração.
Basicamente, se sabe que quando institucionalmente se faz opções por algumas
práticas, se está mobilizado por questões jurídicas, de ordem legal, assim como
pelo viés das políticas educacionais. Nesse sentido, é importante que se registre
que os condicionantes paradigmáticos interferem nas concepções e práticas
de avaliação institucional e, conseqüentemente, produzem indicadores que
verificam a qualidade dos serviços, da aprendizagem, dos espaços físicos, do
conhecimento [re] construído, dos recursos, entre outros aspectos.
Como aponta Morosini (2001), a qualidade isomórfica é sinônimo
de avaliação, uma vez que está presente no processo de planejamento, na
implementação das práticas pensadas, no controle e verificação das ações
realizadas e dos resultados obtidos. Está conectada a tipos de padrões focados
a sustentabilidade e empregabilidade, conseqüentemente, a políticas públicas
voltadas para o mercado.
Cabe ressaltar que, para além dessas categorias de qualidade, Morosini
(2001) também diz que essas três perspectivas de qualidade estão interrelacionadas, contrapondo a separação específica e nítida, ou seja, não existe uma
tendência de qualidade numa IES, pois dependendo do momento e da situação a
282
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
instituição adota uma sistemática ou outra, assim como pode estar mesclando as
diferentes facetas paradigmáticas da qualidade do ensino.
Qualidade aplicada aos sistemas universitários corresponde
a um conceito de construção social, local e internacional;
pressupõe acordo entre atores; indicadores podem ser
resultantes de processos de negociação. Qualidade e
excelência podem se definir pelo conceito e missão das
universidades (MOROSINI, 2008, p.265).
A qualidade na educação superior, conforme Rios (2001) pode ser
entendida sob quatro enfoques: qualidade da educação como competência técnica;
qualidade da educação enquanto proposição e realização de atividades; qualidade
da educação organizacional; qualidade da educação pela capacidade de articulação.
Nesse contexto, conforme o INEP/MEC é preciso que as IES priorizem
condições agregadas ao ambiente educativo; prática pedagógica e avaliação;
ensino e aprendizagem; gestão; formação e condições de trabalho dos profissionais;
ambiente físico; acesso e permanência dos alunos, entre outros aspectos.
Sendo assim, pode-se defender que a qualidade no ensino superior, entre
outras instâncias, tem como premissa: produção científica docente e discente;
padrões de satisfação às necessidades dos sujeitos os quais a instituição está
disponibilizando seus serviços; padrões mínimos os quais possam garantir que as
necessidades sejam bem atendidas; aprimoramento dos ambientes, os processos
de gestão e organização, o processo ensino-aprendizagem e as relações no
contexto educacional.
Qualidade e gestão pedagógica de professores
De acordo com Dourado (2003), a gestão da educação compreende a
articulação entre aspectos administrativos, pedagógicos, políticos e financeiros
que possibilitam a dinamização das ações educativas. Pode-se dizer que a
gestão vai além da visão técnica, burocrática, impessoal de administração da
educação. Ela se amplia para a perspectiva de um espaço de tomada de decisões
permeado por intencionalidades que revelam as crenças, valores, propósitos de
uma dada instituição em seu conjunto, quando o processo for participativo e
democrático, ou de seus dirigentes, quando a tomada de decisões for resultante
da vontade individual ou de um grupo restrito.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
283
Quando se fala em gestão no setor da educação pensa-se em praticar
democracia, ou melhor, em gestão democrática, justamente porque a assunção do
termo “gestão” nos meios educacionais ocorre, de acordo com Luce e Medeiros
(2006), no bojo dos movimentos reivindicatórios dos professores no contexto do
processo de democratização do país, propiciando a discussão e a contestação
das formas de administração escolar vivenciadas até então (década de 1980).
Entretanto, também se observa a utilização do termo por diferentes
correntes e com diferentes enfoques, sendo que alguns deles pouco ou nada se
assemelham aos processos democráticos.
Teichler (apud MOROSINI, 2003) destaca que os modelos de gestão
da educação superior, independentemente do tipo de instituição (humboldtiana,
francesa-napoleônica ou transformadora).2 são considerados como formas
de governo marcadas pelas relações entre educação e sociedade e o modo
de administração interno das instituições. As mudanças na organização da
universidade são resultantes dos processos de reconfiguração do Estado no
contexto da reestruturação capitalista contemporânea, que assinala para
reformas estruturais de grande porte, incluindo a reforma da universidade,
as também da reconfiguração dos processos de produção e apropriação de
conhecimentos e tecnologias.
Neste sentido, as instituições universitárias tornam-se foco de
atenção. São questionados os valores por elas disseminados, a qualidade do
conhecimento produzido em seu interior e, principalmente, como ocorrem os
processos educativos pelos quais são responsáveis, considerando a formação
de profissionais de diferentes áreas. Portanto, a qualidade da gestão pedagógica
do professor não pode ser vista como um “dom”, que uns têm outros não, ou
como resultado exclusivo da experiência, “que se aprende a fazer, fazendo”,
nem mesmo possa ser considerada de responsabilidade exclusiva do professor.
Cunha (2004), ao estudar a configuração da docência universitária,
afirma que
A concepção de docência como dom carrega um desprestígio
da sua condição acadêmica, relegando os conhecimentos
pedagógicos a um segundo plano e desvalorizando esse
campo na formação do docente de todos os níveis, mas,
principalmente o universitário (p.3).
Os modelos mais difundidos de universidade são os identificados com a tradicional universidade alemã,
chamada de humboldtiana, caracterizada pela ênfase na pesquisa e na produção do conhecimento científico;
os que adotam a perspectiva francesa-napoleônica, voltada para a formação profissional em bases técnicas e o
modelo latino-americano, que valoriza a concepção de universidade como instituição de transformação social
(MOROSINI, 2003).
2
284
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
As características próprias dos professores e as experiências docentes são
parte da configuração profissional, mas não se limita a elas, ou melhor, estas não
são suficientes para dar sustentação a posturas e decisões. A profissionalidade
docente implica em escolhas que ultrapassam o senso comum e se vinculam a
conhecimentos complexos e vivências refletidas que vão dando forma a uma
condição profissional específica: “ser professor”.
A gestão pedagógica, também, está ancorada nos saberes da docência
podem ser traduzidos pelo conhecimento aprofundado de um dado campo
de estudos; pela produção e manejo de materiais didáticos; pelo domínio de
instrumentos metodológicos; pela clareza quanto à opção epistemológica e
quanto ao nível cognitivo e intelectual esperado dos alunos durante as situações
de aprendizagem; pela criatividade e bom senso na elaboração de situações
que desafiem o pensamento e que produzam a novidade; pela capacidade de
organizar o planejamento das aulas, as atividades de aprendizagem e a avaliação
dos alunos; e pelo espírito investigativo que permite a elaboração própria, o
pensamento autônomo e a auto-avaliação.
O estudo do fenômeno educativo, enquanto gestão pedagógica em suas
dimensões mais amplas aparece circunscrito no campo da Pedagogia Universitária
entendida por Leite (2003) “como um campo interdisciplinar que compreende o
estudo do docente como intelectual público, do conhecimento social como articulador
do científico e do cotidiano, da inovação pedagógica, da avaliação institucional e
da classe nos contextos das novas tecnologias” (p.196). Como parte dos estudos
próprios à Pedagogia Universitária3 situa-se a didática universitária, cujo objeto é
o estudo e a intervenção nos processos de ensinar e aprender que ocorrem na aula.
A pedagogia universitária é um campo polissêmico de produção e
aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior. Reconhece
distintos campos científicos dos quais toma referentes epistemológicos e
culturais para definir suas bases e características. Pressupõe, especialmente,
conhecimentos no âmbito do currículo e da prática pedagógica que incluem as
formas de ensinar e de aprender. Incide sobre as teorias e as práticas de formação
de professores e dos estudantes da educação superior. Articula as dimensões
do ensino e da pesquisa nos lugares e espaços de formação. Pode envolver
uma condição institucional, considerando-se como pedagógico o conjunto de
processos vividos no âmbito acadêmico. (CUNHA, 2006).
Cito alguns autores que têm trabalhos voltados para a questão pedagógica da docência do ensino superior,
com destaque para Maria Isabel da Cunha (1989, 1996, 1997, 1998, 2003, 2004, 2005, 2006), Denise Leite
(1996, 1997, 1999, 2000, 2002, 2003), Anastasiou e Pimenta (2002), Pimenta (1996, 1997,1999, 2000, 2002),
Masetto (2004), Anastasiou (1998, 2000,2001,2003). Esses pesquisadores discutem especialmente a idéia de
mudança, de inovação, de rupturas com alternativas tradicionais de ensinar e aprender.
3
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
285
A publicação “Enciclopédia de Pedagogia Universitária”, organizada por
Morosini (2003) e produzida pelo grupo de professores integrantes da RIES –
Rede Sul-brasileira de Investigadores da Educação Superior, procurou tornar
visíveis os esforços de instituições do RS no sentido de qualificar suas práticas
docentes por meio de políticas internas de gestão pedagógica. Um dos textos de
Maria Isabel da Cunha traça a trajetória da Pedagogia Universitária no Estado,
desde a sua emergência, seus momentos de maior vigor até o momento atual
em que as preocupações das instituições, pressionadas pelas políticas oficiais e
pelo projeto social capitalista contemporâneo, passam a ser de outra ordem, mais
voltadas a colaborar com os sistemas econômicos e manterem-se rentáveis e
competitivas e menos reflexivas e críticas.
A Anpae publicou em 2001 um trabalho intitulado “O estado da arte sobre
política e gestão da educação no Brasil”, onde os pesquisadores realizaram um
importante levantamento das produções de pesquisas nesta área. Em um capítulo
específico sobre educação superior, produzido por Afrânio Catani e Maria Estela
Dal Pai Franco, os autores revelam as lacunas existentes no campo da pesquisa
em gestão acadêmica e do ensino, dando mostras da pouca atenção dadas a essas
questões na universidade.
Para a educação superior, alguns balizadores ao conceito de qualidade
são apontados, por Isaia e Bolzan (2008, p.2):
[...] seu caráter interpretativo e valorativo, ambos
ligados às dimensões sociais, políticas e históricas; sua
dimensão docente, na medida em que são consideradas as
estratégias voltadas para o desenvolvimento do processo
de formação de alunos e professores, envolvendo
empenho docente e discente nas tarefas acadêmicas,
tendo em vista a relevância do que se aprende; seu
caráter transformativo, levando em conta as demandas
da sociedade; sua vinculação a decisões políticas, na
medida em que o Estado participa da gestão educacional;
sua dimensão micro englobando a trajetória institucional
em todas suas instâncias e o processo especificamente
pedagógico ou formativo dos professores.
Nesse sentido, a gestão pedagógica universitária constitui-se a partir do
processo sistemático, organizado e auto-reflexivo que envolve os professores,
desde a formação inicial ao exercício continuado da docência nos diversos
espaços institucionais em que se desenrolam as relações entre a teoria e a prática
do professor da educação superior.
286
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Para García (1999), a concepção de desenvolvimento profissional dos
professores pressupõe uma perspectiva de formação que priorize o caráter
contextual e organizacional, direcionado para a mudança, superando a visão
individualista das ações de aperfeiçoamento docente, apontado, portanto, para o
compartilhamento de saberes e fazeres.
Sobre esse aspecto, Fullan apud García (1999, p.27), enfatiza que o
[...] desenvolvimento profissional é um projecto ao
longo da carreira desde a formação inicial, à iniciação,
ao desenvolvimento profissional continuo através da
própria carreira [...] O desenvolvimento profissional é
uma aprendizagem contínua, interactiva, acumulativa, que
combina uma variedade de formatos de aprendizagem.
Assim, a representação de ser professor, considerando seus saberes e
fazeres como pressupostos para a qualidade na gestão pedagógica universitária,
se personifica nas práticas educativas no ensino superior e, conseqüentemente,
na formação dos futuros professores.
Enquanto processo multifacetário, a qualidade da gestão pedagógica
abrange “questões de ordem teórica, profissional, atitudinal, valorativa, contextual,
sociocultural e política” (ISAIA e BOLZAN, 2008, p.551). Aproximar o conceito de
qualidade à área de educação, num sentido amplo, significa reconhecer que ela pode
consistir num significante, com múltiplos significados, por meio de conceituações
fundamentais, como de sujeito, sociedade, vida e educação, inter-relacionadas com
idéias afins, de caráter mais global, assim como de caráter profissional.
Considerações Finais
O debate sobre a educação superior sinaliza a garantia de qualidade, para
a aprendizagem, a formação e a educação, abarcando estruturas, os processos
e os resultados educacionais (MOROSINI, 2008). A qualidade no ensino
superior não se expressa simplesmente nem se esgota na relação entre insumos
e quantidade dos produtos. Dimensões pedagógicas, científicas, técnicas, éticas,
políticas, econômicas e tantas outras que constituem o humano são co-essenciais
no complexo fenômeno da qualidade educativa e muito pouco deles cabe
indicadores que se centram no formal, no burocrático e no operacional.
Nesse sentido, as Instituições de Ensino Superior precisam articular
a organização e a condução de todo processo educativo, com critérios bem
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
287
definidos para, sobretudo, saber onde quer chegar, por que, com quem, e como
vai se fazer isso acontecer, para que, efetivamente, esse processo seja legitimado
pela gestão pedagógica de seus professores
A qualidade da gestão pedagógica docente aparece ancorada no campo
da pedagogia universitária e está inter-relacionada à formação e atuação
profissional e, consequentemente, o desenvolvimento profissional, tendo como
aspectos fundantes e articuladores os saberes docentes (PIMENTA, 2002;
TARDIF, 2002; GAUTHIER, 1998; NÓVOA, 2003); a gestão da classe e da
matéria (GAUTHIER, 1998); as relações institucionais a nível macro e micro
(ISAIA E BOLZAN, 2008; MOROSINI, 2008); a ação pedagógica que envolve
o planejamento, a metodologia e avaliação (ENRICONE, 2005; CUNHA, 1999;
PIMENTA E ANASTASIOU, 2000; ZABALA, 2002).
Para Cossio (2008) os professores precisam se apropriar de conhecimentos
que envolvam a realidade educacional na qual estão situados, precisando, assim,
de elementos de contexto (econômico, social, político, cultural) e da instituição
educativa (estruturas de poder, formas de organização e de gestão, discursos e
práticas veiculadas, vínculos com a comunidade – o instituído e o instituinte);
o seu campo de conhecimento específico, no caso de professores das diferentes
áreas que compõem o currículo de um curso; o grupo de estudantes e de cada um
deles em particular, detectando motivações, interesses, conhecimentos prévios,
modalidades de aprendizagem, processos cognitivos; a didática, que compreende
as questões específicas de ensinar e aprender, envolvendo planejamento de aulas;
concepção e gestão do currículo da sua disciplina e do curso em sua totalidade;
processos, técnicas e recursos que podem ser mais adequados para as diferentes
situações; modalidades e formas de avaliação; postura em sala de aula; relação
com os alunos; organização do ambiente da aula; conhecimento sobre novas
tecnologias que auxiliem no processo pedagógico e, por fim, o conhecimento
da profissão que permita ao professor situar-se na carreira e no contexto da sua
profissão, buscando formas de ampliar a sua profissionalidade.
Portanto esses indicadores, se articulados, se configuram como
mecanismos desencadeadores e potencalizadores de processos pedagógicos
orientados pelas políticas e finalidades da educação superior e da instituição
que envolve o ensino, a aprendizagem, o currículo, os professores, gestores e
acadêmicos consolidando a qualidade do trabalho pedagógico no ensino superior.
288
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
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QUALIDADE E INDICATIVOS NA GESTÃO DA UNIVERSIDADE
Maria Estela Dal Pai Franco1
Mariangela da Rosa Afonso
Solange Maria Longhi
Introdução
O
desenvolvimento de Indicadores de Qualidade para a Educação
Superior Brasileira é o objetivo mestre do estudo que está sendo
desenvolvido pela Rede de Investigadores da Educação Superior - RIES/
Observatório CAPES/INEP. É no contexto desse estudo que se circunscreve
o presente trabalho, no que se refere a parte que está sob a responsabilidade
da UFRGS. A direção assumida pelo projeto como um todo é a de acrescentar
subsídios de caráter integrador aos indicadores de qualidade na ação e na avaliação
da universidade. No âmbito da pesquisa a UFRGS realizou um conjunto de ações
que envolveram dois Grupos de Pesquisa – GPs, do Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGEdu/UFRGS), dessa instituição: o InovAval – Grupo de Pesquisa
Inovação e Avaliação e o GEUIpesq – Grupo de Estudos sobre Universidade,
Inovação e Pesquisa. Algumas dessas atividades foram realizadas pelos dois
grupos, em conjunto, como Seminários e Workshops. Outras foram desenvolvidas
no âmbito específico de cada GP como teses e dissertações. No presente trabalho
são retratados frutos de algumas dessas atividades e seus desdobramentos.
É necessário explicitar que para alcançar resultados o esforço
empreendido implicou identificar, discutir e descrever dimensões e/ou categorias
Agradecemos a colaboração dos professores que participaram do Workshop para discussão dos critérios
e indicadores e/ou revisaram criticamente alguma das dimensões : do PPGEdu /UFRGS Denise B.C. Leite,
Arabela C. Oliven, Elizabeth D Krahe, do GEU-UFPel Mariângela da Rosa Afonso, Maria da Graça
Ramos, Tânia Elisa Garcia, do GEU-UPF a Professora Solange Maria Longhi e da UFSM Hamilton de
Godoy Wielewicki ([email protected]). Participaram do workshop para discussão coletiva de
critérios e indicadores , alunos de Mestrado e de Doutorado do PPGEdu /UFRGS ligados à linha de pesquisa
Universidade Teoria e Prática e aos grupos GEUIpesq e InovAval : Antônio Luís Carvalho de Freitas (aluiscf@
ibest.com.br), Berenice Lurdes Borssoi ([email protected]), Cristina Zanettini Ribeiro (c.zanettini@
gmail.com.) ,Egeslaine de Nez ([email protected]), Flávia Fernanda Costa ([email protected]),
Geraldo Ribas Machado ([email protected]), Gilvânia Plácido Braule ([email protected]),
Letícia Martins de Martins([email protected]), Loriége Pessoa Bitencourt ([email protected])
Luciane Spanhol Bordignon ([email protected]),Maria da Glória Silva e Silva ([email protected]),
Marlize Rubin Oliveira ([email protected]), Nice Vasconcellos Nocchi ([email protected]),
Quelen Gianezini ([email protected]), Renata Greco de Oliveira ([email protected]), Virginia
Bedin ([email protected]), Gustavo Schütz ([email protected]) PIBIC/UFRGS
1
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
293
de qualidade na gestão da universidade, bem como, exigiu esclarecimento
em relação aos princípios que iluminaram a própria elaboração do trabalho,
procurando revelar a lógica esclarecedora de conceitos fundamentais que
perpassam e que constituem as distintas dimensões e/ou categorias. A finalidade
maior foi a de configurar descritores que sirvam como indicativos de qualidade
na gestão da universidade, e que possam servir de referência para que cada
instituição atue de forma pró-ativa na construção de seu devir e no atendimento
de suas responsabilidades e compromissos sociais.
Com tal intuito perseguiram-se os seguintes objetivos específicos:
identificar e discutir dimensões e indicativos de qualidade na gestão da
universidade; identificar princípios que iluminam a elaboração de um trabalho
sobre qualidade, sob uma lógica esclarecedora de construção coletiva;
identificar e discutir conceitos fundamentais que perpassam distintas dimensões
de qualidade; mobilizar professores e alunos pesquisadores na temática para a
cultura de uma construção coletiva ancorada em discussões compartilhadas e
consensos, mesmo que provisórios.
Duas ordens de princípio (detalhados na seqüência), orientaram o
processo que se instalou a fim de alcançar o escopo pretendido: de construção do
trabalho e os de aferição da qualidade na gestão da instituição universitária. O que
se tem presente é a qualidade da avaliação, desde sua qualidade metodológica
até a qualidade da própria instituição universitária. Isso requer que se leve em
conta o contexto histórico e regional da instituição e as relações universidade
e sociedade, tendo em mira descritores que possam servir como indicativos de
qualidade de gestão da universidade. Em outras palavras, que estes funcionem
como uma verdadeira projeção do que cada universidade almeja ser, face ao
conjunto de expectativas e necessidades sociais. O caráter de indicativo suplanta
a idéia de qualificativos normativos, pois o pretendido é poder contribuir com
um conjunto textual facilitador para que as instituições se mostrem como são, no
que acreditam, o que fazem acontecer, como edificam sua própria identidade em
sua plenitude, em sua totalidade.
Qualidade da avaliação na gestão da universidade:
princípios e indicativos
Detalhando pois, a ordem dos princípios que regeram a metodologia
de elaboração deste trabalho destacam-se dois. O primeiro é o de que o
conhecimento é localizado e contextualizado, indo além daqueles valores
294
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
epistêmicos tradicionais (causa-efeito) alheios que são à força contextual
e histórica dos objetos da ciência. As próprias teorias são vistas muito
além de produtos textuais, mas de seus processos na gama metodológica,
epistêmica, histórico-contextual e social de seu fazer. (ALMEIDA e PINTO,
1995). O segundo princípio refere-se à construção coletiva que reflete uma
profunda partilha e compatibilização de sentidos, num ir e vir entre rejeição
e busca de entendimentos, que resulta em “consensos provisórios” face ao
objetivo maior, o da concretização de uma produção conjunta profundamente
imbuída de sua intenção finalística - a de contribuir para a melhora do
processo avaliativo com vistas ao aperfeiçoamento institucional. Ligado a
este princípio encontra-se o uso da técnica de white paper enquanto uma
modalidade de estudo focal, utilizada na construção do presente texto.2
Tais princípios orientaram a metodologia que se constituiu pela cooperação
entre os GP envolvidos. Cooperação e parcerias são fontes para identificar
práticas que nem sempre se encontram expressas na políticas institucionais. As
práticas isoladas são reveladoras do dia a dia institucional e devem ser levadas
em consideração. Tais pontos, levados em conta na construção metodológica,
permitiram que o processo cumprisse os passos listados a seguir.
− Escolha e/ou construção prévia de dimensões3 sobre qualidade na
gestão da universidade bem como de conceitos sobre qualidade,
critérios, indicativos, indicadores para discussão em grupos.
− Workshop com a técnica white paper (como variante de grupo focal),
objetivando captar distintas concepções e pontos de vista acerca da
qualidade em discussão entre pesquisadores do tema.
− Entrega de Documento(s) previamente construído sobre qualidade,
dimensões e indicadores.
O white paper visa produzir novas análises sobre uma dada temática e/ou problema, ou ainda, captar
conquistas e tendências da ciência, de um dado campo científico e/ou disciplinar. Justifica-se no fato de que
“hoje, a pesquisa científica é um desafio tão grande e o conteúdo da investigação é tão complexo e especializado,
que o conhecimento e as experiência pessoais já não são instrumentos suficientes para a compreensão de
tendências ou para tomar decisões” (PENDLEBURY,2009). Tal assertiva ressalta a importância da seletividade
na indicação de áreas de investigação promissoras e da gerencia de investimentos. Tem sido usado numa
abordagem quantitativa-bibliométrica e numa variação de grupo focal. Na abordagem bibliométrica assenta-se
em índices de citações e na abordagem derivada de grupo focal assenta-se em discussões e sínteses sucessivas
entre especialistas sobre uma dada temática/problema, direção usada no AIR (Association for Institutional
Research), Fórum 2010 .
3
No contexto desta exposição parte-se do entendimento de dimensão da avaliação como o que delimita e
caracteriza o objeto a ser avaliado; são grandes traços ou características referentes a aspectos institucionais
(LEITE, 2005).
2
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
295
− Organização de grupos de discussão (constituídos por 4 - 6
membros), durante dois dias, focalizando cada dimensão previamente
construída.
− Organização de síntese de idéias, pelo relator escolhido pelo grupo,
que as apresentou no Círculo de Conhecimento Coletivo;
− Revisão dos documentos originais a partir das sínteses recebidas.
− Redação final do presente texto que assimila pontos da contribuição
coletiva.
No que diz respeito à ordem dos princípios de aferição de qualidade
na gestão da instituição universitária, destacam-se o compromisso social da
universidade enquanto instituição, a responsabilidade como organização frente
à sociedade na disponibilização de seus serviços; a integração pesquisa, ensino
e extensão; a autonomia e a liberdade acadêmica com o inerente respeito aos
olhares diferenciados sobre qualidade e gestão universitária; a auto-avaliação
como movimento libertador de identidade institucional; a gestão democrática
como força mobilizadora da participação da universidade na sua comunidade e
vice-versa; a contextualização institucional na perspectiva de sua historicidade
e localização temporal-espacial e a internacionalização como uma das forças
integradoras/ articuladoras na universidade de um mundo globalizado; a
sustentabilidade institucional, como uma das faces da responsabilidade social e,
ainda, o princípio da educação continuada.
Cabe primeiramente expressar que gestão é entendida, no âmbito do
presente estudo como instância ou dimensão “de organização e funcionamento de
uma instituição” (FRANCO e WITTMANN, 2006, p. 211). Portanto, a noção de
gestão da universidade constitui-se o eixo central em torno do qual se estruturam
os indicativos que, no âmbito do presente trabalho, foram sendo considerados
primordiais para a vida acadêmica da universidade. Implica pensar a universidade
e o fazer da universidade no sentido de sua finalidade. A gestão da universidade
compreende o planejamento estratégico e a sustentabilidade para o desenvolvimento
institucional, a organização, a ação e a avaliação acadêmicas que se consubstanciam
em programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Como já mencionado, dimensões de avaliação da universidade, nesse
contexto, são áreas de ação, são compromissos institucionais que se explicitam
na gestão da universidade para os quais, na metodologia do Sinaes, convergem
indicadores e critérios estabelecidos pelo próprio Sistema Nacional. A proposta
de indicativos, não os elimina e sim enfatiza a idéia de que os mesmos sirvam
à gestão com qualidade - constituindo-se em uma medida muito mais pro-ativa
296
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
do que avaliativa de resultados. É uma antecipação daquilo que se assume
como sendo indispensável a uma universidade de qualidade; é a expressão do
que a instituição universitária deve atingir - o que ela teria de avançar. Neste
sentido, procurando clarear os conceitos, o indicador seria mais expressivo
de metas/modelos definidos pelo próprio sistema de avaliação. Os indicativos
representam balizadores para a ação e administração – gestão da Universidade,
com qualidade. Forneceriam subsídios às instituições, os quais poderiam ser
avaliados por indicadores, seguindo critérios definidos conforme o momento e
as políticas mais amplas.
Os indicativos nas diferentes dimensões se fundamentam nos princípios
já mencionados. O princípio do compromisso social consubstancia a finalidade
maior da universidade enquanto instituição educativa e fortalece a idéia de
que não se pode esquecer sua função de formação da consciência social. A
universidade, além de assumir o compromisso na produção de conhecimentos que
atendam às necessidades sociais do seu tempo, ainda precisa se responsabilizar
pelas conseqüências desses conhecimentos. À vigilância epistemológica será
necessário acrescentar uma vigilância humana e social (LONGHI, 2008)
Isso se traduz em contínuo processo de auto-crítica, implicando revisões e
questionamentos constantes acerca de como as universidades estão contribuindo
para o desenvolvimento e emancipação humana e social, para a preservação
ambiental, para a consolidação da democracia. Certamente tais eixos não esgotam
o tema, mas entende-se que “eles representam grandes e atuais preocupações
quando se pensam possibilidades para realizar uma gestão da educação superior
qualificada como digna, ética, responsável”. (LONGHI, 2009, p. 218).
O princípio da responsabilidade social refere-se à universidade
como organização frente à sociedade na disponibilização de seus serviços; a
responsabilidade social não é sinônimo da qualidade na gestão das relações
Universidade e Sociedade, mas condição para tal. O critério indicativo
desse princípio-condição é a existência de uma política articuladora de
responsabilidade social da universidade aliada à existência de ações para tornála tangível por meio das atividades institucionais (as práticas existentes), bem
como a prestação de contas da universidade para a sociedade (a divulgação).
Envolve questões como o setor empresarial e as transformações sociais, a
busca de respostas para desigualdades, a preservação ambiental, passando até
pela Lei das Organizações Sociais.
A integração pesquisa, ensino e extensão é outro dos princípios na aferição
da qualidade. Esta integração pesquisa, ensino e extensão requer a articulação das
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
297
três funções presentes na produção, na disseminação e no uso do conhecimento
que melhor se concretiza por meio de uma postura
multifuncional das
responsabilidades da universidade e com uma permanente busca multidisciplinar
para soluções teorico-práticas.
Os princípios da autonomia e da liberdade acadêmica marcam de modo
indelével finalidades, mediações e processos da universidade. A autonomia
institucional se expressa nos eixos didático-científico, de gestão financeira e
patrimonial e de gestão administrativa (pessoal e de escolha de dirigentes), eixos
estes que comportam aferição de qualidade e agregam critérios e indicadores
expressivos da realidade institucional. A autonomia passa pelas relações
Universidade-Estado por meio de seus órgãos governamentais. À liberdade
acadêmica subjaz um inerente respeito aos olhares diferenciados sobre qualidade
e gestão universitária, seus indicadores e critérios. Tais pontos não eximem o
Estado enquanto governo constituído, de sua responsabilidade na aferição
de qualidade do Sistema de Educação Superior, por meio da normatização,
regulação e concretização de processos avaliativos, a exemplo do SINAES –
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, e seus desdobramentos
político-legais e técnico-avaliativos. É nesta linha que se entende a assertiva de
autoridade universitária de que “[...] as universidades passam a ter capacidade
de real planejamento [...] política que todos queremos que se torne uma Política
de Estado para a construção de uma nação mais desenvolvida, educada, justa e
menos desigual.” (ALEXANDRE NETO, 2010, p. 2).4
Quanto ao princípio da auto-avaliação como movimento libertador
de identidade institucional, torna-se nítida a estreita ligação com a missão da
universidade que converge para a produção do conhecimento enquanto processo
integrador do ensino e da extensão. A mediação auto-avaliativa realizada no
core de cada unidade e com o envolvimento dos segmentos docente, discente
e técnico administrativo objetiva “impulsionar um processo de autocrítica da
Universidade, evidenciando vontade política de autoavaliar-se, na busca da
garantia da qualidade da ação universitária, em consonância com as demandas
científicas e societárias”(BRAGA et al. 2010, p. 82).
O princípio da gestão democrática refere-se ao exercício da
administração da universidade de forma a garantir-lhe um caráter democrático
na gestão da educação como bem público, como direito subjetivo de
construção da emancipação humana e da sociedade. “O caráter público da
A autonomia universitária conferida às universidades pela Carta Magna de 1988 (Art. 207), no que diz
respeito às Universidades Federais avançou para a concretização por meio de decretos e medida provisória
assinados pelo Presidente da República. Os avanços incidem especialmente sobre a gestão de pessoas
(DECRETO Nº 7.233, de 19 de julho de 2010) e nas disposições sobre orçamento.
4
298
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
educação demanda relações fundamentadas em regras de colaboração e de
co-responsabilidade e solidariedade [...] O caráter democrático da gestão da
educação acompanha as contradições e avanços teórico-práticos da educação
no processo amplo da democratização da sociedade” (WITTMANN, 2004,
p. 215). Este princípio representa a força mobilizadora da participação da e
na comunidade tanto interna quanto externa. É também, este princípio que
alicerça a cooperação intra e interinstitucional.
O princípio da contextualização institucional na perspectiva de sua
historicidade e localização assegura o reconhecimento de sua identidade
institucional universitária. No contexto de globalizações característico da
contemporaneidade, o princípio de identidade é o único que poderá garantir
integração na tentativa de uma globalização agregadora de esforços para soluções
comuns sem dissolução do cerne construído ao longo da trajetória institucional
de cada universidade, comprovante de sua inserção em dado espaço e tempo e
que lhe assegura legitimidade como instituição social educativa.
O princípio da internacionalização como uma das forças integradoras
e articuladoras na universidade de um mundo globalizado, transcende
críticas aos desdobramentos perversos de gestões econômicas excludentes,
não desconsiderando-as mas circunscrevendo-as à crucialidade do
conhecimento no desenvolvimento científico e tecnológico para a inserção
mais ampla. É o caso de movimentos emblemáticos como o Processo de
Bologna,5 a constituição de grupos de acreditação institucional presentes em
diversos continentes e os esforços empreendidos pelas grandes Conferências
mundiais da ONU em torno da Educação, em especial da Educação Superior.
O conhecimento crítico de tais movimentos e dos critérios avaliativos por
eles propostos, é decisivo para a universidade que se pretenda inserida num
mundo globalizado. A internacionalização da Educação Superior e os critérios
isomórficos que implicam garantia, empregabilidade e comparabilidade,
tudo indica, que estão se impondo e pelo menos nas próximas décadas
exigirão esforços no sentido de submetê-los aos compromissos sociais
(FRANCO, 2009), necessitando para tal, segundo Santos (2007), revigorálos, ressignificá-los e reinventá-los pela crítica responsável.
O princípio da sustentabilidade institucional é entendido como uma
das faces da responsabilidade social e implica primordialmente em manter
e desenvolver a instituição para que ela possa cumprir suas finalidades. São
O denominado Processo de Bolonha, segundo Neves (2006, p. 15), é o “movimento mais ousado de reforma
da educação superior mundo afora.” instaurado no final do século passado com vistas à Universidade do
Séc. XXI na Europa.
5
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
299
inegáveis suas relações com os outros princípios já mencionados. Além da
responsabilidade social, seus elos com o princípio da autonomia universitária e
o da gestão democrática são fortalecidos por políticas e práticas inovadoras que
transcendem o voluntarismo para se postar nas decisões e ações compartilhadas
e colegiados. Clark (2004) analisa a sustentabilidade no perspectiva de
adotar e manter políticas e práticas, processos que subentendem desde bases
diversificadas de financiamento, uma administração central fortalecida, uma
cultura de mudança, até setores de ligação com a comunidade.
Finalizando a relação de princípios destaca-se o da educação continuada;
este implica a concepção de que é o aprendizado contínuo, ao longo de toda vida
das pessoas e das instituições, que garante à Universidade a possibilidade do
cumprimento de sua missão educativa, inovadora e consolidadora da perenidade
da vida e do nosso habitat.
Os argumentos que tais princípios permitem edificar reforçam a
importância de trabalhar com indicativos mais do que com a construção de uma
nova ou complementar listagem de indicadores.
A idéia de indicativos, assumida pelo grupo elaborador desse estudo,
inspira-se no caráter mediador e sinalizador do processo avaliativo, no qual o
domínio técnico, que lhe é inerente, “(...), não pode sobrepor-se às questões de
fundo filosófico e ético político da educação superior” (DIAS SOBRINHO, 2010,
p. 222). É o mesmo autor, que no sentido de várias de suas assertivas mostra a
avaliação como um fenômeno social, cuja construção histórica nunca está acabada
nem fechada a diferentes interpretações e distintos interesses de grupos. Ele
destaca, e aqui repousa o sentido maior de suas idéias, que a avaliação não é neutra
e precisa se esforçar para ser justa e socialmente eficaz.
A noção de indicativos ultrapassa a idéia de uma rota pré-estabelecida,
com detalhes rígidos de percurso que precisam ser atendidos de forma minuciosa,
em mínimos detalhes para se chegar ao destino final. Mas, se sustenta na idéia de
indícios orientadores daquilo que ainda não está pronto e, como tal, permite que se
construa com a intenção de sempre avançar mais, para além do instituído, com vistas
a uma melhora constante para alcançar um novo patamar institucional de qualidade.
Indicativos implicam idéia de reinvenção. Nesse sentido nada é completamente novo;
extensas listas de indicadores já definidos podem dar suporte ao que ainda está por
definir-se, porém, são de fato, os princípios, que alicerçam novas direções. Em outras
palavras: quando uma instituição se aplica ao processo de auto-avaliação e faz dele
seu exercício de aperfeiçoamento ela já não é mais a mesma que era antes; agora se
projeta num novo patamar. Este pode sim, ultrapassar o que já estava definido como
300
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
esperado, apresentando indícios de uma nova qualidade. Nessa perspectiva o próprio
processo avaliativo serve de orientador para novos avanços para a universidade
enquanto instituição educativa que “aprende” (SENGE, 1997). Ao aprender com a
experiência a instituição se redefine e se reinventa (SANTOS, 2006).
Questões fundamentais que circunscrevem o trabalho são tomadas como
impulsionadoras das reflexões num processo aberto e contínuo de construção,
por vezes só tangenciadas, mas mesmo assim, críticas e indicativas de qualidade
na gestão da universidade:
− Quais as fontes viáveis de serem usadas para identificar dimensões,
critérios e indicadores de qualidade na gestão da educação superior?
− Quais as principais dimensões de qualidade na gestão da educação
superior?
− Que mecanismos/estratégias/políticas e resultados, dimensão,
propiciam e mostram a qualidade na gestão da universidade?
− Quais os principais indicativos que atendem aos grandes princípios de
qualidade na gestão institucional da universidade?
Indicativos para dimensões de qualidade na gestão
da universidade
As dimensões, como áreas de ação ou compromissos institucionais
representando antecipação daquilo que seria considerado indispensável a uma
universidade de qualidade, requerem a explicitação de indicativos do que
a instituição universitária necessita se propor a fim de alcançar a identidade
desejada. Como já afirmado anteriormente, os indicativos não eliminam
indicadores explicitados com base no Sinaes (MEC/ INEP, 2007). Enquanto estes
são expressivos de metas/modelos definidos pelo próprio sistema de avaliação,
aqueles são balizadores pró-ativos para uma gestão que almeja conduzir-se
com qualidade. Pode-se ainda dizer: enquanto indicadores são “cobrados” das
instituições, indicativos são almejados pelas instituições. Assim, com o intuito
de oferecer subsídios às instituições e ao sistema de ES, explicitam-se alguns
indicativos para as dimensões de qualidade na gestão.
As dimensões, a seguir elencadas foram construídas no processo crítico
discursivo com base nos princípios já explicitados: 1) qualidade na gestão, no
projeto e no planejamento institucional; 2) qualidade na gestão financeira e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
301
sustentabilidade institucional; 3) qualidade na gestão da formação e do ensino;
4) qualidade na gestão da pesquisa (gestão da informação e do conhecimento);
5) qualidade na gestão da extensão e de serviços da universidade; 6) qualidade na
gestão do atendimento ao aluno; e 7) qualidade na gestão da própria avaliação
da universidade.
Dimensão 1 - Qualidade na gestão do projeto e planejamento
institucional
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade
são relativas aos projetos institucionais (definição da missão institucional/
identidade), à gestão democrática, à sustentabilidade institucional/
organizacional, à sustentabilidade de planejamento, à sustentabilidade
da estrutura física (infra-estrutura, instalações físicas, equipamentos), à
sustentabilidade de quadros de pessoal docente, à sustentabilidade de quadros
técnico-administrativos, à estrutura informacional, às relações humanas/
institucionais. e ao comprometimento histórico-social.
A qualidade na gestão, nos projetos e planejamento institucionais efetiva-se
através da perspectiva da universidade como instituição social comprometida com
o desenvolvimento cultural, técnico e científico na construção de uma sociedade
mais justa. Nesse processo, a universidade precisa estar sensível aos problemas e
apelos da sociedade, seja através dos grupos sociais com os quais interage, seja
através das questões que surgem de suas atividades próprias de ensino, pesquisa
e extensão. A qualidade referida desenvolve-se com a tomada de consciência da
instituição sobre si mesma, do seu entorno e do papel que nele representa e efetivase através dos processos de gestão, docência, pesquisa e extensão universitária.
No que diz respeito aos Projetos Institucionais (Plano de Desenvolvimento
Institucional - PDI, Plano Pedagógico Institucional - PPI, Plano Estratégico
– PE, Planos Operacionais – PO por setores, outros planos), que tratam da
missão, finalidades, objetivos, compromissos e ações da IES, os mesmos devem
explicitar a política de oferta de formação, de autonomia, de responsabilidade
e de participação dos estudantes bem como a política de pesquisa, extensão e
produção do conhecimento da instituição e as condições para sua realização.
Caracterizam o perfil da instituição na sua relação com a sociedade. Desse
modo, a gestão institucional deve guardar coerência com as políticas constantes
desses documentos oficiais (especialmente PDI, PPI), promover a articulação
entre eles, expressando uma diretriz de ação acessível ao conhecimento da
comunidade interna e externa da IES, mediadora das relações entre Universidade
302
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
e Sociedade - U&S considerando demandas da comunidade. Além disso, tais
planos precisam: se encontrar coadunados aos documentos os oficiais da
universidade, seus estatutos, regimentos (geral e de unidades/departamentos/
etc.), normas, resoluções e procedimentos de seus conselhos e colegiados;
permitir a mobilidade institucional acadêmica e internacionalização do ensino,
da pesquisa e das relações universidade sociedade e, principalmente, precisam
garantir a equidade em todos os níveis.
Em se tratando da Gestão Democrática, cabe à IES buscar a coerência
entre estrutura, funcionamento, representatividade e autonomia dos órgãos
colegiados e políticas constantes dos documentos oficiais da IES (PDI, PPI),
assegurando participação representativa de alunos/ docentes/ técnicos nas
diferentes instâncias de decisões administrativas. No caso das IES particulares,
o funcionamento e representatividade dos colegiados devem ocorrer com
independência e autonomia em relação à mantenedora. É importante que haja
adesão e apoio do corpo docente, dos técnicos, dos funcionários e dos alunos
quanto às políticas e decisões administrativas; presença de canais e órgãos que
possibilitem participação decisória; oferta de programas diversos abertos ao
público interno e externo, de disciplinas que envolvam professores e alunos em
atividades com a comunidade; comprometimento histórico-social em políticas de
mobilidade institucional além de incentivo ao rodízio de mobilidade e atuação.
