SÉRIE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR Observatório da Educação CAPES/INEP Maria Estela Dal Pai Franco • Marília Costa Morosini Organizadoras QUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIMENSÕES E INDICADORES Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira _______________________________________ QUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: Dimensões e indicadores _______________________________________ Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Bettina Steren dos Santos Eduardo Campos Pellanda Elaine Turk Faria Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Ir. Armando Luiz Bortolini Jane Rita Caetano da Silveira Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente Jurandir Malerba Lauro Kopper Filho Luciano Klöckner Marília Costa Morosini Nuncia Maria S. de Constantino Renato Tetelbom Stein Ruth Maria Chittó Gauer EDIPUCRS Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe Maria Estela Dal Pai Franco Marilia Costa Morosini (Orgs.) ____________________________________________________ QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIMENSOES E INDICADORES ____________________________________________________ Série Qualidade da Educação Superior Observatório da Educação CAPES/INEP v. 4 Porto Alegre, 2011 © EDIPUCRS, 2011 Giovani Domingos dos autores Rodrigo Valls Q1 Qualidade na educação superior : dimensões e indicadores [recurso eletrônico] / organizadoras, Maria Estela Dal Pai Franco, Marilia Costa Morosini. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2011. 672 p. – (Série Qualidade da Educação Superior ; 4) Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs> ISBN 978-85-397-0137-7 (on-line) Textos apresentados na Conference on quality in higher education; indicators and challenges ocorrido em outubro de 2010 na PUCRS em Porto Alegre. 1. Educação Superior. 2. Educação – Qualidade. I. Franco, Maria Estela Dal Pai. II. Morosini, Maria Costa III. Série. CDD 378 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Organizadores: Maria Estela Dal Pai Franco Marilia Costa Morosini Comitê Científico: Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS) Adriana Maciel (UFSM) Arabela Campos Oliven (UFRGS) Beatriz Zanchet (UNISINOS /UFPEL) Cleoni Fernandes (PUCRS) Doris Pires Vargas Bolzan (UFSM) Elizabeth Diefenthailer Krahe (UFRGS) Geraldo Ribas Machado (InovAval UFRGS) Julio Cesar Godoy Bertolin (UPF) Maria da Graça Gomes Ramos (UFPEL/UFRGS) Mariângela da Rosa Afonso (UFPel/UFRGS) Hamilton de Godoy Wielewicki (UFSM/UFRGS) Solange Maria Longhi (UPF/UFRGS) Tania Elisa Morales Garcia (UFPel/UFRGS) Editoração Técnica: Cecilia Luiza Broilo – PD PUCRS Apoio Técnico: Silvia Fernanda Rodrigues Viegas Kuckartz - PUCRS Marja Leão Braccini- Bolsista CAPES/UNISINOS Camila Teixeira - Bolsista IC - PUCRS SUMÁRIO Apresentação........................................................................................11 Marília Costa Morosini Maria Estela Franco PARTE I - QUALIDADE E EDUCAÇÃO SUPERIOR Qualidade e Sustentabilidade ..............................................................20 Roger Born (ESPM) Qualidade e Educação Tecnológica ....................................................34 Rosalir Viebrantz (IFSUL) Qualidade e Formação Docente .........................................................56 Graziela de Lima (UFSM) Qualidade e Tessitura da Docência .....................................................70 Maristela Pedrini (UCS) Qualidade e Desenvolvimento Profissional .......................................86 Patricia Comarú (UFSM) Qualidade e Formação Inicial de Pedagogos ..................................101 Josimar Vieira (IFRS – Campus Sertão) Qualidade do Ensino Superior e Escrita .........................................117 Maria Inês Corte Vitória (PUCRS) Qualidade e Estágio Discente ...........................................................132 Marilene Dalla Corte (UNIFRA) Qualidade e Egressos .........................................................................148 Cláudia Stadlober (IPA) Marilia Costa Morosini(PUCRS) Qualidade e Comprometimento do Estudante ...............................172 Vera Lúcia Felicetti (PUCRS) Qualidade e Educação Corporativa .................................................187 André Stein da Silveira(PUCRS/UNILASSALE) Qualidade e Cursos de Excelência ...................................................202 Adriana Rivoire Menelli de Oliveira(PUCRS) Qualidade e Práticas Pedagógicas .................................................221 Vânia Chaigar (FURG) Cleoni Barbosa Fernandes (PUCRS) PARTE II - QUALIDADE E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR Qualidade na Gestão e Pesquisa .......................................................237 Solange Maria Longhi (UPF) Qualidade na Gestão e Ações Afirmativas .......................................248 Arabela Campos Oliven (UFRGS) Qualidade na Gestão e Prouni ..........................................................255 Arabela Oliven (UFRGS) Luciane Spanhol Bordignon (UFRGS) Quelen Gianezini (UFRGS) Luciane Bello (UFRGS) Qualidade na Gestão de Estudantes ................................................266 Elizabeth Diefenthaeler Krahe (UFRGS) Hamilton de Godoy Wielewicki (UFRGS/UFSM) Qualidade e Gestão Pedagógica ......................................................277 Elisiane Machado Lunardi (ULBRA) Qualidade e Indicativos na Gestão da Universidade ......................292 Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS) Mariângela da Rosa Afonso (UFPEL) Solange Maria Longhi (UPF) PARTE III - QUALIDADE E ENSINO SUPERIOR Qualidade e Políticas de Inclusão ...................................................319 Marialva Pinto (UNISINOS) Qualidade do Ensino e Ação Institucional ....................................335 Maria Antonia Azevedo (UNISINOS) Maria Isabel da Cunha (UNISINOS) Qualidade e Recrutamento Docente ................................................351 Maria Isabel da Cunha (UNISINOS) Beatriz Zanchet (UNISINOS) Qualidade e Gestão da Graduação ...................................................367 Tânia Maria Baibich-Faria (UNISINOS) Luiz Henrique Sommer (UNISINOS) PARTE IV - QUALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE Qualidade e Formação dos Pedagogos ...........................................381 Cecília Luiza Broilo (PUCRS) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Funções Docentes ........................................................395 Greice Scremin (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Professor Substituto .....................................................411 Daniela Aimi (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e discentes ........................................................................428 Cecília Henriques (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Docência Orientada ......................................................447 Manuelli Neuenfeldt (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Consciência Profissional Docente ................................458 Hedioneia Pivetta (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Características Pessoais Integradas ............................474 Mirian Barbosa (UFSM) Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM) Qualidade e Aprendizagem Docente ................................................486 Doris Pires Vargas Bolzan (UFSM) Ana Powaczuk (UFSM) Eliane dos Santos (UFSM) Adriana Figueira (UFSM) Gislaine Rossetto (UFSM) PARTE V - QUALIDADE E RELAÇÕES UNIVERSIDADE/SOCIEDADE Qualidade e Ouvidoria ......................................................................503 Ana Maria e Souza Braga (UFRGS) Qualidade e Sistema ..........................................................................511 Júlio Godoy Bertolin (UPF) Qualidade e Inclusão Social .............................................................526 Maria Inês Naujorks (UFSM) Qualidade e Participação ...................................................................536 Clarice Escott (IFRS) Qualidade, Internacionalização e Formação Política ...................545 Maria Elly Genro (UFRGS) Bianca Costa (UFRGS) Juliana Zirguer (UFRGS) Qualidade e Avaliação Institucional ................................................561 Marlis Morosini Polidori (UFRGS) Qualidade em Educação a Distância ................................................578 Cláudia Medianeira Cruz Rodrigues (UFRGS) Lisiane Pellini Faller (UFSM/FAMES) Qualidade e Formação Multiprofissional ......................................594 Lucia Inês Schaedler (GHC) Qualidade e Espaços Participativos em Educação a Distância ..........614 Graziela Giacomazzo (UNESC) Qualidade e Relações Internacionais – Mercosul/Rana ........................627 Margareth Guerra (UF Amapá) Qualidade e Inovação em Educaçao a Distancia ............................644 Andréia Morés (UCS) Qualidade Da Avaliação Da Comunicação ......................................660 Ana Karin Nunes (UNISC/FEEVALE) APRESENTAÇÃO A RIES, Rede Sul-brasileira de Investigadores da Educação Superior, reconhecida como Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação pelo CNPq/FAPERGS/PRONEX tem como objetivo maior configurar a educação superior como campo de produção de pesquisa nas Instituições de Ensino Superior. Este objetivo se constitui pela clarificação da produção no campo de conhecimento e pela consolidação da rede de pesquisadores na área. Em sua trajetória a RIES é reconhecida também como Observatório da Educação CAPES/INEP/MEC. Por sua vez, o programa de pesquisa Observatório da Educação visa ao desenvolvimento de estudos e investigações na área de educação. Tem como objetivo estimular o crescimento da produção acadêmica e a formação de recursos humanos pós-graduados, nos níveis de mestrado, doutorado e pós-doutorado por meio de financiamento específico. No caso da RIES – Observatório de Educação CAPES/INEP envolve quatro programas de pós-graduação em Educação pertencentes as seguintes universidades gaúchas – PUCRS, UFRGS, UFSM e UNISINOS, e seu foco é a Qualidade da Educação Superior. Assim, desde 2006, formalmente, a RIES tem como projeto maior a Qualidade da Educação Superior. Este foco tem sido mote de estudos, práticas e políticas contemporâneas. Mas, mais do que certezas temos algumas inquietudes sobre a qualidade da instituição universitária e sobre o atrelamento da Inovação – alma da universidade, à gestão. Em setembro deste ano, na PUCRS, em conferência sobre Conducta responsable en investigación y docencia, o Prof. Miguel Zabalza, da Universidad de Santiago de Compostela destacava: La universidad, nuestra universidad, ha sido brillante y transformadora solo en los momentos en que ha sido innovadora. A medida que han ido incrementándose las legislaciones y la normativa, a medida que la burocracia se ha ido adueñando de los procesos, a medida que se ha ido fijando un discurso de lo políticamente correcto y penalizando las desviaciones del mismo, a medida que el profesorado se ha limitado a cumplir sus obligaciones, la universidad ha dejado de ser un espacio de debate y creación. Salvo honrosas excepciones, el impulso hacia la transformación social, hacia la renovación intelectual y creación artística y técnica no se encuentra hoy en día en la universidad sino en otros escenarios sociales. 12 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Este questionamento e outros que identificam avaliações de grande escala, métricas universais e rotinas burocráticas institucionais presentes no processo de globalização conduziram a RIES a voltar-se ao estudo da Qualidade da Educação Superior .Neste contexto o Observatório está publicando a Série Qualidade da Educação Superior- Observatório da Educação, composta por seis livros decorrentes de seminários realizados pela Rede RIES. Qualidade da Educação Superior, Inovação e Universidade constituiuse no primeiro livro da serie Educação e Qualidade da Educação Superior e está publicado (impresso e ebook, inglês e português), em 2008, pela EdPUCRS, resultante de Seminário Internacional de igual titulo e organizado por Jorge Audy (PUCRS) e Marilia Morosini (RIES/PUCRS) Este livro considera que “Inovação e qualidade na Universidade constitui um tema atual e premente na sociedade do conhecimento. Ele preocupa, questiona e gera projetos e iniciativas na busca da excelência. Ambos os conceitos são multidimensionais, complexos e difíceis de definir, porém, objeto de esclarecimento e de constante reflexão. Exigem um processo de planejamento, de ação e de avaliação. São idéias dinâmicas que devem adaptar-se a marcos e a situações mutáveis ao dependerem de fatores sócio-culturais e econômicos. Envolvem uma conotação axiológica, pois visam a excelência do planejamento, dos meios e, de modo especial, dos resultados. A educação para o desenvolvimento sustentável permite, por outra parte, permear todo o processo educativo ajudando na tomada de decisões que levem em conta a ecologia, a justiça e a economia de todos os povos e também das gerações futuras” (http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/edipucrs/Capa/ PubEletrSeries). Qualidade da Educação Superior: a Universidade como lugar de formação, constituiu-se na segunda produção da Serie Qualidade da Educação Superior resultante do Seminário de igual nome ocorrido na UFSM. A organização do livro é de Silvia Maria de Aguiar Isaia, Doris Pires Vargas Bolzan e Adriana Maciel, nossas companheiras do programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal de Santa Maria. Como o próprio titulo afirma A universidade como lugar de formação, se detém no exame do campo cientifico e reflete sobre a governança acadêmica, as realidades encontradas, não só no Brasil mas em outras territórios decorrentes Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 13 do processo de internacionalização, reflete, em especial, sobre a formação de professores iniciantes, o seu desenvolvimento profissional, os discursos e práticas de professores e alunos, bem como utopias e desafios no tocante a uma nova universidade. Qualidade da Educação Superior: reflexões e práticas, neste momento apresentado, constitui-se na terceira produção da Serie Qualidade da Educação Superior resultado, basicamente, do Seminário internacional ocorrido em outubro de 2010, na PUCRS1. A organização deste livro é de Marilia Costa Morosini e aborda as tendências e incertezas quanto a qualidade da educação superior em contextos de administração de risco para a reputação universitária, experiências nacionais e internacionais de qualidade da educação superior, como cases dos USA, da União Européia, especificamente do Processo de Bolonha e de paises da América Latina. Se detém em indicadores de qualidade para diferentes questões universitárias – ensino, pesquisa, inovação, formação e desenvolvimento profissional de professores bem como na metodologia construída para a identificação desses indicadores. Finaliza o livro reflexões sobre os desafios a serem enfrentados. Qualidade da Educação Superior: dimensões e indicadores constitui-se na quarta produção da Serie Qualidade da Educação Superior resultado também do Seminário Internacional de outubro de 2010 e organizado por Maria Estela Dal Pai Franco e Marília Costa Morosini . Está constituído pelos artigos, resultados de pesquisa de grupos de investigação integrantes da RIES e pertencentes ao programa de pesquisa Observatório de educação superior. São professores seniors e professores em processo de formação bem como aprendizes desde os bolsistas de IC até mestrandos, doutorandos e pós doutorandos em seu desenvolvimento profissional. Enfim são as inúmeras ramificações da RIES, que foram originadas pela rede ou, a ela, deram origem. Qualidade da Educação Superior: grupos investigativos internacionais em diálogo constituir-se-á na quinta produção da Serie Qualidade da Educação Superior resultado do Seminário Internacional, na PUCRS, em dezembro de 2011. Sua organização é de Maria Isabel da Cunha. Parte da consideração que “nossas universidades se encontram em processos de mudanças paradigmáticas, fomentadas tanto pelas exigências socioculturais de reconfiguração dos modos de produção do conhecimento científico e tecnológico, quanto pelas demandas externas do mundo globalizado. Visando promover um diálogo entre os grupos 1 Conference on Quality in Higher Education; Indicators and Challenges. Porto Alegre, October 15-16, 2010. 14 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) de pesquisa do Brasil com grupos investigativos internacionais (USA, México, UE, AL) preocupados com a qualidade de educação superior.” (http://www.pucrs.br/evento). Qualidade da Educação Superior: avaliação e implicações para o futuro da universidade constituir-se-á na sexta produção da Serie Qualidade da Educação Superior resultado do Seminário Internacional, na PUCRS, em dezembro de 2011. Sua organização é de Denise Leite e Cleoni Barbosa Fernandes, com a colaboração de Cecilia Luiza Broilo. No seminário acima citado além dos grupos das quatro universidades buscou-se ampliar a socialização da produção da rede RIES à comunidade cientifica de forma geral. Em outras palavras, pesquisadores e aprendizes de outras IES apresentaram suas pesquisas sobre Educação Superior. Este sexto livro é dedicado a dar visibilidade a essa rica produção. Com a Serie Qualidade da Educação Superior consubstancia-se o programa de pesquisa e sua caminhada ao longo de seis anos. Nos livros iniciais apresentam-se as discussões de caráter mais teórico. Neles estão imbricadas posturas nacionais e internacionais, preparando o grupo de pesquisa para se lançar ao desafio de produção de indicadores para a educação superior brasileira. Após, a rede RIES apresenta indicadores de educação superior, na perspectiva nacional e, em alguns casos, regional. Os grupos de pesquisa que integram a Rede apresentam seus estudos de qualidade em inúmeros cases. Integra este livro também considerações e experiências de caráter internacional. No quinto livro a Rede RIES apresenta resultados de seus indicadores para serem discutidos por observadores críticos internacionais. Finalmente neste ciclo de produção de conhecimento sobre qualidade na Educação Superior a Rede RIES, nesta série propicia a visibilidade de inúmeras outras produções sobre o tema influenciadas pelo próprio Observatório, mas também, em mão de via dupla, influenciadora do Observatório. Resta-nos, ainda como desafio, o que brevemente ocorrerá, a testagem na realidade brasileira, dos indicadores aprimorados pelos observadores críticos internacionais. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 15 GRAFICO 1 - OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR CAPES/INEP O presente livro Qualidade da Educação Superior: dimensões e indicadores constitui uma das produções integrante da Serie Qualidade da Educação Superior e nele são apresentadas produções dos grupos e redes de pesquisa que compõem a RIES. Revela, desse modo a perspectiva, a reflexão e as pesquisas decorrentes das duas pontas que circunscrevem a Pós-graduação brasileira: a dos pesquisadores-professores Sênior e a dos professores de nível superior, em formação, na Pós-graduação stricto sensu . É pertinente registrar que participam da primeira ponta profissional com larga experiência na orientação de trabalhos científicos, na vida políticoadministrativa de distintos tipos de universidades e que exerceram/exercem fincões na alta administração e setores institucionais e/ou na direção de unidades e coordenação cursos. Isso revela um dos pontos fundamentais que são o mote da presente obra: sua expressão das diferenças, desigualdades e diversidades que amalgamam a educação superior brasileira e precisam ser consideradas no estabelecimento de indicadores de qualidade. Tais considerações, aliadas às características de trajetória dos pesquisadores e grupos componentes, levam Franco, co-organizadora desta obra a nominar a RIES, em trabalho recente, como 16 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) uma meta-rede. A RIES, num primeiro movimento congregou pesquisadores, mas em seus movimentos subseqüentes, tudo indica, congrega grupos cujas ações e produtos os caracterizam como redes consolidadas e/ou em formação, mesmo que não façam uso de tal desígnio lingüístico. Tais grupos-redes, em projetos como os que perfazem o Núcleo de excelência do CNPq e o Observatório de educação Capes/Inep participam das direções imprimidas, mas são articulados no âmbito da RIES, como coloca a autora citada. Um testemunho das colocações acima está na estruturação do presente livro que se faz em cinco partes. A PARTE I discute a Qualidade e Educação Superior. É composta por 13 artigos cujos autores são provenientes de distintas instituições, mas têm um ponto em comum: todos fazem /fizeram parte do Programa de Pós-graduação em Educação da PUCRS e, mesmo tendo retornado ou assumido em outras IES mantém contato e produção ligada à universidade de sua formação. A qualidade, discutida nos artigos converge para aspectos tais quais Sustentabilidade, Educação Tecnológica, Formação Docente, Tessitura da Docência, Formação Inicial de Pedagogos, a Escrita, o Ensino Superior, Estágio Discente, Egressos, Comprometimento do Estudante, e Educação Corporativa. Os professores e docentes que assinam os artigos são respectivamente Roger Born (ESPM), Rosalir Viebrantz (IFSUL), Graziela de Lima (UFSM), Maristela Pedrini (UCS), Patricia Comarú (UFSM), Josimar Vieira (IFRS – Campus Sertão), Maria Inês Corte Vitória (PUCRS), Marilene Dalla Corte (UNIFRA), Cláudia Stadlober (IPA), Vera Lúcia Felicetti (PUCRS), André Stein da Silveira e Marilia Morosini, e Cleoni Barbosa Fernandes da PUCRS. A PARTE II é centralizada na Qualidade e Gestão da Educação Superior e sua composição engloba 6 artigos. O ponto que une todos eles é a sua vinculação com a Rede GEU- Grupo de Estudos sobre Universidade, a mais antiga de todas as presentes nesta obra, criada em 1988 e que passou pelo movimento de projetos para grupo, de grupo para rede e agora de rede para inserção em outras redes congêneres, no Brasil e no exterior. Os s grupos de pesquisa, foram estabelecidos a partir da presença de docentes como alunos ou egressos do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS. Os artigos apresentados convergem para as seguintes temáticas da qualidade na gestão: Gestão e Pesquisa, Relações Universidade e Sociedade, Ações Afirmativas, Prouni, Estudantes e Indicativos de Qualidade na Gestão da Universidade. Os artigos são de autoria de Solange Maria Longhi (UPF/UFRGS), Mariângela Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 17 da Rosa Afonso (UFPel), Arabela Campos Oliven (UFRGS), Luciane Spanhol Bordignon (UFRGS), Quelen Gianezini (UFRGS), Luciane Bello (UFRGS), Elizabeth Diefenthaeler Krahe (UFRGS), Hamilton de Godoy Wielewicki (UFRGS/UFSM) e Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS). A PARTE III focaliza a Qualidade e Ensino Superior, e foi desenvolvida por participantes ligados à Unisinos, como docentes e/ou como professores em formação de pós-graduação, os quais contribuíram com 5 artigos. São abordadas questões da qestão de qualidade tais como Políticas de Inclusão, Ensino e Ação Institucional, Recrutamento Docente, Gestão da Graduação e Ensino Superior. Os autores são Marialva Pinto (UNISINOS), Mª Antonia Azevedo (UNISINOS), Maria Isabel da Cunha (UNISINOS), Beatriz Zan chet (UNISINOS), Maria Isabel da Cunha (UNISINOS), Tânia Faria (UNISINOS), Luiz Sommer (UNISINOS). A PARTE IV converge para Qualidade e Formação Docente. Nos 9 trabalhos que compõem esta parte, predominam autores docentes ou docentes da UFSM ou docentes em formação naquele instituição. As temáticas abordadas são a Formação dos Pedagogos, Funções Docentes, Professor Substituto, Discentes, Docência Orientada, Consciência Profissional Docente, Características Pessoais Integradas, Aprendizagem Docente e Desenvolvimento Profissional Docente. Os autores são Cecília Luiza Broilo (PUCRS), Silvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM), Greice Scremin (UFSM), Daniela Aimi (UFSM), Cecília Henriques (UFSM), Manuelli Neuenfeldt (UFSM), Hedioneia Pivetta (UFSM), Mirian Barbosa (UFSM), Ana Powaczuk (UFSM), Eliane dos Santos (UFSM), Gislaine Rossetto (UFSM), Adriana Figueira (UFSM), Doris Bolzan (UFSM) e Adriana Rocha Maciel (UFSM). A PARTE V tem como tema centralizador a Qualidade e Relações Universidade/Sociedade. São 12 trabalhos, muitos dos quais frutos de teses e dissertações vinculados ao InovAval, grupo de pesquisa do Pós-graduação em Educação da UFRGS, coordenado pela Professora Denise B. C. Leite. Os artigos abordam questões tais quais: Ouvidoria, Sistema de Educação Superior, Inclusão Social, Internacionalização, Participação, Avaliação Institucional, Formação Política, Formação Multiprofissional, Relações Universidade e Sociedade, Relações Internacionais e Inovação em Ead. Os autores são Ana Maria e Souza Braga (UFRGS), Júlio Godoy Bertolin (UPF), Mª Inês Naujorks (UFSM), Clarice Escott (IFRS), Maria Elly Genro (UFRGS), Bianca Costa (UFRGS), Juliana Zirguer (UFRGS), Marlis Morosini Polidori (UFRGS), Cláudia Cruz Rodrigues (UFRGS), Lucia Inês Schaedler (GHC), Graziela Giacomazzo (UNESC), Margareth Guerra (UF Amapá - MERCOSUL) e Andréia Mores (UCS). 18 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Partindo da crença na governança compartilhada é muito importante registrar o especial agradecimento as coordenadoras da Rede/RIES, que sempre contribuíram para a consolidação da Rede, Profª Drª. Maria Isabel Cunha (UNISINOS); e Profª Drª Sílvia Maria de Aguiar Isaia (UFSM). Um agradecimento especial a Profª Drª. Denise Leite (UFRGS) e a Profª Drª Cleoni Maria Barboza Fernandes (PUCRS). Porto Alegre, 11 anos da RIES Marilia Costa Morosini Cooordenadora RIES – Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior Maria Estela Dal Pai Franco Equipe Fundadora e Membro do Conselho da RIES (UFRGS) Co-Organizadora Primavera de 2011 PARTE I QUALIDADE E EDUCAÇÃO SUPERIOR QUALIDADE E SUSTENTABILIDADE Roger Born1 Introdução J á é de longa data que o conceito de marketing passou a ser corretamente compreendido e aceito como algo positivo em diversos setores, dentre os quais o da educação superior no Brasil. De modo geral, os gestores de instituições de ensino enxergam ser indispensável compreender as necessidades de seus alunos e buscar atendê-las, promovendo sua satisfação. E assim são realizadas importantes ações no sentido da melhoria da qualidade do serviço, tal como prega larga bibliografia em marketing de serviços (BERRY, 1996; DENTON, 1990; GRONROOS, 1995; LAS CASAS, 1991; LOVELOCK; WRIGHT, 2001; ZEITHAML; BITNER, 2003). Muitas escolas de administração e negócios são coerentes com aquilo que ensinam. Consideram o mercado como prospects2, os alunos como clientes e buscam realizar a melhor gestão de marketing possível, pois isso gera qualidade, satisfação e, assim, fidelidade, tal como escrito nos livros que utilizam em sala de aula. A satisfação de necessidades é assumida como estratégia institucional, passando a regular as ações de todas as áreas. Desta forma, a escola inteira se volta para o aluno, buscando entender e atender os seus requisitos de qualidade, esperando assim também cumprir o seu papel com os diferentes stakeholders3 envolvidos nesta relação, na linha do que defendem ícones do marketing, como Philip Kotler (2000). A Administração de Marketing é “[...] o processo de planejar e executar a concepção, a determinação do preço (pricing), a promoção e a distribuição de ideias, bens e serviços para criar trocas que satisfaçam metas individuais e organizacionais” (AMERICAN MARKETING ASSOCIATION apud KOTLER, 2000, p. 30). Nesta linha, a orientação de todo o gestor em uma empresa que trabalha integrada e orientada para o marketing se constitui em identificar e atender as necessidades do cliente, o que coloca quem compra como ponto de partida e figura central da ação empresarial. Contudo, Kotler (2000, p. 47) sustenta que, em tempos de “[...] deterioração ambiental, escassez de recursos, explosão demográfica, fome e miséria em todo o mundo [...]” o conceito de marketing se Doutor em Educação (PUCRS). Professor titular de planejamento estratégico (ESPM-RS). Empresário. Clientes em prospecção. Partes envolvidas (interessadas) no processo de uma organização: clientes, fornecedores, acionistas, colaboradores, comunidade, etc. 1 2 3 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 21 torna insuficiente por não abranger “[...] os conflitos potenciais entre desejos e interesses dos consumidores e o bem-estar social a longo prazo”. Por isso, torna-se necessária uma nova perspectiva, a qual chama de marketing societal. Nessa proposta, preserva-se o foco no cliente, mas se considera o impacto desta relação no ambiente em que ocorre, envolvendo aspectos biológicos e sociais não imediatos. O debate sobre como organizações agem nos ambientes em que atuam é amplo, abrangendo desde aspectos biológicos (GORE, 2006), passando pela influência nas instituições (MATIAS, 2005) e chegando até a definição de paradigmas (BERTRAND; VALOIS, 1994). Invariavelmente, os autores consideram profundo o impacto das ações empresariais, motivo pelo qual, muito provavelmente, estão sendo reconhecidas como práticas de excelência empresarial aquelas que envolvam e respeitem os stakeholders (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004). Para melhor gerirem a qualidade de seus serviços, muitas escolas de negócios e instituições de ensino de modo geral, realizam levantamentos freqüentes, inquirindo os alunos acerca da maneira como percebem uma série de quesitos referentes ao curso que realizam, bem como a outros aspectos da organização. Assim, de tempo em tempo, os estudantes são convidados a responderem sobre sua avaliação de atributos como a relevância dos conteúdos, a didática do professor, as tecnologias utilizadas em aula, o conforto de instalações, o atendimento na secretaria, a tradição da instituição, etc. O resultado desse trabalho serve como base para a gestão da qualidade do serviço prestado, permitindo um adequado planejamento das medidas a serem tomadas (GRONROOS, 1995; KOTLER, 2000; ZEITHAML; BITNER, 2003). A gestão da qualidade do serviço, tal como amplamente defendido na bibliografia referência neste assunto, é feita através de melhoria contínua com vistas à supressão de falhas e à adição de novidades. De acordo com Grönroos (1995), isso se dá, basicamente, por meio da administração da qualidade técnica (“o que”), da qualidade funcional (“como”) e da imagem daquilo que se oferece ao mercado. Segundo o autor, o objetivo do gestor é reduzir lacunas entre aquilo que o cliente espera e aquilo que ele percebe do serviço, conforme as especificações formuladas por ele próprio. Por outro lado, dentro da perspectiva de marketing societal defendida por Kotler (2000) e convergente com as práticas consideradas sustentáveis4 pelo IBGC5 (2004), além dos clientes, as “vozes” dos A sustentabilidade consiste na habilidade de ser sustentável, ou seja, ser capaz de equilibrar as dimensões social, ambiental e econômica inerentes à qualquer tipo de negócio (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004). 5 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) é uma organização que, por meio de educação 4 22 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) colaboradores, da comunidade e de outras partes interessadas no processo de cada organização também deveriam ser consideradas tanto na especificação dos serviços quanto na avaliação dos mesmos. Um estudo da revista AméricaEconomia (MESTRES..., 2010, p. 64) informa que 82% dos respondentes apontaram que “Ampliar e aprofundar conhecimentos” se constitui no principal benefício obtido por meio da realização de cursos de pós-graduação em Administração. A busca pelo acúmulo de conhecimentos e pela certificação disso é algo muito valorizado na atualidade, visto que nas organizações vigora o entendimento de que a posse de informações e o domínio da técnica são as ferramentas determinantes na tomada de decisão estratégica. Portanto, pode-se afirmar que a procura por serviços de escolas de negócios esteja pautada, em grande parte, pela busca de conhecimentos para gerir melhor e, assim, progredir em uma carreira profissional. Levando-se em consideração o contexto até aqui descrito, compreendese oportuna a realização de dois questionamentos. O primeiro deles diz respeito à busca de conhecimentos como necessidade central dos alunos de negócios. Será que, ao atendê-la, a escola estará provendo um benefício suficiente para fazer frente aos desafios da carreira que o administrador terá de enfrentar? O segundo, e possivelmente mais importante questionamento, refere-se à capacidade dos serviços atualmente ofertados por estas escolas também atenderem interesses mais abrangentes, em uma perspectiva sustentável. Em outras palavras, a orientação mercadológica que coloca o aluno em posição de destaque privilegia o desenvolvimento de qualidade em escolas de Administração? No sentido de gerar discussão sobre estes temas, propondo algumas respostas para os questionamentos, primeiramente irá se explorar o entendimento que Levitt (1990) realiza sobre produtos, passando-se, logo após, aos achados realizados pelo autor deste texto sobre conhecimento, sabedoria e saberes para administrar melhor (BORN, 2009; BORN, 2010). Os Níveis de um Produto De acordo com Levitt (1990, p. 89), “As pessoas compram produtos (produtos puramente tangíveis, ou produtos puramente intangíveis, ou híbridos de ambos) a fim de resolver problemas. Produtos são ferramentas para a solução e debates, se dedica a promoção da Governança Corporativa, que consiste em um sistema de boas práticas empresariais que objetivam o aumento do valor e a perpetuidade dos negócios (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 23 de problemas”. Para o autor, uma vez que produtos são criados para solucionar problemas de clientes, compete apenas a eles auxiliarem a desenvolvê-los. Apesar do pensamento socioambiental não estar presente nas palavras deste autor, ainda assim os níveis de produto criados por ele podem ser úteis na reflexão sobre a suficiência da oferta de conhecimento como “solução” para os “problemas” tanto de alunos e escolas de negócios quanto da sociedade. Segundo o autor, um produto pode ser dividido em quatro diferentes níveis. O primeiro nível é formado pelo “produto genérico”. Constitui-se no elemento essencial, sem o qual o produto não existe. Entretanto, isso não é suficiente para o cliente, que espera mais de um fornecedor. Por isso, existe uma segunda camada que, somada ao “produto genérico”, forma o “produto esperado”, que diz respeito às condições mínimas que um bem ou serviço deve possuir para que seja comprado pelo cliente. Por exemplo, uma indústria que produza aço terá o aço como “produto genérico”, mas só será capaz de vendê-lo com a presença de adequação às quantidades vendidas, preços competitivos e entrega. O “produto aumentado” é o terceiro nível de produto e também engloba os dois anteriores. Justifica-se, pois “[...] a diferenciação não se esgota meramente dando-se ao cliente o que ele espera. O que ele espera pode ser aumentado, oferecendo-lhe mais do que ele pensa que necessita ou do que se acostumou a esperar” (LEVITT, 1990, p. 94). Portanto, na busca por dispor mais valor ao seu cliente, isto é, melhor resolver os seus problemas, a empresa vai “aumentando” a oferta de soluções e, com isso, ampliando o seu campo de diferenciação. Exemplo disso seria disponibilizar aos seus clientes cursos e informações sobre a utilização do aço, ou ainda auxílio no desenvolvimento de seus próprios produtos. Como visto, a busca pela diferenciação passa pela oferta de “produto aumentado”, o que se faz muito importante, principalmente em mercados concorridos. Neste sentido, há necessidade de se buscar identificar o “produto potencial”, isto é, aquilo que ainda pode ser feito para capturar a atenção e satisfazer clientes. Segundo o Levitt (1990, p. 96, grifo do autor): “O que pode ser possível não é puramente uma questão do que pode ser imaginável, em base do que é ou pode ser conhecido, a respeito de clientes e concorrentes. Geralmente isso depende muito de condições mutáveis. É por isso que os homens de negócios já não se cumprimentam com a velha retórica: Como vão os negócios? Agora a pergunta busca informação substantiva: Que há de novo?” Assim sendo, a busca por aquilo que poderia potencialmente ajudar 24 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) melhor na resolução de problemas é o ponto fundamental no desenvolvimento do raciocínio que se pretende conduzir. Figura 1 - O conceito total de produto (LEVITT, 1990, p. 91). Com base no conceito criado por Levitt (1990), pode-se inferir que, em uma instituição de ensino superior, tal como uma escola de negócios, a aula seja o “produto genérico”. Por sua vez, professores com formação acadêmica e experiência prática, salas de aula confortáveis, biblioteca com os títulos necessários ao curso e instituição com reconhecimento, dentre outras, são características de “produto esperado” por administradores em formação. No que diz respeito ao “produto aumentado”, por sua vez, são cada vez mais freqüentes os exemplos de escolas com iniciativas em sustentabilidade6, em ação social e no desenvolvimento de inovações envolvendo alunos, professores e diferentes partes da sociedade, tais como empresas, ONG´s, governo e a própria comunidade. Assim sendo, a pergunta que cabe é: o que, potencialmente, poderia ser feito para resolver os problemas dos alunos? Ou ainda, nas palavras de Levitt (1990, p. 96), o “[...] que há de novo?”. Considerando que o conceito de marketing se encontra em um processo 6 A “habilidade de sustentar” diz respeito à capacidade de uma organização conciliar harmonicamente as suas atividades (impactos) econômicas, sociais e ambientais. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 25 de transformação, de um olhar egoísta em direção ao marketing societal, o que poderia ser feito pelos alunos que trouxesse bons resultados para todas as partes envolvidas na educação de negócios? Alguns Achados sobre Conhecimento, Sabedoria e Sabedoria para Gerir Melhor Será que a busca por conhecimentos, através do acúmulo de informações e de técnicas administrativas, é a melhor estratégia para os estudantes de Administração alcançarem seus objetivos? Em outras palavras, será que o benefício esperado em questão é adequado ao problema que os alunos pretendem resolver? Para responder essa questão, inicialmente se buscará em Pozo (2007) elementos que demonstrarão que em tempos de abundância (ou até excesso) de informações, deve-se, na verdade, buscar aprender como obter e utilizar a informação. Logo após, os ensinamentos de Kautilya7, apresentados por Sihag (2008), demonstrarão que o conhecimento é apenas parte do todo necessário para se tomar decisões sábias. Então, finalmente, os trabalhos de Born (2009; 2010) explicarão em que consiste a sabedoria necessária para gerir empresas de maneira a conciliar os interesses das principais partes envolvidas: a sociedade, a empresa e o próprio sujeito gestor. A facilidade do acesso à informação e o simultâneo aumento em seu volume de geração têm levado à formação da sociedade do conhecimento. No entanto, se por um lado este é um fenômeno que traz a impressão de domínio e entendimento, por outro, o que se evidencia é que o excesso de informações acaba por dificultar o estabelecimento de sentido. Neste sentido, Pozo (2007) afirma que um dos desafios da formação universitária constitui-se na gestão da informação e na sua adequada conversão em efetivo conhecimento. A “democracia cognitiva”, que se forma a partir das novas maneiras de acessar e de comunicar ideias, traz consigo a possibilidade de efetiva ascensão à sociedade do conhecimento. Por outro lado, tal possibilidade carrega em si dois grandes desafios. O primeiro consiste na capacidade de organizar o enorme montante de informações, tornando-o, de fato, conhecimento. Já o segundo, por sua vez, dá conta da capacidade de compreender e se relacionar com a incerteza, na busca pela construção de entendimentos que se mostrem abertos a outras formas de enxergar o mundo e, desta maneira, mais propensos à mudança. Assim sendo, na nova cultura de aprendizagem, o conhecimento pode ser visto como 7 Estadista indiano que viveu durante o quarto século antes de Cristo (SIHAG, 2008). 26 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) algo flexível, falível e de caráter construtivo, em oposição ao formato absoluto, incorrigível e acabado, geralmente trabalhado nas disciplinas universitárias (POZO, 2007). Diante da elevada “perecibilidade” dos conceitos técnicos e específicos comumente trabalhados nos cursos universitários e da incerteza quanto a sua aplicabilidade futura, Pozo (2007, p. 46) afirma que “[...] aprender a aprender constitui uma das demandas essenciais que deve satisfazer a formação universitária.” E, neste sentido, o enfoque a ser dado na formação de profissionais é o desenvolvimento da capacidade de solução de problemas. Em outras palavras, dada a incerteza dos eventos e dos conhecimentos demandados no futuro, há de se preparar o profissional, primeiramente, para a identificação dessas situações inéditas para as quais ele não dispõe de soluções prontas, tornando-o capaz de refletir sobre a possibilidade do uso estratégico de seus conhecimentos. Nesta perspectiva, fica claro que conhecer não trata de acumular informações internamente, mas de aprender a lidar com o mundo daquelas que existem lá fora. Sihag (2008), por sua vez, utiliza-se dos ensinamentos de Kautilya para defender que as informações e o conhecimento necessitam de inteligência e de uma visão ética para serem devidamente empregados. Para o estadista, a sabedoria possuía valor insuperável na tomada de decisões. Segundo o autor (2008, p. 1, tradução nossa): “Certamente a gestão do conhecimento deve ser mais importante que a gestão de informações, que por sua vez deve ser mais importante que a gestão de dados, mas ainda a gestão do conhecimento, sozinha, não é uma solução para obter o sucesso e nem será”. O primeiro “insight” do pensamento de Kautilya é sobre o valor insuperável da sabedoria. Segundo ele, a gestão por sabedoria deveria estar baseada em três pilares: informações, ou dados organizados; conhecimento, que consiste nos métodos e abordagens, e inteligência. “Uma pessoa sábia, dependendo da situação, sabe como reconciliar, negociar ou coordenar as forças conflitantes que, às vezes, surgem das ideias, instituições e interesses” (SIHAG, 2008, p. 1, tradução nossa). Assim sendo, segundo a visão de Kautilya, a sabedoria seria o caminho para trazer luz à complexidade dos problemas que se colocam diante do estadista. Kautilya também destacou a importância dos valores éticos (honestidade, tolerância e verdade, por exemplo) como parte inseparável e fundamental da sabedoria para governar. No seu entendimento, a sabedoria é uma maneira de se obter uma decisão a partir do conhecimento pessoal e das informações obtidas, o que só é possível de ser realizado com sucesso através de uma visão ética. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 27 Para ele, liderar consiste em possuir uma compreensão de um dever com os governados e em ter um senso de orientação para o longo prazo (SIHAG, 2008). As fontes da sabedoria, segundo Kautilya, são duas. A primeira consiste na valorização da racionalidade ampliada e no desenvolvimento do senso de observação. Neste sentido, ouvir a análise e o julgamento de conselheiros é visto como uma maneira de atingir o melhor julgamento. A segunda fonte é a educação, que possui quatro funções: a compreensão de fatos históricos relevantes; o desenvolvimento de conhecimentos voltados à construção do caráter; o desenvolvimento de capacidades cognitivas, como a reflexão e a síntese, para pensar melhor; e, finalmente, a busca pelo autocontrole das emoções prejudiciais ao julgamento, tais como a raiva, a inveja e a arrogância (SIHAG, 2008). Como se pode observar, para Kautilya, a qualidade da gestão depende da qualidade do gestor, responsável pelas tomadas de decisões. Isso representa dizer que o mesmo considera administrar um processo inseparável do sujeito e da sabedoria que o mesmo foi capaz de construir. Em convergência com as ideias apresentadas por Sihag (2008), Born (2009; 2010) afirma que a sabedoria dos gestores estratégicos8, a qual conceitua “saberes estratégicos”, é constituída por conhecimentos, habilidades, competências, percepções e valores indispensáveis à tomada de decisão eficaz. Esta, segundo o autor, ocorre em diferentes espaços de aprendizagem, chamados de “camadas”, que são a família, a escola, a empresa e as associações. Tornase importante compreender o sentido de eficácia neste contexto, ao qual já se aplica a intenção de harmonizar interesses e alcançar objetivos socioambientais, organizacionais e pessoais. Para tanto, defende ser necessário que os gestores aprendam a deixar a posição de atores coadjuvantes nas empresas, assumindo o protagonismo e a responsabilidade pelas decisões que tomam. Condição para isso é o desenvolvimento de uma ética pessoal capaz de fazer suportar os conflitos e dilemas inerentes à alta gestão consciente. A Figura 2 apresenta um quadroresumo dos componentes e dos respectivos conteúdos dos saberes estratégicos. Uma empresa pode ser dividida em três níveis hierárquicos: estratégico, tático e operacional. Os gestores estratégicos (presidentes, diretores,...) compõem a chamada “alta administração”, a quem compete analisar o longo prazo e tomar decisões no sentido de conduzir a organização rumo aos seus objetivos (BATEMAN; SNELL, 1998). 8 28 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Figura 2 – Saberes Estratégicos: esquema-resumo (BORN, 2010) Como se pode observar na Figura 2, em sua parte periférica se encontram as camadas da construção dos saberes estratégicos. Escola e família são as camadas de influência predominante até a juventude, quando as outras camadas passam a operar. O sentido das setas maiores indica a ordem normal em que estas camadas de aprendizagem passam a fazer parte da vida do indivíduo, não sendo essa uma regra. Por sua vez, as setas menores demonstram as “idas e vindas” que ocorrem ao longo de uma trajetória pessoal. Um exemplo disso ocorre quando um jovem executivo busca conselhos profissionais junto ao seu pai. Os círculos trazem a ideia de movimento, pois é assim que se encontra a construção da sabedoria estratégica: do nascimento até a morte do sujeito. Os valores, critérios essenciais de tomada de decisão, também se transformam, em direção à formação de uma ética própria do sujeito. Contudo, costumam conservar em algum nível a essência da família. O caminho da “autoética”, defendido por Morin (2005), faz-se necessário para que o gestor consiga lidar com o conflito do egoísmo versus a vontade de pertencer. Por isso a posição dos valores na Figura 2: são eles os responsáveis pelo equilíbrio ao longo da trajetória de construção dos saberes estratégicos. O primeiro valor do gestor estratégico é o trabalho. Não porque é simplesmente isso que se espera de um alto diretivo, mas porque estar envolvido com a criação de produtos úteis à sociedade é o que traz significado a uma Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 29 existência e coloca o sujeito em contato com o seu meio, assim como também afirmaram Maslow (2001) e Schaie e Willis (2003). Não só a responsabilidade, compreendida como dever com os outros, mas também a integridade é um importante critério de decisão na vida de um gestor. O conhecimento, ou melhor, a sua busca, é um valor que deve ser considerado objetivo e estratégia no desenvolvimento da sabedoria estratégica. A curiosidade move o sujeito em direção a novas experiências de aprendizagem. Em outras palavras, deve-se buscar conhecer mais para conseguir saber mais. Finalmente, a sustentabilidade é um valor que se mostra útil não somente por seus evidentes benefícios sociais, mas também por ser capaz de conectar o mundo interior do gestor ao mundo que o cerca, aguçando suas percepções e o tornando mais apto a decisões complexas. Além disso, esse é um valor com grande potencial de geração de equilíbrio e bem-estar pessoal. Os conhecimentos que compõem os saberes estratégicos se dividem em quatro conteúdos, cujo interesse é qualitativo e não quantitativo, isto é, devese aprender caminhos para entender como melhor se apropriar daquilo que é necessário para resolver os problemas que se colocam diante do gestor. Neste sentido, de acordo com Gerdau (apud BORN, 2009), deve-se conhecer economia mundial e local, que permite atribuir “ordem” ao pensamento; filosofia, que possibilita refletir sobre a ordem estabelecida; relações políticas, que fortalecem os laços com o ambiente externo; e, ainda, o próprio setor de atuação, para se obter a necessária profundidade para a tomada de decisão. As habilidades que compõem a sabedoria do estrategista são duas: a resistência à pressão e a persistência nos objetivos. Possuem como ponto comum a resiliência, que consiste na habilidade de tolerar emoções que possam ser prejudiciais ao processo de aprendizagem. Assim, o gestor sábio deve ser capaz de se manter firme aos seus valores e propósitos de longo prazo, mesmo sob coerção interna ou externa. Três competências merecem destaque na construção de um gestor estratégico. Segundo Born (2009), elas coincidem com inteligências descritas por Gardner (1994; 1995), que são maximizadas quando a capacidade genética soma-se ao treinamento ao longo da vida. A inteligência (ou competência) lógico-matemática auxilia o gestor a formular diagnósticos mais precisos diante de situações complexas. A inteligência interpessoal, por sua vez, refere-se à habilidade de compreender e ser capaz de responder em sintonia aos pensamentos e sentimentos dos outros. Ainda, a intrapessoal consiste na competência de uma pessoa compreender a si própria e encontrar soluções para seus conflitos e 30 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) problemas. Em outras palavras, essa competência se faz indispensável, pois, para gerir uma empresa com lógica e com boas relações humanas, antes o sujeito deve ser capaz de gerir a si próprio. Finalmente, seis conteúdos perfazem as “percepções” e reforçam a importância que o sentir possui na tomada de decisão estratégica. A intuição frente às oportunidades é a primeira delas. Confiança para tomar proveito das oportunidades e com isso aprender é outra. Possuir consciência de longo prazo é fundamental para um gestor estratégico, assim como ser dotado de crítica e autocrítica, ou seja, de uma postura aberta e questionadora com relação ao mundo e a si próprio. Sentir-se um ser inacabado é outra percepção importante, de outra forma a sua curiosidade se reduz e diminuem as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. Por fim, possuir “sensibilidade concreta” torna possível buscar explicações mais abertas e permeadas pela complexidade. Considerações Finais Retornando aos questionamentos iniciais, o primeiro ponto abordado será a dúvida que se lançou a respeito da suficiência do conhecimento provido na escola de negócios para fazer frente aos desafios da carreira de administrador. Através da leitura de Pozo (2007), Sihag (2008) e Born (2009; 2010), pode-se afirmar que o conhecimento é a condição necessária, porém não suficiente para a gestão estratégica de organizações. Para tomar decisões em nível estratégico, torna-se necessário trilhar um caminho de aprendizagem que envolve outros locais, além da escola de negócios, e que compreende a totalidade de um ciclo vital. Como se viu, o conhecimento é uma importante arma na resolução dos problemas do gestor. Entretanto, por exemplo, o mesmo necessitará ser capaz de sentir o ambiente em que se encontra, para fazer “leituras adequadas”, bem como de ética, para decidir acertadamente, mesmo sob pressão. Assim sendo, para fazer frente aos problemas típicos da alta gestão, reforça-se a necessidade dos saberes estratégicos, que são compostos por valores, conhecimentos, habilidades, competências e percepções. Muito embora o conhecimento seja algo insuficiente para gerir organizações, curiosamente, ao elegê-lo como meio (estratégia) e fim (objetivo) em suas vidas, os indivíduos acabam por encontrar a sabedoria estratégica. Segundo o estudo de Born (2009), isso ocorre porque a inquietude e a curiosidade por conhecer mais acabam por mover o sujeito em direção a oportunidades de aprendizagem, imbuindo-o da confiança necessária para encarar os desafios Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 31 (riscos) inerentes a estes eventos. Portanto, em busca de conhecimento, muitos alcançam sabedoria. Todavia, acredita-se que, ao discernir corretamente conhecimento e sabedoria estratégica, a jornada de desenvolvimento pessoal e profissional do administrador possa se tornar mais eficaz e proveitosa. O segundo questionamento lançado ao início deste texto foi mais ousado: estariam as escolas de negócios provendo serviços capazes de atender a totalidade dos interesses envolvidos em sua atuação? Para se buscar respostas, antes há de se levar em conta que as instituições de ensino diferem entre si, portanto, as situações podem variar consideravelmente. Levando-se em conta a abordagem teórica aqui proposta e a visão tradicional do marketing, que sugere o cliente (aluno) como princípio e fim da atividade empresarial, e observando o modelo proposto por Levitt (1990), que prevê o desenvolvimento de produtos orientados aos problemas do cliente, então, pode-se esboçar uma resposta: as escolas de negócios estão voltadas para o desenvolvimento dos conhecimentos de seus alunos. A insuficiência na formação de gestores estratégicos pode ser vislumbrada diariamente em notícias sobre os setores público e privado. Tratase, em boa parte, de uma questão conceitual relacionada à definição de quem é o cliente e quais são os problemas de fato a serem resolvidos. Felizmente, o marketing societal e, depois, a sustentabilidade, estão auxiliando a promover iniciativas no sentido de se colocar comunidade, professores, empresários, trabalhadores, ONG´s, governo, além dos próprios alunos, juntos na especificação da qualidade desejada nos serviços de educação de negócios. Céticos podem questionar a importância da orientação das escolas de negócios para os stakeholders, afinal o sujeito da educação é o aluno e, ao menos em escolas privadas, é ele quem “paga a conta”. Entretanto, a sabedoria estratégica supera o conhecimento, sendo essencial à formação de gestores eficazes. Neste contexto, deve-se questionar a razão pela qual a escola de negócios se encontra tão amarrada ao desenvolvimento de conhecimentos. Evidentemente, como exposto, é quase uma questão paradigmática. Contudo, deve-se considerar a incapacidade de um só grupo de indivíduos (no caso os alunos) especificarem a qualidade dos serviços de educação em negócios que, em última instância, impactarão não somente sobre as suas vidas, como também sobre a de muitos. Por fim, pode-se dizer que o aluno é uma parte muito relevante na concepção da qualidade dos serviços prestados pelas escolas de Administração. Mas os stakeholders são a sua totalidade. O conhecimento, por sua vez, é uma parte importante do produto dessas organizações. Porém, os saberes estratégicos 32 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) representam o “produto potencial”, a direção para que os diretores de escolas devem olhar na busca pelo “produto aumentado”, capaz de desenvolver administradores com sabedoria suficiente para administrarem organizações de maneira sustentável e realizarem a si próprios. REFERÊNCIAS BATEMAN, Thomas S.; SNELL, Scott A. Administração: construindo a vantagem competitiva. 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A qualidade no domínio da educação profissional e nos cursos superiores de tecnologia tornou-se uma questão de importância crescente, tanto para os investigadores e profissionais da educação, como para a comunidade em geral (VIEBRANTZ, 2010). Uma variedade de abordagem, sobre qualidade, tem sido desenvolvidas e implementadas em diferentes setores como, por exemplo, no ensino superior (CRUICKSHANK, 2003), nas escolas, na educação profissional e tecnológica (GREENWOOD; GAUNT, 1994), no setor de educação à distância (YASIN et al., 2004), ou na indústria de serviços em geral (DOUGLAS; FREDENDALL, 2004; ITTNER; LARCKER, 1997). As abordagens, sobre qualidade em educação, diferem em vários aspectos, como âmbito ou metodologia. Não há um entendimento comum sobre a terminologia ou a metodologia da qualidade, porque qualidade pode ser vista a partir de uma variedade de perspectivas e dimensões. Ehlers (2003) e Ehlers e Pawlowski (2004), afirmam que a qualidade possui uma perspectiva multi no seu construir. A principal perspectiva é a terminologia e os correspondentes da compreensão de qualidade. O termo qualidade não é definido e interpretado como no senso comum. Uma definição, de qualidade, amplamente utilizada por Juran (1951, 1974, 1992) é a Adequação à finalidade. Além disso, a International Organization for Standardization (2000) define qualidade dentro a norma ISO 9000:2000 como a capacidade de um conjunto de características intrínsecas de um produto, sistema, ou processo em cumprir as exigências dos clientes e outras partes interessadas. No entanto, para Pawlowski (2007), estas definições são demasiado genéricas para ser aplicado no domínio da aprendizagem na educação tecnológica. Os requisitos específicos de ambientes de aprendizagem, na educação tecnológica, tais como a incorporação das complexas funções no processo educacional, não são tidos em conta. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense – Campus Camaquã. Cursando Pós-Doutorado em Educação - PUC/RS. [email protected] 1 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 35 A partir de outra perspectiva, a qualidade depende também do seu âmbito e objetivos. Vários conceitos foram desenvolvidos para fins genéricos, tais como a gestão da qualidade total (DEMING, 1982). A Gestão da qualidade total também foi aplicada a setores específicos, por exemplo, sistemas de informação de gestão (CORTADA, 1995; RAVICHANDRAN, 2000), desenvolvimento de software (RAI, SONG; TROUTT, 1998; GILL, 2005), ou na gestão do ensino superior tecnológico (CRUICKSHANK, 2003). Além disso, vários conceitos foram desenvolvidos para específicas finalidades, tais como métricas de qualidade dos dados (PIPINO; LEE; WANG, 2002) ou para medir o desempenho dos alunos e dos professores (SHAHA, et al., 2004). A perspectiva recente, em educação tecnológica, com o foco na metodologia da abordagem da qualidade é a garantia de qualidade.2 As diferentes perspectivas de qualidade em educação tecnológica definem a qualidade no seguinte reunião adequada das partes interessadas objetivo e necessidades, que são o resultado de um processo transparente, participativo e de negociação dentro de uma organização (PAWLOWSKI, 2007). Além disso, no campo do ensino tecnológico, a qualidade está relacionada a todos os processos, produtos e serviços para a aprendizagem, apoiada pela utilização de informações e tecnologias de comunicação. Para Pawlowski (2007), a definição de qualidade, em educação tecnológica, precisa ser fundamentada em vários atributos refletindo diferentes perspectivas. Na perspectiva de Pawlowski (2007), o principal problema, para as organizações educacionais tecnológicas, é encontrar um conceito de qualidade adequado que atenda às suas exigências e necessidades no que diz respeito aos atributos (VIEBRANTZ; MOROSINI, 2009). No domínio da abordagem da qualidade para a aprendizagem tecnológica, as abordagens genéricas não são limitadas a um domínio (como a organização educacional ou provedores de aprendizagem). Elas são adaptadas às exigências específicas no domínio. Mas as abordagens específicas de qualidade são abordagens que lidam com certos aspectos do domínio da aprendizagem (PAWLOWSKI, 2007). 2 Para a Organização - Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a garantia de qualidade pode ser descrita como uma atenção sistemática, estruturada e contínua à qualidade em termos de manutenção e melhoramento da qualidade e, em termos mais concretos, de políticas, ações e procedimentos necessários para assegurar que aquela qualidade está sendo mantida e melhorada. O conceito de garantia de qualidade é, portanto, complexo, até o ponto em que abrange as dimensões múltiplas de inputs, processos e resultados, bem como a maneira como essas dimensões mudam ao longo do tempo. Na prática, atividades de garantia de qualidade tomam várias formas e abrangem um amplo espectro de processos designados para monitorar, manter e aumentar a qualidade. Essas atividades alcançam desde diretrizes e orientações genéricas a processos internos de auto-revisões e revisões externas. Diferentes abordagens podem ser tomadas por sistemas de garantia de qualidade. Essas não são mutuamente exclusivas, e agências/órgãos de garantia de qualidade podem adotar uma ou mais dessas, abordagens, de acordo com diferentes sistemas e tradições educacionais, e a OCDE destaca a Acreditação, a Avaliação e a Auditoria. 36 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) As abordagens genéricas, como a ISO 9000:2000 (International Organization for Standardization, 2000) ou European Foundation for Quality Management (EFQM, 2003) são amplamente utilizados e bem aceitas no campo da gestão da qualidade, na educação tecnológica. No entanto, para Pawlowski (2005), o esforço para adaptar as abordagens é muito elevado. Para Pawlowski (2005), normalmente uma organização educacional tecnológica, não tem muita orientação específica de domínio para fornecer descrições dos seus processos educativos. Apesar dessas dificuldades, existe uma variedade de exemplos bem sucedidos na educação tecnológica. Cruickshank (2003) mostra que é possível a utilização dessas normas no contexto da aprendizagem tecnológica, mas que a adaptação dessas normas ainda requer um grande esforço. Além disso, nenhuma dessas abordagens tem uma vasta aceitação na Europa (EHLERS, 2003). Pawlowski (2007), ao referir-se às abordagens relacionadas, afirma que existe uma variedade de abordagens relacionadas a um determinado objetivo de qualidade. Estes padrões são utilizados para assegurar a qualidade com aspectos muito específicos, tais como a qualidade dos dados ou a interoperabilidade. As abordagens podem ser classificadas do seguinte modo: Tipo de Norma Proposta Abordagens genéricas de qualidade Conceitos de gestão da qualidade ou garantia de qualidade, independente do domínio de uso. Abordagem específica de qualidade para aprendizagem, na educação tecnológica Abordagens relacionadas Gestão da qualidade ou conceitos de garantia da qualidade para o campo da aprendizagem na educação tecnológica. Exemplo ISO 9000:2000 (International Organization for Standardization, 2000) EFQM (European Foundation for Quality Management, 2003) BLA Quality Mark Association, 2005) (British Learning QAA Framework (Consortium for Excellence in Higher Education, 2001) Quality on the Line Benchmarks (Institute for Higher Education Policy, 2000) ASTD Quality Criteria, American Society for Training & Development (2001) Gerenciar ou garantir aspectos específicos de qualidade. Por exemplo, aprendizagem de padrões de tecnologia são usados para assegurar interoperabilidade com um objetivo específico de qualidade. Learning Object Metadata IEEE Learning Technology Standards Committee (2002) Data Quality (Pipino et al., 2002; Pierce, 2004) Quadro 1 - Classificação das abordagens de qualidade - Fonte: Elaboração da autora a partir de Pawlowski, 2007. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 37 Em geral, as abordagens da qualidade – genéricas, específicas e abordagens relacionadas podem ser útil para fins pedagógicos nas organizações de educação tecnológica. No entanto, para Pawlowski (2007), existem várias deficiências: antes de tudo, a maioria das normas e das abordagens não é comparável; somente os peritos entendem em profundidade as normas, os usuários são informados sobre a extensão e aplicabilidade de um determinado contexto. Entretanto, os esforços, em muitos casos, são demasiado elevados, na adaptação de normas genéricas. Sem contar que as normas são normalmente não utilizadas e não bem conhecidas na comunidade. Assim sendo, para Pawlowski (2007), o objetivo de transparência não pode ser alcançado, em profundidade, por essas normas e abordagens. (GLEAZER; PARNELL; PIERCE, 2004; HIRATA, K. 2006; PIERCE, 2004; THIAGARAJAN; ZAIRI, 1997;). Nesse contexto nascem novas normas, novos processos, para tentar harmonizar a gestão da qualidade em ambientes educacionais tecnológicos. Por exemplo, a norma ISO/IEC 19761-1 e o modelo de processo PAS 1032-1, são as mais importantes no contexto educacional tecnológico. Sendo assim, nos perguntamos quais são as possíveis dimesões e indicadores de qualidade necessários para avaliar cursos de graduação tecnológicos? Para tanto, o objetivo principal deste trabalho é apresentar dimensões e indicadores de qualidade para Avaliação de Cursos Tecnológicos que possam contribuir para assegurar a qualidade. Procedimentos metodológicos Este estudo é caracterizado como de natureza predominantemente qualitativa. Quanto aos seus objetivos se caracteriza como exploratório, visto que buscou gerar insights e descobrir idéias gerais sobre a qualidade e a garantia de qualidade no que diz respeito ao problema em estudo. As técnicas utilizadas foram a pesquisa bibliográfica e a documental. A pesquisa bibliográfica tanto possibilitou o resgate dos principais conceitos e discussões inerentes a qualidade e a garantia de qualidade, como orientou e subsidiou o levantamento e a construção da matriz de referência usado para análise. A pesquisa documental capta, na legislação, os mecanismos de ordenamento da qualidade nas instituições de ensino profissional e tecnológica e de modo específico nos cursos superiores tecnológicos. Para verificar a consistência dos modelos na construção das dimensões e dos indicadores, em nível de curso de graduação tecnológico, seguiu-se, entre outros, as abordagens de Juliatto (2005; AQUINO; COOTE, 1991; 38 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) SRIKANTHAN; DALRYMPLE, 2002; DILL, 2000; DUBOIS, 1998; GARVIN, 1992; GREEN, 1968; HOURSBURHG, 1999; HUTCHINS, 1993; AQUINO.;PUENTES, 2004; SRIKANTHAN 2002; LAKATOS; MARCONI, 2001; KUH, 2009; PFEFFER, N.; COOTE, 1991; PISTRAK, 1981; TAM, 2001). A matriz de referência, para a elaboração das dimensões e dos indicadores, foi construida a partir do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES (SINAES, 2004) - e das Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO - Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI- (MAYOR, 1998); da norma ISO/IEC 19796-1:2005, dos modelos de processos (PAS 1032-1; EFQM); e levamos em consideração o processo de gestão sistêmica do Senac/RS. Para a sistematização da matriz (dimensões e indicadores), seguiu-se a orientação de Contandriopoulos (1999) e outros, em que a análise qualitativa dos mesmos compreendeu as seguintes etapas: a) escolha das normas e processos para a construção da matriz; b) seleção dos modelos; c) projeto e protocolo de análise; d) escolha e aplicação dos modos de análise; e) análise transversal; f) construção das dimensões e dos indicadores de qualidade em nível de curso de graduação tecnológico. Matriz Referência: Para Construção de Dimensões e Indicadores de Qualidade para Educação Tecnológica Juliatto (2005), afirma que a qualidade em organizações de educação superior, necessita derivar para ação concreta e para resultados. Destaca ainda, que a qualidade aferida por quaisquer critérios, em dada situação, ou está ausente ou está presente. Desta forma, “o problema” da sua aferição torna-se um problema de avaliação empírica e prática. Assim, a qualidade requer visibilidade e precisa ser demonstrada, pois não existe qualidade invisível. O autor em sua abordagem de qualidade combinou estudos diferentes e complementares para dimensionar a qualidade e categorizou indicadores para sua aferição segundo três categorias: insumo, processo e produto. Os indicadores utilizados são: a) Indicadores da qualidade do insumo: que é o sentido de missão institucional, ambientes de vivência estudantil, tamanho institucional, recursos financeiros e qualidade dos candidatos matriculados; b) Indicadores da qualidade do processo: que é a estrutura institucional, envolvimento do estudante, interação professoraluno, esforço do aluno, acesso ao conhecimento, grau de exigência, ensino competente e projeto pedagógico; c) Indicadores de qualidade do produto: Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 39 necessita ser aferida pelos critérios da missão institucional, tanto quanto pela adequação e resposta à clientela que serve. Tam (2001, p. 49), observa que como resultado das diferentes visões sobre qualidade na educação superior, uma variedade de “sistemas e abordagens tem sido desenvolvida para monitorar qualidade de diferentes tipos e em diferentes níveis, indicando ênfases e prioridades variadas.” Estes sistemas incluem: a) Controle de qualidade: é um sistema para verificar se os produtos produzidos ou os serviços fornecidos alcançam os padrões pré-definidos; b) Garantia da qualidade: é baseada na premissa que cada um na organização tem a responsabilidade de manter e elevar a qualidade do produto ou do serviço; c) Auditoria da qualidade: são os meios de certificar-se de que os sistemas e as estruturas relevantes dentro de uma instituição apóiam sua missão de ensinar, e para assegurar-se de que a prevenção é ou está além de um nível satisfatório da qualidade; d) Avaliação da qualidade: envolve o julgamento no desempenho de critérios, internamente e externamente. Para avaliar as instituições de educação superior; compara-se o desempenho através de uma escala de indicadores. Os indicadores estão associados a diferentes dimensões. Para o SINAES (SINAES, 2004, p. 14), “ [...] indicadores são aspectos, qualitativos e quantitativos, que possibilitam obterem-se evidências concretas, que, de forma simples ou complexa, caracterizam a realidade dos múltiplos elementos institucionais que retratam.” Entretanto, Juliatto (2005, p. 79) alerta que “os indicadores de qualidade mudam em função do tempo, como acontece com o próprio conceito de qualidade em educação.” Para a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI, (MAYOR 1998) chega-se a qualidade através do conceito fundamental que é “garantia da qualidade”. O sistema de garantia de qualidade é um meio utilizado pela instituição para confirmar, para si própria e aos outros, que foram estabelecidas as condições indispensáveis para os estudantes atingirem os padrões que a instituição fixou para si. A OECD (2009), ao referir-se a “globalização do ensino superior para 2030” - afirma que: o foco na garantia de qualidade irá reforçar a cooperação transfronteiriça da educação superior em resposta ao crescimento do ensino privado, dos rankings institucionais e na busca de responsabilização, ou seja: a ênfase na garantia da qualidade global começou a avançar para a avaliação educativa e os resultados do mercado de trabalho, em vez de insumos, mas ainda há notáveis diferenças entre a auditoria e abordagens de avaliação em todas as regiões. Ao mesmo tempo, pode-se observar o aparecimento de acreditação transfronteiriça e 40 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) um reforço geral de cooperação além-fronteiras - várias redes regionais de agências de garantia da qualidade foram estabelecidas e há um crescente interesse na criação comum regional de critérios e metodologias, particularmente na Europa. “O surgimento de um quadro comum de garantia de qualidade em uma escala global não parece provável no futuro próximo.” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2009, p.17). Em Pawlowski (2007), a definição de qualidade, em educação tecnológica, precisa ser fundamentada em vários atributos refletindo diferentes perspectivas. Para descrever abordagens de qualidade em profundidade, o autor sugere que seja observado os atributos que podem nos ajudar a distinguir conceitos de qualidade: a) Contexto e âmbito de aplicação: refere-se ao contexto da abordagem, ou seja, que processos abrangem; b) Objetivos: os objetivos de qualidade podem ser alcançados por uma abordagem. c) Foco: foco na abordagem de qualidade das: 1) organizações / processos, 2) produtos/serviços, ou 3) competências; d) Perspectivas: refere-se às partes interessadas e, correspondentemente, a partir da qual uma perspectiva ou abordagem de qualidade foi concebida; e) Metodologia: métodos e instrumentos que são utilizados; f) Métricas: critérios e indicadores aplicados para medir o sucesso. As abordagens e as normas apresentadas no memorial de referência para a construção da matriz das dimensões e indicadores de qualidade, em nível de curso de graduação tecnológica, traduzem elementos que asseguram a construção da qualidade na perspectiva da garantia de qualidade e de atendimento às demandas de diferentes “stakeholders”. A metodologia de construção da matriz já foi apresentada anteriormente. Modelo Idéia UNESCO - Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI, – (MAYOR, 1998) Garantia da Qualidade Visão Sistêmica - holística Determina como demissões de qualidade: - do pessoal; - dos projetos; - dos estudantes; - da infra-estrutura; - e do ambiente interno e externo. 41 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores ISO/IEC 19796-1:2005 Foco na Aprendizagem; Visão Sistêmica - holística O modelo de processo, desta norma é abrangente, cobre todos os aspectos e exigências dos fornecedores, bem como dos usuários e da aprendizagem. Apóia o desenvolvimento de perfis das organizações educacionais tecnológicas (como objetivos, métodos, relações, e as pessoas envolvidas). 1) Necessidade de análise - Identificação e descrição dos requisitos, exigências e limitações de um projeto de ensino; 2) Estrutura de análise - Identificação da estrutura e do contexto de um processo educativo; 3) Concepção / Projeto - Concepção e planejamento de um processo educativo; 4) Desenvolvimento / produção - Realização de conceitos; 5 Implementação - Descrição componentes tecnológicos; da implementação ) dos 6) Processo de aprendizagem - Realização e utilização do processo de aprendizagem; 7) Avaliação / otimização - Descrição dos métodos de avaliação, princípios e procedimentos; - Esta norma de qualidade prevê uma abordagem harmonizada para gerir, a garantia de qualidade, ou avaliar a qualidade. - A descrição do modelo proporciona processos para desenvolver cenários de aprendizagem especificando: objetivos de qualidade; métodos para garantir a qualidade; agentes envolvidos neste processo; relações com outros processos; métodos de avaliação para avaliar o sucesso de um processo; normas de referências. 42 PAS 1032-1 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Foco na Aprendizagem; Modelo de processo holístico – editorial, documentação, avaliação; Categorias: - Análise das necessidades; - Quadro de análise; - Concepção / Design; - Desenvolvimento / Produção; - Implementação; - Processo de aprendizagem realização; - Avaliação / Otimização. EFQM Modelo de processo – holístico - Conceitos Fundamentais da Excelência: Orientação para os resultados; Foco no cliente; Liderança e constância de propósitos; Gestão por processos e fatos. O modelo é baseado em nove critérios (cinco critérios “facilitadores” e quatro critérios de resultados. A liderança; A gestão do pessoal; A política e a estratégia; As parcerias e os recursos; Os processos; A satisfação do pessoal; A satisfação do cliente; A integração à coletividade; Os resultados operacionais. A EFQM propõe diferentes métodos de auto-avaliação: auto-avaliação por workshop; auto-avaliação pelo diagrama de matriz; auto-avaliação por check list; auto-avaliação por formulário; auto-avaliação pela simulação de uma proposta de avaliação nacional ou internacional; auto-avaliação pelo envolvimento de colegas/pares. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores SINAES/CURSO Lei - 10.861/ 2004. 43 O Estado - Regula, Avalia e Supervisiona. SINAES Regulação pelo MEC – Condução do processo INEP. - SINAES – visão sistêmica. Os instrumentos que subsidiam a produção de indicadores de qualidade e os processos de avaliação de cursos são: - o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) - e as avaliações in loco realizadas pelas comissões de especialistas. No âmbito do Sinaes e da regulação dos cursos de graduação prevê avaliação periódica. Três tipos de avaliação: Para autorização: Essa avaliação é feita quando uma instituição pede autorização ao MEC para abrir um curso. Ela é feita por dois avaliadores, que seguem parâmetros de um documento próprio que orienta as visitas, os instrumentos para avaliação in loco. São avaliadas as três dimensões do curso quanto à adequação ao projeto proposto: a organização didático-pedagógica; o corpo docente e técnico-administrativo e as instalações físicas. Para reconhecimento: Quando a primeira turma do curso novo entra na segunda metade do curso, a instituição deve solicitar seu reconhecimento. Uma segunda avaliação é feita segundo instrumentos próprios para verificar se foi cumprido o projeto apresentado para autorização. Sendo avaliada a organização didático-pedagógica, o corpo docente, discente, técnico-administrativo e as instalações físicas. Para renovação de reconhecimento: Essa avaliação é feita de acordo com o Ciclo do Sinaes, ou seja, a cada três anos. É calculado o Conceito Preliminar do Curso (CPC) e aqueles cursos que tiverem conceito preliminar 1 ou 2 serão avaliados in loco. Os cursos com conceito 3 e 4 receberão visitas apenas se solicitarem. - Avalia-se: Dimensão 1: Organização Didático-pedagógica; Dimensão 2: Corpo docente; Dimensão 3: Instalações físicas. SENAC-RS Modelo de gestão sistêmica Normas adotadas: ISO 9001:2000; Programa Gaúcho da Qualidade; SINAES; Indicadores Institucionais. Quadro 2 - Memorial dos processos e normas de qualidade: referência para a elaboração da matriz das Diemsões e dos Indicadores. Fonte: a autora (2009). 44 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Proposição de: Dimensões e Indicadores para Avaliação de Cursos Tecnológicos Avaliar a qualidade de um curso tecnológico não é uma tarefa simples; existem vários trabalhos na literatura que definem itens que são utilizados no processo de avaliação os quais podem fornecer parâmetros para indicar melhorias a serem efetuadas sobre os diversos aspectos do curso avaliado, da instituição e ou do sistema educacional. Embora sejam utilizadas denominações diferentes para esses itens (indicadores, diretrizes, componentes, padrões), todos eles têm como objetivo: fornecer pontos de referência para a avaliação da qualidade de um curso tecnológico, da instituição e ou do sistema educacional. Algumas das normas estudadas, nesse texto, ressaltam em suas políticas, diretrizes e padrões de qualidade definidos, para o ensino superior a nível institucional e de curso, a necessidade de uma equipe profissional multidisciplinar. A importância da comunicação e interatividade entre professor e aluno e a necessidade de infra-estrutura de apoio, entre outros. Ainda que existam referências sobre a avaliação de cursos, percebe-se que esta ainda é uma tarefa árdua de ser realizada, entretanto verificar, se uma determinada dimensão/indicador está inteiramente, parcialmente ou não está contemplado; requer que o avaliador compreenda o que deve ser analisado sobre aquele item e consiga obter as informações que lhe permita dar um parecer sobre ele. O modelo de referência das dimensões e dos indicadores, para avaliação de cursos de graduação em tecnologia, nasceu de uma longa revisão bibliográfica e análise dos modelos investigados. Fundamenta-se na - Lei n. 10.861/04, SINAES -, em uma visão sistêmica da Educação Superior concebida pela UNESCO - na Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI, (MAYOR, 1998) e em uma visão holística, concebida pela norma ISO/IEC 19796-1:2005, pelo PAS 1032-1 e EFQM, entre outros. Na construção das dimensões e indicadores, levou-se, também, em consideração algumas necessidades e competências que o aluno, hoje, precisa ter: conhecimento, competência e rede (MOROSINI, 1999, 2009a, 2009b; PAWLOWSKI, 2007). Isso vai além da exigência de aprendizagem autodirigida ou autoguiada. Estamos falando sobre o surgimento do trabalhador do conhecimento e seu poder, usando o conhecimento, informação e tecnologias de aprendizagem para retomar o controle de sua própria vida, capital pessoal e intelectual (KUH, 2009; MOROSINI, 2008a; 2008b; SANTOS, 1975, 2004a ,2004b). Para a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 45 elaboração do quadro abaixo, partimos do princípio de que, além dos deveres de responsabilidade com sua própria aprendizagem, o educando para desenvolver seus conhecimentos, competências e relacionamentos de rede; necessita garantir alguns direitos que foram elencados a partir da fundamentação teórica desse texto e da experiência da autora no trabalho com a educação profissional e cursos de graduação tecnológico, entre outros autores (MOROSSINI, 2008a; SOUZA, 2005; TARDIF, 2002; TEICHLER, 2005). Segue abaixo os direitos: Direito Os educandos têm o direito de 1. Acesso à aprendizagem acesso aberto e igualitário à educação, formação e outras oportunidades de aprendizagem; 2. Informação sobre a aprendizagem informações completas e precisas sobre a aprendizagem; 3. Aprendizagem e orientação informação aberta e orientação sobre todos os aspectos da educação, oportunidades e direitos; 4. Aprendizagem e administração uma administração eficiente, cortês e rápida; 5. Aprendizagem e pessoal de apoio ser apoiado por pessoal qualificado e competente, que estejam ativamente envolvidos em seu desenvolvimento profissional contínuo; 6. Ambiente de aprendizagem um ambiente adequado, acessível ao estado da arte da aprendizagem facilitando o apoio dos pares; 7. Portfólio um portfólio para planejar e gerir a aprendizagem, valores e bens dentro da comunidade de aprendizagem; 8. Atividades de aprendizagem aprendizagem que é relevante para a vida do aluno; 9. Recursos de aprendizagem apropriado de recursos de aprendizagem para facilitar a aprendizagem autodirigida; 10. Normas profissionais Precisas e normas profissionais atualizadas; 11. Planejamento de aprendizagem participar ou ser adequadamente representado no planejamento de atividades de aprendizagem de conhecimento geral; 12. Aprendizagem prévia reconhecimento da aprendizagem prévia; 13. Aprendizagem e indução indução adequada nos processos de aprendizagem; 14. Estratégias de aprendizagem estratégias de aprendizagem personalizadas e uma gama equilibrada de aprendizagem e estratégias pedagógicas; 46 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) 15. Aprendizagem autodirigida controle pessoal aprendizagem; sobre a experiência 16. Acompanhamento e avaliação um processo de avaliação justa e transparente; 17. feedback de queixas/ reclamações um retorno justo e eficaz aos comentários e reclamações. de Quadro 3 - A lei dos direitos do educando. Fonte: A autora (2009). As nove dimensões e os seus indicadores que sugerimos, a partir da metodologia já explicitada, para avaliar a qualidade de um curso de graduação tecnológico são: Quadro 4 - Dimensões para avaliar um curso de graduação tecnológico. Fonte: A autora (2009). Em cada uma das nove dimensões vamos encontrar indicadores, os quais são passíveis de mutação conforme a realidade institucional de cada organização de educação tecnológica que esteja sendo avaliada em um determinado tempo e espaço. Dimensão Indicadores Analisar o mercado potencial e as características do produto; 1- Inclusão na economia do conhecimento Supervisão e controle da cadeia de valor sobre o retorno e sobre o método de investimento; Avaliação e regular otimização no processamento de custos; Participação do formando no mercado de trabalho, na comunidade e na sociedade. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 2 - Organização técnica do curso 47 Desenvolvimento e implementação de normas/ diretrizes e medidas para garantir a qualidade técnica; Conformidade dos recursos com as normas técnicas internacionais; Descrição dos recursos técnicos e comprovação de seu uso na IES. Projeto padrão do curso; Congruência do projeto com diretrizes da área; 3- Planejamento do curso Apreciação e avaliação do projeto de curso por um comitê e pelos participantes; Verificação regular do conteúdo do curso e design; Normas mínimas para o desenvolvimento de conteúdo. Consulta individual ao aluno; 4 - Organização do curso Pré-requisitos de seleção do aluno individualmente; Mostrar possíveis caminhos e métodos de estudo; Tutores, para os alunos, nos processos de aprendizagem individual. Integração regular de um “controle” no ensino; 5 - Implantação do Curso Implementação de um curso construtivo e contemporâneo que proporcione feedback ao aprendiz; Integração entre os alunos; 6 - Apoio ao aluno Apoio em questões técnicas, organizacionais e conteúdos orientados; Normalização dos processos de apoio. Educação regular e capacitação; 7 - Apoio aos educadores 8 - Acesso à rede educacional Auto-avaliação; Suporte técnico. Segurança nos dados e privacidade; Mecanismos de controle no acesso a rede; Qualidade, da rede, disponível. Verificação dos objetivos de aprendizagem; 9 - Avaliação e auditoria Eficácia do curso; Elevação nos dados e avaliação regular do curso. 48 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Quadro 5 - Dimensões e Indicadores de qualidade para avaliar um curso de graduação tecnológico. Fonte: A autora (2009). O processo de acreditação de um curso superior de tecnologia conforme as nove dimensões e indicadores3 apresenta o seguinte fluxo: Figura 1 - Processo de acreditação. Fonte: A autora (2009). A partir das nove dimensões e dos indicadores avaliados no curso superior de tecnologia, sugerimos que seja na medida do possível levado em consideração, também, os processos de aprendizagem individual, das comunidades de aprendizagem e da aprendizagem territorial, avaliando alguns possíveis indicadores. Quem Que % tempo gasto na aprendizagem (formal, informal e não formal). Como o que eu aprendi mudou a minha vida como cidadão, trabalhador, cônjuge, etc? Quais são os meus estilos de aprendizado preferidos? % de indivíduos que alcançaram sucesso no programa/curso. Qual é o impacto do programa sobre o desempenho da organização? Quais são os métodos de ensino e aprendizagem utilizados? Comunidade (profissional) % dos profissionais engajados em uma comunidade e no desenvolvimento profissional contínuo. Quais são as práticas emergentes provocadas pela comunidade? Como fazer comunidades de apoio à prática reflexiva e prática informada? Organização % do pessoal envolvido em atividades de aprendizagem. Desenvolvimento e adaptação da proporção de aprendizagem? Como é o reconhecimento da aprendizagem nãoformal? Individual Programa/ curso 3 Os 24 meses são apenas como referência. Como 49 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores Comunidade/ cidade/região % de cidadãos que participam ativamente em associações, clubes e redes. % da população registrada na educação de adultos centros culturais e universidades populares. Sistemas de orientação, centros comunitários, bibliotecas públicas, etc. Sociedade % dos cidadãos e de trabalhadores, engajados a qualquer momento em atividades de aprendizagem. Proporção cultural/ profissional de aprendizagem. % de qualificações entregues embora a acreditação prévia da aprendizagem. Quadro 6 - Indicadores de aprendizagem necessários em um curso de graduação tecnológico-Fonte: A autora (2009). Avaliar a qualidade de um curso de graduação tecnológico não é uma tarefa simples. A definição de um processo de qualidade é uma atividade extremamente criativa e demanda empenho para a definição da arquitetura a ser utilizada. Neste aspecto, o uso dos “modelos” de qualidade (da norma ISO/ IEC 19796-1:2005, pelo PAS 1032-1 e EFQM, entre outros) sugeridos neste texto como fundamentais para a educação profissional tecnológica representam um grande atalho, uma vez que a organização dos “modelos” e sua arquitetura podem ser aproveitados. Embora a necessidade de continuidade e aprimoramento deste estudo, espera-se que a matriz das diemsões e dos indicadores proposto possam contribuir para o desenvolvimento da gestão da qualidade e da garantia da qualidade nos cursos tecnológicos. REFERÊNCIAS AQUINO, O. F.; PUENTES, R. V. Calidad del proceso de enseñanzaaprendizaje investigación en la educación superior: un modelo para su evaluación. Ícone Educação, Uberlândia, v. 10, n. 1-2, p. 207-234, jan./dez. 2004. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO/IEC 17011 - Avaliação de conformidade. Rio de Janeiro: ABNT, 2005. 18 p. ______. NBR ISO 9000:2000 - Sistemas de gestão da qualidade - fundamentos e vocabulário. R. 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Neste sentido, tematiza-se o cotidiano da Educação Infantil com crianças que vivem sua infância aqui e agora junto a pedagogos que vivem também num contexto de vida cotidiana em que é mister se pensar e fazer de forma diferenciada a formação de pedagogos. Considera-se que a caracterização do que e como se configura o trabalho pedagógico na educação da criança pequena é uma questão que necessita de um olhar atencioso, pois representa ainda um desafio para os pedagogos, desafio esse que precisa ser encarado nos cursos de formação inicial em Pedagogia. Tendo em vista os intensos debates que se sucederam à implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia (DCNs), considerase que a questão não é mais questionar se vamos continuar estabelecendo processos formativos nos cursos de Pedagogia pelo que determinam as DCNs. Sobretudo precisamos pensar: Como caracterizamos a educação da criança pequena nos cursos de formação de pedagogos? Como nos interrogamos a respeito da infância vivida nos espaços institucionais da Educação Infantil? Que elementos emergem do cotidiano de educação da criança pequena e que contribuem para pensar a formação de pedagogos hoje? Este trabalho demonstra um recorte da pesquisa organizada para que se pudesse configurar o trabalho pedagógico na Educação Infantil buscando, com esse estudo, apontar elementos referenciais para a formação de pedagogos para atuarem com crianças pequenas. Resende (2006) argumentando sobre o trabalho pedagógico faz referência à necessidade de que a unidade teoria e prática possa se estabelecer a partir de uma relação de interdependência. Nesse sentido a autora continua sua problematização situando alguns equívocos a serem considerados no campo educacional. O primeiro equívoco refere-se aos processos de formação, os quais se caracterizam por currículos fragmentados e disciplinas estanques, o que ocasiona uma organização do trabalho pedagógico nessa mesma lógica. Um outro equívoco situa-se no entendimento de que a relação 1 Doutora em Educação PUCRS. Professora do Departamento de Metodologia do Ensino/CE/UFSM. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 57 teórico-prática se dá em momentos estanques, desvinculados do todo que compõe o processo de formação. Para a autora (2006, p. 22): “(...) a unidade teórico-prática associa-se ao nível de consciência com que nos relacionamos e realizamos interferências na realidade.” Para a autora a capacidade de ter consciência ocorre “(...) se os pontos de conexão fizerem parte do cotidiano educativo dos sujeitos – que ensinam e ao mesmo tempo aprendem – alunos e professores” (Idem, p. 22). Ou seja, as atividades em que teoria e prática se mostram aliadas não precisam ser excepcionais, nem caracterizar-se por uma “festa”, o que coaduna com o que Heller (2002) infere ser a dimensão ética de uma vida decente, uma vida na qual a cotidianidade é o palco da decência. Nesse trabalho há uma aposta e um convite de que se reflita sobre as limitações geradas pela forma como se implementaram os processos formativos de pedagogos após a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia. Tem-se claro que as DCNs materializaram uma proposta de formação bastante frágil no que diz respeito a elementos importantes que compõem o campo de conhecimentos necessários aos pedagogos. Assim, para se discutir sobre que formação se pretende para a atuação com as crianças pequenas, é preciso discutir questões relativas às políticas públicas que se refletem nas proposições de formação que acontecem nas universidades. Ou seja, precisamos recompor os cenários mais amplos em que acontecem as reformas da educação e da formação de professores. O sentido de se discutir as reformas está relacionado ao conceito de regulação social, de ajustamento, adaptação para fins específicos: o equilíbrio do todo, a coesão (MAUÉS, 2003, p. 95). As reformas educacionais acontecem conectadas às mudanças econômicas mundiais e essas estão respaldadas pelo Banco Mundial. Para este organismo financeiro, a educação precisa ser produtiva e para isso investe-se pesadamente na formação de professores, sugerindo-a mais curta e fora das universidades. Com esses “esclarecimentos” pretende-se colocar em pauta a formação aligeirada e polivalente que se empreendeu a partir das políticas de formação de professores que se sucederam na década passada. Maués observa que as reformas educacionais tem indicado alguns elementos considerados básicos e que devem compor a “arquitetura da formação de professores”. Para ela “Os elementos constitutivos desse novo receituário da formação são a “universitarização”/profissionalização, a ênfase na formação prática/validação das experiências, a formação continuada, a educação a distância e a pedagogia das competências” (2003, p. 99). 58 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) A universitarização/profissionalização é descrita pela autora como aligeirada e na qual se qualificaria melhor a formação encaminhando-se para a profissionalização. Ela representa a elevação da formação para o nível superior, o que na realidade brasileira não tem sido sinônimo de elevação da qualidade da educação e nem da própria formação proposta. A ênfase na formação prática é defendida pelas reformas para que o professor, como outros profissionais, entre em contato real com o meio em que deverá atuar; soma-se a esse argumento o de que os cursos de formação têm sido muito teóricos e desvinculados do contexto escolar. O saber prático é então valorizado como o saber que vai “resolver os problemas do cotidiano”. Esta ênfase faz aumentar o número de horas dedicadas aos componentes práticos dos cursos de formação. Para Maués: A questão que se coloca é relativa à importância e ao papel dos saberes teóricos na formação. Até que ponto os currículos dos cursos estarão dando importância à formação de um profissional crítico, analítico, capaz de compreender os processos sociais e fazer as relações necessárias entre estes e a sala de aula, a profissão os conteúdos ensinados? (2003, p. 102). A autora traz questões importantes para se pensar a ênfase dada à prática nos cursos de formação de professores. Uma formação centrada na prática ou no aproveitamento de experiências com a validação correspondente é para a autora interessante, mas precisa ser analisada de forma crítica para que não pressione a formação a ponto de diminuir a duração dos cursos. A formação contínua é parte integrante de todas as reformas educacionais, objetiva-se um alinhamento dos professores já em exercício com as decisões da política educacional. Há também a perspectiva de que a formação contínua possa reparar uma formação inicial deficitária, o que corrobora com a idéia do aligeiramento dessa, pois na formação contínua se faz o que se deixou de fazer na formação inicial. As competências para ensinar são apresentadas como eixo nuclearizador da formação nas reformas educacionais. Falar em competências é falar no saber fazer e esse modelo de formação apresenta-se: polivalente, flexível, utilitarista e que atende a exigências imediatas. Citando Ramos, Maués delibera: A formação do professor a partir do modelo de competências pode contribuir para a subordinação da educação ao Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 59 racionalismo utilitarista do mercado e, no dizer de Ramos (2001), “[...] a pedagogia das competências [...] assume e se limita ao senso comum como lógica orientadora das ações humanas, [...] reduz todo sentido do conhecimento ao pragmatismo” (2003, p. 107). Essas ponderações colocam-se num cenário mais amplo de decisões que afetam indistintamente a escola e também os processos de formação dos professores. Elas estão atreladas à globalização/mundialização, por sua vez considerada uma nova fase na internacionalização do capital. A globalização e o neoliberalismo, que a constitui, é a forma que se encontrou para resolver a crise do capitalismo. Pode-se dizer que este é um modelo cujos princípios geram um novo tipo de indivíduo, de instituições sociais, de políticas sociais e educacionais e conseqüentemente de formação de professores (MAUÉS, 2003). Os indicadores das reformas educacionais aqui discutidos estão vinculados à lógica de mercado que é, por sua vez, voltada para a sociedade dita hoje globalizada. Nessa perspectiva o ser humano como sujeito crítico, produtor de conhecimento e construtor de sua história tem menos valor. Se as reformas trazem consigo esta tônica, é sobre elas que se precisa discutir ao se propor pensar a concepção de formação de professores que se vai adotar. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia são uma expressão, um reflexo desse cenário. Um cenário de racionalização burocrática em que seria necessária alguma regulamentação às inúmeras propostas de cursos que aconteciam à época no Brasil. Um cenário em que se entende a necessidade de pensar detidamente sobre que formação, que professor e que escola queremos, mas que numa “simplificação dos procedimentos” não compreende o atendimento às demandas colocadas que dizem respeito a “novas propostas de formação humana, para cuja construção a liberdade para experimentar a diversidade é condição necessária” (KUENZER, 2006). Talvez a maior controvérsia apontada em relação às DCNs seja a que diz respeito à redução da definição do Pedagogo ao professor. O debate que antecedeu a aprovação da Resolução CNE/CP n. 1, de 15/05/2006 traz essa controvérsia explicitada e historicizada com base nas produções advindas dos anos 80 e 90 nas quais se discutia o estatuto epistemológico da pedagogia. Nesse sentido, retoma-se a discussão da Pedagogia como campo de conhecimento teórico e de práticas que integra e sistematiza diferentes conhecimentos. Para Libâneo (2006) a Pedagogia é um campo científico e não apenas um curso. O objeto da ciência pedagógica é o estudo do fenômeno 60 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) educativo e o ensino desse campo científico pode dar-se num curso, o de Pedagogia. Considera também que a base de um curso de Pedagogia não pode ser a docência. Para ele, a base de um curso de pedagogia é o estudo do fenômeno educativo em sua complexidade e em sua amplitude. O foco estabelecido pelas DCNs na formação para a docência: na Educação Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Cursos do Ensino Médio na modalidade Normal, cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, cursos em outras áreas que requeiram conhecimentos pedagógicos são uma proposta de formação além de generalista, reducionista do campo de estudos e formação do pedagogo. Nessa mesma direção, Kuenzer (2006) refere-se à intrínseca contradição colocada por um dos pareceristas sobre um foco restrito: a docência, mas com uma ampliação demasiada do perfil profissional que resulta ‘na ineficácia práxica da proposta, pois o que está em tudo não está em lugar nenhum’. Também argumenta que ao propor a formação para a docência, junto às muitas outras atribuições adicionais opera-se uma totalidade vazia no curso de Pedagogia e uma deformação do perfil do Pedagogo, considerando que este profissional seria um novo salvador da pátria. Esta é uma questão que pode ser vista de no mínimo dois modos, já que é sim um equívoco epistemológico e ideológico (LIBÂNEO, 2006) reduzir o que seria um campo de conhecimentos – a Pedagogia – a um curso de formação de professores. Porém, o que se tem ponderado é que com as DCNs sendo implementadas tal qual foram propostas coloca-se uma formação nos cursos de Pedagogia que ainda assim não dá conta nem do que já se reduziu – formar para a docência. No caso da Educação Infantil, dada à polivalência que se propõe para o pedagogo – professor perde-se uma força que se constituía na consolidação de uma área emergente: a educação da criança pequena. Conforme já discutido (LIMA, 2010), sabe-se da referência tida nos cursos de pedagogia acerca da formação com base nos processos de escolarização do Ensino Fundamental. Mesmo formando para a docência, considera-se que a Educação Infantil era (e ainda é) uma referência – força – necessária nos cursos de formação de pedagogos. Outro ponto discutido nos debates acima referidos é a demarcação de uma formação nos cursos de Pedagogia ser baseada na prática, pois a prática por si só não ensina. Não fala por si mesma. Os fatos práticos, ou fenômenos, têm que ser identificados, contados, analisados, interpretados, já que a realidade não se Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 61 deixa revelar através da observação imediata; é preciso ver além da imediaticidade para compreender as relações, as conexões, as estruturas internas, as formas de organização, as relações entre parte e totalidade, as finalidades, que não se deixam conhecer no primeiro momento, quando se percebem apenas os fatos superficiais, aparentes, que ainda não se constituem em conhecimento (KUENZER, 2006, p. 205). A autora ainda argumenta que o ato de conhecer não prescinde do trabalho intelectual, o qual se caracteriza por um movimento do pensamento, em direção ao que não é espontâneo. O imperativo é conhecer a realidade para nela poder atuar. E essa é uma atividade crítico-prática que é sustentada na categoria práxis, para que se possa pensar numa formação humana em que se gesta as transformações que podemos como sujeitos humanos fazer (KUENZER, 2006). Uma formação profissional não pode ser exclusivamente baseada na prática, pois se considera que os alunos em formação geralmente estabelecem uma relação bastante fragmentada e dual com as práticas observadas. De um lado observam-se “boas práticas” e conseqüentemente “ótimos professores” sobre os quais se relacionam de maneira acrítica e via de regra por sucessivas imitações; e de outro se observam professores com suas “práticas obsoletas e tradicionais” com os quais não estabelecem relação alguma a não ser a da crítica baseada nos chavões acadêmicos que aprendem no curso. Essas observações são colocadas no sentido de pontuar a fragilidade de conhecimentos que se pensa serem necessários para efetivamente poder olhar, interpretar, analisar, compreender e efetivamente conhecer os campos de atuação que se colocam aos pedagogos. A formação conforme se acredita só se dá pela via do conhecimento. Conhecimento e reconhecimento das relações cotidianas e da necessidade de que essas se constituam em processos pensados e refletidos. A concretude da vida diária, assim, é colocada lada a lado com o saber acumulado, abrindo-se à possibilidade de outros conhecimentos que se produzam na dialética do conhecer e do não conhecer, isso como parte do que o ser humano pode e deve fazer para que se possa, além de conhecer, transformar a realidade, construindo assim, um outro mundo possível. Se as discussões acerca dos processos de constituição das DCNs no campo educacional apontam para uma formação generalista, fundada numa Epistemologia da prática, tendo um caráter reducionista do campo da Pedagogia dado pela consideração da docência como foco de estudo, considera-se que é 62 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) preciso que se rediscuta a formação empreendida nos cursos de Pedagogia após a aprovação desse documento, pois considera-se que: Ser pedagogo requer fazer pedagogia, ou seja, teorizar sobre a educação, projetar, implementar, acompanhar e avaliar processos educacionais em diferentes contextos. As tradicionais habilitações dão lugar à docência, cuja concepção apresentada nas diretrizes curriculares busca abarcar o fazer pedagógico nas suas diferentes abrangências. Será isto possível? (CRUZ, 2008, p. 9). Tendo como base as produções que se seguiram às DCNs e analisando as próprias diretrizes é preciso questionar “(...) a possibilidade de efetivação de uma formação que discuta e articule teórica e metodologicamente os elementos que circundam a especificidade (da formação) do curso de Pedagogia, (...)” (LEÃO et al, 2007, p. 9). Sobre esse aspecto pode-se fazer um breve destaque. A reflexão a ser feita aponta para uma concepção de formação que leva em conta um processo formativo e vai no sentido de se pensar o curso de Pedagogia como um dos espaços em que o acadêmico que poderá2 atuar com a criança – pequena - tenha a oportunidade de conhecer, em termos teórico-práticos seu campo de atuação profissional. A concepção de formação defendida está alicerçada no que Isaía conceitua como processo formativo docente. Para ela este processo “engloba tanto o desenvolvimento pessoal quanto profissional dos professores, sendo esse um processo de natureza social” (2006, p. 351). Esta conceituação, pensase, pode estar articulada ao que Cunha elabora como formação inicial, sendo esta pensada também como “processos institucionais de formação para uma profissão” (2006, p. 353-354). É preciso então, ter em conta uma concepção de formação como um continuum, posto que considera as várias fases e momentos das trajetórias formativas e profissionais de cada pessoa em formação. Neste sentido, Lima, ao prefaciar o livro de Soraiha Miranda de Lima, demarca a relevância do espaçotempo da formação inicial no processo de formação de professores. Assim como já explicitado por Maués, considera que: 2 Esta expressão é utilizada no sentido de pontuar a possibilidade dada pelos novos apontamentos legais sobre a formação de Pedagogos. Pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia não há mais uma habilitação em Educação Infantil, mas sim a preferência de que se direcionem os estudos e os Estágios para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 63 Por razões de natureza marcadamente econômica, as políticas educacionais induzidas pelos organismos internacionais financiadores da educação nos países em desenvolvimento vêm privilegiando a formação continuada e negligenciando a inicial, como se esta não tivesse função específica. Se, de um lado, ela não pode ser vista como o momento por excelência no qual se dá a apropriação do conhecimento profissional a ser aplicado à futura atuação, de outro há que se reconhecer sua capacidade de proporcionar um bom suporte, no sentido de preparar os professores para atuarem na profissão (LIMA In LIMA, 2007, p. 11). A despeito das políticas educacionais estarem de alguma forma induzindo a que se deixe para realizar uma tarefa formativa de boa qualidade em um tempo futuro, a autora considera que é preciso reconhecer que há, no curso de pedagogia, um espaço de potencial desenvolvimento de referenciais acerca do trabalho futuro, em que se pese, como a autora, é preciso considerar que: “Ademais, não se continua o que não se iniciou...” (p. 11). Dessa forma pensa-se que os processos formativos entrecruzam as dimensões curriculares e as experiências formativas e se constituem nos processos que os acadêmicos vivenciam e que acionam com elementos estruturantes da atividade docente (futura), pois se compõem de elementos conceituais, metodológicos, valorativos, atitutidinais, políticos e éticos perpassando, dessa forma, os processos formativos no curso de Pedagogia. O livro de Lima (2007) demonstra sua tese de que no curso de pedagogia “aprende-se a ensinar”, no caso da sua pesquisa que analisa a influência do curso no processo de aprendizagem profissional da docência de alunos-já-professores, é possível dizer que “[...] a formação docente transcende o curso de formação, mas não pode prescindir dele“ (2007, p. 151). É nessa linha de argumentação que se pensa a formação inicial como espaço de aprendizagem dos elementos que compõem o trabalho pedagógico – foco da atuação profissional futura - mesmo que esses elementos sejam de alguma forma reconfigurados pela experiência de atuar profissionalmente mediante a inserção no mundo do trabalho. A intenção desse trabalho não é estabelecer uma discussão maniqueísta a respeito da melhor modalidade ou nível de formação – inicial ou continuada – para pedagogos que atuam com crianças pequenas. Sugere-se, porém atenção a essas determinações sociais e econômicas que se refletem nos rumos profissionais de um coletivo. E esse coletivo, professores sem formação ou com formação deficitária, na verdade existe pelo processo histórico marcado 64 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) pela inexistência de políticas de Estado para a formação profissional para atuar na educação da primeira infância. Estas reflexões precisam incitar a quem se envolve com a formação de professores para que se possa pensar e atuar de forma coerente na busca por uma Educação Superior de qualidade. Ao profissional responsável direto pela educação das crianças, requer-se que reconheça a formação cada vez mais qualificada como um direito (KRAMER, 2008) e também como uma necessidade. Requer-se também que, sendo acadêmico, acadêmica, estabeleça uma relação crítica com sua própria formação e exija que essa formação seja qualificada; e ainda, que sendo professor formador, professora formadora, que reconheça a importância de se discutir sobre que formação está se fazendo e como esta se difunde na co-responsabilidade de todos pela educação da criança pequena. Discutir o caráter pedagógico das ações que se realizam na educação da criança pequena, requer um olhar para as influências exercidas pelas políticas internacionais em termos de se pensar a formação de professores, implica também discutir como se pensou e pensa a formação e a atuação de pedagogos junto à criança pequena. Coloca-se também a necessidade de relevar aspectos da constituição profissional que nos falam de um jeito possível e desejável de ser pedagogo no tempo em que vivemos. O pedagogo nos cenários de formação: desafios de pensar o trabalho pedagógico Face à criança, é como se ele (o professor) fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: - Isso é o nosso mundo. (HANNAH ARENDT, 2009, p. 239) A colocação de Hannah Arendt fala de uma relação que se acredita estar em consonância com o que Didonet (2009)3 infere: “(...) precisamos nos reportar ao significado primeiro da Pedagogia: Paidos + agogé. Ou seja, Pedagogo é 3 Essa fala foi registrada no V Encontro Estadual do Fórum Gaúcho de Educação Infantil, realizado em 16 de novembro de 2009 na UNISINOS/RS. O Palestrante referia-se à palavra Pedagogia, que tem origem na Grécia Antiga: paidós (criança) e agogé (condução). “O termo pedagogo surgiu na Grécia Clássica, cujo significado etimológico é preceptor, mestre, guia, aquele que conduz; era o escravo que conduzia os meninos até o paedagogium” (WIKIPEDIA - PEDAGOGIA). Sua fala foi marcada pela discussão acerca da obrigatoriedade da Educação Infantil para a criança e a família, determinada pela PEC 059/2009. Seu argumento a respeito do Pedagogo figura como um posicionamento de que para ser pedagogo é preciso criar e alimentar na criança a atração e o encantamento pelos espaços de Educação Infantil. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 65 aquele que acompanha a criança, um caminhante.” Ser caminhante é ser aprendiz de futuro, é acompanhar uma nova geração e responsabilizar-se por ela e pelo que podemos fazer no mundo com ela e por ela, sobretudo na sua educação. A formação proposta nos cursos de Pedagogia apresenta uma relação invertida de produção da profissionalidade dos acadêmicos em formação. Sabendo que os processos formativos configuram formas de se olhar e pensar a infância e sua educação, é possível visualizar nesses processos - no interior das disciplinas, em conversas informais e nos textos trabalhados - a idéia de que ser professor é uma profissão. Porém, aí se dá a relação invertida, pois, no decorrer do processo formativo, as discussões sobre de que se compõe essa profissão no caso do trabalho com a criança pequena, apresentam-se muito superficiais e sem a difusão dos conhecimentos acadêmicos produzidos sobre esta temática.4 Para além desse descompasso, entende-se que no decorrer do curso precisaríamos trabalhar na perspectiva do conhecimento e do reconhecimento de que a Educação Infantil é um espaço em que, para se querer estar e permanecer, é necessário reconhecer as demandas teórico-práticas desse trabalho. Isso implica entender que as aproximações e a identificação com a Educação Infantil, relações possíveis de acontecer nos processos formativos que se desenvolvem na formação inicial, se dão para além do gostar de crianças. Pensa-se na aprendizagem sempre necessária de, ao estar com elas, ver no que são hoje a possibilidade de um trabalho que se produz a partir de relações de respeito, comprometimento e ética. Buscar as relações teórico-práticas que envolvem o trabalho com a criança envolve ter clareza de que nestas relações incluem-se o cuidado e a educação, dimensões inseparáveis do trabalho pedagógico que permeiam as ações de pedagogos junto às crianças e que muitas vezes não estão claras para as pessoas que dizem “gostar delas”. Um “gosto pela profissão” envolve encantamento, vontade de estar perto, de se saber professor com a possibilidade de trabalhar com crianças ainda bem pequenas, que apontam a novidade, que renovam o mundo, que podem e querem se relacionar com este mundo de forma autônoma. Ser pedagogo é se responsabilizar pela infância, é assumir a autoridade que é legítima a quem se coloca esta responsabilidade. As imagens sobre ser professor de crianças pequenas refletem o contexto social e cultural em que são produzidas, e é também de acordo com o que se vive e com as imagens 4 Esta afirmação está pautada nas experiências profissionais nos cursos em que já atuei, considera-se que poucos são os professores formadores que levam em conta que os acadêmicos poderão atuar com crianças pequenas e por isso, essas discussões via de regra não acontecem. 66 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) que se tem de criança e da infância, que se produz um pensar sobre como se pode atuar com a criança pequena. A busca pelo possível na formação de pedagogos Entende-se que o trabalho pedagógico que se realiza com a criança pequena depende e muito da concepção que se tem da própria função social da Educação Infantil. Retomar concepções, reconstruí-las e construir referências para o trabalho com a criança pequena na formação de pedagogos é um processo que tem acontecido em meio aos avanços e retrocessos existentes na área da Educação Infantil em interface com a Educação Superior. Acredita-se que em sua perspectiva normativa qualquer proposta de formação constrói referenciais de trabalho e, nesse caso, os Elementos Referenciais colocados a seguir compõem, em diferentes dimensões, o trabalho pedagógico na Educação Infantil. Nesse sentido, apontam-se essas dimensões e esses elementos para que se possam pensar os processos formativos de pedagogos com referências ligadas à educação da criança pequena. - Dimensão Político-valorativa: Nela estão os Elementos Referenciais ligados à ética, aos compromissos que temos com a infância e sua educação. Essa dimensão que se desdobra no trabalho pedagógico desenvolvido no dia a dia, se mostra na forma com que se concebe e desenvolvem-se as diferentes ações que estruturam o trabalho com a criança pequena. A ética pressupõe posicionamento político que precisa ser discutido e refletido conjuntamente nos espaços educativos, e se demonstra no envolvimento e implicação com a infância vivida nos espaços de educação coletiva. - Dimensão Epistemológica envolve Elementos Referenciais que são conceituais e metodológicos, como a saúde e o bem estar físico da criança tendo em vista sua educação (não na perspectiva da puericultura, ou das práticas higienistas mas do cuidado com a saúde da criança – o ambiente coletivo demanda ter esses cuidados...) Rotinas, Educação e Cuidado, Relação complementar à da família na Educação da criança, Afetividade, Concepções de Currículo, planejamento; - Dimensão Histórico, Social e Cultural: envolvendo a constituição histórica da Educação Infantil, sua função social, as políticas públicas, Concepções de infância e a possibilidade de construção de um outro olhar para a criança. O Esquema colocado a seguir demonstra a relação entre as Dimensões do Trabalho Pedagógicos os Elementos Referenciais apontados no estudo realizado Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 67 e apresentado na Tese de Doutorado que se propõe a pensar os processos formativos de pedagogos no que diz respeito à educação de crianças pequenas. 68 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Considera-se que em cada uma dessas dimensões os elementos referenciais se articulam entre si e entre as dimensões, não há como pensar em cada um desses elementos desconectados dos outros, pois na cotidianidade vivida nos espaços educativos todos são necessários para que se possa pensar e fazer a educação da criança pequena com base em uma intencionalidade profissional – pedagogicamente referenciada. Importa, nesse sentido, pensar no trabalho pedagógico na Educação Infantil discutindo o lugar do adulto-pedagogo que atua profissionalmente com a criança pequena. Sua atuação precisa se pautar por uma intencionalidade expressa em forma de planejamento, direção, sentido dado ao trabalho pedagógico com a criança pequena, o que pede além de preparo profissional, comprometimento por atuar nas possibilidades de que as crianças aprendam e se desenvolvam. Esse comprometimento gera escolhas de fundo moral que orientam as ações no cotidiano. Para tanto reforça-se a necessidade de os processos formativos envolverem atividades e experiências que possibilitem o contato e o envolvimento no cotidiano de educação de crianças pequenas, com vistas ao encantamento ético, o gosto pela profissão de ser pedagogo e atuar com as crianças pequenas. Referências ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. (Debates: 64). BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1/2006. Resolução sobre as Diretrizes Curriculares para a Graduação em Pedagogia. Aprovada em de 15 de maio de 2006 de 15 de maio de 2006. CRUZ, Giseli Barreto da. 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A educação professores brasileira e a formação O de surgimento do Ensino Superior no Brasil tem seu passado alicerçado nos princípios de Portugal, país colonizador e se consolidou a partir de Institutos isolados, com finalidade profissionalizante, de caráter elitista, na medida em que atendia aos filhos da aristocracia colonial que não podiam estudar na Europa devido à proibição de Napoleão Bonaparte. O desenvolvimento do Ensino Superior no Brasil deu-se muito lentamente até o ano 1889, ano da proclamação da república, sendo que a finalidade do curso superior era dar direito a ocupar cargos privilegiados num mercado de trabalho restrito, além de oportunizar o prestígio social. Até o final do século XIX o Brasil contava com 24 estabelecimentos de Ensino Superior com cerca de 10.000 estudantes. A partir da Constituição da República em 1891, a iniciativa privada formada pelas elites locais e confessionais católicas cria seus próprios estabelecimentos de ensino superior, movimento que gerou o início da expansão das universidades. A consolidação do ensino superior no Brasil contou com um modelo adotado a partir do que pregou a reforma pombalina em Portugal: libertar o ensino dos entraves conservadores tidos como responsáveis pelo atraso do país em relação aos demais europeus, e o modelo napoleônico que contemplava o divórcio entre o ensino e a pesquisa científica. O século XXI traz no seu bojo a mudança paradigmática e a dinamicidade das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que se refletem cotidianamente em todos os segmentos da sociedade, de forma especial no ensino, no que ensinar e na formação dos professores para um ofício em uma realidade complexa e em constantes transformações. falta de professores e a pouca qualificação dos mesmos são problemas que aparecem nos levantamentos do Ministério do Ministério da Educação (MEC). Os dados revelam que no Brasil há cerca de 300 mil pessoas lecionando sem terem licenciatura e outros 300 mil professores com atuação em áreas diferentes das quais possuem a habilitação. 1 Docente da Universidade de Caxias do Sul/RS. Agência Financiadora PUCRS/CAPES Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 71 As políticas governamentais tem promovido o debate na busca de soluções para a situação vivenciada no que se refere à formação de professores para a atuação na educação básica brasileira. Em meio à realidade atual em que à educação é legada a reconstrução da sociedade (Delors,1998), faltam professores, os cursos de formação de professores frequentemente são alvo de críticas e, ainda, a plasticidade do conhecimento na era da informação faz surgir novos paradigmas para a formação de professores é que nos prova a educação à distância, por exemplo. 2. A formação de professores para as séries inciais do ensino fundamental 2.1 Bases legais para a formação de professores Na última década, após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a formação docente passou a tomar destaque nos debates na área educacional. Um dos fatores que contribuiu para que a sociedade se voltasse à temática da formação docente foi, sem dúvida, a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990 que chamou a atenção do mundo para a necessidade de oportunizar a educação para todos os cidadãos de forma inclusiva, como meio de melhoria humana e social. A formação do professor para a educação básica está regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/1996. No Título V - Dos Profissionais da Educação, artigo n° 61, consta que a formação dos profissionais de educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de desenvolvimento do educando estará alicerçada na articulação entre a teoria e a prática, oportunizando a formação em serviço, o aproveitamento da formação e de experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. O artigo n° 62 aponta para a formação de docentes para a atuação na educação básica esclarecendo sobre a titulação específica para a formação docente para o exercício na educação básica. Tal exigência da LDB busca a correção a defasagem de qualificação dos professores que atuam nesse na educação básica nacional. Há de se referir que os cursos de formação para professores tiveram muitas reestruturações e mudanças ao longo da história do sistema educacional brasileiro. Considerando o que nos traz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 72 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Nacional, para a atuação na educação básica o professor deverá ter formação em nível superior, em licenciatura plena oferecida em diferentes espaços “em universidades e institutos superiores de educação”. Já para a atuação em Educação Infantil e, para a docência nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, ainda é admitida a formação oferecida em nível médio, na modalidade Normal. A partir da nova LDB cabe aos estabelecimentos de ensino sejam privados ou públicos, exigirem a formação mínima ao realizarem seus processos seletivos de docentes. De acordo com a nova legislação do ensino, no Brasil, para o ingresso na carreira para o exercício da docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental o interessado deverá ter formação em nível médio e habilitação para a docência obtida em Curso Normal Superior ou em Licenciatura em Pedagogia – Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais. É consciente a busca de uma formação de qualidade pelas políticas públicas em todo o território brasileiro, seja através de planos do governo federal, seja pelas iniciativas dos próprios estados. Num país de tantos contrastes e tantas peculiaridades, a formação de professores se constitui num dos estudos mais atuais e mais necessários se entendermos a importância do papel da escola, e como tal dos professores enquanto agentes do ato educativo, como refere Leite sobre a instituição escola (2005, p. 51): “[...] instituição onde se desenvolvem estratégias que fazem dos actos de ensinar e de aprender não apenas um meio de reprodução, mas também de produção e transformação social.” Nesse sentido as instituições formadoras de professores vivem uma realidade de reconfiguração dos currículos dos cursos com vistas a privilegiar uma formação para a docência para que atenda as bases legais e, sobretudo, no que se refere ao repertório de conhecimentos científicos acadêmicos associados à prática que servem de alicerce para o exercício docente, sendo que buscar a compreensão de como se constrói a docência tem movido a pesquisa em educação em nível mundial, daí a relevância e os contributos do estudo aqui descrito. 3. O cenário e seus atores: o caminho a percorrer Na busca do aprofundamento dos processos vivenciados que possibilitam a reflexão sobre a compreensão de como se constrói a docência, a pesquisa se propôs a investigar o papel da formação universitária em Curso de Pedagogia na construção da docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, focalizando como objetivos específicos: analisar quais são os saberes docentes construídos a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 73 partir dos conhecimentos universitários e de que forma os mesmos são influenciados pelos saberes práticos; verificar como os saberes construídos através da formação universitária se refletem na prática docente no cotidiano escolar; identificar como a “epistemologia da prática profissional docente” se configura a partir da formação pedagógica universitária e ao longo da carreira e analisar como os professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental participantes da investigação compreendem a construção da própria docência. A escolha das cinco professoras participantes da presente investigação foi intencional e fundamentou-se nos seguintes critérios de seleção: ingressaram no curso superior após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996; são egressas do Curso de Pedagogia- Habilitação para as Séries Iniciais; atuavam (e atuam) na mesma escola exercendo a docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental quando iniciaram o Curso de Graduação em Pedagogia – Habilitação Séries Iniciais. Houve a necessidade de estabelecer os critérios acima apresentados, a fim de encontrar similitudes para o presente estudo, focando o estudo com docentes que realizaram sua formação acadêmica na mesma instituição de Ensino Superior, num mesmo curso de graduação e que atuam numa mesma realidade escolar. É importante ainda ressaltar, que os critérios acima não uniformizam a experiência, uma vez que cada uma das docentes possui sua trajetória de vida pessoal e profissional não apenas marcada pela diferença cronológica, mas sim pela essência de suas subjetividades e riqueza de suas interações ao longo da existência e da carreira, o que será explicitado no decorrer do presente relatório. Busquei a compreensão do fenômeno da formação docente sob o prisma da formação universitária e dos processos pessoais vivenciados ao longo da carreira, processos esses pessoais e intransferíveis, desta forma, o estudo aqui apresentado não cabe generalizações. Assim, situo que a presente pesquisa está fundamentada no paradigma construtivista, com abordagem qualitativa e apoiando-me em Lüdke e André (1986) argumento que a opção metodológica pela pesquisa qualitativa ou naturalística do tipo de estudo de caso se justifica por “desenvolver-se numa situação natural, rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. A coleta de informações para a constituição do corpus da presente investigação ocorreu mediante a realização de entrevistas semiestruturadas, observação do cotidiano escolar através do diário de campo e análise documental. Para Lüdke e André (1986) são considerados documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação 74 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) sobre o comportamento humano”. Assim, foi realizado um planejamento para observação onde foi previsto o que observar e o tempo das observações. O tempo em que interagi com as participantes da investigação possibilitou a formação de um corpus documental significativo, pois os espaços de interações foram de uma riqueza inigualável. A partir da análise textual discursiva (Moraes, 2003) encontrei mecanismos que me possibilitaram aproximações, reflexões e compreensões como as participantes da pesquisa se construíram enquanto docentes, através da construção de um conhecimento que é tecido nas interelações dos aspectos subjetivos e sociais, contextualizados, envolvendo o eu e suas inserções no mundo intra e intersubjetivo. As entrevistas semiestruturadas, os encontros sistemáticos, na universidade e na escola passaram a ser registrados para que as participantes pudessem socializar suas trajetórias de formação docente, oportunizando o rever-se, o redescobrir-se e o re-inventar-se, a partir de si e do outro. Ainda, as observações da prática das participantes da investigação no interior da escola oportunizaram a verificação da coerência entre os aportes teóricos estudados ao nível da graduação, o discurso e a prática das docentes para analisar quais os saberes docentes construídos a partir dos conhecimentos universitários e de que forma os mesmos são influenciados pelos saberes práticos, verificar como os saberes construídos através da formação universitária se refletem na prática docente no cotidiano escolar, identificar como a epistemologia da prática profissional docente se configura a partir da formação pedagógica universitária e ao longo da carreira. 4. As vozes das professoras e a tessitura da docência Como já apresentado neste texto, a formação de professores tem sido objeto muitos estudos, debates e pesquisas, dada a relevância social da educação enquanto possibilidade de transformação social e da importância do ofício de professor neste contexto em que à educação é legada a responsabilidade de um futuro melhor para a espécie humana no planeta terra (Delors, 2001). Exercendo a docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Curso de Habilitação ao Magistério há mais de vinte anos e desde 2003 atuando como docente no Curso de Graduação em Pedagogia as inquietações são muitas, o desejo de buscar a compreensão do processo de formação para a docência ou da profissionalização docente me acompanha e me instiga ao Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 75 aprofundamento desta temática, pois enquanto docente em contínua formação, também sou docente formadora de docentes. No cotejo dessas duas dimensões e entre intensas reflexões busquei a construção de um conhecimento que venha a contribuir para a compreensão da complexidade da formação para a docência. Minha trajetória em busca da formação para a docência mobiliza em mim o desejo de compreender como se processa este movimento nos espaços por onde transito, uma vez que o educador é um ser humano, com sua cultura, suas vivências, sua subjetividade, sua história, com inserção em seu contexto de atuação, pressupostos esses que me levam a refletir que a prática docente não pode ser neutra, nem tão pouco restrita à transmissão de conhecimentos formalizados ou de saberes acadêmicos proporcionados pelo curso de formação. Ao movimento de formação docente mote desta investigação, tenho a ousadia, como pontuou Nóvoa (2008) de chamar “tessitura da docência”.2 Assim, parto da concepção de que o educador é um ser em contínua construção, com sentimentos, vivências, competências e habilidades que interage com seus pares, com o conhecimento acadêmico, com seus alunos, seres igualmente em processo de formação. Remetendo-me ao paradigma da complexidade (Morin, 1999), a docência se constitui numa profissão de interações humanas (Tardif e Lessard, 2005) e provoca mudanças nos sujeitos envolvidos no processo de forma recursiva, ou seja, a ação docente gera conseqüências nos educandos, assim como esses produzem modificações em seus professores de forma dialógica (Morin, 2002) defini com o problema de investigação Qual o papel da formação universitária na tessitura da docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental? a fim de compreender qual o papel da formação universitária em Curso de Pedagogia na tessitura da docência nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e como as experiências da vida contribuem para dar sentido às vivências no processo de formação pessoal e profissional das docentes participantes desse estudo. Assim, para buscar respostas as minhas indagações, me utilizei dos princípios da análise textual discursiva (Moraes, 2003), com a imersão no conjunto dos materiais analisados, o corpus da investigação, num trabalho incansável de leituras e releituras, de impregnação e reflexão, foi realizada a unitarização e categorização do conjunto de significantes obtidos através das entrevistas semi-estruturadas aos quais passarei a comunicar neste capítulo. conceituação tomada emprestada da Música e que vem sendo muito empregada atualmente no campo educacional. A tessitura musical cujo significado metafórico tem sinônimo de entrelaçamento, encadeamento expressa como os sons se organizam numa composição musical a exemplo do que ocorre no tramado de fios que compõem um tecido. 2 76 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O processo analítico sem categorias a priori gerou dúvidas e se constituiu num grande desafio, pois todo o texto suscita uma multiplicidade de leituras, com muitas possibilidades de interpretação. Foi possível construir compreensões a partir conhecimentos e teorias buscando ser fiel à perspectiva das participantes. Do movimento descrito emergiram os seguintes agrupamentos ou categorias cujas reflexões e apropriações passarei a relatar. 4.1. A Formação para a docência: História Pessoal e Social Ao ser constituído o grupo de participantes da pesquisa e ao iniciarmos nossos diálogos, pude verificar que minhas dúvidas e indagações sobre o processo de tessitura da docência também fazia parte do universo de questionamentos das professoras, minhas colegas e, também minhas alunas na graduação. Buscar a compreensão de como as professoras constroem a sua docência para atuar nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental não se traduz em tarefa fácil uma vez que, por mais que os estudos tenham sido intensificados nos últimos anos, o processo de formação docente ainda é circundado por muitas dúvidas e incertezas, haja visto a complexidade de todo o processo que não se reduz a manuais ou receitas. Ao serem questionadas sobre “Quais os fatos que ocorreram no decorrer de sua trajetória de formação docente para que viesses a realizar a docência que hoje tem?” as professoras participantes da pesquisa corroboraram os estudos de Tardif (2002), quando, em seus depoimentos, revelam que a vida profissional sempre esteve associada à vida pessoal. Os depoimentos das participantes trouxeram como fatos significativos para a construção de sua docência os movimentos que realizaram para dar conta das necessidades emergentes no cotidiano de atuação docente, movimentos esses que lhes proporcionaram a construção de saberes para situações às quais necessitavam dar respostas. As professoras entrevistadas reconheceram e expressaram que a vida pessoal não pode ser dissociada da vida profissional e, por mais originais que sejam as práticas e as representações de um professor, ganham sentido somente quando colocadas em destaque em relação a essa situação coletiva de trabalho e que todas as vivências são importantes para a formação de um referencial pedagógico que venham a auxiliar nas intervenções no cotidiano escolar. Tais reflexões remetem à concepção de formação contínua enquanto um processo permanente, reflexivo, permeado por fragilidades e ambiguidades e, ao mesmo tempo, de uma complexidade e dinamicidade que permite, ao Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 77 longo de sua história, que o ser humano possa construir sua identidade pessoal e profissional, resultado de “relações complexas tecidas entre a definição de si e a percepção interior, entre o objectivo e o subjectivo, entre o eu e o outro, entre o social e o pessoal” (Lupianski, 1990 In Moita, 2000). As falas das professoras reiteraram que a indissociabilidade do ser pessoa e do ser profissional é real e, portanto, por mais que as professoras tenham realizados os mesmos cursos de formação docente institucionalizada: magistério em nível de segundo grau e Licenciatura em Pedagogia em nível superior, como também muitos cursos de atualização comuns ao longo da carreira e que atuem na mesma realidade escolar, regidas pelas mesmas regras e legislação, a prática docente de cada uma das mesmas é singular, pois é resultante de sua interação consigo mesma, com suas circunstâncias, com suas vivências, experiências, num processo individual e intransferível, circunscrito pelo cotidiano de cada um. 4.2. A docência e os saberes da experiência Compreender o movimento de formação para a docência requer mergulharmos na história da profissão docente; pressupõe a compreensão do que é preciso saber para poder ensinar e o que permeia essa atividade universal, complexa e em constante transformação, num mundo multicultural. Como já me referi anteriormente, ao longo dos últimos anos inúmeras pesquisas buscam identificar o repertório de conhecimentos e saberes inerentes à formação do professor. As vozes das professoras no que se refere à questão Como as experiências de sua vida contribuíram para o sentido que dá ao processo de formação pessoal e profissional corroboram com os estudos de Tardif (2002) uma vez que revelam que seus saberes docentes não se restringem à formação em nível magistério ou em curso universitário, muito embora reconheçam o valor dos mesmos, como expressou a professora P1: “Minha vida pessoal, particular, sempre esteve estreitamente vinculada a profissional, uma vez que como mãe, mulher e professora, esses aspectos não poderiam ser dissociados pois são faces, papéis exercidos por uma mesma pessoa.” Observa-se que o depoimento da professora está impregnado de mensagens referentes ao seu processo de construção pessoal e profissional, considerando a indissociabilidade da pessoa e da profissional. No campo do reconhecimento da experiência para a tessitura do saber docente, a professora P2 afirmou “Valho-me de minha experiência, recriando-a, inovando-a, para que o aluno tenha sucesso em suas aprendizagens”. A fala da professora remete ao valor do conhecimento da experiência demonstrando que o 78 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) sucesso da aprendizagem dos seus alunos reside na própria capacidade de criar e inovar. Revela situar sua concepção de aprendizagem centrada na figura do professor, trazendo para si toda a responsabilidade do sucesso ou insucesso escolar. As falas das professoras remetem à compreensão de que a docência é singularmente construída, elaborada e reelaborada em contexto como já foi referenciado, pois embora as professoras tenham vivências semelhantes no decorrer do percurso pessoal e profissional, a maneira de vivê-las e as conseqüências das mesmas ao nível pessoal e profissional dependem de um processo subjetivo, logo temporal, pessoal e intransferível, resultante, porém do entrelaçamento de múltiplos saberes. À luz do que preconiza Tardif (2002), o saber experiencial é personalizado, é um saber existencial, pois está ligado à história de vida e é experienciado por ser experimentado no trabalho. É um saber temporal, evolutivo e dinâmico que se constrói no âmbito da carreira, de uma história de vida profissional, e implica uma socialização e uma aprendizagem da profissão. É um saber social e construído pelo ator em interação com diversas fontes sociais de conhecimento, de competências, de saber-ensinar provenientes da cultura circundante. Assim, a partir das observações, dos diálogos e da convivência com as professoras no cotidiano escolar, é possível identificar que as mesmas configuram a epistemologia da prática profissional docente articulando a formação pedagógica universitária ao repertório de saberes construídos pela experiência ao longo da carreira. 4.3. A formação universitária: o lugar que ocupa no ser e no fazer docente Considerando que as professoras participantes da pesquisa iniciaram o Curso de Licenciatura em Pedagogia - Habilitação em Séries Iniciais do Ensino Fundamental após a Lei de Diretrizes e Bases de 20 de dezembro de 1996, muitos dos nossos encontros sejam em sala de aula na universidade ou nos espaços de discussão organizados nas reuniões pedagógicas da escola versaram sobre o papel da universidade na formação das docentes. As professoras foram questionadas sobre “Qual o papel da formação acadêmica do Curso de Licenciatura em Pedagogia na construção do seu fazer docente?” O questionamento permitiu compreender como as professoras veem a própria trajetória da formação universitária no que se refere aos conhecimentos teóricos e, também, de que forma os mesmos são influenciados pelos saberes práticos. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 79 As respostas ao questionamento foram coerentes com a idéia de Tardif (2002) quando afirma que os profissionais, em sua prática, devem se apropriar e se apoiar em conhecimentos especializados e formalizados por intermédio de disciplinas científicas tanto em suas bases teóricas quanto em suas conseqüências práticas, conhecimentos científicos e técnicos passíveis de serem revisáveis, criticáveis e aperfeiçoados ao longo da carreira. De forma geral as professoras reconhecem a importância da formação universitária na construção de saberes para lidarem com o cotidiano escolar, como expressa a professora P5 “Com o passar das atividades e da experiência percebemos que algo nos falta, por mais que nos esforçamos e buscamos chega um momento que sozinhos não alcançamos nossos objetivos. Passa a ser o momento de buscar algo mais para nossa profissão docente[...]