A Sustentabilidade da gestão Institucional/Organizacional necessita ser
assumida pelos atores internos e ao mesmo tempo ser visível para a comunidade
externa. O funcionamento da estrutura organizacional deve estar regulamentado
e explicitado nos documentos oficiais da IES (estatuto, regimento, organograma,
regulamentos internos, normas acadêmicas), em especial pela autonomia
institucional (inclusive pela CPA- Comissão Própria de Avaliação). Igualmente
importante é a existência de órgãos decisórios ligado às atividades fim e às
atividades meio; a existência de setores executivos de atividades de sustentação
e suporte institucional como Recursos Humanos - RH, Finanças, planejamento,
contabilidade, infra estrutura-física, setor de manutenção, de expansão e
planejamento e execução de setores de atividades-fim; órgão coordenador de
programas de articulação universidade-sociedade e Sistema Político-Decisório
Institucional ligado à internacionalização da IES.
A qualidade da gestão institucional vai efetivar-se quando apoiada numa
postura participativa dos responsáveis pela gestão. Quanto mais participativa e
democrática a gestão, maiores as oportunidades de ser relevante para indivíduos
e grupos que dela participam e de promover uma participação cidadã.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
303
A dimensão da qualidade na gestão, se desdobra na Sustentabilidade
do Planejamento, isto é, no projeto e no planejamento institucional, dirigidos
a atender os compromissos na oferta da educação superior; caracteriza-se num
agrupamento de descritores institucionais expressos num conjunto de critérios
encarados como linhas de orientação do processo avaliativo, contemplados na
adequação da Gestão para o atendimento dos objetivos e metas constantes no
Projeto de Desenvolvimento Institucional, com coerência com a estrutura da
organização e com os Projetos Pedagógicos Institucionais e dos Cursos, efetivada
através de metodologias participativas de auto-avaliação e com participação da
comunidade acadêmica.
Tal sustentabilidade deve refletir a visão estratégica da IES e prever
metas e objetivos explícitos a serem alcançados a médio ou longo prazo
estabelecidos e supervisionados por meio de critérios específicos que permitam
a avaliação e se constituam mecanismos de verificação de impactos da relação
Sociedade-Universidade. A ativação de outros mecanismo de projeção externa
e de gestão da verificação de impactos/ efeitos da projeção universidade/
sociedade, interlocução com stakeholders e com todos que possuem vínculos
com a universidade, inclusive econômico (fornecedores, agências de fomento/
financiamento), são recomendáveis; igualmente a previsão de programas para
desenvolvimento científico, tecnológico e cultural, de mecanismos de discussão
e revisão antecipativa de objetivos/estratégias institucionais. A sustentabilidade
do planejamento também precisa expressar-se nos planos de expansão
institucional bem como, na existência de mecanismos institucionais promotores
da multidisciplinaridade, da interdisciplinaridade no ensino, na pesquisa e nas
relações universidade sociedade.
A Sustentabilidade da Estrutura Física da IES é condição para dar
continuidade aos compromissos na oferta da educação superior envolvendo
alocação de recursos orçamentários para manutenção e conservação das instalações
físicas e dos equipamentos e materiais. Visa atender as atividades-fim além de
prever normas de segurança, formas de sua operacionalização e a viabilidade da
intenção de desenvolvimento e expansão da instituição, envolvendo todos os
espaços físicos disponibilizados para funcionamento da universidade (ensino,
pesquisa, extensão, sustentabilidade institucional e relacionamento acadêmico)
bem como as condições de desenvolvimento científico, tecnológico e cultural
incluindo locais para eventos diversos.
Quanto à Sustentabilidade de Quadros de Pessoal, esta se manifesta
pelo estabelecimento de Políticas de capacitação e desenvolvimento profissional
304
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
do quadro funcional com alocação de recursos orçamentários para capacitação
de Pessoal Docente e Técnico Administrativo em cursos de Pós-graduação
stricto e lato sensu bem como na existência de Planos de Carreira para as
diferentes categorias. Além disso, se efetiva através de políticas de expansão
do corpo funcional adequadas às necessidades institucionais, com contratação
efetivada através de concursos públicos para o provimento de cargos vagos (nas
universidades públicas) bem como através de mecanismos justificados para
solicitar eventuais saldos de cargos vagos em outras universidades federais,
com ampla divulgação (informações contendo relação discriminada de cargos
ocupados e vagos). Importante também a existência de mecanismos para
atualização/ correção de erros visando ajustes decorrentes da expansão dos
quadros das universidades, compatíveis com políticas de órgãos oficiais tais
quais Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação.
Nas universidades privadas tais procedimentos poderão desenvolverse por mecanismos de seleção mais simplificados porém, de qualquer forma,
regulamentados e amplamente divulgados.
Considerando as exigências e transformações da sociedade globalizada,
a qualificação do pessoal técnico torna-se elemento essencial. À semelhança
do corpo docente isso se expressa pela existência de quadro docente e técnico
qualificado, com pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado e pósdoutorado); de Plano de Carreira Docente; de políticas de capacitação e
desenvolvimento profissional do corpo docente (didático-pedagógico e
disciplinar específico e científico); pela formação de quadros para a pesquisa,
pelos programas de capacitação docente, e participação em eventos científicos;
envolvimento institucional do professor; pelas políticas de formação e atuação
inter institucional (com mobilidade de docentes/ técnicos entre IES em atividades,
estágios, de pesquisa/ ensino/ extensão).
Cabe, ainda, destacar a importância do envolvimento do pessoal docente
e técnico-administrativo com o projeto institucional.
O descritor denominado de Estrutura Informacional evidencia a qualidade
através da existência de sistemas e recursos de informação e comunicação
em funcionamento com mecanismos de coleta, sistematização e divulgação
da informação, bem como através da utilização de serviços de Tecnologia de
Informação e Comunicação, como intranet e internet, como mecanismos de
garantir a articulação entre distintas área da instituição. São importantes: a
existência de meios de divulgação de informações sobre atividades fins, meio e
de organismos relacionados como agências(jornais/ site/ listas informativas), a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
305
divulgação de informações institucionais; a divulgação de informações políticonormativas nacionais, a divulgação de documentos internacionais que influem na
educação superior e os canais de comunicação intra e inter e extra-institucional.
Ainda são parte da estrutura informacional os sistemas de arquivamento e
recuperação de normas acadêmicas, de Atas de órgãos colegiados, de portarias
ministeriais relativas a atos normativos da instituição.
As Relações Institucionais internas dizem respeito ao clima organizacional
prevalente na instituição referentes ao relacionamento administração/corpo
docente e discente, bem como à boa comunicação entre eles. As relações externas
se configuram na imagem pública da instituição predominante nos meios de
comunicação social. Ainda pode constituir um canal de comunicação a Ouvidoria
que reflete os efeitos da sua atuação no cotidiano da instituição. Também são
importantes a reação positiva da comunidade universitária em relação às ações
U&S – universidade e sociedade, o clima institucional de relacionamentos positivo
entre chefias/administração /corpo docente e discente e a boa comunicação entre
corpo docente, discentes, pessoal ténico-administrativo e chefias.
Dimensão 2 - Qualidade na gestão financeira e sustentabilidade
institucional
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade
são: sustentabilidade financeira /orçamentária e autonomia em procedimentos
orçamentários e financeiros, assim o conjunto de descritores que integram esta
dimensão é entendido como uma caixa de ferramentas a ser utilizada de forma
pertinente para dar conta da qualidade da gestão financeira e sustentabilidade
institucional. Envolve os mecanismos de definição do Orçamento da IES e sua
viabilidade diante das propostas de ensino, pesquisa e extensão, a viabilidade
da proposta de expansão da IES frente à previsão orçamentária disponível; a
sustentabilidade financeira da IES para dar continuidade aos seus compromissos,
frente aos recursos disponíveis.
A Sustentabilidade Financeira/Orçamentária institucional caracterizase, pelo agrupamento dos descritores institucionais expressos num conjunto
de critérios orientadores do processo avaliativo, revelados nas Políticas de
Sustentação Financeira e sua Operacionalização frente ao atendimento dos
compromissos na oferta da Educação Superior. As ações devem ser planejadas
tendo em vista a visão estratégica da ies e a explicitação de metas, objetivos
e indicadores. Conforme a natureza institucional vários são os formatos; de
qualquer forma a existência nas universidades privadas de mantenedora
306
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
responsávelé condição de sua sustentabilidade; a existência de setor(es)
financeiro responsável(eis) por questões de captação/controle e alocação de
recursos; de mecanismo de projeção externa e de captação de recursos para a
instituição; a existência de setor de gerenciamento de recursos provenientes
de atividades fim; a gestão de recursos e equipamentos /infraestrutura que são
advindos de órgãos públicos e privados; a gestão de investimentos institucionais
(financeira, de equipamentos, de qualificação do capital humano). Nessa
dimensão torna-se indispensável a avaliação do retorno, para a instituição, de
seus investimentos: crescimento/inovação/aumento de produção/qualidade
de RH; em tecnologia e informação, em informatização dos setores; em
Pesquisa, Ensino e ações orientadas para os aluno e comunidade; existência
de setor de gerenciamento de recursos provenientes de atividades fim; previsão
orçamentária para as ações universidade-sociedade.
A Autonomia em Procedimentos Orçamentários e Financeiros
contempla o empenho com os ganhos de créditos suplementares do executivo
para as universidades públicas (federais, estaduais, municipais), e hospitais
universitários; com a aplicação de saldo orçamentário de um dado título no
exercício subseqüente; com o reforço nas dotações orçamentárias mediante
a utilização de fontes de recursos advindos: a) da arrecadação de receitas
próprias, de convênios e de doações do exercício corrente; b) de créditos
adicionais autorizados; c) de superávit financeiro de receitas próprias, de
convênios e de doações, conforme apurado em balanço patrimonial do
exercício anterior. (BRASIL , 2010).
No caso das universidades privadas contempla a definição e construção
de parâmetros para a busca de receitas orçamentárias oriundas de matrículas,
de alunos ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação em cada
período, da oferta de cursos de graduação e pós-graduação em diferentes áreas
do conhecimento. Em ambos os casos tanto em IES públicas quanto privadas
a preocupação com a produção institucionalizada de conhecimento científico,
tecnológico, cultural e artístico reconhecido nacional e/ou internacionalmente,
de registro e comercialização de patentes. Também se enquadra nessa dimensão
a atenção à relação necessária número de alunos/ docentes na graduação e na
pós-graduação, à avaliação segundo o SINAES, os programas de mestrado
e doutorado e avaliações da Capes, bem como a avaliação de programas
institucionalizados de extensão.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
307
Dimensão 3 - Qualidade na gestão da formação e do ensino
Nesta dimensão constituem-se como convergências temáticas de indicativos
de qualidade: sistema político-decisório institucional ligado à formação e ao ensino;
mecanismos de integração/articulação entre níveis e conhecimentos; políticas,
currículo e programas; estratégias de formação/ensino; qualificação do corpo
docente; construção de carreira / empregabilidade de egressos e, impacto econômico
social desses processos. A qualidade na gestão da formação e do ensino deve passar
pela motivação, aperfeiçoamento e inovação dos processos de gerenciamento de
programas e projetos existentes.
Quanto ao Sistema Político-decisório Institucional ligado à Formação e
ao Ensino, torna-se fundamental para a concretização da dimensão a existência
de setor institucional ligado ao ensino de Graduação e ao ensino de Pósgraduação, funcionando de forma a articular projeto institucional de formação,
projeto institucional de ensino e projeto institucional de capacitação docente,
expresso nos documentos oficiais e no ordenamento institucional da universidade
e das relações Universidade-Sociedade. Contempla também a relação entre
projeto institucional e demandas da comunidade; a sensibilidade institucional ao
contexto social econômico e político; o delineamento de políticas institucionais
frente à internacionalização do ensino, da pesquisa e das relações universidade
sociedade e as políticas de formação e atuação inter institucional (mobilidade)
para a concretização e facilitação da pesquisa e/ou ensino.
Em relação aos Mecanismos de Integração/articulação entre Níveis e
Conhecimentos é indispensável destacar a importância da aproximação entre
graduação e pós-graduação; a explicitação de ações de integração de ensino,
pesquisa e extensão através da realização de seminários, congressos, eventos
variados e projetos. Contempla a existência de medidas facilitadoras de ações
interdisciplinares bem como a explicitação da dimensão da formação da
cidadania/ética nos projetos institucionais.
Convergem para a concretização das Políticas, Currículos e Programas
a compatibilização entre Diretrizes Curriculares Nacionais, Diretrizes
Curriculares Institucionais e Currículo de Cursos, bem como, a existência de
políticas sensíveis às demandas e realidades sociais. São muito importantes as
políticas de acesso à informação sobre programas, cursos e ações desenvolvidas
bem como a desburocratização de processos de mudança, adaptação e reforma
curricular. Torna-se indispensável a existência do delineamento de perfil
profissional estabelecido em cada curso.
308
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Para atender à dimensão, as Estratégias de Formação/Ensino são
procedimentos fundamentais na implementação de programas de fomento a
atividades curriculares extra-classe, de programas preparatórios para novas
tecnologias, de investimento em tecnologia e informação (informatização) para
o aluno, de investimentos em bibliotecas e bibliotecas virtuais, de investimentos
em espaços de vivência.
A Qualificação do Corpo Docente requer a existência de mecanismos
de garantia da equidade no ingresso, qualificação e progressão docente, são
condições indispensáveis. A elevação do percentual de titulação docente (mínimo
de 70% com Mestrado e de 20%, com Doutorado), a elevação do percentual
de docentes com Tempo Integral e/ou Dedicação Exclusiva (DE) bem como a
distribuição de tempo entre as atividades-fim da Universidade (máximo de 50 %
para ensino e mínimo de 20% para pesquisa e 20% para extensão).
A formação e o ensino precisam convergir para sua finalidade ou seja:
a Construção de Carreira/Empregabilidade de Egressos, isto é, o seu futuro.
Dessa forma trona-se fundamental a existência de políticas de orientação para
a construção de uma carreira profissional bem como de políticas de orientação
quanto às possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Daí a importância
da existência de vínculos institucionais com o mercado de trabalho; de política de
acompanhamento e de educação continuada de egressos (egressos empregados
imediatamente após conclusão , egressos empregados até um ano após conclusão,
egressos que trabalham em outras universidades, egressos atuando dentro e fora
da área de formação após 5 anos).
Torna-se importante a realização de estudos que avaliem o Impacto
Social e Econômico da universidade, por meio de seus cursos, pesquisas e
ações na sociedade; que existam programas que monitorem esse envolvimento,
especialmente, que existam programas que avaliem o impacto dos estágios na
comunidade.
Dimensão 4 - Qualidade na gestão da pesquisa (da informação e do
conhecimento)
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de
qualidade (critérios) são: sistema político decisório institucional ligado à
pesquisa, recursos de programas de fomento de agências governamentais,
socialização do conhecimento, divulgação de informações sobre C& T,
políticas e programas de desenvolvimento da pesquisa, políticas e programas
de fomento à pesquisa.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
309
A dimensão da qualidade na gestão da pesquisa está alicerçada na idéia
de que o conhecimento deve ser um dos pilares da Universidade tendo como pano
de fundo as transformações globais e locais e o desenvolvimento de tecnologias
que respondam às demandas da sociedade em mudanças.Os indicativos aqui
referidos, fazem parte de um conjunto de características levantadas a partir
das análise e discussões realizadas com autores e pesquisadores sobre o que
pode ser traduzido como fundamental para o desenvolvimento da pesquisa e do
conhecimento levando-se em conta as exigências de solução de problemas que
agravam o distanciamento entre as sociedades ainda tão desiguais, em termos de
avanços científicos e tecnológicos.
A presença de um Sistema Político-administrativo-gerencial de
pesquisa estruturado em nível Institucional se expressa pela sistematização
de normas/regulamentações/planos que explicitem o compromisso da
Universidade com o conhecimento. Torna-se forte indicativo a existência de
políticas institucionais de apoio a projetos existentes e projetos inovadores
bem como a implementação de políticas de incentivo e apoio à cooperação
intra/inter institucional e internacional. È fundamental que nas universidades
existam instâncias de análise e crítica aos projetos (órgãos colegiados
da administração central e local), acesso à Comitê de Ética em Pesquisa,
participação de consultores externos na avaliação de projetos/relatórios e,
ainda, setor de divulgação de informações sobre C&T e de organismos de
fomento à pesquisa. Torna-se indispensável a existência de mecanismos de
gestão de recursos advindos de bolsas de produtividade /PIBIC, de Editais
CNPQ, Capes, FAPs, de ministérios, de órgãos públicos e de outras agências
de fomento nacionais e internacionais.
Nesse aspecto é indispensável a existência de Políticas Programas
Institucionais de Fomento à Pesquisa, consubstanciadas em programas de
sustentabilidade financeira e de manutenção para permanência de grupos e de
linhas de pesquisa; de mecanismo de controle dos recursos para orçamento
institucional para fomento; de mecanismos de captação e gestão de recursos
de programas de agências de fomento (público e privado); de mecanismo de
controle dos recursos gerados pelas agências de fomentos para pesquisadores;
de mecanismo de controle dos recursos gerados de projetos de pesquisa com
recursos de agências externas, e internas.
As Políticas e Programas de Desenvolvimento da Pesquisa exigem
a presença na instituição, da promoção de articulação entre conhecimento
localizado e contextualizado; o estabelecimento de condições políticas/
310
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
estratégicas para desenvolvimento de cultura de pesquisa; a criação de espaços
propícios para a geração de conhecimentos inovadores e vinculação da produção
do conhecimento com os espaços criados; a promoção de relações entre grupos de
pesquisa, inclusive de distintos campos de conhecimento bem como o incentivo
às tecnologias e projetos inovadores
A existência de setores diversificados para a Divulgação de
Informações sobre C&T, sobre organismos fomentadores de pesquisa (Bolsas
de produtividade/PIBIC...), para a gestão de informações de recursos para a
pesquisa (Editais CNPQ, de outras agências de fomento), e a existência de
uma crescente cultura de apoio aos projetos inovadores em C&T – ciência e
tecnologia, podem garantir um ambiente mais favorável ao desenvolvimento
da pesquisa na universidade.
Para uma estrutura institucional favorável ao desenvolvimento da
pesquisa torna-se importante a existência de espaço para a Socialização do
Conhecimento, de políticas de incentivo a publicações (revistas, congressos,
seminários...), bem como, a existência de revistas (impressas e/ou virtuais) da
instituição para publicações científicas. Nestas é indispensável a definição de
objetivos editoriais, de orientações para avaliadores da produção acadêmica, da
organização de critérios diferenciados de produção acadêmica científica por área
de conhecimento e tipo de trabalho e ênfase na divulgação de projetos inovadores.
Torna-se desejável uma política de visibilidade da produção do conhecimento
institucional, interna e externa permitindo a inserção do conhecimento produzido
no currículo dos cursos de graduação e de pós-graduação e na comunidade.
Estratégica é a existência de setor de gestão de projetos inovadores.
Dimensão 5 - Qualidade na gestão da extensão e de serviços da
universidade
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade
referem-se a: sistema político-decisório e organizacional institucional ligado
à extensão; política articuladora da responsabilidade social da universidade;
políticas e práticas de inclusão; cooperações e parcerias.
Os descritores aqui explicitados estão sendo entendidos como parâmetros
para que as relações entre a universidade e sociedade, bem como a articulação
entre as atividades de ensino e de pesquisa aconteçam de forma adequada e
respondendo a demandas da maioria da população. A extensão deve ser processo
educativo, cultural e científico que encontra na sociedade a oportunidade de
elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. É uma troca de saberes
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
311
sistematizados, acadêmico e popular viabilizada por um trabalho interdisciplinar
que favorece a visão integrada do social (Plano Nacional de Extensão).
A qualidade da gestão das relações da universidade com a sociedade,
se efetiva através do equilíbrio entre a qualidade acadêmica e o compromisso
social, ou seja, a universidade precisa manter-se como uma instituição social
comprometida com o desenvolvimento cultural, técnico e científico para a
construção de uma sociedade mais justa. Nesse processo, a universidade precisa
estar sensível aos problemas e apelos da sociedade, seja através dos grupos
sociais com os quais interage, seja através das questões que surgem de suas
atividades próprias de ensino, pesquisa e extensão.
Para a concretização do Sistema Político-Decisório e Organizacional
Institucional ligado à Extensão considera-se indispensável a existência
de plano/documento norteador com estabelecimento das ações e linhas
prioritárias para a extensão universitária, bem como, de programas estruturais
e administrativos de gestão dessas atividades. Assim, a existência de câmaras/
órgãos colegiados na administração central que focalizem as relações
universidade sociedade com definição e priorização de ações de intervenção
social, são requisitos indispensáveis. Da mesma forma é requerida a existência
de políticas e órgãos de ética na relação universidade-sociedade, de fóruns
deliberativos que focalizem as relações universidade sociedade concretizados
pela presença de mecanismos ágeis para solucionar questões emergenciais nas
relações universidade sociedade para atendimento a demandas comunitárias.
Tornam-se indispensáveis políticas e programas de fomento à extensão
concretizados em bolsas para alunos de graduação e de PG, e de alocação de
recursos internos da universidade para as atividades de extensão, com setor/
mecanismos de gerenciamento de recursos para prover as relações universidade
sociedade em especial as relações com setor produtivo e mercado de trabalho e
a organização de mecanismos de integração e articulação entre ensino, pesquisa
e extensão. É importante a existência de um sistema integrado de informação
e comunicação bem como de auto-avaliação das relações universidadesociedade, de políticas e mecanismos de acompanhamento das ações e do
impacto gerado por tais atividades para o desenvolvimento nacional, regional
e local. Cabe, ainda, destaque ao estabelecimento de políticas institucionais
ligadas à internacionalização das relações universidade sociedade.
Pelo compromisso social da universidade, enquanto instituição
empenhada no equacionamento das questões que afligem a maioria da população
e o meio-ambiente, tornam-se indispensáveis os cuidados e a gestão em
312
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
estender o saber produzido nos mais diversos campos, tornando-o acessível
à sociedade através de Política Articuladora da Responsabilidade Social da
Universidade. Além disso, tornam-se vitais para a vida social e acadêmica,
cuidados com a gestão e responsabilidade no sucesso dos estudantes no mercado
de trabalho; o compromisso com formação da cidadania e a sustentabilidade
ambiental; a gestão de projetos inovadores que revitalizam a universidade a
partir do saber da própria sociedade para muitas vezes, redimensionar seu
ensino e sua pesquisa e a extensão; a gestão do compromisso com a inserção
da universidade na realidade local; a relevância e a pertinência de projetos/
ações desenvolvidos com a comunidade.
Para concretizar qualidade nos processos de extensão a universidade,
dadas as circunstâncias presentes na realidade brasileira, precisa adotar
Políticas e Práticas de Inclusão social expressas não somente pela infraestrutura adequada mas, principalmente pela preocupação com a formação
de uma postura humana e social de reconhecimento da diversidade. Isso se
expressa, na universidade, especialmente pela possibilidade de participação de
estudantes no Reuni, pela disponibilização de cotas nas universidades federais
e no PROUNI nas privadas, bem como, a oferta de estrutura para programas
de alfabetização/ inclusão digital e Educação a Distância.
A extensão e a integração com a comunidade requer a gestão de
Cooperações e Parcerias pela necessidade de articulação multidisciplinar,
interdisciplinar e interinstitucional que delas decorrem, expressas em parcerias
no trabalho com administrações públicas e privada da sociedade, por meio
do Programas de Estágios Curriculares que envolvam diferentes empresas/
instituições da comunidade.
Dimensão 6 - Qualidade na gestão do atendimento ao aluno
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade
(critérios) são: acesso e permanência do estudante na universidade (presença
e temporalidade); políticas e programas de mobilidade estudantil; políticas
e existência de programas de inclusão e pertença; políticas de formação e
capacitação continuada (profissional) aos egressos.
A presença de políticas e programas de Acesso e Permanência do Estudante
na Universidade implicam orientação sobre condições de acesso (vestibular –
Enem – cotas - Prouni); adoção de estratégias de divulgação do processo seletivo;
expansão de vagas nos cursos noturnos; facilitação da realização das provas, bem
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
313
como, o estabelecimento de políticas e programas de permanência do estudante na
universidade através de bolsas e auxílio estudantil, acompanhamento psicológico
e pedagógico com tutoria de calouros; preocupação com a redução de taxas de
retenção e evasão; existência de incentivos para programas que acompanhem a
integralização curricular na formação dos profissionais, que avaliem percentuais
de alunos que permanecem até 1 ano, até 2 anos, alunos graduados no tempo
regular; percentual de alunos graduados além do tempo regular, jubilados; Tais
estudos e programas evidenciam a importância atribuída pela instituição a sua
atividade-fim, ou seja, a formação dos universitários.
Na perspectiva do mundo contemporâneo a existência de Políticas
e programas de Mobilidade Estudantil se concretizam pelo recebimento de
estudantes estrangeiros, alunos de diversos estados brasileiros, pela promoção do
intercâmbio de alunos nos eixos relacionais: sul-sul e norte sul, pela mobilidade
de alunos inter-cursos, inter-campi; inter-instituição, Isso torna-se indicativo de
uma ressignificação dos processos de formação para a cidadania mundial.
Dadas as circunstâncias brasileiras, a preocupação com diminuição de
efeitos das desigualdades sociais e regionais no acesso à ES é imprescindível
considerar a presença de Políticas e a existência de Programas de Inclusão e
Pertença mobilizadores de orientação quanto às possibilidades formativas,
culturais, de apoio e subsídio oferecidas pela Universidade; as políticas e
programas de democratização de condições de acesso dos estudantes na educação
superior; as políticas de inclusão social pela educação (inclusão digital, cultura
e esportes). Isso também requer a presença de políticas de atenção à saúde do
estudante (incluindo serviços médicos, de psicólogo, de dentista, de nutricionista
e outros) e política de assistência estudantil (moradia estudantil, alimentação,
restaurantes transporte/creche).
Tornam-se presença igualmente importante Políticas de Formação
e Capacitação Continuada (profissional) aos egressos, concretizadas em
programas de formação continuada nas áreas do conhecimento oferecidas pela
universidade aos alunos egressos; no apoio à inserção no mercado de trabalho e
em programas de acompanhamento ao aluno egresso.
Dimensão 7 - Qualidade na gestão da avaliação da universidade
Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade
(critérios) são: o sistema político-decisório institucional ligado à avaliação; a
avaliação institucional interna e externa e a auto -avaliação da Universidade.
314
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Diante de grandes mudanças, as universidades sentem-se incentivadas e
desafiadas pelos novos modelos avaliativos, havendo um aumento considerável
na participação de membros e órgãos específicos internos, bem como aumento
da participação de membros externos.
Dessa forma é fundamental a existência de Sistema Político-decisório
Institucional ligado à Avaliação Política Institucional de Avaliação da
Universidade, expresso em documento normativo institucional para avaliação
da universidade com explicitação de procedimentos, especificação de setor de
avaliação/controle institucional e de órgãos colegiados para fins de avaliação, não
apenas atendendo exigência do MEC, mas, evidenciando interesse institucional
no seu próprio aperfeiçoamento.
A autonomia na Avaliação Institucional Interna e Externa se revela pela
existência de comissões de avaliação (CPA, comissões de cursos e de setores)
constituídas com efetiva participação de segmentos da comunidade acadêmica e
da sociedade nos diferentes processos avaliativos. Outro aspecto indispensável
se refere à existência de critérios e do desenvolvimento de instrumentos
distintos de avaliação para os diversos segmentos que compõem a comunidade
da universidade, garantindo a presença de diferentes pontos de vista. Um
elemento importante se refere à simplificação dos processos avaliativos dos
docentes, sem dispensar normas e procedimentos institucionais de avaliação
permanente do docente pelos alunos. Outro aspecto a ser considerado se refere ao
reconhecimento do desempenho da instituição e seus integrantes em processos
avaliativos, no âmbito do Sinaes, do Enade (dentre outros) e o percentual de
sucesso nos exames nacionais/internacionais, com utilização dos resultados da
avaliação para tomada de decisões.
A avaliação do credenciamento e recredenciamento dos cursos envolvendo
a avaliação da organização didático-pedagógica com critérios que atendem multi/
trans e interdisciplinaridade, avaliação de infra-estrutura física, de biblioteca, de
equipamentos e de serviços, bem como a existência de programas de avaliação
das condições de trabalho, revelam a seriedade na gestão institucional.
A preocupação com a implementação de programa de Auto-avaliação
Institucional com participação de toda a comunidade acadêmica, com definição
e utilização de processos auto-avaliativos, amplamente divulgados e com
dados numéricos expressivos referentes à realidade institucional (número
de unidades/ setores/ cursos /alunos/ professores / técnicos/ funcionários),
que participam do programa de avaliação Institucional, com procedimentos
estabelecidos para uso dos resultados avaliativos, denotam a consistência do
sistema de avaliação institucional.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
315
Conclusões
Um processo avaliativo relativo à gestão da qualidade cujo sentido
principal é o do aperfeiçoamento da Educação Superior num projeto nacional,
revela o compromisso em manter a IES no rumo que a sociedade precisa para
tornar-se e torná-la melhor. Oferecer uma ES de qualidade significa participar da
construção do projeto da nação brasileira e de um mundo melhor.
Com este estudo acerca de indicativos para uma gestão da Educação
Superior se espera oferecer uma contribuição à comunidade envolvida com a
Educação Superior procurando responder à abertura, provocação e expectativas
do Projeto do Observatório da Educação da Capes. Representa uma tentativa de
acompanhar o desenrolar do sistema de avaliação implantando de forma mais
sistemática a partir do SINAES, examinando e debatendo o próprio processo
e os inúmeros indicadores já em andamento, sem a pretensão de esgotá-los e
sim de promover seu permanente auto-aperfeiçoamento, pelo exame sistemático
do proposto, do que foi olvidado ou postergado. O fato é que, em decorrência
da própria implementação dos SINAES, as instituições podem ir em busca de
seu auto-aperfeiçoamento e com isso alcançar novos patamares de qualidade
evidenciando que novos indicativos estão em elaboração.
Na Qualidade da gestão na universidade, alguns pontos parecem ter presença
em todas as dimensões identificadas o que faz com que a gestão de qualidade vá
além do patamar da eficiência e eficácia meramente técnica, constituindo-se na
perspectiva da competência do saber fazer e fazer bem, inserindo-se no âmbito de
valores e compromissos sociais. Estes vão desde a missão e identidade institucional,
definida e registrada como instituição formativa; a força dos compromissos e
responsabilidades sociais da universidade; a importância da inserção internacional a
partir de sua inserção local; a presença de sistema político-decisório e organizacional
institucional ligado a cada especificidade; a presença e transparência de sistema de
informação e de divulgação sobre a vida da universidade; a sustentabilidade que
envolve a instituição em seus múltiplos componentes; a garantia de condições para
que as funções da universidade possam ser exercidas com qualidade.
Enfatiza-se, assim, a noção de indicativos como mediadores e sinalizadores
do processo avaliativo institucional com o desejo de tornar-se melhor, de autoaperfeiçoar-se, no qual toda a instituição pode se engajar e no qual o domínio
técnico que lhe é inerente, não se sobrepõe, como já foi mencionado, às questões
ético-políticas da educação superior. São elas é que fundamentam o sentido maior
de cidadania, de respeito ao ser humano, à sociedade, seus valores e seu ambiente.
Se fortalece a compreensão de que a qualidade almejada, é fruto desse exercício
316
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
permanente de auto reflexão institucional que atende particularidades, mas que
também se sustenta em referenciais mais amplos. Finalmente, cabe reforçar que a
noção de indicativo suplanta a idéia de qualificativos normativos, pois o pretendido
é poder contribuir com um conjunto textual facilitador para que as instituições se
mostrem como são, no que acreditam, o que fazem acontecer, como edificam sua
identidade e a aperfeiçoam, constantemente, na realização do seu papel social.
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PARTE III
QUALIDADE E ENSINO SUPERIOR
QUALIDADE E POLÍTICAS DE INCLUSÃO
Marialva Moog Pinto
E
ste texto apresenta uma análise parcial da investigação denominada
“Qualidade da educação superior e o Prouni: limites e possibilidades
de uma política de inclusão”, desenvolvida no curso de doutorado do Programa
de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS.
Insere-se no contexto do Projeto Observatório da Educação Superior (CAPES/
INEP) desenvolvido pela Rede Interinstitucional de Investigadores da Região Sul –
RIES, que tem o foco na qualidade da educação superior, como tema preferencial,
procurando analisar indicadores de qualidade e os impactos ocasionados pelas atuais
políticas públicas de democratização de acesso à educação superior.
A investigação se propôs, através de um estudo de caso, a compreender as
dinâmicas ocasionadas em uma Instituição Universitária, a partir do ingresso de
alunos bolsistas do PROUNI1. Vêm eles de escolas públicas e devem ter realizado o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que faz parte das políticas de avaliação
do Ministério da Educação, aplicado voluntariamente a todos os concluintes
desse grau de ensino. Procurou-se perceber a visão dos professores, dos gestores
e dos próprios estudantes bolsistas a respeito da inserção dos mesmos na cultura
acadêmica. Toma-se o referente da qualidade como fundante das preocupações do
estudo, pois, ao ser lançado o PROUNI pelo governo federal, tendo em vista ampliar
as oportunidades de acesso ao ensino superior, registraram-se críticas dos segmentos
políticos e acadêmicos. Afirmavam que essa política de inclusão afetaria a qualidade
da educação superior porque alterava a tradicional lógica meritocrática de ingresso.
Acompanhar esse processo, então, pareceu ser de alta relevância.
Qualidade da Educação Superior
Avaliar a qualidade da Educação Superior é um tema que ocupa nos
últimos tempos os espaços universitários no Brasil e no exterior. A investigação
sobre este tema influi na convergência de numerosos fatores de diversas naturezas.
É possível identificar os estudos dos espanhóis García Del Dujo, (1997); García
Hoz, (1981); Jornet e outros, (1996); Silvero Miramón, (2006) como exemplos
da literatura européia e também no âmbito brasileiro as contribuições de José
Dias Sobrinho (2003), Denise Leite ( 2000 ) e Marilia Morosini, (2006).
1
PROUNI – Programa Universidade para Todos
320
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Em relação ao conceito de qualidade parece existir convergências entre
os pensadores. No entanto, da compreensão da relatividade desse conceito que
se coloca numa dimensão cultural e temporal, decorre uma nebulosidade de
indicadores que se afastem das grandes proposições universais. Nem sempre
conseguem realizar uma intervenção de caráter aplicativo, para a melhora da
qualidade da educação superior.
A preocupação com a qualidade acadêmica que se tornou usual nas
ultimas duas décadas, migrou do âmbito empresarial e industrial (García Del
Dujo, 1997; Silvero Miramón, 2006), em que esse conceito foi tomado em termos
de funcionalidade e utilidade, em que o critério maior situaría-se na satisfação do
seu destinatário (Juran y Gryna, 1993; Silvero Miramón, 2006).
Mais tarde os estudos sobre qualidade passaram a incluir outros fatores
como a necessidade dos trabalhadores, sua formação e aperfeiçoamento a cargo
da própria empresa, além da necessidade do beneficiário do produto.
Esta perspectiva conceitual, apesar de fortemente alicerçada pelas
políticas dos órgãos internacionais, encontrou importante resistência no meio
acadêmico. Nesse espaço ainda eram distantes as práticas sistemáticas de
auto-avaliação e de avaliação externa e o discurso da qualidade centrava-se na
preocupação social em geral e pedagógica em particular.
O avanço das políticas neoliberais provocou um contra movimento
acadêmico que percebeu a necessidade de emergir da letargia que tradicionalmente
o tema da avaliação provocava na universidade. Corporativa por condição histórica,
a universidade não estava acostumada a se expor em processos avaliativos que
extrapolassem a visão dos pares. Entretanto foi preciso tomar o tema da qualidade
como uma agenda de destaque, para poder se contrapor a parâmetros externos,
estranhos à sua lógica e tradição e a definição conceitual de qualidade passou a ser
o mote de muitas pesquisas e estudos.
Essa não se constitui numa empreitada simples, pois é multifacetada a
função da universidade que, como instituição social, sofre as influências culturais
e políticas de seu tempo. Para Silvero Miramón (2006) a definição e conceituação
da qualidade deve ser metacultural e metacontextual (p.37). Uma educação de
qualidade hoje pode ser diferente da educação de qualidade de outros momentos
históricos e culturais. Quando muda o referente, muda também o resultado.
Rodríguez-Espinar (1991b) define cinco dimensões para o termo
qualidade referindo-se ao âmbito universitário. Em primeiro lugar alude à
qualidade como sinônimo de um alto nível de fama e prestigio da própria
instituição; em segundo, quando a qualidade se revela através do amplo leque
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
321
de recursos e meios materiais e pessoais que inclui; em terceiro, qualidade como
obtenção de resultados; em quarto, a qualidade como oferta de titulações; e
em quinto a qualidade referida a fatores e processos de caráter formativo do
professor e do aluno.
A questão da qualidade leva a outros conceitos como eficácia,
funcionalidade, eficiência e excelência. De la Orden, (1988, 1997) e García Hoz,
(1981) dizem que se transferirmos estes conceitos para o contexto educativo, não
se pode cair no erro de identificar a referência por conseguir alguns resultados
quantificáveis, com uma postura pragmática. Falar em eficácia e eficiência em
educação é mencionar as relações existentes entre objetivos, meios e resultados
educativos; é afirmar que uma atividade (meio) programada com base em alguns
propósitos (objetivos) alcançarão um resultado desejável (fim).
A questão da qualidade, sendo um marco nas preocupações acadêmicas,
extrapolou a problemática conceitual, mas também incluiu a preocupação
metodológica e os usos dos resultados da avaliação.
Em decorrência das novas configurações do Estado e das formas
globalizadas de organização social há muitas demandas feitas às universidades,
incluindo os instrumentos de avaliação externa e os processos comparativos que
colocam as Instituições no centro de um processo competitivo internacional. A
avaliação – historicamente concebida como um instrumento de diagnóstico e
aperfeiçoamento dos sistemas educativos - vem sendo utilizada, em grande parte,
como instrumento da luta concorrencial própria do sistema capitalista. Têm servido
mais para acirrar competições por clientela e recursos do que como mecanismo de
autoreferenciação, a partir de um projeto político-pedagógico próprio.
Avaliar significa atribuir valor. O valor que atribuímos possui referentes
históricos, políticos e contextuais. A avaliação busca alcançar a qualidade na
educação, mas o conceito de qualidade decorre do que é tomado como valor. No
caso das instituições educativas, esse valor se explicita na sua tradição e no seu
projeto político pedagógico.
O alcance e expressões do valor pode se dar em escalas progressivas.
O mais alto degrau dessa escala é considerado como o padrão de excelência.
Quando se diz que algo é excelente é porque nele se reconhece alta qualidade e
essa qualidade está ligada ao que é valor, para aquele momento histórico, político
e contextual. De la Orden (1988) complementa dizendo que
a qualidade educativa é um continuo cujos pontos
representam combinações de funcionalidade, eficácia e
eficiência altamente co-relacionadas, e seu grau máximo, a
322
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
excelência, supõe um ótimo nível de coerência entre todos
os componentes fundamentais do sistema (p.155)
Os discursos produzidos nas últimas duas décadas apontam para a
necessidade de uma educação de “qualidade”, vinculando a condição de
desenvolvimento e bem estar das populações ao nível educacional por elas
alcançado. Entretanto, nem sempre a adjetivação do conceito qualidade tem
expressão clara e assume valores comuns. Rios (2001) afirma que um ensino
“competente” é um ensino de “boa qualidade”. Entretanto como definir o
padrão de competência?
O termo qualidade, em geral, traz a idéia de algo bom. Educação de
qualidade é sinônimo de boa educação. Assim qualidade é um conjunto de
atributos, ou seja, um conjunto de qualidades (RIOS, 2001).
Os gestores, administradores e a comunidade acadêmica em geral,
verbalizam a importância da qualidade e da excelência. Mas o que compreendem
como excelência? Em que contexto essa expressão se aninha? Nos últimos
tempos temos percebido que as universidades, autorizadas até então pelo Estado
como instituições que se caracterizam pela detenção histórica da cultura na
modernidade, são impelidas a mudar o seu referente, embaladas pelo discurso
da excelência. Readings (2003), afirma que “a cultura nacional já não fornece
um sentido ideológico abrangente para o que acontece na universidade e, como
resultado disso, o que ao certo se ensina ou produz como conhecimento interessa
cada vez menos à sociedade” (p.22).
Há reações que chamam a atenção de que excelência em educação não
pode significar “gestão para a qualidade total”. O mesmo autor, preocupado
com o atual panorama acadêmico alerta para o fato de que, muitas vezes,
...a qualidade não é uma questão derradeira, a excelência é
que o será em breve, porque corresponde ao reconhecimento
de que a universidade não é só como uma empresa; ela é uma
empresa. Os estudantes da universidade de excelência não são
como clientes; eles são clientes. Porque a excelência implica
um salto gigantesco: a noção de excelência desenvolve-se no
interior da universidade, como idéia em que a universidade se
centra e através da qual se torna compreensível para o mundo
exterior (READINGS, 2003, p.32).
O termo excelência, pela forma como vem sendo utilizado pode
apresentar múltiplos significados e, por isso, pode também pode parecer
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
323
desprovido de conteúdo. Excelência é aquilo que quase não se contesta, porque
não há referente externo claro, nem um conteúdo interno implícito. Readings
(2003) diz ainda que “a excelência aparece como terreno incontestável, como a
arma retórica com maior probabilidade de conseguir aprovação” (p.33). Quem
se animaria a contestar o discurso da excelência?
O termo excelência, por ser desprovido de significado, pode ser invocado
para um ou vários critérios que direcionam a sua ação. Torna-se um denominador
comum em todos os campos, mesmo que os critérios para a excelência variem.
“Funciona como uma contabilização exaustiva” (READINGS,2003,p.39) ou
impõe que “a universidade possa ser comparada aos moldes da estrutura da
administração empresarial” (READINGS,2003, p.39).
A Declaração Universidade para Todos da UNESCO alerta que,
a excelência é claramente uma unidade de valor puramente
interna que consegue pôr entre parênteses todas as questões
de referência ou função, criando assim um mercado interno.
A partir daí a questão da universidade é apenas a questão
de relação preço/qualidade, colocado a um estudante que é
encarado apenas como consumidor, e não como alguém que
quer aprender a pensar (READINGS, 2003, p.37).