. A fala da professora nos oportuniza a compreensão de que a mesma buscou, além da formação universitária, o conhecimento de novas estratégias de ensino, ou seja, para essa professora, a formação acadêmica possibilitou a inovação, o domínio de novas formas de aprender e de ensinar, ou seja, a apropriação de saberes científicos pedagógicos. Nesse sentido, é possível afirmar que a formação universitária para as professoras participantes da investigação ocupa importante papel na sua trajetória de formação para a docência, sendo que as mesmas revelam apoiar sua prática em conhecimentos especializados e formalizados, entretanto os mesmos são elaborados, contextualizados e não simplesmente aplicados, pois as professoras explicaram que escolhem com autonomia os métodos e técnicas de acordo com a realidade em que atuam. Pertinente a esta reflexão podemos citar Gauthier (1998) que chama atenção para o “reservatório de saberes” necessários ao ensino e destaca que o saber disciplinar se refere aos saberes produzidos pelos pesquisadores e cientistas nas diversas disciplinas científicas, ao conhecimento por eles produzidos a respeito do mundo. Assim, o professor não produz o saber disciplinar, mas para ensinar precisa conhecer os saberes disciplinares e as teorias subjacentes aos mesmos. A formação universitária ou equivalente como demonstram diferentes estudos e, também, as falas das professoras participantes da presente pesquisa, oportuniza a apropriação dos conhecimentos especializados e formalizados a partir da conferência de um diploma para a obtenção de um título profissional. Embora esses conhecimentos sejam necessários, a prática mostra que não garantem a competência profissional. Além de o professor realizar os cursos de formação e aperfeiçoamento, precisa transformar este saber, fazer a transposição didática em contexto, o que exige autonomia, discernimento e capacidade de reflexão. 80 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) 4.4. A reflexão e a docência Prática reflexiva, postura reflexiva, professor reflexivo, saberes docentes, autonomia intelectual crítica termos em evidência nos referenciais atuais de educação, mais do que belas palavras que enaltecem discursos ou tornam leituras pedagógicas agradáveis e modernas. Mais do que um modismo pedagógico, contêm um grande significado para a prática docente. Apontam um caminho real, não acabado, que conduz à formação do professor ético e inovador e à transformação de práticas educativas muitas vezes estagnadas, reféns da racionalidade acadêmica, que prioriza a transmissão de conteúdos e a reprodução das informações adquiridas, ou da racionalidade técnica que obedece acriticamente a normas e prescrições. Schön (1992), o inspirador do movimento do professor reflexivo defende a formação do professor, a partir da reflexão na ação, para ser capaz de solucionar problemas que se apresentam no cotidiano. A formação de um prático reflexivo demanda formas de investigação novas para a maioria das escolas formadoras de profissionais docentes: a investigação sobre a reflexão na ação, característica dos práticos competentes que centram sua praxis no diálogo como elemento essencial para sua tarefa comunicativa, na qual estão implicados sentimentos e conhecimentos. Concordando com Zeichner (1993), afirmo que refletindo sobre a própria prática, cada uma das professoras compreende melhor sua atividade, na medida em que examina a maneira como ensina e como constrói seu conhecimento docente, como ilustra a fala da professora P1 “Aos poucos, entre erros e acertos, construções, observações, buscas e reflexões, atuando em classes multiseriadas obrigaram-me a desenvolver e decodificar o processo de ensino e de aprendizagem.” Cada professor necessita empregar sua capacidade reflexiva, criatividade, iniciativa, de estabelecer relações e ter abertura de espírito a fim de ultrapassar o nível meramente descritivo e atingir a essência da reflexividade enquanto meio para interagir com o conhecimento e mediá-lo de forma autônoma e flexível, construindo novos saberes, inspiradores de novas ações (Alarcão, 2003). As professoras participantes da pesquisa demonstraram que assumem uma postura crítica e reflexiva sobre sua formação para a docência na medida em que se manifestam sobre suas apropriações teóricas, como também no próprio campo de trabalho, buscando não só o seu próprio desenvolvimento pessoal, mas também de seus alunos e da instituição na qual exercem sua função docente. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 81 As reflexões aqui apresentadas e falas das professoras nos dão a compreender que as professoras compreendem como constroem a própria docência enquanto um movimento de ação-reflexão (Schön, 1987), balizado pelas noções fundamentais como conhecimento na ação (knowing-in-action), reflexão na ação (reflection-in-action) reflexão sobre a ação (refletion on action) e reflexão sobre a reflexão na ação (refletion on refletion-in-action), processo que leva as professoras a compreenderem como se constrem enquanto docentes levando-as a progredir no seu desenvolvimento e na sua tessitura da docência. 4.5. A carreira docente: encantos e exigências e a tessitura da docência Os diálogos com as participantes da pesquisa revelaram uma postura segura em relação à escolha da profissão, como afirma a professora P1 “A opção pelo magistério foi consciente, mesmo diante das adversidades e deficiências apresentadas quer na experiência e/ou funcionalidades.” O professor assume sua prática. Ninguém pode assumir pelo outro ou determinar como deve ser a prática do outro. Cada um faz o seu caminho de aprimoramento, de construção de autonomia, entretanto a construção da autonomia é defendida como forma de os indivíduos se constituírem e se relacionarem, não como uma capacidade individual, mas como uma construção da coletividade. A autonomia se constrói no encontro, como desenvolvimento das convicções e finalidades profissionais, mediadas pelo entendimento, pelo diálogo; entender as perspectivas e expectativas sociais é tão importante como se fazer compreender socialmente por parte dos profissionais. Para Sacristán (1992), o professor é o centro condutor visível dos processos de educação institucionalizados. Este papel central que o professor ocupa permite a reflexão sobre as diferentes tendências pedagógicas que verificamos nos profissionais responsáveis pelo ensino em nossas escolas. O espaço de sala de aula apresenta pluralidades, incertezas e conflitos cada vez mais evidentes, que exigem do professor não só o conhecimento científico acadêmico, mas também habilidades específicas para administrar as situações que se apresentam no decorrer de sua práxis pedagógica. Os estudos de Nóvoa (2000) apresentam argumentos que sustentam a idéia de que o professor, desde sua formação inicial e ao longo de sua carreira busca reproduzir modelos de práticas com as quais interagiu ao longo de 82 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) sua própria vida de estudante, bem como nos cursos de formação para o magistério seja em nível médio ou em curso superior. Sob esse ponto de vista, o fazer pedagógico do professor é plural, construído ao longo da vida do professor enquanto pessoa. Diante do exposto é possível afirmar que a formação do professor é complexa e ocorre em rede, com o estabelecimento de infinitas conexões, segundo Maturana (2003), conexões rizomáticas que nos permitem a apropriação de conhecimentos que se articulam resultando num saber cada vez mais elaborado, produzindo uma prática pedagógica entendida como um processo que se constrói. Assim como no universo “tudo está tecido junto”, tudo se relaciona de forma sistêmica (Morin, 2002), a construção da docência, tanto para o principiante na carreira, quanto para o docente experiente (TARDIF, 2002) necessita ser continuamente reelaborada e transformada dentro do contexto de atuação, pois é no entrelaçamento dos constructos teóricos, dos práticos e da experiência à luz da compreensão subjetiva de cada sujeito que se constrói o professor. A articulação entre a Universidade e a escola passa pela definição de novas figuras profissionais e pela valorização dos espaços da prática e da reflexão sobre a prática (Zeichner,1993). Para Maués (2003), de maneira geral a formação contínua constitui parte integrante de todas as reformas que se estão processando, tendo sempre como objetivo maior a busca de um alinhamento dos professores que já estão em exercício com as últimas decisões em matéria de política educacional. A formação continuada ou em serviço prevista na LDB da Educação Nacional, pressupõe uma abordagem na formação de professores que valorize o seu contexto, com o entendimento de que não só atinge o professor, mas todos aqueles que atuam na escola. Ainda há de se referir as novas tecnologias da inteligência que acenam com novas possibilidades de formação tais como os ambientes virtuais de aprendizagem e a educação à distância. Considerações Finais Sem dúvida, o futuro da educação depende do avanço do conhecimento; a vinculação entre saber e poder está cada vez mais estreita. O domínio do conhecimento pela sociedade é um elemento imprescindível para a concentração do poder econômico e político que rege as relações da humanidade. É importante que se diga, também, que em educação não existem mudanças mágicas, de um dia para o outro, o trabalho em educação exige adotar Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 83 estratégias que garantam sua continuidade para uma transformação profunda. O presente estudo se configura como uma proposta para se refletir a formação do professor para exercer a docência nas séries iniciais do ensino fundamental, sendo que focalizou a formação em nível universitário e seus contributos para a tessitura da docência. Entendo que a interação com as professoras participantes da pesquisa, suas falas e acima de tudo, seu testemunho prático no chão da escola mostraram que os conhecimentos universitários contribuem para construção dos saberes docentes necessários no dia a dias da docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental e, os mesmos sofrem influência do saberes práticos forma pela qual são reconstruídos em contexto para dar conta das urgências e necessidades do cotidiano da escola. Ainda, foi possível verificar a “epistemologia da prática profissional docente, na medida em que as professoras enfatizam que os saberes da experiência determinam seu fazer docente, embora reconheçam o papel dos conhecimentos teóricos enquanto alicerces para a prática. Um estudo desta natureza não se encerra com o final do texto. Muito pelo contrário, lança novos questionamentos e funda a possibilidade de novos estudos, tais como a investigação de como as professoras formadas em Curso de Pedagogia modalidade à distância compreendem o seu processo de formação para a docência à luz do emprego das novas tecnologias da inteligência. Quais os saberes? Quais as habilidades e competências para um fazer pedagógico na era da informação? Como reflexão em conclusão considero pertinente destacar que o todo o trabalho remete construção da docência enquanto tessitura como já referido no decorrer do texto, a formação como elemento essencial, mas não único no desenvolvimento profissional docente, pois o viver e o conviver de cada docente é, em grande parte, determinante do seu fazer docente. Permito-me a dizer que ao ousar a lançar-me nesta investigação estava consciente de que não seria tarefa fácil. No entanto, agora agrego as minhas questões iniciais muitas outras indagações, para as quais, enquanto educadora e pesquisadora, continuarei buscando respostas com a consciência de que não há uma resposta a ser encontrada em algum lugar, mas é na busca que reside a descoberta, pois ao longo de todo o estudo clarificou a tese de que é no exercício da profissão que se configura o processo de tornar-se professor, o aprendizado da ou a tessitura da docência se constrói agregando a complexidade do ser, do conhecer, do fazer e do conviver. 84 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Referências ALARCÃO, Isabel. Escola Reflexiva e a nova racionalidade técnica. Porto Alegre: ARTMED, 2001. BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação NACIONAL. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. p.27 – 41. CENSO DO ENSINO SUPERIOR. Disponível em <http://www.inep.gov.br/ superior/censosuperior/default.asp> CONTRERAS, José. 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Educação de qualidade, segundo constata a autora, é a que “apóia todos os direitos humanos [...] é localmente importante e culturalmente adequada [...] constrói conhecimentos, habilidades vitais, perspectivas, atitudes e valores”. Então, aproximar o conceito de qualidade à área de educação, num sentido amplo, representa reconhecer que ela pode consistir num significante, com múltiplos sentidos importantes, por meio de conceituações fundamentais, como a de sujeito, sociedade, vida e educação, inter-relacionadas com ideias afins, de caráter mais global. Dentre outras concepções significativas, Brandão (1981) identifica a educação como processo vital que contempla forças conjugadas pela ação consciente e de livre-arbítrio dos sujeitos envolvidos, enquanto atividade criadora que visa à realização de potencialidades próprias (físicas, morais, espirituais e intelectuais). Por isso, a educação se constitui no principal agente da transição para o desenvolvimento sustentável, segundo os documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), visto que incentiva e aprimora a capacidade humana para fazer, de suas próprias concepções sociais, a realidade a ser vivida. Tal realidade, para ser compreendida, requer um pensamento mutável acerca das partes e do todo, entre si, por consistir em uma rede de laços e interações, constantemente. Tendo por fim o desenvolvimento sustentável, a educação é percebida como um processo de aprendizagem para tomada decisões, tendo por consideração, a largo prazo, o futuro da economia, ecologia e equidade de todas as comunidades representadas. Segundo Morosini (2008), dentre as noções de qualidade existentes na Educação Superior, há aquelas que, ainda, estão sob as diretrizes da qualidade 1 Professora Doutora em Educação – PUCRS. Departamento de Metodologia do Ensino – MEN/CE/UFSM Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 87 isomórfica, orientadas por princípios financeiros, envolvendo avaliações para credenciamento e mantendo o isomorfismo e a padronização, voltados ao mercado. Na releitura dos últimos tempos, acerca desta temática, a autora declara que as fronteiras estão mais tênues, entre as diferentes categorias de qualidade, especialmente na perspectiva de construção do conceito de qualidade como equidade. Se, antes, havia a necessidade de programas institucionais de formação/ profissionalização docente, na Educação Superior, agora se constata como emergencial a implementação de oportunidades para o aprofundamento teórico-prático, diante dos desafios postos. Entre as facetas do conceito de qualidade, busco contemplar aquela que se relaciona com o próprio ensino universitário, como instrumento de construção de um profissional cidadão, por sua responsabilidade e comprometimento para com as mudanças sociais, que se impõem nacional e internacionalmente. Para tanto, é preciso estar focado numa visão de conjunto, que integra diversos sinais que, também, apresentam dimensão subjetiva e, portanto qualitativa, ao se refletir acerca de certa realidade. Assim, valorizo a expressão interpretativa de tais indicadores, sem ignorar a dimensão objetiva e quantitativa dos mesmos. Compreendo, então, o processo sistemático, organizado e autorreflexivo que envolve todo o percurso, desde a formação inicial, que abrange o exercício continuado da docência nos diversos espaços institucionais em que se desenrola. Dentre várias concepções, há o reconhecimento de que os indicadores são correspondentes a sinais ou marcas,2 ao longo de determinado processo que se deseja avaliar. Cabe salientar, então, que este processo autoformativo não implica em uma espécie de aprendizado individualista e solitário. Pelo contrário, explicita a importância de “caminhar com” (JOSSO, 2004) no sentido de que se aprende na interação3 com o entorno, na tomada de consciência da gama de experiências que cada ser humano vivencia e de onde provêm inúmeras lições e aprendizados. Filloux (2004) destaca a importância de cada pessoa, em formação, pensar sobre o que faz e, consequentemente, identificar que significações têm essa ação para, a partir dessa reflexão, autoformar-se, no momento em que auxilia o outro, para além da simples absorção de conhecimentos. Marcas não são rótulos externos e, sim, o resultado de relações humanas, cuja composição dos fluxos se faz e se refaz, somando-se e esboçando novas composições. Contam uma história dos modos de constituição do sujeito, resultam de processo em que o externo e o interno são inseparáveis (COLLA, 1999). 3 Considerada por Ardoino (2005) como intercâmbio entre duas pessoas, dois ou mais sujeitos, enquanto interações repletas de sentido, desejo, projetos e ambições, tendo em vista que a intersubjetividade supõe a interatividade. 2 88 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Reconhecer a pertinência das concepções do conhecimento pedagógico compartilhado4 e das redes de interações se torna imprescindível, quando se investiga acerca do processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores. Com isso, a trajetória vivida passa a ser considerada como ponto de partida aos estudos que abordam essa articulação, necessária entre o pessoal e o profissional, problematizando as situações e conquistas do sujeito, nesse movimento de (trans)formação, no decorrer do tempo (ISAIA, 2009). A partir da premissa de que o estudo acerca da trama vivencial e de suas inter-relações revela o percurso trilhado por uma rede coletiva de professores, em espaços e tempos diferenciados, entendo que a multiplicidade das gerações pedagógicas representa os modos diferenciados de participação, interação e compreensão dos processos e trajetórias formativas a serem empreendidas (ISAIA e BOLZAN, 2007). Assim, no momento em há interligação entre o mundo pessoal e o âmbito social de intervenção, em conjunto com o cenário profissional, outros conhecimentos do(a) professor(a) poderão emergir mediante as representações das experiências pedagógicas, tanto pessoais quanto coletivas. Desenvolvimento profissional: possibilidades de redimensionamento da formação docente A continuidade do processo formativo, entre outras, centra-se por demandas integradoras de suas dimensões (sociais, culturais e políticas), que são importantes à constituição de espaços interdiscursivos e intersubjetivos5 para discussões pertinentes acerca de questões pedagógicas. Isaia (2006) refere-se à aprendizagem docente como processo inter e intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres próprios, associados à realidade concreta da docência nos diversos campos de atuação. O importante não é apenas compreender o ser professor(a), mas entendê-lo a partir de cada contexto, no qual as trajetórias formativas são consideradas em relação às ações correspondentes da prática profissional. A pessoa deve concentrar-se em si, como figura-chave à evolução, sendo original, expressando-se com sinceridade transparente (PERETTI, 2000). Esse movimento em direção à coerência, de modo autêntico para assunção da própria 4 Sistema de ideias com distintos níveis de concretude e articulação, que apresenta dimensões dinâmicas de caráter processual. Implica numa rede de relações interpessoais, por quatro dimensões: o conhecimento teórico e conceitual, a experiência prática do professor, a reflexão sobre a ação docente e a transformação da ação pedagógica (BOLZAN, 2006). 5 Relacionados à aprendizagem docente colaborativa: processo plural, interativo e mediacional, que envolve movimento de construção e reconstrução de ideias, e premissas, advindas do processo de compartilhamento (ISAIA, 2007; BOLZAN, 2007; BOLZAN e ISAIA, 2007a, 2007b). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 89 identidade, entretanto, apresenta certo risco à inércia de corromper-se, numa postura isolada, narcisista e fechada aos outros interlocutores. Em se tratando de docência, a questão do cuidado emerge a partir daquilo que se descobre no outro (ZAMBERLAN; COSTENARO, 2001), ao agregar referenciais de conhecimentos e atitudes próprias que desvelam a humanização nas ações concretas, pelo viés da dimensão afetiva e expressiva do cuidado. Como rede de relações, a trajetória contribui à reflexão, ao compartilhamento e à reconstrução de experiências e conhecimentos, que possibilitam o desenvolvimento profissional.6 Portanto, os espaços educacionais auxiliam na construção e desenvolvimento da professoralidade,7 por ser um processo que orienta para constante apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres próprios, a cada área profissional, ao longo de um percurso que integra as ações como trajetórias formativas. Em acordo com Isaia e Bolzan (2008), penso que a professoralidade emerge como indicador de qualidade na Educação Superior, a partir do resgate de trajetórias pessoais e profissionais, as quais entrelaçam espaços e tempos que possibilitam a reconfiguração da prática pedagógica universitária. Ao partir dessa perspectiva de professoralidade, cabe evidenciar que a subjetividade marca o percurso formativo docente, porque reconhece, por meio da interdiscursividade e da intersubjetividade,8 o processo plural, interativo e mediacional que se configura como indicador de qualidade na Educação Superior. É pertinente retomar, então, o marco reflexivo de uma intersubjetividade, que envolve o(s) sujeito(s), principalmente na relação formativa, seja consigo próprio, seja com o(s) outro(s). Em decorrência, ressurge a questão do retorno sobre si,9 pelo formador. Para Josso (2004), esse campo é explorado no transcorrer do percurso evolutivo, pelas trocas que incitam a responsabilidade de usufruir, conscientemente, dos indícios de observação, dos elementos teóricos e das experiências de referência, servem de parâmetros referenciais aos pensamentos, ações e escolhas. 6 Processo contínuo, sistemático, organizado, envolvendo tanto os esforços dos professores em sua dimensão pessoal e interpessoal, como a intenção concreta, por parte das instituições nas quais trabalham, de criarem condições para que esse processo se efetive. 7 Marca produzida no sujeito e um estado, que faz diferença na organização da prática subjetiva, pela diferença que o sujeito produz em si. Identifica-se com o espaço da docência. É uma diferença produzida no sujeito, um estado em risco de desequilíbrio permanente (OLIVEIRA, 2009). 8 Permite descobrir o conceito de abertura à experiência (JOSSO, 2004), que designa a dimensão transformadora do autoconhecimento pela produção de novos saberes. 9 Engloba a análise de como se sente, a rejeição de defesa contra o que sentem e pensam sobre as próprias experiências, de maneira mais sincera possível (FILLOUX, 2004). 90 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Tal processo exige ações auto, hétero e interformativas, pela construção e reconstrução conceitual, advindas do processo de compartilhamento. Então, o desenvolvimento profissional docente se delineia por demarcações de caminhos, considerando a sua finalidade formativa e as respectivas trajetórias pessoais, profissionais e institucionais, imbricadas nesse processo (ISAIA e BOLZAN, 2008). O conceito de desenvolvimento profissional, portanto, está vinculado à necessidade de visão alargada da aprendizagem profissional, incluindo a questão eminentemente pessoal e as oportunidades informais do contexto de trabalho pedagógico. Reconhecer as trajetórias formativas, a criação de espaços de interlocução pedagógica e a aceitação dos desafios, postos à docência, via redes de relações10 e mediações, torna necessário considerar tais relações como componentes intrínsecos aos processos de partilha no âmbito de ensino e aprendizagem, na formação profissional. De um modo geral, conforme Huberman e Schapira (2000), as relações entre as pessoas têm dimensão fundamental na relação pedagógica, a partir de alguns indicadores, como a manutenção de bons contatos, sem chegar a uma dependência mútua, pois isso dificulta a satisfação pessoal, tendo em vista que não se experimenta, de fato, tais relações, quando um dos sujeitos envolvidos se limita meramente às formalidades. Assim, em relação à qualidade do processo formativo docente, é fundamental compreender as trajetórias percorridas pelos professores como marcas significativas deste processo, ao valorizar a intrínseca relação entre trajetória pessoal, profissional e percurso formativo. Diante dessa constatação, Josso (2004, p.231) evidencia que “a temporalidade das aprendizagens relacionais varia segundo a sua articulação ou a sua independência face às aprendizagens existenciais ou reflexivas”. Tendo por expectativa um novo horizonte, os contextos formadores servem de referência para os professores reconhecerem, compreenderem e interpretarem as realidades da vida, que se constituem por escolhas e oportunidades do cotidiano vivenciado. O desenvolvimento profissional, entre outros significados, pode ser compreendido por um estado de orientação e formação para a educação do sujeito, e não como estado condicionado a ações de formação específica, no decorrer da prática profissional (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001). 10 Processo de troca entre pares, implicando no compartilhamento de significados e ideias acerca do conhecimento pedagógico. A partir da atividade discursiva, permite a construção conjunta de saberes e fazeres de forma compartilhada (BOLZAN, 2002). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 91 Então, as características e capacidades específicas da profissão constituem integradamente a busca pelo profissionalismo,11 visto que há uma complexa variedade de exigências, ao profissional, para o exercício do trabalho com valores supremos, como a dignidade, justiça e responsabilidade. O processo socializador de aquisição das características e capacidades, por outra derivação terminológica de profissão, consiste na denominada profissionalização.12 De acordo com o resultado de pesquisas científicas, há o reconhecimento em prol da necessidade de instaurar um processo de profissionalização docente nas IES. Em decorrência do pressuposto que a profissionalização possibilita a sistematização dos saberes necessários à docência (ANASTASIOU, 2009) reafirmo a compreensão da mesma pelo caráter de continuidade, pois os profissionais oriundos de várias áreas ocupam os espaços da docência, com saberes prévios de outras experiências. Por isso, o processo de profissionalização não contempla apenas os professores que ingressam nas IES, mas consiste em horizontes de possibilidades13 continuadas de reflexão, sistematização de estudos e busca coletiva de alternativas e estratégias de mediação ao fazer pedagógico, independente da área de atuação e formação profissional dos professores. Entretanto, registra-se a inexistência, no Brasil, de amparo legal em âmbito nacional que estimule a formação pedagógica dos professores universitários (PACHANE, 2003). A opção por oferecer, ou não, esta formação fica a cargo dos regimentos de cada IES, mesmo que seja responsável, por meio da política institucional, pelo oferecimento ou apoio de discussões reflexivas e propostas incentivadoras, que regulamentem e confirmem a necessidade da mesma. Quanto à formação continuada dos professores universitários, discute-se a complexidade deste nível de ensino, de forma ampla e contextual. Por outro enfoque, há a defesa de superação da concepção individualista de formação centrada no professor e, como tal, organizada à margem do seu desenvolvimento profissional. Assim, a mudança da profissionalidade e o aperfeiçoamento dos professores devem ser entendidos como um modelo de desenvolvimento Segundo Veiga (2006), tem de alicerçar-se em orientações éticas, de acordo com as ideias educativas democráticas, que respeite os valores dos profissionais. 12 Não é um processo simplificado. Possibilidade de construção coletiva do professor e seus alunos, que contempla a subjetividade docente inserida na prática (VEIGA, 2006, p.3). 13 Contribuem à mediação desenvolvente que, para Maciel (2009a), abrange a apreensão de ideias evidentes, como motivação do professor, redes de significados, atuação pedagógica, condições objetivas e subjetivas à construção de práticas (trans)formadoras. 11 92 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) profissional e pessoal, evolutivo e continuado, que precisa estar referenciado nos contextos que determinam a prática. O desenvolvimento profissional dos professores tem sido objeto de propostas educacionais que valorizam uma formação docente não mais baseada na racionalidade técnica, mas “em uma perspectiva que reconhece a capacidade desses profissionais de decidir, de confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.264). A literatura pedagógica existente prospera com significativa relevância acerca de dimensões relativas ao desenvolvimento profissional, que envolvem: os modelos e estratégias utilizados para compreensão de tal desenvolvimento; os ciclos da carreira; o conhecimento específico do professor; as etapas de desenvolvimento cognitivo da aprendizagem do adulto e, por consequência, os diversos fatores e contextos que influenciam esses processos. Tais estudos, embora apresentem diferentes perspectivas, pois seus pressupostos possuem divergências e ambiguidades, têm contribuído para com esse novo enfoque de desenvolvimento profissional, quando se constata que a formação envolve toda carreira docente. Tal desenvolvimento deve estar intimamente relacionado com a instituição educativa, na possibilidade de inovação curricular, para melhor qualificação do ensino e da profissionalidade docente. Assim, há necessidade de se compreender a natureza e os diferentes contextos em que ocorrem os processos de aprendizagem da docência.14 As investigações acerca dos processos de desenvolvimento profissional têm apontado diversas estratégias, em que se destaca a reflexão e a investigação como componentes na construção desse desenvolvimento, tendo como referências as experiências pessoais-profissionais e o enfrentamento das relações estabelecidas entre as situações práticas incertas e os valores considerados educativos. Isso remete à explicação a respeito das teorias de aprendizagens dos adultos, referendadas por Marcelo García (1999), em que se tratando de mudanças maiores, os professores reorganizam suas crenças ou concepções sobre o ensino-aprendizagem, o contexto institucional, entre outros para, depois, adotarem mudanças na prática. Cabe ressaltar, também, que o desenvolvimento profissional implica não só indivíduos, mas essencialmente grupos: os professores como coletivo, os formadores dos professores, os responsáveis pelas instituições formadoras e os responsáveis pelas políticas de formação. Requer uma capacidade de pensamento mais ampla, como também a capacidade de construir sentido e de interpretar sentido aos outros (McEWAN, 1998). 14 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 93 Todos esses grupos que influenciam, direta ou indiretamente, nos processos de desenvolvimento docente deveriam contribuir na implementação de propostas que tivessem como foco central um trabalho colaborativo15 mais amplo, em que este passe a constituir-se no próprio processo de desenvolvimento e aprendizagem profissional, propiciando mudanças significativas a todos os envolvidos nesse processo. A palavra profissionalidade não está ainda dicionarizada; mas referindose à questão da profissão professor, Gimeno Sacristán (1995, p. 65) entende “por profissionalidade a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. Os profissionais, nas diferentes profissões, desenvolvem determinados comportamentos, destrezas, valores, atitudes, constroem conhecimentos que constituem o que é específico da profissão, ao que se chama de profissionalidade (GIMENO SACRISTÁN, 1995, p.65). No que diz respeito ao professor, refletir sobre ela, segundo esse autor, remete ao “tipo de desempenho e de conhecimento específicos da profissão docente”. De acordo com as análises de Libâneo (2001, p. 63), a profissionalidade docente pode ser definida como o “conjunto de requisitos profissionais que tornam alguém um professor, uma professora”. Tais requisitos encontram relações com os conhecimentos, as habilidades e atitudes necessárias ao exercício profissional que diferem os professores dos profissionais, entre as mais diversas áreas. Ao lado do desenvolvimento da profissionalidade, assume relevante papel na profissionalização docente o enfoque cultural, que tem merecido destaque singular no âmbito educacional, tendo em vista a complexidade da realidade e a busca da sua compreensão. O conceito do que é profissionalidade docente não é estático, sendo, portanto, constantemente elaborado. O conceito de desenvolvimento profissional, ressaltado por Almeida (2000), pressupõe a ideia de crescimento, evolução e ampliação das possibilidades de atuação dos professores. Nesse sentido, as duas dimensões da prática docente são compatibilizadas, inseparavelmente: a qualificação do professor e as condições concretas em que ele atua. O estudo sobre os processos de desenvolvimento profissional se concretiza pela análise singular da construção de cada percurso, a partir das significações próprias de cada professor, contemplando as dimensões (pessoal, Proporciona tempo para investigação reflexiva e educativa, relativamente inexplorada ao desenvolvimento docente (GOODSON, MEASOR e SIKES, 2004). 15 94 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) profissional, curricular, cultural e a de impacto) do seu trabalho, que são constituídas na inter-relação. Nesse entendimento, o desenvolvimento profissional abrange situações de aprendizagens que afetam o processo de aprender a ensinar, tendo em vista o crescimento intelectual e profissional docente, o qual pressupõe evolução e continuidade (MONTEIRO; MIZUKAMI, 2001). Assim, ao reconhecer o professor como profissional,16 enquanto agente dinâmico cultural, social e curricular (RAMALHO, 2003), o conceito de profissionalização apresenta-se como o desenvolvimento sistemático da profissão, fundamentado na prática e mobilização de conhecimentos especializados, que favorecem o aperfeiçoamento das competências profissionais. Assim, evidencio que a concepção de desenvolvimento profissional dos professores pressupõe uma perspectiva de formação que prioriza o caráter contextual e organizacional, direcionado para a mudança (MARCELO GARCÍA, 1999), a qual supera a visão individualista das ações de aperfeiçoamento docente porque se desenvolve, sobretudo, nas relações consigo próprio em inter-relação com os outros. O processo de desenvolvimento profissional defende a inter-relação da trajetória pessoal e profissional docente com o da IES. Fernández Pérez (citado por MARCELO GARCÍA, 1999) salienta a exigência, no processo, de promover a construção do saber específico, não trivial, como fundamentação crítico-científica e autopercepção positiva do professor universitário. Em prol de uma formação na perspectiva generalista, em relação aos processos de ensinar e aprender, contrapondo-se à formação específica da própria área do conhecimento, destaco as relações intersubjetivas que, dentre as questões comuns à docência superior, são baseadas por princípios éticos e de responsabilidade social, na construção do seu projeto de vida pessoal e profissional. Consequentemente, qualquer tomada de decisão traz consigo um conjunto de conhecimentos, que expressam valores e levam em conta uma série de questões implícitas e explícitas, as quais tornam possível a realização de tarefas diversificadas, por meio da comparação entre similaridades e discrepâncias das situações que se apresentam. Na busca de uma nova configuração ao processo de desenvolvimento profissional docente, aliado a construção de redes de relacionamentos articulados, Portal e Duhá (2005) enfatizam a emergência de se investir na capacitação de um 16 Montero (2005) ressalta que a consideração do professor como profissional se baseia na sua dedicação ao processo de ensino-aprendizagem, e não domínio de uma(s) disciplina(s), embora isso seja conhecimento essencial no processo de profissionalização. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 95 docente empreendedor íntegro e consciente. Em especial, destacam a necessidade de articulação equilibrada entre o sentir, o pensar e o agir na ressignificação de vivências, bem como na concretização dos propósitos educacionais. A formação pode favorecer o desenvolvimento profissional dos docentes à medida que se constituam professores reflexivos, capazes de assumirem a responsabilidade pelo próprio desenvolvimento profissional e de participarem, com empenho e competência, na definição e implementação de políticas educativas crítico-reflexivas. Portanto, no campo profissional, o desenvolvimento de uma carreira é caracterizado como um processo e não por uma série de acontecimentos. Numa abordagem sociopsicológica, trata-se de um estudo sobre o percurso de uma pessoa-profissional numa série de organizações, compreendendo como a singularidade desse sujeito e tais organizações influenciam-se entre si. Nesse contexto, ao rever cada trajetória em sua universalidade, aponto a importância da experiência pessoal na aprendizagem profissional17 e da significação pessoal de tal atividade. Esse processo investigativo sobre as concepções, experiências e necessidades ao processo de formação docente ressignifica, como fundamental, o compromisso para com o envolvimento, principalmente numa sociedade em transição, em que há mudança de paradigmas e a instauração imediata de novas tecnologias. Hoje, com esse novo paradigma de comunicação, principalmente quanto ao veloz acesso às informações, vejo que as novas gerações já têm outra relação com seus próprios aprendizados: aprendem sobre o mundo, enquanto são estimulados a serem espontâneos e autônomos. E a trajetória profissional, construída também pelo entrelaçamento de gerações, está associada à luta que se estabelece entre aqueles que se consideram donos do mundo sociopedagógico e os que querem temporariamente atingí-lo, nas vivências situacionais. Vejo, então, em Levinson (1986, p.398) apoiado às ideias de Ortega y Gasset, como primordial o destaque, nesse processo, frente a que “somos responsáveis não somente de nosso próprio trabalho e, talvez, do trabalho dos outros, mas também da evolução da atual geração de jovens adultos que, em breve, entrarão na geração dominante”.18 Compreendida, segundo Maciel (2009b), como processo simultâneo, de desenvolvimento das múltiplas possibilidades instauradas a partir da ambiência (interior e exterior) e de permanentes avanços enquanto sujeito que se autorrealiza ao longo da vida. 18 Tradução realizada pela autora deste estudo. 17 96 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Entendo os professores como uma geração pedagógica (ISAIA, 2006)19 que, cada vez mais, clama por reflexões fundamentadas acerca da profissão e trajetória docente. Assim, a partir do estudo acerca das exigências e implicações à vida dos professores, poderá emergir a reconstrução significativa dessa profissão, quando se almeja um movimento de (re)organização social para os novos tempos. A educação na sua diretividade, enquanto ação especificamente humana, reflete a sua politicidade inerente à concepção freireana. A qualidade de ser política está enraizada na própria educabilidade do ser humano, por sua condição histórica, inconclusa, que necessita eticamente fazer opções e tomar decisões em sua trajetória vital. A universidade e seu professor, nas ações de interação com significado, têm o importante papel de ser fator chave para o desenvolvimento humano e social, na formação das próximas gerações. Portanto, pela consideração das perspectivas regional e global emerge como desafio da Educação Superior o compromisso colaborativo para com o desenvolvimento humano e social. Measor e Sikes (2004) defendem, então, a necessidade de priorizar a abordagem interacionista na formação, que contemple o mundo de significados subjetivos, as realidades e intenções dos envolvidos. Portanto, a fim de que os professores possam desenvolver-se profissionalmente (DAY, 2001), faz-se necessário atentar ao pensamento crítico-reflexivo aos propósitos morais, bem como às suas destrezas pedagógicas e de gestão, pela via dos contextos culturais e de liderança em que trabalham. Entretanto, Goodson, Measor e Sikes (2004) ressaltam o entendimento de que é preciso ter ciência dos incidentes críticos da vida, assim como as fases importantes da carreira, pois ambos afetam as percepções e práticas cotidianas, especialmente quanto ao desempenho profissional docente. Quanto à promoção e incentivo ao desenvolvimento profissional docente, faz-se necessário a realização de levantamento e análise sistemática das necessidades formativas, possibilitando reflexão conjunta e pertinente às prioridades elencadas. Assim, muito além de uma proposta concebida como treinamento prévio, o desenvolvimento profissional é pautado por princípios em forma de compromisso reflexivo (McEWAN, 1998) entre sujeitos, que gera a mobilização intencional do processo da própria formação, a partir das contribuições representativas e de competências já existentes. Situam-se na mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores, crenças, convicções e estilos próprios de compreender e experienciar a docência, como modos diferenciados de interação na trajetória formativa, a ser empreendida pelos professores e a instituição em que atuam (ISAIA, 2006). 19 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 97 O sujeito professor(a), ao observar o cotidiano de suas relações reserva, nele, momentos para si e reconhece o quanto estes são favoráveis à revitalização de sua energia produtiva, especialmente no âmbito do trabalho. Referências ALMEIDA, M. de. Desenvolvimento Profissional Docente: uma atribuição que também é do sindicato. 23ª Reunião da ANPed. Digitado. Caxambu: 2000, 15p. ARDOINO, J. Complejidad y formación: pensar la educación desde una mirada epistemológica. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2005, p.75-97. BOLÍVAR, A.; DOMINGO, J.; FERNÁNDEZ, M. 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Disponível no link http://conae.mec.gov. br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf, este documento anuncia caminhos para a educação brasileira e apresenta deliberações para a formulação e materialização de políticas de Estado na educação, sobretudo, para a construção do novo Plano Nacional de Educação, período 2011-2020 e para o estabelecimento, consolidação e avanço das políticas de educação e gestão que dele resultarem em políticas de Estado. Mantém a estrutura do Documento-Referência que serviu de base para as conferências municipais, intermunicipais, estaduais, distrital e nacional e com o Documento-Base para a etapa nacional da Conae, constituindo-se dos seis eixos temáticos: I - Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional; II - Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação; III - Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar; IV - Formação e valorização dos trabalhadores em educação; V – Financiamento da educação e controle social; VI - Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade. Analisando cada eixo temático, foi possível constatar ocorrências que demonstram preocupações com a qualidade da educação superior e nela, com a formação de professores, conforme segue: 102 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional Logo no início do primeiro Eixo, o Documento Final ressalta que “[...] É dever do Estado a garantia do direito à educação de qualidade, estabelecido na Constituição Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e no Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010)” (p. 20). Ainda considerando a Constituição Brasileira, o Documento destaca a importância da cooperação que deve existir entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista assegurar políticas públicas que garantam a oferta de educação escolar com qualidade. Chama a atenção que um dos princípios explícitos no artigo 206 da Constituição Federal é a garantia de padrão de qualidade. Na página 23, o Documento enfatiza: “[...] fazse necessário o esforço integrado e colaborativo, a fim de consolidar novas bases na relação entre os entes federados, para garantir o direito à educação e à escola de qualidade social”. Ao procurar objetivar uma análise deste artigo da atual Constituição Federal, é possível destacar o sentido de intenção ou cumprimento de intenção como propósito e meta na direção do estabelecimento de um padrão de qualidade para a educação escolar. Tomando a educação superior, pode-se dizer que a garantia de padrão de qualidade social deve se caracterizar pelo esforço para atender os alunos, proporcionando seu desenvolvimento humano e instrumentalizando-os para o trabalho, bem como, para o exercício da cidadania, que é o meio de sobrevivência da sociedade organizada. No primeiro Eixo ainda consta que a instituição de um sistema nacional de educação, concebido como expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação é condição essencial à garantia de um padrão unitário de qualidade nas instituições educacionais públicas e privadas em todo o País. “[...] Os planos de educação, em todos os seus âmbitos (municipal, estadual, distrital e federal), devem conter obrigatoriamente diretrizes, metas e estratégias de ação que garantam o acesso à educação de qualidade desde a creche até a pós-graduação” (p. 25). Associado a necessidade de garantia do acesso à educação de qualidade, o Eixo I destaca que nos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para elevar a qualidade dos diversos níveis, etapas e modalidades de ensino deve ser incluída a ampliação do financiamento, ou seja, “[...] a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 103 valorização e a qualificação da educação implicam, incisivamente, a ampliação do seu financiamento” (p.27). Sabe-se que o financiamento da educação no Brasil tem como grande fonte de recursos a receita de impostos e de certa forma isso define a forma de colaboração entre os entes federados. Os municípios e estados tem que investir 25% da receita de impostos (ICMS, IPVA, entre outros) em educação, manutenção e desenvolvimento do ensino. Já a União tem que gastar 18% da receita. Este é o grosso do financiamento da escola pública. Atualmente a legislação permite a destinação de recursos públicos para escolas comunitárias, para bolsas de estudos nas instituições privadas, entre outros casos. Nesta Conferência está clara a intenção de retomar o princípio do recurso público para escola pública. Este Eixo, ao se referir à qualidade ressalta ainda que o Sistema Nacional de Educação, sob o regime de colaboração, precisará garantir a unidade no atendimento de qualidade por meio dos mesmos parâmetros, nas diversas instituições públicas, sejam elas federais, estaduais, do DF ou municipais (p.27). Nesses parâmetros encontra-se a universalização do acesso, a ampliação da jornada escolar e a garantia da permanência bem-sucedida para crianças, adolescentes, jovens e adultos, em todas as etapas e modalidades (p.29). Para isso será preciso investimento na educação: financiamento; inclusão social; reconhecimento e valorização à diversidade; gestão democrática e formação e valorização dos profissionais da educação, dentre outros (p. 30). Quando faz referência ao Sistema Nacional de Educação, o Eixo I manifesta preocupações com a qualidade e salienta que o mesmo deve prover: a) A definição e a garantia de padrões mínimos de qualidade, incluindo a igualdade de condições para acesso e permanência na escola. b) A garantia de instalações gerais adequadas aos padrões mínimos de qualidade, em consonância com a avaliação positiva dos usuários, [...] levando em consideração as necessidades pedagógicas e da comunidade a serem atendidas. c) Equipamentos em quantidade, qualidade e condições de uso adequadas às atividades educativas. d) Biblioteca com profissional qualificado, espaço físico apropriado para leitura, consulta ao acervo, estudo individual e/ou em grupo, pesquisa online; acervo com quantidade e qualidade para atender o trabalho pedagógico e o número de estudantes existentes na escola (p.31 – 32). 104 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação Considerando o documento na sua totalidade, neste Eixo também são apresentadas algumas dimensões de qualidade relacionadas mais especificamente com o processo de gestão e avaliação. Para este Eixo, a educação com qualidade requer processos de avaliação, capazes de assegurar a construção da qualidade social inerente ao processo educativo, de modo a favorecer o desenvolvimento e a apreensão de saberes científicos, artísticos, tecnológicos, sociais e históricos, compreendendo as necessidades do mundo do trabalho, os elementos materiais e a subjetividade humana (p. 41). A qualidade da educação superior para o contexto capitalista global em que se encontram as instituições de ensino superior, diz respeito ao seu desempenho enquanto colaboradora na construção de uma sociedade mais inclusiva, solidária e justa. Essas instituições devem instrumentalizar os estudantes para superar as condições adversas de suas existências, sair da margem da sociedade, apropriarse dela, tornar-se sujeito. Para tanto, torna-se necessário o reconhecimento das demandas de convivência do contexto (respeito às diferenças), a criação de condições para o exercício da democracia (consciência política) e a preparação para o trabalho. Dessa forma, a fundamentação da gestão democrática está na constituição de um espaço público de direito, que deve promover condições de igualdade, liberdade, justiça e diálogo em todas as esferas e estrutura material e financeira para a oferta de educação de qualidade. Para tanto, conceitos de autonomia, democratização, descentralização, qualidade e participação devem ser debatidos coletivamente, para maior legitimidade e concretude no cotidiano (p. 43). Nesta direção, este Eixo II destaca que a gestão democrática da educação está vinculada ao projeto que se quer implementar e este traz em seu bojo uma dada concepção do que entende por qualidade da educação. O delineamento e a explicitação de dimensões, fatores e indicadores de qualidade têm adquirido importância na agenda de governos, movimentos sociais, pais/mães e/ou responsáveis, estudantes e pesquisadores/as do campo da educação (p. 45-6). Para este Eixo, Debater a qualidade remete à apreensão de um conjunto de variáveis que interfere no âmbito das relações sociais mais amplas, envolvendo questões macroestruturais, como concentração de renda, desigualdade social, garantia do Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 105 direito à educação, dentre outras. Envolve, igualmente, questões concernentes à análise de sistemas e instituições de educação básica e superior, bem como ao processo de organização e gestão do trabalho educativo, que implica condição de trabalho, processos de gestão educacional, dinâmica curricular, formação e profissionalização (p. 46). Além disso, a construção de princípios e base para a efetivação de políticas de Estado direcionadas à educação básica e superior de qualidade depende de alguns fatores, que são: a) Articulação das dimensões intra e extraescolares, conforme consta na citação apresentada anteriormente. b) A dimensão socioeconômica e cultural, uma vez que o ato educativo se dá em um contexto de posições e disposições no espaço social heterogêneo e plural. c) Condições, dimensões e fatores para a oferta de um ensino sintonizado com a superação da desigualdade socioeconômica e cultural entre as regiões. d) Promoção e atualização histórico-cultural em termos de formação sólida, crítica, criativa, ética e solidária, em sintonia com as políticas públicas de inclusão, de resgate social e do mundo do trabalho. e) Democratização dos processos de organização e gestão dos processos educativos. f) Condições da oferta de educação (relação número de estudantes por turma, estudantes por docente e estudantes por funcionário técnico-administrativo), uma vez que melhores médias dessa relação são relevantes para a qualidade da formação oferecida. g) Financiamento público. h) Estrutura e características da instituição: projetos desenvolvidos, o ambiente educativo, tipo e condições de gestão, gestão da prática pedagógica, espaços coletivos de decisão, projeto político-pedagógico ou PDI das instituições, participação e integração da comunidade escolar, visão de qualidade dos agentes escolares, avaliação da aprendizagem e do trabalho escolar realizado, formação e condições de trabalho dos profissionais da escola, dimensão do acesso, permanência e sucesso escolar etc.. i) Organização sindical e estudantil. j) Motivação, satisfação com o trabalho e identificação dos professores com a instituição educativa. k) Satisfação e engajamento ativo dos diferentes segmentos e, sobretudo, do estudante e do professor, no processo político-pedagógico. 106 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Além desses princípios e diretrizes, o Eixo II enfatiza que é necessário estabelecer referências, dimensões e mecanismos para a instituição dos padrões de qualidade desejáveis para a educação básica e superior e explicita: “[...] é fundamental definir dimensões, fatores e condições de qualidade a serem considerados como referência analítica e política na melhoria do processo educativo” (p. 49), assim como consolidar mecanismos de acompanhamento da produção, implantação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais, produzindo uma formação de qualidade socialmente referenciada, nos diferentes níveis e modalidades. As dimensões são estabelecidas no Eixo II de forma bem detalhada podendo ser sintetizada da seguinte forma: a) Dimensões extraescolares envolvendo dois níveis: o espaço social e as obrigações do Estado e a dimensão dos direitos dos cidadãos e das obrigações do Estado. b) Dimensões intraescolares identificadas em quatro planos: 1) plano do sistema (condições de oferta de educação básica e superior); 2) plano da instituição educativa (gestão e organização do trabalho educativo); 3) plano do professor (formação, profissionalização e ação pedagógica) e 4) plano do estudante (acesso, permanência e desempenho). Diante dessas dimensões, [...] A avaliação do sistema educacional vem adquirindo centralidade como estratégia imprescindível para gerar novas atitudes e práticas, bem como acompanhar os resultados das novas competências atribuídas à gestão. Junto à garantia da qualidade da educação, os dispositivos legais (CF/88, LDB e o PNE) indicam a avaliação como base para a melhoria dos processos educativos e, nessa direção, estabelecem competências dos entes federativos, especialmente da União, visando assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação, com a cooperação dos sistemas de ensino (p. 54). Para o Eixo II, avaliar a formação e a ação dos professores e dos estudantes complementa um processo de compromissos com a qualidade da educação. Uma autoavaliação institucional identifica lacunas na formação inicial, assim como potenciais específicos em professores e demais trabalhadores em educação. Essa concepção de avaliação poderá incentivar os docentes à atualização pedagógica, contemplando, ainda, no plano de Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 107 carreira, momentos de formação continuada, resultando em uma educação de qualidade socialmente referenciada. [...] Uma concepção ampla de avaliação precisa incorporar o atributo da qualidade como função social da instituição educativa (p. 55). Deve reunir as dimensões: projetos político-pedagógicos; infraestrutura; tempo de permanência do estudante na instituição; gestão democrática; participação do corpo discente na vida escolar, sistema de avaliação local; carreira, salário e qualificação dos trabalhadores da educação; formação continuada e tempo de planejamento na unidade de ensino; formação e forma de escolha do dirigente escolar; número de estudantes por sala e material pedagógico disponível (p. 55). [...] Na educação superior é preciso aprimorar o processo avaliativo, tornando-o mais abrangente, de modo a promover o desenvolvimento institucional e a melhoria da qualidade da educação como lógica constitutiva do processo avaliativo emancipatório, considerando, efetivamente, a autonomia das IES, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Além disso, faz-se necessária maior interrelação das sistemáticas de avaliação da graduação e da pós-graduação, na constituição de um sistema de avaliação para a educação superior (p. 56). Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar Neste Eixo, o Documento Final da Conae ressalta inicialmente que uma instituição educativa para ter qualidade social deve garantir o acesso ao conhecimento e ao patrimônio cultural historicamente produzido pela sociedade, por meio da construção de conhecimentos críticos e emancipadores a partir de contextos concretos (p. 63). Precisa construir processos pedagógicos, curriculares e avaliativos centrados na melhoria das condições de aprendizagem, tendo em vista a definição e reconstrução permanente de padrões adequados de qualidade educativa. Para a Conae, uma instituição educativa de boa qualidade é vista positivamente pelos estudantes, pelas mães, pais e/ou responsáveis e pela comunidade, o que normalmente resulta em maior empenho dos estudantes 108 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) no processo de aprendizagem, assim como na maior participação das famílias no projeto político-pedagógico (PPP) ou no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) (p. 64). Ainda segundo a Conae, uma instituição com PPP ou PDI claramente definidos pelo conjunto dos agentes e empenhada na formação e na aprendizagem dos estudantes obtém respostas mais positivas, sobretudo porque as aulas e as atividades educativas são mais abrangentes e envolventes e os professores utilizam estratégias e recursos pedagógicos adequados aos conteúdos e às características dos estudantes. São instituições onde os estudantes reconhecem e valorizam o trabalho dos professores e demais trabalhadores da educação e se envolvem mais no processo de aprendizagem. Por se tratar de um Eixo preocupado com a democratização do acesso à educação, este Documento ressalta a importância de se verificar alguns indicadores que dão a dimensão do acesso, permanência e sucesso dos/das estudantes no processo educativo. “[...] No que se refere à educação superior, conforme dados recentes, observa-se que esse nível de ensino continua elitista e excludente. A expansão ocorrida na última década não foi capaz de democratizar efetivamente esse nível de ensino, sobretudo se considerarmos a qualidade” (p.66). No Brasil, pode-se afirmar que o acesso ao ensino superior ainda é bastante restrito e não atende à demanda, principalmente na faixa etária de 18 a 24 anos, pois apenas 12,1% dessa população encontram-se matriculados em algum curso de graduação (Inep, 2007). Além disso, 74,1% das matrículas estão no setor privado, enquanto apenas 25,9% estão em IES públicas; cerca de 68% das matrículas do setor privado são registradas no turno noturno, enquanto o setor público apresenta um percentual de 36% (p. 66). No entanto, o Documento Final da Conae reconhece que, embora tenha ocorrido um crescimento considerável, tanto privado como público, ainda se está longe dos parâmetros da real democratização desse nível de ensino, sobretudo em termos de acesso, permanência e conclusão e, ainda, quanto à qualidade da oferta de cursos para os estudantes-trabalhadores (p. 68). A educação superior pode ser fundamento para a democratização do acesso, da permanência e do sucesso escolar, ou seja, pode ser instrumento na construção da qualidade social da educação como direito social. Para isso, é necessário reconhecê-la como bem público social e um direito humano universal e, portanto, como dever do Estado. Para ter qualidade social, é preciso democratizar o acesso dos segmentos menos favorecidos da sociedade aos cursos Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 109 superiores, assim como interiorizar instituições estaduais e federais e construção de novos campi e ampliação da oferta de cursos já existentes (p.74). Formação e valorização dos trabalhadores em educação No quarto Eixo, o Documento Final aborda sobre a formação e valorização dos profissionais da educação. Um padrão de qualidade na formação dos profissionais que atuam na educação básica e superior será possível se for institucionalizado uma Política Nacional de Formação e Valorização dos Profissionais da Educação. Para isso é preciso considerar a legislação vigente e as necessidades das instituições e sistemas de ensino. Para o desenvolvimento de uma educação básica e superior de qualidade faz-se necessário uma política nacional de formação dos profissionais da educação fundamentada na dialética entre teoria e prática, ou seja, que a prática profissional seja valorizada como momento de construção e ampliação do conhecimento, através da reflexão, análise e problematização do conhecimento e das soluções criadas no ato pedagógico. Além desse fundamento, uma educação superior com qualidade requer uma política nacional de formação e valorização dos profissionais do magistério, pautada pelo/a: a) Reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à articulação entre teoria e prática (ação/reflexão/ação). b) Integração e interdisciplinaridade curriculares, dando significado e relevância aos conteúdos básicos, articulados com a realidade social e cultural. c) Construção do conhecimento pelos profissionais da educação, através da sua vivência investigativa e o aperfeiçoamento da prática educativa, participando em projetos de pesquisa e extensão, desenvolvidos nas IES e em grupos de estudos na educação básica. d) Implementação de processos que consolidem a identidade dos professores. e) Fortalecimento e ampliação das licenciaturas e implantação de políticas de formação continuada de pós-graduação. f) Realização de processos de formação inicial e continuada dos docentes. g) Desenvolvimento de competências e habilidades para o uso das tecnologias de informação e comunicação dos profissionais da educação. 110 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) h) Promoção de espaços para a reflexão crítica sobre as diferentes linguagens midiáticas, possibilitando o desenvolvimento de criticidade e criatividade. i) Instituição de um padrão de qualidade aos cursos de formação de professores. Esta perspectiva de formação e profissionalização docente deve se alicerçar em princípios de uma base comum nacional, como parâmetro para a definição da qualidade, bem como ser resultado da articulação necessária entre o MEC, as instituições formadoras e os sistemas de ensino. Reportando-se à formação e profissionalização docente que está ocorrendo na modalidade de Educação a Distância, este Eixo explicita: [...] A formação inicial deverá se dar de forma presencial, inclusive aquelas destinadas aos/à professores/as leigos/as [...] como aos/às professores/as de educação infantil e anos iniciais do fundamental em exercício, possuidores/as de formação em nível médio. [...] A formação inicial pode, de forma excepcional, ocorrer na modalidade de EAD para os/ as profissionais da educação em exercício, onde não existam cursos presenciais, cuja oferta deve ser desenvolvida sob rígida regulamentação, acompanhamento e avaliação (p. 83). A utilização das modalidades presencial ou de EAD, deve ter por princípio pedagógico uma formação de qualidade socialmente referenciada. O papel do professor é fundamental para o bom andamento dos cursos, exigindo uma dinâmica pedagógica que enfatize a ação docente em todos os momentos do processo formativo, ou seja, implantação, acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações de formação. Reportando-se a qualidade da formação inicial e continuada de professores, o Documento reconhece este processo não é satisfatório. Adverte que o setor privado responde por 74,1% das matrículas em cursos de graduação presenciais (INEP, 2007). A maior parte dessas matrículas encontra-se em instituições não universitárias, sobretudo em cursos oferecidos no turno noturno. De modo geral, o Documento chama a atenção para os cursos de licenciaturas que apresentam um conjunto de dificuldades nos seus desenhos e práticas curriculares, caracterizado da seguinte forma: [...] a) Uma dicotomia entre ensino e pesquisa, como se a pesquisa só fosse possível nos bacharelados; b) uma separação bastante evidente entre formação acadêmica (teoria) e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 111 realidade prática e, ainda, entre disciplinas de conteúdo pedagógico e disciplinas de conteúdo específico; c) uma formação pedagógica (complementação pedagógica) mínima para os cursos de licenciatura, à exceção da pedagogia; d) uma desarticulação dos componentes curriculares com o perfil do/da profissional a ser formado/a (p. 86). Além desses problemas existentes no processo de formação inicial de professores, é premente o estabelecimento de políticas, programas e ações efetivas, especificamente voltadas para a prevenção, atenção e atendimento à saúde e integridade física, mental e moral dos profissionais da educação, como condição para a melhoria da qualidade do ensino. Outro aspecto apontado por este Eixo e que mantém relação com a qualidade da formação de professores diz respeito à necessidade da avaliação do processo de avaliação da formação e da ação dos profissionais da educação. Uma autoavaliação institucional, nos sistemas de ensino, com critérios definidos nacionalmente, podem ser identificadas lacunas na formação inicial, passíveis de serem sanadas pelo desenvolvimento de um programa de formação continuada, assim como se poderão identificar, também, potenciais específicos em profissionais de educação, seja em encontros pedagógicos semanais de coordenação pedagógica na escola, seja em âmbito do próprio sistema de ensino. É enfatizado que a avaliação pedagógica dos profissionais da educação (na perspectiva de superação de suas dificuldades, de continuidade de sua formação e da conseqüente melhoria do desempenho discente) apresenta-se como instrumento de valorização profissional e aprimoramento da qualidade social da educação. Finalmente, o Eixo quatro chama a atenção para o fato de que a universalização da educação básica de qualidade para todos, visando à inclusão social, exigirá a revisão crítica do que vem sendo feito na formação inicial e continuada de professores e sua valorização. Informa que há desafios históricos relacionados com articulação entre formação, profissionalização, valorização, elevação do estatuto socioeconômico e técnico-científico dos professores e a ampliação do controle do exercício profissional, tendo em vista a valorização da profissão e a construção da identidade profissional, que precisam ser enfrentados pelos governos, sistemas de ensino, instituições de ensino e entidades da área. 112 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Financiamento da educação e controle social Continuando com a análise do Documento Final da Conae, o Eixo V apresenta dimensões de qualidade relacionadas com o financiamento da educação e adverte que para o acesso equitativo e universal à educação de qualidade e para a elevação de estudantes matriculados na educação superior pública, urge aumentar os recursos investidos na área, principalmente da União, além de solucionar a desigualdade regional. Para ampliar o número de vagas na educação superior pública é necessário aperfeiçoar, democratizar, ampliar a execução e superar os limites do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a implementação de outros programas de expansão discutidos com a comunidade universitária e com a sociedade local, para que esta seja feita com garantia e elevação da qualidade. Para o Documento, o debate sobre o financiamento da educação é central e envolve a solução de alguns problemas: a revisão do papel da União no financiamento da educação básica; a instituição de um regime de colaboração entre os entes federados; o estabelecimento de uma valorização dos trabalhadores em educação; a definição de referenciais de qualidade para todos os níveis e modalidades de educação/ensino e a definição do papel da educação superior pública no processo de desenvolvimento do País. Já no que diz respeito ao controle e acompanhamento da educação, este Eixo afirma que apesar dos recentes avanços conquistados pela sociedade brasileira nos termos do ordenamento jurídico relativo às políticas educacionais, o esforço para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação ficará gravemente prejudicado se não haver o estabelecimento de referenciais de qualidade para todos os níveis educacionais. Esse parece ser um dos grandes desafios do Plano Nacional de Educação para a próxima década (2011 – 2020). Considerando um quadro multifacetado, heterogêneo e complexo que pode ser atribuído ao conceito de qualidade em educação e uma extraordinária diversidade social, cultural, econômica e geográfica do País, fica claro não ser possível haver um conceito absoluto para qualidade em educação em um único atributo e muito menos estabelecer referenciais únicos de qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino. Tomando o Documento Final como referência, para o alcance de uma educação de qualidade no Brasil, se torna estratégica o envolvimento dos profissionais da educação, assim como das organizações da sociedade civil com os órgãos públicos das diversas esferas de governo e com as agências Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 113 internacionais. A partir do enfrentamento das divergências, dos conflitos de interesse e das relações desiguais de poder, a partir do estabelecimento de parcerias, da partilha de informações e da integração dos diferentes segmentos, serão construídos novos sentidos para a qualidade da educação. Numa outra direção, e não desvinculada dos referenciais de qualidade, este Eixo V destaca que atualmente, os gastos por aluno-ano dos níveis e modalidades da educação, especialmente na educação básica, são significativamente inferiores aos requeridos para os insumos adequados a um ensino de qualidade. Em se tratando da educação superior, este Documento aponta ações que devem ser asseguradas: a) Estabelecer um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Superior Pública, vinculando recursos dos impostos, taxas e contribuições, de modo a efetivar a autonomia universitária prevista na CF/1988. b) Instituir parâmetros para a distribuição dos recursos entre as instituições públicas que considerem, em seu conjunto, as diversas atividades desenvolvidas pelas instituições. c) Definir as condições a serem satisfeitas por estados, distrito federal e municípios para demandarem recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Superior Pública. d) Garantir recursos orçamentários para que as universidades públicas possam definir e executar seus projetos de pesquisa, propiciando autonomia de pesquisa. e) Alocar recursos financeiros para a expansão da graduação nas instituições públicas no período noturno, com a condição de que o número de vagas nesse período seja 1/3 (um terço) do número total de vagas. f) Definir parâmetros que expressem a qualidade da instituição de educação superior e estabelecer que o volume mínimo de recursos financeiros seja alocado para (p. 116) que as atividades de ensino (graduação e pós-graduação), pesquisa e extensão reflitam a qualidade estabelecida. g) Estabelecer programas de apoio à permanência dos estudantes nas instituições públicas, considerando-se que há a necessidade de provocar uma grande expansão dos cursos de graduação presenciais. h) Ampliar a política do ProuniI e do Reuni, para que os recursos públicos destinados a estes programas possam ampliar, melhorar e reestruturar as instituições públicas de ensino superior, fortalecendo seu caráter público, gratuito e de qualidade. 