Esta lógica vem impactando os discursos sobre e na universidade, num
contexto de mudança e de adaptação às novas demandas sociais. A noção de
excelência funciona permitindo uma contabilização exaustiva que busca ligar
a universidade a uma rede semelhante de instituições e percebe-se que “...o
funcionamento da excelência faz com que a universidade só se possa compreender
nos moldes da estrutura da administração empresarial” (READINGS,2003, p.39).
Há um conflito entre uma lógica estritamente econômica e a tradicional
missão cultural. Reconhece-se a necessidade de não esquecer a cultura, mas
não há certeza do lugar que ela deve ocupar (CABAL apud READINGS, 2003,
p.41). Invoca-se a excelência precisamente para não se dizer nada. Desvia-se
a atenção de questões como a qualidade fazendo perguntas como: quem avalia
e quanto se uma universidade é boa e relevante? De onde vem a autoridade e
legitimidade para fazê-lo?
Certamente cada pessoa ou organização possui suas próprias idéias sobre
o significado de excelência. Esse termo é aceito como um princípio organizador.
Todos preferem ser excelentes em paz, sem ter de intervir sistematicamente
no processo administrativo, mesmo porque isso não parece possível. Então o
discurso da excelência vai se constituindo sem dificuldades no circuito do
324
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
capital global e da política transnacional. A noção de excelência se esvazia de
conteúdo cultural e expõe as tradições modernas da universidade aos apelos do
mercado. Hoje a chamada Universidade da Excelência é um sistema burocrático
cuja regulação interna se faz por interesse próprio. É um sistema autônomo pois
“serve apenas aos seus próprios interesses: é mais uma empresa num mundo em
que o capital troca de mãos a nível transnacional”(READINGS, 2003, p.52).
Essa crítica se referencia num quadro de tendências e quer alertar para as forças
que ameaçam a universidade nos tempos atuais.
O Projeto Observatório da Educação Superior (CAPES/INEP)
desenvolvido pela Rede Interinstitucional de Investigadores da Região Sul
– RIES, percebe que as transformações do mundo do trabalho influenciam
fortemente as políticas acadêmicas e a competitividade pelo emprego resulta
em pressão para a educação superior. Criam-se as oportunidades para que a
educação superior se amplie, pois há demanda para ela. Ao mesmo tempo o
estatuto nacional de qualidade altera suas perspectivas, também afetadas pelas
forças neoliberais e pela globalização. O Estado diminuiu seu papel provedor e
assume com força a condição “reguladora” desse “mercado”.
O início do século XXI estimulou reações da sociedade exigindo
as oportunidades de direito. Discursos ligados a compromissos utópicos
se mesclam com as condições reais do capitalismo organizado. Procura-se
produzir, então, alternativas que buscam contemplar e conviver com as duas
forças: regulação e emancipação.
Com a influência das políticas econômicas sobre as políticas
educativas, novas regras se estabeleceram reorganizando e centralizando os
currículo, incluindo e implementando a avaliação dos sistemas educativos.
Reorganizaram-se os cursos conforme a nova retórica, que colocava o mercado
como referência de gestão e qualidade educacional (CUNHA, 2006). Houve,
segundo a autora, um processo de padronização, como se houvesse uma única
forma de conhecimento, uma só alternativa de formação (p.14).
Entretanto, por contradição, há movimentos que explicitam que o
ensino superior se constitui como expectativa de todos, atingindo a tradicional
perspectiva da universidade meritocrática. Mas as demandas são maiores do
que a possibilidade do governo em atendê-las.
Em 1990, na Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtiên,
o Banco Mundial recomendou aos países pobres a redução do financiamento
público para a educação superior, dando melhor atendimento à educação básica.
Como conseqüência, o governo brasileiro favoreceu a expansão da iniciativa
privada no ensino superior.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
325
A pressão social, entretanto, provocou discursos comprometidos com
a ampliação das vagas no sistema público e incentivou políticas afirmativas
que garantissem o acesso das classes populares nessas instituições. Medidas
como as políticas de cotas2 foram implementadas com promessas de sucesso,
a partir de 2002.
Aproveitando a base instalada das IES privadas no país, o governo
lançou um Programa que procurou garantir vagas a estudantes de baixa renda,
em troca de isenção de impostos devidos ao erário público. Esse Programa foi
denominado Universidade para Todos – Prouni. Ele é obrigatório para as IES que
possuem a característica e o benefício fiscal da filantropia.
Com o intuito de estimular a garantia da qualidade, foram definidos
mecanismos de controle para as IES e os cursos de graduação que receberiam
os estudantes. Também eles precisariam alcançar um determinado desempenho
no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e atestar uma trajetória estudantil
em espaços públicos ou em escolas privadas, com bolsas de estudo.
Os compromissos do governo Lula (2002-2010) fizeram avançar a
busca por alternativas que fossem, progressivamente, produzindo inclusões.
Essa perspectiva se alinhou à idéia de “Universidade para todos”. Movimentos
similares se identificam em outros países, ligadas especialmente ao controle
e à mobilidade populacional. Mas, para alguns, essa condição distanciava-se
da concepção meritocrática tradicional da universidade.
Cabe ressaltar que, ao se alterar o projeto de universidade, altera-se o que
é considerado valor, pelo menos na sua intensidade. Essa situação traz à tona a
tensão sobre a qualidade da educação superior.
Considerando-se o percurso histórico da universidade e as perspectivas
de seu relacionamento com as políticas de Estado, cabe, então, perguntar: pode
haver qualidade na universidade para todos? Que indicadores/parâmetros terão
lugar nesse projeto? As políticas de inclusão atuais estão alterando os patamares
tradicionais de qualidade? Em que direção? Como se percebem essas evidências?
Entre os argumentos contrários às políticas de democratização do acesso
à educação superior, está o fato de que os alunos bolsistas beneficiados pelo
Programa Universidade para Todos, poderiam estar diminuindo a qualidade da
Educação Superior, uma vez que vindos das escolas públicas, apresentariam
defasagens em sua aprendizagem.
2
Políticas de Cotas – Trata-se de políticas transitórias estimuladas pelo Governo Federal para reserva de vagas
a grupos historicamente excluídos da educação superior, como índios, negros e populações provenientes dos
sistemas públicos de educação básica. As IES assumem essas políticas de forma opcional.
326
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Essa suposição é que gerou o interesse em verificar esse fenômeno,
tomando uma Instituição confessional filantrópica como referente. Pareceu
importante compreender a percepção de gestores, professores e dos estudantes
sobre o tema.
Analisando dados e refletindo sobre qualidade e Prouni
As manifestações coletadas nos diversos segmentos de respondentes,
indicam uma posição favorável ao Programa e confirmam uma posição de apoio
às políticas de inclusão. Crêem, entretanto, que essa política deve ser transitória
e sofrer avaliações processuais permanentes.
Entretanto, algumas críticas surgem dos professores, apesar de
concordarem que o Programa é uma alternativa para a problemática do
acesso à educação superior. Há professores que acreditam que o governo
deveria investir na universidade pública e não usar recursos para bolsas
nas universidades privadas. Mesmo sendo essa uma posição sustentável, o
argumento do governo é de que há uma estrutura acadêmica instalada e que
pode/deve ser potencializada como alternativa imediata, mesmo que não se
contraponha à expansão da rede pública.
Há posições que também revelam o desejo de políticas de mais logo
prazo. Dizem que se as escolas básicas públicas fossem de qualidade, não haveria
necessidade de cotas. Certamente também essa é uma posição incontestável; mas
há de se convir que requer um investimento de largo prazo e que a proposta não
colide com as emergentes políticas de inclusão que ampliam de imediato o acesso
de muitos jovens à educação superior.
Outros docentes, entretanto, apóiam de forma explícita o Prouni, pois,
para eles abre oportunidades uma vez que
...o aluno que faz a escola pública sabe que se tiver um bom rendimento,
tiver uma boa nota no ENEM, vai ter uma vaga numa universidade privada. Nessa
perspectiva há uma tendência positiva e isso é interessante, é bonito, é importante.
O Prouni é visto realmente como uma política de inclusão, que provoca
uma ascensão social, num país, como o Brasil, de evidentes desigualdades
econômicas. Por isso a maioria dos professores foram favoráveis à políticas
compensatórias. Acreditam que o Prouni e as políticas de financiamento,
possibilitam a diminuição das diferenças sociais.
Outro fator que mencionam refere-se ao fato de que as universidades
federais estão localizadas, principalmente, nas cidades maiores, distantes
geograficamente de muitos alunos gaúchos do interior do estado. Para o estudante
do interior e com dificuldades econômicas é difícil o deslocamento, pelo custo e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
327
pelo tempo que teriam que despender. Assim a “política de compras de vagas”,
como alguns professores mencionaram, é uma forma de oportunizar ao aluno
estudar numa instituição de boa qualidade mais próxima da sua realidade. Pode
ter mais relação com o que ele busca, com o curso do seu interesse, mais próximo
do mercado disponível para ele.
Se o ingresso dos estudantes foi considerado um avanço pelos
respondentes, os mesmos demonstraram preocupação com as condições de
permanência, afirmando que esses estudantes precisam ser mais assistidos pelas
políticas institucionais. Caso contrário pode significar uma falsa inclusão, porque
eles podem ingressar na universidade mas não vão ter as mesmas condições que
a maior parte dos colegas para chegarem ao fim de seus Cursos.
Esse posicionamento nos fez acompanhar a taxa de abandono dos alunos
Prouni e verificamos que aqueles que têm bolsa integral quase não se evadem, o
que levou a IES a optar por apenas essa modalidade, dentro do Programa.
No caso das IES privadas, mesmo entre os alunos pagantes, uma grande
parte são alunos trabalhadores, inclusive com a responsabilidade de arcar com
as despesas da educação superior. Nesse aspecto podem enfrentar as mesmas
dificuldades dos estudantes do Prouni.
Sobre o desempenho dos estudantes nas práticas acadêmicas há uma
tendência positiva no olhar dos docentes. Uma das entrevistadas diz que
...quando vi a lista dos meus alunos Prouni, - porque eu antes não a
conhecia - fiquei muito surpresa. São muito bons os alunos, são os nossos
melhores alunos... Um que vi na lista, é o meu melhor aluno nesse semestre e
outros ainda foram meus em geometria espacial no outro semestre. Também
foram meus dois alunos que passaram com A e fiquei surpresa porque, às vezes
a gente tem impressão de que, porque vieram de escola pública, não teriam
condições de acompanhar; e é ao contrário. Todos os meus alunos bolsistas são
excelentes, a impressão que me dá é que como o governo comprou essa vaga
para eles, eles se sentem comprometidos. Eu sei que eles têm uma cobrança,
tem que ter aprovação, mas parece que eles querem mais.
Esta professora representa o imaginário de muitos docentes que atuam na
universidade, avaliando positivamente o Prouni. Nenhum docente manifestouse contra o Programa. Entendem eles que se trata de uma política positiva,
um marco para o acesso ao ensino superior de jovens oriundos de algumas
famílias brasileiras que não tinham esta possibilidade. Um dos depoimentos
favoráveis às cotas afirma “...se eu consigo pensar em um afrodescendente,
que estudou a vida toda na escola pública, que é de baixa renda e oferecer
328
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
perspectivas de educação superior, possivelmente crio um marco na tradição
daquela família ou na geração daquela família. Isso talvez ajude a que todos
tenham oportunidade de subir”.
Alguns acreditam que isso é um ônus que a sociedade tem que pagar em
subsídios. Certamente nós vamos colher os frutos. Eu ainda acho que há poucos
recursos destinados à inclusão. Se vai ver o orçamento da união, por exemplo,
isso é um ‘farelinho’. É uma moeda de troca.
Também há os que consideram que o Prouni é uma forma do governo apoiar
as boas universidades privadas: “o governo gasta muito na universidade pública, e
pode comprar vagas aqui na privada, para o aluno aqui de São Leopoldo”; “...até hoje
não vi nenhuma instituição que diga , não quero alunos pelo Prouni, pelo contrário
é uma moeda de troca para as filantrópicas. Então não há como ir contra a maré num
Programa como o Prouni...”
Os alunos beneficiados concordam, também, com o Programa Universidade
para Todos, como uma política de inclusão educacional e consideram uma ação
correta. Aceitam plenamente que o Prouni se justifica na estrutura da educação
superior do Brasil. São unânimes em concordar que só estão na Universidade em
função da existência do Prouni, pois não teriam como estudar se não fosse este
benefício público.
Para os gestores, em termos de políticas públicas de inclusão que
atingem as IES, há avanços. Um deles disse que até “...era crítico do Prouni
mas me convenci do seu acerto”.
Há uma perspectiva de que “...estão surgindo leis, hoje, que procuram
contrabalançar essa auto-proteção das elites, que é algo histórico... Auto-proteção
nos seus privilégios. Claro que essas leis são contestadas...”
Dizem que anteriormente na universidade havia um leque de possibilidades
de inclusão, mas tudo mais diluído. O Prouni ajudou a focar, “...nos deu critérios
e colocou a regra do mérito acadêmico, porque o Prouni introduz também o
mérito acadêmico. Neste sentido ele nos obrigou a avançar”.
Outros respondentes, entretanto, criticam o critério da meritocracia,
estabelecido pela nota do ENEM. Consideram que serão sempre privilegiados os
que têm acesso maior às informações. Acreditam que seria necessário encontrar
uma forma mais próxima das pessoas para efetivamente incluí-las. Diz que a
própria universidade deveria ter “...este mecanismo de acolhimento para depois
ajudar a desbloquear e qualificar...”.
Essa é uma questão polêmica e vai de encontro à representação usual de
que, para estar na universidade, é preciso uma base mínima de desempenho escolar.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
329
Alguns países têm acesso irrestrito, mas as estatísticas mostram que a perda se dá
no processo e que esse fenômeno tem a ver com o desempenho escolar prévio,
que, por sua vez, está vinculado à classe social. Essa reflexão é importante para
a discussão da inclusão e acesso ao sistema educacional superior. Mas mostra,
também, que as soluções são complexas.
Um dos interesses desse estudo esteve centrado no desempenho dos
estudantes no cotidiano de aula. Precisariam de atendimentos especiais?
Apresentam perfis diferenciados em relação aos demais alunos?
Os professores tiveram dificuldades para responder espontaneamente
a estas questões uma vez que os mesmos não identificaram previamente os
estudantes do Prouni, nem mesmo se em suas turmas havia um deles. Isso feito,
afirmaram que esses alunos passam a interagir em sala de aula como qualquer
outro estudante sem necessidade de algum apoio especial “...eles até facilitam a
vida da gente, porque são empenhados e vão atrás do conhecimento. Se todos
fossem assim, seria muito bom.Não, não precisa de nada de especial para eles”.
Um professor do curso de Direito diz que não identifica diferença nos
alunos bolsista porque há uma diversidade muito grande no corpo discente do seu
curso. Muito alunos do Prouni são excelentes alunos o que contradiz as suspeitas
de que os bolsistas poderiam intervir negativamente no padrão de qualidade da
Instituição. Diz um professor que, ao contrário, “...aqui na minha turma passou um
estudante com nota dez. A gente tem alunos que tem poder aquisitivo alto e não se
esforçam, muitos não têm interesse”. Eles são persistentes, disse outro respondente,
“buscam sanar as dificuldades e procuram conquistar boas notas. Parecem ter mais
dedicação e valorizam muito as oportunidades. Lutam para não perdê-las.”
Se há dificuldades elas são de ordem material, “como têm outros
estudantes de baixa renda que freqüentam a Universidade”, referindo-se às
dificuldades para alimentar-se adequadamente e tirar cópias na universidade.
Essa condição foi apontada também por um percentual significativo (40%) de
alunos bolsistas que participaram da pesquisa, dizendo encontram empecilhos
para acompanhar as propostas das disciplinas em relação aos custos com materiais
solicitados para o estudo. Mas compreendem que essa não é uma prerrogativa só
deles. Uma bolsista disse “... está acontecendo como qualquer outra experiência.
As diferenças são referentes ao transporte para estágios fora da cidade natal,
materiais solicitados e cursos obrigatórios. Fora estes itens o resto é igual a todos
os ingressantes na universidade”.
Por outro lado nenhum deles admitiu ter dificuldades para acompanhar
as propostas curriculares e alcançar os padrões exigidos nas avaliações. Não
concordam que para ter sucesso nas disciplinas precisam estudar mais que os outros
330
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
colegas ou se empenhar em esforços compensatórios. Sentem-se em condições
normais de aprendizagem.
Os alunos não percebem se seus professores ficam mais atentos, e
procuram sanar possíveis dificuldades em relação às suas aprendizagens. Os
professores desenvolvem sua aula normalmente sem nenhuma atenção especial
aos bolsistas, mas atentos a todos os estudantes.
O que pensam os alunos bolsistas do Prouni sobre
esta política de inclusão.
Provocamos os respondentes a se manifestarem sobre como se sentiam
na Universidade, tendo em vista a sua condição de ingresso diferenciada. As
respostas variaram, ainda que tenha sido preponderante a tendência de achar que
essa condição não importava em nenhum sentido para s sua inserção acadêmica.
Sentiam-se entrosados e em iguais condições que os demais alunos. Entretanto
40% dos respondentes assinalaram perceber algum preconceito que identificam
como “comportamento diferenciado” pelo fato de serem bolsistas. Não ficou
claro se essa sensação é fruto de suas próprias representações sobre a condição
que vivem ou se houve concretamente fatos que justificaram um sentimento de
tal ordem. Mesmo assim, o sentimento positivo que manifestam em relação à
oportunidade dada pelo Prouni é grande e expressivo.
Consideram que a experiência acadêmica está sendo fundamental para
seu desenvolvimento profissional. Caso não houvesse esta oportunidade não
teriam condições de fazer um curso superior. Os desafios propostos estimulam
a sua capacidade e fazem com que se dediquem cada vez mais. Uma aluna
bolsista diz “...me sinto realizada com a vivência e quando venço um desafio,
isso significa que estou aprendendo”.
Muitos alunos bolsistas demonstram aproveitar o máximo possível
essa oportunidade, obtendo excelentes notas. Alguns buscam outras atividades
que os qualifiquem como a pesquisa durante os anos iniciais da formação,
agregando novas competências. Uma das entrevistadas diz que é possível que
bolsistas do Prouni, por terem vindo de escolas públicas, que nem sempre
oferecem uma educação de qualidade, possam ser um pouco desfavorecidos.
Todavia, por terem chegado à universidade via ENEM, que se populariza
como sendo um novo vestibular, puramente classificatório, faz com que seja
pouco provável que esses estudantes tenham dificuldades ou deficiências de
aprendizagem maior do que seus colegas.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
331
Alguns elogiam seus cursos como tendo uma proposta inovadora em
termos pedagógicos e se sentem na maior parte do tempo desafiados a alcançar
os objetivos pré-definidos. Dizem que a grande maioria dos professores consegue
favorecer a produção do aluno com os conteúdos trabalhados e a cada semana
propõem novos desafios. Sabem que alguns poucos alunos, bolsistas ou não, têm
que se valer do chamado “Ensino Propulsor”, que consideram uma ferramenta
interessante quando se percebe certo grau de deficiência em sua instrução básica.
Alguns alunos apontam que já usufruem de benefícios no ambiente de
trabalho pelo fato de estar na Universidade. “A empresa em que eu trabalho já
me deu uma oportunidade de trabalhar na minha área de estudo e essa experiência
de aliar teoria/ prática é muito importante para o currículo”.
Outra assim se expressou:
A maior conquista foi a minha empresa reconhecer o meu esforço.
Eles acompanharam desde o início quando tentei a bolsa e consegui entrar na
universidade. Em dois semestres cursados já me deram a oportunidade de ir para
o setor financeiro, me possibilitando aliar conhecimentos. A minha vida deu um
giro no último ano, de recepcionista com ensino médio no início do ano passado,
passei a consultora de financiamentos com o 4º semestre em andamento.
Esses depoimentos são muito expressivos para acompanhar a vivência
desses alunos e os produtos de uma experiência acadêmica que revela qualidade.
Certamente neutralizam as críticas ao Programa, pois revelam mudanças vitais
na trajetória dos jovens beneficiados.
Mas, também eles enfrentam dificuldades. O tempo para o estudo, ou
falta de tempo é um fator apontado pelos estudantes. Mas, certamente, todo o
estudante trabalhador enfrenta este impasse. Sacrificam horas de laser e convívio
familiar em prol do estudo. Mas parece que, mesmo assim, vão em frente, pois
valorizam a condição temporal que estão vivendo.
Se valorizam muito a oportunidade de estar na Universidade, também
relatam sua satisfação com o bom aproveitamento que alcançam. Um dos alunos
disse “...no final do semestre quando vejo que passei, me dá um alivio, isso mesmo
um alivio, pois meu medo atual é perder a bolsa, já que sem ela não tenho como
continuar os estudos”. Outro afirmou: Estou em um curso diferenciado, mesmo
que os custos de investimento e manutenção do curso sejam altos. Essa é a maior
conquista e está abrindo uma possibilidade de conhecimento muito importante, o
qual, com dedicação e visão poderei atingir e criar objetivos audaciosos de vida.
Referem-se, ainda, à aprendizagens ligadas à cidadania e aos aspectos de
mobilidade social, como “saber incluir-me num espaço sócio-cultural diferente do
332
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
que estava habituado”, referindo-se ao fato de viver em uma cidade diferente da
sua. Para ele, a experiência fez com que “me tornasse uma pessoa mais receptiva
e menos alienada”.
Mas, dizem eles, “a maior conquista está sendo a própria formatura (que
está se aproximando)”, pois “... no final do ano que vem (quando me formar),
estarei fazendo cadeiras que nunca imaginei que existissem neste curso”. Com
essas expressões revelaram satisfação com o alcance de uma meta bastante
esperada e promissora para o futuro.
Foi estimulante encontrar depoimentos positivos dos alunos e atestar o
quanto a oportunidade de inserção na educação superior vem interferindo nas
suas vidas.
A maior parte dos alunos questionados diz que não vivem impasses
significativos e nada podem apontar. Mesmo que haja dificuldades vêem esses
momentos como mais um desafio a vencer.
Considerações Finais
A preocupação com a qualidade da Educação Superior, como temática
deste estudo, está vinculada as políticas de democratização do acesso à educação
superior. A pesquisa confirma que o Prouni é uma política de inclusão exitosa
proposta pelo Governo Federal.
Os professores da universidade pesquisada, embora não saibam
previamente quem são os alunos bolsistas, ao buscarem informações sobre eles,
em especial para esta investigação, verificaram que são alunos interessados,
assíduos, com sucesso no seu desempenho.
Os gestores concordam com o Programa, enfatizando a importância
de oportunizar a educação superior para os alunos das classes de baixa renda.
Demonstram interesse na possibilidade de ampliação do Prouni. Há universidades
privadas confessionais que possuem um excelente desempenho acadêmico e
podem contribuir com as políticas de inclusão. A participação nesses programas
favorece a sua sustentabilidade com qualidade. Os alunos sentem-se bem inseridos
no espaço acadêmico da universidade pesquisada. São dedicados e valorizam
a oportunidade cursar a educação superior numa Instituição de prestígio. Vêm
o Prouni como uma alternativa de ascensão pela possibilidade de exercer uma
profissão mais valorizada na escala social. Muitos deles são os primeiros nas
famílias a alcançarem essa condição.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
333
Portanto os resultados do estudo indicam que o Prouni não impacta
negativamente a qualidade da Educação Superior. Alguns professores confirmam
inclusive que estes alunos impactam positivamente. E a universidade ganha com
sua inserção, por seu interesse e desempenho.
Poder-se-á retirar da base empírica desse estudo alguns indicadores de
qualidade que se afastam das afirmativas produtivistas e concorrenciais? Poderão
eles corresponder aos sentidos sociais, políticos, filosóficos e éticos da atividade
educativa? Estariam expressos os compromissos e relações da instituição
educativa com a sociedade, numa perspectiva muito mais abrangente que a mera
preparação para o mercado, como defende Dias Sobº (2003)? São questões a
analisar e aprofundar.
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QUALIDADE DO ENSINO E AÇÃO INSTITUCIONAL1
Maria Antônia Ramos de Azevedo2
Maria Isabel da Cunha3
A
temática envolvendo a pedagogia universitária vem ganhando nos
últimos anos grande repercussão e se constituindo (Cunha, 2009)
num campo epistemológico profícuo envolvendo a necessidade urgente da
qualificação do trabalho docente no âmbito universitário.
Os discursos sobre a qualidade de ensino se sucedem e, não raras vezes
com conotações diferenciadas. Entretanto, parece universal a discussão dobre
os padrões de qualidade profissional como uma emergência da sociedade
contemporânea e essa condição vem remetendo a novas investigações e análises
sobre o ensino de qualidade. Connell (2010), partindo do exemplo da Austrália,
relata que nesse país são realizadas investigações sobre a formação de professores,
numa nova tentativa de avaliar o seu trabalho. Entretanto, afirma o autor, todas
as discussões partem do pressuposto de que – como foi afirmado de forma tão
contundente pela OECD4 (2005) - mais do que quaisquer fatores os professores
são importantes e fazem diferença nas condições educacionais. Explica Connell
que o relatório deste organismo fez um resumo de vasta pesquisa sobre os fatores
determinantes do aprendizado, afirmando que, embora as maiores variações
de resultados decorram da origem socioeconômica dos alunos, o fator mais
importante e potencialmente suscetível à influência de políticas públicas é o
ensino e, em particular, a qualidade dos professores (p.165). Essa posição é
reforçada por Hayes quando afirma que além da origem familiar, são os bons
professores que fazem uma grande diferença nos resultados do aprendizado dos
alunos (2006, p.1).
Investir energias e empenhos procurando recrutar e manter bons
professores tornou-se, para muitos países, uma importante questão de ordem
prática. Muitos deles partiram para implementar mecanismos de avaliação
e certificação dos docentes, na perspectiva de que esse seria o caminho mais
adequado. Distanciaram-se, algumas vezes, da concepção até então sustentável,
1
Estudo decorrente da Pesquisa “Os Saberes da Docência e da Pesquisa na Formação dos Futuros Professores
Universitários” desenvolvida como parte do Estágio pós-doutoral da autora no PPGEducação da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) com a participação e orientação da Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
2
Doutora em Educação pela USP e docente no Campus de Rio Claro da Universidade Estadual Julio Mesquita
Fº (UNESP).
3
Doutora em Educação pela UNICAMP e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS.
4
OECD – Organization for Economic Cooperation and Development.
336
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
de que bons professores se fazem com muitos investimentos de formação
e de boas condições de trabalho. Bastaria submetê-los a exames periódicos
que informariam sobre seus conhecimentos ou premiá-los quando, numa
lógica concorrencial, obtivessem sucesso nos escores de seus alunos. Outras
políticas desconfiam dessas alternativas. Defendem o investimento maciço
em formação e em melhores condições de trabalho para os docentes. Essas
posições e suas decorrentes políticas se mantêm em tensão, fazendo parte da
agenda contemporânea. Para algumas os processos de acreditação e avaliação
constante é que podem informar sobre a capacidade dos professores, premiando
pontualmente aqueles que apresentam bom perfil, revelado no rendimento
cognitivo de seus alunos. Para outros, esse é uma política equivocada, pois acirra
o individualismo docente não investindo na escola e nas condições de trabalho
do professor numa dimensão coletiva. Melhores salários e condições de carreira,
boa base material para o exercício da docência seriam as medidas que poderiam
levar ao sucesso pedagógico. De qualquer forma, como diz Connell, fica evidente
a estreita relação entre ensino de qualidade e a qualidade da docência.
Essas reflexões parecem úteis e aplicáveis para qualquer nível de ensino.
No caso desse artigo, interessou analisar a preparação para a docência de qualidade
na e para a universidade, e perceber os investimentos institucionais que são
realizados nessa direção no espaço de cursos de pós-graduação strito sensu.
A compreensão de que a docência é uma atividade complexa tem sido
constantemente reiterada por nós (Cunha, 2004), pois essa é uma profissão
que exige múltiplos saberes articulados em uma totalidade e compreendidos
em suas relações. Se essa é uma condição que envolve todos os docentes,
o exercício na educação superior se torna mais exigente ainda, pois quem
atua nesse nível de ensino precisa exercitar a produção do conhecimento
pela atividade investigativa, com reflexo nas ações de ensino, favorecendo
aprendizagens também complexas de seus alunos.
Paradoxalmente a qualidade do ensino superior, ao ter como parâmetro
a qualidade da docência, toma a formação investigativa como única base de
saberes necessária ao futuro professor. A legislação no Brasil impõe que um
percentual significativo do corpo docente de uma Instituição de Educação
Superior tenha formação de mestrado e/ou doutorado, no pressuposto que é ela
que qualifica a docência. As universidades de prestígio, entretanto, já têm quase
a totalidade de seu corpo docente com título de doutor e progressivamente esta
formação já se constitui em requisito de ingresso. Entretanto é sabido que a
pós-graduação strito sensu tem sua espinha dorsal nos saberes da pesquisa,
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
337
materializada pela produção de uma dissertação ou tese. Não se trata de
contestar a importância dessa formação, porque ela sustenta a condição da
produção do conhecimento. Mas há de se convir que a docência pressupõe
mais do que os saberes da pesquisa e que o seu exercício exige expressivos
saberes profissionais.
Por essa razão também se torna fundamental investigar sobre as
possibilidades de investir com mais qualidade na formação dos futuros
professores universitários, nos espaços dos cursos de mestrado e doutorado.
Consideramos que todos esses Cursos, das mais diferentes áreas, teriam de
manifestar uma preocupação com a condição de futuros docentes que em
geral se avizinha para os estudantes que, na sua maioria, pretendem ingressar
profissionalmente na universidade. Propiciar espaços de estudos e reflexões
sobre a natureza pedagógica da docência pode contribuir com a condição de
ingresso dos estudantes na carreira docente e auxiliar a trajetória que deverão
construir com seus alunos. Mas esse não é apenas um interesse pessoal que
compõe a agenda do estudante, futuro professor. É, principalmente uma
responsabilidade das políticas públicas que, por sua condição indutória,
precisariam acenar para a implementação curricular de estudos nessa direção.
Se essa sempre foi uma condição por si só sustentável, tendo em
vista a complexidade da docência, o panorama contemporâneo de expansão
e interiorização da educação superior universitária impõe novos desafios
para as práticas de ensinar e aprender. Essas se afastam, em muitos casos, da
lógica da meritocracia estudantil e exigem a compreensão das culturas e do
desenvolvimento dos jovens e adultos em situações peculiares. Não basta que
os professores tenham domínio do conhecimento que devem ensinar, ainda que
seja ele uma condição fundamental para seu ofício. São necessários outros tantos
saberes referentes aos estudantes e às características das regiões onde atuam.
Para ensinar é preciso entender do conteúdo na mesma intensidade de como se
conhece os processos de ensino e os estudantes.
Como, então, essas compreensões estão chegando aos espaços acadêmicos
da pós-graduação no Brasil? Há clareza da importância da formação pedagógica
do professor como componente da qualidade do ensino de graduação? Como essa
formação pedagógica se articula com a formação para a pesquisa? Constituem
um único constructo que definem uma base epistemológica para as duas funções?
Lançam mão da extensão como ponto de partida e de chegada de suas indagações
epistêmicas? Que pensam os alunos dessas proposições?
338
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Com esse intuito desenvolvemos uma incursão empírica localizando
uma experiência de formação com estas características em três Cursos de PósGraduação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz pertencente ao
Campus de Piracicaba da Universidade de São Paulo. Neles é oferecida a disciplina
de Preparação Pedagógica para os estudantes formalmente matriculados. Vale
ressaltar que essa Escola tem reconhecimento internacional da sua qualidade,
sendo responsável pela formação de boa parte dos pesquisadores brasileiros de
sua especialidade. Progressivamente essa condição vai lhe atribuindo um perfil
que privilegia a pós-graduação, pois tem mais alunos nesse nível de ensino do que
na graduação. Atualmente na ESALQ há 6 cursos de graduação, 16 programas de
pós-graduação e 2 programas de pós-graduação interunidades. No ano de 2010
foram matriculados 1.897 alunos de graduação e 7.031 alunos de pós-graduação.
Esse esclarecimento parece importante para a posterior compreensão dos dados
decorrentes das representações dos alunos, nossos interlocutores nesse estudo.
Essa disciplina tem caráter optativo e é oferecida a todos os estudantes
interessados. Nos cursos de pós-graduação há uma grande variação na maneira de
como a disciplina é oferecida. Os três cursos estudados, nessa pesquisa, optaram
pela realização da disciplina durante um semestre todo, de forma sistemática,
com duração de 60 horas. Destina-se a aprimorar a formação de alunos de
pós-graduação para a atividade didática de graduação e está composto de duas
etapas: preparação pedagógica e estágio supervisionado em docência. As duas
etapas se constituem numa obrigatoriedade para os bolsistas da CAPES que não
tenham experiência no magistério superior. Mas outros estudantes interessados
também podem cursá-las. É nela que os participantes têm a oportunidade, ainda
que superficial, de discutir aspectos relacionados ao papel da universidade,
incluindo as suas três funções básicas: ensino, pesquisa e extensão.
A universidade e
contemporâneas
o
contexto
das
políticas
Para poder refletir de forma mais fundamentada sobre o tema que nos
mobiliza, consideramos importante uma reflexão prévia sobre a universidade e o
contexto que a envolve nessa condição contemporânea.
Boaventura de Sousa Santos (2010) têm contribuído de forma significativa
nas reflexões sobre a universidade do século XXI e propõe importantes aportes
acerca dos rumos que a universidade vem tomando na atualidade.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
339
O autor, em estudo anterior (2000), afirmou que a universidade vem
enfrentado, pelo menos, três crises identitárias: a que decorre de seu papel
de detentora da produção da conhecimento pela pesquisa, envolvendo sua
legitimidade; a que precisa responder às exigências sociais e políticas, envolvendo
as políticas de acesso e a reivindicação de igualdades de oportunidades para
as classes populares; e a crise institucional em que de um lado há a busca de
autonomia na definição de valores e objetivos da Universidade e por outro a
pressão crescente para submetê-la a critérios de eficácia e produtividade de
natureza empresarial ou de responsabilidade social.
Tendo em vista este quadro, a autonomia científica e pedagógica da
Universidade ficou ameaçada e induzida a seguir o modelo de desenvolvimento
econômico conhecido por neoliberalismo ou globalização neoliberal que, na
década de 80, se impôs internacionalmente. Esse movimento, de acordo com
Sousa Santos (2010), gerou um processo de mercadorização da universidade por
meio de duas frentes:
1) a do início da década de 80 e meados da década de 90, quando houve
a expansão e a consolidação do mercado universitário nacional;
2) a que emerge do mercado transnacional que teria a função de promover
soluções globais ao problema da educação por meio do financiamento
pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial de Comércio.
Houve, para o autor, uma tentativa de institucionalização da globalização
neoliberal na Universidade, encontrando campo fértil na fragilização dos projetos
nacionais que nascessem das parcerias colaborativas, envolvendo a condição
pública das universidades. Para lutar contra essa situação aponta a necessidade da
construção de um modelo de globalização alternativa por meio da elaboração de
um projeto de país centrado em escolhas políticas oriundas de um amplo projeto
político, social e educacional, via colaboração nacional e internacional. Valoriza,
para tal, as tecnologias de informação e de comunicação, as novas pedagogias e
a difusão do conhecimento correlacionado com avanços locais e globais.
Suas posições encontram guarida na nossa compreensão, uma vez que
assumimos a emergência da construção de alternativas ao modelo hegemônico e,
para tal, entendemos que é fundamental apostar na formação docente na direção
de um paradigma crítico e emergente que assuma a qualidade da educação
superior distanciada dos discursos generalizadores e concorrenciais.
A profissão docente, no âmbito universitário, foi atingida por forças
que ratificaram sua condição de isolamento favorecendo os projetos individuais
340
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
sobre as demandas coletivas. Essas estimulam pesquisas e aproximações com o
mundo empresarial sem muito critério de bem público, valorizando os produtos
do trabalho acadêmico, sem muita atenção aos processos. Reconhecem o docente
universitário especialmente por suas funções de pesquisador e pouco assumem
a perspectiva de que o professor pesquisador também precisa investir na
qualificação da sua ação docente, aquela que forma intelectuais cidadãos. Como
afirma Bazzo (2007), “os problemas relacionados ao ensino nas universidades
têm suas raízes no chamado ethos acadêmico que parte da compreensão de que o
trabalho docente é fundamentalmente identificado com a atividade de pesquisa,
sendo essa sua principal fonte de prestígio acadêmico e também de valorização
profissional” (p. 198).
Entretanto, mesmo na contramão dessa política mais ampla, tem sido
possível localizar algumas experiências pontuais que vêm fazendo contrapontos.
Entendemos que elas ainda estão longe de representar uma força hegemônica e
nem sua intensidade responde à complexidade dos saberes para a docência. Mas
reconhecemos que representam uma possibilidade de reflexão e a ocupação de um
espaço nos Programas de Pós-Graduação que vai, aos poucos, se transformando
em um lugar (Cunha, 2009).5
Para compreender a possibilidade desse movimento de transformação
do espaço em lugar, foi desenvolvida uma pesquisa que, conforme explicitado
anteriormente, teve os alunos de Pós-Graduação de três Cursos da ESALQ como
interlocutores. Esses estudantes haviam realizado a disciplina de Preparação
para a Docência e puderam externar suas percepções sobre o percurso vivido.
Apontaram um quadro preocupante sobre a ação profissional dos docentes
universitários devido ao baixo prestígio que o ensino tem na universidade,
onde se verifica a supervalorização da pesquisa. Dizem eles que
os professores são cobrados somente pela pesquisa, dando
prioridade a ela. Além disso, na contratação do professor,
o peso dado às publicações é infinitamente maior do que
a sua didática. A extensão é esquecida pela maioria
dos docentes. A avaliação dos docentes leva apenas em
consideração a sua produtividade em pesquisa. (Curso
Ciência dos Alimentos).
Ou
5
Em estudo anterior definimos o significado dos termos espaço e lugar ao nos referirmos à preparação para a
docência. O espaço é a condição potencial para uma ação. Já o lugar é o espaço ocupado, conquistando algum
reconhecimento e legitimidade (Cunha, 2009).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
341
A valorização da pesquisa em detrimento dos outros aspectos
impossibilita o exercício do ensino e da extensão com qualidade. (Curso Ciência
dos Alimentos).
Ou, ainda,
Atualmente esse processo é bem difícil visto que hoje um
bom professor é aquele que publica mais, em decorrência
desta infeliz exigência! Os professores acabam sendo muito
mais pesquisadores do que professores, pois boa parte deles
não levam o conhecimento e nem os benefícios dela aos
alunos e à sociedade (Curso Recursos Florestais).
Os alunos respondentes parecem ter claro o cenário que envolve a
Universidade, em especial uma Instituição centenária que cada vez mais se
legitima pela condição investigativa. Compõem, com outras congêneres, a
representação de uma predominância da função da pesquisa sobre as demais,
ainda que essa posição careça de sustentação legal. E essa cultura se manifesta
na prática dos professores.
Primeiro, acho que é porque e a própria universidade
cobra do professor o número de pesquisas que têm, quantos
ele está orientando e como está sua produção e número
de publicações. O professor não tem apoio para fazer a
extensão e precisa sair da sua comodidade e começar a
trabalhar em parceria com outros docentes e com os alunos.
O ensino para ele é dar suas aulas sempre expositivas,
cumprir os horários e o programa elaborado por ele mesmo
e transmitir seu conhecimento aos alunos. É só a pesquisa
é que dá status ao professor universitário, infelizmente!
(Curso de Recursos Florestais).
Ao analisarmos estas manifestações podemos perceber o quanto
a qualidade do ensino articulada a pesquisa está distante da realidade
universitária, não havendo encaminhamentos que apontem para processos
de inovação entendidos por nós (Leite (1999, Cunha 2006, Lucarelli 2009)
como uma ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender; na inclusão
da gestão participativa, do protagonismo, na reconfiguração dos saberes e na
reorganização da relação teoria/prática.
A base da inovação está na ruptura paradigmática sobre o conhecimento,
exigindo rupturas epistemológicas como condição primeira para que as rupturas
pedagógicas possam de fato ocorrer. Mas pelas afirmativas dos respondentes
342
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
é possível inferir que mesmo num ambiente acadêmico de alto prestígio com
contribuições exponenciais referentes à pesquisa, o ensino segue prescritivo,
baseado principalmente na transmissão do conhecimento, que, por essa
perspectiva assume uma condição de pronto e acabado, sem instar o aluno a
intervir de forma inquiridora sobre sua formulação.
Não se percebe qualidade de ensino entendida como a busca pela
qualidade humana e cidadã embasada na visão de Sousa Santos (1989), incluindo
a articulação do conhecimento científico-natural com o conhecimento científicosocial valorizando os âmbitos estético-expressivo e ético-moral.
Esta articulação também é valorizada por Rios (2006) que afirma que
os conhecimentos pautados nessas perspectivas traduziriam a idéia “da melhor
qualidade”, pois estariam valorizando as dimensões técnica, política, ética e
estética. Para ela,
o conceito de qualidade é totalizante, abrangente,
multidimensional. É social e historicamente determinado
porque emerge em uma realidade específica de um contexto
concreto. Portanto, uma análise crítica de qualidade deverá
considerar todos esses aspectos, articulando aqueles
de ordem técnica e pedagógica aos de caráter políticoideológico. (RIOS, p. 64).
Na visão dos alunos respondentes, o professor universitário precisaria
incorporar a ação profissional de professor pesquisador, mas entendido como
alguém que tem a capacidade de saber fazer do ensino e da pesquisa os elementos
que retroalimentarão suas intervenções nos diferentes territórios acadêmicos
gerando, assim, a qualidade e a excelência no ensino, na pesquisa e na extensão.
Deveria ser alguém que se utiliza das trocas estabelecidas
no ensino: pares, discentes e comunidade para ampliar o
conhecimento e, ao mesmo tempo, que utiliza as informações
e as ferramentas, durante o exercício da pesquisa, para
ampliar os conhecimentos a serem utilizados, também, como
ferramentas de ensino. (Curso de Ciência dos Alimentos).
É aquele que pesquisa na área em que se propõe a ensinar.
Dessa forma ele não apenas reproduz o conhecimento, como
também cria novos conhecimentos. (Curso de Entomologia).