114 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) i) Garantir orçamentos às políticas de acesso e permanência na educação superior para inclusão dos negros, povos indígenas, além de outros grupos e extratos sociais historicamente excluídos desse nível de ensino. j) Garantir financiamento do governo federal ou estadual nos campi universitários públicos para oferta de curso de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado aos profissionais da educação. Para a consolidação dessas ações é necessário enfrentar o principal problema do financiamento educacional no país, ou seja, a falta de recursos, exercendo acompanhamento e controle social para que sejam devidamente aplicados. Para superar a fragmentação e o isolamento das políticas educacionais, é preciso criar um sistema nacional de educação que, através do regime de colaboração, garanta os recursos necessários à educação pública com qualidade. Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade A centralidade deste Eixo diz respeito à concepção de educação democrática que orienta o presente documento e, nesse sentido, ele pode ser considerado o Eixo político, prático e pedagógico das políticas educacionais, com mecanismos que assegurem a participação dos movimentos sociais e populares. Pretende-se com este Eixo que as questões ligadas à justiça social, ao trabalho e à diversidade estejam presentes nas diversas instituições educativas e em todos os níveis e modalidades de educação. considerações Refletindo sobre as manifestações com a qualidade da educação superior e nela, com a formação de professores presentes no Documento Final da Conae, chega-se ao final deste trabalho consciente de que Qualidade, com maiúscula, é na verdade, um conjunto de qualidades (RIOS, 2006). Trazendo a formação inicial de professores para esta reflexão, tem-se que considerar que se trata de um processo que envolve qualidades. A especificidade e a multidimensionalidade da atuação profissional do professor suscitam um processo de formação que inclua a reflexão sobre “[...] quais são os desafios na formação e profissionalização do educador, hoje, numa perspectiva de Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 115 construção de relações sociais alternativas – democráticas, solidárias ou socialistas – e o papel da educação nesta construção” (FRIGOTTO, 1996, p.78). Como bem aborda este pesquisador e o Documento Final da Conae, a formação de professores deve envolver dimensões ético-políticas, teóricas e epistemológicas, técnicas e político-organizativas. Diante dessas dimensões e das análises feitas no decorrer deste trabalho, fica ainda mais evidente a necessidade de se repensar a práxis pedagógica do processo de formação de professores. Um bom indicador parece ser a busca de subsídios a partir de um referencial teórico-metodológico capaz de compreender o que está implícito no processo, que combata a fragmentação cada vez mais acentuada e que proporcione uma atuação profissional com qualidades. Na análise do Documento Final da Conae, constatou-se que existem diversos, diferentes e legítimas manifestações sobre a qualidade do processo de formação de professores. Independentemente do nível de análise - papel do Estado, gestão e avaliação, acesso, permanência e sucesso escolar, formação e valorização dos profissionais da educação, financiamento, justiça social, educação e trabalho -, o entendimento de qualidade em educação superior pode variar no tempo e no espaço. Chegando-se a uma tentativa de finalização, é importante ressaltar que preocupações com a qualidade da formação de professores são manifestadas no Documento Final da Conae em diferentes aspectos relacionados com o cotidiano da educação escolar, conduzido pela articulação entre teoria e prática (ação/reflexão/ação). Assim, pode-se afirmar que o entendimento de qualidade é inexoravelmente subjetivo, porque depende fundamentalmente das concepções de mundo e de educação superior de quem o emite. As ocorrências que demonstram preocupações com a qualidade da formação de professores no Documento Final da Conae sugerem um alargamento da concepção de qualidade, que envolve compromissos e comportamentos característicos do ser humano, fundados em diferentes teorias, concepções de mundo e juízos de valor. Trata-se, então, de qualidades da formação de professores e não qualidade em um sentido unívoco, capaz de abarcar de maneira simplista, um objeto multifacetado. Além disso, sugere outras buscas teóricas e novas análises de novos dados de processos de desenvolvimento de pesquisa sobre a formação de professores. 116 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Referências FRIGOTTO, Gaudêncio. A formação e a profissionalização do educador: novos desafios. In: SILVA, Tomaz Tadeu e GENTILI, Pablo (orgs.). Escola S.A. quem ganha e quem perde no mercado educacional no neoliberalismo. Brasília (DF): CNTE, 1996. RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência de melhor qualidade. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2006. BRASIL, Ministério da Educação. Documento final, Brasília (DF), 2010. Disponível em: http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/ documento_final_sl.pdf. Acesso em: 26 de set. 2010. QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR E ESCRITA Maria Inês Corte Vitória1 Introdução A temática que envolve a produção escrita no ensino superior tem suscitado fecunda discussão sobre o desenvolvimento e qualificação da escrita nesta etapa de ensino - além de trazer à tona questões referentes à formação dos professores e ao entendimento que se tem sobre boas práticas pedagógicas em produção escrita na universidade. Ouvem-se muitas queixas dos professores universitários dizendo que seus alunos pouco escrevem e que existem sérias dificuldades em produzir textos acadêmicos. O que fazer? Eles estão na universidade, assim sendo, trata-se de fortalecer o desenvolvimento de situações pedagógicas que levem ao aprimoramento da escritura. Por via de conseqüência, também se agregam a essas discussões os fundamentos epistemológicos que norteiam o trabalho docente, as escolhas didático-metodológicas mais indicadas para realizar um trabalho de escrita consistente no ensino superior e as concepções que costumam cercar aquilo que se entende por “boa escrita”. Nesse sentido, fazse importante destacar o papel do ensino universitário nesse processo: La formación universitaria ha de ser, por su propia naturaleza, una formación de alto nivel e que deje bien sentadas las bases para los aprendizajes posteriores. Eso sólo se logra con una adecuada selección de contenidos que habrán de ser, en todo caso, amplios y suficientes para garantizar esa formación como profesionales actualizados y de alto nivel. (ZABALZA, 2003. p. 78). A partir do entendimento do autor, de que seleção adequada de conteúdos significa escolher os mais importantes desse âmbito curricular, acomodá-los às necessidades formativas do aluno, adequá-los às condições de tempo e de recursos com que contamos, e organizá-los de tal modo que sejam de fato acessíveis aos acadêmicos (ZABALZA, 2003) – considera-se importante incentivar a discussão, a socialização das limitações e das dificuldades apresentadas pelos alunos, no que diz respeito à leitura e escrita, já que é a partir destas habilidades que o aluno poderá, efetivamente, usufruir de maneira plena das práticas sociais da língua. Assim sendo, o presente artigo se origina de uma pesquisa ainda em desenvolvimento, 1 Professora do Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação PUCRS. Pesquisa na área de educação, com ênfase em alfabetização e letramento, produção escrita e ensino superior. Integra o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação (NEJA) da PUCRS. 118 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) financiada pelo CNPQ, e realizada junto a alunos de Ensino Superior, mapeando as principais dificuldades e potencialidades apresentadas nos textos dos sujeitos da pesquisa e analisando quais estratégias pedagógicas contribuem para a qualificação dos processos de escrita na universidade. No presente artigo serão apresentados os primeiros resultados da investigação, sob forma de reflexões e indicações de estratégias pedagógicas para qualificação da escrita no ensino superior. Este estudo se propõe a discutir a qualidade da escrita em contextos de ensino superior, enfatizando a relação entre dois processos implicados no aprimoramento da língua escrita, quais sejam, ler e escrever. Dessa forma, o artigo analisa os processos de elaboração de textos exigidos em larga escala nos cursos superiores, sob a ótica do que deve ser observado em termos de conteúdo e estrutura formal, relacionando estes dois aspectos a questões mais amplas tais como: análise dos gêneros de texto mais solicitados, especificidades estruturais de cada gênero textual, adequação de linguagem, bem como princípios e estratégias pedagógicas de escrita para o ensino superior. De muitas formas esse trabalho imprime o sentido que temos dado aos processos de ler e escrever em contextos de ensino superior: leitura e escrita como condição fundamental para inserção e interação dos alunos com/no meio acadêmico, familiarizando-os com linguagens específicas das áreas de conhecimento, preparando-os para atender a demanda que todo curso superior exige, incluindo-se nesta demanda os diferentes tipos de escritas exigidas por cursos de tal natureza. Acreditamos que é a partir de sólida formação na leitura e na escrita - constituída tanto de aspectos teóricos quanto práticos - aliada ao exercício de escrever e permanente reflexão sobre o que se lê e o que se escreve, que podemos pensar num trabalho de escrita como algo para além do mero cumprimento de tarefas acadêmicas, para se constituir como meio de geração/produção de novos conhecimentos. Testemunho contundente de que a escrita no ensino superior assume alguns desafios ainda não superados, é a forma como os alunos expressam suas inquietações quando necessitam elaborar material por escrito, sejam eles artigos, resenhas, resumos, resumos expandidos até dissertações e teses. Depoimentos recorrentes por parte dos acadêmicos evidenciam que os alunos têm muito a dizer, mas nem sempre sabem como fazê-lo, há muito sobre o que escrever, mas nem sempre se sabe qual a forma mais adequada para expressarse por escrito. Assim sendo, nos parece importante adiantar uma listagem dos principais erros/dificuldades encontrados nos textos das turmas investigadas, já que temos utilizado algumas estratégias (descritas no final deste artigo) para a qualificação destas escritas. Dessa forma, a continuidade desta investigação se Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 119 dará ao longo de dois semestres (com a aplicação de estratégias pedagógicas), para que, ao final do próximo semestre – 2012/I - se possa testá-los para ver como os alunos-sujeitos da pesquisa se encontram em suas escritas. Principais erros/limitações encontrados na escrita: ortografia – sobretudo de palavras em que não regras a que recorrer em momentos de dúvidas – as representações gráficas do fonema /s/, por exemplo; repetição de vocábulos no mesmo parágrafo; repetição de elementos coesivos (sobretudo dos elementos “onde” “daí”; “então”; “que”); ausência de coerência entre o que está anunciado no início do texto e o que o texto apresenta em seu desenvolvimento; atendimento parcial ao enunciado da questão; distância entre três movimentos ativados no ato da escrita: o que o sujeito pensa dizer, o que efetivamente o sujeito diz e o que o leitor entende. Isto posto, consideramos que a escrita no ensino superior é apresentada neste artigo não como protocolo ou modelo de como escrever bem, mas como referência teórico-prática para a reflexão de alunos e professores sobre a prática da escrita exercida em contextos universitários. Nosso desejo é de que estes resultados, ainda que parciais, sirvam de inspiração para outras alternativas, outras propostas, outros fazeres, outros olhares. Qualificação da escrita no ensino superior A presente investigação se amparou nos princípios da pesquisa qualitativa, adotando como diretriz metodológica a pesquisa-ação, eminentemente pedagógica, dentro da perspectiva de ser o exercício pedagógico configurado como uma ação que cientificiza a prática educativa, a partir de princípios éticos que visualizam a contínua formação dos sujeitos da prática. A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Por isso, Propusemos um estudo de caráter qualitativo, realizado com alunos do curso de Pedagogia, recorrendo-se, para tal, a entrevistas semi-estruturadas e textos por eles elaborados, coletados ao longo do semestre letivo. Dessa maneira, os textos dos alunos nos têm dado a chance de mapear o tipo de sintaxe por eles utilizada na escrita, o vocabulário, a pontuação, a acentuação, a coesão e coerência dos textos, registros estes que evidenciaram o desempenho de cada sujeito investigado. 120 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Nessa perspectiva, Páez (2007) diz que o sonho de todo aquele que se planeja para escrever é fazê-lo em uma casa grande, com uma maravilhosa vista sobre o mar, com um cachorro peludo dormitando junto a uma lareira da sala principal. E é também este autor que diz: quem espera ter essas condições para escrever, na realidade não quer escrever. Pensando nessas questões que envolvem as condições (ou a falta delas) para escrever, é que as reflexões acerca da qualificação da escrita foram elaboradas. Não se pensa em buscar a formação de escritores nas salas de aula, mas de promover o desenvolvimento de sujeitos capazes de utilizar a escrita sob as mais variadas formas e possibilidades, contribuindo para um acesso mais pleno às práticas sociais da língua escrita, na qual todos estamos inseridos e da qual todos dependemos para atuar de forma consciente e crítica no mundo do trabalho e na vida em sociedade. Mesmo em se tratando de ensino superior, etapa em que se espera uma escrita mais qualificada, o que se percebe é que existe um distanciamento entre o aluno e a linguagem escrita e isto se desvela em sala de aula com a resistência que os alunos apresentam em escrever. Na prática de sala de aula, encontramos alunos que têm o que dizer, mas não sabem como fazê-lo. Encontramos, também, limitações de tempo para o exercício da escritura e, ainda, falta de motivação por parte de alunos que não reconhecem, na escrita, uma oportunidade de colocar-se no mundo, assim como uma forma de melhor entender a si mesmo e à realidade que os cerca. Aliado a isso, percebe-se uma preocupação em escrever “bonito”, ao invés de escrever com clareza, daí surgindo uma espécie de compromisso muito mais com a estética e bem menos com o significado do que é escrito. Nos parece que é exatamente aí que reside o ponto de partida para um promissor trabalho em escrita no ensino superior: partir de onde o aluno está, levar em conta o que ele escreve, analisar como escreve; identificar para quem escreve, refletir com o aluno sobre o lugar que na vida dele a escrita ocupa, buscar saber da importância – ou não – da escrita para este sujeito, suas experiências com a escrita, o espaço que o exercício da escrita mantem garantido – ou não – no seu fazer cotidiano do aluno universitário. Nesse sentido, algumas considerações podem orientar a discussão e a conscientização com respeito aos múltiplos usos e funções que uma sociedade letrada outorga ao modo escrito da língua. Por um lado, o propósito da escritura é estritamente utilitário para desenvolver-se em sociedade e resolver com eficácia os problemas concretos de trabalho, de reivindicação de cidadania ou de levar a cabo um requisito acadêmico de qualquer nível. Por outro lado, é de se esperar na escrita uma maior abertura para práticas sociais variadas que Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 121 eduquem a sensibilidade, que formem um sentido estético e que permitam um maior conhecimento da realidade do mundo. Esta motivação se deve orientar pela leitura atenta dos textos que podem servir de pauta para o exercício reflexivo da escritura. Com isto se quer indicar que é absolutamente necessário proceder à leitura de textos variados e submergir em sua compreensão, reflexão e análise, antes e a cada vez que se empreenda a tarefa de escrever. A pessoa familiarizada com obras escritas, ainda que não seja de forma reflexiva e consciente, está mais capacitada para adaptar-se às formas culturais que veiculam a transmissão da informação por escrito. A escrita, como herança cultural, assume determinadas funções e especializações que as próprias práticas sociais têm gerado, ativando-a de tal forma que a diversidade dos textos é ampla abarcando desde textos mais técnicos e científicos até os clássicos da literatura. Os mais rígidos e fixos em seu modo de apresentar-se são os que têm um uso mais comum, quer dizer, são os de uso geral dos cidadãos; normalmente fazem parte do sistema burocrático da organização social. Os que permitem uma maior liberdade e um alijamento da rigidez, no entanto, não estão isentos de certas convenções que se constatam tanto nos escritos científicos como nos literários e periodísticos, por conterem exemplos de escrituras que pressupõem ofício, profissionalismo e arte. É importante, ainda, ter em conta que sem um acesso constante à leitura, a escrita se faz difícil e custosa. Esta circunstância deve estar presente em qualquer planejamento que se faça no ensino superior a respeito da qualificação da escrita, com vistas a se criar possibilidades de que o aluno se sinta motivado pelo entorno e que tenha a oportunidade de estabelecer uma relação constante entre a sua própria escrita e diversificados modelos de referência. Estratégias para qualificação da Escrita no Ensino Superior Conhecer a língua não consiste somente em saber as palavras que se usam para cada função lingüística, em cada gênero ou tipo de texto, mas também é necessário saber interpretar acertadamente a intenção com que se utilizam. Não basta decodificar as palavras, segundo o valor semântico que lhes atribui o dicionário, porque este não diz nada sobre a intenção com que as pessoas as utilizam. Para poder interpretar o sentido de cada vocábulo é preciso relacioná-lo com as expressões enunciadas, com seu contexto extralinguístico. O significado se constrói a partir das relações entre propósito comunicativo, contexto social e palavra. A conseqüência didática dessa forma de entender a leitura e a escrita é 122 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) incluí-la nos contextos reais ou verossímeis em que se utiliza a língua, que deve incluir atividades práticas como elemento essencial na qualificação da escrita. Aprender a utilizar a escrita só tem sentido se houver a compreensão de que com tal habilidade se pode atingir objetivos que seriam impensáveis somente com a oralidade. Na perspectiva que este estudo assume, a escrita é entendida como um conjunto de habilidades e comportamentos que se estabelecem desde o ato de escrever o próprio nome até escrever uma tese. A propósito disso, cabe pensar que são inúmeros os desafios que ainda não superamos quando o assunto é a escrita no ensino superior, pois ainda é demasiado alto o número de alunos que expressa variado número de dificuldades ao escrever. Talvez essa breve introdução se justifique por estarmos fartos de constatar o óbvio – a escrita dos alunos precisa ser qualificada – e de esperar que, por um passe de mágica, esta mesma escrita se veja afetada por nosso desejo de que ela se aprimore, sem que nenhuma ação intencionalmente pedagógica seja tomada. Princípios e estratégia Principio 1 - A elaboração de resenhas críticas: exercício de síntese e argumentação Nas inúmeras experiências vividas como e junto a produtores de textos, sejam eles de que natureza forem, acadêmica ou pessoal,, o que se observa de maneira geral é que o sujeito que se propõe a escrever vai superando várias etapas ao longo desse processo. A primeira delas é aquela em que se depara com a folha do caderno/tela do computador, que parece teimar em ficar em branco: as ideias não aparecem, as palavras não fluem, o conteúdo de que necessitamos para “dar corpo” ao que pretendemos expressar parece se diluir num mar de abstrações que costumam resultar naquilo que costumamos chamar de “falta de inspiração”, falta de “jeito para escrever”. Outra etapa com que nos deparamos é escrevermos de forma espontânea, sem censura, registrando o que nos vem à cabeça, tomando mais cuidado com o que queremos dizer do que com a forma como estamos dizendo. No mais das vezes, achamos mesmo que se a primeira escritura não estiver boa é porque o que estamos tentando escrever não vale a pena, não tem importância, não será considerada como uma boa escrita. Lamentavelmente, a maioria dos produtores de texto não passa a uma etapa posterior, que seria aquela em que, depois de feito o primeiro registro, nos distanciamos do texto por um tempo, para voltar a ele com menos envolvimento emocional. Isso significa que quando estamos muito Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 123 envolvidos naquilo que estamos escrevendo, pensamos que todo e qualquer lector entenderá o que escrevemos, entretanto, quando se trata de linguagem escrita, é bom lembrar que não contamos com nenhum recurso da linguagem oral: os gestos, as mímicas, a expressão facial terão de ser substituídos por recursos típicos da escrita: gramática, pontuação, elementos de coesão e coherencia e vocabulario serão nossos suportes para expressarmos com fidelidade nossos pensamentos. Trata-se de contarmos com instrumentos específicos para cada tipo de linguagem e utilizá-los de maneira experimental: trocando, substituindo, acrescentando, retirando, ejercitando, enfim, a escrita como uma habilidade que se aprimora no fazer constante e sistemático. Por isso mesmo, registrar sem hesitação o que nos vem á cabeça, mesmo que de maneira aparentemente tosca e primária, significa dar um grande passo em direção á escrita aprimorada e cuidada. Só podemos melhorar aquilo que já existe e é precisamente essa ideia de escrita como artesanato que queremos desenvolver junto aos alunos do ensino superior. Cabe sembrar que, se o que nos conduz é o conceito de inspiração, de dom para a escrita, provavelmente nos paralisemos na primeira tentativa de elaborar uma escrita: aquí prepondera a ideia de produto. Entretanto, se o que nos conduz é a crença de que escrever é uma habilidade que se aprimora artesanalmente, com exercício constante e prática sistemática, provavelmente encontraremos no ato de escrever a possibilidade de criar e recriar constantemente formas e maneiras de melhor expresar o que temos a dizer: aquí prepondera a ideia de processo. E assim entendida como processo podemos dizer que todos podem aprender a escrever mais e melhor. Proposta: Eleger um tema significativo para o grupo; orientar os alunos com enunciado objetivo e claro; sugerir recursos que favoreçam a escrita; solicitar a leitura de textos com a mesma tipologia que será solicitada ao aluno; solicitar que, depois da primeira elaboração, os alunos se distanciem do texto até o dia seguinte; retomar a escrita depois deste afastamento, iniciando o trabalho artesanal de releitura e de reescrita. Exemplo de enunciado: Elabore uma resenha crítica, evidenciando as características deste tipo de texto, apresentando a síntese e argumentação de forma objetiva e clara. Primeira etapa: leitura de diversos textos do mesmo gênero solicitado na atividade, a partir das quais os alunos possam buscar suporte para a elaboração do próprio texto. 124 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Segunda etapa: realizar a primeira escrita, exercitando espontaneamente o ato de registrar as idéias sobre o texto a ser resenhado. Terceira etapa: reler, desta vez, focando a atenção não somente nas idéias retiradas do texto, mas também na forma como estas idéias estão descritas. Quarta etapa: reescrever, focando-se nas pistas que o professor forneceu: estrutura formal do texto, idéias principais do conteúdo resenhado, posicionamento pessoal. Quinta etapa: entregar o texto a um colega para que seja lido e para que eventuais alterações possam ser indicadas por outro “par de olhos”. Sexta etapa: reescrever o texto, levando em conta as indicações feitas no texto pelo colega. Princípio 2 - A auto-correção de textos como exercício de pesquisa O ensino da escrita no ensino superior, consideradas as exceções, tem seguido duas tendências contrárias. De um lado, a mais tradicional, centrada no ensino da metalinguagem e, de outro, a centrada na criatividade. No primeiro caso, privilegia-se o saber a respeito da língua, desconsiderando a prática social no uso da língua. Por isso, o objetivo da produção de um texto é o exercício, e o destinatário da produção é o professor, a quem caberá avaliar o produto final, levando em conta o número de acertos de erros e acertos em relação à norma culta padrão que rege a língua. No segundo caso, a aula se transforma num ativismo, em geral, sem direção e sem objetivos claramente definidos por parte do professor. Como não há espaço para nenhum tipo de análise lingüística, qualquer texto apresentado é supervalorizado. A valorização da produção é válida, mas não pode se constituir no único objetivo do professor. Oportunizar a ampliação do desempenho lingüístico do aluno, possibilitando-lhe o domínio de novos recursos expressivos deveria ser uma preocupação constante no ensino superior. Como se pode observar, não há, nos procedimentos adotados pelas duas posturas, nenhuma preocupação com a tarefa de auto-correção do aluno em relação ao próprio texto. Não é raro anular a etapa em que o aluno examina a própria escrita e analisa até que ponto sua comunicação/expressão conseguiu traduzir o que de fato queria comunicar/expressar. Na prática, o aluno realiza a tarefa exigida pelo professor; este corrige e devolve ao aluno; o aluno, na maioria das vezes, sequer lê as anotações feitas pelo professor. O trabalho de correção (reconhecidamente extenuante no cotidiano do professor) se esvazia de sentido, pois é realizado de forma Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 125 solitária e individual, não agregando conhecimentos sobre a escrita do aluno, uma vez que o professor corrige para si mesmo. Dessa forma, há um desestímulo em produzir textos para o professor, por parte dos alunos, e um desgaste improdutivo em corrigir, por parte do professor. Para ensinar a escrever é preciso considerar o texto como fruto de um processo, constituído por exercícios permanentes que o aluno deve realizar. As atividades próprias do processo de escrita englobam fases que vão, desde o pré-desenvolvimento (que inclui todos os tipos de exercícios, experiências ou atividades cuja finalidade é incentivar a criação, a seleção e a organização das ideias e dos fatos antes de iniciar o rascunho do texto), passando para o desenvolvimento, propriamente dito, que consiste na tarefa de transpor as idéias para um texto que respeite as convenções da língua e o gênero solicitado; após, selecionando as observações e comentários de leitores (que poderão ser os familiares, os colegas, o professor), chegando à revisão, que inclui as reelaborações parciais ou totais, levando em conta os comentários recebidos; até a redação amplamente revisada, que consiste na apresentação final do texto. Para tanto, insistimos na tarefa de auto-correção como forma de pensar na própria escrita como exercício permanente de ajustes e reelaborações. Proposta: Reescreva seu texto, observando os códigos indicados pelo professor. Exemplo de código para auto-correção: → Ausência de elementos de coesão ≈ Ausência de Coerência entre o que está anunciado na introdução e o que aparece no desenvolvimento e conclusão ≠ Argumentos inconsistentes ≡ Repetição de idéias/ repetição de nexos oracionais Repetição de vocábulos Como se pode observar, para cada aspecto do texto que apresentar problemas, o professor apenas indicará no princípio da frase e/ou parágrafo que há alterações que devem ser feitas. Tais alterações serão parte do exercício de auto-correção realizada pelo aluno. Para tanto, deveremos ter em sala de aula como material básico de consulta: dicionários, gramáticas, dicionários de idéias afins. Cada professor, de acordo com o contexto em que se insere, acrescentará 126 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) aos códigos de auto-correção os aspectos que lhe parecerem mais necessários, de acordo com as escritas produzidas pelo grupo. Princípio 3 - Os diários de aula como instrumento de qualificação da escrita no ensino superior É importante que se ofereça em contextos de ensino superior um espaço narrativo em que os pensamentos, ações e sentimentos dos alunos sejam registrados de forma sistemática. Para tanto, a proposta de criar diários de aula é extrema valia tanto para o professor quanto para o aluno. Na perspectiva indicada por Zabalza, os diários de aula podem servir como ferramenta que transforma o pensamento do aluno em narrativa. Neste exercício de narrar a própria rotina, os alunos podem recuperar imagens e situações, revisando as experiências por eles vividas (exercício reflexivo) e analisando-as s também do ponto de vista da escrita (exercício de auto-correção), voltando ao próprio texto sempre que desejarem e/ou necessitarem, tanto para refletir sobre o que escreveram quanto para aprimorar a forma como escreveram. Nesse sentido, os textos dos diários de aula passam a assumir um caráter de descentramento, ou seja, propomos aos alunos contar e contarem-se ao falar sobre os aspectos que lhes pareçam mais significativos da aula. Neste ato, surge um aluno narrador do próprio pensamento, o que possivelmente o ajudará a organizar de maneira mais sequencial e lógica todo e qualquer texto que se propor a elaborar. Sugerimos, inclusive, que o professor também elabore seus diários de aula, pois conforme Zabalza (2004, p. 11) os Diários de Aula servem “como um recurso formativo no âmbito da formação permanente dos docentes e profissionais da educação”, afirmando que “esse é o itinerário que muitos professores são capazes de seguir por meio da atividade narrativa e reflexiva que os diários proporcionam”. Nesses registros, são relatados os sentimentos em relação a ele próprio diante do vivido, em relação aos alunos e à prática da sala de aula, sempre de acordo com as necessidades e a idiossincrasia de cada escrita docente. Por isso, na perspectiva de Zabalza (2004, p. 17) “os diários permitem aos professores e aos alunos, revisar elementos de seu mundo pessoal que frequentemente permanecem ocultos à sua própria percepção enquanto está envolvido nas ações cotidianas de trabalho”. Trata-se também de perceber a escrita como prática social, revestida de sentido, e não como atividade protocolar, esvaziada de significação. Consideramos igualmente importante destacar que é necessário que se incorporem os saberes sobre a escrita que os alunos apresentam em aula e façam deles o ponto de partida para o trabalho de qualificação da escrita, Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 127 incentivando a que a escrita ocupe lugar diário na rotina do aluno, favorecendo um ambiente em que a postura dialógica e questionadora seja parte deste processo. Assim entendido, o exercício de escrever passa a ser um instrumento de reflexão. Podemos pensar também que na escrita dos diários de aula os alunos do ensino superior aprendem sobre si mesmos e sobre a forma de comunicar suas percepções a outros, conferindo um lugar mais confortável ao sujeito, afinal ele está inevitavelmente inserido numa cultura letrada, mas dela muitas vezes excluído pela “falta de passaporte” que dá entrada nessa cultura: a prática social da escrita. Por isso, insistimos na criação de mecanismos pedagógicos que assegurem a continuidade do exercício de escrever: o aluno só aprende a escrever, escrevendo, se deparando com problemas e dilemas com os quais não se depararia caso não estivesse escrevendo. Dessa forma, ler o que escreveram os colegas, explicar as impressões pessoais que causam estes textos e escutar as opiniões e entendimentos de outros sobre os próprios textos são atividades importantes para o desenvolvimento do processo de escrever. Essa possibilidade de aprimorar a escrita, trabalhar nela como num artesanato, permite uma elaboração mais cuidadosa do texto, na medida em que podemos a ele voltar sempre que sentirmos necessidade de recuperar memórias, mas também necessidade de aplicar recursos específicos da língua escrita, convenções típicas na norma culta e vocabulário adequado a essa modalidade de linguagem. Proposta: Fundamentar os diários de aula, quais suas características, o que se costuma nele registrar, quando devemos escrever o diário, qual é o sentido do diário de aula para a aprendizagem de quem o elabora; buscar uma consígnia aberta para o início da tarefa. Exemplo de enunciado com consígnia aberta: “Escreve no teu diário tudo aquilo que te pareça importante em tua aula”. Primeira etapa: ler para o grupo algum texto deste gênero, como modelo, a partir do qual os alunos possam buscar suporte para a elaboração do próprio texto. Segunda etapa: realizar os primeiros diários, focando-se nas pistas que o professor forneceu no enunciado: “escrever no teu diário de aula tudo aquilo que te pareça importante em tua aula”. Terceira etapa: enfatizar a sistematização da escrita – no mínimo- quatro vezes por semana. Quinta etapa: ter sempre consigo os diários de aula, para eventuais registros de palavras e/ou expressões que podem vir a ser desenvolvidos com mais tempo e reflexão. 128 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Princípio 4 - A reescrita de diferentes gêneros textuais Começamos a discutir sobre esse princípio por esclarecer nosso entendimento sobre a importância da reescrita de um texto, seu papel no desenvolvimento da escrita do aluno, bem como sua contribuição para a ampliação de vocabulário. Na perspectiva que assume esse estudo, reescrita é definida como a reprodução escrita de um texto que já dominamos e/ou com o qual nos sentimos familiarizados. Como conseqüência deste entendimento, cabe destacar que somente podemos propor a reescrita de algum texto aos alunos quando este texto já tiver sido explorado pelo professor o bastante a ponto de promover repertório suficiente para que o aluno registre por escrito o que até então foi explorado na oralidade. Nesse sentido, ressaltamos que a escrita sempre oscila entre dois aspectos que necessitam ser levados em conta: CONTEÚDO e FORMA , ou seja, saber o que vamos escrever e o como vamos escrever. Assim sendo, nesta prática de reescritura, o que vou escrever passa a ser um desafio já superado, pois o texto, dada a leitura individual e exploração em grupo já é de conhecimento do aluno. A propósito disso, para que nos familiarizemos com os textos recomendam-se várias leituras, leituras que poderão ser exploradas individual e silencionamente, seguidas de discussão em duplas sobre o significado do texto, assim como através de seminários integradores nos quais os alunos possam discutir o que mais lhes pareceu significativo no texto e leitura compartihada entre professor e alunos. A intencionalidade pedagógica desse tipo de estratégia é favorecer a aproximação entre o aluno e o conteúdo do texto, que será por ele reescrito. Por isso, voltamos ao início desse capítulo quando citamos os dois aspectos implícitos na reescrita: CONTEÚDO e FORMA. Dessa maneira, se já sabemos sobre o que vamos escrever, precisamos agora buscar a maneira mais qualificada de fazê-lo. Então, ultrapassada a etapa de exploração do conteúdo, nos deteremos mais na forma, o que implica passar para o registro escrito o que até então foi discutido na oralidade. Trata-se de uma estratégia interessante, pois através dela enriquemos nosso vocabulário, nos familiarizamos com modos e tempos verbais típicos da língua escrita; nos deparamos com dilemas que não surgiriam, caso não estivéssemos escrevendo; lançamos mão de recursos específicos da língua escrita (pesquisa em dicionários para rever a ortografia, para evitar repetições de palavras, desenvolvendo, com isso, a memória visual, que costuma ser valiosa para a escrita correta das palavras...). A propósito disso, a leitura do texto, seguida Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 129 de interpretação individual e/ou coletiva; a socialização de opiniões sobre o conteúdo do texto; os comentários acerca do tipo de linguagem utilizada pelo autor; enfim, toda a exploração feita sobre o que foi lido ajudará os alunos a criarem suas próprias estratégias, já que partimos do princípio de que ninguém escreve sobre o que desconhece. Proposta pedagógica: Eleger um tipo de texto para ser explorado junto aos alunos – neste exemplo usaremos, aleatoriamente uma resenha, mais especificamente uma crônica; chamar a atenção para as características do texto, promovendo a familiaridade do aluno com o texto que está sendo analisado; oferecer exemplos de resenhas por escrito para que os alunos acompanhem a segunda e/ou terceira leitura do professor, familiarizando-os com a estrutura formal deste tipo de texto (tamanho, estrutura dos parágrafos, características da linguagem presente no texto: informal, culta ...); discussão sobre a temática da resenha; debates, opiniões sobre o texto lido pelo professor, exercícios orais sobre o conteúdo da resenha. Somente depois de uma exploração extensa é que passamos para a etapa de reescrita da resenha lida; sugerir que se distanciem do texto até o dia seguinte; reler a escrita depois deste afastamento para só então partir para a reescrita final. Exemplo de enunciado: Reescreva a resenha apresentada em aula, destacando as principais características deste tipo de gênero textual, em termos de linguagem, estrutura e forma. Primeira etapa - eleger um tipo de texto para ser explorado junto aos alunos. Segunda etapa - chamar a atenção para as características do texto. Terceira etapa - realizar em voz alta a leitura da resenha. Quarta-etapa - oferecer a resenha por escrito para que os alunos acompanhem a segunda e/ou terceira leitura do professor. Quinta etapa - discutir sobre a temática da resenha; debater, solicitar, opiniões. Sexta etapa - solicitar a reescrita da resenha. À guisa de conclusão Ainda que parciais, os resultados da pesquisa até aqui analisados podem orientar a discussão com respeito aos múltiplos usos e funções que uma 130 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) cultura letrada outorga ao modo escrito da língua. Por um lado, o propósito da escritura é estritamente utilitário para desenvolver-se em sociedade e resolver com eficácia os problemas concretos de trabalho, de reivindicação de cidadania ou de levar a cabo um requisito acadêmico. Por outro lado, é de se esperar na escrita uma maior abertura de práticas sociais e culturais variadas e estimulantes que eduquem a sensibilidade, que formem um sentido estético e que permitam um maior conhecimento da realidade do mundo. Esta motivação se deve orientar para a leitura atenta dos textos que podem servir de pauta para o exercício reflexivo da escrita. Com isto se quer indicar que é absolutamente necessário proceder à leitura de textos variados e submergir em sua compreensão, reflexão e análise, antes e a cada vez que empreendemos a tarefa de escrever. A pessoa familiarizada com obras escritas, ainda que não seja de forma reflexiva e consciente, está mais capacitada para adaptar-se às formas culturais que veiculam a informação por escrito. A escrita, como herança cultural, tem assumido determinadas funções e especializações que as próprias práticas sociais têm gerado, ativando-a de tal forma que a diversidade dos textos, bem como os formatos que assumem é muito ampla, abarcando desde textos mais técnicos e científicos até clássicos da literatura. Os mais rígidos e fixos em seu modo de apresentar-se são os que têm um uso mais comum, quer dizer, são os de uso geral dos cidadãos; normalmente fazem parte do sistema burocrático da organização social. Os que permitem uma maior liberdade e um alijamento da rigidez, no entanto, não estão isentos de certas convenções que se constatam tanto nos escritos científicos como nos literários e informativos, por conterem exemplos de escrituras que pressupõem ofício, exercício constante e permanentes revisões. A propósito disso, destaca-se que a escrita, sua apropriação, sua utilização, sua (re)significação e prática social são constructos sobre os quais deveriam se assentar todas as práticas de escrita. É importante, ainda, ter em conta que sem um acesso constante à leitura, a escrita se faz difícil e custosa, o que, em geral, costuma resultar em alunos não-desejosos de escrever. Esta circunstância deve estar presente em qualquer planejamento que se faça a respeito da qualificação da escrita, com vistas a se criar possibilidades para que o aluno se sinta instigado a escrever no ensino superior e que tenha a oportunidade de estabelecer uma relação constante entre a sua própria escrita e bons modelos de referência. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 131 Referências CHRISTOFOLI, Maria Conceição Pillon. A aprendizagem da língua escrita: construção dos processos de ler e escrever. Porto Alegre: PUCRS, 2003.Tese de Doutorado. MOROSINI, Marília Costa; Audy, Jorge Nicolas. (orgs). Inovação e Qualidade na Universidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. VITÓRIA, Maria Inês Corte. A qualidade da produçao escrita em funçao da modalidade de apresentaçao da informaçao num estudo sobre uma amostra de alunos de primeira e terceira série do Ensino Médio de três escolas de Porto Alegre. Santiago de Compostela: Universidad Santiago de Compostela, 2001. Tese de Doutorado. ZABALZA, Miguel Beraza. 2003. Competencias docentes del profesorado universitario: calidad y desarollo profesional. Madrid: Narcea. QUALIDADE E ESTÁGIO DISCENTE Marilene Gabriel Dalla Corte1 A busca da qualidade no ensino superior vem aumentando e norteando pesquisas focadas em desvelar caminhos possíveis e viáveis para [re]construir, [re]significar e potencializar novos formatos e estratégias à formação de professores. No contexto da formação de professores, o estágio curricular é um assunto que tem recebido criticas sobre sua transitoriedade no currículo dos cursos, bem como sobre o pouco vínculo que estabelece com os referenciais teóricos e com o campo de atuação profissional. Nesse sentido, o estudo e o debate sobre a relação estágio curricular e qualidade na educação superior potencializa o conhecimento de fatores que efetivamente estão relacionados e interferem na qualidade dos processos formativos do futuro professor. São fatores que, direta ou indiretamente, desvelam indicadores, os quais tem diferentes valores e conotações e que mostram a informação das coisas, dos fatos, dos princípios, das práticas, entre outros aspectos relacionados aos processos formativos na educação superior. O indicador é útil quando aponta para além do cenário de como os contextos e práticas são; se torna útil quando comparado e aponta para possibilidades com “[...] a informação de como a coisa deveria ser” (JULIATTO, 2005, p. 80). Tendo por base o exposto, prioriza-se, nesse texto, abordar questões e relações elementares referentes a indicadores de qualidade na educação superior e contribuições à formação de qualidade do pedagogo, sob o viés do estágio curricular. 1. Qualidade e educação superior A qualidade da educação superior requer relação estreita com dispositivos sistemáticos de avaliação. Nessa perspectiva, questiona-se: Qual a concepção de qualidade norteia esse processo? Existe uma concepção específica de qualidade para a educação superior? Como a avaliação, pode contribuir efetivamente para a qualidade da educação superior? 1 Doutoranda em Educação PPGE/PUCRS. Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, Santa Maria/RS. Profª. da Rede Municipal de Ensino de Santa Maria/RS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa FORPRODOC/UNIFRA. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 133 De acordo com a UNESCO, qualidade é um conceito multifacetado e que está em constante [re]construção; depende, sobretudo, das políticas públicas e do paradigma educacional vigente. Para tanto, os indicadores da qualidade da educação foram criados para contribuir com as instituições, órgãos e setores envolvidos com a educação, na avaliação e na melhoria dos processos organizacionais e formativos. No Relatório Conciso sobre o Imperativo da Qualidade da UNESCO (2004), são apresentados fatores que interferem na qualidade, os quais estão diretamente relacionados ao acesso à educação, aos seus processos educacionais, bem como aos seus resultados: características do aluno, contexto, insumo, ensino e aprendizado, resultados. Demo (1985) faz alusão a conceitos: qualidade acadêmica – habilidade de produzir originalmente um determinado conhecimento; qualidade social – capacidade de identificar e aproximar a comunidade local e regional aos seus problemas de desenvolvimento, ou seja, capacidade de aproximação teóricoprática; qualidade educativa – se refere à formação dos profissionais, sejam eles formadores, administradores, dirigentes políticos, cidadãos, entre outros, os quais contribuem para a organização democrática da sociedade. Defourny e Cunha (2008, p. 302), apontam que, [...] há necessidade de se ter, cada vez mais, uma visão como um bem comum de todas as nações e pessoas e uma visão integrada e integradora do conceito de qualidade em educação que permita a universidade oferecer à juventude que nela ingressa a oportunidade de uma formação a mais integral possível [..] o que remete ao compromisso de a universidade promover o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional, como possibilidade da qualidade de vida em sociedade. Porém, a visão e o entendimento que se tem de qualidade vai depender do lugar de que se olha e do enfoque que se quer adotar. Portanto, não existe uma concepção específica de qualidade. Morosini (2001, p. 90) coloca que a qualidade pode adotar e/ou ser compreendida sob várias perspectivas. Sobre essa questão, diz: “Alguns enquadram qualidade na concepção de isomorfismo, articulada à idéia da empregabilidade e à lógica de mercado. Outros a entendem como respeito à diversidade e para outros, ainda, a qualidade vem imbricada ao conceito de eqüidade”. Essas três perspectivas de qualidade estão inter-relacionadas, contrapondo uma separação específica. 134 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) A autora aponta que essas três concepções de qualidade, as quais, agregadas à educação, certamente são produzidas pelas expectativas e políticas públicas. Basicamente, se sabe que quando institucionalmente se faz opções por algumas práticas, se está mobilizado por marcos regulatórios sob o viés das políticas públicas. Nesse sentido, é importante destacar que os condicionantes societais paradigmáticos interferem nas concepções e práticas de avaliação e, consequentemente, produzem indicadores que apontam a qualidade dos serviços, da aprendizagem, dos espaços físicos, da gestão, do conhecimento [re]construído, dos recursos, da formação profissional, entre outros aspectos. Conforme a relação que se estabelece entre a sociedade e as IES, assim como a tipologia de IES e seu o compromisso social, instaura-se uma concepção e abordagem de qualidade na pedagogia universitária, em especial na formação de professores. Não existe, portanto, somente uma concepção e/ou tendência de qualidade numa Instituição de Ensino Superior, já que dependendo do momento e da situação a instituição adota uma sistemática ou outra, assim como pode estar mesclando as diferentes facetas que envolvem a qualidade. Juliatto (2005) cita Drenth (1987) que enumera três utilidades ou funções aos indicadores de qualidade na educação: função de monitorar dados, função avaliadora e função de comunicação. Estas três funções podem ofertar uma base sólida de diálogo para [re]significar objetivos e metas, práticas educativas, bem como potencializar mudanças e melhorias educacionais Os indicadores de qualidade apontam para informações valorativas e úteis ao campo/área de abrangência e estudo, assim como para as instituições e para o sistema de ensino. A sua relevância está nas contribuições e utilidade de apoio ao diálogo institucional, às tomadas de decisões, até, por fim, sinalizar as potencialidades e fragilidades. Em recente pesquisa acerca do Estado do Conhecimento, alusiva às produções científicas sobre a qualidade na educação superior, nos GT 4 – Didática, GT 8 – Formação de Professores e GT 11 Política de Educação Superior, da ANPED2, verificou-se que no período de 2000 a 2008 foram socializadas e registradas importantes pesquisas. No GT 4 da 24ª Reunião da ANPED, Castanhos (2001) se refere a qualidade do ensino superior numa sociedade em processo de mudança acelerada: docência e inovação. A autora pontua como importantes à qualidade do ensino a relação professor-aluno e a qualidade da relação teoria e prática. 2 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: www.anped.org.br Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 135 Na 25ª Reunião da ANPED, no GT 11, Morosini e Franco (2002) fazem alusão às políticas públicas de qualidade universitária e construção de espaços de participação. As autoras apresentam tensões entre regulação e emancipação, assim como refletem as políticas públicas de avaliação no Brasil e, conseqüente, a qualidade na universidade. Propõem a qualidade universitária tendo como pressuposto essencial a construção dos espaços de participação. No GT 4 da 26ª Reunião da ANPED, Balzan e Júnior (2003) socializam os dados sobre o ensino superior nas áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas e apontam indicadores de qualidade. O trabalho apontou para sete categorias, consideradas como qualidades básicas (indicadores), que devem estar presentes no perfil do profissional formado: ética, cultura geral por parte do docente-pesquisador, domínio sobre a área de atuação, atualização permanente, trabalhar em equipe, formação interdisciplinar, consciência dos condicionantes societais. No GT 11 da 31ª Reunião da ANPED, Real (2008) aborda os impactos da política de avaliação na educação superior brasileira. A autora referenda que a concepção de qualidade presente nas instituições parte da busca e da apropriação das notas/conceitos como significantes da sua qualidade. Constatou, a partir dos pareceres de Comissões Avaliadoras, que se forjam conceitos a partir de situações incipientes e momentâneas de qualidade: [...] acervo da biblioteca e os equipamentos de informática são adquiridos nos momentos anteriores à visita de avaliação; os professores em regime de tempo integral possuem quase toda a totalidade da carga horária em sala de aula, o que os tornam professores horistas, com grande carga horária; a infraestrutura física existente não é compatível com o desenvolvimento de pesquisa e de extensão, uma vez que não há salas individualizadas para os professores pesquisadores, o número de laboratórios é fortemente compartilhado entre os cursos da instituição e o corpo docente não possui produção acadêmica; o número de funcionários técnico-administrativos não acompanha o crescimento do número crescente de cursos e vagas; o aumento do número de vagas dentro de um mesmo curso sem alterar as condições de funcionamento, entre outros fatores; tudo isso permite afirmar que as IES buscam produzir seus resultados, na obtenção dos conceitos positivos sem contudo alterar a sua lógica intrínseca, ainda arraigada na concepção de uma qualidade mínima definida nos formulários de avaliação a partir de critérios e indicadores 136 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) pré-estabelecidos de acordo com os seus interesses, incluídos na diversificação institucional, que se constitui a partir da lógica da competição. (p. 13) A preocupação das IES quanto à obtenção de conceitos positivos nas avaliações externas é prioridade, uma vez que esse processo, na lógica atual, atesta boa qualidade dos serviços prestados, porém proporciona apenas qualidade formal em detrimento de uma qualidade real. Cunha, Fernandes e Pinto (2008), apontam indicadores de inovação no ensino de graduação, entre eles destacam-se: a ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender; a gestão participativa; a reconfiguração dos saberes; a reorganização da relação teoria/prática; a perspectiva orgânica no processo de concepção, desenvolvimento e avaliação; a mediação entre as subjetividades dos envolvidos e o conhecimento; o protagonismo. Morosini (2008), ao tratar sobre a internacionalização da educação superior, no que se refere a indicadores na perspectiva da qualidade do ensino e da pesquisa, sinaliza: Reformas no currículo, padrões mais altos e desenvolvimento de instrumento para avaliação de estudante, inovação em programas profissionais, programas melhores para instrutores e desenvolvimento em padrões e sistemas de promoção; grande consolidação da qualidade e crescimento da atenção dada a função ensino nas IES e nas comunidades acadêmicas, através de discussões sobre ensino, monitoria e implicações do ensino por ele mesmo [...] da informação para os professores sobre seus pontos fortes e fragilidades, situações diagnósticas de ajuda; discussão e mudança de valores desenvolvimento de sentido de pertença a uma IES e legitimidade daqueles que iniciaram a avaliação. (MOROSINI, 2008, p. 262) A implementação de mecanismos avaliativos que priorizam a qualidade da educação superior está relacionada a mudanças no processo ensino e aprendizagem, sobretudo, porque apontam para critérios e indicadores que desvelam o que está acontecendo a contento e o que precisa ser redimencionado para alcançar os objetivos previstos para a IES, para o Curso, para a produção docente e discente, entre outros aspectos. No sistema educacional em vigência, no Brasil, a avaliação se constitui importante elemento interveniente ao desenvolvimento e qualificação das Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 137 políticas de Educação, seja para a educação básica quanto superior. Para tanto, é importante destacar que existem duas concepções e práticas de avaliação na Educação Superior. Uma focada na [re]significação e transformação acadêmica, numa visão emancipatória. A outra envolvida com a constatação e o controle dos resultados e suas relações com o mercado, portanto, tendo como ponto de partida e de chegada marcos regulatórios. Com ênfase e objetivos diferentes, o Sistema de Avaliação da Educação Superior, no Brasil, utiliza instrumentos que concebe adequados aos pressupostos e proposições governamentais. Nesse sentido, para além de coletar e constatar dados dos contextos educacionais, interpreta-os apresentando resultados obtidos. Sua finalidade primeira se refere a auxiliar as IES a efetivamente se conhecerem, a se repensarem, a se articularem e a sedimentarem compromissos voltados para a excelência dos processos formativos dos futuros profissionais. Nesta perspectiva, o foco do SINAES, Lei no 10.861 (BRASIL, 2004), elementarmente, está voltado para o currículo, a formação dos professores, assim como a infraestrutura e cultura organizacional da IES e seus respectivos cursos. Em conformidade com o INEP/MEC, em termos de indicadores que encaminham para a qualidade da educação superior, são três aspectos essenciais apresentados e regulamentados, inclusos no Decreto nº 3.860 (BRASIL, 2001): avaliação das IES; avaliação dos Cursos de Graduação; avaliação do Desempenho dos Estudantes da Graduação. De acordo com o Manual de Orientações Gerais do SINAES/MEC, as informações oriundas do processo de avaliação de cada IES “[...] são um importante ponto de partida para o desenvolvimento da auto-consciência institucional e para a própria atividade avaliativa” ((BRASIL, 2004, p. 14). Para tanto, são dez as dimensões que devem ser analisadas e avaliadas em conformidade com as especificidades de cada instituição, porém não devem ser vistas fatores limitadores. De maneira geral, essas dimensões, voltadas para a qualidade dos cursos de graduação, requerem ser analisadas considerando a natureza jurídica de cada instituição (pública ou privada), bem como sua organização administrativa (faculdades isoladas, centros universitários, universidades) e pedagógica. Em especial atenção ao curso de Pedagogia, também, cabe destacar a Portaria nº 808/MEC (BRASIL, 2010) que aprova o “Instrumento de Avaliação para Reconhecimento de Cursos de Licenciatura em Pedagogia”, no âmbito do SINAES. Tal documento apresenta três dimensões (organização didático-pedagógica do curso, corpo docente, infraestrutura), as quais 138 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) retratam a abrangência e indicadores de qualidade para o curso, tendo por base critérios de análise. Acredita-se, pois, que os muitos desafios na busca de indicadores de qualidade da educação superior e, consequentemente, à profissionalização docente, devem, também, estar focados nas perdas salariais, em projetos de formação continuada que atendam à crescente demanda do magistério e priorizem a necessária qualificação pedagógica, assim como na melhoria da articulação e implementação curricular dos cursos de formação, sejam eles de licenciatura ou bacharelado. Portanto, os indicadores institucionais são efetivamente reflexos da conjuntura de perfis da IES e de seus cursos, os quais necessitam instrumentalizarse a partir de dados e informações coletados periodicamente. Esse processo de coleta e análise de dados potencializa avaliações mais coesas e confiáveis, tendo por base o retrato da realidade institucional em sua integralidade e, por conseqüência, possibilita a definição de prioridades e encaminhamentos para qualificar suas ações formativas. 2. O estágio curricular como espaço e processo formativo: em busca de indicadores de qualidade O estágio como um espaço de ricas vivências e aprendizagens, se concretiza nas diferentes atividades necessárias à formação do pedagogo. É nesse contexto que acontece o estabelecimento de conexões entre as experiências vividas e a real aprendizagem que se constrói, na medida em que são concretizadas discussões e teorizações sobre as proposições firmadas e as situações encontradas em campo. É pontual que não basta ir à instituição de estágio. É importante que as atividades realizadas lá sejam consideradas como pilares de reflexão e crítica, como recursos problematizadores in lócus pelo currículo do curso de formação de professores. Porém, é pela inserção dentro de um espaço e tempo institucional, voltada para a prática profissional, que são privilegiados momentos de análise contextualizada ancorada em referenciais teóricos, e alavancada a produção própria do futuro professor. Daí decorre a expressão “estágio como espaço de formação”. Outro aspecto a ser considerado para que o estágio se constitua, efetivamente, “processo formativo”, está na condição de envolvimento dessa Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 139 disciplina com a totalidade das atividades realizadas na dimensão curricular do curso de formação de professores. É na sua indissociabilidade com as demais disciplinas, tendo por base os pressupostos da proposta pedagógica do curso, que se efetivam as relações e articulações teórico-práticas por meio de estratégias formativas de imersão em campo de atuação. É evidente que, nessa articulação teoria e prática, é preciso evitar o que Freitas (1992) denomina de estrutura organizacional etapista quando destaca que nas primeiras etapas formativas dos cursos os acadêmicos se apropriam das disciplinas teóricas ou de fundamentos; após surgem as disciplinas pedagógicas ou como diz o autor as disciplinas teórico-práticas; finalizando o curso surgem os estágios supervisionados, traduzidos pelas práticas de ensino. Na maioria das vezes, segundo o autor, essa estrutura do currículo do curso não está conectada entre si, pois “[...] Separam-se elementos indissociáveis como se o conhecimento pudesse primeiro ser adquirido para depois ser praticado” (p.12). De acordo com Cunha (2003), na década de 60 o estágio esteve focado na trilogia do ver, julgar e agir; na década de 70 priorizou a utilização de conhecimentos teóricos; nos anos 80 o envolvimento com a prática e a denúncia foi o eixo norteador; nos anos 90 buscou melhorar o ensino. Atualmente, o estágio se ancora na tendência de estar mobilizado e de mobilizar a relação ensino e pesquisa, em que os processos investigativos pressupõem conhecimento da realidade, instrumentalização de saberes e fazeres, bem como a pesquisa colaborativa nos processos de formação inicial e continuada de professores. Para Pimenta e Lima (2004), a concepção de estágio como pesquisa e a pesquisa no estágio considera-o como meio de intervenção no contexto de atuação do futuro professor, pela natureza científica dos processos investigativos. Isso que requer outra relação com o campo de trabalho, que desafia tanto o professor formador, o futuro professor como o professor em serviço a adotarem uma nova postura pela problematização e teorização da realidade. Necessitam, portanto, contextualizar, verificar e desocultar os pontos fortes e as fragilidades, questionar e buscar possíveis soluções e explicações para fatos, situações e problemas do cotidiano da docência, ancorando-se na [re]construção dos seus repertórios de saberes. Kenski (1994) pressupõe que a formação de um professor requer consciência de que sua ação docente está co-relacionada intimamente a “[...] comportamento de observação, reflexão crítica e reorganização de suas ações” (p. 41), o que de certa forma [re]significa os saberes e fazeres da profissão docente. 140 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Piconez (1994) defende a relação dialética teoria e prática; nessa relação a prática necessita ser recriada, [re]significada tendo por base o cotidiano da profissão docente. Para a autora, o estágio precisa consolidar-se nas dimensões política, epistemológica e profissional, o que requer processos investigativos relacionados as atividades teórico-práticas. Ghedin, Almeida e Leite (2008) ressaltam que o estágio que tem sido desenvolvido nos cursos de formação de professores tem suas características muito relacionadas a modelos de racionalidade técnica. Tais modelos ancoramse, segundo o autor, em transmissão do conhecimento e tem como habilidades cognitivas a memorização, a descrição de dados coletados, assim como relatos de experiências sem caráter analítico-reflexivo. Sendo assim, essa concepção de educação não valoriza e nem estimula a formação intelectual do futuro professor; acaba por gerar atitudes conformistas e conservadoras de hábitos e idéias que legitimam o que está instituído – a cultura dominante. Nessa perspectiva, o estágio reduz-se somente à constatação por práticas de observação e descrição das ações desenvolvidas por professores em serviço na educação básica, sem potencializar análise crítica e novas propostas de práticas docentes. Tendo por finalidade a superação do paradigma da racionalidade técnica no ensino superior, Ghedin, Almeida e Leite (2008), sinalizam o que a prática de ensino e o estágio precisam priorizar na formação docente para contribuir com uma melhor formação profissional. Para tanto, apresentam indicadores de qualidade, em especial à formação de professores: indissociabilidade entre teoria e prática, consistência epistemológica, consistência de saberes docentes, problematização e reflexão na ação e sobre a ação, conhecimento dos diversos âmbitos e funções da profissão professor, aproximação entre IES e espaços de estágio. Pimenta e Lima (2004, p. 215) dizem que [...] a perspectiva do estágio como pesquisa da realidade aponta para a necessidade de considerar o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação dos estágios um projeto orgânico no projeto pedagógico coletivo do curso de formação e um processo negociado e compartilhado entre os professores orientadores, os estagiários e as escolas. Dessa forma, o projeto de estágio pode constituir em projeto de pesquisa colaborativa da prática dos envolvidos. Tendo por base a síntese de conversas com professores de quatro universidades no país, as autoras apresentam, em sua obra que trata do estágio e da docência, sugestões desses professores a respeito de questões Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 141 que poderão ser repensadas com o foco na qualidade dos estágios: o estágio repensado com a estrutura curricular do curso e sendo desenvolvido no decorrer do curso; o estágio articulando o ensino e a pesquisa; a relação teoria e prática tão necessária e importante no estágio; um bom processo de planejamento; a importância da dimensão coletiva do conhecimento e do trabalho conjunto entre universidade e escolas; avaliação processual envolvendo todos os momentos e movimentos do estágio. Para Candau (2000) não se pode ter uma visão reducionista de formação docente. Segundo a autora, a cultura interfere nesta questão, uma vez que requer espaços de pensar, viver e aprofundar o olhar para um sentido mais antropológico do ir e vir, do grupo e suas vicissitudes, da expressão dos modos de pensar, organizar, relacionar-se e atribuir sentido. O que, se de certa forma, reporta à corelação instituído e instituinte. Cabe registrar que, é por meio da cultura organizacional de uma comunidade que são estruturadas, articuladas, organizadas e, de certa forma, satisfeitas as necessidades e expectativas de um determinado grupo de pessoas. Em contrapartida, também, é importante destacar que a cultura organizacional está relacionada a situações de adaptação, tendo como ponto de partida e de chegada a(s) forma(s) pela qual(is) são definidas as estratégias de ação e as condições para se chegar a atingir os objetivos e metas propostas. Com o objetivo que verificar o que dizem as produções científicas socializadas nas reuniões anuais da ANPED, no que diz respeito à relação qualidade e estágio curricular no curso de Pedagogia, constatou-se que em sua maioria definem o estágio como processo formativo que tem seus espaços e proposições focados na inter-relação teoria e prática e na aproximação IES e escola. Alguns autores se destacam pelas contribuições: Para Guerra (2000) pensar o estágio supervisionado, implica pensá-lo como processo no Curso de Pedagogia, entendendo que esta é uma experiência peculiar, porém não desvinculada de um contexto social, político, cultural e pedagógico mais amplo. Ao assumir o estágio supervisionado como eixo articulador do curso de Pedagogia, Guerra compreende que é neste espaço curricular e nos processos oriundos dessa disciplina que: acontece e se fortalece de forma mais próxima a relação teoria-prática; que é necessária a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; que o estágio aproxima o aluno da complexidade da realidade de atuação profissional; que o estágio é um espaço para reflexão das práticas pedagógicas. 142 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Santos (2005) aborda que, ao pensar a prática pedagógica dos professores, faz-se necessário considerar o processo de formação inicial dos mesmos em instituições destinadas a essa finalidade e questiona-se: Qual lugar tem ocupado, no percurso de formação inicial dos professores, a questão da prática pedagógica? Qual a seriedade com que vem sendo assumida a orientação e a realização do estágio curricular na formação inicial de professores? Para a autora é necessário discutir constantemente o papel do estágio curricular na formação inicial dos professores. Independente dos diferentes enfoques atribuídos e implementados no estágio curricular, historicamente o estágio foi assumido como um componente curricular responsável pela parte prática do curso e, consequentemente, pela formação prática dos professores. De certa forma, este enfoque, atribui muita responsabilidade e esta disciplina, assim como aos professores orientadores de estágio. Em outra produção científica da ANPED, realizada por Perini (2006), encontra-se que o estágio é um dos lócus onde a identidade do professor começa a ser efetivamente construída. Porém, ressalta que é necessário organizar as atividades práticas de estágio de maneira a acabar ou minimizar o distanciamento teórico-prático, no sentido de evitar que o estágio se constitua um momento tarefeiro na formação inicial, ou como ela diz: “evitando o fazer pelo fazer”. Pereira (2004) apresenta que os pesquisados inferem que para melhorar o curso de Pedagogia é necessário o aumento da carga horária da disciplina de estágio supervisionado. A intenção da autora é oferecer subsídios com a finalidade de contribuir para a reflexão sobre a formação do pedagogo, visando a qualidade da prática pedagógica oferecida nos Cursos de Pedagogia. Assim, conforme a autora, redimensionando o tempo de inserção do estagiário em campo de atuação profissional, amplia-se a possibilidade de constituir o estágio como espaço de investigação, reflexão e intervenção no cotidiano escolar, bem como oportuniza ao futuro professor inter-relacionar qualitativamente teoria e prática no exercício da docência. Outra contribuição, para além do contexto da ANPED, está no texto de Mello (2000) que, ao refletir sobre a formação inicial de professores para a educação básica, faz uma abordagem aprofundada acerca da compreensão sobre “prática” e questões que interferem na qualidade da mesma nos cursos de formação de professores, a qual ela intitula “uma (re)visão radical”. Nesse sentido, ela coloca: A prática deverá estar presente desde o primeiro dia de aula do curso superior de formação docente, por meio da presença orientada em escolas de educação infantil e ensinos fundamental e médio ou de forma mediada pela Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 143 utilização de vídeos, estudos de casos e depoimentos ou qualquer outro recurso didático que permita a reconstrução ou simulação de situações reais. O que hoje se entende por estágio deverá, sempre que as condições permitirem, ser equivalente à “residência” para a profissão médica: a culminância de um processo de prática que ocorre pelo exercício profissional pleno, supervisionado ou monitorado continuamente por um tutor ou professor experiente que permita um retorno imediato ao futuro professor dos acertos e falhas de sua atuação. (p. 104). Sob a ótica da autora, verifica-se que a importância da prática é decorrente do significado que se atribui a ela, assim como da maneira como são articulados os processos formativos no curso de formação de professores. Qual o lugar que a prática ocupa? Como ela é articulada? De que maneira as atividades de estágio potencializam competências ao futuro professor? Como diz Mello (2000), as “competências são formadas na prática, portanto isso deve ocorrer necessariamente em situações concretas, contextualizadas” (p.104). O futuro pedagogo, tendo por base as situações teóricas e práticas vividas nos seus processos formativos em nível de graduação, necessariamente, precisará saber fazer a transposição didática. Para tanto, lhe é indispensável possuir um rol de conhecimentos e competências de gestão do processo de ensino e de aprendizagem, de estruturação e articulação dos conteúdos, considerando, entre outros aspectos, o que deve ser ensinado, sua seqüência e as estratégias apropriadas ao contexto e aos sujeitos envolvidos. Compreende-se, portanto, que o estágio, como um dos elementos articuladores do currículo do curso de Pedagogia, precisa ser planejado e vivenciado de maneira que essa articulação se efetive pelos processos de problematização da realidade, pela análise e diagnóstico das questões educacionais e pela definição de possíveis encaminhamentos para cada situação vivida nos contextos de formação e atuação profissional. Considerações finais O estágio curricular repercute na formação de qualidade do pedagogo e está relacionado às políticas educacionais, à organização curricular e à cultura organizacional do curso, assim como às concepções e práticas dos professores formadores e dos futuros professores. 144 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Porém, é essencial que sejam feitos movimentos reflexivos e de co-responsabilidade entre IES e instituições campo de estágio, bem como entre professores e alunos, no sentido de consolidar processos formativos na dinâmica curricular do curso de Pedagogia, os quais desencadeiem inter-elações qualitativas com os indicadores abaixo relacionados: − investimento em estratégias formativas que potencializem a indissociabilidade da teoria e prática; − melhorias na articulação dos tempos do e no estágio, de maneira que se constituam articuladores da dinâmica curricular do curso de Pedagogia e estejam em consonância com os pressupostos legais; − empreendimento em ações que oportunizem ao estágio se constituir, efetivamente, via de mão dupla entre IES e instituições parceiras, como íntimo espaço de compartilhamento de saberes e fazeres da profissão docente; − realização de processos investigativos reflexivos, [re] construtivos e instrumentalizadores da produção científica na profissão docente. Nessa perspectiva, o estágio curricular pode contribuir com a formação de qualidade do pedagogo na medida em que, efetivamente, se constituir elemento mobilizador de saberes teórico-práticos, entrecruzar e articular a proposta curricular do curso de Pedagogia, assim como potencializar interrelações significativas com as instituições parcerias. O estágio curricular transcende a proposição de momento de prática; transcende a idéia de “super”visão relacionada somente a constatação do que o aluno estagiário está concretizando no contexto de atuação ou se está colocando em prática “tudo o que aprendeu” no curso; avança da concepção de momento final ou de culminância de um curso de graduação. Precisa, então, constituir-se amplo mecanismo investigativo e reflexivo de ir e vir na profissão professor ao longo do curso, com carga horária apropriada ao tempo de percepção, maturação e reflexividade pelo docente e discente, o que subentende fluência, dinâmica e mobilização de saberes e fazeres dos professores formadores, dos futuros professores e dos professores em serviço no campo de estágio. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 145 Nessa perspectiva, a qualidade da formação do pedagogo se concretiza eminentemente pela construção da identidade desse profissional; se desenvolve na confluência qualitativa entre diferenciados momentos de formação e de prática profissional. Portanto, conclui-se que o estágio curricular constitui-se determinante na qualidade do curso de Pedagogia, uma vez que a visão e o entendimento que se tem de estágio vai interferir no investimento das estratégias formativas e no envolvimento dos professores formadores, dos futuros professores, assim como dos professores em serviço no campo de estágio. Assim, tendo por base os indicadores de qualidade supracitados e do prisma que se olha e do enfoque e abordagem que se tem ou se quer dar ou adotar nos processos formativos na educação superior, o estágio repercutirá ou não na qualidade da formação dos futuros pedagogos. REFERÊNCIAS BALZAN, Newton César; JÚNIOR, João Baptista de Almeida. O ensino superior nas áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas: indicadores de qualidade em questão. In.: ANPED – GT 4 de Didática, 2003, Caxambú/MG. Disponível em <http://www.anped.org.br/inicio.htm> Acesso no período de maio a junho de 2009. BRASIL. Ministério da Educação. 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QUALIDADE E EGRESSOS Claudia De Salles Stadtlober1 Marília Costa Morosini2 Introdução O crescimento das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, o acesso ao mesmo, com uma expansão majoritariamente no ensino privado, que, em 1995 representava 71,1% e, em 2006, 89,33% de todas as matrículas do país (MEC, INEP, DEAES, 2006), na graduação, coloca em debate a questão da qualidade deste ensino e do papel do Estado, enquanto regulador. Por serem processos ainda bastante novos não há muitas informações e mecanismos que possam medir e avaliar a qualidade do ensino prestado nas IES. No Século XXI, a qualidade é uma busca da maioria das Instituições. Inicialmente, mais um modismo, uma tendência que aos poucos deixaria de existir (MOROSINI, 2003). No entanto, a avaliação da qualidade é realizada hoje em todos os meios de serviços públicos e privados, sempre estabelecendo padrões e melhorias contínuas. Saber a satisfação dos clientes, em relação aos seus serviços e preparação para o mercado de trabalho, é um desafio das IES, a fim de desenvolverem uma graduação mais qualificada e que atenda as demandas da sociedade, do poder público. Nesse contexto, o Ministério da Educação (MEC) avalia as universidades, através dos SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior no Brasil, lançado em 2004, em que há integração desde as provas realizadas com acadêmicos, até a avaliação institucional e do curso, por parte dos alunos, professores e colaboradores. Em estudo sobre a Educação Superior no Estado do Rio Grande do Sul, de 1991 a 2004, foi constatado que o modelo de expansão do ensino superior ocorreu em cursos com maior apelo popular, ficando mais da metade das matrículas em seis cursos. No ano de 2004, o curso com maior procura foi administração que, neste relatório, aparece com 620.718 matrículas (MOROSINI e ROSSATO, 2006). O número de cursos de administração cresceu no RS e em todo o Brasil, assim como as instituições de ensino, principalmente as Faculdades: de 511 cursos de graduação, em 1991, o Estado passou para 1262, em 2004 (MOROSINI 1 Doutora em Educação PUCRS, Mestre em Ciências Socias Aplicadas Unisinos, Graduada em Administração Unisinos, Professora e Coordenadora do Curso de Administração do Centro Universitário Metodista do IPA. 2 Orientadora do trabalho, Doutora em Educação, Diretora da Faculdade de Educação da PUCRS. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 149 e ROSSATO, 2006). Há também um crescimento importante do mercado, o que demanda mais profissionais qualificados e número de vagas para estágios. As ofertas de trabalho em administração são maiores, o que faz com que muitos jovens visualizem as possibilidades de empregabilidade e sucesso profissional. O ensino superior em administração, no Brasil, forma por ano 67.000 profissionais (CRARS, 2004). Com suas especificidades e diferenças, cada curso lança seus profissionais no mercado, com conhecimentos gerais e específicos, segundo o currículo, necessidades da região e legislação vigente. No ano de 2005 o MEC, lançou uma Resolução nº 4 (DOU,2005), com as novas diretrizes curriculares para os cursos de administração. Este documento foi amplamente discutido e já está implementado, mas propõe, em síntese, uma formação mais generalista e ampliada no sentido da inserção social dos profissionais administradores, proibindo principalmente a formação com habilitação, o que mudou o cenário da área. Torna-se importante questionar se o conhecimento propiciado nesse âmbito de formação está sendo atendido nos currículos e como os administradores se relacionam com a sociedade e o mercado de trabalho. Também indaga-se sobre a forma como os professores apoiaram e incentivaram os seus alunos na busca de seu desenvolvimento pessoal e profissional, com o objetivo de desenvolver competências que os diferenciem no mercado de trabalho e os tornem profissionais capazes de concorrer a uma boa colocação, gerando impacto social; perceber a congruência a partir da satisfação dos egressos, da sua qualificação e do ambiente onde estão inseridos. O presente estudo teve como obetivo geral: discutir a qualidade do curso de graduação de administração. E como objetivos específicos: apresentar a qualidade do ensino superior de administração a partir da congruência entre satisfação e empregabilidade no mercado de trabalho de egressos de administração; construir indicadores de qualidade para a avaliação dos cursos de administração. O desenvolvimento do estudo se justifica, pois, administração é uma profissão que surge e se expande em um momento de grandes transformações mundiais, exigindo um novo ator social que desenvolva e aprimore as organizações, através de sistemas de redes, uma vez que as informações estão conectadas por meio da tecnologia de informação. E nesse novo paradigma tecnológico e social é que devemos formar e preparar o profissional administrador. Assim, novas competências são exigidas para esse indivíduo e novos desafios são colocados diariamente tanto para ele, como para a escola que irá prepará-lo. Colom (2004, p. 149), diz que “A 150 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) mudança na sociedade está tão instalada, que a única resposta possível é educar para a incerteza, porque as certezas são cada vez menos certas”. As instituições de ensino têm um grande desafio: formar e educar profissionais para um mercado de trabalho demasiado volátil. Para Castells (1999), o trabalho está no cerne da estrutura social, e, ao mesmo tempo, constatase uma nova ordem mundial econômica: transformação no mercado de trabalho, flexibilidades que não existiam, dificuldades que não ocorriam e modificações nos tipos de trabalho. Houve diminuição das atividades rural e industrial e há, cada vez mais, o aumento da prestação de serviços. Assim, torna-se um desafio propiciar ao indivíduo um desenvolvimento satisfatório e a possibilidade de buscar o seu conhecimento com qualidade e de diferentes formas. Além disso, definir o que é a qualidade para os acadêmicos e para a sociedade é algo que está no cerne de nossas discussões. Os acadêmicos de administração passam, no mínimo, quatro anos na faculdade, buscando conhecimentos específicos para o seu aprimoramento e exigindo eficiência dos professores, uma vez que querem sempre a teoria aliada à prática (BERTRAND, 2001). Sabemos que não há como ensinar toda a prática. Ensinamos a teoria e estudamos os casos específicos, mas segundo Mintzberg (2006), não há nenhuma escola que possa durante um curso ensinar todas as práticas. Para aliarmos a qualidade ao ensino ou a imaginada qualidade que os acadêmicos almejam, devemos cada vez mais aproximar a teoria da prática, principalmente para prender atenção e despertar o interesse do estudante. Estes são desafios para as escolas, mas mais ainda para os professores que, no caso da administração, foram formados para serem executivos e poucos têm formação pedagógica. Então, o professor administrador chega à sala de aula com seus conceitos, conhecimentos, e sua cultura (TARDIF, 2003; BERTRAND, 2001) e vai se inserir em um mundo novo de trocas, de experiências, em que deverá interagir com os acadêmicos, onde cada “ser humano é um universo” (MOSQUERA e STOUBÄUS, 2004). Todas essas questões também estão no cerne do desenvolvimento do ensino superior, dadas pelos alunos, pelos professores e pelos órgãos reguladores, os quais padronizaram o sistema de avaliação das IES, mas cujos critérios de elaboração e eficácia ainda são questionáveis pouco claros. Assim, este texto se propõe apresentar a tese de que qualidade em ensino superior se desenvolve de diferentes formas, com diferentes didáticas e com muito empenho e participação dos alunos. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 151 Referencial Teórico De 1990 a 2000, o ensino superior cresce como forte oportunidade de negócios no país, atraindo muitos investidores nacionais e internacionais e se tornando, em alguns casos, empresas privadas e sociedades anônimas. A LDB é promulgada em 1996, trazendo diversificação, expansão e privatização para o ensino superior. Com a sociedade do conhecimento cada vez mais disseminada e globalizada, a educação superior no Brasil se expandiu e demandou do Estado, cada vez mais, políticas de regulação: políticas públicas de inclusão, como políticas de cotas, PROUNI, REUNI, fortalecimento do sistema de avaliação e controle das faculdades também foram inseridas pelo Estado. O ensino foi se configurando com diferentes tipos de propostas de avaliação da qualidade, pois sempre esteve sob o olhar atento dos órgãos executivos e normativos do país (MEC/SESu, CNE, Capes). Assim, em outros tempos, houve o Programa de Avaliação Institucional da Universidade Brasileira (PAIUB), o Programa de Modernização e Qualificação do Ensino Superior e o Exame Nacional de Cursos (Provão). Atualmente temos instituído no país o SINAES, sendo que a avaliação dos alunos ocorre pelo ENADE. Todas as diretrizes são iguais para todos os Estados da União no Brasil. A trajetória do ensino superior no Estado do Rio Grande do Sul inicia em 1883, com a Escola de Medicina Veterinária e Agricultura Prática em Pelotas, sendo esse o embrião da atual Universidade Federal de Pelotas (MOROSINI, 2005). Há, então, uma nova ordem para o ensino superior que é dada pela expansão do mercado de ensino, pelas políticas públicas e pelo mercado. Nesse, bojo, nasce, na década de 1970, o curso de administração. A educação superior de administração no Brasil é bastante jovem, quando comparada a outras profissões. No ano de 1941, é criado o primeiro curso de Administração de Negócios - ESAN/SP, embasado no modelo do curso da Graduate School of Business Administration da Universidade de Harvard (CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2005). Logo, no ano de 1946, é criada a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, sendo, naquele momento, oferecidas somente matérias de administração. Em 1952, é criada a Escola de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Em 1954, surge a Escola Brasileira de Administração de Empresas de São Paulo, vinculada à FGV e é 152 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) instituído o primeiro currículo especializado em administração, que servirá de base para muitos outros cursos em todo o país. O ensino superior de administração cresceu muito com o desenvolvimento da FGV, passando também a oferecer cursos de pós-graduação na área e disseminando-se por todo o Brasil. Foi regulamentado em 1965 (CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2005). Em 1965, a profissão de administrador é regulamentada pela Lei nº 4.769, de 09 de setembro. Em 1966, já havia um currículo mínimo indicado para a formação de administrador. Naquele momento, habilitava o profissional para o exercício da profissão como técnico em administração. Esta denominação foi alterada no ano de 1985, para Administrador. Em 2004 há alteração nas diretrizes curriculares do curso de administração (DCN’s). O primeiro objetivo do MEC com esta regulamentação é para definir que a nomenclatura do curso seja tão-somente Curso de Bacharelado em Administração, excluindo a extensão das habilitações no nome do curso, podendo constar apenas no projeto pedagógico de cada curso e na grade curricular. A partir desse momento, há um novo cenário no mercado de ensino superior de administração. Como graduação podem ser oferecidos os cursos de Administração ou Administração Pública, as demais diferenças somente são contempladas no projeto pedagógico. A expansão do ensino superior de administração, assim como da profissão é bastante expressiva na década de 90. Segundo o Conselho Federal de Administração (2005) em 1970, tínhamos 164 instituições de ensino de administração, em 2003, já passava de 1700 IES, com mais de 500 mil matrículas e aproximadamente 64 mil formados por ano em administração. Com toda a mudança social e cultural que o nosso país passa, o curso de administração, atende uma realidade de mercado, pois no Século XXI cada vez mais percebemos a importância que é dada ao indivíduo que trabalha e, principalmente, como essa questão está associada à felicidade e ao desenvolvimento pessoal, e à inclusão na sociedade do trabalho. Tezanos (2001) afirma que atualmente o trabalho é fator importante na estratificação social. O indivíduo, com um trabalho e uma profissão, passa a ter isso como “extensão” do seu nome e como algo que lhe qualifica, pois faz parte do desenvolvimento adulto a entrada no mercado de trabalho e principalmente a ascensão profissional e o aprimoramento na carreira. Para Schaie e Wiilis (2003): Los trabajos son un elemento crucial para establecer quién és uno, es decir, el sentido de la identidad personal. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 153 Muchas personas se presentan diciendo su ocupación: “Soy Alejandro Sandoval, agente de bolsa”. El trabajo afecta a la vida de muchas formas (SCHAIE e WIILIS, 2003, p. 216).3 Assim, o trabalho, na nossa cultura, tem forte poder no processo de desenvolvimento humano e realização pessoal e social dos indivíduos, o que faz com que muitos jovens e adultos busquem de diferentes formas sua entrada e consolidação no mercado de trabalho. No Brasil, no ano de 1996 havia, aproximadamente, 31 milhões de jovens (IBGE, 1996) com idade entre 15 e 24 anos, hoje esses números ultrapassam 40 milhões (IBGE, 2004). Estes dados fazem com que o país ainda seja considerado um país jovem. Em 1996, os alunos no ensino superior eram, aproximadamente 1,8 milhões, em 2008 esse número passa para mais de 5 milhões de acadêmicos no ensino superior (MEC, INEP, 2008), que querem e que tentam se inserir no mercado de trabalho, por meio de uma graduação que lhes qualifique para competir. Os formandos que saem todos os semestres das faculdades estão com suas cabeças cheias de sonhos, aspirando muitas oportunidades de trabalho no mercado. Mas esse início no mercado estará ligado diretamente ao seu crescimento enquanto acadêmico, aos conhecimentos que adquiriu e as habilidades que desenvolveu, não só aos seus conhecimentos para indicações, que também são importantes, mas principalmente pela sua competência, o seu compromisso e motivação para o trabalho (SCHAIE e WIILIS, 2003). Destacamos nesse processo, o novo olhar sobre o aluno que devem ter as instituições de ensino superior, pois, diferente das sociedades do Século XIX e XX, este acadêmico deve ser preparado para uma sociedade tecnologicamente avançada, onde o aprendizado se distingue. Com esse novo paradigma de sociedade, está dado um grande desafio para as universidades: preparar o acadêmico para o mundo profissional, de forma que ele tenha o melhor desempenho e se inclua no meio profissional. Temos um novo modelo de desenvolvimento social, com informações globalizadas, sendo as empresas em rede o lócus produtivo. Logo, aquele indivíduo que alcançar maior e melhor conhecimento, aceitando as diferenças e que seja capaz de perceber que a mudança está dada, fará o diferencial na sociedade. Para Tezanos (2001), diferentes são os fatores que excluem ou integram os indivíduos, mas sua análise inicia pelo trabalho, demonstrando que o emprego fixo, com renda assegurada, com desenvolvimento social, cultural, pessoal e 3 Os trabalhos são um elemento crucial para reconhecer quem é cada pessoa, isto é, o sentido da identidade pessoal. Muitas pessoas se apresentam dizendo sua ocupação. “Sou Alejandro Sandoval, agente da bolsa. O trabalho influencia a vida de muitas formas. 154 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) social, integra socialmente a pessoa e lhe dá melhor qualidade de vida. Quando o indivíduo está desempregado ou em um subemprego, sua condição social fica fragilizada e sua participação na sociedade é enfraquecida, ou às vezes, até mesmo isolado socialmente. A pessoa com melhor emprego e qualificação, será mais bem sucedida e pode gerar mudança social na comunidade, ou seja, impacto social, a partir dos seus conhecimentos. Para avaliar o impacto gerado pelos egressos de uma universidade, vários itens são levados em conta. Para Roche (2002), avaliação do impacto “é a análise sistemática das mudanças duradouras ou significativas na vida das pessoas, e ocasionadas por determinada ação ou série de ações (ROCHE, 2002, p. 37)”. Desta forma, a verdadeira certeza da qualidade do curso de ensino superior, que lhe preparou para um mercado de trabalho, é perceber a mudança, o impacto social que o egresso pode causar com sua formação. Passar todo o conhecimento em quatro ou cinco anos de formação é impossível, mas fornecer os meios para que os alunos sempre busquem o conhecimento é da competência das universidades. Conforme Tezanos (2001): O conhecimento científico e o desenvolvimento da capacidade de aplicação das inovações tecnológicas desempenham um papel cada vez mais central como fator de mudança e de dinamismo econômico e social. Os recursos científico-tecnológicos se convertem em uma variável econômica central. (TEZANOS, 2001, p.81). Se a mudança está dada para o mercado, também está dada para as Instituições de Ensino que precisam rever a forma de qualificação dos alunos e dos seus cursos superiores. Para Morosini (2006), nesta sociedade é mais exigida a alta qualificação, é necessário estar apto a enfrentar a sociedade de informação e viver nela; “mudanças na economia do trabalho, e no mercado de trabalho que se torna transitório e anula os limites entre trabalho, o tempo livre, a educação e a assistência (MOROSINI, 2006, p. 90)”. Assim, o trabalho se transforma e também modifica o mercado de trabalho: novos conceitos e pressupostos estão sendo avaliados. O curso de administração é relativamente novo. Como profissão, a administração no Brasil só foi reconhecida em 1968. É uma profissão que está de acordo com o seu tempo, que pretende gerar mudanças significativas na gestão de empresas públicas, privadas e do terceiro setor, formando um novo conceito de profissional, preparado para gerir instituições da forma mais adequada. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 155 Entendemos que esse é um dos papéis das universidades: preparar os alunos para a mudança, para um mercado de trabalho concorrido. Somente dessa forma, o profissional de administração poderá gerar impacto na sociedade. Para Cabrera, Weerts e Zulick (s/d) um dos únicos indicadores da Associação Nacional de Universidades e Empresas (NACE): Emplea para evaluar el impacto de la universidad consisten en la estimación de si la educación universitaria ha sido una inversión que ha merecido o no la pena y la medida en que el servicio de orientación laboral de la universidad ha resultado útil encontrar trabajo4 (CABRERA, WEERTS e ZULICK, s/d, p. 58). Percebemos estas questões nas universidades, sendo o questionamento da qualidade e efetividade realizado a todo o momento na sociedade, embora, no Brasil, o sistema de ensino superior ainda é pouco avaliado, principalmente quando se fala de estudo com egressos, poucas são as instituições que praticam este tipo de avaliação e muitas hoje estão fazendo alguma pesquisa com egressos por exigência do Ministério da Educação que passa a solicitar esta informação com obrigatoriedade das Instituições de Ensino. No texto dos autores Cabrera, Weerts e Zulick (s/d), verificamos que, na Europa, os estudos com egressos são realizados há mais de 60 anos em quase 90% das universidades. São avaliadas questões como o lucro do egresso universitário, a implicação e aquisição de habilidade do estudante e as doações e contribuições dos egressos para a universidade. A maioria dos estudos desenvolvidos é quanto aos lucros e prestígio dos egressos na atividade profissional e desenvolvimento social, pois isso pode ser um indicador de qualidade da Instituição. No nosso país, algumas universidades promovem e divulgam os seus egressos mais famosos, como forma de marketing para a Instituição e, principalmente, para demonstrar a qualidade de seu ensino e, desse modo, atrair mais alunos. A empregabilidade, que está como questão de inserção no mercado de trabalho e no desenvolvimento do indivíduo, também pode ser relacionada à qualidade do ensino superior e aproveitamento escolar do egresso na Instituição onde fez a sua formação. Dessa forma, a empregabilidade do egresso como é realizada na Europa, pode ser um critério de avaliação do ensino superior. O emprego estável e Emprego para avaliar o impacto da universidade, consiste na estimativa se a educação universitária, se tem sido um investimento que tem merecido ou não, se tem valido a pena; e na medida em que o serviço de orientação para o trabalho da universidade tem apresentado resultado útil para encontrar trabalho. 4 156 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) sonhado pelos nossos antepassados como algo para toda a vida, com garantias e continuidade, pertence a um tempo pretérito. Na atualidade, o bom profissional deve ter várias experiências e desenvolver seu conhecimento de diferentes formas. Não há mais um pressuposto único para a definição de bom profissional, assim como para o emprego vitalício, que já é passado, segundo Bridges (1995). Temos que preparar, hoje, um profissional diferenciado para uma nova realidade, que, de acordo com Bridges (1995) apresenta: “As condições de trabalho motivadas pelas novas realidades tecnológicas e econômicas não são empregos no sentido tradicional...” (1995, p. 10). Constatamos, então, que há uma nova organização profissional. Muitas vezes, o profissional tem uma relação de trabalho que é de prestador de serviço, ou terceirizado e recebe sua remuneração através da atividade que desenvolve e da forma que a faz. Assim, um cidadão que busca um trabalho, que deseja estar no mercado de trabalho mais inserido em sua área de origem, gera muitas discussões e análises. O tema da empregabilidade, sua inserção como tema de discussão está diretamente relacionado às mudanças nas relações de trabalho (HANASHIRO, TEIXEIRA, ZACCARELLI, 2007). Nesse contexto, cresce o interesse pelo tema da empregabilidade, que, para os autores Hanashiro, Teixeira, Zaccarelli (2007) “é a capacidade de obter trabalho e renda” (2007, p. 163), e tem sido amplamente discutido no espaço empresarial; do mesmo modo, esta discussão tem sido levada para as Universidades, pois são elas, em grande maioria, as responsáveis pelo preparo dos profissionais. Observamos que a empregabilidade tem sido usada para avaliar a qualidade do ensino superior, mas é um tema complexo e novo no meio acadêmico. Em um texto de Morosini e Franco (2001), verificamos que no “Dearing Report é afirmado que: a função primária da educação superior é a preparação para o mundo do trabalho. Tal pressão deságua na concepção de employability” (2001, p.4). A empregabilidade, no Brasil, está sendo discutida nos meios acadêmicos há pouco tempo. Por isso, questionaremos este tema valendo-nos de alguns estudos estrangeiros. Em pesquisa publicada na Association for Institutional Research, realizada por Delaney (2005), foram avaliadas e escutadas a voz dos estudantes, verificando a qualidade do seu curso de graduação. As questões levantadas neste estudo: em que extensão o aluno graduado pensa que a faculdade melhorou suas habilidades; como os alunos estão satisfeitos quanto às experiências acadêmicas e a vida estudantil; como o aluno avalia o impacto da faculdade e variação da satisfação por gênero e cidadania; quais são os predicados dos graduados na Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 157 satisfação geral e na reavaliação da faculdade, caso escolham a mesma para voltar a estudar. Foi aplicada uma pesquisa quantitativa, que trouxe informações relevantes para avaliar a qualidade da graduação por parte dos alunos, sua satisfação e conhecimento adquirido. Alguns autores avaliaram a qualidade a partir da empregabilidade e do impacto social do profissional no mercado de trabalho. Knight e Yorke (2003), estabelece o significado para empregabilidade como sendo: “A set of achievements, understandings and personal atributes that make individuals more likely to gain employment and be successful in their chosen occupations5 (2003, p. 5)”. O mesmo autor definiu critérios de qualidade, dividindo em qualidades pessoais, habilidades centrais e habilidades de processo, e, enfocou, dentro destes três itens, vários pontos para análise, como: qualidades pessoais (maleável autoteoria; autoconsciência; autoconfiança; independência; inteligência emocional; adaptabilidade; tolerância ao estresse; iniciativa; desejo de aprender; refletir); habilidades centrais (efetividade na leitura; habilidade de usar números; retenção de informação; habilidade para acessar diferentes fontes; habilidades lingüísticas; autogerenciamento ; análise crítica; criatividade; compreensão; comunicação escrita; apresentação oral; explicar bem e consciência global – econômicos e culturais) e habilidades de processo (habilidades com Software; conhecimento comercial; sensitividade política; habilidades para trabalhar com outras culturas; sensitividade ética; priorização; planejamento; habilidades de aplicar um conhecimento; agir moralmente; habilidade para lidar com situações complexas e ambíguas; solucionar problemas; influenciador; saber argumentar e justificar um ponto de vista ou ação; resolver conflitos; tomador de decisão; negociador e trabalho em equipe) (KNIGHT e YORKE, 2003). Os pressupostos, levantados por Knight e Yorke (2003) para avaliar a qualidade do ensino superior, mostram o grande desafio que têm as universidades, pois devem desenvolver nos acadêmicos habilidades, conhecimentos e atitudes pessoais a partir dos aspectos mencionados pelo autor. Para Morosini (2001): “Entre as concepções de qualidade universitária identifica-se a tendência ao isomorfismo, à diversidade e à equidade” (2001, p.3). É importante ressaltar que as formas de desenvolvimento do ensino superior são diferentes de uma região para outra e de um país para outro, pois há características peculiares a cada localidade, assim como a vinculação do ensino superior com o mundo do trabalho tem especificidades de cada região (TEICHLER, 2005). Um conjunto de realizações, entendimentos e atributos pessoais que tornam os indivíduos mais propensos a obter um emprego e ser bem sucedidos na profissão escolhida. 5 158 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) A conquista de um emprego, ou seja, tornar-se empregável e manter-se no mesmo também representa uma tarefa difícil, uma vez que as necessidades do mercado de trabalho determinam um constante aprimoramento de conhecimentos, habilidades, atitudes que, sintonizadas, vem ao encontro das exigências dos stakeholders (HARVEY, 1999). É alinhar as necessidades do mercado de trabalho, com possibilidades para os egressos e para o desenvolvimento do ensino superior. O autor Teichler (2005), menciona conexões entre o ensino superior e o trabalho. Eis o resultado esperado dos egressos: Flexibilidade, capacidade e desejo de contribuir com inovações e criatividade, capacidade de fazer frente às incertezas, interesse em seguir aprendendo e preparação para fazê-lo ao longo de toda vida, sensibilidade social e habilidades para se comunicar, capacidade de trabalhar em equipe, disponibilidade para assumir responsabilidades, empreendedorismo, capacidade de preparar-se para a internacionalização do mercado, trabalhar em diferentes culturas e versatilidade em competências genéricas que são comuns em diferentes disciplinas (TEICHLER, 2005, p.51). Vários itens que constam do texto de Teichler (2005), também aparecem em autores citados anteriormente, pois ao analisarmos o desenvolvimento acadêmico e as necessidades de mercado verificamos que, atualmente, muito mais do que a busca de um diploma, o profissional precisa estar preparado para as mudanças, para os desafios e para as possibilidades que um mundo globalizado oferece e até mesmo determina. No Brasil, as exigências do mercado de trabalho aumentaram para os jovens graduados, da mesma forma que houve crescimento, nos últimos anos, do percentual de desemprego para a camada mais jovem da população, conforme dados do IPEA/FGV. Esses registros mostram um panorama de apreensão, pois temos questões econômicas e sociais relevantes, como a participação da mulher cada vez maior no mercado de trabalho, além da entrada de ferramentas de tecnologia o que, às vezes, pode diminuir a oferta de trabalho, como, outras vezes, representar uma nova possibilidade de trabalho. Assim, é emergente discutir a empregabilidade dos egressos do ensino superior, Morosini (2004), “identifica na literatura internacional que empregabilidade não é conseguir empregos para graduados. É muito mais: o desenvolvimento de capacidade crítica no processo de aprendizagem continuada (2004, p.94)”. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 159 O desenvolvimento humano se dá ao longo de toda a vida, nunca paramos de aprender (SCHAIE e WIILIS, 2003), mas a manutenção e o sucesso no mercado de trabalho são pontos fundamentais no nosso desenvolvimento. Trabalhar padrões de qualidade do ensino superior para o crescimento e aprimoramento de indivíduos que realmente geram impacto social com sua formação, satisfação na vida profissional é o desafio para as Instituições de Ensino Superior. Sendo assim, formar um profissional com um modelo de competências, capaz de lhe garantir empregabilidade e estabelecer esse paradigma ainda é algo novo no nosso modelo de ensino. Os autores colocam vários itens que são importantes para o desenvolvimento acadêmico. Vemos as características dos pré-universitários, que estão relacionadas a fatores pessoais; as práticas pedagógicas, que são organizadas e aplicadas aos acadêmicos, e que também podem estar relacionadas a questões individuais e à história de cada aluno e professor (TARDIF, 2003); ganhos de competências, que se dará pelo desenvolvimento e é muito individual de cada acadêmico; e o clima da sala de aula, que envolve todos os aspectos anteriores. Consideramos esse envolvimento como geral, uma vez que o acadêmico chega ao ensino superior com suas necessidades, aspirações e histórico familiar. Cabe ao professor, com sua vivência e com o clima em sala de aula proporcionar a cada aluno o desenvolvimento de suas habilidades e competências de forma diferenciada, despertando, em cada um, o interesse pelo conhecimento em todas as questões presentes na figura e comentadas acima, sabendo-se que não são questões mensuráveis de forma igualitária a todos os acadêmicos. Avaliar estas questões com o egresso pode fornecer o panorama do desenvolvimento dele na faculdade, seu ganho pessoal, sua ascensão profissional e realização no ambiente de trabalho. Para o autor Schwartzman (2008) a maioria dos alunos de administração busca uma formação adicional e maior acesso ao mercado de trabalho, mas a formação especializada se dá, cada vez mais, nesse caso, nos cursos de pós-graduação. Para o desenvolvimento todos buscam cursos de qualidade, reconhecidos no mercado, em instituições consolidadas. A qualidade que, há algum tempo, chegou a ser vista apenas como um modismo tomou outros rumos. Hoje é cobrada pelo MEC, pelas empresas e pela comunidade e está no centro de muitas discussões do país, assim como nas normas e regras que regulam o ensino superior. 160 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) A busca pela qualidade é uma realidade na nossa sociedade atual. Processo iniciado em boa parte do mundo, no final dos anos oitenta, atingiu seu ápice nos anos noventa no Brasil. A partir daquele momento, tornou-se fundamental para o crescimento de qualquer instituição; é fortemente cobrada, em todos os serviços e bens, seja na área pública ou privada. Neste contexto, analisamos a qualidade no ensino superior de forma ampla, verificando as discussões decorrentes no meio acadêmico e empresarial, os conceitos e algumas posições sobre a cobrança da qualidade no ensino e as formas de avaliação. Para OECD (2008, p. 1) A qualidade da educação fornecida é igualmente importante para assegurar que graduados terciários estejam efetivamente equipados para participar na nova economia e na sociedade com liberdade, dessa forma sendo preparados para subseqüentemente engajar-se em atividades de aprendizado permanentes a fim de atualizar seu conhecimento e suas habilidades, assim como as fronteiras de conhecimento se distanciam. O ensino de qualidade para algumas instituições de ensino superior parece uma imposição de formas e processos a serem atendidos, mas longe de ser uma imposição é antes disso uma necessidade, pois com o crescimento do ensino, de cursos, de faculdades é premente regular e sistematizar um conceito mínimo para os cursos e formações, de maneira universal, guardando as diferenças e especificidades de cada área. Para Leite (2009), é como se as organizações estivessem pressionadas pela qualidade em avaliação. Para algumas IES, a avaliação e o recebimento de avaliadores do MEC parecem um “monstro”. “Por outro lado, qualidade e avaliação tornam-se, por vezes, ameaçadoras quando provém de um estado avaliativo e “legisferante”; participação e avaliação tornam-se portadoras de reconhecimento público quando oriundas de comunidades internas” (LEITE, 2009, p. 7). A tensão está formada no meio do ensino superior: por um lado, tem um Estado que legisla, cobra qualidade e permite pouca autonomia às Universidades e, por outro lado, também temos a comunidade, com amplo acesso a todo o tipo de informações, pressionando e exigindo cada vez mais o ensino de qualidade. O processo de avaliação da qualidade do ensino superior aparece, inicialmente, nos primórdios da Universidade Medieval como algo interno das instituições de ensino, mas, a partir da década de 1980, torna-se uma preocupação Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 161 pública, onde os governos e a comunidade começam cada vez mais a cobrar e a pedir prestação de contas sobre a mesma (AMARAL, 2009). Avaliação e qualidade são temas recorrentes. Há bem pouco tempo a grande maioria das Universidades sequer aceitava a sua cobrança, colocando-se em um local de superioridade e longe das avaliações de mercado. Agora todas as IES são avaliadas por diferentes atores sociais. A discussão também é ampla no sentido de indicar o que é qualidade, como pode ser medida e diferenciada de uma instituição para outra: definir os critérios, os diferenciais e dar uma nota é questionado pelas IES a todo o momento. Para Morosini (2009, p. 3): Entre as concepções de qualidade universitária identifica-se à tendência ao isomorfismo, a diversidade e à equidade. Isomorfismo está relacionado à estantardização, com o predomínio do critério de empregabilidade; diversidade está relacionada à consideração das especificidades das instituições e/ou cursos; e equidade à avaliação social. Avaliar a qualidade é um processo complexo, que inclui atores diferentes e diferentes papéis: “a avaliação adquire especial significado quando se consideram o contexto social, a cultura avaliativa do país no âmbito da educação e as tendências pedagógicas” (ENRICONE e GRILLO, 2003, p. 47). A partir do processo de avaliação da qualidade das IES, é possível indicar outras diretrizes de desenvolvimento do ensino superior, repensar processos que fortaleçam a educação brasileira. “A palavra avaliação, dentre os seus significados, quer dizer: medir, comparar, analisar, significa valorar pela emissão de juízo de valor” (FREITAS, 1997, p. 19); assim, há bem pouco tempo, as formas de avaliação não estavam claras e as medidas também eram imprecisas. Com a instalação de um processo de avaliação da qualidade no ensino superior cada vez mais organizado, ainda que questionado por muitos, os parâmetros são cada vez mais trabalhados pelo SINAES, em que a avaliação da qualidade tem diferentes abordagens, pretendendo alcançar todo o contingente e abrangência do ensino superior, avaliando os cursos, os egressos, as IES. O ensino superior tem um desafio muito grande que é inserir nas suas práticas todos os indicativos do MEC, das diretrizes curriculares, bem como os anseios da sociedade, dos seus clientes e ser efetivo para garantir a entrada no mercado de trabalho, pois é para o trabalho que a universidade forma e prepara seus alunos e na sociedade que o aluno deverá gerar impacto e promover o 162 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) crescimento social de todos. Assim, o curso de administração, que é o primeiro curso em quantidade de alunos no ensino superior, o primeiro em número de formandos por ano, está desafiado a preparar gestores cada vez mais qualificados para desenvolverem as empresas de todos os setores sociais. Desta forma, nos questionamos sobre a qualidade do ensino em administração, da formação, do currículo e, mais do que isso, do “produto“ final prestado pela Faculdade: que é o conhecimento; até que ponto ele está correspondendo nos currículos e como preparamos nossos clientes para o mercado; como está a satisfação dos acadêmicos e a sua motivação para o desenvolvimento profissional. É importante ressaltar que a satisfação depende de como cada indivíduo valoriza alguns aspectos da sua vida, do seu desenvolvimento profissional e pessoal, por isso é considerado um processo intrínseco de cada pessoa. Para Robbins (2005, p.23), a satisfação no trabalho pode ser definida como: “o conjunto de sentimentos que uma pessoa possui com relação ao seu trabalho. [...] é mais uma atitude do que um comportamento”. Já para Abreu (2002, p.18) “é o estado de conforto obtido com o atendimento de uma necessidade”. Robbins (2005, p. 66): afirma que “a avaliação da satisfação de uma pessoa é muito mais ampla, pois é o resultado de uma complexa somatória de diferentes elementos”. A autoavaliação da satisfação no trabalho tem os componentes relacionados às questões monetárias e não monetárias, como o trabalho que se faz, o reconhecimento que o indivíduo tem no seu trabalho e as suas preferências pessoais. A satisfação é chave determinante para o bem estar dos indivíduos no trabalho (VILA, GARCIA-ARACIL, MORA, 2007). É identificada a congruência entre a satisfação no trabalho e a graduação escolhida. Para Wolniak e Pascarella (2005) há uma evidência considerável no campo da sociologia com a satisfação de trabalho, dizendo que existe dentro de uma ordem causal, como um resultado da sua remuneração e da sua formação indiretamente. Os autores identificaram duas hipóteses de congruência para a busca da graduação e maior especialização para chegar à satisfação no trabalho: habilidade de ter melhores ganhos financeiros - esse com maior indicativo, conforme a área de formação e a outra, de realizar um trabalho melhor, com retornos positivos para a sua carreira (WOLNIAK e PASCARELLA, 2005). Na teoria de Holland (1997), a congruência é dada pela personalidade com o ambiente, em que o indivíduo, a partir das suas características pessoais, vai escolher uma profissão em que possa melhor exaltar suas qualidades. 163 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores Cabrera, Vries e Anderson (2008), incluem a congruência entre a faculdade e o mundo do trabalho: o local onde o trabalho está inserido, meio econômico, social, bem como o trabalho realizado. Estas questões de trabalho, no Brasil, fizeram aumentar a procura pelo curso de administração: curso com uma formação generalista e, em grande parte, com boa procura de estagiários, sendo que os profissionais formados podem atuar em diferentes atividades da nossa economia. Os alunos enxergam na faculdade de administração a possibilidade de melhorar seus rendimentos, de ter uma profissão reconhecida e também ter amplas possibilidades de trabalho, pois podem atuar em todos os tipos de empresas e negócios. A qualificação que o egresso terá ao final do seu curso é percebida a partir de algumas questões que estão no cerne desta pesquisa. Para Bergan (2007) apud Morosini (2009, p. 3) a qualificação é a relação existente entre conhecimentos desenvolvidos durante o processo educacional e demandas do mundo do trabalho. Sugestão de indicadores de graduação em administração qualidade da Somados aos indicadores existentes atualmente, no Ensino Superior de administração, das IES, do conselho de classe e do MEC. Indicamos com o desenvolvimento do estudo realizado no ano de 2009, através da survey e do grupo focal, com os conhecimentos da pesquisadora sobre a área e alicerçados no referencial teórico, sugerimos para a área de ensino superior em administração os seguintes indicadores: - % Percentual de aulas teóricas x % aulas práticas. - % Utilização de estudos de casos na graduação de administração. - % Atividades complementares práticas que os alunos se envolveram na graduação de administração. - Tempo de trabalho acadêmico dos professores x tempo de trabalho em outras atividades. Entendemos que estes indicadores ajudariam as IES a organizarem melhor o seu corpo docente e principalmente formar profissionais administradores com maior qualidade para enfrentar as demandas do mercado de trabalho. Muitas IES 164 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) investem valores bem expressivos em treinamento pedagógico dos professores que entendemos que é relevante, mas na área de administração os investimentos também poderiam ser direcionados para formar mais professores em jogos de empresas e também em programas de visitas e estágios onde pudessem cruzar teoria e prática, para depois desenvolver o aprendizado com os seus alunos. Desenvolver um currículo de administração onde as competências sejam desenvolvidas, com o enfoque de qualidade com a tendência do isomorfismo, da diversidade e da equidade (MOROSINI, 2009), buscando desenvolver um profissional qualificado para atender as demandas do mercado e principalmente um egresso que possa gerar impacto social com o seu conhecimento e uma mudança que traga benefícios sociais para todos. A proposta apresentada tem o objetivo de indicar que o desenvolvimento do ensino está fortemente alicerçado em um currículo bem constituído e elaborado, que possa ser executado por docentes capacitados e habilitados. E que o ensino pode e deve ser medido; sua qualidade, seu desenvolvimento, pois inserindo mais indicadores, teremos uma forma de avaliar e melhorar o ensino superior de administração. No livro de Mintzberg (2006) direcionado para os cursos de MBA americanos, mas que também podemos aproveitar este conhecimento; ele faz uma crítica a ter um modelo de ensino somente embasado em prática de estudos de casos e diz que é a teoria que consolida os casos. Nas faculdades de administração ainda não temos a prática consolidada em todas as disciplinas, de utilizar estudo de casos ou jogos de empresas. Entendemos que no ensino superior de administração temos que encontrar a medida entre ter muitos estudos de casos, ou práticas e teoria e tornar as aulas mais atrativas, com um aprendizado ativo, onde alunos e professores construam o conhecimento. Conclusões e Sugestões A qualidade da educação é um tema amplamente discutido na nossa sociedade. Ela é utilizada pelo Estado como principal critério para avaliar as IES e os cursos superiores, bem como a sociedade de forma geral também avalia os cursos por suas notas e resultados. Este estudo discutiu a partir dos teóricos e do curso de administração a empregabilidade, o mundo do trabalho e própria evolução da profissão de administrador. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 165 Analisamos a qualidade do ensino superior a partir da congruência, sendo que os egressos identificaram diferentes aspectos relacionados à congruência e à satisfação no trabalho e satisfação com a IES. Ao final da análise, apontamos indicadores de qualidade do ensino superior de administração que entendemos que as IES podem incorporar nos cursos de Administração, junto aos indicadores que já utilizam. Consideramos, que a partir destes indicadores, outros trabalhos devem ser desenvolvidos e apropriados para cada realidade e para cada cultura diferenciada que temos no nosso país, podendo aprimorar os sistemas de avaliações do ensino superior em administração. Concluímos que o estudo da qualidade é amplo e específico, devendo contar com profissionais altamente qualificados, para que uma avaliação criteriosa e sistemática possa, cada vez mais, trazer para as IES e para sociedade um ensino superior de qualidade, juntamente com uma mudança social e impacto social, gerado pelos conhecimentos e competências adquiridas pelos egressos na sua vida acadêmica. Confirmamos que a qualificação está diretamente relacionada à qualidade do ensino superior, as práticas de sala de aula. Mas a participação dos alunos durante a graduação é o fator fundamental para sua empregabilidade e para o seu sucesso profissional. Acreditamos que formar administradores é um desafio para os professores. No entanto, ter a oportunidade, enquanto profissionais, de ajudar outras pessoas a se desenvolverem e, ver, a partir delas, o impacto social que isso pode gerar, é algo que gratifica. Por isso, pensamos que a pesquisa na área de administração deve ser estimulada e ampliada, com respeito, com coerência e principalmente com muita responsabilidade. O estudo da qualidade do ensino superior em Administração está em construção, uma vez que ainda estamos aprendendo. O caminho é longo e sempre deve ser alimentado e realimentado para buscar, cada vez mais, um ensino com qualidade, com apoio das políticas do governo, das empresas e de toda a sociedade. A construção de profissões fortes e reconhecidas, sabemos, se dá pela chancela da sociedade como um todo. REFERÊNCIAS AMARAL, A. 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Devido a importância de uma formação de qualidade, esta vem sendo no Brasil, nos últimos tempos, o cerne de discussões e reformas educacionais. Entre os princípios da Constituição Brasileira, aponta-se que é de competência dos órgãos de governo garantir que o ensino seja ministrado com base em padrões de qualidade e na igualdade de condições para o acesso aos níveis mais elevados do ensino (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN define padrões de qualidade como “a variedade e quantidade mínima, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem.” (BRASIL, Art. 4o, alínea IX, 1996). O Plano Nacional de Educação – PNE tem entre seus objetivos a definição de diretrizes, metas e estratégias de implementação de modo a assegurar o desenvolvimento e a manutenção do ensino, em todos os seus níveis, através de ações integradas dos poderes públicos que conduzam à melhoria da qualidade do ensino, logo na melhoria da formação profissional, humanística, científica e tecnológica (BRASIL, 2001). Percebe-se na Constituição, na LDB e no PNE preocupações voltadas à qualidade da Educação Superior pautadas em três dimensões: 1) Processo: relacionado à existência de insumos que propiciam a manutenção e desenvolvimento de um ensino de qualidade, entre eles destaca-se a avaliação do ensino. 2) Entrada: aqui tem-se aspectos relacionados ao acesso do estudante nesse nível de ensino, e 3) Resultados: voltados à permanência do educando na instituição de ensino e a sua formação para o mercado de trabalho. Estas dimensões são determinadas pela Constituição Federal, garantidas pela LDB e implementadas pelo PNE. Este texto tem uma versão inicial no Pré-Projeto de Tese Comprometimento do Estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social. 2 Bolsista CAPES. Integrante Programa de Pesquisa conjunta CAPES/PUCRS/Universidade do Texas. 1 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 173 Os aspectos de entrada, processo e resultados que permeiam a questão da qualidade da Educação Superior não são explicitamente assim denominados nos documentos oficiais brasileiros, entretanto, eles são aspectos de relevantes estudos em âmbito internacional, uma vez que organizam a complexidade existente no universo da qualidade educacional. Segundo a OECD (2008) a crescente internacionalização da Educação Superior tende a estabelecer padrões semelhantes de garantia de qualidade entre os países, e as dimensões entrada, processo e resultado definidas por Harvey (2004-2009), permitem a identificação e organização de padrões universais. Estudos de Harvey (2004-2009) apontam o conceito de qualidade como sendo um construto complexo, pois além de abranger dimensões múltiplas de entradas, processos e resultados, abrange a maneira como essas dimensões acontecem ao longo do tempo. Fatores de entrada estão relacionados às características iniciais dos estudantes envolvidos nesse contexto tais como suas perspectivas quanto ao curso, seus objetivos e aspirações pessoais, suas aptidões, habilidades e talentos, sua etnia, nível socioeconômico e também às características do currículo; o fator resultado/ saída observa os resultados da aprendizagem desenvolvidas e/ou adquiridas durante a vida acadêmica, a permanência do aluno na instituição de ensino, a satisfação dos graduados e empregadores, ou seja, está associado, às transformações e/ou melhorias desenvolvidas nas aptidões, habilidades e talentos; e o fator processo diz respeito a tudo que é realizado durante o desenvolvimento educacional, aborda o ensino, a aprendizagem e a avaliação (HARVEY, 2004-2009; SCHOMBURG; TEICHLER, 2008; CABRERA; LANASA, 2005). Estudos de Schomburg e Teichler (2008) mostram um modelo conceitual de análise na Educação Superior, no qual as dimensões quanto a qualidade na Educação Superior são organizadas. Isso está representado na figura 1. 174 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Figura 1: Modelo de análise na Educação Superior Fonte: Traduzido e adaptado de Schomburg e Teichler (2008) pela autora. Sob esse viés, a garantia da qualidade se dá de forma sistemática, estruturada e contínua, voltada para a manutenção e melhoria da qualidade (VROEIJENSTIJN, 1995). Isso se resume, na prática, de acordo com Woodlhouse (1999), à necessidade de políticas, ações e procedimentos que assegurem que a qualidade está sendo melhorada e mantida. Uma das ações que proporcionam acompanhar a trajetória da qualidade educacional é dada via avaliações. Um dos objetivos do PNE remete-se a “Institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica” (BRASIL, 2001, p.43). O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, busca assegurar a “integração das dimensões internas e externas, particular e global, somativo e formativo, quantitativo e qualitativo e os diversos objetos e objetivos da avaliação” (BRASIL, 2007, p. 88). O SINAES envolve diferentes instrumentos, momentos e sujeitos (órgãos reguladores, avaliadores, instituições, dirigentes, professores e alunos). Sob essa perspectiva a avaliação da qualidade abrange diferentes enfoques: a avaliação voltada aos gestores, aos docentes, aos alunos e outros. Tem-se, então, a reduzação do papel do estado, e entram em cena novos Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 175 protagonistas, entre eles o aluno, o qual foi visto, por longo tempo, como ator coadjuvante dentro das instituições de Educação Superior. O texto a seguir abordará a relação existente entre o aluno e a qualidade do ensino na Educação Superior. Versará sob o comprometimento do estudante e os principais indicadores de comprometimento durante o processo de ensino e aprendizagem capazes de intervir para com a melhoria da qualidade da Educação Superior. Comprometimento e seus benchmarks Um dos mais recentes temas de estudo no Brasil, acerca da qualidade na Educação Superior, tem o foco no aluno, ou seja, na avaliação do seu desempenho (MOROSINI, 2010). Tem-se aqui um novo olhar no processo de ensino e aprendizagem, pois além de se avaliar gestores, professores e outros, os alunos passam a ser avaliados. Nada mais natural, uma vez que ele é o principal protagonista no contexto educacional. Assim, o velho e tradicional discurso responsabilizando a instituição pela não obtenção de emprego e/ou não conclusão do curso pelo aluno, bem como a responsabilização do professor pela não aprendizagem, passa a ter um novo personagem no rol de responsáveis: o próprio estudante. As instituições de Educação Superior e os professores têm, certamente, uma série de responsabilidades, os primeiros em administrar recursos, programas, procedimentos, normas e incentivos que venham intervir na aprendizagem e no desenvolvimento do estudante; os professores utilizando “boas práticas em Educação Superior” tais como: técnicas de aprendizagem ativa, feedback imediato, enfatizando tempo na tarefa, respeitando diferentes talentos e estilos de aprendizagem, desenvolvendo reciprocidade e cooperação entre os estudantes e incentivando-os de modo a proporcionar um melhor desenvolvimento na aprendizagem (CHICKERING; GAMSON, 1987). Entretanto, os alunos também são responsáveis para com os resultados que obtêm, devido à qualidade de esforços que investem na sua aprendizagem, bem como da utilização que fazem dos recursos disponibilizados pelas universidades para esse fim. Isso abrange o comportamento do estudante, destaca o que ele faz, como faz e o quanto ele faz para melhorar a sua aprendizagem, em suma, põe em destaque o comprometimento do aluno no percurso acadêmico. “Entende-se, então, por comprometimento com a aprendizagem, a relevância dada ao como aprender, 176 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) isto é, a variedade e intensidade de meios utilizados para tal, como também o tempo disponibilizado para esse fim” (FELICETTI; MOROSINI, 2008, p. 2). Assim, a qualidade da aprendizagem, logo a qualidade da formação acadêmica está atrelada ao esforço empenhado pelo estudante. Segundo Pace (1979, 1981, 1984) a qualidade da experiência educacional depende da qualidade do esforço investido durante o processo de aprendizagem. “Toda aprendizagem e desenvolvimento requer um investimento de tempo e esforço do aluno. O tempo é uma dimensão de freqüência. Esforço é uma dimensão de qualidade, no sentido de que alguns processos educacionais exigem mais esforços do que outros”. (PACE, 1984, p. 4). Certamento o esforço e dedicação variam de acordo com o grau de exigência de cada curso, o mesmo ocorre com os alunos, alguns necessitam uma maior dedicação de tempo e esforço para com sua aprendizagem. Porém, a necessidade do comprometimento do aluno com sua aprendizagem é fundamental à todos os estudantes, independente da característica discente ou do tipo de curso. Para Astin (1984, p. 297) o “envolvimento estudantil se refere ao montante de energia física e psicológica que o estudante dedica à experiência acadêmica”, isto é, um aluno que gasta energia estudando, participando ativamente de atividades estudantis e frequentemente interagindo com professores e colegas tem maior probabilidade de progresso na aprendizagem do que aquele que negligência os estudos, não participa de atividades escolares e nem interage com colegas e professores. Estudos de Pascarella e Terenzini apontam que: “O impacto na universidade é, largamente determinado pelo esforço individual e pelo desenvolvimento no âmbito acadêmico, interpessoal e extracurricular ofertados no campus”(2005, p. 602). Os estudos de Tinto (1987) voltados para a permanência do estudante na instituição de ensino apontam que a disposição do aluno em trabalhar para a realização das suas metas é um componente importante para a persistência na Educação Superior. Enquanto que a falta de vontade ou comprometimento demonstra ser um estímulo à evasão. “O fato inevitável é que para a conclusão universitária requer-se algum esforço” (TINTO, 1987, p. 44). Os resultados de pesquisas e estudos destacam a importância do envolvimento como um indicador de desempenho do estudante, isso sugere que o envolvimento do aluno é uma medida de qualidade institucional. Nos estudos de Kuh (2009), Kuh e outros (1991, 2005) o termo engajamento é geralmente utilizado para representar construtos tais como a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 177 qualidade do esforço, ao passo que o envolvimento é usado em atividades produtivas de aprendizagem. No Brasil termos com ideias similares são utilizados por Felicetti e Morosini (2008) quando se referem a comprometimento e compromisso do estudante com a aprendizagem. Pesquisadores como Cabrera e outros (1999), Kuh, Palmer e Kish (2003) apontam o engajamento como um fator que intervém positivamente para o ajuste do estudante na universidade. Para Harper (2009), um ativo engajamento do estudante em atividades universitárias, dentro ou fora da sala de aula, é visto como uma possibilidade de sucesso no meio acadêmico, proporcionando o desenvolvimento do discente em inúmeras áreas, e ainda estimulando-os a persistirem na universidade; esse mesmo autor aborda o aumento do desenvolvimento social dos alunos dado a um maior engajamento (HARPER, 2008); a proposta de engajamento educacional, de acordo com Anaya (1996) e Baxter Magolda (1992) produz ganhos e benefícios no desenvolvimento cognitivo e nas habilidades mentais dos estudantes; outros pesquisadores destacam o desenvolvimento psicosocial relacionado ao engajamento e com questões de identidade, associadas a gênero e raça, proporcionando uma auto-imagem positiva (HARPER, 2004; TORRES; HOWARD-HAMILTON; COOPER, 2003); e ainda, há estudos que indicam maior desenvolvimento étnico e moral associado ao engajamento (EVANS, 1987; REST, 1993). As pesquisas acerca do engajamento estudantil têm mostrado resultados que repercutem positivamente na formação do estudante como um todo. A aprendizagem e o desenvolvimento pessoal são influenciados pelo comportamento do aluno bem como pelas características institucionais. O National Survey Student Engagement – NSSE usou uma combinação de análises conceituais e empíricas para identificar pontos de referência (benchmarks), ou seja, indicadores de práticas educativas eficazes que podem indicar a relação entre o sucesso acadêmico e o engajamento/comprometimento estudantil. Esses indicadores foram baseados em quarenta e duas questões-chave do NSSE as quais estão relacionadas às experiências dos estudantes (KUH, 2009). Os cinco benchmarks de efetiva prática educacional, segundo Kuh (2009) são: 1. Nível de desafio acadêmico. Um elemento central para uma aprendizagem de qualidade é desafiando o aluno a um trabalho criativo e intelectual. As universidades podem promover elevados níveis de sucesso estudantil, 178 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) enfatizando a importância do esforço e estabelecendo grandes expectativas para o desempenho dos alunos. As atividades e condições para isso são: −Preparando para a aula: estudando, lendo, escrevendo, pesquisando e demais atividades relacionadas à disciplina; −Enfatizando o tempo de estudo e trabalho em tarefas acadêmicas no ambiente do campus; −Quantidade de leituras de livros texto, livros, ou livros referentes ao curso; −Quantidade textos e/ou artigos escritos com vinte páginas ou mais, entre cinco e dezenove páginas, e a quantidade abaixo de cinco páginas; −Trabalho que exigiu seu esforço além do esperado para satisfazer as metas ou expectativas de um instrutor; −Trabalho de curso enfatizando a análise dos elementos básicos de uma idéia, uma experiência, ou teoria; −Trabalho de curso enfatizando a síntese e organização de idéias, informações, experiências novas, interpretações mais complexas e relacionamentos; −Trabalho de curso enfatizando a tomada de decisões sobre o valor das informações, dos argumentos, ou métodos; −Trabalho de curso enfatizando aplicação das teorias e conceitos em problemas práticos ou em situações novas. 2. Aprendizagem ativa e colaborativa. Os alunos aprendem mais quando estão envolvidos intensamente na sua educação e quando lhes é pedido para pensar sobre o que estão aprendendo em diferentes contextos. Colaborando com outras pessoas na resolução de problemas ou situações difíceis os prepara para as circunstâncias hodiernas na faculdade bem como fora dela: −Perguntando em aula ou contribuído para com as discussões; −Fazendo apresentações em aula; −Trabalhando com outros estudantes em projetos durante as aulas; −Trabalhando com seus colegas fora da sala de aula para preparar a tarefa de aula; −Sendo tutor ou tutorado por outros estudantes; −Participando em um projeto comunitário como parte do curso regular; Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 179 −Discutindo idéias a partir de leituras ou aulas com seus colegas ou outras pessoas fora da aula. 3. Interação aluno-professor. Os alunos aprendem mais facilmente a pensar e resolver problemas práticos através da interação com os professores, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Os professores passam a ser modelos, mentores e guias para a contínua aprendizagem ao longo da vida: −Discutindo a aula ou tarefas com um instrutor; −Falando sobre planos de carreira com um professor ou conselheiro; −Discutindo idéias a partir de suas leituras ou aulas com professores fora da aula; −Trabalhando com professores em outras atividades do curso, como por exemplo, comitês, atividades da vida estudantil e assim por diante; −Recebendo prontamente o feedback dos professores sobre o desempenho acadêmico; −Trabalhando com professores em projetos de pesquisa fora da sala de aula. 4. Enriquecendo experiências educacionais. Oportunizar atividades complementárias de aprendizagem dentro e fora da sala de aula ampliam os programas acadêmicos. Diversidade de experiências ensina aos estudantes valiosas coisas sobre os outros e sobre si mesmos. Tecnologia facilita a colaboração entre instrutores e colegas. Estágios e serviços comunitários são oportunidades para integração e aplicação de conhecimentos. Isso pode ser desenvolvido através de: −Participação em atividades extracurriculares, tais como organizações estudantis, esportes e outras; −Serviço comunitário ou trabalho voluntário; −Estudar no exterior; −Estudos independente ou maior que o designado; −Concluindo experiências de graduando, tais como exame abrangente, teses e outros; −Prática de estágio, experiências práticas, tarefa extra classe; −Curso de língua estrangeira; −Diálogos com estudantes de diferentes raças e etnias; 180 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) −Diálogos com estudantes de diferentes religiões, crenças, opiniões políticas, ou valores pessoais; −Usando a tecnologia eletrônica para discutir ou completar uma tarefa; −Ambiente do campus que proporciona o contato entre estudantes de diferentes experiências sociais, econômicas, racial ou étnica; −Participando em comunidades de aprendizagem ou outro programa formal onde grupos de estudantes realizam duas ou mais aulas por semana juntos. 5. Ambiente de apoio no campus. Estudantes têm melhor desempenho e são mais satisfeitos na universidade quando estão comprometidos com o seu sucesso e cultivam um positivo trabalho e relação social entre diferentes grupos no campus: −Ambiente do campus proporciona o apoio que o aluno precisa para ter sucesso acadêmico; −O ambiente do campus ajuda o aluno a lidar com as responsabilidades não acadêmicas, tais como trabalho, família e outros; −O ambiente do campus fornece apoio para o aluno prosperar socialmente; −Qualidade nas relações com outros estudantes; −Qualidade nas relações com professores; −Qualidade nas relações com pessoal do administrativo e escritórios. O conjunto de benchmarks que permeia o contexto educacional tem o aluno como principal protagonista, onde o comprometimento deste nas atividades associadas a cada benchmark do NSSE é considerado educacionalmente decisivo, pois tais atividades conduzem ao aprofundamento nos níveis de aprendizagem e na produção de duradouros e contáveis ganhos e resultados educacionais (KUH, et al., 2005). A melhoria da qualidade na Educação Superior depende do comprometimento de todos os envolvidos nesse contexto (MIDDLEHURST; WOODLHOUSE, 1995) em especial o comprometimento do aluno, uma vez que “nada nem ninguém pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se empenhar no processo de aprendizagem.” (TARDIF, 2002, p. 132). Portanto, a percepção quanto à qualidade do ensino requer medidas que possibilitem perceber o grau de comprometimento dos envolvidos nesse contexto, em especial o do aluno. Entretanto, as avaliações no contexto Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 181 educacional brasileiro com relação ao aluno têm como foco o desempenho do estudante, e não as ações e/ou atividades comportamentais que podem evidenciar o comprometimento do estudante com a sua aprendizagem. Limitações e desafios da avaliação discente no contexto brasileiro A avaliação do desempenho acadêmico iniciou com a implementação do Exame Nacional de Cursos – ENC, conhecido como “Provão” em 1996 (BRASIL, 2007). A partir do ENC o aluno passou a ter participação ativa na avaliação da Educação Superior. Atualmente o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE substitui o Provão. O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, e mede o desempenho dos alunos em relação aos conteúdos programáticos constantes nas diretrizes curriculares de seus cursos. A aplicação desse exame é acompanhada de um instrumento que identifica o perfil dos estudantes, a fim de uma melhor compreensão de seus resultados. Os resultados da avaliação do desempenho dos alunos de cada curso são expressos por meio de conceitos, ordenados em uma escala de cinco níveis. A principal inovação do ENADE foi à criação do “Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD), conforme estabelecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, é a diferença entre o desempenho médio dos concluintes de um curso e o desempenho médio estimado para os concluintes desse mesmo curso” (BRASIL, 2007, p. 213). Esse indicador parece ser mais justo do que os conceitos ordenados em uma escala como o apresentado no ENADE, uma vez que considera o perfil dos candidatos, promovendo, assim, uma concorrência entre indivíduos supostamente nivelados quanto às condições de entrada, ao passo que o ENADE implica em certa competição entre todos os cursos avaliados, desconsiderando a bagagem anterior dos candidatos. “O IDD busca uma espécie de handicap em que os concorrentes são nivelados pelas condições de ingresso e, dessa forma, propiciando que a disputa se dê em condições mais equilibradas” (BITTENCOURT, et. al., 2008). Infelizmente as questões que compõe o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes não caracterizam o comportamento do estudante com relação às atividades de aprendizagem, ou seja, não evidenciam o comprometimento do aluno. Assim, as avaliações voltadas ao estudante parecem ignorar totalmente 182 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) a forma como os estudantes melhor aprendem, pois quando se avalia o comprometimento do aluno em relação a sua aprendizagem se está pondo em evidência um conjunto de efetivas práticas educacionais que intervêm positivamente no processo de ensino e aprendizagem. Práticas educacionais que evidenciam o que o aluno faz para melhor aprender. Os alunos aprendem lendo, escrevendo, assistindo aula, palestras ou conferências, discutindo com colegas e professores entre inúmeras outras atividades. Assim, nada mais natural que avaliar a qualidade e intensidade do esforço empenhado no desenvolvimento dessas atividades, pois a compreensão dos desafios que enfrenta a educação superior desse século que está associado à avaliação do aluno, não pode esquecer as práticas que guiam todo esse processo, e muito menos o comportamento em relação à elas. Isso evidencia que o conhecimento não é uma mercadoria transferível, mas sim uma construção pessoal capaz de estabelecer interligações complexas que se desenvolvem e se relacionam com a memória no processo de ampliação da compreensão conceitual, o que permite ao profissional ser autonômo e competente no que faz. O processo de avaliação discente desenvolvido no Brasil, embora pertença à dimensão do processo dentro do modelo de análise na Educação Superior, ainda encontra-se muito limitado, uma vez que avalia apenas o desempenho estudantil. Certamente inovações como o IDD vêm melhorar a forma avaliativa, mas há a necessidade de novas formas de avaliar o aluno durante seu percurso na instituição de ensino. Avaliação como instrumento de transformação social, que oportuniza a reflexão acerca dos caminhos percorridos durante o processo de ensino e aprendizagem, avaliação que permita perceber a relação existente entre o aluno e as maneiras que contribuem para um melhor aprender. Quando as formas como o estudante pode melhor aprender se tornam evidentes, há a possibilidade de se repensar, recriar, reorganizar e/ou manter as formas que melhor intervêm para o sucesso acadêmico, em extensão a qualidade da formação do aluno, bem como a da instituição a qual ele pertence. Para se ter melhores efeitos no processo avaliativo do discente, mudanças substanciais são necessárias. Terá que ser mudada a ênfase nos critérios utilizados para avaliar a qualidade do ensino. Há a necessidade de uma avaliação que forneça uma diversidade de abordagens, entre elas as capazes de contemplar estilos de aprendizagem, de capitalizar de forma mais eficaz os pontos fortes e fracos dos discentes durante o processo de ensino e aprendizagem. Portanto, mudanças e/ou o desenvolvimento de novas formas de avaliação estudantil é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino. Avaliações que Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 183 possibilitem perceber o comprometimento do aluno no processo de ensino e de aprendizagem. Novas formas de avaliar o aluno representam um dos grandes desafios na educação superior brasileira. Isso, certamente, se extende para os demais níveis de ensino, pois uma das missões da educação superior é o alcance de uma educação de qualidade para todos. Referências ANAYA, Guadalupe. College experiences and student learning: The influence of active learning, college environments, and cocurricular activities. Journal of College Student Development, v. 37, n. 6, p. 611- 622, 1996. ______. Student involvement: A development theory for higher education. Journal of College Student Personnel v. 25 n. 2, p. 297-308, 1984. BAXTER, Magolda, M. B. Cocurricular influences on college students’ intellectual development. Journal of College Student Development, v. 33, p. 203-213, 1992. Bittencourt, H. R., et. al. (2008). 