É um professor que ensina e pesquisa em igual prioridade,
sendo que aquilo que ele pesquisa serve de complemento
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
343
da aula, e as aulas como fonte de perguntas para a sua
pesquisa (Curso de Recursos Florestais).
Estas afirmativas parecem indicar que esses estudantes têm mais clareza
da natureza da ação docente na universidade do que seus professores. É esta uma
conclusão alvissareira, por um lado, e preocupante por outro. Pode ser que essa
posição seja produzida pela emergência de um novo tempo e de uma distinta
consciência social e política a presidir o conhecimento científico. Mas pode,
também, representar um discurso localizado na fase em que vivem os alunos
que depois, - ao ingressar na carreira docente -, sofrem as amarras culturais e
institucionais que os fazem capitular. Entretanto também pode significar que o
espaço de reflexão proporcionado pela disciplina de Preparação Docente possa ter
despertado neles a possibilidade de pensarem de forma diferente e reconhecerem
a importância de reverter o quadro de desprestigio do ensino. Percebem, ainda,
com alguma preocupação, a incompletude de sua formação, frente ao desafio de
logo adiante se tornarem professores.
Acreditando nessa possibilidade é que continuamos a provocar os
estudantes sobre as suas aprendizagens no campo pedagógico e da docência. Eles
percebem que os professores universitários têm dificuldade de integrar o ensino,
a pesquisa e a extensão e as causas dessa condição vão desde a sobrecarga de
trabalho até às prioridades que regem o seu tempo. Indicam as exigências dos
órgãos de fomento como um forte imperativo da supervalorização da pesquisa
que gera certo descompromisso da universidade com as outras demandas ligadas
à extensão e ao ensino, especialmente o de graduação. Mencionam, ainda, a falta
de preparo dos docentes para atuarem com competência nesses espaços como um
fator que incide sobre a pouca relevância a elas atribuídas.
Estes campos exigem muito de uma pessoa. É impossível realizar tudo
com qualidade. Além disto, essas três áreas requerem saberes e habilidades
diferentes e difíceis de encontrar em uma só pessoa (Curso de Entomologia).
Acredito que é possível fazer com qualidade ensino,
pesquisa e extensão, pois entendo que estão intimamente
ligados. Porém o que ao docente é cobrado “como
qualidade” refere-se à pesquisa, tanto para as agências de
fomento ou até para a sociedade Em geral, os professores
estão sobrecarregados e não conseguem exercer as três
atividades concomitantemente. Além disso, tem a questão
da aptidão, onde ele revela preferências por determinada
atividade (Curso de Recursos Florestais).
344
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
A qualidade do trabalho docente na universidade não alcança com
facilidade e freqüência a dimensão técnica, estética, política e ética gerando
um quadro nevrálgico no sentido de que tanto a formação profissional, como
a formação para a pesquisa e para a docência estão exigindo prévias rupturas
epistemológicas para depois avançar nas rupturas pedagógicas. Essas poderiam
ser as que gerassem indicadores de qualidade do ensino.
Alguns indicadores de qualidade do ensino: uma
tentativa de esboço
A relação ensino, pesquisa e extensão têm sustentado o discurso da
qualidade do ensino superior, como já aqui mencionado e em tantos outros
documentos que tratam do tema e sustentam as políticas de educação superior
no Brasil com referentes no contexto internacional. Entretanto tem sido bastante
complexo definir indicadores universais, pela condição cultural, temporal e
ideológica que acompanha o conceito de qualidade. Não sabemos se isso é possível
e nem se é desejável. Assumimos a posição que infere sobre a impossibilidade
de realizar uma descrição universal de indicadores, sob pena de descaracterizar a
compreensão de valorização do contexto, tão cara para os que crêm na educação
como produção humana e cultural.
Entretanto, estimuladas pelos depoimentos dos nossos interlocutores,
tomamos as rédeas de uma iniciativa complexa, mas talvez necessária para
ampliar a sua contribuição, que ajude a analisar as práticas acadêmicas de
ensino e com esse exercício avaliar os progressos e desafios a enfrentar. Cremos,
também, que ao explicitar indicadores de qualidade poder-se-á contribuir
para a reflexão no campo da pedagogia universitária e impactar a formação
de professores. Desde já explicitamos a provisoriedade desses indicadores e
seu compromisso com uma posição epistemológica emergente. A produção
dos mesmos decorre de investigações e reflexões sobre o campo da pedagogia
universitária (Cunha, 2008).
Para que servem os indicadores? Em primeiro lugar seu objetivo é
explicitar o sentido da qualidade, pois esta é uma expressão que precisa ser
adjetivada. Sendo alicerçada numa matriz valorativa, a qualidade é cambiante
e depende da explicitação do projeto educativo que orienta sua definição.
Em segundo lugar os indicadores servem como referentes de programas de
qualidade. Aceitos como legítimos podem ser tornar faróis que iluminam o
caminho da transformação, organizando entendimentos sobre o conteúdo da
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
345
inovação e da formação. Podem, também, ajudar na consolidação da pesquisa,
na medida em que, sendo utilizados em distintos contextos e por diferentes
atores, contribuem na teorização do ensino. Por fim os indicadores podem
contribuir para operacionalizar processos avaliativos, dando pistas para a
apreensão da realidade, auxiliando diagnósticos e favorecendo juízos de
valor em uma atividade tão complexa como o ensino. Ajudam a definir uma
base comum de argumentos e coincidir ou contrapor-se a outros paradigmas
de avaliação. No caso desse estudo, explicitar indicadores pode ajudar a
compreender os desafios para a formação de futuros professores no âmbito
da pós-graduação strito sensu e fundamentar a importância do conhecimento
pedagógico para uma docência de qualidade.
A) A ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender
que envolve(a) compreender o conhecimento a partir de uma perspectiva
epistemológica problematizadora; (b) reconhecer formas variadas de produção
de saberes; (c) incorporar a dimensão sócio-histórica do conhecimento; (d)
assumir a dimensão axiológica que une sujeito e objeto.
B) A gestão participativa que inclui (a) a participação dos sujeitos desde
a concepção até a análise dos resultados; (b) o estimulo às atitudes reflexivas
frente ao conhecimento; (c) a condição de assumir a diversidade de compreensões
valorativas; (d) o incentivo das habilidades para tratar com a complexidade.
C) A reconfiguração dos saberes que requer (a) a anulação ou
diminuição das dualidades propostas pela ciência moderna (saber científico/
saber popular, ciência/cultura, educação/trabalho, corpo/alma, teoria/prática,
ciências naturais/ciências sociais, objetividade/subjetividade, arte/ciência,
ensino/pesquisa etc); (b) a compreensão da realidade de forma integradora; o
reconhecimento da legitimidade de diferentes fontes de saber; a valorização da
percepção integradora entre o ser humano, a sociedade e a natureza.
D) A reorganização da relação teoria/prática em que é preciso (a)
assumir que a dúvida epistemológica é que dá sentido à teoria; (b) estimular
relações que articulem ora teoria e prática ora prática e teoria; (c) promover a
leitura da realidade e da prática social; (d) problematizar o conhecimento que os
estudantes precisam produzir; (e) assumir a prática como única e multifacetada
exigindo uma visão interdisciplinar.
E) A perspectiva orgânica no processo de concepção, desenvolvimento
e avaliação da experiência desenvolvida que inclui a (a) apreensão das relações
entre as decisões pedagógicas que acompanham todo o processo de ensinar e
346
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
aprender buscando coerência; (b) a busca processual, que exige, em muitos
casos, mudanças de rumos e sensibilidade para o trato com o não previsto; (c)
a definição de um pacto entre professor e alunos e desses entre si, no que se
refere às regras do trabalho pedagógico, incluindo sua avaliação.
F) A mediação que estimula a (a) assumir a inclusão das relações
sócio-afetivas como condição da aprendizagem significativa; (b) a lidar com as
subjetividades dos envolvidos, articulando essa dimensão com o conhecimento;
(c) a exercitar relações de respeito entre professor e alunos; (d) a valorizar a
dimensão do prazer de aprender, do gosto pela matéria de ensino e do entusiasmo
pelas tarefas planejadas; (e) a valorizar os significados atribuídos ao conhecimento
compreendendo da historicidade de sua produção.
G) O protagonismo que exige (a) reconhecer que tanto os alunos como os
professores são sujeitos da prática pedagógica e, mesmo em posições diferentes,
atuam como sujeitos ativos das suas aprendizagens; (b) valorizar a produção
pessoal, original e criativa dos estudantes, estimulando processos intelectuais
mais complexos e não repetitivos; (c) resignificar o conceito de experiência,
assumindo-a como algo que é particular de cada sujeito e que depende das
suas estruturas culturais, afetivas e cognitivas para acontecer com sentido; (d)
compreender que o conhecimento novo não precisa inédito, mas é novo para
aquele que pela primeira vez o descobre, a partir da sua condição experiencial.
A explicitação destes indicadores - que resultam numa visão inovadora
na compreensão epistemológica, se considerarmos as perspectivas tradicionais
da modernidade -, remetem à compreensão das exigências que o professor
universitário enfrenta para dar conta de suas múltiplas funções profissionais. O
despreparo para tal produz nos professores, muitas vezes, uma crise identitária
da profissão, revelando-se pelo seu “não lugar” (Cunha, 2010) que provoca
uma inquietação e um mal estar frente à docência.
Partindo do entendimento de que a universidade é o espaço da
formação dos professores da educação superior é preciso urgentemente
institucionalizá-lo como lugar onde a formação para a docência se constitua
como elemento fundante da construção pré-profissional dos futuros docentes
universitários. Deve ser, também, a condição que alimenta a formação
permanente e continua do professor universitário em serviço. Assumimos
que “o que transforma o espaço em lugar, é a ocupação do mesmo pelas
pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição” (Cunha,
2010, pg. 54). É como se os professores assumissem este lugar como “locus”
de ensino e de aprendizagem sobre a sua profissão, um lugar de conhecimento
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
347
daquilo que ele abarca ao se tornar docente no âmbito universitário refletindo
e analisando acerca das suas intervenções.
É necessário que as Instituições e as políticas públicas de pós-graduação
reconheçam a complexidade da docência e assumam que o ensino de qualidade
exige o desenvolvimento de saberes próprios para esse fim.
Tardif (2002) define saberes docentes como um rol de conhecimentos,
habilidades e atitudes na ação profissional do docente, que se relaciona com a
idéia de o professor precisar, no decorrer de sua ação, saber fazer determinadas
ações e desempenhar funções, desencadeando habilidades no ato de ensinar
algo a alguém. Precisa dominar com propriedade e profundidade a área de
conhecimento que tem a intenção de ensinar, e ter atitudes e habilidades
pedagógicas que auxiliem na formação integral dos seus alunos.
Chama a atenção, ainda o autor, de que não se pode refletir sobre saberes
docentes se junto a isso não forem correlacionados os aspectos da temporalidade
e do trabalho na vida pessoal e profissional do professor. Dada essa condição,
as relações que o professor estabelece com seu trabalho são de natureza humana
e, como tal, sujeitas a interferências valorativas e construídas num contexto
de complexibilidade. Essas compreensões seriam fundamentais no processo
de formação do professor universitário e, como tal, também preocupação dos
Programas de Pós-Graduação strito sensu, com repercussões para o que se
considera valor para as agências de avaliação e fomento. A compreensão de
qualidade de ensino precisaria ser ampliada e as habilidades e saberes incluída
na formação para viabilizar os indicadores de qualidade.
Desafios da docência para a qualificação do
ensino: sentimentos e reflexões
É grande a preocupação e o sentimento de insegurança dos alunos quando
questionados sobre a possibilidade de adentrarem no contexto universitário como
docentes, pois fica claro que não se sentem aptos para dar conta das atividades de
ensino, pesquisa e extensão com equilibrado sucesso. Dizem eles:
A timidez e a insegurança iniciais são aspectos importantes
pois podem gerar graves problemas. Enfrentamento de
turmas grandes; relacionamento entre professor e alunos;
investimento para a preparação de aulas e das pesquisas;
saber como cativar e ensinar os alunos diante dos conteúdos
é um desafio.... (Recursos Florestais).
348
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Ou
Temos falta de experiência e de incentivo a realizar
exercícios de docência nos processos de formação para
saber lidar com os alunos com a quantidade de alunos nas
salas. Há a idéia de publicar bastante para ser respeitada,
mas não a de saber ensinar e fazer extensão junto com a
pesquisa. É algo assustador (Entomologia).
Entretanto, fica evidente que os docentes em formação valorizam as
atividades investigativas e dão a ela um papel fundamental. Mas reconhecem
o silenciamento sobre os demais saberes que compõem o tripé da qualidade da
educação superior, ou seja, o ensino e extensão. Enfatizam que essa condição
é também responsabilidade do modelo de formação que dá relevante destaque
a um dos aspectos e negligencia os demais, assumindo que as práticas nesses
campos se estabeleçam a partir dos modelos históricos do senso comum.
Considerando as profundas mudanças no perfil da clientela acadêmica e das
mudanças nas linguagens com o advento das tecnologias, entre outros fatores
que vêm impactando a educação superior, uma reação é fundamental.
Alinhavando algumas conclusões
Os estudantes participantes desse estudo auxiliaram a fundamentar
empiricamente muitas afirmativas que os teóricos já vinham apontando a respeito
da formação do professor universitário e sua relação com a qualidade do ensino
da graduação.
Procurou-se chamar, mais uma vez, a atenção para a complexidade
da docência e como essa condição requer uma formação consistente interrelacionado os saberes da pesquisa com os saberes do ensino e da extensão.
Nos arvoramos em delinear alguns indicadores de qualidade do ensino,
construídos ao longo de nossa trajetória de pesquisa. Essa tentativa não quer
assumir que os mesmos se tratem de indicadores universais. Eles são datados e
concebidos a partir de visões ideológicas e de compromisso com um projeto de
educação e de nação.
Requeremos uma política integrada dos órgãos educacionais superiores
em que a política de pós-graduação inclua a formação docente na tríade de
saberes que as funções da universidade exige.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
349
Propomos que as Instituições, compromissadas com a qualidade do ensino
e com a formação dos professores da educação superior, assumam a relação entre
esses dois construtos e invistam fortemente em ações e em pesquisas que façam
avançar o campo da pedagogia universitária.
Referências
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RJ: Vozes, 2002.
QUALIDADE E RECRUTAMENTO DOCENTE
Maria Isabel da Cunha1
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet2
A
discussão sobre a qualidade da educação superior tem preenchido
a agenda acadêmica com prioridade nos últimos tempos. Durante
muitas décadas a compreensão de qualidade foi assumida com base na cultura e
na tradição. Para uma instituição ser assim reconhecida havia de ter uma razoável
trajetória temporal que garantisse a visibilidade de seus produtos. Esses, por sua
vez, eram dimensionados através do prestígio de seus egressos e pela percepção
que tinha a sociedade do impacto de seu trabalho. Chegavam à educação superior
fundamentalmente os jovens oriundos das classes abastadas, com algumas incursões
da classe média. Essa escolha se fundamentava na expectativa das famílias, para as
quais o título acadêmico chancelava o seu prestígio e poder, mesmo que o egresso
não atuasse profissionalmente no campo para o qual se preparou. Como a educação
superior estava fortemente atrelada às profissões liberais de alto prestígio social, o
seu exercício trazia a aura de um conhecimento “sagrado” em que, como explicou
Bernstein, são usados códigos elaborados de acesso restrito (1988). Esse capital
cultural, sendo distribuído à poucos, constituía-se num patrimônio identificado
como de alto valor social. Como a universidade é quem distribuía e chancelava
o conhecimento científico, sua qualidade estava garantida pela exclusividade do
controle deste patrimônio social e cultural.
A condição corporativa acompanhou intensamente a instituição
acadêmica. E o corporativismo, significando o controle sobre si mesmo,
reconhecia que só a corporação, ou seja - os pares - têm legitimidade para
intervir nesse campo de conhecimento e poder. Portanto a qualidade se definia
de forma auto-regulada, ficando imersa no interior da própria instituição, que
definia rumos e valores para si mesma, distante das intervenções externas.
Esta compreensão não significava, entretanto, uma relação de
independência entre universidade, estado e sociedade. Ocorre que esses espaços
se confundiam, quando se tratava das elites, e a cultura da classe dominante
circulava entre os distintos pólos com total articulação. Muitas das decisões
políticas se tomavam com a participação de atores comuns a eles, independente
dos espaços em que se instituíam.
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do
rio dos Sinos (UNISINOS).
2
Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da universidade Federal de Pelotas (UFPel).
1
352
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Mesmo não dando destaque a formulação de um discurso sobre a
qualidade, seus pressupostos residiam nos valores da corporação que, em geral,
acentavam suas bases fortemente na meritocracia. Esta condição parecia isentar
o acesso à educação superior de conotação ideológica, exaltando o mérito
como principal critério para ingresso e permanência, quer dos alunos, quer dos
professores. Não se explicitava a relação entre a constituição do mérito com o
capital cultural relacionado à classe social a que pertencia o indivíduo. Foram
os estudos da sociologia francesa que ajudaram a desvelar essa contradição.
Analisando o perfil do ingressante na educação superior na França, Bourdieu
(2003) afirma que “todo o ensino, e mais particularmente o ensino da cultura
(inclusive a científica), pressupõe implicitamente um corpo de saberes, de saberfazer e, sobretudo, de saber dizer, que constitui um patrimônio das classes cultas”
(p.39). Essa condição se instituía não como um problema, mas como um valor
que agregava qualidade, na percepção da época.
Essa perspectiva cultural foi tão forte que encontrava apoio até nas
classes menos favorecidas que entendiam ser a universidade um espaço para
privilegiados. Bourdieu (2003), mostrando como a academia estava destinada
aos “herdeiros”, relata que, “com freqüência os estudantes provenientes das
classes médias ou de famílias de professores, são também afeitos à ideologia
carismática, construída claramente para justificar o arbitrário do privilégio
cultural, pois é só como membros da classe intelectual que participam, ainda
que parcialmente, e alcançam os privilégios da burguesia” (p. 107).
Essas considerações são úteis para sustentar a compreensão de
que a qualidade do ensino superior era de alguma forma naturalizada pelos
valores corporativos, definidos pela classe dominante, que se instituía como
representante da alta cultura que, por sua vez, tinha a universidade com uma
das suas principais catedrais.
Com esta perspectiva de qualidade, o projeto institucional certamente
remetia a determinadas formas de recrutamento e acesso de estudantes e
professores. Se para os primeiros a meritocracia assumia papel relevante e
explícita nas formas de seleção, para os docentes, mesmo valendo essa mesma
lógica, assumiam importância outros critérios menos objetivos de recrutamento.
A grande maioria deles, entretanto, estava ligada ao capital cultural e à origem
social dos indivíduos.
A universidade brasileira, por sua condição tardia, se desenvolveu
concomitante com a forma republicana de gestão no Brasil do século XX, após
o que se convencionou chamar de Primeira República.3 Desde as primeiras
3
Primeira República ou República Velha é o período que vai da proclamação da República, em 1989, até a
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
353
experiências de gestão da proposta da universidade no país, se confrontaram
opiniões e grupos políticos, divididos entre católicos e laicos e entre conservadores
e modernistas. O estado republicano democrático estava longe de se constituir de
forma estável a os diversos períodos de governos autoritários que se instalaram
de forma intermitente, repercutiram e marcaram as formas de ação e gestão das
iniciativas primeiras de constituir a educação superior pública no Brasil.
O recrutamento de professores, em tese, se fazia por uma “prova” de
títulos, onde o candidato comprovava sua condição intelectual e experiência
profissional. Mas, certamente, também fazia parte a sua filiação política ou
proveniência social, pelo nome de família. Instituía-se uma tradição que
favorecia uma forma de nepotismo, às vezes disfarçada e outras publicamente
assumida. Ao se passar postos docentes de pai para filhos, se aludia ao princípio
da continuidade como sinônimo da garantia da qualidade. Algumas Faculdades
ficavam reconhecidas como monopólios de famílias onde o público muitas vezes
se confundia com os interesses privados.
Tratando-se de um ensino superior ligado à formação profissional em
carreiras de prestígio, também se assumia a cultura explicitada na compreensão
de quem sabe fazer, sabe ensinar e, assim, recrutavam-se professores entre
profissionais destacados que usavam a condição da docência para alcançar
ainda maior prestígio. Estabelecia-se um elo favorecedor de um capital
cultural que se transformava também em capital circulante. A remuneração dos
docentes podia até ser simbólica porque era assim vista também a dedicação
ao magistério, próxima ao sacerdócio, como se fosse uma ação altruísta.
Por traz dessa condição, porém, se mantinha uma condição favorecedora da
manutenção da pirâmide social.
Certamente a crítica ao modelo dominante não significa desconhecer
a contribuição dessa geração de professores. Muitos foram responsáveis pela
implantação e ampliação das ofertas acadêmicas e receberam o reconhecimento
de gerações de estudantes. Entretanto, a análise serve para que se compreenda
mais apuradamente a relação entre o recrutamento e a qualidade, tema que
interessa a esse estudo.
A instituição de concursos públicos para o acesso à carreira nas
universidades públicas brasileiras aparece inicialmente no Estatuto das
Universidades Brasileiras, modelo único de organização, em 1931 (Cunha,
2007), que definia que o corpo docente seria constituído, em termos gerais, de
professores catedráticos, auxiliares de ensino e docentes-livres. Esse acesso
Revolução de 1930. De acordo com Cunha (2007) essa demarcação, comum na historiografia, é conveniente
para o estudo das transformações sofridas no campo da educação superior (p. 133).
354
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
foi muito intermitente e por diversas vezes recém formados assumiram a
docência, na qualidade de auxiliares, até sem remuneração, mas protegidos
pela unção de seus antigos professores e, como é compreensível, perpetuando
a condição de “herdeiros”. Acompanhavam os catedráticos que, por serem
vitalícios, tinham poderes absolutos para definir os conteúdos programáticos
e as regras didáticas e de avaliação. “Os docentes-livres seriam aprovados
em concursos de títulos e provas de capacidades técnicas e científicas e de
predicados didáticos. Eles teriam os encargos principais de lecionar em
cursos equiparados aos cursos normais, substituir os catedráticos nos seus
impedimentos e reger turmas” (Cunha, p. 264).
A implantação da universidade brasileira acompanhou o período
denominado pelos historiadores como populista-nacionalista e foi nesse
contexto que tramitou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
finalmente promulgada em 1961. A indução modernizadora do governo norteamericano sobre a educação brasileira foi acelerada a partir dessa data, como
prevenção à ameaça comunista.
A Lei 5560, conhecida como a Reforma Universitária de 1968,
promulgada e instituída em plena ditadura trouxe novos cenários institucionais.
Os governos militares, pressionados pela classe média emergente ansiosa por
mais vagas para seus filhos na educação superior, criou novas universidades,
mas deu a elas o caráter fundacional e não autárquico, como eram as anteriores.
As Fundações teriam maior flexibilidade administrativa e de gestão dos recursos
humanos. Enquanto as Universidades autárquicas estavam regidas pelas regras
gerais do funcionalismo público definidas anteriormente, as IES fundacionais
poderiam constituir seus quadros, independente de concursos para ingresso.
Implantou-se uma nova carreira docente extinguindo-se as cátedras e
organizando o trajeto funcional em quatro níveis: auxiliar de ensino, assistente,
adjunto e titular. Usando as palavras de Barco (1999) observa-se que o aspirante
ao primeiro cargo da hierarquia docente tem similitudes com o trajeto de
aprendiz de mestre nas oficinas, tais como nos diversos ofícios da Idade Média.
O primeiro nível não era considerado parte nuclear da carreira, o que favorecia
o ingresso sem concurso. Esse se dava na passagem para o nível de Assistente
e, mesmo sendo aberto ao público, dava aos Auxiliares visíveis vantagens,
raramente ultrapassadas por candidatos externos. Tendo em vista o regime
político de exceção em que se vivia, os requisitos acadêmicos eram facilmente
substituídos pelos ideológicos e o ingresso exigia comprovações nesse sentido.
Estabeleceu-se, então, uma nova ordem em que, mais uma vez, o espaço público
355
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
era invadido por interesses privados, certamente ligados aos pertencentes às
classes dominantes. Políticos de prestígio junto ao governo militar continuamente
indicavam os novos integrantes dos quadros docente e administrativo, o mesmo
acontecendo com os dirigentes da Instituição.
Certamente nesse período, por contradição, muitos professores
ingressaram e favoreceram a consolidação das novas Universidades com
dedicação e empenho. Novamente é preciso salientar que a crítica aqui
registrada não desconhece esse processo e valoriza o vivido. Mas retoma a
análise histórica como uma variável importante para se compreender a relação
entre recrutamento e qualidade.
Projeto educativo, recrutamento
qualidade da educação superior
docente
e
Quem eram os professores que constituíam a base dos recursos humanos
para as Instituições? Que perfil apresentavam? Essas são indagações instigantes
porque articulam três variáveis profundamente imbricados: o projeto pedagógico
das universidades, o perfil do docente que ingressa e a compreensão de qualidade
que está incluída nesse movimento.
A universidade brasileira, ainda que com algumas exceções pontuais,
vivia, no pós 68, um período de mudança com a organização compulsória da
estrutura de departamentos prevista pela Reforma. Essa iniciativa atendia,
principalmente, a dois objetivos do governo militar: desconstruia os nichos
corporativos tradicionalmente agrupados por Cursos e Faculdades - temidos
pela suas ações ideológicas, - e lançava as bases para a implantação da pesquisa
como elemento chave para o êxito do modelo de desenvolvimento nacional
que fazia parte do ideário dos governantes. A reorganização das instituições
consolidadas para dar lugar à estrutura departamental foi acompanhada pela
criação das novas universidades que já respeitavam o modelo instituído na Lei.
A nova ordem institucional foi implantada, mas as tradições acadêmicas
ainda continuavam presentes nas representações da cultura universitária que, até
então tinham um compromisso com a formação profissional e científica, além
de abraçar a compreensão de guardiã da cultura clássica e da formação para a
cidadania. Esse ideário, mesmo quando não explicitado de forma clara, presidia
o recrutamento dos docentes, na maior parte das vezes. Não havia exigência de
pós-graduação em qualquer modalidade, na maioria das IES porque essa era uma
356
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
realidade distante, ainda, da cultura nacional. A função de ensino se constituía
como central na preocupação acadêmica e presidia os critérios seletivos, mesmo
entendendo a docência centrada na erudição e domínio da matéria curricular.
A noção de qualidade passava pelo domínio da cultura clássica e pela maior
destreza para atuar com as práticas profissionais. A qualidade da universidade
– pouco questionada, é verdade – relacionava-se com o nível de satisfação dos
alunos e com a imagem que conseguia produzir perante à comunidade e aos
órgãos de governo. Os bons professores eram os que tinham reconhecimento dos
estudantes e respondiam ao que a administração acadêmica deles requisitava.
Muitos tinham experiências anteriores e eram por elas legitimados, quer como
profissionais liberais, quer como docentes em outros níveis de escolarização.
Também eram valorizadas ações de extensão que faziam chegar à sociedade
algumas ações, em geral de caráter distributivo do conhecimento, reforçando a
compreensão da universidade como espaço de saber.
A implantação progressiva da pós-graduação foi sendo feita a partir do
ideário desenvolvimentista que assumiu a importância da pesquisa como função
acadêmica por excelência. Essa condição atendeu a uma demanda interna do país
mas esteve, também, articulada com movimentos internacionais, em especial
tributária do aparato acadêmico norte-americano que deu sustentação à formação
da primeira leva de mestres e doutores brasileiros. Valorizou-se o regime da
Dedicação Exclusiva impactando os processos de recrutamento que afastou
candidatos de dedicação parcial. Um novo perfil docente foi, aos poucos, se
constituindo e, certamente, uma nova idéia de qualidade foi sendo gestada.
No final da década de setenta começaram as mudanças paulatinas no
cenário nacional, que foram conquistando a abertura política e desestabilizando
o discurso do nacionalismo desenvolvimentista do governo militar. Entretanto
elas, de início, não incidiram na crítica ao perfil cientificista que se instalara
na universidade. Manteve-se um forte investimento na pós-graduação e na
pesquisa, respondendo a uma demanda de caráter internacional. Aos poucos ia se
alterando a cultura acadêmica, especialmente atingida pelos valores relacionados
ao campo investigativo.
Novas roupagens acadêmicas foram previstas para a fase de abertura
democrática e o discurso da indissociabilidade do ensino da pesquisa e da extensão
tomou corpo como um referente da qualidade. Houve uma crescente politização
da sociedade civil com fortes impactos na academia. Os docentes se sindicalizam
e começam a assumir a sua condição de trabalhadores, reivindicando, através de
greves, direitos trabalhistas e vantagens salariais. Essa condição trouxe impactos
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
357
interessantes, apesar de pouco perceptíveis na época. Assumia-se a condição da
docência como profissão – já estimulada pela Dedicação Exclusiva – e também, a
condição paritária com os demais trabalhadores, usando as mesmas estratégias por
eles consagradas num processo de revolução identitária.
O recrutamento docente não ficou insensível a esses movimentos
e a condição política – que sempre existiu com maior ou menor impacto
nos processos de seleção – assumiu uma condição mais explícita, porque se
imbricava nos discursos teóricos e nos métodos investigativos e pedagógicos.
A neutralidade da ciência perdeu vez para um paradigma que assumia a
condição cultural e política da produção e disseminação do conhecimento.
Neste caso, a noção de qualidade tomou outra roupagem e, mesmo incluindo
a questão da pesquisa e dos seus produtos como importantes, relativizava essa
condição com o sentido social do conhecimento, valorizando a intervenção
que se poderia fazer na realidade com vistas à equidade social. Há visibilidade
para o ensino nessa perspectiva de qualidade, que deve também assumir nova
configuração paradigmática, tomado a pesquisa como princípio educativo
e o conhecimento como localizado, culturalmente produzido e sempre em
processo e movimento.
Vale ressaltar que é a partir desse momento que as Universidades
e os Cursos são instados a produzirem seus Projetos Político-Pedagógicos
e a realizarem as primeiras experiências de auto-avaliação, estimulando o
conhecimento de si como uma estratégia mais autônoma de desenvolvimento.
Retomam-se os concursos para ingresso na carreira docente em todas
as IES públicas, findando a distinção entre autarquias e fundações. Se essa
condição consolidou uma conquista democratizante, fundamental ao Estado de
Direito, ela ainda não foi capaz de alterar substancialmente a lógica que preside
as seleções. Muitas Instituições mantiveram seus Regimentos ancestrais, sem
alterar a lógica que preside os concursos de ingresso. Outras, mesmo fazendo
alterações regimentais, avançaram pouco nesse aspecto. Em geral predomina
a avaliação do currículo e as provas de conhecimentos específicos, além da
prova didática. Como afirma Barco (1999) se os conhecimentos específicos são
considerados como principais, “a demonstração das capacidades docentes fica
restrita ao espaço de um simulacro: se “dá” uma aula na audiência de alunos,
ou se explica como se procederia com os alunos, dos quais se desconhecem as
características, apelando-se, portanto, para sua abstração. O concurso aparece,
assim, como um rito de passagem” (p.153) referindo-se a transformação de
qualquer profissional em professor a partir desse processo seletivo.
358
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O peso das produções científicas e dos títulos acadêmicos assumiu maior
expressão. Na maioria dos casos os títulos de mestre e doutor se constituem
em condição de inscrição. Esse cenário explicita que o perfil de pesquisador
passa a se constituir no vetor da qualidade da educação superior e, portanto, da
condição docente. Vai se consagrando o perfil de um professor que se distancia
da representação histórica do quem sabe fazer sabe ensinar, passando para a
equação que pressupõem que quem sabe pesquisar sabe ensinar.
Têm-se hoje um corpo docente ingressante constituído majoritariamente
de jovens doutores que realizaram uma formação acadêmica com sucesso e num
tempo exponencial ingressam na carreira docente. Se indagados sobre o motivo
desta escolha, mencionam, principalmente, que escolhem a universidade por ser
este o lugar de fazer pesquisa. Certamente esse perfil de recrutamento docente
também corresponde a uma concepção de qualidade para a educação superior,
aquela que destaca a investigação e a produção do conhecimento como eixo
principal de sua condição acadêmica.
No intuito de sintetizar os movimentos que vem caracterizando a relação
entre qualidade e recrutamento docente incluindo suas expressões valorativas e
a cultura que representam, organizamos o quadro a seguir.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
359
Impactos do recrutamento docente na qualidade da educação superior: o
que dizem os professores iniciantes.
É inegável a relação entre os rituais de recrutamento e a representação
de qualidade que orienta a educação superior. Inclui-se nos concursos aquilo
que expressa o que é importante para um desempenho adequado dos futuros
profissionais docentes. Ao privilegiar os títulos pós-graduados e as produções
científicas dos candidatos, afirma-se que essas são as condições fundantes da
docência no ensino superior. Além disso, os concursos atribuem especial valor
a inserção em Grupos de Pesquisa de alto prestígio e as relações internacionais.
A competência no campo específico do conhecimento se expressa no
direcionamento disciplinar da maioria dos editais, vinculando a formação inicial
e pós-graduada como requisito da inscrição. Poucas vezes se identifica uma
condição interdisciplinar, com mais flexibilidade nas exigências. A evidência
dessa competência se materializa pela aplicação de uma prova, onde o candidato
360
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
tem de discorrer livremente sobre o tema e demonstrar sua apropriação do mesmo.
Na ordem mais usual dos concursos, a prova didática é a última cronogramada.
Em geral, ao chegar nessa etapa, já há indicadores anteriores que apontam
preferências segundo os critérios estabelecidos. Essa prova didática serve para
quê? Normalmente para avaliar a desenvoltura comunicativa e mais uma vez
o domínio do conteúdo e a organização do mesmo no tempo, com os recursos
disponíveis. Os critérios dos avaliadores são, em geral, muito técnicos. Como
se trata de uma situação fictícia, pois não há alunos, as demais competências e
habilidades necessárias à condução de uma aula regular ficam obscuras. Também
não se avalia outras dimensões pedagógicas necessárias ao professor, tais como
a capacidade de organizar um currículo e um projeto de curso, instituir métodos
compatíveis de ensino em função do alunado, alternar formas avaliativas de
acordo com os objetivos de aprendizagem e tantas outras. Nessa circunstância se
está explicitando a relatividade destes conhecimentos como valor e assumindo
uma concepção de qualidade do ensino que passa ao largo desse contexto.
Essa perspectiva tem forte impacto na condição dos professores
iniciantes. Aprovados em concursos, em geral são percebidos como aptos a
assumir encargos didáticos e, não raras vezes, responsáveis por turmas e horários
menos atrativos e mais desafiantes, que os professores mais antigos rejeitam.
Também não encontram uma cultura de apoio que os auxilie na transição que
vivenciam, passando de alunos a professores. Há um processo de passagem entre
uma formação que privilegia a pesquisa para uma prática significativamente
exigente de docência.
Se a formação do professor universitário centra-se na condição de pesquisa
proporcionada pela pós-graduação stricto sensu é porque há o pressuposto de
que a pesquisa qualifica o ensino e esse dela decorre. Essa questão vem nos
mobilizando a analisar o fenômeno da qualidade da educação superior através
da análise da situação dos jovens doutores que ingressam na carreira docente.
As exigências do ensino de graduação os surpreendem quando percebem que
os saberes do ensino são muito mais exigentes e não decorrem linearmente dos
saberes da pesquisa.
Inquirindo professores que atuam em diferentes áreas do conhecimento4
e exercem a docência em diferentes universidades, observamos que eles
demonstraram preocupação com o fato de não terem formação pedagógica
para exercer a docência, pois nos seus cursos de mestrado e/ou doutorado não
4
Cursos de Nutrição, Engenharia Madeireira, Odontologia, Biologia, Medicina, Agronomia, Engenharia
Agrícola, Matemática, Engenharia Florestal, Agroecologia, Gestão Ambiental, Administração, Ciência da
Computação, Enfermagem, Engenheiro de Minas, História, Linguística e Farmácia.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
361
tiveram oportunidades de discutir o ensino. Confirmaram que esses cursos se
dirigem à formação do pesquisador com pouca preocupação com a docência,
entendida como o enfrentamento da complexidade da sala de aula. Como
expressa Pimenta & Anastasiou (2008, p.198) os docentes universitários
desenvolvem “habilidades referentes ao método de pesquisa que conta com
especificidades bem diferentes do método de ensino”. Disseram nossos
interlocutores que
uma coisa é você ter uma base e o conhecimento sobre
aquele assunto que você vai dar aula. Outra é chegar lá e
discutir um tema que você não preparou, sobre o qual você
não tem experiência, mesmo quando o saber está ligado à
prática do professor e à pesquisa que ele desenvolveu.
Afirmam que há importância dos conhecimentos sobre a relação ensinoaprendizagem e sobre as formas de interagir com os estudantes. Reconhecem
que precisam habilidades para alterar concepções prévias dos alunos que, as
vezes, se mostram resistentes às perspectivas processuais do conhecimento.
Muitas vezes os estudantes evidenciam uma visão imediatista em relação à
função e aos objetivos das disciplinas ministradas, desejando ver aplicabilidade
prática dos conhecimentos, mostrando falta de entusiasmo e desinteresse por
uma perspectiva teórica e de reflexão sistemáticas. Os professores se mostram
preocupados sobre como motivar os estudantes e como trabalhar as tensões
surgidas na sala de aula.
O grande número de alunos por turma também foi citado pelos docentes
iniciantes como um desafio para desenvolver práticas que ultrapassem a mera
transmissão de conteúdo. Essa dificuldade tem a ver com a situação fictícia do
concurso, pois eles se surpreendem quando enfrentam turmas numerosas para as
quais não se prepararam.
Salientaram que é fundamental para eles uma formação específica da
sua área, estimulada pela condição da pesquisa. Mas se recentem da falta de
uma formação pedagógica que corresponda aos desafios que enfrentam na
docência. Um dos entrevistados disse que a formação, no caso de mestre ou
doutor, tem uma lacuna na área pedagógica, no ensino. E os concursos, que têm
muitos critérios, valorizam as publicações de artigos científicos. Mas isso não é
garantia que o candidato se torne um professor. Ser um grande pesquisador não
quer dizer a mesma coisa do que ser um bom professor.
362
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Zabalza (2004) chama atenção para o dilema entre a formação para a
docência e a formação para a pesquisa, afirmando que a cultura universitária tem
atribuído um maior status acadêmico à pesquisa e lhe dado prioridade. Afirma que
o que normalmente é avaliado nos concursos de ingresso e
promoção são os méritos das pesquisas; o que os professores
e seus departamentos tendem a priorizar, por causa dos
efeitos econômicos e do status, são as atividades de pesquisa.
O destino prioritário dos investimentos para formação do
pessoal acadêmico, em geral, é orientado principalmente
para a formação em pesquisa (p. 154)
Certamente a crítica ao modelo de formação que privilegia a pesquisa
e desconhece os saberes do ensino não quer significar a desvalorização das
capacidades investigativas para o professor universitário. A pesquisa é parte
substancial da docência superior porque ajuda os professores a pensarem e a
compreender o conhecimento como relativo e em movimento. Caracteriza uma
ação que não apenas reproduz o já estabelecido, mas questiona e faz avançar a
ciência. O que parece pouco adequado é assumir que a atividade de pesquisa
se coloca num patamar intelectual superior à atividade de ensino e que essa
condição seria a expressão da qualidade.
Também é sabido que a cultura docente não é tributária apenas da
experiência historicamente acumulada nos padrões de atuação dos grupos
profissionais; ela é influenciada pelas pressões e expectativas externas, pelos
requerimentos situacionais dos sujeitos envolvidos. Essa característica põe em
evidência a articulação entre a cultura docente e o processo social mais amplo,
isto é, sua dimensão ideológica e política e, por isso mesmo, não-neutra. Podemos
dizer que a cultura docente é um fator importante a considerar em todo projeto
que se pretende implantar na universidade em geral, e nos cursos, em particular.
A primazia da compreensão de que o conhecimento se estabelece como um
vetor de desenvolvimento e de competitividade entre as nações resultou numa
relevância dos produtos da educação superior sobre os processos. Fez com que
a universidade fosse induzida a atribuir um maior status acadêmico à pesquisa
até transformá-la no componente básico da identidade e do reconhecimento do
docente. Relegou o ensino e sua condição formativa, que inclui valores subjetivos,
a uma atividade secundária, no que diz respeito à visibilidade pragmática que
rege a carreira e, consequentemente, as formas de ingresso.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
363
Os professores que iniciam a docência encontram diferentes desafios.
Como explica Murillo (2004),
de maneira geral eles só contam com sua iniciativa
pessoal e sua bagagem experiencial para ir construindo e
desenvolvendo suas teorias sobre o ensino e a aprendizagem
dos alunos. Ao longo de sua vida foram interiorizando
modelos e rotinas de ensino que se atualizam quando
enfrentam situações de urgência onde tem que assumir o
papel de professor sem que ninguém/nada o tenha preparado
para tal(p. 4).
Quando questionamos os docentes sobre a construção de saberes para
docência a partir do desenvolvimento de pesquisas, alguns afirmaram que é
importante a decisão sobre o que podem e devem pesquisar dizendo que pode
mesmo que da sala de aula, em função da própria interação com os alunos, saia
uma proposta, uma idéia de pesquisar e isso aí tem que ser uma coisa muito
harmoniosa, não pode ter proposições entre pesquisa e ensino paralelas e distantes.
Eu acho que a gente tem que tentar aproximá-las,..., é bastante possível sim.
Nessa perspectiva, para ser pesquisador, ser um bom pesquisador, é
necessária a docência, porque é mais importante a pergunta do que a resposta. E
de que forma tu desenvolves uma boa pergunta para realizar uma boa pesquisa?
É na prática docente, com as mentes jovens, dúvidas novas, perguntas boas.
Percebe-se, nesses depoimentos uma dimensão de qualidade que os
processos de recrutamento docente não alcançam e valorizam. Felizmente se
instala, por contradição, uma possibilidade de avançar nos saberes da docência,
articulando as atividades de ensino e pesquisa.
Se houvesse a geração de um clima de alta qualificação da docência
haveria melhores indicadores da qualidade do ensino, sobrepondo-se à exclusiva
valorização dos produtos da pesquisa ou aos investimentos em aparatos e em
infra-estrutura. Poder-se-ia, também, estimular nos docentes a auto-reflexão
sobre a tarefa docente e a inserção dos professores da educação superior nos
programas de formação pedagógica.
Ao criticar a lógica dos concursos de ingresso na carreira docente, que
não privilegiam os saberes para a docência, não se pode reduzir aos concursos
a responsabilidade da construção desses saberes. A atividade de ensino exige
a resignificação dos conhecimentos teóricos em contextos de práticas que são
peculiares e localizadas. Os professores universitários enquanto profissionais,
sejam os iniciantes ou mais experientes, precisam assumir uma atitude de
364
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
reflexão constante sobre suas práticas, teorizando os fundamentos de suas
decisões pedagógicas. Como em qualquer outra profissão, é importante uma
educação continuada que, no caso da docência, envolve a dimensão da pesquisa
e a dimensão do ensino. A docência será uma atividade profissional na medida
em que essa condição se materializar.
A experiência empírica está mostrando que os percursos de formação
dos alunos de graduação, tanto em nível dos currículos, como das práticas
pedagógicas, nem sempre sofrem alteração conceitual, em dependência do
perfil pós-graduado dos professores. Se, por um lado, esses se tornaram mais
competentes no domínio da pesquisa e do aprofundamento temático de sua
área, bem como no desenvolvimento de significativas habilidades intelectuais,
não raras vezes essa condição os afasta da necessária visão generalista e da
capacidade articuladora de seu campo de conhecimento. Aprofundam a visão
formativa pelo olhar da sua especialidade e diminuem a perspectiva de conjunto
e a capacidade de apreender o fenômeno na sua totalidade.
Torna-se importante, no contexto da formação dos docentes iniciantes
na carreira universitária, refletir sobre a formação pedagógica, além de buscar
compreender os processos que esses docentes vivenciam para construir saberes
para o ensino.
Salientamos que a tarefa fundamental do professor universitário iniciante
durante seus primeiros anos de docência deveria ser a aprendizagem, focando
seu pensamento e seus comportamentos para as demandas do ensino. Ou seja, é
importante aprender a linguagem da prática do ensino. Entretanto esses saberes
precisam ser assumidos como relevantes para a qualidade da educação superior
de forma a encontrar eco nas políticas governamentais e institucionais.
Inferências finais
O intuito desse texto foi refletir sobre a qualidade da educação superior e
os processos de recrutamento docente usuais nas universidades. Sua intenção foi
demonstrar como os rituais de concurso de ingresso exprimem uma compreensão
de qualidade e, certamente vão impactar as práticas acadêmicas.
A defesa da necessidade de refletir e agir sobre as práticas tradicionais
nos acompanha. Assumimos a compreensão de que essas práticas respondem
a uma cultura acadêmica e sofrem a uma indução das políticas mais amplas.
Portanto, para alterá-las, será necessária uma dose de ousadia e vontade política,
assumindo conscientemente a ruptura necessária.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
365
O que não mais é admissível é uma ação mecânica de reprodução
da tradição, sem um questionamento que revele os valores que estão sendo
reafirmados e quais estão sendo silenciados.
Não é possível discutir qualidade da educação superior sem incluir
as formas de recrutamento docente e o ritual que acompanha a trajetória dos
professores iniciantes. Abandoná-los à própria sorte e enfrentamentos, sem
um cuidado de inserção na prática profissional com qualidade revela uma
evidente desprofissionalização do magistério superior.
Além disso, ações nesse sentido são fundamentais para fazer avançar um
patamar de qualidade que requer rupturas derivadas de empenho prático e teórico.
É preciso valorizar a pesquisa, compreendendo que as práticas
investigativas, em geral, não envolvem apenas o domínio do conhecimento
específico, mas sim toda uma forma de trabalhar com argumentos tencionados,
que, em alguma medida, rompem com a expectativa dos alunos de obter uma
resposta única e universal, característica da racionalidade técnica. Freire, em
diálogo com Faundez (1985, p.46), explora a negação do ato de perguntar
dizendo que “o que está acontecendo é um movimento unilinear, vai de cá
para lá e acabou. Não há volta, e nem sequer há uma demanda; o educador de
modo geral, já traz a resposta sem lhe terem perguntado nada”. Esta idéia de
múltiplas possibilidades nos processos de ensinar e de aprender está presente
em professores que trabalham com seus alunos na direção da pesquisa como
princípio educativo, quando solicitam que seus alunos encontrem alternativas
para resolver as situações-problemas e propostas para um projeto de trabalho,
procurando, de acordo com FREIRE e SHOR, (1987, p.15) “a superação do
conhecimento como conteúdo estático – “cadáver da informação – corpo morto
de conhecimento”.
Se essa for uma condição da qualidade, as formas de seleção dos novos
docentes terão de ter um mínimo de coerência e, mesmo valorizando o domínio
do conhecimento específico e seus produtos, também precisarão incluir a
explicitação de saberes pedagógicos que estimulem o candidato a valorizar esse
campo de conhecimento que será fundamental na sua atuação.
Referências
BARCO de SURGUI, Suzana. “Formação do docente universitário: mas
quem é ele?” In: VEIGA, Ilma Passos; CUNHA, Maria Isabel da (org.)
Desmistificando a profissionalização do magistério. Campinas, Papirus, 1999.
366
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
BERNSTEIN, Basil. Clases, Códigos y Control. II. Hacia uma teoria de las
transmissiones educativas. Madrid, Ediciones Akal, 1988.
BOURDIEU, Pierre. Los Herederos. Los estudiantes y la cultura. Buenos
Aires. Siglo Veinteuno Editores, 1993.
CUNHA, Luis Antonio. A universidade temporã. São Paulo. Ed. UNESP, 3a
Ed., 2007.
FREIRE, Paulo e FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
MARCELO GARCIA, Carlos. Formação de professores. Para uma mudança
educativa. Porto, Porto Editora, 1999.
MURILLO, Paulino. “Las necessidades formativas docentes de los profesores
universitários”. Revista Fuentes, n.6, Universidade de Sevilha, 2004, p.75-95. PIMENTA, Selma G. e ANASTASIOU, Léa das Graças C. Docência no Ensino
Superior. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus
protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUALIDADE E GESTÃO DA GRADUAÇÃO1
Tânia Maria Baibich-Faria (UFPR)
Luís Henrique Sommer (UNISINOS)
Introdução
Neste trabalho discutimos alguns resultados preliminares de uma
investigação que se debruça sobre qualidade do ensino de graduação. Mais
especificamente, aqui nos detemos na análise do material resultante de entrevistas
presenciais e por e-mail com pró-reitores2 de graduação de doze (12) diferentes
universidades brasileiras3. O foco deste estudo reside nas relações entre o
conceito de qualidade de ensino de graduação, nos indicadores dessa qualidade
e nos exemplos de ações que ratificariam essa condição. Tudo isso, como já
referido, na perspectiva dos gestores acima citados.
As respostas dos entrevistados foram tabuladas e agrupadas com o intuito
de construir categorias de análise. O resultado dessa etapa gerou um quadro
analítico a partir dos depoimentos de cada um dos sujeitos da pesquisa. Os dados
foram analisados usando os princípios da análise de conteúdo que permitiram
obter, através da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que ajudam
a fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção das
mensagens (Bardin, 1979). Para as análises foram usadas algumas dimensões
que articularam as questões de pesquisa e que orientaram o roteiro da entrevista.
É importante ressaltar que este estudo se inscreve no conjunto de debates
que tomam a universidade como objeto de estudo, naquilo que tem se configurado
como o emergente campo de práticas e teorizações denominado Pedagogia
Universitária. No momento em que a universidade se encontra instada a responder
aos inúmeros desafios colocados pela crescente complexidade de nossas sociedades
atuais, tais como a democratização do ensino superior, as políticas afirmativas, a
1
Este texto resulta da investigação denominada Qualidade do ensino de graduação: a relação entre ensino,
pesquisa e desenvolvimento profissional docente, financiada pelo CNPq, ora em curso, coordenada pela Prof. Drª.
Maria Isabel da Cunha (UNISINOS). Os autores deste texto integram um dos subgrupos da equipe de pesquisa.
2
Por uma questão de preservação de sigilo e, ao mesmo tempo, por não tratarmos de questões de gênero neste
texto, usaremos o masculino como neutro.
3
A entrevista foi encaminhada a todas as instituições vinculadas ao FORGRAD, sendo que colaboraram
respondendo seis instituições do Rio Grande do Sul, uma de Santa Catarina, uma do Paraná, uma de São Paulo,
duas de Minas Gerais e uma da Bahia. Das instituições participantes, quatro são de natureza privada e oito
de natureza pública. Agradecemos aos colegas Pró-Reitores, por colaborarem com a pesquisa, a despeito do
acúmulo de funções que exercem como docentes pesquisadores e administradores.
368
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
precarização das relações de trabalho, a centralidade das tecnologias da informação
e comunicação, a mercantilização do ensino superior e seus riscos de provocar
deformações na investigação e na docência e correlacionado a esses aspectos sua
constituição como não-lugar da formação de docentes para o ensino superior, ela
“tem sido morosa e resistente a pensar a si própria e a ter clareza sobre o contexto
em que está imersa” (Cunha, 2010, p. 296).
Sem menosprezarmos a extrema relevância das discussões que
poderiam ser desenvolvidas a partir da consideração desses desafios, interessanos, no momento, uma aproximação com os bastidores das políticas de
gestão institucional do ensino de graduação mediante o olhar dos gestores
responsáveis. Aqui vale ressaltar nosso entendimento de que um gestor
universitário, sobretudo aquele das áreas fins da universidade (ensino, pesquisa
e extensão) ocupa simultaneamente diferentes posições de sujeito: há um só
tempo, ele é gestor, docente e produtor de conhecimento novo pelas vias da
pesquisa e da extensão. Todas essas posições de sujeito, mas sobretudo a
primeira, lhe confere legitimidade de falar em nome da instituição. Portanto,
interessa-nos discutir qualidade do ensino de graduação da forma como esta
vem sendo conceitualizada, implementada e avaliada pelas instituições que
compõem o campo empírico da pesquisa.
O fulcro de nossa prospecção, como já referido, está na forma pela qual a
instituição, aqui representada por seu gestor, viabiliza aquilo que concebe como
sendo qualidade de ensino de graduação, bem como na forma pela qual aquilata
a efetividade dessa viabilização. Esta é a lógica que norteou o desenvolvimento
das análises dos dados que seguem.4
Sobre o conceito
A análise dos dados demonstra a presença recorrente das seguintes
definições de qualidade de ensino de graduação, em ordem decrescente de
frequencia de citações: a) a capacidade de a universidade formar cidadãos com
forte compromisso e responsabilidade social; b) a capacidade de a universidade
formar profissionais com competência técnica em sua áreas; c) a capacidade de
a universidade preparar profissionais atendendo às demandas do mercado; d) a
capacidade de a universidade preparar os alunos para excelente performance nas
avaliações externas; e) capacidade de a universidade articular ensino e pesquisa
na formação dos estudantes.
4
Por conta das especificidades de uma das entrevistas, a mesma será analisada a posteriori e separadamente.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
369
Conforme revelam as transcrições abaixo, há uma interrelação explícita,
no âmbito da conceituação de qualidade de ensino de graduação, entre formação
para a cidadania e competência técnico-profissional, o que denota a assimilação de
discurso hegemônico nos anos 1990 que destacava a insuficiência do tecnicismo
vigente e a necessidade de formar sujeitos capazes de transformar o social. Mais
precisamente, constatamos a produção de enunciados que pertencem ao campo
de teorizações e práticas das chamadas pedagogias críticas, cujo estatuto de
verdade é quase absoluto no campo da Pedagogia, em todos os níveis de ensino.
Sem nenhuma espécie de juízo de valor, o que queremos apontar é justamente a
similaridade de certas conceitualizações utilizadas para falar e pensar o ensino
universitário, com aquilo que tem sido recorrentemente encontrado na maioria
dos projetos político-pedagógicos das escolas de educação básica de nosso país.
Vejamos alguns exemplos que explicitam a articulação das dimensões preparação
técnico-profissional e para a cidadania:
[...] qualidade é formar profissionais em condições de atuar na sua área
de formação com responsabilidade social e compromisso com a preservação do
futuro do planeta (E8).5
[...] qualidade da educação superior é condição fundamental para a
transformação do educando em cidadão (E6).
[qualidade é] a complexa articulação de componentes infra-estruturais,
materiais, posturais, de gestão, curriculares, didático-pedagógicos e de
funcionamento institucional voltados para a formação de profissionais com
fundamentação tecnocientífica e ético-política (E2).
A possibilidade de disponibilizar processos educativos voltados à
formação de sujeitos críticos, éticos e competentes em suas respectivas áreas
de atuação profissional (E3).
Considerando as enunciações que relacionam qualidade do ensino de
graduação à capacidade de inserção dos seus egressos no mercado, chama a
atenção a incorporação (não necessariamente intencional e/ou consciente) do
discurso (neo)liberal – uma das pedras basilares do Pacto de Bolonha. Como
refere Naidoo (2008, p. 46, tradução livre)
existe a crença de que a competição de mercado, dentro das universidades
e entre elas, pode ajudar a moldar instituições mais eficientes e eficazes. Além
disso, foram introduzidos princípios de gestão inspirados no setor privado e
pensados para controlar, medir, comparar e valorizar as atividades profissionais,
com a esperança de melhorar o funcionamento da educação superior.
5
A partir deste ponto, identificaremos os entrevistados pelo código Entrevistado 1= E1, Entrevistado 2 = E2 e
assim sucessivamente para preservar suas identidades individuais e institucionais.
370
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Tais concepções reforçam tanto o valor do mercado como baliza para
a qualidade, quanto o significado das performances dos estudantes em exames
externos pro(im)postos pelo Estado como forma de regulação e ranqueamento
das instituições de ensino superior. Pelo fato de ambos serem sustentados por
uma mesma lógica de mercado, nota-se a aproximação destes argumentos como
forma de qualificar o ensino de graduação:
Na minha condição de dirigente universitário compreendo o conceito de
qualidade da educação superior como racionalidade administrativa e excelentes
resultados na avaliação dos cursos (E7)6
Pode parecer simplista, mas, por exemplo, quando nosso aluno vai fazer
um ENADE e se sai bem, ele está demonstrando, dentro de todo esse conjunto,
que ele está conseguindo receber um ensino de qualidade [...] (E9).
Minha IES tem assumido que qualidade é o extrato de um trabalho
desenvolvido internamente pela universidade e que dá retorno à Instituição,
na forma de resultados positivos e reconhecimento junto a sua comunidade em
prol do desenvolvimento regional (E4).
Neste último excerto, a noção de mercado como regulador da
universidade parece ser subsumida pelas noções de desenvolvimento regional e
de comunidade. Segundo o sociólogo britânico Nikolas Rose, em termos mais
políticos a noção de comunidade7 expressaria uma nova territorialização do
pensamento e das práticas políticas, que estaria suplantando o social como campo
privilegiado de cálculo e intervenção das estratégias de governo (cf. Rose, 1996).
Nesta direção, falar em comunidade implicaria o estabelecimento de um novo
campo suscetível à intervenção, um novo território caracterizado por “uma nova
relação entre as estratégias de governo dos outros e as técnicas de governo de
si, situadas em novas relações de mútua obrigação” (ibidem, p. 331, tradução
livre). A noção de comunidade estaria fortemente vinculada a uma categorização
dos sujeitos a partir de seus laços morais, “sujeitos da fidelidade a um conjunto
particular de valores, crenças e compromissos da comunidade” (ibidem). Ora, tal
lógica não é absolutamente contraditória à lógica do mercado de teor (neo)liberal.
Pelo contrário, nós inferiríamos que quando se faz referência à comunidade e ao
Vale ressaltar que este pró-reitor pertence a uma instituição cuja mantenedora é pública de âmbito federal.
Rose (1996) afirma que “o termo comunidade [...] há muito tem sido destaque no pensamento político; tornase tema de governo, no entanto, quando se torna técnico. Em torno dos anos 60, a comunidade já era aclamada
pelos sociólogos como possível antídoto à solidão e isolamento do indivíduo gerados pela ‘sociedade de
massa’. Esta idéia de comunidade enquanto autenticidade perdida e pertença comum foi inicialmente disposta
no campo social como parte da linguagem de crítica e oposição dirigida à distante burocracia. Os ativistas da
comunidade deviam identificar-se, não com um welfare system que eles viam como degradante, controlador,
de policiamento, mas com aqueles que eram os sujeitos desse sistema os moradores das habitações, projetos e
guetos” (ibidem, p. 332).
6
7
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
371
desenvolvimento regional para conceituar qualidade, em última análise do que
se trataria é de outra forma de se remeter ao mercado enquanto regulador da
qualidade do ensino de graduação.
Finalmente, temos o conceito de qualidade expresso como a articulação
entre ensino e pesquisa na formação de graduação. Neste caso é evidente o
quanto o preceito constitucional aparece repetido como um “mantra” sem que,
entretanto, como este último, guarde em si mesmo o significado de seu som.
Assim, essa repetição mais esconde do que mostra, quando do que se trataria seria
de uma genuína articulação entre ensino e pesquisa, teoria e prática, reflexão e
ação. Esta afirmação pode ser formulada na medida em que os indicadores, bem
como as ações exemplificadoras expressas pelos entrevistados não corroboram o
conceito de qualidade assumido:
eu vejo a qualidade do ambiente que se cria e vejo a qualidade do ensino
superior profundamente ligada a pesquisa e pós-graduação (E9).
qualidade na educação superior refere-se à experiência de uma formação
acadêmica integrada, crítica e reflexiva dos conhecimentos gerais e específicos
com forte articulação entre ensino, pesquisa nessa formação (E1)
Formação de qualidade no âmbito do ensino, pesquisa e extensão; o foco
principal concentra-se no aluno, na sua formação profissional complementada
numa consistente formação na área de conhecimentos gerais e humanísticos (E8)
Sinteticamente talvez possamos afirmar que o conceito de qualidade
de ensino da graduação predominante entre os onze gestores traduz-se,
fundamentalmente, como cidadania com competência técnico-profissional e
efetiva inserção no mercado. Esta forma de conceituar, em nosso entendimento,
sugere uma justaposição acrítica de concepções ideológicas divergentes sem
consistência epistemológica, o que parece não depender diretamente da natureza
da mantenedora da instituição, do tempo de exercício no cargo dos pró-reitores,
de sua formação em âmbito de pós-graduação stricto sensu, nem tampouco da
região geográfica onde se localizam suas respectivas universidades. Isto nos
remete à compreensão de um discurso naturalizado no coletivo dos pró-reitores.
Sobre os indicadores
Com a intenção de verificar as formas pelas quais as instituições
avaliam se sua concepção de qualidade de ensino de graduação se materializa,
buscamos identificar os chamados indicadores de qualidade. Foram destacados
pelos sujeitos da pesquisa, e aqui apresentamos também em ordem decrescente
372
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
de número de citações, os seguintes indicadores: a) titulação e produção dos
professores; b) adequação do currículo às demandas da sociedade; c) grau de
inserção dos egressos no mercado; d) desempenho positivo dos estudantes
nas avaliações externas; e) articulação entre ensino, pesquisa e extensão nos
processos formativos; f) existência de programas de formação continuada para
docentes; g) existência de processos de avaliação interna; h) infraestrutura
adequada à aprendizagem.
O nível de coerência percebido entre conceito e indicadores de
qualidade é sintomaticamente bastante elevado. Isto nos leva a um entendimento
que corrobora as afirmações feitas anteriormente relativas às justaposições
teórico-epistemológicas presentes na conceitualização de qualidade do ensino
de graduação. Assim, quando os pró-reitores manifestam, por exemplo, que
indicador de qualidade é “a titulação do corpo docente, a produção tecno-científica
e artístico-cultural dos docentes” (E6), ou referem que seja “a boa colocação
dos egressos no mercado de trabalho” (E2), ou ainda “resultados expressivos na
avaliação externa” (E7), constatamos, para mais além da coerência referida, as
instituições dobrando-se à lógica avaliativa externa, seja ela determinada pelo
Estado ou pelo mercado.
Na contracorrente dessa submissão à lógica do Estado e do mercado,
há de parte de alguns dos sujeitos da pesquisa a referência a indicadores cuja
natureza se volta à sociedade, à indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão,
a programas de formação continuada de docentes, a processos de avaliação
interna e colegiada e à infraestrutura adequada para a aprendizagem. No
nosso entendimento, alguns desses indicadores são de outra natureza daqueles
discutidos no parágrafo anterior, no sentido de se relacionarem a questões de
ordem sociopolítica e pedagógica e com potencial para retroalimentarem
o ensino de graduação. Isto é, a universidade se pensa, se avalia, assume seu
protagonismo e sua responsabilidade na qualificação permanente de seu corpo
docente e discente, o que é exemplificado pela “presença de políticas de
formação pedagógica continuada na Instituição”(E6);pela “postura ética, [pelo]
grau de compromisso social que a pessoa [estudante] tem, [...] quer dizer o
compromisso dele com a cidadania, compromisso dele com as grandes causas
da sociedade, como a defesa da vida, a questão do meio ambiente” (E9); “pela
existência de um processo contínuo de avaliação na graduação (interna e externa)
com bons resultados avaliativos” (E12) e de “instalações físicas e laboratórios
atualizados, com observâncias do número de estudantes/professores adequados
à aprendizagem” (E12).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
373
Em outros termos, este conjunto de indicadores demarca uma
diferença fundamental, na medida em que a universidade não se assume
unicamente como mera executora de determinações oriundas de políticas
exógenas. Como refere Cunha (2010, p. 25),
é certo que as ações dos professores são dependentes das múltiplas
regulações do estado [das agências reguladoras e de fomento], dos sistemas de
ensino e das escolas, que relativizam sua possibilidade de autonomia. Mesmo
assim, inclusive como parte de um processo de resistência, é fundamental
investir numa formação consistente que dê argumentos ao professor no embate
epistemológico e político que se estabelece no seu campo de atuação.
Sobre as ações
Uma das intenções da pesquisa era identificar junto aos pró-reitores as
ações desenvolvidas nas suas respectivas universidades no intuito de alcançar a
qualidade de ensino de graduação almejada. No nosso entendimento, estas ações
seriam reveladoras da responsabilidade institucional com a “qualidade do ensino
de graduação possível” para o momento atual da instituição, o que pode não
coincidir, a nosso ver, necessariamente com a qualidade idealizada, desejada ou
mesmo apregoada pelos pró-reitores. Nesta direção, os questionamos sobre o que
considerariam como sendo “bons exemplos de práticas e ações institucionais”
que materializassem a qualidade de ensino de graduação expressa em seus
Projetos Institucionais Pedagógicos.
Antes de nos debruçarmos sobre a análise das ações propriamente ditas,
é importante ressaltar que os pró-reitores de graduação, ainda que gozando da
legitimidade institucional inerente ao cargo que ocupam, são um entre vários
gestores de uma equipe que, por sua vez, reflete, a um só tempo, as orientações
da mantenedora, as peculiaridades de sua comunidade acadêmica, e todo um
conjunto de regulações de ordem histórica, econômica e política que possui
um caráter estruturante e delimitador de suas possibilidades de ação. A clássica
tensão entre regulação estatal e autonomia é apenas um exemplo dessa dinâmica.
Ainda que levemos em conta todos esses fatores, causou-nos bastante
estranheza a dificuldade de a maioria dos pró-reitores oferecer exemplos de
ações implementadas por suas instituições para atingir a apregoada qualidade.
Muitos deles simplesmente não o fizeram, outros, ao se referirem a ações,
repetem indicadores e outros ainda indicam possibilidades futuras em
fase de concepção. Isto é ainda mais merecedor de destaque se cotejarmos
374
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
essa dificuldade com o imenso rol de indicadores de qualidade do ensino
de graduação apontado anteriormente pela maioria deles. A rigor, os próreitores de poucas instituições ofereceram exemplos de ações efetivas e em
curso em suas universidades. São elas: Programa de atenção ao estudante
com dificuldade de aprendizagem (1 citação); avaliação interna colegiada (1
citação); redefinição da estrutura curricular (1 citação) e, por fim, capacitação
sistemática de docentes e/ou coordenadores de cursos (2 citações).
Não sem espanto, nos defrontamos com um vazio de acontecimentos.
Se há, como já referimos, uma harmonia entre conceitos e indicadores, não há
correlativamente ações em curso que corroborem e favoreçam às instituições
o alcance da qualidade pensada/desejada. Este fato ficou evidenciado pelas
respostas que, ou chamavam de ações a indicadores, ou que simplesmente não
respondiam à questão. Dentre os fatores favorecedores do fenômeno que aqui
denominamos de vazio de acontecimentos, depreendemos nesta análise teórica
alguns entre outros possíveis: a) falta de coerência político-epistemológica
institucional; b) a falta de clareza do gestor da necessidade de envolver a
comunidade universitária na definição de políticas institucionais; c) o lugar do
não-lugar que ocupa a formação docente no âmbito universitário; d) a submissão
acrítica da instituição ao mercado e ao sistemas de avaliação externos; e) o
status superior que a universidade tradicionalmente tem atribuído à pesquisa, em
relação à docência; f) a utilização do discurso constitucional e “politicamente
correto” como albergue para a falta de reflexão acerca dos paradoxos existentes
entre as lógicas mercantis e de formação para a cidadania.
A dissonância
Como já dito em outro momento, a entrevista de um dos pró-reitores
retratou um quadro institucional, no que tange ao ensino de graduação, com
características absolutamente singulares relativamente à qualidade de ensino.
Em primeiro lugar é preciso destacar que o entrevistado encarna o conceito
gramsciano de intelectual orgânico, sendo reconhecido e avalizado como tal
pelos pares que compõem a comunidade epistêmica da área da Educação.
Sua vasta experiência como docente, pesquisador e gestor, articulada
permanentemente a uma reflexão teórica consistente, lhe confere, em nosso
entendimento, uma condição sui generis no panorama nacional e internacional
(Baibich-Faria, 2009). Da mesma forma, a instituição representada pertence
ao rol das cem melhores instituições universitárias do mundo, o que lhe dá
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
375
condições, pelos recursos ali aportados, de investir mais em várias frentes das
atividades fins da universidade.
Ainda que nutramos o entendimento de que suas contribuições à pesquisa
que deu origem a este texto constituem por si só um curso sobre qualidade de ensino
de graduação, esta sessão tem como propósito unicamente o compartilhamento
de suas reflexões e, em hipótese alguma estabelecer uma hierarquia entre
pró-reitores e universidades. Como já dito, as ações desenvolvidas por esses
gestores são condicionadas por uma série de dinâmicas e contextos, o que não
permite, e fugiria dos propósitos deste estudo, qualquer tipo de classificação
ou ranqueamento entre colegas gestores e/ou universidades. Portanto, feitas
estas observações introdutórias, e considerando as especificidades da situação,
nesta seção, eventualmente, nos permitiremos transcrever partes mais longas do
discurso do pró-reitor, quando assim julgarmos apropriado.
No sentido de melhor caracterizar o que ocorre em termos de qualidade
de ensino de graduação nessa instituição, elencamos, a seguir, alguns fatores
que consideramos fulcrais para a constituição do quadro singular constituído
por essa universidade e pró-reitor. Partindo de conceito de universidade
contextualizada histórica, política e pedagogicamente, o pró-reitor em questão
atribui aos cursos de graduação as seguintes principais finalidades:
A criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da
técnica e da cultura; a preparação para o exercício de atividades profissionais
que exijam a aplicação de conhecimentos e de métodos científicos e para a
criação artística; e o apoio científico, técnico e ético ao desenvolvimento
cultural, social e econômico da sociedade (E11).
Em uníssono às finalidades dos cursos de graduação, o gestor em tela
define que o ensino de graduação de qualidade “constitui um processo de
busca e construção científica e de crítica ao conhecimento produzido, ou seja,
de seu papel na construção da sociedade”, confere ao docente grande parcela
de responsabilidade na consecução destes objetivos, pressupõe a necessidade
de “uma ação docente diferenciada da tradicionalmente praticada”; atribuindo
à comunidade sua parcela de participação e responsabilidade, entende
necessário que o projeto político-pedagógico dos cursos seja “coletivamente
consensuado e vivido no cotidiano do ensino e da pesquisa, [...] a partir
da identidade de cada curso, considerando as demandas da sociedade
contemporânea” (E11).
Como contraponto ao modelo de ensino de graduação de qualidade acima
referido, entende ele que o modelo hegemônico na sociedade contemporânea
376
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
é “fortemente submetido à lógica do mercado e do consumo”. O entrevistado,
no desenvolvimento de sua argumentação, aponta para o que considera serem
algumas das características desse ensino de graduação atual, estabelecendo
uma analogia com “uma imensa usina de produção onde os estudantes são
considerados apenas como elos do sistema; a aprendizagem é rápida e ligeira,
sem muito esforço, para obter créditos e diplomas”. No que se refere ao processo
de formação, a lógica argumentativa é similar, recorrendo à metáfora de “um
supermercado no qual as disciplinas estão dispostas em gôndolas, à escolha do
estudante, e disponibilizadas conforme a decisão individual dos docentes ou
departamentos”. Finalmente, ao tratar da carreira acadêmica dos professores,
que, na sua opinião “tem primazia em relação à formação dos estudantes”,
refere-se à lógica produtivista imperante, afirmando que “a cultura acadêmica
e a cultura dos jovens fica separada por um fosso intransponível” (E11).
Harmonicamente às considerações anteriores, o pró-reitor assume
a necessidade imperativa de que seja criada uma nova cultura acadêmica nos
cursos de graduação da universidade e propõe, como indicadores de qualidade,
que esta nova cultura considere: o direito do acesso à formação que garanta
aos estudantes o desenvolvimento de uma postura frente ao saber, que supere a
especialização estreita, problematize as informações e garanta a sua formação
como cidadão e profissional cientista compromissado com a aplicação do
conhecimento em prol da melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade; que
possibilite o desenvolvimento do pensamento autônomo, substituindo a simples
transmissão do conhecimento pelo engajamento dos estudantes; por um processo
que permita ao estudante interrogar o conhecimento elaborado, pensar e pensar
criticamente; que enseje a resolução de problemas; estimule a discussão,
desenvolva metodologias de busca e de construção de conhecimentos (ensinar
com pesquisa); que confronte os conhecimentos elaborados e as pesquisas com a
realidade; mobilize visões inter e transdisciplinares sobre os fenômenos e aponte
e possibilite a solução de problemas sociais (ensinar com extensão). Uma nova
cultura acadêmica que valorize o trabalho dos docentes na graduação.
Partindo dos indicadores e antes mesmo de exemplificar o que considera
como alguns dos bons exemplos de ações, o gestor refere que o apoio irrestrito
da reitoria possibilitou-lhe consensuar as diretrizes com os diferentes colegiados
centrais, o que, no nosso entendimento, parece ter sido fundamental para que as ações
se concretizassem. Entre as ações já implantadas destacam-se dezoito programas
relativos à “valorização da graduação”; sete programas relativos à “implementação
do (novo) programa de formação de professores da instituição (licenciaturas);
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
377
um programa de “inclusão social e mudanças no vestibular que amplia o acesso
de estudantes oriundos do ensino médio público, por meio de ações antes, durante
e após o processo seletivo para o ingresso na universidade”; sete programas de
“aprendizado eletrônico”, além da “política de ampliação de vagas” (E11).
Algumas considerações finais
Dirigindo-nos para o final deste texto, fruto de uma pesquisa que ainda
se encontra em desenvolvimento, cabem algumas considerações de caráter
“precariamente finais”. Ainda que não devamos desconsiderar a condição de
provisoriedade da investigação, e deste estudo em particular, faz-se possível,
mediante os dados empíricos, tecer algumas considerações.
Logo de saída é mister que se sublinhe que o sujeito gestor acadêmico,
distintamente de outros gestores institucionais, não possui a condição de impor
políticas, culturas e mesmo concepções para a comunidade acadêmica – e
nem seria desejável que assim fosse – o que acarreta a necessidade imperiosa
do estabelecimento de um fórum permanente composto pela comunidade
universitária para a reflexão acerca da universidade que se pensa e se deseja
transformar. Vale ressaltar que no caso das universidades privadas, com modelos
de gestão empresariais e uma série de demandas, muitas delas decorrentes dessa
lógica de gestão, a natureza dos desafios com os quais os gestores se defrontam
no desenvolvimento de suas atividades cotidianas pode assumir um caráter ainda
mais complexo. Portanto, reiteramos a compreensão de que não se pode atribuir
ao gestor a inteira responsabilidade pela qualidade do ensino de graduação de
sua respectiva instituição. Trata-se, outrossim, de tarefa colegiada que demanda
para mais além da vontade política, o exercício permanente do pensamento sobre
a universidade em sua inteireza que se traduza em ações concretas, consistentes
e coerentes, passíveis de autoavaliação, também permanente e sistemática, além
das avaliações externas pelos pares, pelo estado e pela sociedade.
O quadro da pesquisa, ao mostrar o vazio das ações, revela a carência
da clareza do que seja qualidade de ensino de graduação desde a perspectiva da
instituição, a submissão da mesma a uma lógica de mercado, o vácuo existente
entre “intenção e gesto”, o olhar individualizado e pontual e não o institucional e
sistemático como seria desejável.
Dois aspectos que merecem destaque, ainda que não tenham sido
objeto das análises deste estudo em particular, mas que constituem questões da
378
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
pesquisa mais ampla, são: a) o que se refere ao entendimento dos pró-reitores
acerca da formação de professores para o ensino superior e b) o que se refere a
hierarquização entre ensino e pesquisa na Universidade.
Unanimemente os gestores reconhecem a Universidade, no que tange à
formação de professores para o ensino superior, como aquilo que Cunha (2007)
define como um não-lugar. Como criar uma nova docência para a graduação
sem formar os docentes para ensinar a graduação? Esta é uma das questões para
a qual, compreendemos, a Universidade deve buscar respostas. Também de
forma unânime, ainda que nem sempre intencional e consciente, os pró-reitores
indicam que a pesquisa goza de um status mais elevado na relação com o ensino.
Nem todos criticam esta situação, pelo contrário, demonstram corroborá-la.
Certamente esta situação desigual é outro fator que contribui para condenar o
ensino de graduação a uma qualidade menor. Este desafio, se não for abraçado
pela comunidade universitária, continuará mantendo a âncora que destina ao
ensino de graduação um espaço como o que possui hoje.
Portanto, o que se depreende é que a qualidade de ensino de graduação
constitui-se como corolário de um processo coletivo de responsabilidade
institucional, cuja direção e coordenação deve ser assumida pela reitoria e
suas respectivas instâncias, favorecendo a efetiva participação da comunidade
acadêmica. Se assim não for, o discurso continuará ocupando a condição de
albergue para a não mudança, mesmo que se estruture com conceitos de ampla
aceitação na comunidade que pensa e faz a universidade.
REFERÊNCIAS
BAIBICH-FARIA, T. M. A dimensão teórica da formação dos formadores
em didática e práticas de ensino: influências no pensamento contemporâneo e
repercussões nas práticas de formação. Avaliação (Campinas), Nov 2009, vol.14,
n.3, p.727-753
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
CUNHA, M. I. da. O lugar da formação do professor universitário: a condição
profissional em questão. In: CUNHA, M. I. da. Reflexões e práticas em pedagogia
universitária. Campinas: papirus, 2007. p. 11-26.
CUNHA, M. I. da. Diálogo com as experiências: que conclusões incitam os
estudos? In: CUNHA, M. I. da. (Org.). Trajetórias e lugares de formação da
docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional.
Araraquara: Junqueira&Marin; Brasília: CAPES: CNPq, 2010. p. 291-299.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
379
NAIDOO, R. Las universidades y el mercado: distorsiones en la invetigación y la
docência. In: BARNETT, R. (Ed.). Para uma transformación de la universidad:
nuevas relaciones entre investigación, saber y docência. Barcelona: Octaedro,
2008. p. 45-56.
ROSE, N.. The dead of the social? Re-figuring the territory of government. Economy and Society. London School of Economics and Political
Science. London: v. 3, n.º 25, p. 327-356, august, 1996.
PARTE IV
QUALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE
QUALIDADE E FORMAÇÃO DOS PEDAGOGOS
Cecilia Luiza Broilo1
Silvia Maria de Aguiar Isaia2
Formação dos pedagogos: em busca de indicadores
de qualidade
A
o considerar o quanto é importante ocupar-nos do nosso
aperfeiçoamento profissional, e quando este compromisso está
ligado com a questão social se torna ainda mais premente considerarmos
o contínuo aperfeiçoamento profissional. Este não advém apenas de uma
necessidade, mas de um dever que se torna imperativo, quando as funções
exercidas envolvem alta responsabilidade social, especialmente no caso da
docência, em todos os níveis de seu exercício no sistema educacional de acordo
com Bordas (2003).
A docência tem grande responsabilidade com a melhoria dos profissionais
que formamos. E as universidades brasileiras têm demonstrado através do
movimento de implantação do planejamento estratégico ou pelos resultados
estabelecidos pelo Exame Nacional de Curso, implantado ainda, em 1996, uma
preocupação com a qualidade do ensino superior, principalmente com o ensino
de graduação, espaço que revela a importância da preparação política, científica
e pedagógica dos docentes. Isaia (2003, 2006) apresenta uma série de desafios
que os docentes universitários enfrentam para uma docência de qualidade, e
através de suas pesquisas (Isaia e Bolzan, 2008, 2009a) evidenciam possíveis
caminhos para minimizar essa situação.
Para Leite e outros (1998), as universidades que iniciaram seus programas
de avaliação no início dos anos 90 estão hoje enfrentando os desafios da melhoria
na qualidade ou de solução para os problemas detectados, destacando problemas
referentes à qualificação acadêmica e didática dos docentes universitários e
demais níveis de ensino. Isso ocorre, pela ampliação do número de entrada de
1
Professora Doutora do Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/
PUCRS. Coordenadora Pedagógica da Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA. Membro do PRONEX –
CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP. Pós-doutoranda da UFSM.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação; Professora do Mestrado Profissionalizante
em Ensino de Física e Matemática e Coordenadora Grupo de Pesquisas Trajetórias de Formação (GTFORMA)
na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); BOLSISTA Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES
na UFSM, Membro do PRONEX – CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP.
382
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
novos professores (substituições e admissões) resultantes das aposentadorias e
pelos processos avaliativos que têm mostrado a falta de didática do docente,
apontada pelos estudantes e pelos próprios professores.
Aceitando que a formação dos professores pode concorrer para uma
melhor preparação dos estudantes em face desses desafios, este estudo centra-se
numa questão fundamental, que é a qualidade do ensino do Curso de Pedagogia.
Essa qualidade define-se principalmente pelo potencial da ação pedagógica que
ocorre na transformação dos sujeitos e dos contextos de sua atuação.
Atuar na assessoria pedagógica da universidade possibilita-nos a
compreensão do campo da Pedagogia Universitária, entendendo as rupturas
possíveis com o paradigma dominante proposto por Sousa Santos (1987) e o
entendimento das territorialidades em movimento físico e epistemológico na
visão de Fernandes (1999).
Acreditamos que uma pedagogia transformadora pode ser concretizada
através de atitudes emancipatórias que exigem conhecimentos acadêmicos e
competências técnicas e sociais, configurando um saber fazer que extrapole os
processos de reprodução. Sousa Santos (2000), afirma que sua característica é de
“não ser indiferente à diferença” (p.30). Isso significa que a competência situase, justamente em agir diferenciadamente para cada situação, a partir da leitura
da cultura e das condições de produção do conhecimento que se estabelece entre
o professor e seus estudantes.
Acreditamos que também o Projeto Político Pedagógico do Curso deverá
servir como instrumento de análise, pois expressa os princípios epistemológicos
e os pressupostos da historicidade da Educação do próprio curso em estudo.
Envolve também indissociabilidade teórico-metodológica do sujeito como
produtor e produto de cultura e do conhecimento como construção social.
Enfatizamos de que todo o ato educativo tem no seu cerne, objetivos
que visam possibilitar ao sujeito o enriquecimento de suas condições pessoais,
nas quais se integram conhecimentos e posturas éticas, estéticas e políticas,
a partir das quais, este sujeito possa se tornar um cidadão participante no
processo do fazer-se e refazer-se como um ser histórico, que cria e recria o
mundo e a cultura (Freire, 1983).
Pensar no Curso de Pedagogia a possibilidade de assumir um
compartilhamento das suas atividades acadêmicas, se faz necessário acreditar
no processo da interdisciplinaridade, que de acordo com Machado (2001) não
pode colocar-se como um discurso demagógico ou como uma receita mágica
para superar a fragmentação do conhecimento ou estrutura dos departamentos
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
383
acadêmicos. Uma concepção de interdisciplinaridade que é mais do que simples
atravessamento dos limites departamentais da universidade e das fronteiras que
estabelecem os territórios de cada disciplina ou Programas de aprendizagens.
Ao mesmo tempo em que transpõe tais limites, a interdisciplinaridade institui
a solidariedade como um elo interdisciplinar e de interpráticas de trabalho
desenvolvido pelos professores e estudantes.
Essas reflexões reforçaram a participação na investigação dirigida aos
docentes e estudantes do Curso de Pedagogia da UFSM em termos do impacto
da formação oferecida, nas aprendizagens dos mesmos. A realização do Pósdoutorado em Educação, na referida universidade, sob a coordenação da Profa.
Dra. Silvia Maria de Aguiar Isaia, possibilitou ampliar esses questionamentos.
Com apoio do INEP/CAPES, e da RIES – Rede Sul Brasileira de Investigadores
da Educação Superior - Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia &
Inovação em Educação - CNPq/FAPERGS, através do Observatório de
Educação, coordenado pela Profa. Dra. Marília Morosini, tivemos uma parceria
no estudo cujo foco central vem sendo investigado e que se relaciona a busca de
Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira.
As sucessivas reformulações dos currículos de formação de professores,
nestes últimos anos, levam-nos a necessidade de pesquisar a formação de
professores, tanto em nível da Formação Inicial de Professores, que envolve a
Infância, as Series Iniciais, a Educação de Jovens e Adultos, quanto a atuação
desse profissional nos espaços de gestão e de supervisão de processos educativos.