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A quantidade crescente de empresas que estão implantando seus próprios programas de educação não impedem a escassez destas informações. Segundo Eboli (2010, p. 141) “atualmente estima-se (não existe um banco de dados confiável) que mais de 300 organizações brasileiras ou multinacionais, tanto na esfera pública quanto privada, já implantaram e estão operando seus SECs (Sistema de Educação Corporativa)”. Apesar das inúmeras matérias noticiadas3 sobre este formato de educação, pouco se conhece sobre a eficácia dos seus resultados no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem. Isto se deve pelo fato de que o sucesso ou fracasso dos programas interessa aos próprios investidores e aos seus partícipes. Além disto, a maioria das organizações mantém veladamente uma política de sigilo das informações e, por questões estratégicas não divulgam detalhes dos programas. Neste artigo o autor faz um recorte de sua tese trazendo à reflexão o modelo de avaliação dos resultados e os impactos na qualidade dos programas de educação 1 Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação-PUCRS. Doutor em Educação/PUCRS. Mestre em Economia – UFRGS. Especialista em Economia Empresarial/UFRGS e Marketing/ESPM. Economista/ PUCRS. Docente do Programa de MBA e da graduação do Unilasalle. Consultor Empresarial. e-mail: [email protected] 2 Educação não-formal: “[...] toda a atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como infantis.” Coombs (1968, apud ARANTES, 2008, p. 33). 3 Pesquisa na internet resultou em 4.350.000 notícias com o título “Educação Corporativa”. Disponível em: <http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&source=hp&q=EducacaoC3A7C3A3o+corporativa&oq=Edu cacaoC3A7C3A3o+corporativa&aq=f&aqi=g10&aql=1&gs_sm=e&gs_upl=2729l8021l0l8562l20l15l0l3l 3l0l663l5357l2-1.2.5.4l12l0&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.,cf.osb&fp=f6591c96bdf03a97&biw=1366&bih=606. Acesso em: 18 out. 2011. 188 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) corporativa. Sua investigação, que tinha por objetivo, conhecer os impactos que a educação corporativa gerava ao desenvolvimento humano de seus partícipes proporciona agora, as análises que serão discorridas ao longo deste texto. Na primeira parte do texto o autor abordará conceitos, fundamentações teóricas e discussões sobre a educação corporativa. Num segundo momento o autor apresentará as questões metodológicas, principalmente sob o ponto de vista da construção de um modelo sobre a avaliação de um sistema de educação corporativa. Na terceira e última parte apresentará suas considerações finais. Educação corporativa – conceitos e reflexões Ao fazer o recorte de sua tese intitulada “A educação corporativa e suas contribuições para o desenvolvimento humano” (SILVEIRA, 2010) o autor trouxe à discussão o presente tema para instigar possíveis reflexões sobre o efetivo resultado de tais programas. Sua preocupação ao longo da pesquisa esteve centrada na descoberta da eficácia dos programas de educação na opinião dos próprios partícipes. Não tratou-se de uma pesquisa de satisfação e sim de uma abordagem mais densa, onde procurou através da pesquisa, desvelar a sensação sobre o desenvolvimento pessoal na ótica dos próprios partícipes. Segundo Maister (2010), a “Educação Corporativa busca sustentar a vantagem competitiva, inspirando um aprendizado permanente e um desempenho excepcional dos valores humanos e, consequentemente, das organizações”. Para Maister (2010, [sp]): a educação corporativa tem por finalidade o desenvolvimento e a educação de funcionários, clientes e fornecedores, com o objetivo de atender às estratégias empresariais de uma organização, como meio de alavancar novas oportunidades, entrar em novos mercados globais, criar relacionamentos mais profundos com os clientes e impulsionar a organização para um novo futuro. As empresas que investem em Programas de Educação Corporativa, além do desenvolvimento humano pessoal e profissional de seus funcionários, almejam a conquista de outros benefícios. Dentre eles, pode-se destacar que desejam apresentar uma boa imagem perante a sociedade, querem a retenção dos melhores talentos e, por conseguinte, a redução da rotatividade de pessoal e a formação de equipes mais preparadas e motivadas. Tudo isto leva Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 189 a alcançar também melhores resultados para a empresa, aumentando a sua competitividade e a própria lucratividade. Para Chagas in Bayma (2005, p. 154), Gerente-Executivo de Recursos Humanos da Petrobrás: O que interessa é o vínculo da atividade empresarial com o pioneirismo da pesquisa acadêmica, tendo em vista treinar pessoas numa dimensão de educação continuada, com o respaldo da universidade. Assim, em vez de catedráticos, a empresa ganha funcionários tanto atentos à realidade dos negócios quanto capazes de gerar resultados de alta qualidade e de atualidade indiscutível para a empresa. Um aspecto que deve ser considerado ao refletir-se sobre os motivos em que levam empresas a desenvolverem sistemas próprios de educação é o hiato que existe entre o que alguém aprende na Educação Formal e as novas tecnologias disponibilizadas. A “chamada escola formal” nada mais é do que um espaço para aprendizagem. O desenvolvimento educacional ocorre nos mais diversificados ambientes. Para Arantes (2008, p. 17) a escola é uma instituição histórica, “Foi e é funcional a certas sociedades, mas o que é realmente essencial a qualquer sociedade é a educação. A escola constitui apenas uma de suas formas, e nunca de maneira exclusiva”. A evolução tecnológica, aplicada ao trabalho, é muito veloz e vem causando grandes mudanças nos aspectos culturais e na relação entre empregador e empregado, é a chamada Revolução Informacional no século XXI (CAMARGO apud STAREC, 2006). O que aprendemos, nos bancos escolares, já não é suficiente e não acompanha a velocidade da mudança neste mundo de tecnologias. A consequência disto é uma defasagem no aprendizado das pessoas, o que impacta na produtividade e nos resultados da empresa. Surge, então, uma lacuna, um hiato entre o conhecimento adquirido em sala de aula e o tecnológico, necessário por força das novas demandas dos negócios. A Tecnologia permeia, atualmente, todos os segmentos. Os mais diversos e variados processos requerem, hoje, softwares e hardwares modernos e adequados, que possam atender a um volume enorme de informações e imagens que transitam em redes como a Internet. Segundo Kotler4 citado em artigo publicado na Revista HSMManagement (2009, p. 117): 4 ALERTA VERMELHO permanente. HSM Management, São Paulo: HSM do Brasil, ano 13, n. 75, v. 4, p. 117-123, jul./ago. 2009. 190 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) [...] as empresas precisarão abandonar a sensação de segurança que haviam construído com políticas, estratégias e táticas resultantes de anos de tentativa e erro e aceitar que agora surgiu um ponto de inflexão estratégica gigantesco. Ou mantém a estratégia e correm os riscos derivados dessa decisão – o novo ambiente pode castigar e, inclusive, levar à ruptura-, ou reconhecem a necessidade de uma nova. Os sistemas de gestão estão cada vez mais sofisticados e exigem conhecimentos específicos de áreas que antes não eram trabalhadas. Profissões mais simples que, anteriormente exigiam do trabalhador apenas o Ensino Fundamental, hoje requerem conhecimento em Informática e, na maior parte dos casos, o conhecimento de um segundo, ou terceiro idioma. Um dos grandes desafios nos programas de educação corporativa consiste em medir resultados e benefícios dos projetos, ou seja avaliar a eficácia do ensino e aprendizagem. No contexto da educação formal o estado avalia e regula. Para Bucci, Motta (2008, apud MOROSINI, 2008, p. 252), “[...] O estado avalia e o estado regula. A função realmente capaz de garantir que os cursos satisfaçam a razão pelo qual foram autorizados é a avaliação de qualidade, renovável periodicamente, conforme dispõe a LDB”. No contexto dos programas de educação corporativa a avaliação tornase um compromisso interno da própria instituição, não obstante os conteúdos desenvolvidos e aplicados impactem direta ou indiretamente no ser humano por conseqüência na sociedade como um todo. O processo de ensino e aprendizagem, mesmo que no ambiente não formal, afetará o desenvolvimento pessoal e profissional. Poderá contribuir positivamente, e este é o propósito da grande maioria das corporações que investem nestes projetos. Uma das reflexões que se pode fazer é sobre os programas com fraco conteúdo programático, docentes não preparados e sem acompanhamento pedagógico. Além disto, há de se pensar a necessidade e aplicação de temas interdisciplinares.5 5 Abordagem interdisciplinar: “[...] numa primeira aproximação, pode ser caracterizada como a interação existente entre duas ou mais disciplinas, o que pode ocorrer desde a simples comunicação de ideias aos estudantes sobre cada uma das disciplinas indo até a integração mútua de conceitos básicos de epistemologia, de terminologia, de metodologia, de procedimentos e de organização da pesquisa e do ensino a elas relacionado. Esta situação supõe, portanto, a composição de um grupo de pessoas decididas a encontrar pontos de convergência teóricos ou práticos, valendo-se de sua formação individual nos diferentes campos do conhecimento – cada um deles com seus conceitos, métodos, dados e termos próprios. Significa, portanto, que uma abordagem interdisciplinar não despreza nem anula as características de cada disciplina, mas estabelece o diálogo entre elas, em função de alcançar a compreensão de algum fenômeno natural ou social complexo ou de solucionar um problema socialmente complexo. O fundamento Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 191 Para Tavares (1997, apud BROILO, 2007, p.286) “não é possível falar e muito menos compreender, qualquer percurso de formação sem passar por dois “vectores” essenciais do conhecimento: as diferentes especialidades e campos da área das ciências da educação, numa perspectiva inter e transdiciplinar”. O autor do presente texto identificou dois tipos de resultados que podem ser avaliados. Um deles diz respeito ao resultado gerado objetivamente, medido por indicadores de desempenho. Trata-se do melhoramento do desempenho real, podendo ser medido em percentual, em valor, em unidades produtivas, dentre outros parâmetros. O outro resultado é subjetivo, envolve comportamento humano. Normalmente é medido por pesquisa de clima organizacional, ou pelo grau de satisfação dos partícipes para com os próprios programas de treinamento e desenvolvimento. Phillips (1997, apud EBOLI, et al., 2010, p. 316) introduziu cálculos financeiros para mensurar e justificar os resultados em treinamento e desenvolvimento. Criou o ROI (return over investment ou retorno sobre o investimento). O cálculo do ROI dos programas traria os seguintes benefícios à organização: Mensura a contribuição de cada programa, determinando se foi um bom investimento; Determina que programas contribuem mais para a organização, determinando prioridades; Traz um foco nos resultados de todos os programas, não somente aqueles escolhidos para avaliação financeira; O processo pode convencer a administração de que se trata de um investimento, não de uma despesa. Para o autor a qualidade nos programas de educação corporativa deve ser avaliada por critérios relacionados ao desenvolvimento humano. Na página de apresentação da edição brasileira do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI (DELORS, 2003), o então Ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato Souza, sugere que o desenvolvimento: “[...] humano é entendido como a evolução da ‘capacidade de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do sentido das responsabilidades’” (DELORS, 2003, p. 9). principal dessa abordagem é a necessidade de reunir e articular os múltiplos olhares sobre uma determinada realidade cuja unicidade é normalmente enganosa, especialmente porque não dá transparência imediata à complexidade homem-sociedade ou homem-natureza”.(BORDAS, in FRANCO, KRAHE (Orgs), 2007, p. 87). 192 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Se a empresa passa a investir na formação continuada, criando programas educacionais internos, capazes de orientar e motivar seus funcionários a estudarem e atualizarem-se permanentemente, isto terá um impacto no desenvolvimento humano dos seus partícipes. Mosqueira e Stöbaus (1984), ao abordarem o desenvolvimento humano, preocupam-se mais com o cunho humanista-existencial. Segundo eles, “cremos que esse foco de estudo se torna cada vez mais específico e, ao mesmo tempo, abre perspectivas eminentemente novas, que tornam o estudo desafiador e fascinante em si mesmo” (MOSQUEIRA; STÖBAUS, 1984, p. 67). Para esses autores, “o desenvolvimento humano é aqui considerado como um fenômeno de toda a vida, principiando com o nascimento e encerrando com a morte” (MOSQUEIRA; STÖBAUS, 1984, p. 67). Os desenvolvimentistas, profissionais que estudam o desenvolvimento humano, concentram-se na mudança de desenvolvimento. Segundo Papalia e Olds (2000, p. 25), “a mudança de desenvolvimento é sistemática enquanto coerente e organizada. Ela é adaptativa no sentido de que tem por objetivo lidar com as condições internas e externas da existência em constante mutação”. Em um mundo tão complexo e repleto de variáveis e inter-relações, a evolução como pessoa e profissional, seja ele um empreendedor, trabalhando por conta própria ou um funcionário de empresa, implica a compreensão do ambiente, a motivação individual e a capacidade em ampliar os relacionamentos. O indivíduo que melhor adaptar-se às mudanças e tiver bons relacionamentos sociais terá melhores condições de crescimento. É um exercício não somente de cumprimento de tarefas profissionais no ambiente de trabalho, mas também, de interação, percepção e participação em determinados contextos. Para tanto, o conhecimento, as atitudes e a inteligência emocional são fortes ferramentas para a sobrevivência e o crescimento da pessoa no mundo empresarial. Segundo Delors (2003, p. 113) “O mundo do trabalho constitui, igualmente, um espaço privilegiado de educação”. Para ele o conjunto de habilidades, o valor formativo do trabalho, quando inserido no sistema educativo, têm muita importância na maior parte das sociedades. Delors (2003, p. 113) defende que “Devem multiplicar-se as parcerias entre o sistema educativo e as empresas de modo a favorecer a aproximação necessária entre formação inicial e formação contínua”. Para ele iria facilitar a tomada de consciência pelos adolescentes das dificuldades e oportunidades da vida profissional, ajudando-os a adquirir um conhecimento mais perfeito de si mesmos e a saber orientar-se. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 193 Chowdhury (2003, p. 5) defende a educação para todos. Segundo ele “é a estratégia fundamental para a administração”. Para ele a educação para todos “[...] envolve o treinamento de toda a equipe, sem discriminação, desde o chairman até o operário da fábrica”. Segundo ele, todo programa de treinamento deve ter um plano de implementação estratégica e deve ser monitorado pelos gerentes para garantir que o treinamento não seja perda de tempo. Para ele as iniciativas fracassam porque o gerenciamento impõe a mudança aos funcionários, em vez de educá-los quanto ao que a organização planeja fazer. Chowdhury (2003) valoriza as pessoas quando diz “As pessoas criam organizações, e podem destruí-las. A mercadoria mais valiosa nos negócios não é a tecnologia nem o capital, são as pessoas”. Para Gardner em seu artigo publicado na Revista Book Summary-HSM, 2009, p. 40), “no futuro, o indivíduo se dará conta de que é um estudante eterno e conseguirá tirar proveito do processo de aprendizado sobre o mundo”. Grande parte das informações, investigadas em testes de inteligência, reflete conhecimento adquirido pela vivência em um determinado meio social e educacional. Segundo Maslow (2001), se a relação com o trabalho fosse favorável, ou seja, se a pessoa tivesse uma satisfação em suas necessidades, o efeito seria bastante favorável ao desenvolvimento. Os indivíduos, altamente ‘evoluídos’, assimilam o seu trabalho como identidade, ou seja, o trabalho torna-se parte inerente à definição que eles fazem de si próprios, ao complementar (2001, p. 1): O trabalho pode ser psicoterapêutico, psicológico (viabilizar o crescimento de pessoas sãs em direção à auto-realização). Isto, claro, é até certo ponto um relacionamento circular, isto é, se considerarmos, para início de conversa, pessoas razoavelmente saudáveis em uma organização razoavelmente boa, então o trabalho tende a melhorar as pessoas, o que tende a melhorar o setor, o que, por sua vez, tende a melhorar as pessoas envolvidas, e assim por diante. Nos últimos anos, o investimento no desenvolvimento da pessoa veio se moldando de acordo com as necessidades do mercado de trabalho. No período do ‘boom’ da industrialização brasileira, nos anos 70, momento em que a política de substituição das importações incentivou a indústria nacional, o importante era a mão-de-obra de base. A capacitação básica, com foco principal na indústria, era o grande diferencial. Havia carência de mão-de-obra para operar as máquinas e os equipamentos, uma vez que a indústria estava em franco desenvolvimento. 194 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Em outro momento, o Estado apoiou iniciativas para a formação em cursos técnicos. Havia um ‘interesse velado’, por parte do governo de então, para que a grande massa da população obtivesse um conhecimento técnico e específico, enquanto a universalidade do conhecimento não importava. Se a especialidade do conhecimento, por um lado, atendeu às demandas de mercado, por outro trouxe grandes limitações ao conhecimento geral, às possibilidades de formar pessoas com capacidade crítica. A partir destas reflexões o autor buscou fundamentos teóricos que permitissem a construção de uma base para a avaliação de um programa de educação corporativa. A investigação ocorreu através de um estudo de caso, cuja instituição (SENAC-RS) desenvolve programas de educação corporativa com as seguintes características: financiamento educacional através do fornecimento de um programa de bolsa auxílio aos seus funcionários, o incentivo a participação em seminários, congressos e capacitações diversas e por fim um programa intitulado PDL (Programa de Desenvolvimento da Liderança). A busca por uma metodologia de avaliação O autor encontrou em Chiavenato (2006) um conjunto de elementos que o subsidiaram na elaboração do questionário quanti-qualitativo. Utilizou as doze tendências ao desenvolvimento humano no ambiente de trabalho apresentadas por Chiavenato (2006), para criar seu questionário de pesquisa. Para Chiavenato (2006), os processos para o desenvolvimento de pessoas apresentam doze tendências: 1. Forte ênfase em agregar valor às pessoas e à organização. 2. Participação ativa dos gerentes e das suas equipes. 3. Intensa ligação com o negócio da empresa. 4. Aprimoramento pessoal como parte da melhoria da qualidade de vida das pessoas. 5. Contínua preparação da empresa e das pessoas para o futuro e o destino. 6. Novas abordagens, decorrentes da influência da tecnologia da informação. 7. Adequação das práticas de treinamento às diferenças individuais das pessoas. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 195 8. Ênfase em técnicas grupais e solidárias. 9. Utilização de mecanismos de motivação e de realização pessoal. 10. Busca incessante da excelência. 11. Compartilhamento da informação em substituição aos controles externos. 12. Permanente fonte de retroação ou retroinformação. 13. A partir das doze tendências o autor desenvolveu o questionário: Quadro 1: Tendências nos processos de desenvolvimento de pessoas e questões elaboradas pelo pesquisador. Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Chiavenato, 2006. 196 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Além das doze tendências o autor fez uso dos fundamentos teóricos de Chiavenato (2006) que avaliam a eficácia dos treinamentos. Estes foram adaptados para aplicação aos gestores com o objetivo de conhecer na visão destes a eficácia dos treinamentos, mediante uma série de itens, considerando Nível Organizacional, Nível dos Recursos Humanos e Nível das Tarefas e Operações. Chiavenato (2006) aborda a eficácia dos treinamentos através dos seguintes temas: AVALIAÇÃO AO NÍVEL ORGANIZACIONAL Ao nível organizacional, o treinamento deve proporcionar resultados como: 1. Aumento da eficácia organizacional 2. Melhoria da imagem da empresa. 3. Melhoria do clima organizacional. 4. Melhor relacionamento empresa x empregados. 5. Facilidade nas mudanças e na inovação. 6. Aumento da eficiência etc. AVALIAÇÃO NO NÍVEL DOS RECURSOS HUMANOS. No nível dos recursos humanos, o treinamento deve proporcionar resultados como: 1. Redução da rotatividade de pessoal. 2. Redução do absenteísmo. 3. Aumento da eficiência individual dos empregados. 4. Aumento das habilidades das pessoas. 5. Aumento do conhecimento das pessoas. 6. Mudanças de atitudes e de comportamentos das pessoas etc. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 197 AVALIAÇÃO DAS TAREFAS E OPERAÇÕES. Ao nível das tarefas e operações, o treinamento deve proporcionar resultados como: 1. Aumento de produtividade. 2. Melhoria da qualidade dos produtos e serviços.. 3. Redução no fluxo da produção 4. Melhor atendimento ao cliente. 5. Redução do índice de acidentes 6. Redução do índice de manutenção de máquinas e equipamentos etc. Diante destes fundamentos, o autor desenvolveu dois modelos de questionário, um deles para aplicação em todos os funcionários, partícipes de alguma modalidade dos programas de educação corporativa da instituição em análise. O outro questionário teve como foco os gestores que participaram da escolha dos programas e autorizaram seus funcionários a participarem dos programas. Os dois modelos foram montados com 17 questões fechadas e 4 questões abertas, semi-estruturadas. Para as questões fechadas o autor utilizou uma escala com as seguintes opções: 1. Insatisfeito 2. Parcialmente satisfeito 3. Satisfeito 4. Muito satisfeito 5. Sem opinião formada As questões abertas, semi-estruturadas foram formatadas para possibilitar que os partícipes emitissem suas opiniões, considerando seus sentimentos em relação ao programa, aspectos cultural, emocional e profissional. Para análise dos resultados o autor fez uso, além da estatística descritiva, a análise de conteúdo de Bardin (1977, p.101). A organização do material foi bastante intensa uma vez que os instrumentos geraram um grande 198 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) volume de respostas, alternativas e proposições. Segundo Bardin (1977) a fase de pré-análise inclui a leitura flutuante, a escolha de documentos, a formulação de hipóteses e objetivos, a elaboração de indicadores e a preparação do material. O autor constituiu “um corpus” que, segundo Bardin (1977) é um conjunto de documentos que são submetidos aos procedimentos analíticos. O mesmo procurou fazer uso das regras indicadas pela autora: 1) Regra da exaustividade: devem ser considerados todos os elementos do corpus da pesquisa. Todos os elementos presentes no questionário devem ser considerados exaustivamente. Durante a pesquisa, todas as questões e respostas foram consideradas, até mesmo quando a opção marcada foi “sem opinião formada”. Nestes casos o autor procurou identificar motivos que justificassem esta marcação. 2) Regra da representatividade: A amostra analisada deve ser representativa, para que os resultados obtidos possam ser generalizados ao todo. Além disto, deve-se priorizar os dados que possuem maior significado. Na presente investigação, o cálculo da amostra garantiu esta representatividade. A ferramenta permitiu também identificar aspectos subjetivos na amostra que contribuíram para a representatividade. A pesquisa foi composta por funcionários que exercem os mais variados cargos e atuam em vários departamentos permitindo uma excelente distribuição amostral. 3) Regra da homogeneidade: diz respeito à escolha de critérios precisos para análise das respostas. As respostas foram agrupadas por temas permitindo seguir um padrão de análise para todas as questões, apresentando-as em gráficos padronizados. 4) Regra da pertinência: os documentos selecionados devem ser adequados, enquanto fonte de informação, de modo a corresponderem aos objetivos propostos na tese. O autor selecionou os documentos extremamente pertinentes e adequados ao campo de investigação. Na fase de exploração e tratamento dos resultados, os instrumentos permitiram identificar as impressões e os sentimentos dos partícipes da educação corporativa, o quê proporcionou aos gestores condições de avaliar e inferir sobre os resultados dos programas de treinamento e desenvolvimento. Considerações finais Através da investigação e do uso dos instrumentos de avaliação o autor percebeu o quanto o programa de educação corporativa contribui para o Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 199 desenvolvimento dos seus partícipes. A aplicação da pesquisa fundamentada nas doze tendências para o desenvolvimento de Chiavenato (2006) permitiram identificar questões sobre o desenvolvimento pessoal e profissional e também avaliar a satisfação sobre os treinamentos, considerando o nível organizacional, os recursos humanos e as tarefas e operações. As análises das respostas quantitativas permitiram identificar o grau de satisfação com a estruturação do programa de educação corporativa e as contribuições ao próprio desenvolvimento dos partícipes. Contribuições estas relacionadas às tendências já mencionadas. As questões qualitativas evidenciaram aspectos bastante positivos, como envolvimento, comprometimento, desenvolvimento, satisfação, importância dos programas para o desenvolvimento pessoal. Entretanto, emergiram, das questões qualitativas, sugestões que, para o pesquisador, traduzem os anseios, tais como ampliação dos programas, melhoria na divulgação das oportunidades de cursos, participação em eventos e treinamentos fora do Estado, entre outros. Da pesquisa emergiram termos como: “emocionalmente mais equilibrado, estimulado para exercer as atividades, integrado à instituição, respeito às opiniões, satisfação com as oportunidades”, dentre outros. O instrumento permitiu ainda, que os partícipes emitissem uma série de sugestões, as quais o autor destaca, “ampliar cada vez mais o programa, criar um plano de divulgação aos colaboradores, acompanhar a eficácia”. Por parte dos gestores, o autor destaca que os instrumentos de pesquisa permitiram identificar sentimentos muito positivos sobre o programa. Para eles os programas foram efetivos, com grande eficácia no atingimento dos objetivos empresariais, sobretudo na promoção do desenvolvimento das pessoas. Ao refletir sobre a eficácia dos programas de educação corporativa pelo olhar dos partícipes o autor procurou um viés mais humanístico. Focou não somente em questões técnicas, mensuráveis através de indicadores de resultados, mas nas contribuições ao desenvolvimento humano que estes programas podem proporcionar. O uso de escalas de satisfação alicerçadas em fundamentos de Chiavenato (2006) permitiu abordar questões que permeiam toda a organização e geraram centenas de combinações de resultados capazes de proporcionar uma excelente visão de satisfação e desenvolvimento dos partícipes. Quando o autor cruzou os dados quantitativos com os qualitativos, mesclando, perfil, escalas de satisfação e análise de conteúdo pode perceber o quão importante tem sido o programa para seus partícipes o que remete a 200 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) validação da aplicabilidade do programa de educação corporativa investigado e, sobretudo dos efeitos positivos no desenvolvimento das pessoas, enquanto partícipes da educação corporativa. REFERÊNCIAS ALERTA VERMELHO permanente. HSM Management, São Paulo: HSM do Brasil, ano 13, n. 75, v. 4, p. 117-123, jul./ago.2009. ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BAYMA, Fátima et al. (Org.). Educação corporativa: desenvolvendo e gerenciando competências. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. BORDAS, Mérion Campos. A interdisciplinaridade na universidade: possibilidade e limites. In: FRANCO, Maria Estela Dal Pai; KRAHE, Elizabeth Diefenthaeler (Orgs.). Pedagogia universitária e áreas de conhecimento. Porto Alegre: Edipucrs, 2007. BROILO, Cecília Luiza. 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QUALIDADE E CURSOS DE EXCELÊNCIA Adriana Rivoire Menelli de Oliveira1 Introdução A temática do ensino tem levado a sociedade brasileira ao debate sobre a qualidade dos atuais cursos de graduação oferecidos pelas instituições de educação superior, que formam profissionais para o mercado de trabalho nas suas mais diversas áreas. A recente discussão sobre as repercussões de um ensino de qualidade em egressos tem permitido avaliar se a formação oferecida aos alunos, ao longo de anos, os qualifica ou não como bons profissionais para enfrentar os desafios da vida e a sua profissão de forma sólida e competente. As políticas públicas voltadas à melhoria do ensino surgem pelo entendimento de que a qualificação da formação profissional passa pela avaliação da educação superior e dos cursos de graduação ofertados pelas IES. As primeiras iniciativas de avaliação surgem com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES focalizando os programas de pós-graduação, em 1970 e com Programa de Avaliação de Reforma Univeristária – PARU2, de 1983 a 1986, instituído pelo MEC, por meio de avaliações isoladas e não de caráter nacional. Em dezembro de 1993, é criado o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras - PAIUB3 com o objetivo de desenvolver e levar a qualidade e reflexão às instituições de ensino superior, dentro de uma visão formativa/emancipatória. Na segunda metade dos anos de 1990, instala-se uma proposta de avaliação por resultados com a implantação do ENC4 (Provão) e, somente nos anos 2000, com a implantação do SINAES5, em 2004, o tema qualidade de ensino assume um caráter crítico para consolidação do processo de avaliação em todas as instituições de educação ‘superior no país. 1 Graduada em Letras, Mestre e Doutora em Educação pela PUCRS e realizando Estágio Pós-doutoral em Educação na PUCRS. 2 O Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU) foi desenvolvido no final do governo militar, em junho de 1983, por iniciativa do Conselho Federal de Educação (CFE). 3 O Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB) foi criado em dezembro de 1993, por meio do lançamento de um documento básico da Coordenadoria Geral de Análise e Avaliação Institucional da Secretaria de Educação Superior (SESU) e da Comissão Nacional de Avaliação das Universidades Brasileiras. 4 Decreto 2026/96. ENC/Provão, que perdurou de 1996 a 2003. 5 Instituído pela Lei Nº. 10.861/2004, o SINAES nasce com objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior (IES), dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico dos seus estudantes, nos termos do art. 9o, VI, VIII e IX, da LDB. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 203 Diante da realidade emergente de qualificar os cursos de graduação oferecidos pelas IES, o Curso de Graduação em Nutrição/UFRGS foi escolhido como objeto de estudo para esta pesquisa, a partir dos resultados da avaliação realizada pelas turmas do curso que participaram do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES. Na primeira parte do texto, o estudo propõe-se analisar a implantação do SINAES, a partir da configuração e entendimento da avaliação de instituições e de cursos de graduação no Brasil, para a formação de profissionais qualificados e preparados para o mercado de trabalho. Em seguida, é apresentado o curso de Graduação em Nutrição da UFRGS, a sua história acadêmica, referenciais e proposta curricular. Na continuidade, a metodologia desenvolvida para o levantamento dos dados da pesquisa e a análise do estudo proposto. Destarte, as considerações finais que levam aos resultados da pesquisa, ainda que parciais, remetendo aos observadores refletir sobre o impacto da qualidade de ensino em egressos de cursos de graduação das instituições de educação superior em nosso país. O SINAES e os indicadores de qualidade O processo de avaliação das instituições e dos cursos de graduação instituído, ao longo dos últimos dez anos, vem sofrendo mudanças significativas, que têm repercutido na evolução e desenvolvimento das IES no Brasil. Considerando as diversas iniciativas já referidas neste texto, para regulamentar a avaliação nas IES desde a década de 1970 no país, atualmente, a partir do advento do SINAES, no ano de 2004, pode-se constatar um processo de consolidação do sistema de avaliação para a educação superior. De forma a referendar a proposta do SINAES sobre o entendimento de avaliação, destaca-se o que é declarado no instrumento de avaliação de cursos de graduação sobre avaliação da formação acadêmica e a qualidade de ensino. A avaliação da formação acadêmica e profissional é entendida como uma atividade estruturada que permite a apreensão da qualidade do curso no contexto da realidade institucional, no sentido de formar cidadãos conscientes e profissionais responsáveis e capazes de realizar transformações sociais (MEC/INEP, 2006, p. 8). 204 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Segundo a legislação, o SINAES é formado por três componentes principais: a Avaliação das Instituições (AVALIES), dos Cursos de Graduação (ACG) e do Desempenho dos Estudantes (ENADE). Com relação ao as IES, a avaliação desenvolve-se em duas etapas: a auto-avaliação e a avaliação externa. A avaliação institucional é compreendida por dois momentos distintos: a auto-avaliação e a avaliação externa in loco. A auto-avaliação ocorre em cada IES, é feita por uma comissão formada por representantes do quadro técnicoadministrativo e dos corpos docente e discente da própria instituição, além de membros externos da comunidade. O processo ocorre por ciclos e os resultados da auto-avaliação compõem, conjuntamente com as demais avaliações do SINAES, o todo da avaliação da IES. A avaliação externa ocorre a partir das comissões de avaliação designadas pelo INEP, que terá como atribuição comparar os objetivos, resultados e dificuldades declarados pela instituição em sua auto-avaliação e o que os avaliadores externos observarem acerca da realidade institucional. Os mesmos dez quesitos considerados pela auto-avaliação — que envolvem desde infra-estrutura, gestão, corpo docente, pesquisa e até responsabilidade social da instituição na região onde atua — serão verificados pela avaliação externa. A Avaliação de Cursos de Graduação – ACG está diretamente ligada ao reconhecimento e à renovação do reconhecimento dos cursos. Ocorre por meio de instrumentos e procedimentos que incluem visitas in loco de comissões assessoras de avaliação. Já os estudantes, participam de um exame nacional de forma amostral, no primeiro e último ano do curso. Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e instituições de educação superior no País. Segundo a Portaria Normativa no 4/2008 do MEC6, que regulamenta a aplicação do conceito preliminar de cursos superiores, para fins dos processos de renovação de reconhecimento respectivos, no âmbito do ciclo avaliativo do SINAES, no § 1º do Artigo 2º, considera-se conceito preliminar satisfatório igual ou superior a três. Nestes casos, as avaliações in loco ficam dispensados de avaliação in loco nos processos de renovação de reconhecimento respectivos. O Conceito Preliminar de Curso é formado pelos insumos que lhe são atribuídos, 30% da nota final; o ENADE, com atribuição de 40%; e o IDD7 MEC. Portaria Normativa MEC Nº 4, de 5 de agosto de 2008. DOU 06.08.2008, republicada em 07.08.2008. O Indicador de Diferença Entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) tem o propósito de trazer às instituições informações comparativas dos desempenhos de seus estudantes concluintes em relação aos resultados obtidos, em média, pelas demais instituições cujos perfis de seus estudantes ingressantes são semelhantes. Entende-se que essas informações são boas aproximações do que seria considerado efeito do curso. O IDD é a diferença entre o desempenho médio do concluinte de um curso e o desempenho médio estimado para os concluintes desse mesmo curso e representa, portanto, quanto cada curso se destaca da 6 7 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 205 com 30%. Os insumos são compostos pelas seguintes informações: infraestrutura e instalações físicas, com peso 10,2; recursos didático-pedagógicos, com 27,2 de peso; corpo docente, considerando-se a titulação, peso de 38,9; e o regime de trabalho com o peso de 23,8. O CPC é obtido numa escala que vai de 1 a 5, em que 1 indica o menor resultado e 5 corresponde ao maior resultado. (MEC/ INEP, 2007).8 Para efeito, o Conceito Preliminar de Curso considerou os resultados do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES, no período compreendido entre 2004 e 2007. Os cursos de graduação que participaram do Enade em 2007 totalizam 3.238, considerando que destes, 37%, não apresentam CPC por algum motivo relevante, que os impediram de receber conceito, como não apresentar Conceito Enade, não ter registro no cadastro de docentes, falta de informação em mais de um componente do termo de ‘insumo’ do CPC, entre outros. Por outro lado, os cursos que participaram do Enade e alcançaram CPC=3, CPC=4 e CPC=5, somam 46% do total de cursos, representando um montante significativo com CPC satisfatório. O Enade, como parte integrante do SINAES, caracteriza-se por ser um exame que avalia o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos, as habilidades e competências desenvolvidas em sala de aula. Os instrumentos básicos do Enade são a prova, o questionário de impressões dos estudantes sobre a prova, o questionário do estudante e o questionário do coordenador do curso/habilitação. De acordo com o § 1º, do Artigo 5º, da LEI Nº 10.861/2004, o ENADE terá como atribuição “aferir o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento”, o que revela a amplitude do exame que é aplicado aos estudantes com relação ao projeto pedagógico do curso e ao perfil do egresso definido e esperado para o ingresso na carreira profissional. Além dos procedimentos de avaliação, o SINAES utiliza instrumentos complementares, como Censo da Educação Superior; Cadastro das Instituições e Cursos; Sistemas de registro da CAPES, SESU, SETEC e outros; questionários dos alunos e Plano de Desenvolvimento Institucional. média, podendo ficar acima ou abaixo do que seria esperado para ele baseando-se no perfil de seus estudantes. Conceito IDD é uma transformação do IDD Índice, de forma que ele seja apresentado em cinco categorias (1 a 5) sendo que 1 é o resultado mais baixo e 5 é o melhor resultado possível no IDD Conceito. 8 Ministério da Educação, INEP. Cálculo do Conceito Preliminar de Cursos de Graduação Nota Técnica, INEP, 2007. 206 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Na perspectiva de abranger, de forma integradora as diversas dimensões da realidade da IES, o processo avaliativo do SINAES propõe assegurar sua coerência conceitual, epistemológica e prática, bem como o alcance dos objetivos dos diversos instrumentos e modalidades (RODRIGUES, 2008). A proposta do SINAES vem, portanto, aprimorar os processos acadêmicos desenvolvidos nas IES brasileiras, de forma que busquem a melhoria da qualidade de ensino para a formação de profissionais competentes e preparados para o mercado de trabalho. Os indicadores de qualidade, que ocorre por meio dos três componentes principais: a Avaliação das Instituições (AVALIES), dos Cursos de Graduação (ACG) e do Desempenho dos Estudantes (ENADE), é um caminho para qualificar os cursos de graduação, os processos acadêmicos e as instituições de ensino. Quando se fala em qualidade, pode ser de vários aspectos, pois é uma palavra que pode ser considerada polissêmica, porque seu entendimento dependerá do tema a que se refere como qualidade de vida, qualidade de um produto, índices de qualidade, entre outros. Nesse caso, fala-se de qualidade de ensino, no entendimento estrito de formação humana, formação profissional em cursos de graduação. Sobre o entendimento de qualidade, buscou-se a etimologia do termo, que vem do latim qualitate, que significa “propriedade, atributo ou condição das coisas ou pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza” (FERREIRA, 1975, p. 1175). Leite (2006), por sua vez “designa a avaliação da qualidade entendida como um atributo ou conjunto de atributos dos objetivos, dos serviços e das relações que existem no seio das instituições das sociedades modernas” (LEITE, 2006, p. 468). Definir qualidade depende do olhar de quem a conceitua e entende, e as expectativas estão diretamente relacionadas ao conceito constituído. Morosini (2006) desenvolveu três conceitos de qualidade em educação, sendo estas denominadas, como Isomórfica, da Diversidade e da Equidade da Educação de acordo com pode ser visto na definição em destaque. Qualidade Isomórfica da Educação refere-se a critérios estandardizados com tendência a considerar um modelo único de qualidade. Qualidade da Diversidade em Educação define-se como multidimensional de avaliação que envolve outras funções e atividades da instituição: ensino, programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência, ambiente acadêmico em geral... [. . .] evitando a uniformidade. Qualidade Social ou da Equidade da Educação é aquela ligada a democracia e conseqüentemente à noção de 207 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores cidadania e à concepção de educação por inteiro... [. . .] tem um forte componente ético-social marcado pelo direito do cidadão a ter direitos; e considera a concretude das práticas escolares na elaboração de políticas públicas mais justas (MOROSINI, 2006, p. 468, 469). O Plano Nacional de Educação – PNE9 de 2001 aborda como prioridade os aspectos que dizem respeito à qualidade de ensino contemplando parâmetros curriculares nacionais, currículo, formação e valorização de professores e de profissionais da educação em geral, avaliação educacional, equipamentos, materiais didático-pedagógicos, infra-estrutura física, financiamento e gestão. A proposta de uma formação qualificada diversifica-se diante dos referenciais de cada sociedade. Por isso, o conceito de qualidade de ensino deve estar presente nos debates, fóruns e seminários, não somente de representantes da educação, mas também com a participação da sociedade civil organizada, para que sejam definidas políticas públicas que avancem no desenvolvimento e privilegiem o bem estar humano. Diante da legislação e das ações que vêm sendo realizadas em relação à avaliação das IES, dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes, a seguir é apresentado o Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, como um dos cursos de graduação de qualidade a alcançar conceito satisfatório no processo de avaliação do 1º Ciclo Avaliativo do SINAES. Caracterização Nutrição do Curso de Graduação em O Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS10 foi escolhido para ser objeto de estudo da pesquisa, considerando os indicadores de qualidade e os resultados alcançados, que o colocaram o curso da universidade entre os melhores da área da saúde do estado do Rio Grande do Sul. Como integrante do 1º Ciclo Avaliativo do SINAES (2004-2007), o Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS destaca-se pelo conceito máximo (4) alcançado no Conceito Preliminar de Curso (CPC), no Exame Nacional da Educação Superior (Conceito ENADE) e em seu IDD.11 Plano Nacional de Educação – PNE, aprovado pela Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001. Criado em 30 de Julho de 1999 através da decisão nº 111/99 do Conselho Universitário. Reconhecido pela Portaria nº 1.794/MEC de 18 de junho de 2004. 11 CPC, Enade, IDD – Controle de Avaliação do SINAES – 2007, Diretoria de Avaliação da Educação Superior. 9 10 208 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O Curso de Graduação em Nutrição integra a Faculdade de Medicina da UFRGS e localiza-se no espaço físico dos cursos da saúde, próximo ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Campus Saúde. O curso foi fundado em 2000, em vista da crescente importância desta ciência na promoção da Saúde. (2007). De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Nutrição - PPC tem duração de 8 semestres, em turno integral, com 60 vagas anuais, ingressando metade dos acadêmicos no 1º semestre e a outra metade no 2º semestre letivo. A titulação que o aluno recebe, quando da finalização do curso, é de Nutricionista, um profissional da área da saúde, “capacitado a atuar visando à segurança alimentar e à Atenção Dietética, em todas as áreas do conhecimento em que a alimentação e nutrição se apresentem fundamentais para a promoção, a manutenção e a recuperação da saúde”. (PPC Nutrição, 2007, p.8). Ao concluir o Curso de Graduação em Nutrição o profissional deverá apresentar competências e habilidades para: aplicar conhecimentos sobre a composição, propriedades e transformações dos alimentos e seu aproveitamento pelo organismo humano; atuar em políticas e programas de educação, seguranças e vigilância nutricional, alimentar e sanitária; atuar em equipes de terapia nutricional; avaliar, diagnosticar e acompanhar o estado nutricional; prescrever, analisar, supervisionar e avaliar dietas e suplementos dietéticos para indivíduos sadios e enfermos; planejar, gerenciar e avaliar unidades de alimentação e nutrição, visando à saúde de coletividades sadias e enfermas; desenvolver atividades de auditoria, assessoria e consultoria na área de alimentação e nutrição; exercer controle de qualidade dos alimentos; desenvolver e avaliar novas fórmulas ou produtos alimentares (PPC de Nutrição, 2007). O texto das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Nutrição,12 em seu Artigo 3º, define o perfil do formando egresso/profissional, como um Nutricionista que terá uma formação generalista, humanista e crítica, capacitado a atuar, visando à segurança alimentar e à atenção dietética, em todas as áreas do conhecimento em que alimentação e nutrição se apresentem fundamentais para a promoção, manutenção e recuperação da saúde e para a prevenção de doenças de indivíduos ou grupos populacionais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, pautado em princípios éticos, com reflexão sobre a realidade econômica, política, social e cultural. O Nutricionista é um profissional da saúde e, como tal, deve ter competências e habilidades gerais próprias desenvolvidas com relação à atenção 12 RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 5, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 209 à saúde, à tomada de decisão, à comunicação, à liderança, à administração e gerenciamento e à educação permanente. O Curso de Graduação em Nutrição deve preparar, portanto, o profissional Nutricionista para o acompanhamento, desenvolvimento e promoção da saúde da sociedade, buscando seu crescimento e saúde nutricional global. A metodologia como promotora de saberes Com os fundamentos delineados para a investigação, utilizou-se a abordagem quali-quantitativa para o desenvolvimento do estudo, a partir dos resultados do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES, dos dados do CPC,13 do Enade14 e do IDD,15 além do levantamento dos dados das turmas do Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, dos anos de 2005 a 2007 e, também, com os egressos de 2008. A pesquisa pode ser classificada como exploratória, pois proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. Esse tipo de pesquisa pode envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado. Com relação aos procedimentos técnicos, caracteriza-se como bibliográfica e de levantamento, isto é, é desenvolvida com base em livros e artigos científicos e com interrogação direta das pessoas que se deseja conhecer ou saber informações (GIL, 2002). Segundo Marconi e Lakatos (2003, p.83), “o método científico é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permitem alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros - traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. Corroborando com essa idéia, Garcia (1998, p.44) coloca que “o método representa um procedimento racional e ordenado (forma de pensar), constituído por instrumentos básicos, que implica utilizar a reflexão e a experimentação, para proceder ao longo do caminho (significado etimológico de método) e alcançar os objetivos preestabelecidos no planejamento da pesquisa (projeto)”. 13 Conceito Preliminar de Curso é um indicador prévio de qualidade dos cursos de graduação. Esse indicador combina o desempenho obtido pelos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) com os resultados do Indicador de Diferença de Desempenho (IDD) e com as informações de infra-estrutura e instalações físicas, recursos didático-pedagógicos e corpo docente oferecidas pelo curso de uma determinada Instituição de Ensino Superior. 14 Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. 15 Indicador de Diferença de Desempenho. 210 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O objetivo da investigação foi analisar a importância do SINAES16 para a avaliação da educação superior e seu impacto para o avanço da qualidade de ensino no Brasil, a partir dos resultados alcançados pelo Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS no 1º Ciclo de Avaliação do SINAES. O estudo aborda o impacto da qualidade de ensino em egressos do Curso de Graduação em Nutrição, da Faculdade de Medicina, da UFRGS, que participaram do ENADE, nos anos compreendidos entre 2005 e 2008. Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica aos documentos sobre a legislação brasileira sobre avaliação da educação superior e de autores para fundamentar teoricamente o estudo. O acesso aos dados para a investigação ocorreu por meio de documentos disponibilizados pelo Portal do INEP17 (relatórios e pesquisas) e pela Coordenação do Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS (PPC e egressos). Em um segundo momento, a pesquisa objetivou-se a buscar dados qualitativos, por meio de entrevistas com a coordenação do Curso de Graduação em Nutrição e a professora pesquisadora responsável pelo Departamento de Medicina Social, da Faculdade de Medicina - FAMED, visando proporcionar maior familiaridade com o problema para torná-lo explícito (GIL, 2002). A proposta foi aproximar a análise qualitativa com a quantitativa, para que se complementassem e enriquecessem o estudo investigativo. Assim, reverberando sobre a importância da análise documental, Bardin (2004, p. 40) afirma que o importante é o armazenamento sob uma forma variável e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que este obtenha informações (quantitativas) e com o máximo de pertinência (qualitativo). Por isso o destaque para os documentos, que são fontes potenciais que auxiliam no entendimento e nas diversas visões, que a análise de conteúdo dos dados pode oferecer em uma pesquisa. Na ocasião da entrevista, foi apresentado o projeto de pesquisa e a proposta de survey18 a ser enviado aos egressos do curso. Por ser também de interesse da universidade a realização da investigação proposta pela O SINAES é composto por três grandes pilares: avaliação dos estudantes pelo ENADE; avaliação dos cursos de graduação desenvolvida por visitas in loco; avaliação institucional compreendendo a autoavaliação e a avaliação externa. 17 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep - autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e eqüidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral. 18 Os surveys aplicados aos egressos basearam-se no modelo desenvolvido por Satdlober (2010), já validado anteriormente em sua Tese “Qualidade do ensino superior no Curso de Administração: a avaliação dos egressos” (2010), que teve como referência o modelo de Cabrera, Weerts e Zulick (s/d) e ANECA 2009. 16 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 211 pesquisadora, houve plena aceitação dos professores do curso, os quais facilitaram o acesso aos dados dos egressos, além de disponibilizarem os documentos referentes ao Projeto Pedagógico do Curso – PPC e a listagem dos alunos das turmas de 2005, 2006, 2007 e 2008. Ao final do mês de junho, o survey eletrônico foi encaminhado aos 91 egressos do curso pela plataforma virtual do Google, via e-mail, para os endereços particulares de cada egresso. Dessa forma, utilizou-se uma survey, que é um procedimento para coleta de dados. De acordo com Hair Jr. Et. AL (2005, p. 157), “os métodos survey recaem em duas categorias amplas: administração de questionários e entrevistas. (...) enviadas pelo correio e as surveys eletrônicas”. Neste estudo, utilizou-se o formulário eletrônico para o envio dos questionários aos egressos do curso. Uma das alunas pesquisadoras do Departamento de Medicina Social prontificou-se a auxiliar na formatação do documento, no envio dos questionários e pelo seu monitoramento. O survey foi enviado anexo a uma mensagem para todos os participantes, como formulário eletrônico contendo 100 questões, subdivididas em partes, sendo a primeira, sobre as características desenvolvidas durante a formação na graduação, com 22 questões; a segunda, sobre o progresso desenvolvido durante a formação, com 21 questões; a terceira, sobre o resultado de ter cursado um curso de graduação, com 9 questões; a quarta parte, sobre a avaliação do curso realizado, com 9 questões; a parte cinco, sobre a importância dada aos diferentes aspectos do trabalho, com 16 questões e, a última parte, sobre informações gerais, com 21 questões fechadas e duas abertas de forma a facilitar a compilação dos dados para análise. Na medida em que os egressos do curso respondiam aos formulários, os dados iam sendo compilados em gráficos, o que visualmente proporcionou acompanhar as respostas como um todo. De junho a agosto, apenas 34 surveys haviam sido respondidos dos 91 enviados, fazendo com que a coleta se estendesse por mais tempo além do previsto. Definiu-se o mês de setembro para o encerramento do recebimento das respostas para posterior compilação total dos dados e análise final. A coleta de dados foi realizada a partir dos dados bibliográficos levantados pelos documentos existentes e disponíveis (secundários) e das respostas dos surveys aplicados aos egressos (primários). Com os dados levantados, após a revisão de literatura sobre o tema da qualidade de ensino e cursos de graduação, organizou-se um quadro referência com as categorias de análise, que proporcionaram a triangulação dos saberes, tendo por base a teoria que aborda os temas da qualidade de ensino e da avaliação de cursos de graduação; os resultados do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES e as surveys com egressos. 212 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Após o momento de compilação dos dados, direcionou-se o estudo para a análise dos dados da pesquisa. No decorrer do levantamento, categorias emergiram de acordo com o objeto do estudo. Para tanto, buscou-se em Triviños (1996, p.161) o referencial teórico para embasar o processo de análise de conteúdo, pois, para o autor, “o processo pode ser feito da seguinte forma: préanálise (organização do material), descrição analítica dos dados (codificação, classificação, categorização), interpretação referencial (tratamento e reflexão)”. Reafirmando a idéia, o objetivo da interpretação “é a procura do sentido mais amplo de tais respostas, por sua ligação com outros conhecimentos já obtidos” (SELLTIZ et al apud RAUEN, 1999, p. 122). Corroborando com os autores acima, Bardin (2004, p. 37) afirma que a Análise de Conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens”. Assim, com o processo investigativo definido, a próxima etapa foi selecionar as quatro categorias que emergiram do estudo. Abaixo, os construtos e relações das categorias e suas características com as questões aplicadas aos egressos. Tabela 2: Quadro conceitual das categorias para análise. CATEGORIAS DESCRIÇÃO QUESTÕES 1. Projeto pedagógico do curso de graduação Características do curso para a formação profissional de qualidade Parte 1:7; 10; 12; 13; Parte 2: 1; 2; 3; 12; 21 Parte 3: 6; 8; Parte 4: 1; 4; 8; 9; 2. Organização curricular relação ensino -aprendizagem Relação do conhecimento com a aprendizagem do aluno Parte 1: 1; 5; 6; 8; 9; 10; 11; 14; 16; 18; 19; 20; 21; 22; Parte 2: 11, 14; Parte 3: 4; 5; Parte 4:3; 6; 9 3. Competências/habilidades e formação profissional Características desenvolvidas para a formação profissional de qualidade Parte 1: 4; 8; Parte 2:4; 5; 6; 8; 9; 16; 18; 19; 20; Parte 3: 4; 7; Parte 4: 7; 8; 4. Impacto da qualidade de ensino em egressos Indicadores de qualidade do curso e o impacto na vida profissional. Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010. Parte 1:6; 7; 12; Parte 2: 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 10; 11; 12; 13; 16; 18; 19; 20 Parte 3: 1; 2; 3; 4; 6; 7; 8; 9 Parte 4: 1; 2; Parte 5: 5; 8; 9; 12; 13; 14; Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 213 Com base nos referenciais teóricos e os dos dados da pesquisa levantados durante a investigação, as categorias tornaram possível a análise criteriosa sobre a qualidade de ensino na graduação, a partir dos dados dos questionários dos egressos e de documentos sobre o Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, e de documentos sobre o SINAES. Resultados preliminares O estudo sobre o impacto da qualidade de ensino em egressos participantes do 1º Ciclo de Avaliação do SINAES permite, ainda que de forma parcial, levantar indicadores de qualidade de ensino na graduação, tendo em vista os resultados das análises dos dados coletados nas entrevistas com alunos egressos, coordenação de curso e resultados de avaliação. A Categoria Projeto Pedagógico do Curso de Graduação aborda as características consideradas importantes para a formação profissional, com relação aos indicadores de qualidade. No que tange aos aspectos do Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, os indicadores de qualidade levantados pelos egressos, em relação a sua formação, são destacados como mais significativos, no quadros abaixo. Cada quadro representa o desdobramento de cada Categoria que, após análise detalhada, possibilitou elencar indicadores de qualidade do Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS. De acordo com os resultados parciais e preliminares do estudo, perante a categoria “Projeto Pedagógico do Curso de Graduação”, que compatibiliza a organização, a estrutura do projeto pedagógico do curso e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, os dados compilados revelam aspectos importantes que podem ser visualizados a seguir no Quadro 1. Quadro 1: Projeto Pedagógico do Curso de Graduação Ação docente Os professores apresentavam propostas de reforço em sala de aula, quando surgiam dificuldades; sentiam-se desafiados pelos professores; os professores guiavam o desenvolvimento dos alunos. Prática Oportunidade de colocar em prática as qualificações que desenvolveu durante o curso; desenvolveram conhecimento técnico da linguagem em nutrição; têm conhecimento de quais mudanças são necessárias para a melhoria dos processos nutricionais em uma empresa/ instituição; envolveram-se em práticas que lhes ajudaram no seu desenvolvimento, durante a sua formação. Metodologia Satisfação com os métodos e teorias aplicados no ensino. 214 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Entendimento da profissão Entenderam a atividade do nutricionista e o trabalho que atualmente desenvolvem; entenderam a nutrição como uma área que possui uma infinidade de inter-relações com outros conhecimentos técnicos e humanos. Preparação para o mercado de trabalho Afirmam terem tido progresso durante a sua formação no curso; a conclusão do curso de Nutrição ajudou a entrar no mercado de trabalho; a formação impactou a sua satisfação com relação ao seu trabalho profissional; satisfação com a preparação recebida pela faculdade onde realizou o curso de Nutrição. Satisfação Avaliação máxima para o curso que realizaram. Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010. Os resultados alcançados pelo Curso de Graduação em Nutrição pelo Sinaes, quanto então o curso alcançou conceito satisfatório 4 em todas as dimensões, representam que o curso vem desenvolvendo uma formação que tem feito diferença na vida acadêmica e egressa de seus alunos. Confirmando a avaliação, os egressos revelaram que, em relação ao projeto pedagógico do curso, alguns indicadores são fundamentais para uma formação de qualidade, tais como, ação docente comprometida e de excelência; prática pedagógica; metodologia; entendimento da profissão, clareza dos objetivos; preparação para o mercado de trabalho, e satisfação com a formação. O Quadro 2 “Organização curricular - relação ensino-aprendizagem” aborda a organização curricular do curso, a relação ensino-aprendizagem e as articulações do conhecimento com a prática pedagógica. Quadro 2: Organização curricular – relação ensino-aprendizagem. Reflexão e participação Existiam oportunidades para os alunos trabalharem em grupos; sentiam-se encorajados para apresentar soluções quando os problemas surgiam em sala de aula; discutiam idéias com os colegas em sala de aula. Ação docente O professor apresentava propostas de reforço em sala de aula, quando surgiam dificuldades; as atividades de sala de aula eram claramente explicadas; os professores ministravam aulas mais expositivas; interação de professores com alunos fora do ambiente de sala de aula. Teoria e Prática Nos estudos houve maior ênfase no trabalho teórico; nos estudos houve maior ênfase no trabalho prático. Ação reflexão ação Nos estudos houve maior ênfase na apresentação escrita; nos estudos houve maior ênfase na apresentação oral. Avaliação Recebiam retorno sobre os trabalhos realizados em aula (avaliação); o professor frequentemente apresentava retorno sobre os trabalhos realizados. Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 215 Os resultados de “Organização curricular” demonstram os indicadores sobre o currículo do curso de graduação, importantes para a formação de profissionais qualificados. Diante das colocações dos egressos, indicadores são apontados, de acordo com as colocações dos egressos, a saber, reflexão e participação; ação docente; teoria e prática; ação reflexão ação, e avaliação. A seguir, o Quadro 3 aborda as “Competências/habilidades” desenvolvidas pelos alunos do curso de graduação durante a sua formação. Quadro 3: Competências/habilidades Relação interpessoal Escutam as idéias dos colegas de forma aberta; os alunos ensinavam e aprendiam uns com os outros; discutiam idéias com os colegas de sala de aula. Habilidades práticas Envolveu-se em práticas que lhes ajudaram no seu desenvolvimento; desenvolveram conhecimento nos processos que envolvem a profissão de nutricionista; habilidade técnica desenvolvida em nutrição; habilidade para encaminhar questões nutricionais. Comunicação Descrevem um problema oralmente; descrevem um problema por escrito claramente. Avaliação Avaliam o trabalho como algo colaborativo, vendo a unidade como uma equipe; combinam as alternativas e avaliam o que é melhor para o desenvolvimento da equipe de nutrição. Competência Organizam as informações nutricionais em categorias e as aplica de forma adequada; sente-se habilitado para ser um nutricionista; desenvolveram na graduação habilidades humanas, conceituais e teóricas. Compromisso pessoal Desenvolveram senso de responsabilidade com a sua própria aprendizagem. Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010. Conforme o Quadro 3 acima é elencado indicadores de qualidade relativos ao desenvolvimento das competências e das habilidades que os acadêmicos do curso de graduação em Nutrição adquiriram durante a sua formação, a saber, relação interpessoal; habilidades práticas; comunicação; avaliação; competência, e compromisso pessoal. O Quadro 4, que trata do “Impacto da qualidade de ensino em egressos”, permite observar os aspectos considerados importantes para o egresso, após sua formação acadêmica para a sua vida profissional. 216 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Quadro 4: Impacto da qualidade de ensino em egressos Competências/ habilidades Sentiam-se encorajados para apresentar soluções quando os problemas surgiam em sala de aula. Oportunidades de colocar em prática as qualificações que desenvolveram; Entenderam a atividade do nutricionista e o trabalho que desenvolve; Entenderam a nutrição como uma área que possui uma infinidade de inter-relações com outros conhecimentos técnicos e humanos; Desenvolveram conhecimento técnico da linguagem em nutrição; Desenvolveram conhecimento nos processos que envolvem a profissão de nutricionista; Habilidades técnicas desenvolvidas em nutrição; Habilidade para encaminhar questões nutricionais. Conhecimento e prática profissional Organizam as informações nutricionais em categorias e as aplica adequada. Aplicam um conceito abstrato ou idéia para resolução de problema relativo a sua profissão; Desenvolvem metodologia útil para o desenvolvimento da profissão de nutricionista. Autonomia Identificam as pessoas necessárias para resolver os problemas quando eles aparecem; Percebem quais mudanças necessárias para a melhoria dos processos nutricionais em uma empresa/instituição; Percebe quais mudanças necessárias para o desenvolvimento das atividades nutricionais em uma empresa/instituição. Avaliação e discernimento Escutam idéias dos colegas de forma aberta; Avaliam o trabalho como algo colaborativo, vendo a unidade como uma equipe; Combinam as alternativas e avaliam o que é melhor para o desenvolvimento da equipe de nutrição Confiança A confiança em ter feito o curso de Nutrição lhe abriu portas; A confiança em ter concluído o curso de Nutrição lhe tornou um profissional melhor. Responsabilidade Desenvolveram senso de responsabilidade com a sua própria aprendizagem; Sentem-se habilitados para ser um nutricionista; Satisfação profissional A sua formação impactou a sua satisfação com relação ao seu trabalho profissional; Satisfação com a preparação recebida pela faculdade onde realizou o curso de nutrição; Satisfação com as possibilidades Compromisso social Aplicam no trabalho e no meio social as competências desenvolvidas na universidade; oportunidade de fazer algo útil para a sociedade. Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2010. O Quadro 4 revela os indicadores de qualidade considerados importantes pelos egressos do Curso de Graduação em Nutrição, da UFRGS, para a sua vida profissional atual no mercado de trabalho, a saber, competências e habilidades adquiridas durante a formação; conhecimento técnico e prática profissional; autonomia; avaliação e discernimento para a tomada de decisão; confiança enquanto profissional; responsabilidade, e satisfação profissional. Diante dos dados parciais encontrados na pesquisa e analisados, os indicadores de qualidade que levaram o Curso de Graduação em Nutrição, da Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 217 UFRGS, a alcançar o conceito satisfatório 4, em todas as dimensões do 1º Ciclo Avaliativo do SINAES (2004-2007), induzem as características elencadas acima, que retratam o sentimento dos egressos do curso em relação a sua formação. Considerando os indicadores de qualidade que emergiram do estudo sobre os resultados do 1º Ciclo Avaliativo do Sinaes, dos resultados dos surveys aplicados aos egressos do Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS e dos documentos da legislação brasileira, LDB, Diretrizes Curriculares e SINAES, é possível verificar que a qualidade de ensino dos cursos de graduação está diretamente interligada com os processos de avaliação instituídos nessa última década, com as propostas dos projetos pedagógicos instituídos nas IES e o perfil de egressos que se propõem a formar, com o quadro docente capacitado, com o conhecimento teórico e a prática profissional proposta, assim como as ações de responsabilidade social do curso com a sociedade. Verifica-se que os indicadores que emergiram deste estudo, sobre a qualidade de cursos de graduação, que os mesmos estão de acordo com as Diretrizes Curriculares definidas pelo MEC, em consonância com a proposta de um ensino de qualidade, em sintonia com a realidade latente da sociedade, bem como com os princípios que levam ao compromisso transformador da sociedade. Além, disso, o estudo demonstra que a vida egressa dos alunos, tem relação direta com o seu futuro sucesso profissional, tendo em vista à formação de qualidade, a instituição de referência, a prática profissional desenvolvida no curso e o conhecimento refinado promovido por professores capacitados e competentes. Comprovação desta afirmação verifica-se na vida atual dos egressos e seus empregos, pois, do total de participantes que responderam ao survey, 53% já possui um emprego, 33% possui dois, 10% já trabalha em três locais e, apenas 3%, possui mais que três locais de trabalho. Foi possível verificar também que a grande maioria dos egressos é do sexo feminino, dedicava-se mais de 5 a 6 horas por semana aos estudos e aos trabalhos acadêmicos; da mesma forma realizaram estágios ligados ao curso e que demoraram de 4 a 5 anos para concluírem a graduação. Atualmente, pretendem realizar doutorado na área, e já possuem emprego, tanto na área pública, quanto privada, em empresas de grande e médio porte. Do montante, 57% possuem consultórios próprios, 14% trabalham em creches, 7% em academias e 29% em outros espaços e, 100%, demorou de 1 a 2 anos para conseguir o primeiro emprego na sua área profissional. 