A partir do objetivo central desse estudo: de Identificar indicadores de
qualidade e práticas de aprendizagem necessárias no curso de Pedagogia da
UFSM para uma formação sólida, para atuar com competência e humanidade
no campo profissional concretizamos a pesquisa em torno de duas dimensões
que possibilitaram a aproximação do enfoque teórico ao estudo empírico:
(1) Concepções de teoria e de práticas de aprendizagens construídas, pelos
estudantes de Pedagogia - professores em formação - identificando os indicadores
constituídos em seu processo de formação e de sua inserção profissional; (2)
Formação de professores como um campo interdisciplinar e de investigação para
o desenvolvimento de uma cultura que discuta a qualidade dessa formação como
qualidade social (Cortella, 1996). Portanto, a questão fundamental centrou-se
em: - quais são as competências significativas para uma formação de qualidade
dos(as) pedagogos(as).
384
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Implicações metodológicas
Essa pesquisa que se caracteriza por um estudo de abordagem qualitativa
e quantitativa, apoiada em André (1995) colaborou para efetiva busca dos
indicadores de qualidade de formação dos(as) pedagogos(as). Os interlocutores
que colaboraram para a coleta dos dados foram Professores e estudantes do
Curso de Pedagogia, do contexto da Universidade Federal de Santa Maria.
Por se caracterizar por uma pesquisa no território da formação docente,
visando perceber os impactos que podem estar se refletindo na qualidade
do trabalho acadêmico e na atuação da educação básica optamos por uma
abordagem metodológica que envolveu uma dimensão quantitativa e outra
qualitativa, no intuito de uma complementar e a outra aprofundar o estudo. A
utilização de metodologias qualitativas e quantitativas em diferentes etapas do
estudo indicou a possibilidade de desenvolvimento de diferentes abordagens
metodológicas, apoiando as diferentes bases epistemológicas assentadas em
princípios de análise documental e nos procedimentos estatísticos. Além disso,
essas duas abordagens colaboraram para fornecer indicadores para melhorar a
qualidade, no ensino de formadores de professores. Foi importante a análise
realizada nos documentos relacionados com o Projeto Político Pedagógico
(PPP), colaborando para compreensão do processo e para conhecer as
intencionalidades e o território onde ocorrem as ações de formação dos
docentes. Nas questões de fundo teórico e epistemológico o estudo centrouse na temática da qualidade da pedagogia universitária, com a utilização dos
estudos realizados por Morosini (2001, 2003, 2008), em Isaia e Bolzan (2008,
2009), nas temáticas da formação de professores, do estudante universitário e
sua aprendizagem em Zabalza (2004), Wietse e Cabrera (2009).
Aplicamos diferentes questionários aos professores e aos estudantes
do Curso de Pedagogia da UFSM, considerando os objetivos já citados e as
dimensões definidas, a partir das competências e práticas necessárias para o
desenvolvimento de um currículo de formação de professores de qualidade.
Com a utilização do programa SPSS, os dados coletados através da aplicação
dos questionários, foram introduzidos de forma a garantir o rigor na análise
das respostas colhidas.
A primeira parte do questionário aplicado aos estudantes considerou-se
a competência adquirida (I) durante o desenvolvimento do percurso curricular
– do início do Curso de Pedagogia até o presente momento e o nível de
envolvimento nas atividades vivenciadas, com destaque para as práticas e os
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
385
estágios curriculares supervisionados, considerando as seguintes categorias:
identificação da realidade sociocultural e escolar dos seus alunos; domínio de
sua turma; percepção de diferenças ou estilos ou dificuldades de aprendizagem
dos seus alunos/grupos de alunos; desenvolvimento de práticas (atividades)
pedagógicas adequadas para melhorar a aprendizagem dos seus alunos; trabalho
em equipe sobre projetos relacionados ao curso; participação em atividades
complementares – em grupos de estudos (ação) intra/extra-institucionais;
utilização de estratégias para resolver conflitos em sala de aula/do ambiente
escolar; diálogo com seus alunos fora da sala de aula - com os pais de seus alunos
- com redes sociais na comunidade; aplicação de diferentes estratégias didáticas
utilização de diversas linguagens de modo a estabelecer uma comunicação
adequada com o grupo; avaliação de ações educativas, organização de situações
de aprendizagens em diferentes contextos educativos (formais e não-formais);
planejamento das aulas baseando-se no estilo de aprendizagem dos seus alunos;
atualização dos fundamentos de sua prática pedagógica; aplicação da teoria
em situações práticas, aprimoramento da habilidade comunicativa; respeito às
diferenças étnicas e socioeconômicas dos alunos; estabelecimento de relações
dialógicas nos grupos, em diferentes espaços de convivência participação em
entidades de classe e movimentos sociais, responsabilidade com a transformação
de si, do outro e da sociedade.
A segunda parte do questionário, aplicado aos estudantes considerou
as práticas e os diferentes níveis a partir da experiência vivida no
percurso formativo no Curso de Pedagogia (II), tendo em vista as seguintes
categorias: participação em comunidades de aprendizagem, identificando
problemas e possíveis soluções Identificação e valorização das diferenças
e/ou singularidades dos seus alunos; investigação de contextos culturais e
multiculturais; registro de histórias do grupo, estabelecendo relações teóricopráticas; análise de estudos de caso; elaboração de projetos educacionais com
base na problematização da realidade; participação em diferentes projetos da
comunidade escolar e acadêmica; estudo de diferentes teóricos, relacionando
à realidade observada; vivências de situações de ensino e de aprendizagem em
sala de aula; realização de diferentes práticas educativas em distintos espaços
educativos (escolas, ONGs, monitorias, co-regências, etc.); participação em
seminários; visitas a diferentes contextos educativos com problematização e
registros; discussão de filmes; vivência de processos de avaliação; planejamento
de pequenas práticas (observações e/ou intervenções) para os diferentes espaços
educativos; organização de situações de ensino e de aprendizagem a partir da
386
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
observação e verificação dos resultados obtidos; utilização de diferentes formas
de expressão: plástica, escrita, oral, corporal, digital, gestual; participação em
grupos de estudo Desenvolvimento de pesquisas e/ ou publicações. Participação
em atividades utilizando os recursos da educação à distância; realização de
ações pedagógicas em contextos formais e não-formais; análise de estudos de
caso, relatos de experiências, práticas educativas diferenciadas; atendimento
de apoio à comunidade; atividades complementares com ações comunitárias;
prática de auto-avaliação.
A parte final buscou algumas informações gerais referentes as seguintes
categorias: idade, semestre de estudo, ocupação profissional; tempo dedicado por
semana, em média, para o estudo e planejamento das aulas; participação em cursos,
seminários/congressos, atividades complementares – nos últimos cinco anos.
Quanto ao questionário aplicado aos professores consideramos, na primeira
parte, alguns aspectos centrais para o exercício de sala de aula com qualidade. No
item das informações gerais, as seguintes categorias: idade, maior titulação, tempo
de docência na universidade, tempo de docência, tempo como formador docente;
no item referente às atividades foram consideras as categorias: de docência, de
pesquisa, de orientação (monografias, dissertações e teses), de gestão acadêmica,
de extensão. Na categoria referente ao tempo dedicado por semana, em média,
para a preparação de aulas, destaca-se o período de uma a cinco horas. Foi ainda
considerado a participação em cursos e/ou seminários/congressos de atualização
na disciplina, nos últimos cinco anos.
Na segunda parte do questionário consideramos as competências a serem
trabalhadas em práticas de ensino-aprendizagem durante o desenvolvimento
do percurso curricular do Curso. Salientamos que às competências, práticas
pedagógicas e os indicadores, terão como base a discussão coletiva do Projeto
Político Pedagógico, numa tabela com cinco alternativas, a serem assinaladas, de
acordo com a freqüência em que o critério do indicador está presente na prática
educacional dos professores.
As competências consideradas na terceira parte do questionário dirigido
aos docentes foram:
(I) AÇÃO INVESTIGATIVA, que visou verificar se o professor consegue
trabalhar situações e situações-problema de ensino-aprendizagem quanto
a: realidade sociocultural e escolar dos alunos; domínio de turma, diferenças
individuais e de grupo, dificuldades de aprendizagem de ordem psicossocial,
problematizar situações do cotidiano educativo e refletir/propor questões sobre a
vida pessoal e profissional na relação pedagógica com o outro e com o contexto
socioeconômico e cultural.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
387
(II) GESTÃO DE PROCESSOS EDUCATIVOS, se o professor realiza
trabalhos em equipe, atuando em projetos relacionados ao curso e à extensão,
coordena grupos de ação intra/extra institucionais, participa da elaboração, da
implantação, implementação e da avaliação de processos/projetos institucionais,
encaminha estratégias para resolver conflitos na sala de aula e no ambiente
acadêmico de um modo geral, dialoga com alunos, professores e comunidade.
(III) AÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA, se oportuniza situações de
aprendizagem para que o aluno construa um referencial teórico que fundamente
a sua prática docente, também em diferentes contextos educativos: formais e
não-formais, se planeja, executa e avalia ações educativas compartilhadas com
pares e/ou alunos, se aplica diferentes estratégias didáticas, visando à estilos
cognitivos diferenciados de processos de ensino e de aprendizagem.
(IV) CONHECIMENTO DA ÁREA DE ATUAÇÂO, se atualiza
permanentemente os fundamentos de sua disciplina/área com outras áreas do Curso,
se utilizam situações práticas para relacionar com a teoria ou diferentes formas de
linguagem para estabelecer uma boa comunicação didática com alunos e pares.
(V) EXERCÍCIO DA CIDADANIA, se respeita as diferenças,
manifestando atitude de tolerância em relação às variadas características humanas,
se estabelece relações dialógicas nos grupos, em diferentes espaços de convivência,
se participa de entidades de classe e em movimentos sociais, se participa ativa e
comprometidamente com a transformação de si, do outro e da sociedade.
Na competência referente as PRÁTICAS EDUCATIVAS, buscamos
verificar se o professor consegue propor/vivenciar práticas educativas que podem
constituir as competências propostas pelo Projeto Político Pedagógico do Curso de
Pedagogia relativas à promoção de experiências em comunidades de aprendizagem,
identificando problemas e possíveis soluções, identificação e valorização das
diferenças e/ou singularidades dos alunos, investigação de contextos culturais e
multiculturais, registro de histórias do grupo, estabelecendo relações teórico-práticas
configuradas na relação conteúdo-forma, análise e construção de estudos de caso,
elaboração de projetos educacionais com base na problematização da realidade,
participação em diferentes projetos da comunidade escolar e acadêmica, estudo
de diferentes teóricos, relacionando à realidade estudada e observada, realização
de diferentes práticas educativas em distintos espaços educativos (escolas, ONGs,
monitorias, co-regências, etc.), organização e participação em seminários, visitas
a diferentes contextos educativos com problematização e registros, discussão de
filmes, vivência de processos de avaliação, organização de situações de ensino
e de aprendizagem a partir da observação e verificação dos resultados obtidos,
388
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
planejamento de pequenas práticas (observações e/ou intervenções) para os
diferentes espaços educativos, utilização de diferentes formas de expressão:
plástica, escrita, oral, corporal, digital e gestual, promoção de atividades em
grupos de estudo, desenvolvimento de pesquisas, publicações Participação em
atividades utilizando os recursos da educação à distância, realização de ações
pedagógicas em contextos formais e não-formais, análise de: estudos de caso,
relatos de experiências, práticas educativas diferenciadas, atendimento de apoio à
comunidade, prática de auto-avaliação.
Possibilidades e desafios para a qualidade: análise
parcial dos resultados
A análise dos resultados se deu a partir dos dados coletados e das
observações realizadas. Partimos inicialmente da construção do projeto maior, a ser
desenvolvido, no período de 2010 a 2013, descrevendo de forma teórica o estudo
e a criação de dimensões e categorias que poderiam favorecer a identificação de
indicadores de qualidade da formação dos(as) pedagogos(as). Foi fundamental,
neste tipo de abordagem, a experiência que temos como observadoras da área,
garantindo maior objetividade e rigor na análise e interpretação dos dados
recolhidos. Por isso, pensamos que a experiência de docente mais a inserção nos
grupos de pesquisas e nos grupos de trabalhos relacionados à área de atuação
profissional favoreceram a nossa participação na pesquisa.
Optamos em aplicar os questionários nas séries finais do Curso de
Pedagogia, tendo como argumento que estes estudantes teriam melhores
condições de responder as questões, pois, os aspectos a serem avaliados
referem-se ao currículo do curso como um todo. Sendo assim, foi aplicado o
questionário para os estudantes do sétimo (7º) e oitavo (8º) semestres. Portanto,
dos cento e quatorze (114) estudantes, tivemos a resposta de setenta e sete
(77) respondentes. Quanto aos docentes, do total de cinqüenta e seis (56)
professores, tivemos o retorno de trina (30) questionários preenchidos.
Nos questionários aplicados aos DOCENTES dirigimos uma questão
aberta, na qual, solicitando sugestões de elementos ou condições que poderiam
facilitar a participação dos professores na organização curricular. Dos trinta
(30) docentes que responderam aos questionários, tivemos dezesseis (16)
contribuições. Dessas contribuições destacamos (13) treze que podem colaborar
para realizarmos uma análise parcial quanto aos possíveis indicadores de
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
389
qualidade necessários para um desenvolvimento qualificado de formação de
professores, a partir do olhar dos docentes, surgindo como possibilidades e
desafios a serem enfrentados pelo corpo docente da universidade.
No entendimento de Broilo (2005, 2008) há desafios a serem enfrentados
na formação inicial quanto ao campo institucional e curricular, além de, se rever
os princípios da reforma da formação de professores e de uma exigência de
participação consciente na busca de alternativas viáveis para a qualidade que
inclua outras racionalidades, que permita uma vida digna e um mundo mais
solidário. Pois, de acordo com alguns dos depoimentos colhidos, destacados
e codificados na seqüência (D1, D2....) foi possível perceber a necessidade
de um constante processo de reformulação curricular, como evidenciam as
manifestações dos professores participantes da pesquisa.
A discussão relativa a organização curricular do curso de
Pedagogia necessita ser ampliada (D1). Fragmentação do
estagio curricular dificulta relação universidade-escola (D2).
O Currículo precisa ser permeável (D3). Currículo precisa
ser mais amplo (D3). Começar a pensar um currículo aberto,
flexível em cerca de 80% de sua composição em detrimento
ao modelo atual e inverso (80% fixo e 20% flexível) (D4).
Grupos de estudos e trabalhos com professores “todos”
que atuam no curso de pedagogia. Discutir e (re)ver a
organização curricular por áreas de conhecimento (D5).
A experiência e a prática foram categorias ressaltadas e importantes
indicadores de qualidade de formação de professores para a educação básica. Larrosa
(2002, p.20) propõe pensar a educação a partir do par experiência/sentido.
Mais experiência de ensino para participar (D6). O curso
deveria congregar professores e estudantes em torno do PPP
do curso, transpondo para as práticas e proposta pedagógica.
Existem dispositivos para inserção e integração comunitária
que, no entanto não são dinamizadas nesta direção como,
por exemplo, a carga horária de cada disciplina destinada as
prática e a PED, que deveria ser articuladora destas ações.
A participação de um modo geral poderia ser promovida
na mobilização de professores e estudantes em torno de
objetivos coletivos e aproximação com os sistemas de
ensino (D7). Projeto com a comunidade, o grupo de pesquisa
(GTFORMA) já desenvolve a cerca de nove anos. Entre
outras iniciativas temos o projeto de filosofia na formação de
390
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
professores em uma escola municipal, uma iniciativa muito
bem sucedida ate aqui. O grupo de pesquisa poderia colaborar
na reestruturação do curso de pedagogia oferecendo reflexões
sobre a base teórica de estruturação do curso, e preciso
questionar inclusive os pressupostos de legislação educacional
que norteou a reformulação da formação de professores no
Brasil no que concerne a compreensão subjacente à discussão
entre teoria e a prática (D8).
Foi possível perceber que um dos desafios que a UFSM terá que enfrentar
está ligado às relações entre os professores e os processos de interação necessários
para realizar um trabalho interdisciplinar numa área onde é tão importante essa
articulação. O depoimento que segue reforça essa necessidade de:
proporcionar espaços de interação (reais) entre os
professores do curso, no intuito de “troca”, “socialização”
de experiências, saberes. A proposta do curso de pedagogia
da UFSM e muito boa porem, falta “comprometimento”
dos professores através da sua participação do curso.
E “despir-se” através de suas práticas, e “mostrar” seus
planejamentos e ações. E muito fácil criticar os outros,
agora “olhar para o seu próprio umbigo” continua ser o
desafio cada vez mais atual e necessário (D9). Organização
de encontro para professores que atuam no curso com a
intenção de desafiar o grupo (de professores) na construção
de estratégias e praticas que qualificam as propostas
previstas no PPP do curso (D10).
Os professores salientaram que apesar do acumulo de trabalho que
a universidade vem enfrentando no seu cotidiano acadêmico necessitam
participar e dialogar com seus pares de diferentes áreas, garantindo uma relação
de qualidade com seus alunos e com a comunidade em que estão inseridos.
Desenvolver um diálogo interdisciplinar e práticas progressistas são desafios a
serem enfrentado de acordo com os depoimentos que seguem.
Devido a muito trabalho na universidade acumula-se e
limita a participação (D11). Maior diálogo entre as áreas por
ocasião do estágio (D12). O curso carece de maior interação
com a escola básica dialogando efetivamente com os colegas
desta instituição. A postura do curso ainda é “estender”
seus conhecimentos para “ensinar”; pouco se escuta e se
busca aprender com saberes e fazeres do cotidiano escolar.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
391
Também: maior coerência entre os discursos da sala de aula
e a prática dos professores; a teoria e bastante progressista e
critico, mas a prática persiste tradicional e autoritária (D13).
Por fim, embora seja apenas uma análise parcial podemos destacar
a importância da qualidade na formação dos professores. Precisamos formar
professores que preparem os alunos para enfrentarem as contradições sociais do
contexto atual, que de acordo com Veiga e Viana (2010), essa preparação seja através
de práticas inovadoras e atraentes. Não esquecendo que a formação é um processo
continuo que para ter qualidade necessita sair do isolamento e partir para um processo
compartilhado e interdisciplinar. Necessitamos pensar numa proposta de inovação
curricular de formação de professores numa perspectiva de conhecimento e prática
educativa que supere o paradigma da padronização e da particularidade, buscando
indicadores de qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão.
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QUALIDADE E FUNÇÕES DOCENTES
Greice Scremin1
Silvia Maria de Aguiar Isaia2
Apresentação
E
ste artigo tem o objetivo de apresentar uma pesquisa realizada em
nível de mestrado no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Maria, na Linha de Pesquisa Formação, Saberes
e Desenvolvimento Profissional, no período de agosto de 2007 a agosto de
2009. O estudo centrou-se nas universidades classificadas como privadas
pela base de dados do INEP/MEC, tendo como foco principal de análise os
indicadores de Funções Docentes apresentados pelo Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior brasileira – SINAES.
O estudo realizado contribuiu para os objetivos levantados pelo projeto
da RIES – Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior –
Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação CNPq/FAPERGS e o
OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO com o projeto: Indicadores de Qualidade
para a Educação Superior Brasileira - Edital nº. 001/2006/INEP/CAPES – 2006.
O Projeto Observatório da Educação tem como objetivo estimular o crescimento
da produção acadêmica e a formação de recursos humanos pós-graduados, nos
níveis de mestrado e doutorado por meio de financiamento específico. Trata-se
de uma parceria entre a CAPES e o INEP.
A pesquisa justificou-se pela importância de relacionar a expansão/
massificação do ensino privado com a qualidade da educação superior privada
oferecida nestes estabelecimentos de ensino. Não entramos, contudo, no mérito
de fazer julgamentos sobre a qualidade da educação, mas sim, estudar como
se dá a relação dos indicadores de qualidade existentes no aspecto das funções
docentes da educação privada brasileira.
Os dados disponíveis sobre a educação superior brasileira podem
representar um estímulo à reflexão sobre o panorama educacional geral do país.
1
Pedagoga, Mestre em Educação pelo PPGE/UFSM, professora substituta do depto de Metodologia do Ensino
da UFSM e autora da dissertação da qual esse artigo é originário.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora Pesquisadora da
UNIFRA, Bolsista Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES na UFSM, Membro do PRONEX – CNPq/
FAPERGS e do Observatório da Educação INEP/CAPES/
396
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Sendo assim, a delimitação desse estudo circunscreveu-se às universidades
classificadas como privadas3 e à análise das funções docentes.4
Neste artigo, apresentaremos os resultados obtidos nessa pesquisa, bem
como as discussões suscitadas a partir do confronto entre esses e as dimensões
teóricas trabalhadas durante a pesquisa. O artigo inicia com descrição do percurso
da pesquisa, onde descrevemos nossas ações durante o desenvolvimento do
estudo; o segundo subitem trata das funções docentes no ensino superior, onde
contemplamos teoricamente os achados bibliográficos acerca da docência superior;
o terceiro subitem contempla as funções docentes como indicadores de qualidade,
nesse apresentamos o ponto de vista prático dos dados encontrados, em contraponto
com os achados teóricos no que tange à avaliação da docência no ensino superior;
e por fim, as considerações finais onde apontamos as fragilidades encontradas em
relação ao sistema e posicionamentos teóricos adotados, assim como salientamos
as ações positivas adotadas pelo modelo avaliativo analisado.
1. O percurso da pesquisa
O desafio deste estudo foi analisar o perfil institucional/docente dos
professores das universidades privadas brasileiras, a partir dos indicadores de
funções docentes disponibilizados pela base de dados do INEP/MEC através da
base de dados do SINAES, fazendo as relações pertinentes com a qualidade do
ensino oferecida por essas instituições em âmbito nacional.
Buscou-se, inicialmente, identificar o perfil institucional/docente de
professores do ensino superior em universidades privadas brasileiras, quanto às
funções docentes e analisar em que aspectos esse perfil interfere na qualidade da
Educação Superior do Brasil.
Outra etapa da pesquisa consistiu em analisar os conceitos e visões
de qualidade propostos por autores e organismos internacionais sobre a
educação superior, estabelecendo possíveis relações com o perfil de docentes
As instituições classificadas como Privadas, subdividem-se em Particulares e Comunitárias/Confessionais/
Filantrópicas.
4
1.Função educativa, diretamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem, que exige formação pedagógica
e prática de ensino. 2. Função de ministrar aulas e de desenvolver outras atividades relacionadas ao processo
de ensino-aprendizagem. 1. Nas estatísticas escolares, cabe distinguir entre número de professores e número de
funções docentes: um mesmo indivíduo, que é professor, pode exercer, em escolas diferentes, várias funções
docentes. 2. Ao se contar em cada escola o número de professores, obtém-se uma quantia que parece maior do que
realmente é. Isto ocorre porque as estatísticas citam outras funções docentes.” (cf. DUARTE,S.G. DBE, 1986).
Número de funções docentes em cada unidade escolar. De acordo com os objetivos da pesquisa, desagregar por
grau de formação, por dependência administrativa, por nível de ensino...(fonte: www.inep.gov.br)
3
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
397
das universidades privadas. E, por último, buscamos inferir possíveis
indicadores de qualidade, a partir das funções docentes disponibilizadas pela
base de dados do INEP/MEC.
A partir dos objetivos propostos, buscamos desenvolver relações teóricopráticas pertinentes no âmbito desta pesquisa, tendo por base uma abordagem
investigativa de cunho quali-quantitativo, trabalhada a partir de tabelas e
gráficos gerados via Planilha Excel. Contudo, seus resultados foram analisados
em termos qualitativos, através de uma discussão que indicou as distorções,
dificuldades ou êxitos do perfil levantado. A utilização de metodologias
qualitativas e quantitativas em diferentes etapas do estudo indica a possibilidade
de desenvolvimento de diferentes abordagens metodológicas, inclusive apoiadas
por diferentes bases epistemológicas, sejam elas assentadas em princípios de
análise documental, seja em procedimentos estatísticos.
Desse modo, a pesquisa foi estruturada metodologicamente, com a
intenção de explicitar, da melhor forma possível os procedimentos adotados para
a sua realização. Procuramos manter a coerência entre as concepções adotadas
em termos metodológicos e os procedimentos adotados para a concretização dos
objetivos propostos neste estudo.
2. As funções docentes no ensino superior
Na pesquisa em pauta levamos em conta a definição das funções docentes
sob o ponto de vista do INEP e procuramos fazer as relações desta definição com
a bibliografia existente. Para o INEP as funções docentes são definidas como
Função educativa, diretamente ligada ao processo de ensinoaprendizagem, que exige formação pedagógica e prática de
ensino. 2. Função de ministrar aulas e de desenvolver outras
atividades relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem.
1. Nas estatísticas escolares, cabe distinguir entre número
de professores e número de funções docentes: um mesmo
indivíduo, que é professor, pode exercer, em escolas
diferentes, várias funções docentes. 2. Ao se contar em cada
escola o número de professores, obtém-se uma quantia que
parece maior do que realmente é. Isto ocorre porque as
estatísticas citam outras funções docentes (cf. DUARTE,S.G.
DBE, 1986). Número de funções docentes em cada unidade
escolar. De acordo com os objetivos da pesquisa, desagregar
398
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
por grau de formação, por dependência administrativa, por
nível de ensino (fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus).
Dessa forma, podemos constatar que as funções docentes abarcam toda a
tarefa educativa, ou seja, relaciona-se direta e principalmente com o processo de
ensino-aprendizagem. Trazendo parte desta definição para o contexto da universidade
foi possível confirmar a existência de professores exercendo mais de uma função
docente, principalmente, no caso das universidades privadas, objeto deste estudo.
Complementando a idéia de funções docentes adotada pelo INEP,
destacamos também o conceito de professores da educação superior:
Profissionais que planejam, supervisionam e avaliam
atividades docentes de nível superior. Nota: Entendemse como atividades do magistério superior, para efeitos
desta Lei: as que, pertinentes ao sistema indissociável de
ensino e pesquisa, se exerçam nas universidades e nos
estabelecimentos isolados, em nível de graduação, ou mais
elevados, para fins de transmissão e ampliação do saber; e as
inerentes à administração escolar e universitária exercidas
pelos professores. Neste grupo inclui-se a seguinte
ocupação: professor de ensino superior. Tem escolaridade
de 3º grau. (Lei 5540/68 Reconhecimento oficial: Dec. nº
60.684/67.) (fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus).
A partir dos conceitos levados em conta pelo INEP, podemos inferir
o papel do professor na qualidade do processo formativo na educação
superior. É compartilhando dessa idéia que se salienta a necessidade de
uma pedagogia universitária adequada que vise à formação permanente do
professor universitário, com o intuito de promover a qualidade deste nível de
ensino. Sob esse aspecto, entendemos o professor da seguinte forma
o docente como intelectual público, um protagonista do ato
pedagógico e formativo que coloca nas questões sociais e
políticas a ênfase de seu trabalho, tornando públicos novos
referenciais na perspectiva da ética e da emancipação
humanas; o conhecimento social, um conceito que engloba
e reconfigura saberes científicos, da academia, com
saberes do cotidiano, das pessoas, que se constrói através
de aproximações sucessivas entre prática e teoria, entre
conhecimento “vivo” e conhecimento “morto,” resgatando
o humano da relação educativa; [...] (LEITE, 2000).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
399
É sob essa perspectiva de pedagogia universitária que a prática
pedagógica, ou seja, as implicações do processo de ensinar e aprender não
se reduzem à questão didática ou às metodologias deste processo, mas a
construção de uma educação como prática social.
Prática social esta em que os alunos são atores partícipes. Neste sentido
Zabalza (2004) compara os estudantes universitários aos seus professores no
sentido de que ambos, mesmo possuindo características específicas no processo
de ensino, são membros pertencentes a uma mesma comunidade acadêmica e
aprendizes dentro da instituição. Esse autor considera que na interação entre
o acadêmico e a instituição universitária, o aluno, como principal aprendiz é
o eixo central das atividades educativas. Entretanto, o professor também se
constitui como aprendiz, envolvendo-se tanto no processo formativo do aluno,
como em seu próprio processo de formação. Isto é, a lógica do processo do
aprender deve ser incorporada no exercício contínuo do seu trabalho e, nos
parece que é isso que os acadêmicos clamam quando apontam tais problemas
em relação aos seus professores.
Zabalza (2004) considera a universidade como instituição de
aprendizagem e não como instituição de ensino, por esse motivo, o tema
fundamental para a docência universitária seria as estratégias para as quais os
estudantes recorrem para aprender. Sendo assim,
o objetivo da docência é melhorar os resultados da
aprendizagem dos alunos e otimizar sua formação. Isso
implica, sem dúvida, grandes esforços didáticos para
adequar a organização dos cursos e os métodos de ensino
utilizados aos diferentes modos e estilos de aprendizagem
dos alunos e aos seus diversos interesses profissionais, já
que se trata de alunos (ZABALZA, 2004, p.190).
Por isso, os alunos universitários, ao se constituírem como um grupo
possuem certas características as quais devem ser consideradas nas formas pelas
quais os professores exercitam sua docência.
2.1. A docência na educação superior
A docência superior pode ser explicitada como uma atividade peculiar e
que, para o seu exercício, são exigidas algumas características específicas como
a formação adequada. Para Vasconcelos (2000),
400
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Se a universidade é o locus de formação dos quadros
profissionais de nível superior, é, portanto, função da
universidade a formação de seus próprios quadros, ou seja, a
formação de seus docentes. A questão da formação didáticopedagógica desses docentes, no entanto, não é sequer
mencionada como pré-requisito básico para o exercício do
magistério superior (p. 16).
Isaia (2006) destaca que “apesar do entendimento institucional de que
os docentes são os responsáveis pela formação de futuros profissionais, sua
formação docente não tem sido valorizada nem pela maioria das IES nem pelas
políticas voltadas para a educação superior” (p.66). Corroborando com esta
idéia a Lei que rege a educação no país (LDBN 9394/96) não alude à formação
didático-pedagógica como pré-requisito para a formação, ingresso e promoção
na carreira docente do magistério superior.
Diante do contexto de falta de formação específica, assim como diante da
inexistência de espaços de interlocução com colegas de instituição, o professor
acaba por exercer sua atividade docente de forma solitária e desamparada, sem
a oportunidade de participar de discussões coletivas sobre a construção de
conhecimentos relativos a ser docente (Isaia, 2006).
Para esta autora “a docência superior é um processo complexo que se
constrói ao longo da trajetória docente e envolve, de forma intrinsecamente
relacionada, a dimensão pessoal, a profissional e a institucional. Na tessitura das
três, dá-se a constituição do ser professor” (2006p. 63).
É sob esse olhar que entendemos esse processo como de natureza
social, pois os professores se constituem como tal em atividades interpessoais,
seja em seu período de preparação, seja ao longo da carreira, em uma ou em
diferentes IES. Os esforços que eles realizam para aquisição, desenvolvimento
e aperfeiçoamento de competências profissionais subentendem um grupo
interagindo, centrado em interesses e necessidades comuns, em um contexto
institucional concreto (Isaia, 2006).
Zabalza (2004) diferencia três grandes dimensões na definição do papel
docente:
Dimensão profissional que permite o acesso aos
componentes essenciais que definem essa profissão:
quais são suas exigências (retorno esperado pela atuação
profissional), como constrói sua identidade profissional e
em torno de quais parâmetros o faz, quais são os principais
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
401
dilemas que caracterizam o exercício profissional, quais são
as necessidades de formação inicial e permanente, etc.
Dimensão pessoal que permite considerar alguns aspectos
de grande importância no mundo da docência: tipo de
envolvimento e compromisso pessoal característicos
da profissão docente, ciclos de vida dos docentes e
situações pessoais que os afetam (sexo, idade, condição
social, etc.), problemas de ordem pessoal que costumam
acompanhar o exercício profissional (burn out, estresse,
desmotivação, etc.), fontes de satisfação e insatisfação no
trabalho, a carreira profissional.
Dimensão administrativa que nos situa diante dos
aspectos mais claramente relacionados com as condições
contratuais, com os sistemas de seleção e promoção, com
os incentivos, com as condições (carga horária, horários,
obrigações vinculadas ao exercício profissional, etc
(ZABALZA, 2004 p. 106).
Ainda conforme Zabalza (2004), o grande desafio da formação
docente, nos dias atuais é transformar os professores em profissionais da
“aprendizagem” ao invés de especialistas de uma área. Segundo Isaia (2001)
é evidente que a centração dos professores na área específica, sinaliza a
dificuldade dos mesmos em conscientizar-se de que a dimensão pedagógica
é indispensável à prática de quem está vinculado à formação de diferentes
profissionais. Antes o compromisso era com a disciplina, agora o compromisso
precisa ser com os alunos.
Os enfoques atuais citam a necessidade de modificação dos padrões
de relações pedagógicas na docência, isto é, durante o processo de formação
que o foco seja a aprendizagem. Este enfoque exige profundas mudanças no
ambiente universitário, pois o antigo modelo de docente ideal seria aquele
que possuía grandes conhecimentos em sua área os quais saberia transmitir
com clareza e convicção. Este modelo passa a ceder espaço para outro em que
o professor é o mediador, o facilitador e o guia das aprendizagens realizadas
pelos estudantes. Por isso, além de produzir sobre uma área do conhecimento
específico, cabe ao professor produzir o conhecimento de como ser professor.
O importante passa a ser como os conteúdos são entendidos, organizados
e integrados em um conjunto significativo de novos conhecimentos e
habilidades (ISAIA, 2003).
402
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O pressuposto de que investir na formação do professor e na sua
atualização pode ser um fator determinante na melhoria da qualidade da
educação, tem estimulado o governo brasileiro a investir nessa área com maior
intensidade nos últimos anos.
As instituições de ensino superior têm, de certo modo, atentado para
a questão da qualidade relacionada à função do professor, mais ainda nas
instituições privadas que estão, cada vez mais exigindo qualificação profissional,
tanto no momento de contratar novos professores como na permanência destes.
No âmbito privado, a melhoria da qualidade do corpo docente (no que tange
à formação profissional) se dá de maneira peculiar, pois as instituições podem
optar entre investir da formação dos profissionais que já possui ou na contratação
de profissionais com maior grau de formação.
Além da formação dos professores, outra questão que tange a questão da
qualidade do ensino está atrelada à carga de trabalho que concerne a cada um
dos profissionais, isto é, as tarefas concretas que são atribuídas aos professores.
Segundo Tardif e Lessard (2002), a carga de trabalho dos professores pode ser
analisada de um ponto de vista “administrativo”, definida em conteúdos e duração
pela organização escolar em função das normas oficiais (leis, decretos, etc.); e do
ponto de vista das exigências reais do trabalho cotidiano. Segundo esses autores, as
“condições de trabalho” dos professores são as variáveis que permitem caracterizar
as dimensões quantitativas do ensino (tempo de trabalho diário, semanal, anual,
número de horas de presença obrigatória em classe, o salário, etc).
Essas variáveis, segundo esses autores, servem para definir o quadro legal
no qual o ensino é desenvolvido, assim como para contabilizar, avaliar e remunerar
o trabalho docente. Essas mesmas variáveis são utilizadas por organismos como a
OCDE e a UNESCO para fazer comparações entre docentes de diferentes países.
Entretanto, entendemos que “a análise do trabalho docente não pode limitar-se
a descrever condições oficiais, mas deve empenhar-se em demonstrar como os
professores lidam com elas, se as assumem e as transformações em recursos em
função de suas necessidades profissionais e de seu contexto cotidiano de trabalho
com os alunos” (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112).
O trabalho dos professores é desenvolvido por regras administrativas,
mas depende também do envolvimento do professor com sua profissão.
Como muitas ocupações desse gênero, semiprofissionais,
relativamente autônomas, baseadas em relações humanas
e que exigem um envolvimento pessoal do trabalhador,
principalmente no plano afetivo, a docência é um trabalho de
403
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
limites imprecisos e variáveis de acordo com os indivíduos
e as circunstâncias (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112).
Desse modo, a noção de “carga de trabalho” é complexa, pois abrange
vários fenômenos e elementos nem sempre quantificáveis. Tardif e Lessard
(2002) apontam os fatores que devem ser considerados na determinação da carga
de trabalho dos professores:
Fatores materiais e ambientais, como a natureza dos lugares de
trabalho e os recursos materiais disponíveis. [...]. - Fatores sociais
como a localização da escola,5 a situação socioeconômica dos
alunos e de sua família [...]. - Fatores ligados ao “objeto de
trabalho”, tais como o tamanho das turmas, a diversidade das
clientelas, a presença de alunos com necessidades especiais
[...]. - Fenômenos resultantes da organização do trabalho:
o tempo de trabalho, o número de matérias a dar, o vínculo
empregatício, a diversidade das outras tarefas além do ensino,
as atividades à noite, nos fins de semana, nas férias, etc. Exigências formais ou burocráticas a cumprir: observância dos
horários, avaliação dos alunos, atendimento aos pais, reuniões
obrigatórias, tarefas administrativas, etc. - Enfim, há ainda os
modos como os professores lidam com esses fenômenos e as
estratégias que eles elaboram para assumi-los ou evitá-los. Aqui
temos que levar em conta a idade e o tempo de profissão dos
professores, sua experiência, como eles enxergam seu papel e
sua missão, seu sexo, pois as mulheres, que são a maioria do
corpo docente, muitas vezes têm que encarar uma dupla tarefa,
no trabalho e em casa, etc (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 114).
Dessa forma, diante dessa realidade com a qual os professores se
defrontam, podemos ainda falar em “carga mental” de trabalho que é resultado de
dois fatores complementares: a natureza das exigências objetivamente exercidas
pela tarefa e as estratégias adotadas pelos atores para adaptar-se a elas.
3. Funções
Qualidade
docentes
como
Indicadores
de
A partir dos pressupostos considerados acima, levantamos a questão
que nos angustia “como avaliar o professor universitário?”. Entendemos que
5
Neste caso considera-se a localização da IES.
404
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
mecanismos de regulação da profissão docente são necessários, mas devem
respeitar a experiência do mestre e levar em conta os processos dinâmicos e
interativos da formação contínua, vividos em espaços concretos pelo coletivo
que constitui esse grupo profissional (LELIS, 2008).
O trabalho docente é complexo, por isso sentimos dificuldade em poder
avaliar a sua qualidade, pois ele é tecido por muitos fios, alguns de origem prática
e visível, outros de origem subjetiva e complexa. Dessa forma, entendemos a
avaliação do trabalho docente como algo subjetivo e, portanto, não passível de
padronização, pois se entendemos o professor como profissional e pessoa, o que
é padronizável está no nível profissional (que é o mais palpável), porém no nível
pessoal não há como padronizar nem como interpretar de maneira completa
quem é esse sujeito.
No caso da educação superior, enfatizamos a necessidade de que
professores e instituições desenvolvam um trabalho articulado e cooperativo.
As trajetórias formativas de ambos estão inter-relacionadas e o modo como
são vividas e percebidas determina o propósito pessoal/grupal e institucional
de transformação e aperfeiçoamento em direção a um ideal formativo comum.
Em razão disso, instituições e professores necessitam estar conscientes de suas
responsabilidades formativas (Isaia, 2006).
Vimos, a partir do desenvolvimento teórico dessa pesquisa, que a questão
qualidade não pode ser analisada de forma dissociada da pertinência da educação
superior, tendo em vista que a qualidade não é um atributo abstrato e sim que
deve ser comparada a outros padrões de referência (LEITE, TUTIKIAN, HOLZ,
2000). A partir dos conceitos e visões de qualidade discutidos em nossa pesquisa,
podemos observar que a proposição de indicadores que possam medir qualidade
da educação é um tanto complexa, pois há a necessidade de haver coerência entre
o conceito de qualidade adotado pela instituição responsável pela mensuração da
qualidade e os indicadores por ela propostos.
Como podemos ver durante a pesquisa, o INEP considera qualidade
como um conceito dinâmico e os indicadores de qualidade teriam a função
de colaborar na avaliação e melhoria da qualidade da educação. Dessa forma,
retomamos os dois princípios que caracterizam a definição de qualidade na
educação para a UNESCO/INEP: o primeiro trata do desenvolvimento cognitivo
dos alunos e o segundo trata da promoção de atitudes e valores de cidadania.
A questão que nos colocamos no final deste trabalho é: como está
estabelecida a relação dos indicadores de função docente (grau de formação,
regime de trabalho e sexo) com essa concepção de qualidade considerada pela
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
405
instituição que faz a avaliação da qualidade da educação superior em nosso país?
Esse questionamento é reforçado pela nossa constatação da falta de
indicadores que dêem conta da qualidade das funções docentes, conforme
visto no decorrer desse trabalho. Constatamos essa carência de indicadores por
termos uma concepção de que a qualidade da docência superior abarca muito
mais do que o grau de formação, o regime de trabalho e o sexo dos professores.
Entretanto, entendemos que “a análise do trabalho docente não pode limitar-se
a descrever condições oficiais, mas deve empenhar-se em demonstrar como os
professores lidam com elas, se as assumem e as transformações em recursos em
função de suas necessidades profissionais e de seu contexto cotidiano de trabalho
com os alunos” (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112). De acordo com Scremin,
Aimi e Isaia (2010), a noção de “carga de trabalho” é complexa pois abrange
vários fenômenos e elementos nem sempre quantificáveis.
Figura 1: Relações entre trabalho docente e qualidade da educação. Slide de Apresentação
XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - SCREMIN, AIMI,
ISAIA (2010).
Nesse mesmo trabalho, Scremin, Aimi e Isaia (2010) estabelecem
algumas relações entre a qualidade da educação e as implicações do trabalho
docente, conforme o esquema acima:
O trabalho docente é complexo, por isso sentimos dificuldade em
poder avaliar a sua qualidade, pois ele é tecido por muitos fios, alguns de
406
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
origem prática e visível, outros de origem subjetiva e complexa. Dessa
forma, entendemos a avaliação do trabalho docente como algo subjetivo e,
portanto, não passível de padronização, pois se entendemos o professor como
profissional e pessoa, o que é padronizável está no nível profissional (que é
o mais palpável), porém no nível pessoal não há como padronizar nem como
interpretar de maneira completa quem é esse sujeito (SCREMIN, AIMI,
ISAIA, 2010 p. 11).
Outro aspecto importante de salientar é o que o INEP entende por
Funções Docentes no plano conceitual e como esse conceito se aplica em
termos práticos na formulação dos indicadores de funções docentes. O INEP
considera funções docentes como uma função educativa, diretamente ligada
ao processo de ensino-aprendizagem, que exige formação pedagógica e
prática de ensino.6
Desse modo, podemos compreender o indicador de função docente
denominado Grau de Formação, pois esse, como vimos anteriormente, exige
certa formação para a docência superior, no entanto não estabelece a formação
pedagógica como requisito no processo formativo docente. Remetemo-nos,
assim, aos nossos referenciais teóricos que tratam justamente da formação
para a docência superior balizada por uma formação na área específica de
ensino atrelada a uma formação pedagógica em sentido mais amplo.
Desse modo, voltamos nossos olhares para a discussão da qualidade
do processo formativo do professor universitário que se caracteriza, segundo
Isaia e Bolzan (2008) por um “processo sistemático, organizado e autoreflexivo” (p. 513). Ainda de acordo com essas autoras, a qualidade do
processo formativo precisa considerar a especificidade própria da educação
superior, compreendendo seu estatuto epistemológico e metodológico que é
qualitativamente diferente da educação básica.
Ainda considerando o conceito de funções docentes proposto pelo INEP,
resgatamos o indicador de regime de trabalho que possibilita um panorama
sobre as condições de trabalho dos docentes nas IES públicas e privadas do
país, no entanto não está abarcado no conceito proposto anteriormente. O
regime de trabalho dos docentes universitários, sem dúvida, demonstra as
condições de trabalho com as quais se deparam os professores, principalmente
das IES privadas. Muitas vezes com uma carga de trabalho muito grande o que
impossibilita um processo de ensino-aprendizagem aliado a um processo de
reflexão contínua por parte do docente.
6
fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
407
Quanto ao indicador sexo, que se constitui como um questionamento
nessa pesquisa, pois, resgatamos os conceitos de indicadores de qualidade
e de funções docentes para que possibilitassem maior entendimento sobre os
dados que encontramos. No entanto, consideramos o indicador sexo como um
levantamento diagnóstico sobre a situação do quadro docente do ensino superior,
entretanto, entendemos que ele não define atributos de qualidade.
Resgatando o nosso objetivo central dessa pesquisa de traçar um perfil
institucional/docente de professores do ensino superior em universidades
privadas brasileiras, quanto às funções docentes, encontramos o seguinte:
- No decorrer dos três anos analisados, podemos percebemos que a maioria
dos professores, tanto nas particulares como nas comunitárias, confessionais
e filantrópicas tem a formação de mestre; aumentou o nível de formação dos
docentes para a atuação na profissão de um ano para o outro. Este fato pode
ser entendido, tanto a partir de contratações de docentes mais qualificados,
como pela busca da pós-graduação por parte dos professores já empregados.
Como já explicitamos anteriormente, a dinâmica de contratações possível nas
IES privadas possibilita um aumento muito rápido do nível de formação do seu
quadro de professores, dessa forma, chamamos a atenção para a situação do
docente que trabalha sem estabilidade, isto é, com a possibilidade da demissão
constantemente em sua vida;
- Os professores das universidades privadas brasileiras são, em sua
maioria contratados sob um regime de trabalho horista, o que permite a esses
docentes a dedicação para a docência em diversas instituições, pois segundo o
Cadastro Nacional de Docentes de 2005.1, embora em média 86,3% ministrem
aulas em apenas uma IES, é significativo registrar que a) 31.514 docentes atuam
em mais de uma instituição; b) 4.840 atuam em três ou mais de três IES; e c)
730 docentes atuam em quatro ou mais instituições. Esse regime de trabalho
nos indica também uma realidade desse profissional que tem uma relação com a
qualidade do trabalho que ele desempenha, pois o professor se transforma em um
mero “tarefeiro” que não tem tempo de refletir nem sobre a sua prática docente,
nem sobre as suas condições de trabalho;
- Esses professores são, em sua maioria, do sexo masculino. Ainda
que a predominância sobre o sexo feminino não seja expressiva, o ambiente
da universidade acaba retransmitindo experiências e obstáculos que homens e
mulheres enfrentam na sociedade em geral.
408
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Considerações Finais
Sendo assim, nos permitimos concluir que os indicadores de qualidade
da educação são estabelecidos mais fortemente, a partir de matizes políticas
que levam em conta a necessidade de regulação, mais do que a avaliação como
instrumento para a melhoria da qualidade do ensino oferecido, com indicadores
estabelecidos a partir de correntes teóricas coerentes. Dessa forma, segundo
Morosini (2004), frente a um Estado regulador, surge essa tendência isomórfica,
nos processos de avaliação o que leva as instituições a se expressarem através
da produção científica. Assim, o mecanismo de avaliação é suplementado por
uma série de outras informações que podem ser obtidas através de agências de
fomento, revistas renomadas, programas de ensino e pesquisa financiados, assim
como pela avaliação dos pesquisadores das IES.
Entendemos, ainda, que todos os processos de avaliação pelos quais
a educação está sujeita a passar, ainda não consideram a dimensão pessoal
dos sujeitos envolvidos nos processos educativos. Pois, basicamente, estamos
tratando de professores e alunos, e as preocupações da avaliação, seja ela
voltada para a regulação ou para a melhoria efetiva da qualidade, precisam ser
pautadas em princípios humanos.
A partir dos achados teóricos e das concepções sobre funções docentes,
entendemos que os três indicadores que representam as “Funções Docentes”
são demasiadamente rudimentares quando comparados à complexidade exposta
no conceito que o INEP adota para esse indicador. Desse modo, os indicadores
de qualidade da educação superior brasileira podem tentar avaliar a dimensão
profissional docente, mas não as pessoas efetivamente envolvidas, tendo em vista
a sua subjetividade. Sendo assim, os indicadores de função docente (Regime de
trabalho, grau de formação e sexo) têm uma contribuição que é parcial sobre a
avaliação da qualidade do trabalho do professor. Entendemos ainda que esses
indicadores, quando interpretados deixam lacunas no entendimento sobre o que é
válido em termos de avaliação da educação superior e o que não é.
Como podemos ver anteriormente, em nossa pesquisa, a avaliação em
nosso país está pautada em um modelo de universidade pública e federal, e esse
modelo muitas vezes não condiz com a grande maioria das instituições de ensino
superior que temos. Como vimos, as IES privadas são em maior número em
nosso país, justamente para atender a uma demanda de alunos que são excluídos
do ensino público. Dessa forma, reforçamos o argumento de que o sistema de
avaliação precisa ter uma base comum que seriam os indicadores quantitativos e
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
409
uma parte qualitativa que vai estabelecer se determinada instituição tem qualidade
levando em conta seu contexto, e a realidade da comunidade em que está inserida.
Sabemos, por exemplo, que há regiões de nosso país que a possibilidade de
formação universitária é algo distante da maioria da população, logo, um professor
que tenha o grau de especialização poderá, sem dúvida compor o quadro de docentes
de uma IES local e oferecer certa qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Já
em locais considerados centros de excelência em ensino e pesquisa, obviamente o
grau de formação dos professores da instituição serão os mais altos. Com isso, não
queremos negar uma educação de qualidade para algumas comunidades, mas sim
valorizar as IES dentro das suas especificidades.
A proposição de novos indicadores de qualidade para a educação superior,
obviamente é um desafio, pois acreditamos que a educação que é um processo
qualitativo, não pode ser avaliada por critérios unicamente quantitativos. Desse
modo, acreditamos que a avaliação da qualidade da educação superior poderia
ser, de fato, melhorada, a partir do acréscimo de informações qualitativas ao
sistema de coleta de informações. Poderiam ser criados indicadores subdivididos
em quantitativos (objetivando um diagnóstico) e qualitativos (objetivando as
especificidades individuais e institucionais).
Não desconsideramos, de forma alguma, a importância dos dados
quantitativos para essa avaliação, tendo em vista que eles se constituem como
instrumentos eficientes no levantamento diagnóstico sobre a situação da nossa
educação superior. No entanto, acrescentaríamos indicadores qualitativos
justamente com o objetivo de desvendar, de forma mais específica, quem são as
instituições as quais estamos avaliando, em que contexto estão inseridas, assim
como, quem são os professores e alunos que nelas estão.
Sendo assim, por considerarmos que os sistemas de indicadores têm
sido um dos instrumentos mais importantes e utilizados em âmbito mundial
para estudar e analisar o desenvolvimento, o desempenho e a qualidade dos
sistemas nacionais de educação, é que desenvolvemos este estudo com o intuito
de preservar as ações com resultados positivos e propor mudanças, quando
necessárias, no âmbito da avaliação da qualidade dos sistemas de educação.
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de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Presidência da República, 1996.
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Tecnico_Cadastro_Docentes2005_1.pdf (Acesso em 05/10/2008).
QUALIDADE E PROFESSOR SUBSTITUTO
Daniela da silva Aimi 1
Silvia Maria de Aguiar Isaia 2
Introdução
E
ste artigo apresenta um recorte dos resultados de uma pesquisa
realizada em nível de Mestrado, na linha LP1, do Programa de pósgraduação em Educação da UFSM e que teve por sujeitos professores substitutos
do sul do Brasil. A pesquisa inseriu-se também nos objetivos levantados pelo
projeto da RIES – Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior –
Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação CNPq/FAPERGS para
o OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO com o projeto: Indicadores de Qualidade
para a Educação Superior Brasileira - Edital nº. 001/2006/INEP/CAPES – 2006.
A problemática do texto decorreu de procedimentos metodológicos mais
amplos que permitiram uma discussão sobre o trabalho docente com professores
substitutos, que permitindo inferir condições de qualificação deste trabalho.
Neste sentido a investigação como um todo envolveu dois
questionamentos: Qual a realidade dos professores substitutos das IFES da
região Sul do Brasil?3 Como ser professor substituto contribui para a formação
docente. A primeira, de cunho geral, delineou o contexto em que a docência
ocorre; a segunda, de caráter mais específico, levantou questões sobre o processo
formativo de ser professor. Para tanto se utilizou os dados fornecidos pelas
universidades estudadas envolvendo os anos de 2006 a 2008 e questionários
semi-estruturados para 45 sujeitos que aceitaram colaborar com a pesquisa.
A partir dos achados foi possível fazer inferências à qualificação do
trabalho docente de professores substitutos. Buscou-se, no decorrer deste
trabalho, refletir sobre as ações que a atividade de professor substituto
Pedagoga; Especialista em Gestão Educacional; Mestre em Educação; Professora Tutora a Distância do Curso
de Pedagogia Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Participante do Grupo de Pesquisa Trajetórias de
Formação (GTFORMA) e do Observatório da Educação CAPES/INEP.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação; Professora do Mestrado
Profissionalizante em Ensino de Física e Matemática e Coordenadora Grupo de Pesquisas Trajetórias de
Formação (GTFORMA) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Professora Pesquisadora da
UNIFRA, BOLSISTA Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES na UFSM, Membro do PRONEX
– CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP.
3
A Universidade Federal do Pampa não foi incluída neste estudo por ter sido federalizada em 2008, bem como,
a Universidade Federal da Fronteira Sul, por ter sido implantada no ano de 2009.
1
412
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
envolve, analisando se essa experiência pedagógica auxilia no aprimoramento
e desenvolvimento do trabalho docente.
Parte-se do pressuposto de que o trabalho docente compreende não só o
que envolve o ensino e aprendizagem, mas, ainda, a participação do professor no
planejamento das atividades, na elaboração de propostas político-pedagógicas,
incluindo formas coletivas de realização do trabalho e articulação da universidade
com a comunidade. Sendo assim, a qualificação do trabalho docente envolve a
reflexão e a expressão dos docentes acerca de sua realidade de trabalho e das
relações sociais que a compõem.
O trabalho docente e a qualidade da educação
A problemática do trabalho docente e a qualidade da educação, no ensino
superior, envolvem uma série de questões, que vão desde a formação inicial,
passando pela discussão das condições de trabalho apresentadas pela instituição e
de como esses sujeitos são avaliados, ou seja, como o instrumento de avaliação é
organizado e com que objetivo é proposto. Porem, neste artigo propõe-se discutir
especificadamente, a partir dos dados levantados o que qualifica o trabalho docente
dos professores substitutos do Sul do Brasil.
Para isso, parte-se do questionamento: o que é considerado como qualidade
educacional nos dias de hoje? Essa pergunta pode ter muitas respostas, mas, como
se vive em um mesmo país e tempo histórico, é provável que muitas concepções
sejam semelhantes. Um ensino de qualidade, para muitas pessoas, é aquele no qual
os alunos tenham condições de aprender as necessidades básicas para sua vida e
profissão, o convívio em sociedade e noções do trabalho em grupo.
Qualidade, por tanto, é um conceito dinâmico e depende das necessidades
socioculturais da comunidade, por isso é reconstruído constantemente. Como
mostra o Projeto Observatório - Indicadores de Qualidade para a Educação
Superior Brasileira, 2006, qualidade é:
Um processo é um produto, um registro da memória coletiva
de um sistema ou de uma única instituição. É um exercício
de reflexão e auto-reflexão, de matematização e abstração
de indicadores tomados em base concreta. Resultado de um
processo interativo envolvendo vários atores de diferentes
visões disciplinares para construir um determinado percurso
que visa tornar o futuro presente (Projeto: RIES – Rede
Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
413
– Indicadores de Qualidade para a Educação Superior
Brasileira - Edital n. 001/2006/INEP/CAPES – 2006).
Com isso, percebe-se que a qualidade de um processo educativo não
pode ser mensurada num único momento, ou sob uma só medida. Nota-se que
qualidade nos remete a uma ideia de comparação, pois só poderemos dizer se um
objeto possui qualidade ou não se comparado a outro. De forma geral, a qualidade
educacional vem sendo mensurada de modo a explicitar um juízo de valor e mérito
(AIMI; SCREMIN; ISAIA, 2009).
Sendo assim, compartilha-se, neste artigo, do conceito de qualidade de
Isaia e Bolzan (2008, p. 511) “processo multifacetário, envolvendo questões de
ordem teórica, profissional, atitudinal, valorativa e contextual, sociocultural e
política”. Ou seja, atribuí-se maior importância para os indicadores qualitativos,
pois esses estão presentes durante todo o processo de docência.
Por sua vez, o trabalho docente é permeado por teoria e ações práticas e requer
reflexão teórica-prática permanente, aprofundamento e formação continuada. Sua
complexidade envolve a interação com alunos e colegas, planejamento e gestão
educacional do ensino, avaliação, transformações curriculares, etc...
Neste sentido, conforme (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 8) a docência
é “...uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade
em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente um
outro ser humano, no mundo fundamental da interação humana”.
Por isto o trabalho docente torna-se complexo e interativo e em constante
estado de tensão frente aos desafios impostos pela sociedade atual, cada vez
mais contraditória e complexa, que pressiona as instituições educativas e os
professores para que se transformem e adquiram novas competências, levando
os alunos a saberem lidar com uma avalanche de informações e mídias que os
afetam a todo instante.
O aprendizado sobre o trabalho docente começa por uma escolarização,
que serve para dar os primeiros subsídios teóricos e técnicos sobre a profissão.
Porém, mesmo assim, a formação tem de ser completada com a prática, ou
seja, uma experiência direta e refletida sobre a atuação docente. Experiência
esta que garante ao professor se familiarizar com o ambiente e assimilar
progressivamente os saberes necessários à realização de sua profissão. Essa
aprendizagem torna-se mais concreta à medida que assume a forma de relação
entre diferentes gerações pedagógicas.4
4
Conjunto de professores que se situam em uma mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores,
crenças, convicções e estilos próprios de entender e viver a docência. O contexto da educação superior
compreende uma multiplicidade de gerações pedagógicas que não só se sucedem, mas se entrelaçam em um
414
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Assim a relação entre pares passa a constituir-se em condicionante à
formação para a docência e a qualidade do trabalho do professor. O pressuposto
de que investir na formação do professor e na sua atualização pode ser um
fator determinante na melhoria da qualidade da educação, tem incentivado o
governo brasileiro a investir nessa área com maior intensidade nos últimos anos
(SCREMIN, AIMI E ISAIA, 2010).
Moran et al., (2000, p. 14), defendem que o ensino de qualidade envolve
muitas variáveis e entre elas pode-se citar:
− Organização inovadora, aberta, com um projeto pedagógico
coerente, dinâmico, participativo e inovador;
−
Infra-estrutura adequada, atualizada, confortável;
− Tecnologias acessíveis, disponíveis e adequadas;
− Profissionais preparados intelectual, emocional, comunicacional e
eticamente
− Condições de trabalho adequadas para estes profissionais, com
remuneração condizente com sua responsabilidade formativa;
− Tempo para os profissionais, pesquisarem e estudarem.
Além destes fatores as instituições de ensino superior têm atentado
para a questão da qualidade relacionada à qualificação do professor. Percebe-se
que cada vez mais as instituições públicas e privadas estão exigindo uma maior
qualificação profissional dos seus docentes, contudo a questão que se coloca é
sobre o que elas entendem por qualificação. Produção e titulação bastam para
a qualificação do trabalho docente?
Outro fator que baliza a questão da qualidade do ensino relacionase com a carga de trabalho que cada docente se envolve, isto é, as tarefas
concretas que são atribuídas aos professores. Segundo Tardif e Lessard (2002),
a carga de trabalho dos professores pode ser analisada de um ponto de vista
“administrativo”, definida em conteúdos e duração pela organização escolar em
função das normas oficiais; e do ponto de vista das exigências reais do trabalho
cotidiano. Segundo esses autores, as “condições de trabalho” são tidas como
variáveis que possibilitam descrever as dimensões quantitativas do ensino, sendo
que elas servem para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido,
assim como para contabilizar, avaliar e remunerar o trabalho docente.
mesmo percurso histórico, possuindo, contudo, modos diferenciados de participação, interação e compreensão
na trajetória formativa a ser empreendida pelos professores e a instituição em que atuam. (ISAIA, 2006, p.368)
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
415
O trabalho dos professores é regido por regras administrativas, mas
depende também do envolvimento do professor com sua profissão. Isso porque,
a docência é um trabalho de limites imprecisos e variáveis que se transformam
dependendo dos indivíduos e das circunstâncias (TARDIF; LESSARD, 2002).
Sendo assim, a tarefa de “medir” a “carga de trabalho” docente transformase numa tarefa complicada de ser quantificada. Tardif e Lessard (2002) apontam
os fatores que devem ser considerados na determinação da carga de trabalho dos
professores, entre eles encontram-se os fatores materiais e ambientais, os fatores
sociais, os fatores ligados ao “objeto de trabalho”, os fenômenos resultantes da
organização de trabalho e as exigências burocráticas.
Percebe-se assim, que o trabalho docente é complexo, pois ele é tecido
por muitos fios, alguns de origem prática e visível, outros de origem subjetiva
e complexa. Dessa forma, entende-se que qualquer tipo de avaliação realizada
acerca do trabalho docente não deve ser padronizada, acima de tudo, porque o
professor antes de ser um profissional é uma pessoa, o que é padronizável está no
nível profissional (que é o mais palpável), porém no nível pessoal não há como
padronizar nem como interpretar de maneira completa quem é esse sujeito. Com
base nesta concepção é que se buscou estabelecer as relações entre a prática
vivenciada pelos professores substitutos, aqui estudados, e a qualificação do
trabalho docente.
Os caminhos traçados com a teoria e a prática
A primeira variável relacionada à qualificação docente dos professores
substitutos diz respeito à titulação com a qual os docentes são contratados pelas
instituições de ensino (Gráfico 1). Sendo assim, encontrou-se uma grande maioria
de professores substitutos com a titulação de graduado ou mestre, essa característica
mostra como é importante essa experiência para os professores que estão iniciando
seu aprendizado docente. Fica claro, que a busca pela docência temporária é um
meio de aprender a ser professor, indo ao encontro das idéias de Pimenta (2002)
quando diz que o professor precisa ser formado. Entende-se que a experiência
como professor, substituto, constitui-se em uma das maneiras de formar-se como
docente. Para continuar com a carreira docente e chegar à universidade o professor
substituto pode lançar mão da contratação temporária.
416
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Gráfico 1 - Docentes substitutos por grau de titulação.5
Existem movimentos construtivos prévios à carreira docente (ISAIA
2001, 2006, 2010), experiências de natureza diversas, desde a iniciação cientifica
até o ensino superior, desenvolvido na figura do professor substituto. Muitos
professores dão-se conta que não possuem experiência em docência, com o
término da graduação ou mestrado e percebendo sua inclinação para a docência,
buscam a aprovação em concursos como professores substitutos. Isso mostra que
os docentes sentem a necessidade de formação que os remeta à possibilidade de
saber fazer, ou seja, aos poucos ir se apropriando das atividades específicas da
profissão professor.
Já com relação à amostra final, dos 45 professores participantes da
pesquisa, 51% dos sujeitos, possuíam a idade de 26 a 30 anos. Sendo assim,
percebe-se que a maioria dos professores substitutos são recém formados, de
graduação ou pós-graduação, que buscam uma experiência profissional, ou seja,
o primeiro emprego. Esses docentes sentem a necessidade de prática docente para
qualificar o trabalho docente, pois como explicitam Isaia e Bolzan (2006, p. 2),
“A formação inicial, tem sido considerada pelos professores muito teórica, pouco
prática, muito afastada da sala de aula”. Os professores substitutos buscam, com
essa experiência, o que não lhes foi explicado, aprendizagem que só ocorrerá com
a prática. Porém, essa experiência docente somente torna-se uma possibilidade
de formação, quando o sujeito compartilha, reflete e compreenda os movimentos
produzidos pela docência durante sua trajetória (ISAIA; BOLZAN, 2009).
Uma das variáveis que reflete na qualidade do trabalho docente referese ao regime de trabalho do professor substituto, durante o exercício do
Salienta-se que esse dado refere-se à soma total dos docentes estudados, ou seja, a todos os professores
substitutos da Região Sul do País durante os anos de 2006 a 2008.
5
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
417
contrato (Gráfico 2). Os números mostram que 67% dos professores substitutos
são contratados em 40 horas semanais e somente 33% em 20 horas. Esses
números ao mesmo tempo em que representam a grande falta de docentes
nas universidades, representam também a super utilização e falta de cuidado
didático com os docentes iniciantes.
Gráfico 2 - Regime de trabalho durante o
contrato de professor substituto.
Gráfico 3 - Carga horária semanal em sala de aula.
No que se refere ao regime semanal de horas/aula, constatou-se que 49%
dos participantes da pesquisa, tiveram um regime semestral de 12 a 18 horas/aula
e que, especificadamente, 25% tiveram 16 a 18 horas/aula semanais (Gráfico
3). Esses números mostram que todos os docentes com 40 horas de contrato se
envolveram com um número maior de horas, do que o previsto por leis, criadas
pelas próprias universidades.
Outro dado que mostra a precariedade das relações de trabalho dos
professores substitutos, é o referente ao número de disciplinas ministradas
durante o contrato. Dos sujeitos participantes da pesquisa, 40% atuaram de 4 a 6
disciplinas, 27% de 7 a 9 disciplinas, apenas 20% atuaram de 1 a 3 disciplinas e
13% dos sujeitos atuaram em mais de 9 disciplinas. Fica claro que, os professores
substitutos acabam com uma carga horária muito grande, isso limita suas
418
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
atividades exclusivamente ao ensino, mesmo esses sendo profissionais muito
bem qualificados (lembrando que 64% dos sujeitos da pesquisa são mestres),
e sua contratação indiscriminada afeta o desenvolvimento da pesquisa e da
extensão (KOEHLER, 2006).
Ainda com relação às disciplinas ministradas, percebe-se que muitos
professores substitutos atuam em mais disciplinas, das que constam no edital.
Além, disso, 51% dos professores participantes da pesquisa, informaram que
atuaram em cursos diferentes dos que constava no edital de seleção. Sendo que,
dentre esses 27% atuaram em mais de 3 cursos diferentes, 29% em mais de 2,
13% em mais de 4 e 5 cursos, perspectivamente, 7% em mais de 6 e apenas 9%
em apenas um curso.
Quando analisados os dados referentes às atividades acadêmicas
desenvolvidas pelos professores, além da docência encontra-se que 35%
dos docentes não se envolveram em nenhuma atividade, além da docência.
E em 21% e 20% realizaram orientação de trabalho de conclusão de curso
e orientação de estágio profissional, respectivamente, ou seja, atividades
relacionadas à docência, sendo que apenas 10% dos sujeitos orientaram
projetos de pesquisa, uma excepcionalidade nas instituições, uma vez que
o regulamento para o professor substituto prevê a exclusividade do ensino.
Gráfico 18 - Atividades desenvolvidas na IES, além da docência.
Um percentual que merece atenção especial é o de orientação de projetos
de extensão e assessoramento técnico, ambos com 7%. Porém, o dado que chama
atenção é que 24% (10% orientação de projetos de pesquisa, 7% orientação de
projetos de extensão, e 7% assessoramento técnico) dos sujeitos se envolveram
com atividades relacionadas à pesquisa, extensão e trabalhos técnicos, mesmo
que a Lei nº. 8.745/93, no artigo 9º, parágrafo 1º, estabelecer que o pessoal
contratado não poderá: receber atribuições, funções ou encargos não previstos
no respectivo contrato. Percebe-se assim, que existe uma grande contradição,
uma vez que o professor substituto atua em outras atividades, porém não é
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
419
estimulado pela legislação, mas mesmo assim elas acontecem sob a cumplicidade
das instituições, em especial, dos departamentos de ensino para os quais foram
contratados para atuar.
Um dos fatores que determina a qualidade de uma aula e,
consequentemente, a maturidade e os conhecimentos docentes são os materiais
utilizados para o preparo da aula e demais materiais pedagógicos. Nesta questão
de pesquisa, solicitou-se que os professores escolhessem duas alternativas, que
se adaptassem aos seus modos de produção acadêmica. Sendo assim, 82% dos
sujeitos indicaram que produzem suas aulas a partir de livros, 71% através de
informações pesquisadas na INTERNET, o mesmo percentual foi encontrado na
utilização de artigos em revistas especializadas, 64% utilizam capítulos de livros,
15% de apresentação de encontros científicos, 4% de resultados de conferências
e palestras e 6% utilizam outra forma de produção acadêmica.
Neste contexto, apropriando-se do termo apreender, cunhado por Pimenta
e Anastasiou (2002), entendido no sentido de apropriar-se de um conteúdo, de
modo que haja a transformação da informação em conhecimento significativo,
questiona-se: no caso dos professores substitutos, com grande carga horária,
exercendo várias atividades além da docência, utilizando-se de consultas e
contatos via INTERNET, artigos científicos publicados em livros e/ou capítulos
de livros, teria ele condições de transformar a informação em conhecimento,
como a autora descreve? E, ainda, ele consegue refletir sobre sua prática, agindo
assim de forma consciente sobre a aprendizagem do aluno? Acredita-se que é
possível, pois mesmo esse docente sendo temporário, ele busca viver ao máximo
essa experiência, demonstrando aos alunos o “entusiasmo” docente. Porém,
sabe-se que para que isso ocorra, mesmo que um contrato temporário o tenha
levado até a docência, ele deve se sentir aceito dentro da instituição, por seus
pares e alunos. Outra variável que determina a qualificação do trabalho docente dos
professores substitutos refere-se à formação, ou seja, se a mesma forneceu
subsídios para a sua atuação, 57% dos professores responderam que sim.
Porém, muitos desses docentes alegaram que as disciplinas cursadas em nível de
graduação e pós-graduação, é que realmente contribuíram com suas formações,
como explicitam PS/34 e PS/23:
Sim. As disciplinas que ministrei aula faziam parte de minha
formação de graduação (PS/45).
420
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Sim. Porque cursei a maior parte delas tanto em nível de
graduação quanto de pós-graduação (PS/23).
Uma grande porcentagem dos sujeitos pesquisados, 42%, responderam
que a formação auxiliou em parte, no momento do exercício da docência. Essa
resposta confirma os dados encontrados anteriormente, deixando claro que
os professores substitutos atuam em áreas distantes da sua formação. Como se
percebe nas falas que seguem:
Em parte. Porque atuei em cursos que não fizeram parte de
minha formação a graduação (PS/37).
Em parte. Sou graduada em nutrição e tenho conhecimento de
ciências básicas da saúde, mas tive de lecionar para medicina
veterinária que requer conhecimentos bastante específicos
para as diferentes espécies de animais domésticos (PS/43).
Em parte. Sou graduada arquitetura e tive de dar aulas
para a engenharia, o que requeria conhecimentos bastante
específicos na engenharia. Tive de realizar muitos estudos
específicos sobre esse curso (PS/24).
Outros sujeitos, já desenvolveram uma maior consciência sobre a
docência, percebem que a atividade docente é complexa passando a exigir maior
maturidade e comprometimento, como fala o PS/14,
Em parte. Pois o curso apresentava os conteúdos de forma superficial,
e eu não possuía maturidade para estudar conteúdos por fora. Por isso tive de
estudar muitas coisas no momento que fui dar aulas.
Percebe-se que o principal foco de angustia docente é a centração no
conteúdo especifico da disciplina. Esses docentes consideram que a qualidade
pedagógico-didática virá juntamente com o pleno domínio dos conteúdos do
conhecimento logicamente organizado, ao mesmo tempo em que, percebem que
essa qualidade vai sendo adquirida ao longo da própria prática docente. Esse
processo pode ser chamado de consciência da docência e perfaz o processo
formativo que os professores iniciantes constroem. Sendo assim, esse processo
implica na tomada de consciência da especificidade da docência superior,
considerando o conhecimento do conteúdo específico, ou seja, conceitos básicos
de determinada área que implica no modo de compreender seu processo de
construção e de como (ISAIA; BOLZAN, 2009). Mas este professor precisa
dar-se conta de que além de possuir um conhecimento consistente de sua área
específica, necessita compreender o modo como seus alunos aprendem e de que
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
421
forma podem ser auxiliados neste processo. Tal consciência pode mobilizar
movimentos de reorganização do trabalho pedagógico da aula universitária.
Dessa forma o docente não está apenas preocupado em dominar conhecimentos,
saberes, fazeres de determinado campo, mas estar em sintonia com as demandas
pessoais e profissionais dele e de seus alunos. (ISAIA 2010)
Partilha-se da idéia de Cunha (1989), que existe entre o aluno e o professor
um jogo de expectativas relacionadas aos respectivos desempenhos, há certo
consenso sobre os comportamentos que os discentes esperam dos professores.
Com relação aos requisitos mais citados pelos sujeitos participantes
da pesquisa para ser um bom professor universitário, encontrou-se: como
requisito principal o domínio do conteúdo (42,25%), após a formação
pedagógica (24,4%), a vocação para a profissão docente (22,2%), a experiência
prática na área de formação (15,5%) e a experiência docente (11,1%). O que
confirma a primazia do conhecimento específico, considerada também, como
uma marca dos professores iniciantes. Os professores com mais experiência
também apresentam essa característica, porém com menos intensidade.
Esse conhecimento, que os professores tanto valorizam, diz respeito aos
conhecimentos sobre a matéria a ser ensinada, ou seja, elementos conceituais
e organizacionais dos conteúdos, informações e definições das disciplinas
ministradas (ISAIA; BOLZAN, 2009).
Partindo do pressuposto que, os professores do ensino superior
constroem-se ao longo de suas trajetórias formativas, a experiência como
docente substituto se não marca o início, sem dúvida alguma contribui para essa
trajetória. Essa afirmativa confirma-se na fala de 100% dos sujeitos estudados,
como fica evidenciado pelo professor PS/08,
O exercício da profissão de professor efetivo nas Universidades deveria
ter como pré-requisito a atividade de professor substituto. Uma forma gradual
de entrada do profissional em atividade docente permitiria habilitar melhor os
professores, uma vez que existem muitas reclamações dos alunos [...] A atividade
de professor substituto contribuiu decisivamente como primeira e proveitosa
experiência em minha formação para a carreira de docente, colocando-me frente a
frente com a situação real que provavelmente serei submetido no futuro. Embora
que eu ainda possa não seguir a carreira docente, as demais atividades profissionais
que o mercado de trabalho tem exigido contemplam em grande parte o que um
professor substituto enfrenta durante o cumprimento do contrato (PS/08).
A fala deste professor evidência como foi marcante, para sua trajetória,
a experiência como professor substituto. Sendo que, esse processo não envolve
422
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
apenas o docente substituto, mas implica na trajetória formativa dos outros
professores e alunos, com seus respectivos processos de aprender e com as
diferentes oportunidades de desenvolvimento profissional docente daí resultantes.
Essa experiência marca o percurso docente,6 e no decorrer dessa
trajetória o professor forma-se e transforma-se, através da interação com os
grupos que lhe são significativos, esses grupos podem ser formados por alunos,
colegas ou pelos demais integrantes da comunidade educativa (ISAIA, 2006). O
professor PS/09 e PS/43 salientam ainda que,
Sim. Acredito que minha atuação na universidade foi
fundamental para o meu crescimento pessoal e profissional,
bem como para o aprofundamento no conteúdo ministrado
(PS/09).
Sim. Pois possibilitou o meu crescimento pessoal e
profissional, possibilitando meu amadurecimento e
aumentando as chances de ser um docente do ensino superior
(PS/43).
Apesar da maior tônica na área específica de conhecimento os profissionais
que atuam como substitutos buscam os conhecimentos didáticos específicos de
cada disciplina, demonstrando sua implicação com o processo formativo.
Desse modo, estes sujeitos também sentem-se responsáveis pela formação
de futuros profissionais. Esta característica também foi muito encontrada, como
podemos observar na fala dos seguintes professores,
Sim. Porque essa experiência traz consigo a necessidade de
um constante estudo e reflexão, pois sou responsável pela
formação de futuros formadores o que fez eu crescer muito
profissionalmente e pessoalmente (PS/28).
Sim. A oportunidade de ser professor da universidade é uma
experiência singular, pois nos coloca como responsáveis pela
formação de outros profissionais e isso faz com que as nossas
preocupações com a formação dos alunos seja maior (PS/35).
Deste modo, observa-se que esses docentes encontram-se conscientes da
necessidade de que suas aulas tenham qualidade e potencial de aprendizagem,
visto que atuam como professores formadores de outros profissionais.
6
O percurso docente é, concebido como um processo complexo que envolve momentos de crises, recuos,
avanços, descontinuidades e relativa estabilidade, representativos das mudanças ocorridas, tanto no plano
pessoal quanto profissional. (RIEGEL, 1979; ERIKSON, 1998; HUBERMAN, 1989).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
423
Partindo para as preocupações pedagógicas encontradas pelos docentes
durante a realização do contrato, é possível evidenciar-se os seguintes destaques:
organização e o domínio de conteúdo, a falta de tempo para planejar, corrigir
trabalhos e organizar as matérias, a organização didática, a organização de
planejamento, as relações interpessoais e as formas de avaliação.
Chama a atenção o fato de que, mesmo os professores substitutos
tendo encontrado muitas dificuldades durante seus contratos, muitos ainda
apresentam sentimentos positivos com relação à experiência e explicitam o
desejo de continuar atuando neste nível, mesmo como substitutos novamente.
Esse sentimento relaciona-se principalmente ao fato dos mesmos terem sido
reconhecidos como docentes, pelos seus pares e alunos. Observa-se isso, quando
solicitado aos docentes, determinar quais as situações que mais lhes marcaram
durante a atuação como professor substituto. A importância dessa aceitação é
expressa pela fala de muitos deles,
A boa receptividade às minhas aulas (PS/12).
Houve algumas situações em que os alunos vieram elogiar
a minha aula, avaliando-a muito bem, fiquei muito feliz
(PS/18).
Crescimento profissional dos alunos; meu amadurecimento
docente (PS/27).
Ter recebido uma festa surpresa dos meus alunos no final do
semestre (PS/32).
Reconhecimento pelo trabalho por parte dos colegas (PS/34).
Ser homenageada pela turma de formandos; ser vista como
docente de uma instituição federal (PS/34).
E quanto às impressões negativas? Elas existem sim, como em todo ser
humano dotado de percepções, os professores substitutos expressaram algumas,
como podemos perceber a seguir,
Pouco tempo para a preparação e o planejamento das aulas;
dificuldades de relacionamento com professores antigos;
funcionários ausentes (PS/03).
Grande falta de equipamentos e infra-estrutura física; ter
avaliação positiva dos alunos no final de cada semestre
(PS/06).
424
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Falta de recursos para dar aos alunos um ensino de qualidade;
relação amigável com os alunos, orientando-os e dando
conselhos para atuar em alguma área de interesse (PS/10).
Excesso de disciplinas ministradas; relação positiva com os
alunos e professores (PS/19).
Carga horária elevada e remuneração desproporcional;
contato com alunos e colegas professores (PS/37).
Nota-se que, com a exceção do PS/03, todos os professores substitutos,
quando exteriorizaram algum tipo de impressão negativa, logo em seguida
explicitaram uma positiva. Os sentimentos apresentados, não demonstram ter
prejudicado a satisfação e contentamento desses sujeitos com o trabalho docente.
Isso porque, este se constitui de uma atividade que liga diretamente seres
humanos, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto”
de trabalho, que é justamente um outro ser humano, e dessa interação surge os
mais diversos “resultados” (TARDIF; LESSARD, 2005). Ainda mais quando
se vive em um ambiente complexo e interativo, que se encontra em constante
estado de tensão devido aos desafios que a sociedade impõe.
Paranão finalizar e sim questionar: O que qualifica
o trabalho docente do professor substituto?
Das análises precedentes, surge uma constatação geral: esses docentes
estão se qualificando/construindo como docentes em dinâmicas relacionais,
conseguindo produzir conhecimentos, dentro das relações, muitas vezes tensas,
construídas dentro da instituição. Ou seja, os fundamentos do ensino são, a um
só tempo, existenciais, sociais e pragmáticos. Ressalta-se a importância dessa
experiência para os professores substitutos, pois a mesma tem um importante e
necessário papel, para a identificação e construção dos conhecimentos, atitudes
e convicções desses professores.
Percebe-se que o trabalho docente desses sujeitos é permeado por
uma busca constante de oportunidades de formação, na medida em que estes
sujeitos procuram participar ativamente de todas as atividades que envolvem
a instituição de ensino a qual pertencem. A complexidade das relações
envolve desde a interação com alunos e colegas, até planejamento e gestão
educacional do ensino, avaliação, transformações curriculares, etc...
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
425
Encontrou-se nestes sujeitos, também a consciência acerca da
responsabilidade pela formação de futuros profissionais, bem como o
compromisso com a cultura acadêmica no qual encontra-se inserido.
Em suma, o professor substituto, constrói-se e qualifica seu trabalho
docente a partir dessa experiência, e as bases para essa construção não é somente
a intelectual, mas também a partir de sua história de vida, constituída de aspectos
emocionais, afetivos, pessoais e interpessoais, demarcados Todos os desafios
impostos pela sociedade atual, cada vez mais contraditória e complexa, que
pressiona as instituições de ensino e os professores para que se transformem
e adquiram novas competências, torna-se um fator de auxilio aos professores
substitutos na pela possibilidade de desenvolvimento pessoal e profissional.
A experiência como professor substituto permite que esses docentes
se qualifiquem, através da prática vivenciada, entrelaçada em seus fazeres e
saberes pedagógicos e docentes.
Evidencia-se assim, que mesmo apesar das limitações impostas pelas
condições de trabalho vividas pelos professores substitutos, eles encontram
durante seus contratos uma possibilidade concreta de construção e encontro com
o trabalho docente. Isso porque, essa experiência representa uma possibilidade
concreta de reflexão sobre teorias, produzindo conhecimentos e saberes referentes
à docência universitária.
Não resta dúvida da importância da qualificação do trabalho docente, que
parte da experiência de substituto, para o desenvolvimento futuro do trabalho
pedagógico dos professores substitutos, bem como se acredita que os mesmos
são capazes de construir novos saberes que os auxiliam no momento de enfrentar
as diversas situações que se manifestam no cotidiano institucional.
Sendo assim conclua-se que, a experiência como professor substituto em
uma instituição de ensino superior, representa uma possibilidade concreta de
desenvolvimento e qualificação do trabalho docente.
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SCREMIN, G. et al. Trabalho docente como possibilidade formativa:
reflexos na qualidade da educação. In: ANAIS DO XV ENDIPE –
ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente:
políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: Elementos
para uma teoria da docência como profissão de interações humanas.
Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
QUALIDADE E DISCENTES
Cecília Machado Henriques1
Silvia Maria de Aguiar Isaia2
Introdução
O
s resultados ora expostos são oriundos da pesquisa intitulada “A
universidade pública como espaço de formação: um estudo a partir
de vozes discentes”, realizada ao longo do curso de mestrado em Educação
na Universidade Federal de Santa Maria, cujo objetivo era investigar qual o
entendimento dos discentes sobre a formação profissional oferecida na UFSM
e sobre a formação de seus docentes.
Ao realizar esta pesquisa propomos dar voz aos discentes de graduação para
responder a questão que tanto nos envolveu ao longo das discussões sobre formação
docente e profissional no Grupo de Pesquisa Trajetórias da Formação – GTFORMA:
Qual o entendimento dos discentes sobre a formação profissional oferecida na UFSM,
considerando elementos estruturais e organizacionais e a formação de seus docentes?
Assim nosso objetivo foi, a partir do olhar discente, saber como a
formação docente é percebida pelos alunos e se as práticas docentes realizadas
na graduação vão ao encontro dos anseios e exigências deles, principalmente
porque a educação superior é constantemente reforçada como elemento essencial
na formação de mão-de-obra especializada e apta a lidar com um mundo
globalizado e em constante transformação.
Nesse sentido, acreditamos ser necessário pesquisar a formação profissional
realizada em nível superior para compreendermos qual o envolvimento entre IES e
professores, em se tratando dos aspectos formativos e de atuação como facilitadores
e agentes de mediação conteúdo-alunos, e qual o envolvimento dos alunos, futuros
profissionais de diferentes áreas de formação, em sua própria formação.
Desse modo, a escolha desta temática se prendeu ao fato de que,
paradoxalmente, ao mesmo tempo em que o aluno é sujeito da aprendizagem,
constantemente, as investigações sobre formação universitária têm seus estudos
centrados na formação docente e nas práticas metodológicas, deixando o aluno,
receptor ora ativo, ora passivo das propostas das IES, fora dos estudos acerca
Pedagoga. Mestre em Educação pela UFSM.