218 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Considerações Finais A busca da qualidade de ensino em cursos de graduação é um grande desafio nos dias atuais para a sociedade brasileira. A regulação da educação superior pelos órgãos governamentais está cada vez mais intensa e o seu acompanhamento vem constatando o quanto ainda se precisa evoluir, em termos de projetos pedagógicos, organização curricular e qualificação docente. O estudo realizado a partir da realidade do Curso de Graduação em Nutrição da UFRGS promoveu uma ampla reflexão sobre os indicadores de qualidade elencados pelos egressos de seu curso. Na análise, percebeu-se que consideram para a sua vida profissional, após a sua formação, a partir das categorias que emergiram durante o estudo. Conforme o elencado, os indicadores estão de acordo com as Diretrizes Curriculares e a LDB, o que demonstra que o curso já vinha se antecipando na busca de indicadores de qualidade para se qualificar e qualificar o ensino ministrado na universidade. Assim, ratificam-se alguns indicadores que são primordiais para uma formação de qualidade nos cursos de graduação, como aqueles que vêm sendo propostos e que devem ser considerados nas avaliações realizadas pelo Sinaes, como as dez dimensões que abrangem desde a organização e a estrutura institucional, o projeto pedagógico dos cursos bem avaliados e sua organização curricular, até a capacitação, titulação e experiência dos docentes que estão fazendo parte dos cursos de graduação nas IES brasileiras. Destarte, é possível qualificar o ensino dos cursos de graduação, bem como aperfeiçoar as suas propostas pedagógicas, de acordo com a realidade e as necessidades das comunidades locais; capacitar para uma vida profissional satisfatória e contribuir para o desenvolvimento da sociedade e a transformação de cidadãos que clamam por uma educação de excelência e por uma vida mais digna e igualitária. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. (2004). Análise de conteúdo. 3ª ed. Lisboa: Edições 70. 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Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. UFRGS/FAMED. (2007). Projeto pedagógico do curso de graduação em Nutrição. QUALIDADE E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Vânia Alves Martins Chaigar1 Cleoni Maria Barboza Fernandes2 E sse trabalho se insere no Grupo de Pesquisa Interinstitucional – Formação de Professores, Licenciaturas e Práticas Pedagógicas3 – que atualmente estuda por meio da pesquisa “Movimentos de configuração curricular de cursos de licenciatura: dilemas e desafios nos processos formativos da Formação Inicial de Professores” movimentos e momentos de reconfiguração curricular de cursos de Formação Inicial de Professores a partir das Resoluções CNE/CP 1 e 2 de 2002. Nessas resoluções na discussão das políticas públicas que definiram as reformas educativas, a temática da qualidade assume uma centralidade, encaminhando a necessidade de uma educação/formação de qualidade para a Educação Superior, neste caso a Formação Inicial de Professores. Discutir educação de qualidade implica em trabalhar com a porosidade de significados, desnudando a qualidade como ela se sustentasse em si mesmo. Temos a clareza epistemológica e política que, ao tratar da qualidade, entramos em um terreno movediço, com o risco de reduzi-lo a uma adjetivação sem sentido e sem direção. A concepção de qualidade é multidimensional envolvendo uma complexidade que não é aprisionada tanto do ponto de vista linguístico, quanto político. Rios (2001) chama a atenção para o fato de que o termo qualidade já carrega em sua compreensão uma idéia de algo bom, que se contrapõe a noção de defeitos, incompletudes (p.68). A autora ainda destaca que: quando se fala em qualidade, está se pensando em um série de atributos que teria essa educação.A qualidade, então, não seria um atributo, uma propriedade, mas consistiria num conjunto de atributos, de propriedades que caracterizariam uma boa educação. Poderíamos dizer então, que a Qualidade, com maiúscula, é na verdade, um conjunto de qualidades. Cortella (1998) nos traz a contribuição de compreender qualidade em uma base ético-existencial e política de uma escola para todos: qualidade Doutor em Educação pela UNISINOS. Professora do Curso de Mestrado em Educação da FURG. Pósdoutoranda em Educação pela PUCRS. Integrante do grupo de pesquisa “Formação de professores, Licenciaturas e Práticas Pedagógicas” desde 2010. 2 Doutor em Educação pela UFRGS e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. 3 Grupo constituído pelas instituições PUCRS/UFPEL/UFSM/IFCatarinense – campus de Camboriú. 1 222 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) social, a qual precisa revelar-se como objetivo último da escola pública na educação da classe trabalhadora, (p.15), comprometida com a democratização da sociedade, em relação ao acesso e à permanência, para atender a um objetivo político-social de democratizar o saber. Esse objetivo necessita para ser alcançado, de uma sólida base científica, formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social (p.14-15). Nesse contexto trazemos um recorte de pesquisa que envolve os cursos de Geografia e Pedagogia de uma universidade pública para fortalecer um sentimento de pertença e uma qualificação do processo pedagógico tendo a pesquisa como princípio educativo, como um indicador fundante para nossas práticas pedagógicas. Entendemos prática pedagógica como: Prática intencional de ensino e de aprendizagem, não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar e Ed aprender, mas articulada a uma educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica e cultural, datado e situado, numa relação dialética e tensionada entre prática-teoria-prática, conteúdo-forma, sujeitossaberes-experiências e perspectivas interdisciplinares. (FERNANDES: 2003, p.376). Há dois anos teve início na Universidade Federal do Rio Grande, FURG, o projeto “Rios que se cruzam” uma iniciativa de professores docentes vinculados ao Núcleo de Educação e Memória (EDUCAMEMÓRIA) do Instituto de Educação e ao Núcleo de Análises Urbanas (NAU) do Instituto de Ciências Humanas e da Informação. O trabalho foi desenvolvido nas disciplinas de Metodologia de Ensino das Ciências Sociais, no curso Licenciatura em Pedagogia e, Ensino do Município de Rio Grande no curso Licenciatura em Geografia, visando potencializar saberes docentes e discentes através de práticas interdisciplinares. Esse processo vem sendo pesquisado desde 2009 e está sendo aprofundado ao longo de 2011 em estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. Durante o ano de 2009 o projeto foi-se construindo no percurso, valorizando as experiências distintas dos sujeitos envolvidos, respeitando os diferentes tempos das disciplinas, traçando caminhos a partir dessas caminhadas peculiares, porém feitas no coletivo. O projeto Rios que se cruzam desenvolveu ao longo desse ano as seguintes atividades: reuniões de planejamento entre os professores coordenadores, conversas com as duas turmas para esclarecimento do trabalho, realização de saída de campo das turmas na cidade de Rio Grande; Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 223 encontros entre estudantes de Pedagogia e Geografia através de aulas coletivas para troca de saberes e projetos discentes (nessa fase estudantes de Geografia trabalharam os conceitos geográficos dos PCNs e estudantes de Pedagogia apresentaram projetos investigativos na cidade: “Memórias, lugares e a cidade”), pesquisas de campo; produção de relatórios de pesquisa, organização de evento de extensão para socializar as pesquisas realizadas: “I Seminário Memórias, lugares e a cidade”.4 Em 2010 o projeto foi reconfigurado em função das demandas dos professores e a parceria foi restaurada no segundo semestre, na organização e coordenação do II Seminário Memórias, lugares e a cidade.5 Duas (02) turmas do segundo ano de Pedagogia (diurna e noturna) foram envolvidas e vinte (20) pesquisas foram produzidas por sessenta e cinco estudantes, na disciplina de Metodologia de Ensino de Ciências Sociais. Embora não tenha sido possível manter a parceria discente entre estudantes dos dois cursos, o que certamente empobreceu o processo educativo, o rigor das investigações e a qualidade das produções mostraram amadurecimento do projeto, o que nos leva a refletir sobre as prováveis aprendizagens ocorridas. Como fontes dessas reflexões, tomamos relatórios de pesquisa, anotações realizadas em sala de aula, depoimentos de estudantes e instrumentos de avaliação do projeto. Algumas considerações sobre a construção do trabalho, os impactos nos processos formativos e categorias deslindadas, além das motivações de nossos movimentos docentes, estaremos registrando a seguir. Sob o desafio de ensinar e significar conteúdos cuja compreensão é exigente em conceitos, muitas vezes complexos, a jovens estudantes de licenciaturas fomos provocados a refletir sobre modos de pensar e perceber desses discentes, pois entendíamos que estavam a apresentar novos comportamentos na sala de aula, manifestando assim, provavelmente, culturas peculiares às novas demandas que acessaram à Universidade, mais intensamente, a partir do início dos anos 2000. Segundo Cunha (2008, p. 6) as exigências que progressivamente se apresentam para o exercício da profissão impõem o desenvolvimento de habilidades e saberes antes não configurados, estimulando novas compreensões sobre o fazer profissional docente. 4 O Seminário ocorreu nos dias 02 e 09/12/2009, socializou dez (10) pesquisas realizadas pela turma de estudantes de Pedagogia, na cidade de Rio Grande e apresentou duas (02) palestras. 5 O II Seminário Memórias, lugares e a cidade ocorreu de 29/11 a 01/12/2010, socializou quinze (15) pesquisas, realizadas por duas turmas da Pedagogia na cidade de Rio Grande, proporcionou cinco (05) mini-cursos, uma mostra de cinema e memória e três atividades denominadas “costura de memórias”, com a finalidade de discutir teoricamente os trabalhos. Paralelo ao Seminário transcorreu a I Mostra O lugar da memória na escola, em parceria com a 18ª CRE e SMEC de Rio Grande, RS. 224 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Sobretudo no ensino noturno, onde desenvolvemos nossa experimentação, tem sido mais nítida algumas alterações nas configurações de discentes universitários. A turma da Pedagogia, por exemplo, no ano letivo de 2009, foi constituída por 42 mulheres, trabalhadoras na maioria (comerciárias, merendeiras, enfermeiras, faxineiras, professoras, entre outras), desempregadas, donas de casa; poucas, apenas estudantes. Essas mulheres possuíam idades e interesses bem distintos, assim como experiências de vida intensas e são a primeira geração da família historicamente a romper com o círculo do ensino básico, na maior parte, segundo diagnóstico feito na turma. “Narciso acha feio o que não é espelho”, já havia sentenciado Caetano muitos anos atrás na canção Sampa. A primeira questão que emerge dessas relações sociais inéditas é a do estranhamento: linguagens, valores, interpretações, posturas, etc., entram em choque. É um exercício que se assemelha a um jogo no qual cada qual tenta capturar o outro (ou suas intencionalidades), palmo a palmo, através de sondagens, deixas, observações, proposições e muito “tato” feitas num cenário de riscos e incertezas. Pinto ao analisar dados empíricos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) no início dos anos 2000, sobre programas de inclusão diz: A combinação contextual de valores, emoções, sistemas simbólicos, representações culturais e interesses calculados nas disposições que analisam as práticas acadêmicas faz com que as estruturas coletivas e as trajetórias individuais que elas sustentam e possibilitam escapem aos propósitos explícitos das ideologias pedagógicas (2006, p. 141). Mesmo que a inclusão de sujeitos, que historicamente não acessavam a Universidade, esteja a escapar aos propósitos das ideologias pedagógicas, conforme o excerto acima sinaliza ou, acrescentamos, não se resuma a metodologias, abre espaço às docências para a instauração de experiências que em “Rios que se cruzam” esteve sustentada por dois pilares principais: No diálogo, concretizado no estímulo ao uso da própria voz e à escuta atenta da voz do outro e de suas peculiaridades (ainda que difícil) e na curiosidade epistemológica, o aguçamento da dúvida e da vontade de conhecer, entendida como fundamental para a produção do conhecimento. É a curiosidade “metodicamente rigorosa” que pode levar a “achados cada vez mais exatos” (FREIRE, 1997, p. 139). Embora sejam categorias muito presentes na obra freireana e reconhecidas como parte de uma docência compromissada com a transformação Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 225 social, não são nada fáceis de serem instauradas nos contextos contemporâneos de individualismos exacerbados, alteração em categorias históricas como a de estudante e professor, arrefecimento do coletivo, representações arraigadas sobre ciência, entre outras. Assumir-se como estudante protagonista que divide com o professor o compromisso de construir as condições que possibilitam o ensinar e o aprender, por exemplo, pode exigir uma subjetividade positiva que lhe permita o reconhecimento de suas potencialidades, o que em muitos casos demanda tempo e investimento. Também ocorre, convivendo simultaneamente com isso, o oposto, isto é, a crença de que já sabe ou, ainda, a minimização da importância dos novos conhecimentos vistos apenas como “teorias” que nada vão acrescentar. Resumindo: pouco ou excesso de confiança na própria cultura. Questões como essas visíveis no “miúdo” dos espaços educativos da Universidade fazem parte de mutações sociais que estão ocorrendo no mundo ocidental e, nesse sentido, tornar-se aluno “já não significa tanto a submissão a modelos prévios, ao contrário, consiste em construir sua experiência como tal e atribuir um sentido a este trabalho” (DUBET apud DAYRELL, 2007, p. 16). A sala de aula não é mais capaz de ser o abrigo das respostas formuladas somente a partir dela mesma; constitui-se num espaço sempre em elaboração, permanentemente produzida segundo a correlação de forças que se fazem e refazem, fora de suas paredes atribuindo novos sentidos tanto à docência quanto à discência. Daí reconhecermos a incompletude das nossas docências e buscarmos a aproximação de experimentos interdisciplinares que segundo Fazenda são uma “atitude de ousadia e busca, frente ao conhecimento” (2008, p. 324). As experiências são sempre renovadas e a formação é profundamente atravessada pelo caráter biográfico das pessoas já que são dotadas de singularidades e ao expressá-las, mediante narrativas, provocam influências na percepção de quem às ouve. Conforme Nóvoa (2004, p. 14), “a nossa matéria são as pedras vivas, as pessoas, porque neste campo, os verbos conjugam-se nas suas formas transitivas e prenominais: formar é sempre formar-se”. O reconhecimento de que a nossa matéria são pessoas, cuja formação não começa na Universidade (e daí talvez interrogarmos sobre a adequação do termo formação inicial), que trazem em suas bagagens lastros produzidos em diferentes tempos-espaços geram indícios sobre modos próprios de apreensão e produção do conhecimento. No caso é pouco provável ou desejável que possam/queiram se despir de si mesmos em nome de conhecimentos acadêmicos ou maneiras tradicionais de trabalhá-los na sala de aula. 226 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Estudo anterior na perspectiva autobiográfica sobre formação de professores analisando o despojamento (voluntário ou não) de parte de si durante os processos formativos gerou a reflexão e o sentimento de que memórias foram perdidas, “à força de paradigmas que consideram civilizados aqueles que se esquecem de si e entregam porções generosas de seus saberes como outorga a novos e insípidos conhecimentos” (CHAIGAR, 2008, p. 246). Daí a valorização da instauração do diálogo e da curiosidade na condução do processo educativo visto como autoformação confirmando o que Nóvoa afirmara anteriormente: “formar é sempre formar-se”! O educador Paulo Freire já havia nos deixado a lição de que ensinar e aprender são verbos conjugados simultaneamente. O autor enfatizou que só é capaz de ensinar, aquele que é capaz de aprender porque embora o papel do professor seja distinto do de estudante e constitua uma atividade marcada pela diretividade – não é possível ser neutro -, a docência não existe sem a discência: “as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro” (FREIRE, 1997, p. 25). A diretividade na sala de aula é expressa pela corporeidade das intenções e na perspectiva do diálogo é incompatível com a “issoalização” do outro - vêlo como objeto das nossas proposições. Entretanto, se nos indispomos com o denominado “ensino bancário” também não concordamos em centrar o ensino no estudante. Em ambos, um dos lados precisa abrir mão de ser sujeito, necessita negar-se perante o outro o que, por si só, invalida qualquer ideia de alteridade. Se por uma perspectiva é inadmissível a coisificação discente, por outra que professor estará disposto a abrir mão de ser na sala de aula? Propor situações em que estudantes assumam a condição de protagonismo, é um processo longo, delicado e sinuoso, pois se trata de subverter uma histórica ordem cartesiana, que perdurou na modernidade, na qual estudantes e professores possuíam papéis fixos e pré-determinados. A docência e a discência se produzem em ambientes mediados por práticas sociais: todo um conjunto de representações, saberes, conhecimentos, valores, (des) identificações decorrem desses encontros em que professores e estudantes travam disputas pela ocupação de espaços de poder. Nada é tão clean, ambos representam interesses específicos e, muitas vezes, tensionados por contradições e/ou oposições. Freire também frisou sobre o equívoco dos falsos consensos, nos quais o professor finge concordar com o estudante para não contrariá-lo ou confrontá-lo. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 227 Escutá-lo não significa concordar com o que está a falar ou se acomodar a essa fala, na concretização da simples aderência. O professor tem o direito de contestar posturas preconceituosas ou chamar a atenção sobre o reducionismo de algumas explicações, por exemplo. Embora lhe caiba compreender que o seu “aqui” geralmente é o “lá” dos estudantes, conforme Freire (2003), não tem obrigação de “dar a ilusão de que concorda com os alunos” (id., p. 206). Como parte dessa escuta - atenta e tensa - no trabalho com estudantes de Pedagogia e Geografia algumas descobertas/constatações têm sido observadas na relação com a geografia e a história da cidade: presença de estereótipos e/ ou precariedade sobre conceitos como natureza, paisagem, espaço, sujeito histórico, além das dificuldades para associar local e global, relacionar conceitos acadêmicos com conteúdos escolares, entre outros. Em muitas ocasiões quando perguntados sobre o que sabem/trazem sobre a cidade na qual vivem, enumeram monumentos, locais turísticos e a presença constante dos “vultos”, como os que estão a constituir nomes de ruas, escolas e praças. Aparentemente a cidade continua a ser um ente abstrato para muitos, inclusive discentes de cursos de licenciatura como a Pedagogia, embora sejam os profissionais dessa área que durante os anos iniciais do ensino fundamental, terão a incumbência de ensinar sobre o município no qual vivem. No ensino público de Rio Grande, normalmente o município é conteúdo de ensino do terceiro ano, sendo que no restante da vida escolar praticamente ele desaparece do currículo, fato que pode ser uma das explicações para o precário conhecimento sobre a cidade. Um dos focos do projeto foi a troca entre estudantes de Pedagogia e Geografia no sentido de promover intercâmbios conceituais, pois enquanto o primeiro curso tem um currículo muito focado no ensino o segundo aprofundase mais nos conceitos da área. Trata-se de duas fronteiras a serem ultrapassadas e estão relacionadas, em parte, aos campos de conhecimento no qual se inserem, visto que a maneira como se configuraram as licenciaturas no Brasil carreou para o presente um legado, ainda não totalmente ultrapassado. Enquanto a Pedagogia, concebida numa perspectiva tecnicista, se forjou com um caráter meramente instrumental, o que levou a área a ser considerada desprovida de epistemologias (CUNHA, 2008), as demais licenciaturas “tiveram o campo disciplinar como matriz e a estrutura desse conhecimento prevaleceu na organização de seus currículos e representações da docência” (id, p. 9). Fazer a Pedagogia e a Geografia intercambiar e ultrapassar limites curriculares levou-nos a desejar privilegiar como tema a cidade e suas 228 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) memórias, propondo-as sob a forma de projeto investigativo na disciplina de Metodologia de Ensino de Ciências Sociais, com a denominação de Memórias, lugares e a cidade.6 Como perceber a cidade? Marco Polo entendia ser difícil expressar com palavras, visto que as mesmas poderiam engessar percepções: “As margens da memória, uma vez fixadas com palavras, cancelam-se - disse Polo. – Pode ser que eu tenha medo de repentinamente perder Veneza, se falar a respeito dela. Ou pode ser que, falando de outras cidades, já a tenha perdido pouco a pouco” (CALVINO, 2009, p. 82). A despeito dessa briga com as palavras a cidade é a expressão visual mais apurada (talvez) de uma determinada sociedade. Suas paisagens são cunhadas por disputas, escolhas, processos, histórias. Revelam as memórias que tiveram força para triunfar e ocultam as que sucumbiram a despeito de quantos e/ou do quê representaram. Le Goff (2003) alerta para o fato de que na história é permanente a luta pela memória que vai prevalecer e depende das correlações de forças de cada época. Não é à toa que os “vultos” históricos, que constam nas listas de programas escolares, parecem tão pouco com os sujeitos comuns - os “ordinários” como diz Certeau (1998), presentes nas histórias narradas em família, nas rodas de conversas na vizinhança ou ouvidas nos deslocamentos realizados na cidade. São leituras distintas sobre a cidade e sua memória, mas que, entretanto, raramente são entendidas como elementos de um jogo no qual a categoria sujeito histórico faz a diferença. Os historiadores citados nos remetem a co-relações com a produção do espaço citadino, isto é, embora na cidade prevaleçam determinados tipos de memórias, são os sujeitos ordinários em seus percursos e deslocamentos que atribuem significado a elementos espaciais, independente dos marcos oficiais: uma “língua espacial”, conforme Certeau (1998, p. 178), é criada como fruto dessa relação entre as pessoas (citadinos) e suas caminhadas que, ao se movimentarem por toda parte, fazem “desaparecer a cidade em certas regiões, exageram-na em outras, distorcem-na, fragmentam e alteram sua ordem, no entanto imóvel” (id, p. 182). Muitas cidades imaginárias são criadas e recriadas nessa relação peculiar. Possamai recorrendo a essa língua e escrita da cidade diz: Além de ausência ou presença de reminiscências, na cidade, memória e esquecimento tornam-se materialidade no espaço O projeto de ensino com pesquisa foi transformado em atividade de extensão com o formato de evento nos anos de 2009 e 2010, I e II Seminário Memórias, lugares e a cidade, respectivamente. E foi articulado com o Pós-doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 6 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 229 urbano. Os traçados das ruas são alterados, as construções são substituídas, os itinerários são modificados, as barreiras escondem do olhar. Por outro lado, monumentos são erigidos para valorizar determinadas memórias. [ ] Memória e esquecimento adquirem formas materiais que configuram a cidade como um palimpsesto em que diferentes textos sobrepõem-se, convivem, desencontram-se (2010, p. 212). A sobreposição de textos também ocorre nos micro espaços como bairros, vilas, ruas ou grupos sociais como família, vizinhos, escola, etc., nos quais algumas memórias perduram no tempo ao contrário de outras: Enquanto alguns personagens se agigantam nas sombras de memórias, por exemplo, outros se apequenam ou desaparecem, sem deixar vestígios, nas histórias e narrativas ratificadas pelo senso comum. A memória social passa por questões de ordem coletiva, contextual, política, mas também está atrelada a questões de ordem subjetiva, individual, afetiva, emocional. Para Bosi (1994, p. 422) “a apreensão do tempo dependente da ação passada e da presente, diversa em cada pessoa. Um tempo que fosse abstrato e a-social nunca poderia abarcar lembranças e não constituiria a natureza humana”. E pondera: Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva. Nossos deslocamentos alteram esse ponto de vista: pertencer a novos grupos nos faz evocar lembranças significativas para este presente e sob a luz explicativa que convém à ação atual. O que nos parece unidade é múltiplo. Para localizar uma lembrança não basta um fio de Ariadne; é preciso desenrolar fios de meadas diversas, pois ela é um ponto de encontro de vários caminhos, é um ponto complexo de convergência dos muitos planos do nosso passado (1994, p. 413). A memória, portanto, não apenas lança luz ao passado numa perspectiva saudosista; a memória ajuda a juntar as pontas desses fios, aparentemente desconexos, a compreender como foi construído o presente, o que estamos sendo e deixando-nos pistas e alertas sobre as múltiplas possibilidades quanto à produção do futuro. A aproximação de estudantes das licenciaturas com algumas de suas memórias, a possibilidade de realizarem diferentes leituras e perceberem as diversas línguas produzidas por quem fez/faz e viveu/vive a cidade levou a alguns movimentos discentes. Desses destacaremos três dimensões que foram recorrentes 230 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) em 2009 e 2010 e embora sejam distintos fios de uma mesma trama, foram separados com fins meramente didáticos. A primeira dimensão refere-se à reconfiguração de olhares para com a cidade. Se para Ostrower (1988, p. 173) “só podemos mesmo pensar e imaginar mediante imagens do espaço” ao conferir maior atenção à cidade, na mediação com a memória, foi possível que alguns estudantes qualificassem seu olhar, refizessem percepções e conceitos espaciais. Produzir outros imaginários sobre si na/com a cidade também traduz capacidades de sobreporem-se à cultura da vitimização e a precariedades materiais do cotidiano, como as que estão amalgamadas às condições objetivas de muitos dos estudantes que fazem as nossas salas de aulas: Ajudou-nos a compreender a importância de situar-nos, de entender em que lugar estou, de saber que a cidade não é feita de prédios e edifícios, ou que Rio Grande não é apenas Porto, Cassino e Furg. Existem pessoas que vivem e vivenciam experiências que constituem essa cidade e que, infelizmente, não as identificamos como parte da cidade... (D., Feminino, Pedagogia Noturno, 2009) Antes simplesmente tirava fotos de lugares bonitos para guardar de recordação, e de minha cidade muito poucas fotos eu tenho, mas agora vou aproveitar as férias e fazer um “turismo” pela minha própria cidade, indo além do simples olhar, observando cada praça, cada prédio histórico ou não, escola enfim estou começando a aprender a olhar, ou melhor, ver além, observar e isso não tem preço, é maravilhoso (E., Feminino, Pedagogia Diurno, 2010). Parece-nos um dado importante a constatação desse aprendizado de que a cidade vai está além de prédios, instituições e clichês turísticos, ou estar “começando a aprender a olhar” e maravilhar-se com isso, pois se aproxima de um conhecimento atravessado por sentidos, por uma estesia, no qual o sujeito apropria-se do conhecimento novo para reconfigurar a si mesmo. Embora não tenhamos neste momento elementos suficientes para ratificar essa afirmativa, ela nos parece plausível e será objeto de aprofundamentos investigativos durante o estágio pós-doutoral. A segunda dimensão é o da valorização do lugar e da história local, percebendo o significado do conceito sujeito histórico. Analisando depoimentos e relatórios do ano de 2009, já havíamos considerado que ao darem seus testemunhos e/ou ouvirem a versão de familiares, relações foram estabelecidas e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 231 fatos históricos, até então abstratos, “saltaram” dos livros e ganharam a liberdade, os jeitos, falas e singularidades das pessoas comuns (CHAIGAR, 2010). Durante a pesquisa, nos surpreendemos com as histórias contadas nos livros e com a relatada por moradores da cidade, à medida que desconhecíamos boa parte dessa história. Muitas vezes, não percebemos o patrimônio histórico social que temos, apenas interagimos sem percebêlo como importante referência de nossa memória (C., Cl., e M., Feminino, Pedagogia Noturno, 2009). Este projeto ao meu entender foi muito importante, pois passei a valorizar mais o que se passa ao meu redor. Passei a dar mais relevância ao sentimento de pertencimento, de entender o quanto nossa história e a história de quem nos rodeiam pode nos trazer sentimentos e entendimentos antes não percebidos (L., Feminino, Pedagogia Diurno, 2010). Os depoimentos confirmam o caráter social da memória, defendido por Bosi (1994) na qual os sujeitos cruzam memórias particulares com coletivas produzindo sentidos distintos que, por sua vez, reconfiguram saberes. Cabe destacar que a produção desse sujeito histórico implica perdas, abrir mão de algumas certezas, pois “mudar é perder uma parte de si mesmo; é deixar para trás lembranças que precisam desse ambiente para sobreviver” (BOSI, 1994, p. 436), daí, talvez, parte de algumas resistências observadas em sala de aula quando provocados a se aventurarem em outros saberes ou a refletirem amparados em outros paradigmas. Ao menos parcialmente, pensamos que uma maneira de perceber a história e a geografia – mecanicista, linear, ilustrativa, factual, compartimentalizada – foi superada por muitos. Esse fato associado à idéia da aprendizagem como processo permanente, tem gerado em nós a expectativa de que outros modos de ensinar essas disciplinas nos anos iniciais do ensino fundamental, na escola, também possam ocorrer. E a terceira dimensão que destacamos é a identificação do conhecimento como experiência de vida e autoconhecimento. Nestas experiências tornei-me mais humano, pois me instigou um contato que perpassa a mera pesquisa, desse modo, caracterizando-a como uma vivência e troca de saberes, pois ambos, pesquisador e entrevistado, são 232 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) pessoas, pessoas estas, carregadas/ricas de histórias e memórias que constituem a personalidade e que por sua vez personalizam o lugar. Esta complexa e paradoxal relação não necessita tanta explicação, apenas a compreensão que se dá no convívio, contato “face to face”, isto é cara a cara, no diálogo, na socialização de dúvidas, medos e conquistas (M., Masculino, Pedagogia Noturna, 2010). Durante a pesquisa, o mais estimulante foi a liberdade, com responsabilidade, somado ao desejo de fazer bem. Tivemos por objetivo nos emocionar, acredito que o atingimos. Descobrimos que as memórias têm cor, tem som e tem sabor e podem ter “vida própria”, acabam fugindo do nosso controle, porque são impregnadas de emoção e emoção é sempre imprevisível, por isso charmosa e estimulante (M., Feminino, Pedagogia Diurno, 2010). “Tornei-me mais humano”. “Tivemos por objetivo nos emocionar”. São frases contundentes e até surpreendentes tendo em vista a aridez e pragmatismo no qual, comumente, são produzidos os conhecimentos acadêmicos e é percebida a ciência. Em algumas situações, nessas mesmas turmas, pudemos ter o contraponto do quanto ainda a ciência é vista como algo exterior aos sujeitos: o que nos alcança e nos toca não é ciência; a ciência é o que não nos alcança, não nos toca. O desterro da ternura da edificação do conhecimento é apontado por Restrepo (2000) como uma das causas da esterilidade de algumas produções e da atomização de nossas culturas. A “emoção é imprevisível”, escreveu a estudante, difícil de mensurar, conferir peso, capturar em categorias estanques. Para abarcála o conhecimento precisaria assumir sua face da incerteza, da imprevisibilidade e da afetividade o que não é muito propício face à supremacia da racionalidade técnica na produção científica. Já Larrosa (2002) alerta para a dificuldade da experiência se concretizar na contemporaneidade, justamente pela dificuldade do envolvimento e pelo excesso de ocorrências, facilmente confundidas com experiência. Para o autor passar por muitas coisas não equivale a experimentar: “Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (LARROSA, 2002, p. 21). Experiência pressupõe envolvimento e movimento, numa palavra: transformação. Todo conhecimento é autoconhecimento (SOUSA SANTOS, 2002)! Esse foi um dos enunciados que ao final do século XX ressoou como inovação e provocou-nos a pensar sobre os porquês da produção do conhecimento e suas Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 233 finalidades. Como parte desse esforço, no micro espaço da sala de aula, temos investido na significação das aprendizagens valorizando categorias que nos são caras como o diálogo e a curiosidade epistemológica que podem qualificar as práticas pedagógicas e encaminhar a construção do coletivo, condição para construir a cidadania. Embora o produto desse processo seja mais pontual e necessite aparas, aprofundamentos, ele se constitui em uma parceria condicionada aos contextos dos seus sujeitos. A qualidade das pesquisas realizadas na cidade, a diversidade de temas escolhidos, os depoimentos de estudantes e a atração de diferentes áreas para as duas edições do Seminário Memórias, lugares e a cidade, levamnos a crer na sua validade e a desejar dar continuidade junto aos nossos núcleos de pesquisa e salas de aula. A síntese provisória da reflexão realizada indica que movimentos percebidos nos discentes também produziram movimentos nos docentes, reforçando enunciados sobre o caráter amalgamado dessas categorias. Nos processos educativos entendidos como auto-formação a mudança em um dos sujeitos produz alterações no outro: exercitamos a divisão de poder do espaço da sala de aula, nos desafiamos a incorporar a imprevisibilidade e as surpresas como elementos didáticos e epistemológicos, nos propomos a dar combate à categoria certeza entre os discentes (ainda muito presente nas culturas desses jovens), investimos na confiança no trabalho de cada parceiro, testamos nossos limites e possibilidades de exercitar o diálogo considerando as relações sociais e os contextos das salas de aula contemporâneas. Consideramos as dimensões como indicadores que nos remetem para outras instâncias na discussão da qualidade das práticas pedagógicas, as quais estão sendo aprofundadas. Mas, constatamos que a pesquisa como princípio educativo, requer uma inserção na prática social que tende a gerar autoria e responsabilidade com o outro e traz para o currículo uma perspectiva interdisciplinar. Referências BOSI, Ecléa. 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Pelo momento contraditório que o mundo passa, de transformações, em que co-existem problemas e avanços de toda ordem, o olhar atento que a avaliação permite elaborar sobre a realidade da ES é decisivo para o aperfeiçoamento da própria universidade - instituição símbolo onde se desenvolve esse nível de educação. José Dias Sobrinho (2010, p. 195), uma das maiores autoridades nessa área, em seu artigo retrospectivo Avaliação e transformações da educação superior brasileira (1995 - 2009): do Provão aos Sinaes, enfatiza que “a avaliação é a ferramenta principal da organização e implementação das reformas educacionais.” De fato, os resultados da avaliação nas IES, mesmo muitas vezes recebendo contestações têm provocado melhorias institucionais e se tornado presença transformadora nos currículos, planos e programas; nas metodologias e práticas de formação, nas estruturas organizacionais e de gestão, “nas políticas e prioridades da pesquisa, nas noções de pertinência e responsabilidade social.” (Id.Ibid.). Para ele avaliação e transformações educacionais interatuam reciprocamente. A avaliação é o motor de qualquer reforma e qualquer mudança contextual produz alterações nos processos avaliativos. Da mesma forma, as transformações que afetam a ES e “sua avaliação fazem parte, de modo particular, porém, com enorme relevância, das complexas e profundas mudanças na sociedade, na economia e no mundo do conhecimento em âmbito global.” (Id. p. 196). A trajetória da avaliação na ES embora seja mais recente no Brasil, vem se delineando em todo o mundo, há longo tempo, mais acentuadamente em meados do século passado. Ao findar o século XX, porém, alguns projetos de avaliação, que se tornaram bastante conhecidos como o Paiub (Programa de Avaliação Institucional 238 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Brasileiro - das instituições federais), e o Paiung (Programa de Avaliação Institucional das Instituições pertencentes ao grupo do Comung - Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas), já faziam parte das vidas institucionais de muitas universidades no contexto brasileiro, como comprovam depoimentos (LONGHI, 2001) de universidades vinculadas ao Comung - (criado em 1993). Entretanto, a implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes (Lei 10.861/2004), provocou no país, um conjunto relevante de mudanças nas universidades e demais tipos de IES públicas, privadas, comunitárias, de grande, médio e pequeno porte. Embora, naturalmente, adequações e críticas foram e continuam sendo elaboradas, cada vez mais se fortalece a concepção de avaliação como atividade científica, parte integrante do processo de construção do conhecimento (DAVYT; VELHO, 2000), inerente ao clássico tripé ou tríplice função da universidade – ensino – pesquisa - extensão. A importância do conhecimento como instrumento para uma vida melhor e mais digna tem sido pretensão dos que vêm se dedicando a construir uma universidade emancipada e democrática. O conhecimento é necessário para a manutenção e a preservação da vida das pessoas, da sociedade e do meio ambiente; nos tempos atuais torna-se imprescindível e, conseqüentemente, reforça a responsabilidade da universidade como instituição, na socialização do conhecimento seja aquele que ela preserva, seja o que ela consegue construir através de seus docentes e pesquisadores. A questão que se coloca é como avaliar a qualidade da pesquisa que é realizada nas universidades. O que pode orientar a gestão universitária na busca de uma pesquisa de melhor qualidade? Já se conseguiu referenciar indicativos para a avaliação das atividades relacionadas ao ensino na universidade. Entretanto, quanto à avaliação da extensão e da pesquisa, parece faltar muito, ainda. O presente trabalho se caracteriza como uma reflexão que se enquadra no âmbito dos estudos da Rede GEU1 acerca dos grupos de Pesquisa (FRANCO; LONGHI; RAMOS, Orgs., 2009), abordando os vínculos entre qualidade e pesquisa no que tange à avaliação da gestão acadêmica, procurando discutir dois requisitos considerados essenciais: legitimidade e compromisso social na produção do conhecimento para, a seguir, propor alguns indicativos na gestão e avaliação da pesquisa na universidade. A Rede GEU (Grupo de Estudos sobre Universidade), liderada pela UFRGS PPGEDU (Programa de Pósgraduação em Educação), congrega o GEUIpesq/UFRGS - Grupo de Estudos sobre Universidade Inovação e Pesquisa, o GEU Sociologia - UFRGS (Porto Alegre – RS), o GEU/UPF (Passo Fundo - RS) e o GEU/Ipesq/ UFpel (Pelotas - RS). 1 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 239 Pontuando algumas questões Face ao que se presencia no mundo atual, em decorrência de inúmeros avanços científicos e tecnológicos, a indagação acerca da responsabilidade sobre o conhecimento que se produz bem como sobre suas conseqüências (atuais ou futuras), se impõe a todos. Essa não é, de modo algum, uma questão simples de ser resolvida. Como essa dupla responsabilidade poderá ser assumida pela universidade? Ninguém desconhece que é impossível garantir o uso que se fará com o que se consegue obter como produto da ciência. A história nos mostra que o que se conhece serve tanto para o bem quanto para o mal. Há muito desconhecimento, ainda, de conseqüências não somente de ações, como também, de atitudes frente a novos conhecimentos. Isso, entretanto não exime a universidade de ser cuidadosa e cautelosa com o que produz e com o que divulga; ela não pode permitir ao pesquisador uma atitude de “irresponsabilidade social” diante dos resultados da aplicação do conhecimento. (SANTOS, 2004, p.40). Outro conjunto de preocupações se impõe face à forte presença da globalização: a ciência passa a ser a maior força produtiva “de primeira ordem” (SANTOS, 2004 a, p. 19), quer esteja ela no ocidente quanto no ocidental oriente. O conhecimento vem provocando alterações profundas no mundo do trabalho, mudando as formas de produção na indústria, na agricultura, nos serviços, principalmente pela presença já quase imprescindível da tecnologia em todos os processos produtivos e em qualquer área. Nesse contexto o conhecimento passa a ser mercadoria. Assim, a universidade que é geradora de conhecimentos e, ao mesmo tempo, agência educativa voltada à formação do cidadão, que prepara recursos humanos especializados em nível superior, se encontra sob muita tensão. As expectativas e o apoio da sociedade estão em razão direta de resultados que satisfaçam suas necessidades, especialmente as relacionadas ao setor econômico, fazendo aflorar contradições em princípios que a universidade, têm primado em manter. A tensão torna-se pressão uma vez que é muito difícil conciliar a perspectiva de um conhecimento cujo benefício deveria servir a todos, porque este conhecimento nem sempre é universalmente posto à disposição, visto que o próprio acesso à universidade continua restrito. Santos (2004 b), identifica que isso tem desequilibrado a instituição universitária. Esta contraposição entre uma pressão hiper-privatista e uma pressão hiper-publicista não só tem vindo a desestabilizar a institucionalidade da universidade, como 240 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) tem criado uma fractura profunda na identidade social e cultural desta, uma fractura traduzida em desorientação e tacticismo;2 traduzida sobretudo, numa certa paralisia disfarçada por uma atitude defensiva, resistente à mudança em nome da autonomia universitária e da liberdade acadêmica. (SANTOS, 2004 b, p. 44). O que resulta do processo sistemático, alicerçado em metodologias rigorosas, inserido em campos teóricos consagrados ou emergentes - a pesquisa, é fruto de um conjunto de ações conduzidas por pesquisadores das mais diversas áreas. Imbricadas entre si ou não estas ações encontram-se respaldadas em políticas mais amplas, regulamentadas e normatizadas segundo o local e o tempo, o que por sua vez implica, também, responsabilidade institucional. Desse modo, a gestão da pesquisa na universidade não é algo apenas burocrático-organizacional é também político. O processo de pesquisa, que ocorre no contexto da agência educativa que é a universidade, é uma das melhores formas de garantir autonomia e transparência a docentes pesquisadores, a estudantes universitários e à própria instituição, assegurando-lhe legitimidade perante a sociedade. O processo de pesquisa é sempre exigente tanto na perspectiva de receber a crítica e ser aceito pela comunidade científica, quanto o de oferecer resposta aos problemas, às dúvidas que o geram exigindo, constante revisão em sua condução e em seus propósitos. O rigor metodológico, indispensável para assegurar a qualidade científica do conhecimento que é produzido na universidade, será suficiente para garantir sua legitimidade? Quem define a qualidade de dado conhecimento também tem autoridade para lhe garantir legitimidade? “Quem decide qual é o marco da excelência ou da qualidade de uma universidade “ (LEITE, 2005, p. 27), da qualidade da sua pesquisa? Não se pretende adentrar aqui a discussões conceituais em torno das concepções de qualidade e de legitimidade. Morosini, em 2001, apresentava a dificuldade de se chegar à precisão do que significam e o quanto se relacionam avaliação e qualidade. De modo geral não temos avançado muito nessa direção como debate até porque parece, temos aceito e incorporado em nossas vidas e em nossas instituições, a idéia de que a qualidade advinda da avaliação é imprescindível, ninguém abre mão disso. Muito embora algumas áreas como a gerontologia, a saúde (BOSI et al, 2007, FIOCRUZ, 1999), venham avançado mais nessas discussões, desenvolvendo padrões por exemplo, em torno da “qualidade de vida” que hoje são reconhecidos em diversos contextos, 2 Nota nossa – A expressão tacticismo não faz parte do vocabulário corrente no Brasil; o sentido que pode ser atribuído e que parece aqui se coadunar é o da idéia de táctico – mais freqüentemente utilizado na versão de tático, como um arranjo. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 241 de modo geral, ter qualidade significa alcançar bons patamares (alta pontuação), nos resultados de um processo avaliativo. De qualquer forma a idéia de qualidade em educação e em pesquisa, seguindo a linha de raciocínio de Davok (2007), implica uma idéia de comparação e depende da clareza acerca do que a educação e a pesquisa na universidade devem proporcionar ao cidadão e à sociedade. “A qualidade de uma instituição pode, e deve, ser definida por aqueles sujeitos que a fazem ser do jeito que ela é...” (LEITE, 2005, p. 28). Donde se entende que qualidade, em dada instituição, ocorre quando os que fazem a educação e a pesquisa conseguem realizar o que se propuseram fazer e o fazem bem. Se prosseguirmos um pouquinho mais deduzindo o pensamento, teremos: existe qualidade na instituição e em sua pesquisa quando realiza as atividades científicas e educativas a que se propõem, as realiza bem e o que resulta desse processo (conhecimento), se coaduna às necessidades sociais, beneficiando o maior número de pessoas. Quando surgem indagações acerca de para que, a quem servirão os resultados dos estudos e pesquisas, a qualidade se desdobra em legitimidade. O que pode garantir legitimidade a dado conhecimento? Que critérios precisam ser seguidos ou perseguidos para tal? Santos afirma que ...só existe conhecimento em sociedade e, portanto, quanto maior for seu reconhecimento, maior será sua capacidade para conformar a sociedade, para conferir inteligibilidade ao seu presente e ao seu passado e dar sentido e direção ao seu futuro. (2004, p.17). O conceito de legitimidade implica a idéia de autêntico, de justo, de válido, de verdadeiro. Considera-se como legítimo o que é explicado pelo bom senso partilhado, o que é reconhecido como sendo importante e necessário, em dadas circunstâncias, para o bem de dada coletividade, da comunidade, do maior número de pessoas e não por um conhecimento que desde sua concepção já se coloca num patamar superior, acessível a poucos e que serve apenas a um grupo restrito. Santos (1994), ao se referir às crises que a universidade moderna enfrenta, indica a de legitimidade como aquela que se instala quando a instituição se afasta de seu compromisso com os que estão fora da comunidade acadêmica e que a ela não conseguem chegar, por diversas razões. Principalmente aqueles que se encontram em situação de exclusão social em decorrência da falta de condições materiais que lhes dificulta acesso à cultura e continuidade da educação. Para que a universidade vença tal crise deve ser capaz de zelar pela defesa de um 242 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) conhecimento que privilegie necessidades mais próximas e mais comprometidas com os problemas do desenvolvimento humano, social, econômico de sua comunidade. Dessa forma parece ser redundante afirmar que a tarefa primordial que a universidade de qualidade precisa permanentemente se impor é a de indagarse acerca da finalidade de sua missão. O que, pois, considerar ao avaliar a pesquisa na universidade? Tentar responder a esta indagação significa correr o risco de tornar-se pretensamente, normativo. Entretanto, a gestão acadêmica da pesquisa em uma universidade que almeja alcançar patamares crescentes de qualidade e legitimidade, requer que o gestor tenha delineado uma gama considerável de aspectos a considerar e fazer com que os mesmos aconteçam, articulando pessoas e informações tanto na tomada de decisões, quanto na sua execução, acompanhamento e avaliação. Dessa forma, pontuam-se alguns indicativos com o intuito de participar do esforço de encontrar caminhos para a avaliação da gestão da pesquisa na universidade. Não conclusões, indicativos Considerando as contribuições advindas das leituras (não necessariamente apenas aquelas aqui mencionadas), e da reflexão em torno de práticas vivenciadas, os dois primeiros pontos a indicar se apresentam como princípios da instituição universitária como um todo os quais precisam impregnar a avaliação da gestão da pesquisa: - o da qualidade científica e o do compromisso institucional com a repercussão social do conhecimento construído. O primeiro, por demais conhecido de toda comunidade acadêmica que tem se empenhado para obter o reconhecimento através da produção intelectual indexada e que, seria redundante, no escopo do presente trabalho abordá-lo. O segundo, que se sustenta na articulação da pesquisa com as necessidades sociais, em todas as escalas, será objeto da exposição, na seqüência. Entretanto, princípios e ações precisam articular-se no conjunto aglutinador das políticas institucionais de pesquisa. Elas implicam grande variedade de decisões e tarefas conseqüentes, envolvendo o planejamento, o acompanhamento e a avaliação das mesmas, no todo da vida institucional. Alguns destaques desse conjunto merecem ser comentados: regulamentação da atividade de pesquisa, estrutura organizacional, linhas de pesquisa, grupos de pesquisa, formação continuada de pesquisadores, organização e participação em eventos científicos, educação científica, iniciação científica, formas de socialização e divulgação dos resultados da pesquisa. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 243 Destacar primeiramente a regulamentação das atividades de pesquisa pode subentender um formalismo exagerado, entretanto, o que se preza é o primado da transparência, da democratização, da possibilidade e do compromisso de fazer pesquisa na universidade. Assim, é indispensável a existência de editais, normas, resoluções, instrumentos que regulamentem e orientem a proposição, a institucionalização e a socialização da pesquisa, estabelecendo critérios, prazos, condições, fluxos e dinâmicas a serem seguidos e que sejam do conhecimento de todos os envolvidos e interessados. Para que isso ocorra entende-se igualmente indispensável, a existência de uma estrutura organizacional capilar para a pesquisa, desde os órgãos centrais da administração (conselhos superiores, pró ou vice-reitorias, coordenações), que se desdobre como presença descentralizada e atuante em unidades/ departamentos/ divisões/ setores/ núcleos chegando até os docentes, os alunos e os funcionários. Nesse mesmo conjunto pode-se destacar a importância e imprescindibilidade da existência de comissões internas e externas para avaliação, emissão de pareceres e acompanhamento de projetos e de outras solicitações pertinentes à atividade de pesquisa (licenças, convênios). Destaca-se, ainda, como indispensável, a presença/ ou a possibilidade de acesso a Comitês de Ética em Pesquisa. Nesse grande bloco emerge como importante a questão da sustentabilidade da pesquisa na instituição assegurada no orçamento institucional, porém, alicerçada na participação e empenho dos pesquisadores em concorrer a editais de agências de fomento à pesquisa, na busca de parcerias para a realização de pesquisas ou do apoio às atividades de ou vinculadas à pesquisa ou a sua divulgação/ socialização. A existência de infra-estrutura adequada implica o acesso a laboratórios, equipamentos, salas especializadas, biblioteca, recursos tecnológicos, informáticos, de variadas ordens. A existência de Linhas de Pesquisa – LP, implica não apenas na indicação do seu número que pouco pode dizer de sua propriedade e exeqüibilidade mas na explicitação das áreas com as quais estão articuladas e da sua coerência e consistência com a identidade institucional, expressa nos planos institucionais. As LP não podem apenas constar em documentos. Elas, de fato, representam prioridades institucionais a partir de temáticas de origem justificada (científica ou social), de problemas reais de qualquer ordem; alimentam, reciprocamente as ações de ensino em todas as etapas da educação superior – graduação, pósgraduação lato e stricto sensu e de extensão desenvolvidas. LP bem justificadas se transformam em programas específicos que ocorrem na graduação e pósgraduação, envolvendo a comunidade acadêmica, articulando a pesquisa ao ensino e à extensão como formas de efetivar o compromisso social e político 244 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) da Instituição. As LP servem como sinalizadores e, ao mesmo tempo, precisam suportar a análise crítica e multidisciplinar das conseqüências do conhecimento produzido, as repercussões e os efeitos de sua socialização. A análise deve ser ampliada pois não poderá ser restrita apenas à comunidade acadêmica. A qualidade da gestão da pesquisa na universidade brasileira passa pelos grupos de pesquisa – GP. Eles são de fato espaços de pesquisa e de sua institucionalização e cada vez mais se evidencia sua importância na edificação da ciência que a realidade brasileira requer (FRANCO, LONGHI, 2009). A qualidade da pesquisa se revela quando os GP se encontram articulados às LP existentes permitindo, também, que se originem novas LP. É importante que sua composição aglutine pesquisadores experientes com os que estão iniciando sua trajetória, articule alunos de diferentes cursos de graduação, pós-graduação lato e stricto sensu, exalunos (egressos), futuros alunos e até pessoas capacitadas externas à comunidade acadêmica ; articule diferentes áreas do conhecimento, as que já conseguem se aproximar e aquelas cuja aproximação ainda é incipiente, como alternativa de superação dos problemas oriundos da excessiva fragmentação do conhecimento. É esperado que os GP, por sua vez, extrapolem os contornos geográficos institucionais e estabeleçam ou criem redes que permitam a discussão de problemas e de temáticas inerentes à pesquisa para melhor realizarem a crítica e porem à prova seus avanços. O espaço do debate, das análises críticas, das discussões coletivas, em equipe, permite a identificação de pontos de estrangulamento, de impasses e de dificuldades como também faz aflorar a visualização de possibilidades, permite a reflexão sobre a tarefa da ciência e de suas conseqüências. Além da racionalização de recursos que sempre são escassos, o uso compartilhado de equipamentos permite maior entrosamento e respeito entre os pesquisadores quando a pesquisa se organiza através dos GP. Sem sombra de dúvidas pode-se afirmar que uma das melhores políticas do CNPq das últimas décadas, juntamente com a iniciação científica e o Lattes, é a de criação do Diretório dos Grupos de Pesquisa (não cabe, no momento, detalhar cada uma dessas; fica como perspectiva para novos estudos). Convém destacar a importância da presença, na instituição ou fora dela, de oportunidades de formação profissional continuada de docentes e pesquisadores que vem sendo enfatizada há mais de uma década por todo grupo da Pedagogia Universitária – em especial da Rede GEU e da RIES (Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior), e ainda daqueles que discutem avaliação na e da universidade. Nessa perspectiva, a existência de estudos e discussões em torno da metodologia de pesquisa e aperfeiçoamento dos processos científicos, nas mais diversas áreas, pode caracterizar um estágio Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 245 mais avançado da qualidade da pesquisa institucional. Da mesma forma, denota qualidade na gestão da pesquisa a organização, a participação e a inserção dos docentes pesquisadores nas associações de área e em eventos científicos (congressos, seminários, reuniões científicas, jornadas, salões, workshops), de toda ordem, como organizadores, como membros de comissão científica, como debatedores, conferencistas, participantes, comunicadores. Por sua vez, a existência de uma Iniciação Científica – IC organizada pode confirmar a qualidade na gestão da pesquisa na universidade como integrante do esforço de formação do cidadão através da educação científica (ROCHA, 2007). A qualidade da IC se evidencia não apenas pelo número de bolsistas de IC em diferentes áreas, acompanhados de docentes mas também, pelas oportunidades de formação sistemática que lhes são oferecidas como oficinas, mini-cursos ou treinamentos que os preparam para o domínio da tecnologia e exploração de seus recursos para o bem escrever resumos, organizar pôsteres, apresentar comunicações, participar de levantamentos e organização de dados e informações. É imprescindível que a instituição inclua carga horária que permita aos orientadores ocuparem-se das tarefas inerentes à formação dos alunos em iniciação na pesquisa. Como já mencionado, um dos pontos mais conhecidos e gerador de inúmeras e intermináveis discussões, é a gestão da produção científica institucional. Contudo é na socialização da pesquisa e sua articulação com a extensão e o ensino que residem muitas preocupações. A grande maioria das IES não se situa na perspectiva da grande universidade (pública ou privada), cuja pesquisa, tanto básica quanto aplicada, é pujante, e se destina a uma ampla realidade nacional e internacional contribuindo com seus aportes teóricos para o avanço da ciência e da tecnologia de ponta. Entretanto, a diversidade que caracteriza a ES brasileira permite e enseja que instituições inseridas em seus contextos desenvolvam pesquisas com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento humano, social, cultural, econômico sustentável de suas regiões. Primordialmente, os resultados obtidos nas pesquisas precisam ser utilizados no desenrolar dos programas de ensino - os alunos da instituição são seus primeiros destinatários. Outros destinatários são: o cidadão situado - empresário, comerciante, agricultor, que investe no setor industrial em geral e da agroindústria em particular (por serem instituições normalmente sediadas ou mais próximas da zona rural); cooperativas, prefeituras, conselhos locais e regionais, sindicatos, associações de profissionais; creches, escolas, hospitais, casas geriátricas, agências de serviços. Tais destinatários esperam que informações decorrentes dos estudos e pesquisas, 246 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) importantes para a melhora de suas atividades, sejam divulgadas de forma acessível e de veículos diversificados como periódicos e livros de circulação regional, muitas vezes traduzidos nos jornais diários, nos programas de rádio, nas transmissões da emissora de TV local, na maioria das vezes, em debates e mesas redonda na TV Educativa (das próprias instituições), que, por trazerem notícias da comunidade, são assiduamente acompanhadas pela população. Além disso, os resultados dos estudos precisam ser socializados e debatidos em Seminários, em Jornadas, em reuniões, encontros e em outras atividades características da extensão da instituição universitária, que se entrelaça à pesquisa. Enfim, a realidade das diversas experiências de gestão institucional da pesquisa que procuram construir, com responsabilidade, conhecimentos de uma ciência promotora da emancipação de sujeitos autônomos e da sociedade, precisa ser considerada nos processos avaliativos. Assim, o próprio processo de construção da ciência e de sua avaliação poderá imprimir novo ânimo à vida das instituições de ES e da comunidade. Essa perspectiva, legítima em sua correspondência aos anseios da comunidade, precisa encontrar receptividade e ser captada em seu dinamismo pela sensibilidade dos avaliadores permitindo alcançar melhor qualidade da pesquisa na universidade. A Capes, ao se abrir para toda comunidade acadêmica através do seu Observatório – sediado, neste evento, na PUCRS, demonstra a importância da democratização do conhecimento; representa a possibilidade de diferentes vozes serem ouvidas, alcançarem eco e tornam o momento da avaliação mais do que raio-x, uma ressonância social. Referências BOSI, Maria Lúcia Magalhães; UCHIMURA, Kátia Yumi. Avaliação da qualidade ou avaliação qualitativa do cuidado em saúde?. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 1, fev. 2007. Disponível: <em http://www.scielosp. org/scielo> Acesso em: 11 set. 2010. DAVYT, Amilcar; VELHO, Léa. A avaliação da ciência e a revisão por pares: passado e presente. Como será o futuro? Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, jun. 2000 . Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo > Acesso em: 11 set. 2010. DAVOK, Delsi Fries. Qualidade em educação. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v. 12, n. 3, set. 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/ scielo> Acesso em: 11 set. 2010. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 247 DIAS SOBRINHO, José. Avaliação e transformações da educação superior brasileira (1995-2009): do provão ao Sinaes. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v.15, n.1, p. 195-224, mar. 2010. FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz). Análise estratégica e avaliação institucional da Fundação Oswaldo Cruz para qualificação como agência executiva – Relatório Final. Consultores: Dalton M. Hamiltom e Jorge Britto. Disponível em: <http://cys.bvsalud.org/dol/docsonline/9/9/199Analisisfiocruz.pdf > Acesso em: 11 set. 2010. FRANCO, Maria Estela Dal Pai; LONGHI, Solange Maria; RAMOS, Maria da Graça. Universidade e pesquisa: espaços de produção do conhecimento. Pelotas: Editora e Gráfica UFPel, 2009. FRANCO, Maria Estela Dal Pai; LONGHI, Solange Maria. Espaços de pesquisa e institucionalização: tracejando caminhos entre o geral e o local. In: FRANCO; LONGHI; RAMOS. 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Essas têm sido atualmente as formas mais usuais em que essas políticas tem sido aplicadas nas instituições de educação superior brasileiras. Políticas de ação afirmativa referem-se a um conjunto de ações e orientações de caráter governamental ou institucional destinadas a beneficiar minorias e grupos que tenham sido historicamente discriminados. Assim, a subrepresentação de minorias em instituições e posições de maior prestígio e poder na sociedade é considerada um reflexo de discriminação. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que dificultem o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho e universidades. Portanto, criam-se incentivos, que busquem o equilíbrio da representatividade de certos grupos, que fazem parte de determinada sociedade. . Raça, etnia, sexo e origem social têm sido os principais critérios para o uso de discriminações positivas, como são chamadas algumas políticas de ação afirmativa. Universidades ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm implementado esse tipo de política o que contribui, de forma significativa, para aumentar a diversidade nos sistemas universitários, tanto na composição do corpo discente, docente e de funcionário como, também, na organização do currículo, programas de estudos, de extensão e de pesquisa. Políticas de ação afirmativa existem em diversos países, variando os sujeitos de direito a que se destinam. A Índia, por exemplo, reserva um percentual de vagas em suas universidades públicas a castas consideradas inferiores, os dalits, ou “intocáveis”2. Na Indonésia, a grande maioria dos estudantes Professora da Linha de pesquisa Universidade: teoria e prática do Programa de após Graduação em Educação da UFRGS e pesquisadora do GEU. 2 WEISSKOPF, Thomas. “A experiência da Índia com ação afirmativa na seleção para o ensino superior” in FERES Júnior, João e ZONINSEIN, Jonas (orgs.) Ação afirmativa no ensino superior brasileiro, Belo 1 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 249 nas universidades de elite é proveniente da ilha de Java. As políticas de ação afirmativa nesse país têm um caráter regional: destinam-se a estudantes de outras ilhas.3 O debate sobre ações afirmativas tem, pois, um caráter transnacional. Essas políticas, no entanto, apresentam especificidades nacionais. Muitos afirmam que o uso de políticas de ação afirmativa no Brasil, principalmente as referentes a cotas nas universidades com base em dados raciais, seria uma forma de imitarmos os Estados Unidos, que possuem uma sociedade bastante diferente da brasileira e, mais ainda, num período em que as próprias universidades americanas estão abolindo essas políticas. É importante, pois, conhecer a realidade tanto norte-americana como também de outros países. Isso nos possibilita uma comparação com a situação brasileira. Índia e Estados Unidos foram dos primeiros países a possuir políticas de ação afirmativa. Nesses países ações afirmativas nas universidades eram políticas de estado. A adoção dessas políticas foi fortemente influenciada pela mobilização dos movimentos negros numa sociedade segregada (o caso dos Estados Unidos) e num contexto histórico impregnado pelas idéias das lutas de libertação das colônias asiáticas e africanas do jugo europeu (o caso da Índia que possuía uma sociedade de castas). O discurso era o da cidadania e a luta era pelos direitos civis. Levando em conta o contexto histórico em que as políticas de ação afirmativa passaram a ser implementadas nas universidades desses dois países, por volta da metade do século XX, com o atual contexto brasileiro, em que as primeiras experiências vêm sendo realizadas, no início do século XXI, existem aspectos diferentes que convêm salientar. O debate sobre as ações afirmativas, principalmente aquele referente a cotas nas universidades brasileiras, embora tenha um marcado cunho nacional, acontece numa outra conjuntura em termos mundiais. Ele se pauta num discurso mais amplo de inclusão de grupos discriminados expresso em protocolos internacionais, assinados pela maioria dos países do mundo, inclusive o Brasil. Ele tem mais a ver com a visão dos direitos humanos, do direito ao reconhecimento, do valor de cada cultura e do respeito à diversidade. Para Charles Taylor “nossa identidade é particularmente formada pelo reconhecimento ou por sua ausência, ou ainda pela má impressão que os outros têm de nós: uma pessoa ou um grupo de pessoas pode sofrer um prejuízo ou uma horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008. 3 GOASTELLEC, Gaële, “D’um multiculturalisme à l’autre. Les politiques universitaire et la justice sociale: une comparaison États-Unis – Indonésie” in FELOUZIS, Georges (ed). Les mutations actuelles de l’université, Paris: PUF, 2003. 250 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) deformação real se as pessoas ou a sociedade que o cercam remetem-lhe uma imagem limitada, aviltante ou desprezível de si mesmo”.4 O Brasil foi um dos 167 Estados que ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Com isso o país se compromete a não apenas combater a discriminação através de medidas punitivas como também promover a igualdade através de políticas afirmativas que combatam as desigualdades tanto sociais quanto raciais.5 As políticas de AA tocam em pontos nevrálgicos de qualquer sociedade, ou seja, como as estruturas de oportunidades favorecem certos grupos em detrimento de outros, deixando claro que esta é uma situação injusta. Essas políticas incentivam um maior conhecimento das desigualdades sociais e estimulam a negociação entre grupos privilegiados, desprivilegiados e aqueles que se sentem lesados pela aplicação de tais políticas. O Brasil, suas desigualdades e as políticas de ação afirmativa A sociedade brasileira é visceralmente desigual, desde a sua origem. Basta lembrar que a primeira tentativa de ocupação sistemática da Colônia pelos portugueses foi através da distribuição de capitanias hereditárias. Para dar um dado mais atual, o Brasil tem 130.000 milionários e segundo o Boston Consulting Group, esses cento e trinta mil milionários possuem uma fortuna conjunta estimada em US$573 bilhões – mais da metade do PIB nacional.6 Até poucos anos atrás, o Brasil era o país que apresentava a maior concentração de renda do mundo, medida pelo coeficiente de Gini. Esse coeficiente varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de zero mais igualitária é a distribuição de renda de um país e quanto mais próximo de um, mais concentrada é a renda. Se tomarmos uma série histórica, no período de 1977 a 1999 o coeficiente de Gini se manteve ao redor de 0,60 num intervalo que vai de 0,58 a 0,64. Com relação a esse período de duas décadas “muito mais importante do que as pequenas flutuações observadas na desigualdade é a inacreditável estabilidade da intensa desigualdade de renda que acompanha a sociedade brasileira ao longo de todos esses anos”.7 TAYLOR, Charles (et al.). Multiculturalism examinig the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1992. 5 PIOVESAN, Flavia. “Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos”. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v.35, n. 124, p 43-55, jan/abr. 2005. 6 “Milionários brasileiros têm meio PIB” Folha de São Paulo, 15/07/07, Caderno B p 1. 7 BARROS, Ricardo Paes, HENRIQUES, Ricardo, MENDONÇA, Rosane. “A estabilidade inaceitável: 4 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 251 Um agravante a essa situação é que a desigualdade educacional no Brasil é ainda maior do que a de renda.8 Ao adaptar o coeficiente de Gini para comparar o desempenho de alunos da oitava série nas provas de matemática do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica, exame do MEC que avalia a qualidade da educação) em 2003, o pesquisador José Francisco Soares, coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, encontrou um coeficiente de 0.63. Para aquele mesmo ano, o coeficiente de Gini para medir a concentração de renda era de 0,54. Akkari,9 ao estudar as desigualdades educacionais em nosso país, aponta “ ser a dualidade ensino público/ensino particular a grade de leitura apropriada para analisar o sistema educativo atual no Brasil.” Citando dados do INEP de 1996, o autor mostra que o ensino público fundamental acolheu 88% do total de alunos e o médio,79,5%, ou seja, a grande maioria. O autor apresenta dados baseados no desempenho em matemática dos alunos de terceira série por tipo de escola, se pública ou privada. Os piores resultados são os da Região Norte em que as escolas municipais e estaduais e as escolas particulares obtêm um resultado médio de 163, 167 e 213 pontos, respectivamente. O melhor resultado encontra-se na rede privada da Região Sudeste com um escore médio de 238. Outra maneira de medir a desigualdade educacional em termos regionais é a comparação do nível de qualificação do corpo docente das escolas. Assim, enquanto no Maranhão professores leigos em escolas de ensino fundamental com o primário incompleto chegam a 18,7 % e com o ensino médio incompleto atingem 29,7%; na região Sudeste esse percentual é de 0,6 e 1,1 respectivamente. As desigualdades de renda e educacionais se traduzem em privação de oportunidades no mercado de trabalho e do gozo dos direitos constitucionais assegurados aos cidadãos, reforçando o ciclo vicioso da exclusão. Mas existe um grupo de brasileiros que, além da privação em termos de renda, sofre na pele a discriminação: os negros. Embora nem todos os pobres sejam negros e nem todos os negros sejam pobres, dados de estatísticas oficiais nos mostram como é grande o fosso que separa a população negra da branca na sociedade brasileira. A invisibilidade do negro na maioria dos espaços de poder e de prestígio na sociedade brasileira é uma forma de não-reconhecimento. A população negra é a que apresenta as piores condições de vida. Estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ao comparar 173 países com relação ao desigualdade e pobreza no Brasil” in HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA, 2000, p. 35-59. 