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora pesquisadora
da UNIFRA, Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq, Coordenadora da RIES e do Observatório da
Educação na UFSM.
1
2
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
429
da formação oferecida. Logo, há necessidade de um estudo sistemático sobre a
temática, pois os estudos realizados ainda não são vistos essencialmente sobre
o viés do aluno universitário.
A literatura sobre a relevância da educação superior é abundante
(BUARQUE, 2003; DIAS SOBRINHO, 2002, 2005; LUCCHESI, 2002;
SANTOS, 2005; dentre outros autores), bem como são inúmeras as investigações
sobre formação docente (CUNHA, 1989; ISAIA, 2004, 2006a, 2007;
IMBERNÓN, 2005; MARCELO GARCIA, 1999; ZABALZA, 2004; dentre
outros autores). Estes trabalhos envolvem tanto os aspectos organizacionais
das instituições de ensino, quanto o desenvolvimento pessoal e profissional dos
docentes e a formação inicial e continuada destes.
Há ainda vasta bibliografia sobre os aspectos que influenciam a oferta
de uma educação de qualidade (BALZAN, 1988; MOROSINI, 2002, 2008;
BERTOLI, 2007). Os estudos sobre qualidade sempre envolveram os diferentes
níveis escolares, porém, nos últimos anos, os pesquisadores têm se voltado
para a formação realizada no nível superior, sobretudo pela relevância que este
nível de ensino adquiriu na sociedade, uma vez que é considerado como um
dos pilares para a mobilidade social e para a melhoria da qualidade de vida dos
sujeitos. Por outro lado, os estudos sobre os alunos universitários são escassos
e sua maioria tem como objetivo estudar turmas ou grupos de alunos de cursos
específicos, havendo poucos estudos que tem como objetivo estudar o aluno
universitário de forma mais ampla.
Constantemente a formação de mão de obra especializada tem sido
enfatizada por diversos organismos como fator essencial para o crescimento
econômico, dentre os quais se destacam a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio
(OMC) e o Banco Mundial (BM). A justificativa é de que desses investimentos em
educação resulta o bem-estar das sociedades e maior capacitação e especialização
da população, bem como, retornos econômicos em bens e serviços e facilidade
na absorção de novas tecnologias. Além disso, a qualidade nos sistemas
educacionais gera impactos em indicadores sociais como mortalidade infantil,
desnutrição, distribuição de renda. Logo, a educação é aceita como um meio
tanto para reduzir desigualdades e desenvolver aspectos sociais, quanto para o
crescimento da economia e o aumento da produtividade.
Assim, a formação promovida nos cursos de graduação requer um olhar
sobre as exigências da nova ordem social, pois o conhecimento passou a ter
papel de destaque na sociedade e o grande desafio da educação superior passou a
430
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
ser a incorporação de novas modalidades de aprendizagem baseada no trabalho,
uma vez que nos últimos anos também vem ganhando força à idéia de que a
formação universitária tem de estar vinculada à profissionalização.
Logo, refletir sobre a universidade e as ações formativas nela
desenvolvidas pode ir ao encontro das exigências da sociedade atual. Nesta visão,
a organização institucional tende a se direcionar para as exigências econômicas e
sociais da atualidade, ou seja, há a necessidade de novos sistemas que respondam
às exigências do cenário globalizado, que promovam a troca de saberes com
a sociedade e coloquem as instituições em confluência com as exigências do
mundo do trabalho e das relações interpessoais.
Nesse sentido, os estudos sobre os alunos universitários são importantes
contribuições para a organização das instituições de ensino superior, uma vez
que são responsáveis diretas pela qualificação profissional destes sujeitos. Para
tanto, cabe destacar que entendemos por qualificação profissional a busca que os
sujeitos fazem com o objetivo de melhorar o desempenho de suas atividades. Logo,
acreditamos que esta não pode ser considerada como sinônimo de capacitação
e aperfeiçoamento, ou seja, realizada de forma fracionada, pois a formação
profissional é algo que implica a aquisição de conhecimento e competências de
forma contínua, não tendo início ou fim em momentos definidos.
Assim, o desenvolvimento profissional é algo que acontece ao longo de
toda a vida, sendo influenciado tanto por suas decisões anteriores ao ingresso
em um curso de graduação, quanto posteriores. Portanto, a freqüência a
um curso de graduação é apenas o que marca a escolha e o direcionamento
da qualificação profissional em uma área específica do saber, sendo esta
escolha fruto de diferentes influências. Para tanto, a profissionalização, ao
ser entendida como o conjunto de habilidades, características, capacidades
e conhecimentos que cada sujeito precisa possuir para exercer a profissão
escolhida envolve um caminho a ser percorrido ao longo de toda a vida, o
qual se inicia antes mesmo do ingresso em um curso de graduação, mas é
este, porém, que ratifica a escolha inicial.
Logo, para compreender mais profundamente o desenvolvimento
profissional que ocorre ao longo de um curso de graduação, é preciso
compreender não só como as IES promovem a formação de seus discentes,
como também quais expectativas quanto à formação profissional docente os
discentes possuem e se estas expectativas são correspondidas ou não durante
o período em que estão vinculados ao curso.
Diante disso, esta proposta de estudo foi uma tentativa de apreender qual
o entendimento dos discentes sobre a formação oferecida na universidade, como
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
431
percebem a formação dos seus docentes e se estas vão ao encontro de suas exigências,
bem como a avaliação que fazem de seus cursos e dos recursos disponíveis na
instituição, pois entendemos que a formação profissional realizada na graduação
é composta por uma soma de fatores que se complementam, tais como: estrutura,
formação docente, atividades complementares, estágio e monografia, dentre outros.
Assim, para alcançar o objetivo inicialmente proposto, organizamos
uma pesquisa de exploratório, descritiva e analítica que teve como apoio a
abordagem quali-quantitativa (BICUDO, 1997; TRIVIÑOS, 1987; GIL, 1994).
Quanto aos instrumentos para a coleta de dados, utilizamos o questionário
estruturado (BARBETTA, 2004).
A coleta de dados foi realizada com alunos e ex-alunos da Universidade
Federal de Santa Maria. Porém, para compor a amostra, os alunos deveriam:
a) ter realizado, no mínimo, 75% das disciplinas do curso de graduação; b) ter
concluído o curso de graduação no segundo semestre de 2009; c) ter concluído
o curso de graduação no segundo semestre de 2009 e ter sido aprovado para
algum curso de pós-graduação na instituição.
O grupo participante contou com 272 alunos, sendo que destes 74,6%
corresponderam ao bacharelado e 25,4% à licenciatura, distribuídos na faixa
etária entre 21 e 25 anos, sendo que 87% dos alunos estavam matriculados em
cursos de pós-graduação na instituição. Optamos por este perfil de aluno por
entendermos que o estudante que se encontra em fase de conclusão de curso ou
que já o concluiu pode ser considerado portador de várias experiências que os
alunos dos semestres anteriores não possuem, tais como realização de estágios
curriculares obrigatórios e extracurriculares, envolvimento em pesquisas,
realização de trabalho de conclusão de curso.3 Envolvimento em diretórios
acadêmicos e conselhos, participação em eventos, dentre outros.
O olhar do aluno sobre sua formação na ufsm
Quanto à apreciação que os alunos fazem de seus cursos, a maioria deles
acredita que deveria ser exigido mais deles e avaliam o currículo do curso como
relativamente integrado, já que as disciplinas se vinculam por blocos ou áreas
de conhecimento afins. Já quanto à principal contribuição do curso, as mais
apontadas são “aquisição de formação profissional”, “a aquisição de formação
teórica” e “a obtenção de diploma de nível superior”.
3
Em algumas instituições nomeado como Trabalho de Conclusão de Graduação ou Trabalho Final de Graduação.
432
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Questionados sobre as atividades realizadas ao longo da graduação,
91,2% afirmaram ter participado de alguma atividade ao longo do curso vinculada,
em sua maioria com sua área de interesse. As respostas dos alunos indicam que
ainda prevalece na instituição a participação em atividades de pesquisa,4 de
extensão e a realização de estágios extracurriculares. Outras atividades não são
tão procuradas pelos alunos ou ainda, pouco divulgadas e estimuladas, como
é o caso das Empresas Junior, nas quais os alunos podem colocar em prática
os conhecimentos adquiridos ao longo do curso de graduação e manter contato
direto com o mercado de trabalho e, para isso, recebem acompanhamento de
professores envolvidos com as empresas juniores. Também projetos sociais e
organizações não-governamentais (ONG’s) ainda têm pouca expressão, bem
como a participação em espaços de politização dos estudantes,5 tais como
Diretórios Acadêmicos e Diretório Central dos Estudantes.
Segundo os alunos, o envolvimento em atividades extracurriculares
possibilita adquirir experiência prática e ter contato com a profissão, identificar
alguma especialidade de maior interesse na área, fornecer uma visão diferente
e mais ampla daquela vivenciada em sala de aula, oferecer oportunidade
de aprofundamento teórico em assuntos de interesse e aperfeiçoamento do
conhecimento técnico, bem como crescimento pessoal, melhorar as habilidades
técnicas e contribui também para posterior ingresso em cursos de pós-graduação.
Já especificamente sobre os estágios extracurriculares, os alunos que
afirmam não ter realizado (35%) apresentaram como justificativas a falta de
tempo, falta de oportunidade, falta de esclarecimento a respeito, excesso de
carga horária semestral, não existir estágio na área, desinteresse, estar estudando
para concurso, ter realizado outras atividades, o curso não exigir que se faça
estágio extracurricular, porque se dedicaram a estudar para a pós-graduação e
porque não quiseram. Já entre os alunos que afirmaram ter realizado o estágio
extracurricular, predominam períodos curtos de até um ano de vínculo e a maioria
aponta que as atividades desenvolvidas nos estágios estavam, em sua maioria,
vinculadas ao curso realizado e a formação pretendida.
Os principais aspectos que os alunos destacam como positivos são: o
conhecimento, a aprendizagem prática, a experiência profissional, a remuneração,
o amadurecimento pessoal, a possibilidade de conhecer profissionais e o mercado
de trabalho, a aprendizagem de novos idiomas e ter certeza se realmente quer seguir
38% dos alunos que participam de projetos de pesquisa indicaram ter bolsa de Iniciação Científica.
É expressão do processo de construção e afirmação de uma identidade política e social durante o período
de vida acadêmica do estudante. Notas: diz respeito a formação de uma consciência social do estudante sobre
a necessidade de sua participação na vida política da academia e do país. Compreende uma visão de mundo,
representações e valores relativos às classes sociais em suas relações na sociedade (LEITE, 2006).
4
5
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
433
na profissão. Já os pontos negativos apontados pelos alunos são: a falta de tempo
para estudar para as provas e se dedicar mais ao curso, o uso do tempo de descanso
como férias e fins de semana para o estágio, o horário inflexível das empresas, a
realização de tarefas que não estão relacionadas ao curso/profissão, pouca autonomia
ou possibilidade de desenvolver algo novo, a desvalorização, o baixo incentivo/
apoio das coordenações de curso, inclusive quanto à organização dos horários das
disciplinas, a baixa remuneração e as condições de trabalho precárias.
Nesse sentido, é importante que os cursos estimulem aqueles alunos que
querem realizar estágios extracurriculares e os acompanhem no desenvolvimento
de suas atividades, que ofereçam grades de horários mais flexíveis e que tenham
grupos de professores disponíveis para ajudá-los em suas dúvidas e necessidades
durante a realização dos estágios, uma vez que os alunos parecem crer que são
verdadeiros momentos de aprendizagem prática que lhes são proporcionados.
Sobre a realização de monografia e estágio curricular,6 dos alunos que
responderam a essa questão, 24,6% dos participantes da pesquisa, a maioria dos
alunos avaliou o acompanhamento recebido ao longo da realização da monografia
e do estágio curricular como bom ou muito bom. As respostas dos alunos nos
mostram que o acompanhamento dos alunos que realizam monografia e estágio é
freqüente, o que pode ter influenciado também a avaliação positiva que fizeram sobre
o acompanhamento para a realização de ambos.
A presença do orientador como representante da instituição de ensino
é, a nosso ver, de fundamental importância tanto na realização da monografia
quanto do estágio curricular obrigatório e de seu relatório, uma vez que é um
momento de aprendizado do aluno e construção de conhecimento e quando
também deve refletir sobre sua formação profissional.
Parece-nos significativo que esta seja uma prática comum na universidade
e que estes índices sejam melhorados, pois se o estágio curricular obrigatório é
umas das etapas que antecede o ingresso do futuro profissional no mundo do
trabalho, deve ser valorizado, repensado e aprimorado constantemente. Sobre
isso, Pimenta7 (1994) destaca que o exercício de qualquer profissão é prático,
pois se trata de fazer “algo”, executar uma “ação”, então, se o curso tem como
função preparar futuros profissionais para a prática, deve preocupar-se com
a prática. Nesse sentido também é preciso “superar a visão fragmentada da
dinâmica curricular dos cursos em si e a função prática reservada ao estágio
O estágio curricular é componente obrigatório, diferentemente do estágio extracurricular, mencionado
anteriormente.
7
Pimenta refere-se a formação do professor, mas consideramos que sua colocação é pertinente também às
outras profissões.
6
434
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
entendido como objeto de avaliação final ou como complemento da formação
profissional” (MARQUES, 2006, p. 94).
Sobre a atuação docente, os alunos apontam que predominam as
aulas expositivas e aulas expositivas com a participação dos estudantes, que
os professores discutem os planos de ensino, que a relação entre conteúdo e a
prática profissional é feita, sobretudo com a utilização de exemplos, mas que
alguns professores também utilizam atividades práticas e relatam sua experiência
pessoal de atuação. Já quanto aos materiais mais utilizados, predominam as
cópias de trechos e/ou capítulos de livros, livros-texto e/ou manuais e que a
metodologia de avaliação mais utilizada é a prova escrita discursiva.
A partir das respostas dos alunos, parece-nos essencial que os
professores reconheçam que pode favorecer a aprendizagem dos alunos
a presença de “situações de confronto, de troca, de interação, de decisão,
que os forcem a explicar, a justificar, a argumentar, expor idéias, dar ou
receber informações para tomar decisões, planejar ou dividir o trabalho,
obter recursos” (PERRENOUD, 2000, p. 99), o que as aulas expositivas ou
expositivas dialogadas nem sempre conseguem envolver.
Já sobre a utilização de atividades de pesquisa como estratégia de
aprendizagem nas aulas, os alunos indicaram que esta prática está presente em menos
da metade das disciplinas. Esse dado nos parece bastante relevante, pois a pesquisa
também pode ser um elemento significativo para a aprendizagem de novos conteúdos
e para a formação profissional. Não queremos, contudo, afirmar que a pesquisa é a
melhor forma de se trabalhar com os alunos, mas ela pode colaborar e muito para
formar sujeitos mais questionadores, críticos e reflexivos acerca de questões não só
de sua profissão, mas também de outras áreas do saber. Ou, nas palavras de Clark
e Castro (2003), a pesquisa “é basicamente um processo de aprendizagem tanto do
indivíduo que a realiza quanto da sociedade na qual esta se desenvolve” (p. 67).
Parece-nos significativo considerar essas respostas juntamente com aquelas
dadas pelos alunos sobre as estratégias utilizadas em aula, pois predomina a utilização
de materiais prontos e de um modelo de aula no qual o professor argumenta e os
alunos participam apenas quando há alguma dúvida. Zabalza (2004, p. 190) coloca
que a atividade docente exige “grandes esforços didáticos para adequar a organização
dos cursos e os métodos de ensino utilizados aos diferentes modos e estilos de
aprendizagem dos alunos e aos seus diversos interesses profissionais”.
Segundo Zabalza (2004), é de grande relevância a participação do
aluno como elemento ativo “seja porque, ao sentir-se protagonista, melhora
seu rendimento (teorias de locus of control), seja porque, de qualquer forma,
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
435
ele intervém como ‘causa próxima’ de sua própria aprendizagem” (p. 196). Já
segundo Buarque (2003, p. 167), deve-se estimular ainda “uma ampla circulação
acadêmica dos alunos pelas diferentes áreas de conhecimento, pelos diferentes
departamentos e/ou outras instituições de ensino, de modo a possibilitar a
formação de profissionais mais polivalentes e revalorizar uma formação mais
ampla intelectualmente”.
A formação docente como influente na qualidade
da formação profissional
No que diz respeito à percepção que os alunos têm sobre a formação de
seus docentes quanto ao conhecimento específico e aos aspectos pedagógicos para
ajudá-los na preparação para o mundo do trabalho, em linhas gerais, o que podemos
perceber nas respostas dos alunos é que estes consideram que a prática profissional
é bastante significativa para a atuação docente, pois acreditam que se estão sendo
formados para ser profissionais de determinada área, precisam ter contato com
professores que conheçam a profissão. Nesse sentido, seria interessante se as
instituições de ensino pudessem possibilitar a seus docentes a prática profissional
concomitante com a prática docente e valorizassem os saberes advindos da
experiência profissional para as contratações e não somente a titulação.
Entendemos que os conteúdos específicos de cada área são extremamente
importantes, pois constituem as reais características de cada especialidade, porém,
ao pensarmos a formação profissional dos sujeitos realizada nas instituições de nível
superior, parece-nos pertinente que os professores pensem a formação dos alunos
considerando elementos mais práticos, voltados principalmente para a experiência
dos alunos, constantemente desvalorizada e pejorativamente tratada como “senso
comum”, deixado-a à margem como se fosse possível que os alunos se desfaçam
de seus conhecimentos prévios quando ingressam na academia ou oriundos de
outras fontes de saber. Também nos parece pertinente que os professores valorizem
também as relações interpessoais como elemento influente na aprendizagem dos
alunos, pois o desenvolvimento que ocorre na graduação não é apenas profissional,
mas sobretudo pessoal.
Os dados obtidos sobre a percepção dos alunos acerca da formação
docente formaram os quadros-síntese abaixo, nos quais podemos analisar
mais claramente suas respostas:
Sim
91,5%
Não
1,1%
Em parte
5,6%
Não respondeu
1,8%
Sim
88,2%
Não
1,8%
Em parte
8,5%
Não respondeu
1,5%
Acredita ser
importante que os
professores tenham
prática profissional
além da docente?
Facilita a
compreensão do
conteúdo quando
o professor tem
prática além da
docente?
Não respondeu
1,1%
Em parte
0
Não
6,6%
Sim
92,3%
Percebe a diferença
entre profes.
com experiência
prática na área do
conteúdo e aquele
que tem apenas
formação acadêmica
(titulação/ tempo/
sala de aula)?
Não respondeu
1,8%
Em parte
5,9%
Não
1,5%
Sim
90,8%
Sente-se mais
estimulado
quando o assunto
abordado tem
aplicações práticas
e é relacionado
com a atividade
profissional?
Não respondeu
1,8%
Em parte
55,9%
Não
11,8%
Sim
30,5%
Considera que teus
professores estavam
preparados quanto
aos conhecimentos
específicos para ajudálo na preparação para
o mundo do trabalho?
Quadro 1 - Síntese das respostas dos alunos sobre a formação de seus docentes
Não respondeu
3,3%
Em parte
63,2%
Não
9,6%
Sim
23,9%
Considera que
teus professores
estavam preparados
quanto aos aspectos
metodológicos para
atuar como docente
do ensino superior?
436
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Sim
Mostram os desafios da
profissão.
Enfatizam os
conteúdos de maior
importância;
Dão dicas sobre a
atuação profissional;
Podem dar exemplos
reais;
Têm maior domínio
do conteúdo/assunto
abordado;
Têm mais segurança;
Mantêm-se
atualizados;
Têm conhecimento de
novas tecnologias;
Explicam com mais
clareza os conteúdos;
Podem dar exemplos
práticos;
Melhor relação entre
teoria e prática;
Pela necessidade de
conhecimento do
mercado;
Têm facilidade
em compartilhar
conhecimentos;
Conseguem
direcionar melhor
as aulas;
São mais
objetivos;
São mais seguros;
São mais didáticos;
Têm maior
domínio do
conteúdo;
Têm mais
confiança;
Mostram a
utilidade do
conteúdo;
Aulas são mais
interessantes;
Conseguem aliar
teoria e prática,
Exemplos mais
reais;
Uso de linguagem
prática;
Enriquecimento
dos exemplos;
Na atualização e na
aproximação com a
realidade profissional.
Ao destacarem
aspectos importantes
do conteúdo;
Na objetividade
da abordagem das
diferentes temáticas;
Na segurança ao
falar;
No domínio do
conteúdo;
Na exposição do
conteúdo;
Na dinâmica das
aulas;
A postura frente aos
alunos;
Exemplos utilizados;
Passam mais
segurança ao aluno.
Confia-se mais no
professor;
Estimula a aprender;
Aulas são mais
dinâmicas, mais
didáticas e mais
interessantes;
Aproxima mais da
realidade;
Faz com que seja
possível visualizar a
prática profissional;
Instiga a atividade
profissional;
Desperta o interesse;
Facilita o
entendimento, pois
mostram a importância
do conteúdo;
As aulas são mais
estimulantes e menos
tediosas;
Mais fácil aprender/
compreender os
assuntos abordados;
Porque estimulavam a
busca do conhecimento
em outras fontes.
Porque os alunos se
sentem preparados para
atuar na profissão;
Pelo conhecimento
aprofundado em sua
área de conhecimento;
Pela experiência do
professor;
Possuem somente
formação e atuação
acadêmica.
Possuem titulação
acadêmica;
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
437
Em
parte
Não
Se o professor não
deixar a atividade
docente em segundo
plano.
Depende se o professor
souber organizar as
aulas;
Depende da disciplina
a ser ministrada;
Depende da
disciplina;
Têm maior
conhecimento do
mercado de trabalho;
Não funciona da
mesma maneira
para todos os
professores.
Depende da
didática do
professor;
Depende do curso;
Depende de cada
área;
Dinamizam melhor a
aula;
Motiva os alunos a
pesquisar.
Facilita o
entendimento de
conceitos;
O conteúdo tornase mais palpável;
Porque todos são
doutores.
Entre licenciatura e
bacharelado;
Entre professores
interessados
e professores
desinteressados;
A prática sem base
teórica também não é
suficiente.
Grande número de
professores substitutos.
Poucos fazem relação
com a prática;
Não têm motivação ou
interesse;
São acomodados;
São relapsos;
Estão despreparados;
Não consideram os
aspectos didáticos
importantes;
Desatualizados e
desestimulados;
Alguns professores
inexperientes;
Não tem didática ou
metodologia;
Não têm preparo para
a docência;
Seguem apenas carreira
acadêmica;
Estão desatualizados;
São acomodados e
não inovam;
Falta experiência tanto
profissional, quanto
docente;
Professores não se
preocupam em se
aprimorar e aprender;
Falta formação para
a docência por serem
oriundos de cursos
de bacharelado.
Não conseguem
transmitir os
conteúdos;
Falta de envolvimento
dos docentes com a
formação dos alunos.
Falta de didática e de
vocação;
Falta de preparação
para a docência;
Desatualização;
Falta de experiência
profissional;
Utilização
de métodos
convencionais;
Ausência de
conhecimento da
realidade profissional;
438
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Fonte: dados da pesquisa, 2009.
Não têm vocação;
Crença de que os professores
graduados em cursos de
licenciatura são melhores
em termos didáticos que
os graduados em cursos de
bacharelado.
Não têm talento para a
docência;
Não utilizam recursos de
apoio didático ou utilizam
recursos ultrapassados;
Preocupados com outras
atividades profissionais;
Não apresentavam
organização das aulas;
Não gostam de dar aula;
Usam metodologia
ultrapassada ou inadequada
para o ensino superior;
Não fazem cursos de
formação de professores;
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
439
440
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
Quadro 2 - Síntese das respostas dos alunos sobre a formação de seus docentes
Como avalias a formação dos docentes atuantes ao longo do período em que estiveste vinculado ao
curso para ajudá-lo na preparação para o mundo do trabalho?
Presença de professores titulados;
Muito Boa (11,2%)
Disponibilidade dos docentes;
Presença de professores que realizaram pós-graduação no exterior;
Conceito de avaliação de cursos.
Destaque aos aspectos negativos:
Falta de atualização de alguns professores;
Falta de didática para alguns professores;
Presença de professores substitutos;
Professores desinteressados;
Boa (51,5%)
Professores desatualizados;
Falta de contextualização dos assuntos abordados em aula;
Professores com falta de experiência e empenho.
Destaque aos aspectos positivos:
Professores são preocupados e capacitados;
Têm domínio do conteúdo;
Presença de professores que marcaram (positivamente) a formação.
Falta de prática e inovação;
Professores desatualizados;
Formação defasada;
Falta de incentivos aos alunos;
Preparação focada na carreira acadêmica;
Professores desmotivados;
Regular (26,1%)
Professores longe do mercado de trabalho;
Tempo de aula curto;
Presença de muitos professores substitutos;
Avaliações influenciadas por critérios pessoais;
Apresentação de poucas situações do mercado de trabalho;
Aulas pouco dinâmicas;
Professores apenas com formação acadêmica.
Insuficiente (6,4%)
Professores não têm prática profissional;
Professores não buscam atualização.
Observação: Outras respostas (4,8%)
Fonte: dados da pesquisa, 2009.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
441
A partir da leitura dos dados, podemos perceber que os alunos consideram
que os professores estão melhores capacitados quanto ao conhecimento específico
da sua área de atuação e pouco qualificados quanto aos aspectos pedagógicos da
docência ou, nas palavras de Isaia (2008, p. 58), “os professores ingressam no
ensino superior, passando a exercer a docência respaldados apenas em pendores
naturais, saberes advindos do senso comum da prática educativa e na experiência
passada com alunos do ensino superior”.
Já sobre a avaliação que os alunos fazem da formação de seus docentes,
nos parece sensato afirmar que os alunos precisam também se voltar para um modo
mais amplo de vê-los, pois a avaliação que fazem está diretamente relacionada
à titulação, excluindo outras características próprias dos sujeitos e que também
influenciam no fazer docente. Quanto à apreciação sobre a futura profissão, a análise
das respostas dos alunos indica que a maioria pretende trabalhar na área de atuação
que o curso oferece, pois nos mostra que a escolha foi pelo curso desejado e/ou
há uma identidade com a área de formação. Já quanto à busca de pós-graduação,
esta pode refletir as exigências sociais na atualidade e a constante discussão de
que a formação em nível de graduação já não é mais suficiente. Um dado que
merece destaque é o número de alunos que afirma que irá buscar um concurso
público, o que parece refletir uma busca por estabilidade financeira. Já o trabalho
em empresas privadas (e porque não a abertura da própria empresa!?) aparece
com pouca expressão, o que nos faz pensar que, em certa medida, os cursos de
graduação pouco estimulam a autonomia, o espírito empreendedor e a inovação.
Nesse sentido, parece significativo que os professores estimulem seus
alunos a criar e a inovar para se desenvolverem não somente como executores de
atividades especializadas, mas como profissionais empreendedores e permanentes
aprendizes já que “nenhum profissional continua fazendo pleno jus a seu diploma,
depois de cinco anos de formado. Em alguns casos, essa desatualização ocorre
até mesmo ao longo do curso, quando muito do que foi aprendido rapidamente
se torna obsoleto, sendo substituído por novas teorias, novas informações, novos
conhecimentos” (BUARQUE, 2003, p. 31).
Considerações Finais
Esta pesquisa resultou em achados bastante variados sobre o aluno
universitário da UFSM. Certamente muitos destes dados já são do conhecimento
de muitos profissionais envolvidos no fazer acadêmico da instituição, mas
442
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
para nós, o percurso teórico e os achados permitiram desvendar, mesmo que
minimamente, como pensam os alunos concluintes e egressos da instituição.
A pesquisa nos mostrou que há certa igualdade entre o número de homens
e mulheres na instituição, sendo que estas, ao considerarmos as habilitações,
estão mais presentes que os homens nos cursos de licenciatura. Podemos perceber
também que prevalece o público jovem, recém egresso do ensino médio.
Quanto ao curso, podemos perceber que os alunos consideram que
deveria ser exigido mais deles. O que não sabemos, porém, é se, na prática,
o aluno realmente está disposto a se dedicar mais a sua formação. Já quanto
à contribuição do curso, parece-nos que suas respostas indicam não somente
a busca por formação especializada, mas também corresponder às exigências
sociais atuais, uma vez que somente o ensino médio já não dá conta das
necessidades profissionais da sociedade. O que não ficou claro, contudo, já
que esta era uma questão fechada e não realizamos entrevistas com os alunos,
o que verdadeiramente os alunos gostariam de dizer ao indicar as respostas
“obtenção de diploma de nível superior” e “formação teórica”, pois podem
refletir tanto a busca por formação teórica e obtenção de diploma para posterior
atuação profissional, correspondendo assim, às exigências sociais, como também
apresentar um caráter negativo, indicando que o curso contribui pouco com a
formação profissional e não dá suporte a futura atuação profissional e inserção
no mundo do trabalho.
Porém, se considerarmos que os alunos buscam formar-se
profissionalmente em um curso de graduação, há a necessidade de estes cursos
voltarem-se para a prática profissional e entrarem em sintonia com as exigências
do mundo do trabalho na atualidade. Isso deve estar presente não só na atuação
dos docentes, mas também nas práticas que a instituição adota, haja vista que o
modo como os docentes se formam é refletido em sua atuação como professores.
Assim, parece significativo que os professores promovam, principalmente, uma
aproximação com a futura prática profissional dos alunos, mas que estes também
adotem uma postura mais curiosa e empreendedora, não esperando apenas de
seus professores e da IES os elementos para sua formação profissional.
Já sobre as atividades que os alunos buscam para complementar sua formação
profissional, os alunos destacam que a realização de atividades extracurriculares
proporciona não só crescimento profissional, como também desenvolvimento
pessoal. Nesse sentido, parece-nos necessário que haja, por parte dos cursos,
acompanhamento da realização das atividades nas quais os alunos se envolvem,
principalmente aquelas realizadas fora da instituição, uma vez que é o momento que o
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
443
aluno inicia o contato com atividades próprias da profissão. O estágio extracurricular
parece ainda não receber a atenção que merece, pois os alunos o destacam como
uma excelente oportunidade formativa, mas o realizam sem acompanhamento da
instituição que o ajuda a se formar. Caberia, talvez, que instituições e órgãos de
classe e escolas realizassem parcerias formativas, nas quais os alunos poderiam
receber orientação para o desempenho das atividades tanto da sua instituição de
ensino, quanto da entidade que o recebe para a realização do estágio extracurricular.
Sobre a realização da monografia e dos estágios curriculares, as
respostas dos alunos parecem indicar que, em certa medida, estão satisfeitos
com o trabalho de orientação realizado pelos docentes. Certamente esta
avaliação ainda pode (e deve!) ser melhorada e para nós, é evidente que
melhorará à medida que os professores acompanharem mais de perto seus
alunos e estabelecerem parcerias com as entidades que os recebem para a
realização do estágio, o que pode ser feito, conforme já destacamos, através de
parcerias com as escolas e com os órgãos de classe.
Sobre a atuação docente, emerge dos dados que na prática docente
ainda prevalecem métodos que não valorizam a prática do aluno e a pesquisa.
Mas também nos perguntamos: Será que os professores estão preparados
para organizar aulas diferentes? Se estão preparados, querem fazer diferente?
E se não estão preparados, estão dispostos a aprender? Por outro lado, nos
questionamos também se os alunos querem aulas diferentes e formatos
avaliativos inovadores, pois o comum é vermos professores frustrados diante
de inovações mal recebidas pelos alunos. Será que a mudança seria bem
recebida? Afinal, o que querem os alunos quando o assunto é aula (se é que
querem algo diferente)? E como querem ser avaliados?
Indo além, já que os alunos afirmam que seu curso deveria exigir mais
deles, será que é o formato da aula que não corresponde as suas expectativas, ou
os currículos estão defasados para uma sociedade que muda constantemente? Os
alunos estão dispostos a mudarem junto com seus professores para ter uma formação
mais exigente? Todas estas questões emergem dos dados obtidos na pesquisa,
porém, não conseguimos responde-las, tanto por sua complexidade, quanto pelo
tipo de pesquisa realizada, porém já nos encaminham a novas discussões para dar
continuidade a este trabalho e serão realizadas em momento oportuno.
A apreciação que os alunos participantes da pesquisa realizaram acerca
da formação docente nos indica que a experiência profissional do professor é
essencial para facilitar a relação entre teoria e prática. Os alunos destacam ainda
que é visível a diferença entre professores que têm somente formação acadêmica
444
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
daqueles com prática profissional. Esta, para eles é importante, principalmente
pelo conhecimento da profissão que os professores conseguem transmitir e faz
com que a compreensão dos conteúdos seja mais fácil, uma vez que se sentem
mais estimulados quando o assunto traz aplicações práticas e é relacionado com
a atividade profissional.
Acerca da formação dos professores, os alunos consideram que estes
estão melhor preparados quanto aos conhecimentos específicos do que quanto
aos aspectos metodológicos para serem docentes do ensino superior. Porém, um
elemento merece destaque dentre os demais: os alunos que avaliam a formação
dos docentes como muito boa o fazem tendo em vista a titulação dos profissionais.
Ou seja, segundo os alunos, a qualidade da formação dos professores para
serem formadores de futuros profissionais está diretamente relacionada ao título
que possuem e não a sua prática como docentes e como profissionais. Assim,
paradoxalmente, mesmo o aluno considerando que a experiência profissional é
essencial para os professores que atuam na educação superior, reforça que os
professores muito bons são aqueles que possuem maior titulação.
Assim, pensando na formação do aluno para o mundo do trabalho, nos
parece claro, ao ler suas colocações, que a prática profissional tanto dos docentes,
quanto dos alunos é de extrema importância para que essa formação seja de
qualidade, pois os alunos a consideram como elemento essencial para a formação
universitária. Assim, valorizar a prática profissional e não somente a titulação e a
produção acadêmica dos docentes, bem como proporcionar que possam trabalhar
em espaços não acadêmicos ao mesmo tempo em que são professores é algo a ser
pensado e planejado pelas instituições de educação superior.
Por fim, cabe destacarmos que o que parece emergir das respostas dos
alunos é a efemeridade das certezas na atualidade, pois se antes um diploma
de graduação era uma garantia de trabalho certo e estabilidade na carreira
profissional, hoje o avanço do conhecimento exige que os profissionais busquem
constante atualização, pois o diploma também já não é um passaporte seguro8.
Não nos sentimos na liberdade de indicar possíveis ações a serem adotadas nos
cursos, pois cada um possui suas particularidades, mas acreditamos que a partir
dessa pesquisa sobre como os alunos da UFSM percebem, principalmente, a
formação de seus docentes, se faz necessário pensar a formação destes, em
especial sobre os aspectos pedagógicos, uma vez que são sujeitos ativos na
formação de novos profissionais e, segundo os alunos, a maioria dos docentes
não apresenta domínio sobre estes aspectos, o que pode influenciar não só a
realização das aulas, mas também a forma como o professor se coloca diante
8
Expressão utilizada por Buarque (2003).
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
445
da profissão docente. Por outro lado, há necessidade que os alunos aprendam
não só os conteúdos próprios de sua área de formação, mas que sejam capazes
de, depois de concluído o curso, continuarem buscando novos conhecimentos e
aprendendo sobre sua profissão, o que deve ser estimulado ainda na graduação.
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QUALIDADE E DOCÊNCIA ORIENTADA
Manuelli Cerolini Neuenfeldt1
Silvia Maria de Aguiar Isaia2
Apresentação
A
formação de professores universitários é tema de diversos debates
na atualidade. Após um longo tempo de esquecimento, a prática dos
profissionais que atuam como docentes do Ensino Superior começou a merecer
destaque em pesquisas recentes. A preocupação com a falta de preparação
pedagógica para atuar nesse nível de ensino passou a ser percebida e relacionada
com aspectos mais gerais, tais como: qualidade do ensino, evasão e repetência.
Durante muito tempo aceitou-se o fato de que profissionais com bons
currículos, exímios pesquisadores em áreas específicas do conhecimento
fossem também ótimos professores. A preparação pedagógica não era levada
em conta e médicos, engenheiros, agrônomos, entravam nas salas de aula
sem problema algum.
Segundo Isaia (2006, p.65), “não se pode esquecer que os cursos de
licenciatura direcionam-se à formação de professores da educação básica,
enquanto os cursos de bacharelado, ao exercício de diferentes profissões;
neles, a tônica não é o magistério superior.”
Ainda visualizamos essa realidade no cotidiano das instituições
de ensino superior. Porém, com a obrigatoriedade de que para exercer essa
atividade os professores devem ter curso de mestrado e/ou doutorado, a
trajetória formativa desses docentes ganha um novo caminho.
Assim, olhando para os cursos stricto sensu encontramos algumas
disciplinas que encaminham os alunos para práticas pedagógicas nesse nível
de ensino. Enfatizamos que, no entanto, elas representam uma pequena parcela
dos currículos desses cursos e na maioria das instituições aparecem como
optativas para seus alunos.
Nesse contexto, daremos destaque para a Docência Orientada, disciplina
obrigatória para os alunos bolsistas CAPES e facultativa para os demais. Essa
Mestre em Educação pela UFSM, participante do Observatório da Educação, Professora do Colégio Anchieta.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora pesquisadora da UNIFRA,
Bolsista Produtividade Em Pesquisa do CNPq, Coordenadora da RIES e do Observatório da Educação na UFSM.
1
2
448
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
prática varia de acordo com os cursos, mas consiste basicamente em atividades de
docência dos alunos da pós-graduação em cursos de graduação das instituições.
Para tanto coletamos os dados de 28 Universidades Federais Brasileiras
que nos permitiram traçar um panorama geral da Docência Orientada no Brasil.
É importante destacar que o critério para a escolha dessas instituições foi que
elas tivessem um Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação,
mesmo que fosse apenas o mestrado. Chegamos aos dados pretendidos
através dos Cadernos de Avaliação da CAPES, sites dos cursos investigados
e endereços eletrônicos dos coordenadores dos cursos. Contudo este estudo
preliminar não faz parte deste texto.
Nossa preocupação, entretanto, é discutir sobre o estudo de caso
construído a partir da Universidade Federal de Santa Maria. Este também utilizouse de dados quantitativos sobre a Docência Orientada, mas principalmente de
entrevistas individuais com seis alunos que fizeram a disciplina e seus professores
orientadores, bem como análise de relatos orais e escritos dos alunos do PPGE/
CE/UFSM que realizaram o Seminário de Docência Orientada.
A metodologia que utilizamos foi de cunho quali-quantitativo, ao
envolver duas dimensões: uma quantitativa, visando traçar um panorama geral
da Docência Orientada nas universidades federais brasileiras e um perfil da
disciplina na UFSM; e uma qualitativa, através do estudo de caso com alunos e
professores do PPGE/CE/UFSM. Assim, desenhamos um panorama que definiu
em termos gerais a Docência Orientada nas universidades federais brasileiras
e construímos categorias de análise que demonstraram como a disciplina
apresentou-se na UFSM, objeto do presente texto.
Assim, a partir do estudo de caso, refletimos sobre a Docência Orientada
na nossa instituição, visando inferir alguns indicadores de qualidade no processo
formativo dos professores que atuam na Educação Superior.
Formação
de
professores
universitários:
alguns elementos para a discussão O pessoal e o
profissional dos professores
Falar em formação de professores universitários exige que pensemos muito
além da formação inicial, entendendo que o professor, durante toda a sua trajetória,
passa por várias etapas de aprendizado. E, ainda mais além, torna-se necessária a
relação dessa vida profissional com a sua vida pessoal, já que ambas apresentam-se
entrelaçadas por acontecimentos que não podem ficar isolados na vida da pessoa.
Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores
449
Nessa perspectiva, podemos fazer referência ao fato de que a vida
profissional dos professores está, inevitavelmente, atrelada à sua vida pessoal.
Esta, por sua vez, passa por alguns conflitos inerentes ao tempo e espaço ao
qual está ligada nesse momento: o início da carreira profissional dos docentes
se dá em uma fase da vida pessoal que ocorrem alguns conflitos (passagem para
a vida adulta, necessidade ou imposição da independência financeira, falta de
experiência com as situações do dia-a-dia, etc.).
Além disso, a vida profissional também passa por alguns conflitos: a
inexperiência, a falta de credibilidade por parte dos colegas, as incertezas, as
aquisições, as novas organizações. Assim, estando vida pessoal e profissional
ligadas, o professor necessita estar preparado para lidar com todas as
adversidades desses primeiros anos de sua carreira profissional e que estarão
presente ao longo de toda a vida.
Acostumados a pensar no professor, na sua postura profissional assim
como nas exigências postas pela profissão, esquecemos muitas vezes de
incluirmos nesta reflexão como este vivencia e percebe sua atuação profissional,
quais são os elementos que forjam sua identidade e que, por sua vez, vão tecendo
uma certa maneira de ser professor.
Assim, o processo formativo necessita ser pensado na direção de
superar a dicotomia entre o pessoal e o profissional. Nesse sentido, Zabalza
(2004, p.53) explica que “a idéia de que a formação transcende a etapa
escolar e os conteúdos convencionais da formação acadêmica, constituindo
um processo intimamente ligado à realização pessoal e profissional dos
indivíduos.” Logo, pensar na formação do professor universitário requer
uma exploração desde os anos iniciais de escolarização, quando ele como
aluno via no seu professor um modelo, até as “etapas finais” de sua docência,
quando as experiências pessoais e profissionais o tornam um rico conselheiro
para os docentes que se iniciam na profissão.
Nesse sentido, ter uma boa relação no ambiente de trabalho, autonomia na
tomada de decisões, reconhecimento do seu trabalho, expectativa de crescimento
pessoal e profissional, poderá fazer com que as universidades tenham professores
satisfeitos e, consequentemente, tenham um salto qualitativo em suas atividades.
450
FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras)
O
conhecimento
colaborativa
compartilhado:
atividade
Frente ao quadro atual das universidades brasileiras, onde o individualismo
supera qualquer projeto coletivo dentro da instituição, pensar em um trabalho
coletivo também pode indicar um fator de contribuição à qualidade do ensino
superior. Quando nos referimos ao conhecimento compartilhado, queremos fazer
referênc
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