8 GOIS, Antônio. ”Desigualdade educacional é ainda maior que a de renda” Folha de São Paulo 24/12/2007, C-1. 9 AKKARI, A. J. “Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre o estado, privatização e descentralização” Educação e Sociedade, ano XXII, n. 74, Abril, 2001, p 168. 252 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Médio), coloca o Brasil em 73 º lugar. No entanto a mesma média para a população branca colocaria o país em 44º lugar, em relação aos demais países do estudo; já a média para a população preta e parda brasileira nos colocaria em 105º lugar. A novo clima internacional de respeito aos direitos humanos e de incentivo para a luta por uma igualdade entre cidadãos que não seja apenas formal, mas também material, levou a um questionamento do tipo de universidade que excluía segmentos discriminados da população: negros, índios, pobres e portadores de deficiência. POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA EM UNIVERSIDADES BRASILEIRAS Políticas de ação afirmativa são bastante recentes em nosso país. Em 1991, a Lei n. 8.213/91 estabeleceu a obrigatoriedade da contratação de pessoas portadoras de deficiência em empresas privadas. O debate sobre essas políticas, no entanto, passa a ter maior repercussão após a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban, África do Sul, em que o Brasil se posicionou a favor de políticas públicas que venham a favorecer grupos historicamente discriminados. Em nível de educação superior, não existe consenso sobre qual a melhor orientação a tomar, se a favor de uma política de estado ou de respeito à autonomia universitária e como colocar em prática tal política. Um estudo feito com 98 instituições federais e estaduais revela que, atualmente, 70% das mesmas já adotam políticas de ação afirmativa na forma de cota ou bônus na seleção de alunos favorecendo alunos de escolas públicas, negros, índios e outros grupos.10 Em termos de setor privado o Programa Universidade para Todos (PROUNI), iniciado em 2005, tem a finalidade de conceder bolsas de estudos a estudantes de baixa renda para o pagamento de matrículas em instituições privadas de educação superior. As instituições recebem isenções de certos impostos e em contrapartida devem oferecer 10% a 20% de suas vagas para estudantes de escolas públicas. Entre esses alunos leva em consideração o percentual de negros e indígenas da população do estado onde se encontra o estabelecimento de ensino. Dentro desse percentual o PROUNI reserva, também, bolsas aos candidatos portadores 10 “Ação afirmativa privilegia ensino público e não raça” Folha de São Paulo 30/08/2010 p 1. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 253 de deficiência e aos autodeclarados pretos, pardos ou índios. O percentual de cotas étnico raciais deve ser igual àquele de cidadãos pretos, pardos e índios, por unidade da Federação conforme o último censo. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para dar um exemplo, a partir de 2008 reservou 30% de suas vagas para alunos de escolas públicas (cotas sociais), sendo que metade dessas vagas seria destinada a candidatos autodeclarados negros (cotas raciais). Essa política no seu primeiro ano de implementação aumentou o número absoluto de afrodescendentes de 265, em 2007, para 615 em 2008. É significativo registrar que a UFRGS, além disso, disponibilizou dez novas vagas para representantes de comunidades indígenas nos cursos por elas apontados. Os cursos escolhidos foram: Agronomia, Direito, Enfermagem, História, Jornalismo, Letras, Medicina, Odontologia, Pedagogia e Matemática. Os candidatos passaram por processo de seleção especial. A UFRGS, desde 2004, tem organizado a Semana Indígena com espetáculos de arte e oficinas para a reflexão das culturas e estudo das línguas guarani e kaiguangue. No ano de 2008, a programação incluiu um painel com estudantes indígenas, que entraram nas vagas da universidade colocadas à disposição das comunidades a que eles pertencem. O depoimento desses universitários deixa bem claro que a oportunidade de estudar na mais conceituada universidade do Estado representa o reconhecimento de suas comunidades, tanto no que elas podem nos oferecer, quanto na aceitação do direito que esses povos têm de aprender numa universidade pública aqueles conhecimentos que consideram fundamentais para a melhoria de suas condições de vida. Eles são líderes nos seus grupos de origem e expressaram o desejo de lutar pelo estabelecimento de políticas voltadas às necessidades das populações indígenas. Iniciaram apresentando-se com os seus nomes em português e na sua língua materna; entusiasmaram-se com o interesse dos presentes; falaram de suas vivências, da cultura diversificada dos índios. Concluíram com canções cantadas em kaingangue. A universidade pública, ao propiciar espaço para que representantes de comunidades indígenas tenham acesso à educação superior estimula a diversidade, acolhendo representantes de grupos até então praticamente ausentes dos cursos superiores mais seletivos. Assim o país se beneficiará de um conjunto de profissionais com uma visão mais próxima da realidade em que vive boa parte de nossa população. 254 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Desafios à gestão das universidades As políticas de ação afirmativa colocam grandes desafios à gestão de universidades que formam a elite de um país. Tais políticas para que tenham sucesso exigem uma discussão prévia entre todos os segmentos da comunidade acadêmica – professores, funcionários e alunos – a fim de que a instituição apresente abertura para uma nova realidade e se comprometa com o seu sucesso das novas políticas institucionais. Como as políticas de ação afirmativa nas universidades tem um caráter provisório elas fazem parte de um processo que deve ser acompanhado e avaliado nos seus múltiplos aspectos: processo de seleção; representatividade de minorias em diferentes cursos; desempenho dos alunos; evasão; taxa de graduação. Considerando que os grupos sub-representados são, em geral, alvo de discriminação, torna-se importante a presença de uma auditoria na universidade, que trate de casos de preconceito. É indispensável o oferecimento de reforço pedagógico para aqueles que encontram dificuldade em acompanhar o ritmo dos demais colegas na medida em que não tiveram as mesmas possibilidades devido a certas deficiências das escolas públicas. Alunos com necessidades especiais, como os portadores de deficiência, exigem um esforço de adaptação das instituições, não apenas em termos arquitetônicos, mas no desenvolvimento dos recursos humanos para lidar com esses alunos. A pedagogia universitária, como campo de pesquisa, necessita responder aos desafios que as políticas de ação afirmativa estão colocando para as universidades brasileiras em termos de inclusão e acompanhamento de alunos pertencentes a grupos até recentemente pouco representados nos cursos mais seletivos. QUALIDADE NA GESTÃO E PROUNI Arabela Campos Oliven1 Luciane Bordignon2 Quelen Gianezini3 Luciane Bello4 Introdução A expansão da educação superior brasileira faz parte de um conjunto de ações implantadas pelo governo federal (FHC, 1995 - 2002; Lula, 1993 - 2010) nas últimas duas décadas. Tal expansão teve seu início marcado pela ampliação de Instituições de Ensino Superior (IES) no setor privado. Nos últimos anos esta expansão vem ocorrendo em duas direções. A primeira consiste na ampliação física, com a criação de novas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), com a interiorização mediante a criação de novos campi, com a reorganização institucional de algumas IFES e com a ampliação de vagas, principalmente, no turno noturno. Estas ações integram o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e tem contribuído para a expansão do ensino superior no setor público.5 A segunda direção incide na perspectiva de ampliação social do ensino superior através de uma política governamental de inclusão social baseada na concepção de reduzir as desigualdades sociais através da educação. Tal perspectiva contempla tanto o setor público, com a implantação das cotas raciais e sociais; quanto o setor privado, com subsídios através de concessão de bolsas (PROUNI) e financiamento estudantil (FIES).6 Professora Associada do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU). E-mail para contato: [email protected] 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU). Professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina. E-mail para contato: [email protected] 3 Cientista Social (UFRGS), Mestre em Sociologia (UFRGS) e Doutoranda em Educação (UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU) e Bolsista CAPES. E-mail para contato: quelen. [email protected] 4 Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Universidade (GEU). E-mail para contato: [email protected] 5 Vide GIANEZINI (2009). 6 Sobre este assunto ver: GIANEZINI, BORDIGNON, OLIVEN (2010); GIANEZINI (2008). 1 256 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) É a partir desta última – a concessão de bolsas estudantis no setor privado, especificamente o PROUNI – que se propôs analisar, neste artigo, a qualidade na gestão de relações universidade e sociedade, focando em uma IES comunitária de Santa Catarina, a UNOESC. Além disso, este estudo procura compreender as possíveis alterações que este programa pode causar na gestão de uma IES, no corpo docente e nas motivações dos alunos. Assim, questionam-se: quais são os principais reflexos da implantação do PROUNI na gestão das IES? É possível identificar indicadores de qualidade na gestão institucional? Se sim, estes indicadores poderiam servir para estabelecer possíveis relações entre a universidade e sociedade? Estes são os questionamentos norteadores deste estudo e para tentar respondê-los, tomou-se por base a realização de uma pesquisa em distintos bancos de dados, tais como: do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o próprio banco de dados da UNOESC. Cabe salientar ainda, que a implementação de políticas de ações afirmativas, como o PROUNI, se realiza num contexto delicado em meio a aprovações, polêmicas e posições contraditórias. Há grupos que impulsionam esta política e há grupos que se opõem a ela. Neste contexto, o termo ação afirmativa “refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado” (OLIVEN, 2007, p. 151). Paralelamente, este debate e o presente estudo têm por mérito a questão da distribuição social do acesso ao ensino superior, independente do caráter político ideológico. A UNOESC e o PROUNI Para analisar a qualidade na gestão de relações universidade e sociedade com profundidade, foi necessário delimitar o universo do presente estudo focando em uma unidade federativa e em uma universidade. A particularidade deste estudo reside nos seguintes dados descritos abaixo. Escolheu-se o Estado de Santa Catarina por sua diversidade geográfica, sócio-econômica, étnica e cultural. Em 2009, havia no estado 6.118.743 habitantes descendentes de distintas etnias (açorianos, poloneses, alemães, italianos, austríacos), distribuídos por 293 municípios (IBGE, 2009). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 257 Cabe destacar, que Santa Catarina possui uma taxa de escolarização bruta de 24,6% e líquida de 14,7%, ambas acima da média nacional. O sistema de educação superior catarinense é composto por 93 IES. Somente 07 destas são públicas (03 federais, 01 estadual e 03 municipais), as demais (92%) são privadas (60 privadas e 20 comunitárias/confessionais/ filantrópicas). Ainda estão divididas em 11 universidades, 05 centros universitários, 75 faculdades (IES isoladas) e 02 IFTs. De acordo com os dados mais atualizados pelo INEP (2008), há 205.127 matrículas no ensino de graduação em Santa Catarina, das quais 41% encontramse nas universidades comunitárias. Em relação a IES escolheu-se a Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) por ser uma universidade multi-campi e de natureza administrativa privada e comunitária. Considerando o seu histórico papel social no cenário educacional de Santa Catarina, e suas distintas peculiaridades que as cercam, reforçam a realização deste estudo. A UNOESC nasceu no final da década de 1960 pela união de quatro fundações isoladas de ensino superior. Somente em 1991 obteve autorização para implantar o projeto de universidade, vindo a ser reconhecida como tal em 1995. No primeiro semestre de 2010, a UNOESC contava com 19.776 estudantes de educação básica, graduação e pós-graduação (Especialização e Mestrado). A UNOESC adota o PROUNI desde 2006, e em 2010 a Unidade de Joaçaba7, conta com 424 bolsistas. A categoria administrativa de universidade comunitária está prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN). Na Constituição Federal (artigo nº 213) as instituições poderão ser consideradas como comunitárias, como confessionais ou como filantrópicas se conseguirem provar a finalidade não lucrativa e aplicar seus excedentes financeiros em educação. Consta ainda neste artigo, em seu 2º parágrafo, a possibilidade de algumas atividades universitárias (pesquisa e extensão) virem a receber apoio financeiro do poder público. Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UNOESC (com vigência de 2007 até 2011), existem quatro categorias que precisam ser analisadas para planejar o futuro da instituição: a sua atuação regional, a sua A Universidade do Oeste de Santa Catarina possui quinze Campus e Unidades: Campus de São Miguel do Oeste: Cunha Porã (Unidade), Maravilha (Campus aproximado), Mondaí (Unidade), Pinhalzinho (Campus aproximado), São José do Cedro (Campus aproximado); Campus de Xanxerê: São Domingos (Unidade), Campus de Joaçaba: Campos Novos (Campus aproximado), Capinzal (Campus aproximado), Tangará (Unidade); Campus de Videira: Fraiburgo (Campus aproximado), Lebon Regis (Unidade), Salto Veloso (Unidade), Santa Cecília (Unidade) e Chapecó (Unidade). 7 258 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) identidade institucional, o seu credenciamento público versus legitimidade social e a sua plenitude universitária. O PDI aborda que o credenciamento público versus legitimidade social não se limitaria, somente, ao cumprimento dos indicadores exigidos pela legislação. Ele se efetiva na capacidade que a IES possui para responder aos grandes desafios postos pela comunidade de sua região de abrangência. Um destes desafios é oportunizar equidade no acesso ao ensino superior. Neste sentido, tem-se o PROUNI que sinaliza para este acesso. O PROUNI é uma política pública que tem o objetivo de democratizar o acesso à educação superior,8 com a valorização do mérito do estudante, através de concessão de bolsas de estudos integrais ou parciais em instituições privadas de educação superior. Assinalam-se aqui dois tipos de IES privadas: as IES sem fins lucrativos, como as filantrópicas ou comunitárias/confessionais, que correspondem a 21,41% do sistema de ensino superior privado e oferecem 20% das vagas para o PROUNI; e as IES com fins lucrativos, como as empresariais, que podem ter desconto de impostos e oferecem até 10% das vagas para o PROUNI. Das 1.934 IES privadas (INEP, 2005), 1.283 (66,33%) já haviam aderido ao programa no segundo semestre de 2006. O programa é voltado a estudantes sem diploma de ensino superior; de baixa renda; professores da rede pública; portadores de necessidades especiais; pardos; negros; e índios autodeclarados, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica.9 Procedimentos metodológicos Os dados foram coletados mediante a realização de 03 entrevistas com gestores, a aplicação de 84 questionários aos estudantes e, entre estes, 8 bolsistas do PROUNI e pesquisa em fontes documentais disponíveis na própria IES. Os questionários foram aplicados aos discentes dos Cursos de Engenharia de Produção Mecânica, Direito e Pedagogia. A opção por tais cursos deve-se ao fato de pertencerem a distintas áreas do conhecimento: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas, respectivamente. 8 Em 2005 o PROUNI ofereceu 112.275 mil bolsas em 1.142 instituições de ensino superior de todo o país. Em 2006 foram 138.768 mil bolsas e em 2007, foram 163.854. A meta do governo para os próximos quatro anos é de atingir o número de 400 mil novas bolsas de estudos. A implementação do PROUNI, somada à criação de 10 universidades federais e 49 novos campi, amplia significativamente o número de vagas na educação superior, interioriza a educação pública e gratuita e combate as desigualdades regionais. Fonte: http:<//prouniinscricao. mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm>. Acesso em: 20 nov. 2007. 9 Disponível em: <www.mec.gov.br/prouni>. Acesso em: 20 nov. 2007. 259 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores Em relação ao perfil dos entrevistados, cabe salientar, que os docentes entrevistados foram os coordenadores dos três cursos e integrantes da reitoria. Os discentes eram 08 bolsistas e 76 não bolsistas, totalizando de 38 alunos do Curso de Direito, 29 alunos do Curso de Pedagogia e 17 alunos do curso de Engenharia da Produção Mecânica. Sintetiza-se na tabela 1 o perfil dos discentes. Tabela 1 – Perfil dos discentes entrevistados CURSO IDADE POSSUI BOLSA DO PROUNI Não Sim Pedagogia 19 a 31 anos Total Parcial Direito 19 a 54 anos 4 4 0 0 25 34 Engenharia de Produção Mecânica 17 a 29 anos 0 0 17 Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário. Em relação ao término do ensino fundamental, 79 estudantes do três cursos questionados levaram 8 anos para concluí-lo e eram oriundos de escola pública. Quanto ao ensino médio, 80 estudantes levaram 3 anos para concluí-lo e são oriundos de escolas públicas. A conclusão da graduação e ingresso em um curso de pós-graduação é unânime. O PROUNI sob a ótica dos alunos Entre os objetivos desta pesquisa está a identificação das motivações e o olhar dos acadêmicos sobre o PROUNI. Na tabela 2 apresenta-se, sucintamente, a percepção dos discentes sobre o PROUNI. Tabela 2 – Considerações dos discentes de Pedagogia, Direito e Engenharia de Produção Mecânica sobre o PROUNI. Curso Política pública que facilita o acesso ao ensino superior Uma medida paliativa Uma política de democratização do Ensino Superior, possibilitando a inclusão social Uma política injusta pois favorece certos grupos em detrimento de outros Não respondeu 260 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Pedagogia Engenharia de Produção Mecânica Direito 12 alunos 20 alunos TOTAL 40 alunos 8 alunos 1 aluno Nenhum aluno Nenhum aluno 1 aluno 10 alunos 2 alunos 5 alunos 3 alunos 6 alunos - 10 alunos 3 alunos 5 alunos 23 alunos 11 alunos 10 alunos Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário. De acordo com a tabela, a maioria dos alunos entrevistados considera o PROUNI uma política pública facilitadora para o acesso ao ensino superior e uma política de democratização do ensino superior, possibilitando a inclusão social. Os dados da tabela 3 referem-se ao questionamento sobre a política do PROUNI contribuir para aproximar ou não a universidade e a sociedade. Tabela 3 – Considerações dos discentes de Pedagogia, Direito e Engenharia de Produção Mecânica sobre a política do PROUNI contribuir para a aproximar ou não a universidade e a sociedade Curso O PROUNI contribui para aproximar a Universidade e a Sociedade O PROUNI não contribui para aproximar a Universidade e a Sociedade Não respondeu De certa forma Pedagogia 22 alunos 1 aluno 6 alunos - Engenharia de Produção Mecânica 15 alunos Nenhum aluno 2 alunos - Direito 25 alunos 2 alunos 7 alunos 4 alunos TOTAL 62 alunos 3 alunos 15 alunos 4 alunos Fonte: Tabela elaborada a partir dos dados obtidos no questionário. Constatou-se que a maioria dos alunos entende que o PROUNI contribui para aproximar a universidade e a sociedade. Os alunos percebem o PROUNI como: acesso ao ensino superior, possibilidade de fazer uma graduação gratuita, melhorias na vida profissional e, simultaneamente, na situação econômica, além da inclusão dos menos favorecidos e ampliação das oportunidades. O PROUNI sob a ótica dos gestores A gestão da educação em geral é tema central das políticas educacionais, na contemporaneidade, em todo mundo. Segundo Luce e Medeiros “a organização das instituições e a relação delas com a comunidade em que estão situadas e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 261 com os governos a que são vinculadas, implica diferentes concepções sobre a organização do espaço público e da responsabilidade do Estado, da sociedade e dos profissionais da educação” (2006, p. 15). Na perspectiva da organização das instituições e sua relação com os sujeitos sociais da comunidade, Habermas (2007) reflete sobre a inclusão do outro, que significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos. A perspectiva habermasiana, salienta a responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro, referindo-se ao “nós” flexível em uma comunidade, que resiste a tudo o que é substancial e que amplia constantemente suas fronteiras porosas, pela idéia negativa da abolição da discriminação e do sofrimento, assim como da inclusão dos marginalizados. Essa inclusão, segundo Habermas, significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos. A gestão da educação no ensino superior pressupõe participação da instituição e da comunidade na qual está inserida. A entrevista com os gestores buscou apreender o olhar pelo âmbito dos gestores. Uma das questões apontava para a descrição das mudanças na gestão com a implantação da política do PROUNI. Os gestores assim se manifestaram: para as universidades que aderiram ao PROUNI, as mudanças na gestão são diminutas, pois o programa se insere nessas IES como sendo um entre outros programas que elas mantém, tais como Programas de Bolsas de Estudos com recursos de outras naturezas. De outro lado, tais instituições terão que deixar de oferecer vários outros serviços às comunidades carentes de seu entorno, uma vez que os recursos da isenção de cobrança da cota patronal estarão migrando aos poucos ao PROUNI, causando enorme prejuízo às populações carentes que se beneficiavam de Projetos desenvolvidos pelas IES (G1).10 Outro gestor salientou que “na gestão da universidade não houve mudanças e sim um controle para adequar a parte contábil aos recursos disponíveis e a organização destes para a prestação de contas” (G2). Ao serem questionados se é possível reconhecer indicadores de qualidade na gestão educacional com a política de bolsas do PROUNI e em caso afirmativo, estes indicadores poderiam servir para estabelecer possíveis relações entre a universidade e a sociedade, os gestores se pronunciaram desta forma: “é muito cedo para se ter uma avaliação do programa, mas, de qualquer 10 A letra “G” significa gestor e o número posterior a esta letra (1, 2, 3, 4...) representa a ordem em que foram realizadas as entrevistas, as quais foram feitas ao longo do mês de setembro de 2010. 262 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) forma, certamente o PROUNI não deixa de ser uma política de afirmação, resgatando a dívida social que a sociedade brasileira tem para com os excluídos da universidade” (G1). Outro gestor diz: sim, quando da adesão da UNOESC ao PROUNI, houve um grande trabalho de divulgação do programa e aproximação das escolas do ensino médio das regiões de abrangência da UNOESC. Por diversas vezes responsáveis pelo programa na instituição estiveram presente em escolas, em reuniões de diretores de escolas, justamente com a finalidade de divulgar o programa e critérios para acesso ao benefício. A partir disso, temos estabelecido um contato mais direto com as escolas e sociedade. Esta relação é aprimorada no ano de 2010 com a instituição da Comissão Local de Acompanhamento de Controle Social do PROUNI que possui representatividade docente, discente e representantes da sociedade civil. As reuniões ocorrem bimestralmente em cada unidade de oferta do PROUNI (G2). Afirma outro gestor que “o PROUNI tem potencial para fomentar a discussão sobre a qualidade social da educação, na concepção de Arroyo, e nesta medida, orientar as políticas internas, por meio de indicadores de qualidade na gestão educacional” (G3). Em se tratando da questão da qualidade, Schwartzman (apud SGUISSARDI, 2009, p. 263) diz que esta questão “surge como problema socialmente significativo quando os resultados ou produtos que se obtêm das instituições de educação superior deixam de corresponder às expectativas dos diferentes grupos e setores que delas participam, e, mais, quando a frustração contínua dessas expectativas começa a se tornar insustentável” (1992, p. 13). Fortalece esta idéia Vroeijenstein (apud MORONISI, 2003, p. 387) ao dizer que “a qualidade é responsabilidade de todos os membros do corpo docente, técnico-administrativo e dos alunos. Antes de tudo, é uma responsabilidade compartilhada”. Na opinião dos gestores, as mudanças na gestão com a instituição do PROUNI foram diminutas e se concentrou no controle contábil. Quanto à aproximação das relações da universidade com a sociedade revelou-se pela entrevista, que ainda é cedo para uma avaliação do programa, mas o PROUNI se constitui em uma política de afirmação que aproximou universidade com a sociedade, principalmente pela instituição da Comissão Local de acompanhamento do PROUNI que agrega docentes, discentes sociedade civil. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 263 Corrobora com esta perspectiva, Paro (2000, p. 08) ao afirmar que por sua característica de relação humana, a educação só pode dar-se mediante o processo pedagógico, necessariamente dialógico, não dominador, que garanta a condição do sujeito tanto do educador quanto do educando. Por sua imprescindibilidade para a realização histórico-humana, a educação deve ser direito de todos os indivíduos enquanto viabilizadora de sua condição de seres humanos. Em relação à questão sobre a existência na universidade de uma política de apoio a bolsista do PROUNI, os gestores se expressaram desta forma: a universidade tem uma política através do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). Temos uma estrutura que está à disposição dos estudantes. O SAE trabalha sob o aspecto de três grandes políticas de atendimento: Política de Apoio Financeiro (bolsas de estudo), Política de Apoio PsicoSocial (através do programa de atendimento psicológico gratuito e serviço de classificados), apoio para inserção ao mercado de trabalho (através da gestão de estágios curriculares não obrigatórios).(G2). Outro gestor se manifestou: a UNOESC apóia os alunos bolsistas do PROUNI assim como apóia todos os demais alunos que apresentam dificuldades econômicas para se manterem na universidade, sem discriminação. Esse apoio se configura pelos Programas que o Serviço de Apoio ao Estudante desenvolve junto aos alunos carentes. Contudo, não destina qualquer tipo de apoio financeiro, pois esse apoio o aluno prounista já tem do Estado (G1). Considerações finais A elaboração deste artigo permitiu refletir sobre a qualidade na gestão de relações universidade e sociedade. Retomando a problemática da pesquisa (a) quais são os principais reflexos da implantação do PROUNI na gestão das IES? (b) é possível identificar indicadores de qualidade na gestão institucional? Se sim, (c) estes indicadores poderiam servir para estabelecer possíveis relações entre a universidade e sociedade? Chegou-se às seguintes considerações: a) a maioria dos alunos entrevistados considera o PROUNI uma política pública que facilita o acesso ao ensino superior; uma política de democratização do 264 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) ensino superior, possibilitando a inclusão social e compreendem que o PROUNI contribui para aproximar a universidade e a sociedade; b) os gestores consideram que: as mudanças na gestão são reduzidas, porém revelam que o PROUNI aproxima as relações entre a universidade e a sociedade e que ainda é cedo para avaliar o programa, mas indicam que o PROUNI se caracteriza por uma política de afirmação, permitindo a inclusão na universidade. Através deste estudo pode-se chegar a algumas constatações. Ainda são poucos os estudos minuciosos sobre o PROUNI, por este motivo, o monitoramento desta política pode se estender de forma contínua na busca de novas averiguações. Reitera-se que as políticas públicas, como o PROUNI, podem possibilitar que os interesses e necessidades de grupos excluídos sejam atendidos, permitindo, segundo Santos (2005) um novo mundo possível, no qual pode haver o reconhecimento das diferenças, fazendo, este, parte de uma busca de alternativas. Com as idéias enunciadas neste artigo, espera-se ter deixado a reflexão e as constatações apresentadas sobre o PROUNI bem como a indagação: poderá o PROUNI se configurar como um indicador no quesito atenção aos discentes no Plano de Desenvolvimento Institucional? Todavia, esta nova indagação merece uma reflexão mais cuidadosa e formulação de novas hipóteses para sua compreensão. Referências BRASIL. Projeto de Lei n. 3.582 de 2004. Dispõe sobre a instituição do Programa Universidade para Todos - PROUNI regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior e dá outras providencias. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. FRANCO, Maria Estela Dal Pai. LONGHI. Solange Maria. Universidades Comunitárias: forças e fragilidades. In: BITTAR, Mariluce et al. Educação Superior no Brasil – 10 anos pós LDB. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 2008. GIANEZINI, Q.; BORDIGNON; L. OLIVEN, A. ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR: o PROUNI em Mato Grosso e em Santa Catarina. In: VI ANPEDSUL, Londrina, PR, 2010. ______. O processo de expansão do ensino superior em Mato Grosso. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UFRGS), Porto Alegre, RS, 2009. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 265 ______. PROUNI: acesso à educação superior em Lucas do Rio Verde – MT. In: Conferência Internacional de Educação ISA. João Pessoa, PB, 2009. HABERMAS. Júrgen. A inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2007. LUCE. Maria Beatriz. In: MOROSINI, Marília Costa et al. Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: FAPERGS/RIES, 2003. OLIVEN. Arabela Campos. Ações afirmativas nas universidades brasileiras: uma questão política, um desafio pedagógico. In: FRANCO. Maria Estela Dal Pai. KRAHE. Elizabeth Diefenthaeler. Pedagogia Universitária e Áreas do Conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. PARO, Vitor Henrique. Alguns fundamentos e uma proposta. In: RIO GRANDE DO SUL. Caderno temático da Constituinte Escolar. Porto Alegre: SEC, 2000. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005. SGUISSARD, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI. São Paulo: Cortez, 2009. UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA. Plano de Desenvolvimento Institucional (2007 -2011). QUALIDADE NA GESTAO DE ESTUDANTES Elizabeth Diefenthaeler Krahe1 Hamilton de Godoy Wielewicki2 Qualidade: característica, propriedade ou atributo essencial ou distintivo de algo. Do latim: qualĭtas, -ātis O contexto A Universidade brasileira, nessa primeira década do século XXI, não está infensa e, portanto, reflete os movimentos do mundo ocidental em sua reconfiguração quanto aos papéis e funções que se propõe a exercer na formação dos jovens para a sociedade das próximas décadas. O texto que estamos iniciando propõe-se a analisar o que diz um grupo de alunos, de uma tradicional universidade pública brasileira, quanto a seu entendimento do que vem a ser uma instituição superior de qualidade. Partimos do pressuposto de que o termo “qualidade” é compreendido como atributo essencial, trazendo, portanto, uma conotação de característica positiva. Em análise do momento contemporâneo, Hargreaves (2003, p. xviii) (APUD Popkewitz et al, 2009) argumenta criticamente contra a enfatização do materialismo e daquilo que denomina marketização das reformas neoliberais. Indica aquele autor estarmos em uma sociedade do conhecimento, afirmando que, em verdade, se trata de “uma sociedade da aprendizagem [...] que processa informação e conhecimento de tal modo a maximizar a aprendizagem, estimular a engenhosidade e a criação e desenvolver a capacidade de iniciar [e lidar com] a mudança”. Assim, nessa mesma perspectiva de procura pelo entendimento dos fenômenos sociais atuais, encontramos em Popkewitz et al (2009) a análise de construção de um sujeito que se quer cosmopolita, e afirmam que este termo, já usado no início do séc. XX na ideia de um cidadão global liberto do provincianismo e da tradição, retorna agora reformulado “como o topoi do conhecimento e da sociedade comunicacional, no qual uma criança que seja aprendiz por toda a vida pode recriar continuamente seu eu ao se tornar um agente de resolução de problemas (p.76)”. 1 2 Docente do PPGEdu e membro do GEU-Ipesq na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente da Universidade Federal de Santa Maria e mebro do GEU-Ipesq/UFRGS. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 267 A partir da convergência de tais entendimentos, no quadro das análises conduzidas pelo GEU Ipesq procuramos dar continuidade aos debates sobre o conceito de “universidade de qualidade” trazendo para a reflexão diversas circunstâncias que interferem no cotidiano dos jovens estudantes universitários e dessa forma, entendemos ser de vital importância a incorporação das vozes de tais sujeitos nos processos que visam a ponderar acerca dos parâmetros e indicadores que objetivam a discutir qualidade no âmbito das instituições de educação superior. E assim, queremos discutir (em que pese a redundância implicada) qualidade a partir de uma perspectiva qualitativa. Embora referindo-se especificamente ao cenário da avaliação da pós-graduação, Hortale (2010, p. 1838) pondera por exemplo, que os “principais indicadores do instrumento de avaliação são de natureza quantitativa, faltando indicadores de natureza qualitativa, como por exemplo, de opinião do corpo discente sobre a satisfação e a qualidade do curso”. Nossa intenção, portanto, é partir para a tessitura do argumento deste trabalho com base no ponto de vista de uma licencianda que pondera que “A busca por uma educação/formação de qualidade resulta incisivamente na busca por valores que até então não eram cogitados, e parar para pensar no que queremos em nível de universidade nem sempre é fácil quando estamos vivendo este perturbado e inconstante mundo de universitários”. Assim, visando trazer subsídios para nossas discussões, do Grupo GEU, com a pesquisa “Vozes da Comunidade: Universidade de qualidade” buscamos ouvir estudantes de diferentes áreas, nos diversos campi da UFRGS. Desvelando a voz dos estudantes Para construir o arcabouço de um quadro indicativo de quais atributos os estudantes universitários, de uma IES pública, indicam como necessários para que uma universidade seja classificada como de qualidade, ou melhor, de boa qualidade, desenvolvemos uma ação investigativa, através de entrevistas, que ocorreram nos meses de setembro e outubro de 2008 nos campi da UFRGS. Foram analisadas respostas de 85 alunos e alunas de diferentes áreas de conhecimento. Para as entrevistas contamos com a ajuda de uma aluna estudante de graduação em licenciatura e bolsista de iniciação científica, e a abordagem ocorreu de forma aleatória, sendo que os locais mais visitados eram os bares, restaurantes e espaços de grande circulação de estudantes como saguões e pátios da UFRGS. Todavia verificou-se que a abordagem direta, com gravações ou formulários de respostas, conforme planejado, não foi bem aceita. 268 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O formulário continha apenas duas perguntas reflexivas e dissertativas: (a) O que você entende por Universidade de Qualidade? (b) Quais valores ela deve possuir? A escolha por um formulário com amplo espaço para respostas dissertativas se deu pelo fato de querer deixar o aluno à vontade para expressar sua opinião e também para não ter apenas as respostas esperadas pelo entrevistador, esperava-se um pouco de reflexão e argumentação do mesmo. Na abordagem direta, os alunos declararam sentirem-se incomodados com a complexidade das perguntas e com o necessário tempo que seria requerido para pensar ao responder. Assim, passou-se a entregar então os formulários para serem preenchidos e posteriormente devolvidos. Contudo, como costuma acontecer neste tipo de metodologia, o retorno foi de poucas unidades. Frente a este fato, o baixo retorno dos formulários, repensou-se a estratégia de abordagem, e resolveu-se utilizar um meio atualmente extremamente familiar ao jovens universitários: o MSN. A opção por tal estratégia para estabelecer contato com os estudantes procura, na linha do tipo de investigação já realizada por Wielewicki & Rubin (2008) identificar espaços públicos nos quais os estudantes constituamse socialmente e que, além disso, por serem, como as redes sociais, instâncias informais, podem trazer à tona, “ideias – tanto no teor, quanto na forma – muitas vezes ausentes das esferas públicas” (p. 90), permitindo, desse modo, “enxergar mais nitidamente abaixo da linha da superfície dos argumentos frequentemente trazidos em instâncias que requerem um maior nível de formalidade”, como seria o caso da avaliação institucional formal. Acrescente-se a isso a constatação de que muitos jovens (estudantes) comunicam-se por vezes com maior naturalidade em tais esferas de ação social. Percebeu-se, sob certo sentido, que mesmo plenamente cientes de se tratar de um trabalho formal de pesquisa, os estudantes responderam de forma direta, sem que fosse possível observar pressão de tempo ou ansiedade, o que resultou em rico material para análise. Dialogando com os resultados e uma discussão preliminar Finda a coleta, realizou-se uma segunda etapa da pesquisa: estudo e análise de conteúdo das entrevistas, utilizando-se para tanto a perspectiva de análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Inicialmente, foi possível identificar que as falas dos estudantes poderiam ser classificadas em dois grandes tópicos - estrutura e ensinonos quais salientaram-se três grandes categorias: educação, valores morais e éticos 269 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores e espaço físico. Elencando os conceitos e ideias que se repetiam em diversos depoimentos, estabelecemos um conjunto de categorias secundárias, concomitantes as três acima descritas. Estas, no entanto tiveram incidências menores. Assim, foi possível esboçar o seguinte quadro diagramático das respostas por eles oferecidas: UVERSIDADE DE QUALIDADE Espaço físico Estrutura Incentivos à pesquisa e a extensão Conscientização social Cultura Compromisso social Incentivo à diversidade Educação Respeito Valores morais e éticos Ensino Administração Professores Figura 1 – Visão diagramática - Universidade de Qualidade Em análise preliminar, ao se tratar de espaço físico e educação, a distribuição quantitativa de respostas foi relativamente homogênea entre as distintas categorias, como se pode observar no gráfico a seguir: Universidade de Qualidade 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 72 65 61 47 39 35 31 23 22 22 estudantes em % Figura 2 – Categorização das respostas (em %) 270 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Qualidade como uma questão material Do ponto de vista quantitativo, destaca-se a menção feita à infraestrutura, em que pese haver relativa proximidade de ocorrências situadas para além das dimensões de estrutura física da instituição, tais como a consideração geral sobre a qualidade geral da formação e da atuação dos docentes. Os alunos demonstraram ter uma preocupação constante em relação ao que a universidade oferece em termos de infra-estrutura, emprego de tecnologias e formação prevendo inovações mercadológicas, assim como se percebeu como uma das prioridades o respeito dos professores para com cada aluno. Uma afirmação que respalda esta última percepção: “Respeito de professores para alunos, mais comprometimento dos professores para os alunos.” (A05 )3 Talvez seja prudente fazer, como já indicamos anteriormente, uma observação mais apurada sobre o destaque dado ao primeiro ponto - o que a maioria dos alunos aponta inicialmente como qualidade na universidade diz respeito focalmente à sua infraestrutura física. Parcela muito significativa dos depoimentos começam a discussão do que é entendido como qualidade com base no julgamento de sua infra-estrutura física. Indicam como condição imprescindível e primeira, portanto, um bom ou adequado sistema físico, refletido em boas salas de aula; bons laboratórios; bons materiais didáticos, bem como uma boa estrutura para pesquisa e extensão. O conjunto destes seria então indicativo de universidade de qualidade. Longe de excluir tais parâmetros para a avaliação de qualidade, questiona-se aqui o fato de tais questões assumirem um papel basilar na organização da argumentação dos estudantes consultados sobre o que se entende por qualidade. Tal ênfase pode ser relacionada a uma teoria da hierarquia das necessidades, na qual fisiologia e segurança encontram-se na base da pirâmide, logo a parte física dos sujeitos precisa ser satisfeita para só então as emoções e o intelecto serem passíveis de desenvolvimento, em suma, as aulas terem condições de surtir efeito. Foi destaque nos depoimentos a ênfase indicada pelas repetições de quesitos ligados à infra-estrutura, para os quais a queixa maior se deu em relação a serviços básicos como banheiros, tomando a primazia nas listagens, precedendo à demanda por bons profissionais de ensino ou meios de aprendizagem e métodos, como se observa, por exemplo, nas seguintes assertivas: Banheiros limpos, professores infraestrutura (A03) 3 As iniciais correspondem aos nomes dos estudantes qualificados e boa Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 271 Boa infra-estrutura, com banheiros, rede de informática e acesso par todos, restaurantes, debate de valores e construção de conhecimento em conjunto, etc. (A33). Paralelamente a tais dimensões podem ser encontrados igualmente elencados com fundamentais para uma universidade de qualidade a melhoria de bens de consumo e até mesmo boa iluminação, bem como bibliotecas mais preparadas para a demanda de alunos matriculados em uma mesma cadeira, indicando haver atualmente falta de material para consulta e até mesmo a exiguidade de espaço físico para estudos. Sinteticamente, uma expressão prototípica desse foco na infraestrutura pode ser vista na seguinte posição de um dos estudantes entrevistados: “[Espera-se que a universidade] Ofereça a seus alunos a estrutura que eles merecem” (A01). A forte presença de questões relativas à infra-estrutura institucional nas indicações dos estudantes vai numa direção ligeiramente diferente do que indicaram Souza e Reinert (2010) em seu estudo. Merece, portanto, estudos adicionais em torno de explanações mais consistentes sobre as razões que levam estudantes a constituir tais condições como o foco de seu entendimento sobre o que possa ser entendido como qualidade na educação superior. Mesmo assim, parafraseando a fala dos estudantes, a qualidade da infraestrutura seria um indicativo de que os estudos poderiam ser levados adiante com sucesso. Essa questão, no entanto, exige alguma cautela, particularmente diante do alerta feito por Andriola et al (2006) quanto ao potencial impacto da falta de infra-estrutura sobre as taxas de evasão observáveis em vários contextos de educação superior. Dito de outra forma, se a presença de condições adequadas de infra-estrutura não garante per se o sucesso de uma instituição, sua falta, por outro lado, pode ser determinante para o fracasso de sua missão. Qualidade como Ética e Compromisso Social Entretanto, há na rede de falas, outras tantas assertivas indicativas de outras categorias, dentre as quais destacamos a Ética e o Compromisso Social, que, em seu conjunto, deixam um claro alerta ao fato de que os estudantes estão sintonizados com a ideia de que uma universidade de qualidade é, de modo bastante relevante, uma universidade ética, como destacam as seguintes falas: 272 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Autenticidade, credibilidade, compromisso social, comprometimento e ética (A82) Ela deve ter como principal objetivo passar o conhecimento e também ser uma instituição correta e transparente (A47) Respeito, ética e amizade cultiva (A36 A universidade deve ser multidisciplinar, deve haver comprometimento de todos, e prestar serviços a sociedade, deve haver mais compromisso social (A59) Acho que o que a universidade precisa é uma mentalidade voltada para a sociedade, não ficar somente pensando no ensino pelo ensino, não que todos esses papéis sejam de responsabilidade da instituição. O aluno, o estudante precisa levar isso à universidade também. Acho que o aluno é tão decisivo na formação da universidade quanto a universidade na formação do aluno. Participar de debates, fazer pesquisas, tudo isso que não se enquadre somente dentro da sala de aula sabe, essas coisas precisam ter espaço na universidade (A48) Ética, democracia, responsabilidade social (pesquisa voltada a buscar soluções para problemas da sociedade)(A35) Como pode ser observado pelas falas, mas sobretudo pelo recurso aos dados constantes da Figura 1 (Categorização das respostas – em %), temas como o respeito, a conscientização social, a ética e a responsabilidade social são presenças marcantes nas falas dos estudantes quando se referem ao que entendem ser uma universidade de qualidade, o que reforça o sentido de haver – em se tratando de estudantes de uma universidade pública – uma nítida preocupação com a relevância social da instituição Dentre as respostas e argumentações dos entrevistados foi possível perceber também a ênfase em uma universidade que ofereça qualidade de ensino aliada a inclusão ao mercado de trabalho, Uma universidade que de um ensino de qualidade e estimule o aluno a estar presente em sala de aula, que estimule trabalho de iniciação científica e bolsas de extensão, que mostre verdadeiramente o mercado de trabalho e que insira o aluno no mercado de trabalho uma busca por melhores professores e suas qualidades didático-pedagógicas. (A34) Nesse sentido, Nunes & Helfer (2009, p. 181) indicam, em seu estudo das opiniões de discentes de uma universidade comunitária de porte médio do Rio Grande do Sul, que “as dimensões do conhecimento profissional e contextual são Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 273 as que têm mais peso na ideia da boa prática docente” e podem, por conseguinte, ter um considerável impacto na formulação do conceito de qualidade que estudantes conseguem formular. As entrevistas também salientam, por outro lado, que os estudantes entendem haver alguns obstáculos a um processo do qual resulte uma universidade feita com qualidade, com algumas diferenças entre distintas áreas. Na área das ciências exatas e engenharias, por exemplo, o foco das preocupações parece estar centrado nos processos de ensino e de aprendizagem, particularmente no que se refere ao distanciamento e frieza de determinados professores em relação à aprendizagem e, de mesmo modo, resultados obtidos pelos alunos em algumas disciplinas, que parecem ter ‘tradição’ de produzir reprovações em massa. Por outro lado, na área das Ciências Humanas, em cursos como, por exemplo, Ciências Sociais e Filosofia, as preocupações deslocam-se para questões que transcendem os aspectos mais diretamente relacionados aos cursos em si. Estudantes daqueles cursos frequentemente aludem a uma falta de motivação em relação à futura profissão e sua inserção na sociedade. Além disso, parece haver, em função dessa pretensa falta de motivação diante do campo de atuação profissional, questionamento quanto ao status de tais cursos no âmbito da universidade. Assim, as preocupações expressas pelos estudantes parecem dar conta de diferentes níveis de valorização das profissões (bem como do status profissional a elas atribuído). Pode-se hipotetizar que além disso, como muitas das carreiras no campo das Humanidades estão relacionadas ao ensino, pode-se estender o argumento ao fato de que a docência, como profissão é insuficientemente valorizada (cf. Tardif e Lessard, 2005) e pouco atraente (Hargreaves, et al., 2002), na universidade, de igual modo, os reflexos de tais percepções são evidenciados numa menor valorização intelectual da função ensino e, mais agudamente da extensão, em comparação com a pesquisa, em detrimento de uma relação indissociável e, portanto, não preponderante, de nenhuma. De qualquer modo, o que se quer registrar aqui é que se, de um lado, é mister reconhecer que as áreas não são iguais, por outro lado, é preciso zelar para que as diferenças concreta ou simbolicamente existentes não sejam convertidas em loci de desigualdade e injustiça. Nessa direção, Santos (2006, p. 157) argumenta que “a injustiça social assenta na injustiça cognitiva”, e que, guardadas as devidas proporções e resguardadas as diferenças entre os contextos e situações aludidas, é necessário reconhecer que: há práticas de saber dominantes, assentadas na ciência moderna ocidental, e práticas de saber subalternas, assentes em saberes não científicos, ocidentais e não ocidentais, e que esta hierarquia 274 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) produz e reproduz desigualdade social no mundo. (SANTOS, 2006: p. 158) Diante de tal constatação, é preciso considerar que a existência de canais institucionais que permitam uma realimentação contínua dos vínculos entre universidade e sociedade e entre os diferentes atores que a constituem pode ter um papel potencializador de suas próprias ações e de redução das desigualdades que por ventura a perturbem. Conversamente, a falta de tal canal organizado de modo mais intenso e institucional, por sua vez, pode gerar uma situação que enfraquece ou dificulta discussões de natureza mais complexa, inclusive as que dizem respeito ao juízo que se faz da ação da universidade. É preciso, portanto, que sejam estimuladas as iniciativas de acompanhamento dos estudantes da universidade, bem como de seus egressos ou ainda a interlocução sistemática com as pessoas, instituições e contextos que estejam em sua área de abrangência. Oportunidades para tanto têm se apresentado, particularmente no que diz respeito aos processos de avaliação institucional suscitados pelo SINAES4, que incorpora na dinâmica da avaliação institucional a interlocução com a comunidade. Essa, no entanto, tem sido reportada como uma área na qual ainda se precisa, em termos de Brasil, produzir avanços mais consideráveis. No que se refere a uma desigualdade percebida entre as diferentes áreas ou campos disciplinares no âmbito da instituição, Wielewicki (2010) alerta, a partir de um outro contexto, que embora a forma de constituição dos órgãos de representação (e talvez seja o caso de considerar a avaliação institucional como uma forma de representação e ausculta) possa comportar uma análise mais detida, as idiossincrasias de tais instâncias – aqui incluídas as desigualdades de tratamento não somente entre áreas e cursos, mas também dentro as áreas atuantes nos diferentes cursos – são, dado seu frequentemente limitado nível de autonomia, mais claramente identificáveis como sintomáticas de uma desigualdade no âmbito dos cursos, do que propriamente causadora dessas desigualdades. Qualidade como participação e diálogo Por fim, cabe argumentar aqui por uma participação mais ativa (e talvez proativa) dos estudantes na avaliação da qualidade da educação superior, sobretudo a partir de uma perspectiva problematizadora de sua condição de atores decisivos de sua própria formação. Nesse sentido, a situação reportada 4 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, criado pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 275 no presente trabalho talvez deva repensada em termos da possibilidade de que representa em termos do diálogo no âmbito da instituição. Além disso, para finalizar, conforme apontam Antunes et al. (2010, p. 176) além de relativamente escassos, os estudos sobre qualidade da educação a partir da perspectiva dos discentes tendem a se restringir sobre a avaliação da qualidade do trabalho dos docentes. Aqueles autores indicam, entretanto, a necessidade de que embora seja necessário dialogar, na avaliação institucional, com a perspectiva dos diversos atores sociais envolvidos, é fundamental não perder de vista na avaliação da qualidade da educação superior o “ponto de vista de um importante segmento de um cenário formativo, a quem se destina a função político-social de uma instituição educacional – os alunos. (ibid, p. 177), cujas vozes precisam ser mais audíveis, inclusive em termos de como a instituição pensa a si mesma e se faz percebida por quem a constitui. Referências ANDRIOLA, Wagner Bandeira; ANDRIOLA, Cristiany Gomes; MOURA, Cristiane Pascoal. Opiniões de docentes e de coordenadores acerca do fenômeno da evasão discente dos cursos de graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 52, set. 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-40362006000300006&lng=pt&nrm=iso>. 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QUALIDADE E GESTÃO PEDAGÓGICA Elisiane Machado Lunardi 1 D urante os últimos anos, em virtude da crescente importância que a educação superior vem assumindo para o crescimento dos seres humanos e para o desenvolvimento sociocultural e econômico dos países e sociedades, a qualidade se tornou assunto de grande importância não apenas para governos e instituições, mas também para toda a sociedade de maneira geral. A preocupação dos governos em relação à qualidade da educação tem estado manifesta em suas políticas. Muitas são as respostas que têm sido dadas à pergunta: O que é qualidade em educação na educação superior? A relação qualidade e educação superior está intrinsecamente agregada a observância das políticas educacionais vigentes para o ensino superior e a cultura organizacional da IES, bem como repercute na formação e atuação dos profissionais e futuros profissionais. Esse texto apresenta concepções e conceitos sobre qualidade no ensino superior e gestão pedagógica de professores. O objetivo deste estudo consiste em apontar algumas reflexões ancoradas em um estudo bibliográfico sobre qualidade e gestão pedagógica de professores do ensino superior. Qualidade no ensino superior Muitas são as respostas que têm sido dadas à pergunta: O que é qualidade na educação superior? Ultimamente, o debate sobre a educação superior vem sendo focado sobre a qualidade, garantia de qualidade, para a aprendizagem, a formação e a educação, abarcando estruturas, os processos e os resultados educacionais (PAWLOWSKI, 2007; ADELSBERGER et al., 2008; SOMERS, 2010; MOROSINI, 2008). Vários autores demonstram crescente preocupação com a educação, em especial, no que tange a sua melhoria no ensino superior. Neste enfoque, Juliatto (2005, p.19-20) diz: Cresce no Brasil a preocupação com a qualidade da educação superior [...] A preocupação demonstra que se vê inadiável a necessidade de melhoramento imediato, o que demanda critério, proficiência e, mais que tudo, 1 Acadêmica do Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Profª Adjunta do Curso de Pedagogia em EAD da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/Canoas - RS 278 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) determinação e constância. [...] A preocupação com a qualidade da educação superior não ocorre apenas no Brasil. Ela existe como crescente desafio mundial. Percebe-se a preocupação com a melhoria de qualidade da educação considerando que nas últimas décadas, no mundo inteiro, está acontecendo um movimento de internacionalização na educação superior e, consequentemente, está voltado para a qualidade da educação entendendo-a como pilar para a formação e atuação profissional. Várias são as instituições, órgãos e entidades, preocupados com as ações de responsabilidade social da Universidade, voltados para que se instaure uma pedagogia universitária de qualidade no mundo. Órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO estão empenhados em questões e ações que priorizam a universidade socialmente responsável. Morosini (2008), ao tratar sobre a internacionalização da educação superior, no que se refere a indicadores na perspectiva da qualidade do ensino e da pesquisa, sinaliza: “O impacto no ensino e na pesquisa tem como características: a visão que a qualidade está relacionada à responsabilidade e ao compromisso e contribui para o desenvolvimento de experiências de aprendizado de estudantes”. Também, a autora se refere as “[...] evidências do impacto da avaliação de qualidade sobre as práticas de ensino” (p. 262), que apontam, propriamente dito, prováveis indicadores de qualidade da educação superior: Reformas no currículo, padrões mais altos e desenvolvimento de instrumento para avaliação de estudante, inovação em programas profissionais, programas melhores para instrutores e desenvolvimento em padrões e sistemas de promoção; grande consolidação da qualidade e crescimento da atenção dada a função ensino nas IES e nas comunidades acadêmicas, através de discussões sobre ensino, monitoria e implicações do ensino por ele mesmo [...] da informação para os professores sobre seus pontos fortes e fragilidades, situações diagnósticas de ajuda; discussão e mudança de valores desenvolvimento de sentido de pertença a uma IES e legitimidade daqueles que iniciaram a avaliação. (MOROSINI, 2008, p. 262). Assim, a implementação de mecanismos avaliativos que priorizam a qualidade da educação superior está relacionada a mudanças no processo ensino e aprendizagem, sobretudo, porque apontam para critérios e indicadores Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 279 que sinalizam o que está acontecendo e o que precisa ser redimensionado para alcançar os objetivos previstos para a IES, para o Curso, para a produção docente e discente, entre outros aspectos. Sendo assim, pode-se defender que a qualidade no ensino superior, entre outras instâncias, tem como premissa: produção científica docente e discente; padrões de satisfação às necessidades dos sujeitos os quais a instituição está disponibilizando seus serviços; padrões mínimos os quais possam garantir que as necessidades sejam bem atendidas; aprimoramento dos ambientes, os processos de gestão e organização, o processo ensino-aprendizagem e as relações. Nesse sentido, a relação qualidade – ensino superior está intrinsecamente agregada a cultura estabelecida pelos cursos de formação, bem como repercute nos contextos educacionais em que os professores atuam. Examinar as questões que envolvem a formação e atuação dos professores, em especial na cultura da Instituição de Ensino Superior (IES) e nas práticas que qualificam a formação pretendida com o enfoque no eixo da gestão pedagógica universitária, exige que se olhe sobre o viés de um ensino eficaz. De acordo com Cabrera (2010) e Cabrera e LaNasa (2008) ensino eficaz é o que é capaz de produzir resultados demonstráveis em relação á aquisição de competências. Segundo Sugumar (2009), a competência se refere ao conhecimento, habilidades e atitudes que deverá ter durante sua carreira. Nesse sentido, a docência no ensino superior é espaço de processos específicos, os quais necessitam ser interpretados, especialmente pelo contexto societário, assim como as atividades acadêmicas que autorizam a certificação – e entre elas o ensino – estão, inevitavelmente, relacionadas com perspectivas de boa qualidade na atuação profissional dos docentes no ensino superior. Para (RIOS, 2001, BRASLAVASK, 1999), a boa qualidade se refere à competência docente com a capacidade de fazer com saber e com consciência dos resultados desse saber. A qualidade de uma universidade está diretamente ligada à qualidade do ensino que oferece que, por sua vez, vincula-se ao trabalho que o professor realiza em sala de aula e em outros espaços acadêmicos destinados à aprendizagem dos estudantes. Desta forma, professores qualificados, bem preparados e dispostos a investir na aprendizagem dos alunos terão maiores condições de criar as situações necessárias para uma formação acadêmica consistente. Para Tardif (2000, p. 13), é importante compreender a epistemologia da prática profissional como o “estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. A sala de aula passa a ser o lugar privilegiado de 280 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) mobilização e construção de novos saberes que configurarão o fazer docente. As dimensões éticas e estéticas da gestão pedagógica dos professores passam a ser consideradas, pois essa prática implica construção de valores, expectativas e relações interpessoais que vão tecendo a complexidade da trama que o processo de ensino-aprendizagem produz. García (1999, p. 26) conceitua a formação de professores da seguinte maneira: A formação de professores é a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através dos quais adquiram ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. Tal processo exige ações auto, hétero e interformativas, pela construção e reconstrução conceitual, advindas do processo de compartilhamento. Então, o desenvolvimento profissional docente se delineia por demarcações de caminhos, considerando a sua finalidade formativa e as respectivas trajetórias pessoais, profissionais e institucionais, imbricadas nesse processo (ISAIA e BOLZAN, 2008). Entrelaçar em uma pesquisa o desenvolvimento profissional e as relações com a qualidade da educação superior significa desafiar a investigar a trajetória docente, com o olhar criterioso e investigativo nos pressupostos básicos e formativos dos professores. Juliatto (2005, p.79) expressa que: Os indicadores de qualidade têm de ser empregados com cuidado e para a finalidade para a qual foram criados. Eles não são medidas absolutas da qualidade. Eles são indicadores de qualidade singelos, mas significativos. Eles indicam e sinalam algo que até pode necessitar de maior elucidação e explicação. A ênfase deve ser dada aos indicadores como sinais ou guias que por certo, comportam valiosa informação. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 281 O autor aborda com ênfase a questão quantitativa como norteadora e disseminadora de possíveis indicadores, mas aponta para a necessidade de uma abordagem qualitativa complementar para confirmar e qualificar efetivamente os dados obtidos. Entre várias concepções, Isaia e Bolzan (2008) reconhecem que os indicadores são correspondentes sinais ou marcas, ao longo de determinado processo que se deseja avaliar. Para tanto, é preciso focar uma visão de conjunto que integra diversos aspectos que apresentam dimensão subjetiva e, portanto qualitativa, ao se refletir acerca de certa realidade. Assim, elege-se a expressão interpretativa de indicadores, sem ignorar a dimensão objetiva e quantitativa dos mesmos. Destaca-se a qualidade sob três enfoques abordados por Morosini (2001, p.90): Alguns enquadram qualidade na concepção de isomorfismo, articulada à idéia da empregabilidade e à lógica de mercado. Outros a entendem como respeito à diversidade e para outros, ainda, a qualidade vem imbricada ao conceito de eqüidade. A autora aponta três concepções de qualidade do ensino superior, as quais, certamente, são produzidas pelas expectativas e políticas de administração. Basicamente, se sabe que quando institucionalmente se faz opções por algumas práticas, se está mobilizado por questões jurídicas, de ordem legal, assim como pelo viés das políticas educacionais. Nesse sentido, é importante que se registre que os condicionantes paradigmáticos interferem nas concepções e práticas de avaliação institucional e, conseqüentemente, produzem indicadores que verificam a qualidade dos serviços, da aprendizagem, dos espaços físicos, do conhecimento [re] construído, dos recursos, entre outros aspectos. Como aponta Morosini (2001), a qualidade isomórfica é sinônimo de avaliação, uma vez que está presente no processo de planejamento, na implementação das práticas pensadas, no controle e verificação das ações realizadas e dos resultados obtidos. Está conectada a tipos de padrões focados a sustentabilidade e empregabilidade, conseqüentemente, a políticas públicas voltadas para o mercado. Cabe ressaltar que, para além dessas categorias de qualidade, Morosini (2001) também diz que essas três perspectivas de qualidade estão interrelacionadas, contrapondo a separação específica e nítida, ou seja, não existe uma tendência de qualidade numa IES, pois dependendo do momento e da situação a 282 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) instituição adota uma sistemática ou outra, assim como pode estar mesclando as diferentes facetas paradigmáticas da qualidade do ensino. Qualidade aplicada aos sistemas universitários corresponde a um conceito de construção social, local e internacional; pressupõe acordo entre atores; indicadores podem ser resultantes de processos de negociação. Qualidade e excelência podem se definir pelo conceito e missão das universidades (MOROSINI, 2008, p.265). A qualidade na educação superior, conforme Rios (2001) pode ser entendida sob quatro enfoques: qualidade da educação como competência técnica; qualidade da educação enquanto proposição e realização de atividades; qualidade da educação organizacional; qualidade da educação pela capacidade de articulação. Nesse contexto, conforme o INEP/MEC é preciso que as IES priorizem condições agregadas ao ambiente educativo; prática pedagógica e avaliação; ensino e aprendizagem; gestão; formação e condições de trabalho dos profissionais; ambiente físico; acesso e permanência dos alunos, entre outros aspectos. Sendo assim, pode-se defender que a qualidade no ensino superior, entre outras instâncias, tem como premissa: produção científica docente e discente; padrões de satisfação às necessidades dos sujeitos os quais a instituição está disponibilizando seus serviços; padrões mínimos os quais possam garantir que as necessidades sejam bem atendidas; aprimoramento dos ambientes, os processos de gestão e organização, o processo ensino-aprendizagem e as relações no contexto educacional. Qualidade e gestão pedagógica de professores De acordo com Dourado (2003), a gestão da educação compreende a articulação entre aspectos administrativos, pedagógicos, políticos e financeiros que possibilitam a dinamização das ações educativas. Pode-se dizer que a gestão vai além da visão técnica, burocrática, impessoal de administração da educação. Ela se amplia para a perspectiva de um espaço de tomada de decisões permeado por intencionalidades que revelam as crenças, valores, propósitos de uma dada instituição em seu conjunto, quando o processo for participativo e democrático, ou de seus dirigentes, quando a tomada de decisões for resultante da vontade individual ou de um grupo restrito. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 283 Quando se fala em gestão no setor da educação pensa-se em praticar democracia, ou melhor, em gestão democrática, justamente porque a assunção do termo “gestão” nos meios educacionais ocorre, de acordo com Luce e Medeiros (2006), no bojo dos movimentos reivindicatórios dos professores no contexto do processo de democratização do país, propiciando a discussão e a contestação das formas de administração escolar vivenciadas até então (década de 1980). Entretanto, também se observa a utilização do termo por diferentes correntes e com diferentes enfoques, sendo que alguns deles pouco ou nada se assemelham aos processos democráticos. Teichler (apud MOROSINI, 2003) destaca que os modelos de gestão da educação superior, independentemente do tipo de instituição (humboldtiana, francesa-napoleônica ou transformadora).2 são considerados como formas de governo marcadas pelas relações entre educação e sociedade e o modo de administração interno das instituições. As mudanças na organização da universidade são resultantes dos processos de reconfiguração do Estado no contexto da reestruturação capitalista contemporânea, que assinala para reformas estruturais de grande porte, incluindo a reforma da universidade, as também da reconfiguração dos processos de produção e apropriação de conhecimentos e tecnologias. Neste sentido, as instituições universitárias tornam-se foco de atenção. São questionados os valores por elas disseminados, a qualidade do conhecimento produzido em seu interior e, principalmente, como ocorrem os processos educativos pelos quais são responsáveis, considerando a formação de profissionais de diferentes áreas. Portanto, a qualidade da gestão pedagógica do professor não pode ser vista como um “dom”, que uns têm outros não, ou como resultado exclusivo da experiência, “que se aprende a fazer, fazendo”, nem mesmo possa ser considerada de responsabilidade exclusiva do professor. Cunha (2004), ao estudar a configuração da docência universitária, afirma que A concepção de docência como dom carrega um desprestígio da sua condição acadêmica, relegando os conhecimentos pedagógicos a um segundo plano e desvalorizando esse campo na formação do docente de todos os níveis, mas, principalmente o universitário (p.3). Os modelos mais difundidos de universidade são os identificados com a tradicional universidade alemã, chamada de humboldtiana, caracterizada pela ênfase na pesquisa e na produção do conhecimento científico; os que adotam a perspectiva francesa-napoleônica, voltada para a formação profissional em bases técnicas e o modelo latino-americano, que valoriza a concepção de universidade como instituição de transformação social (MOROSINI, 2003). 2 284 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) As características próprias dos professores e as experiências docentes são parte da configuração profissional, mas não se limita a elas, ou melhor, estas não são suficientes para dar sustentação a posturas e decisões. A profissionalidade docente implica em escolhas que ultrapassam o senso comum e se vinculam a conhecimentos complexos e vivências refletidas que vão dando forma a uma condição profissional específica: “ser professor”. A gestão pedagógica, também, está ancorada nos saberes da docência podem ser traduzidos pelo conhecimento aprofundado de um dado campo de estudos; pela produção e manejo de materiais didáticos; pelo domínio de instrumentos metodológicos; pela clareza quanto à opção epistemológica e quanto ao nível cognitivo e intelectual esperado dos alunos durante as situações de aprendizagem; pela criatividade e bom senso na elaboração de situações que desafiem o pensamento e que produzam a novidade; pela capacidade de organizar o planejamento das aulas, as atividades de aprendizagem e a avaliação dos alunos; e pelo espírito investigativo que permite a elaboração própria, o pensamento autônomo e a auto-avaliação. O estudo do fenômeno educativo, enquanto gestão pedagógica em suas dimensões mais amplas aparece circunscrito no campo da Pedagogia Universitária entendida por Leite (2003) “como um campo interdisciplinar que compreende o estudo do docente como intelectual público, do conhecimento social como articulador do científico e do cotidiano, da inovação pedagógica, da avaliação institucional e da classe nos contextos das novas tecnologias” (p.196). Como parte dos estudos próprios à Pedagogia Universitária3 situa-se a didática universitária, cujo objeto é o estudo e a intervenção nos processos de ensinar e aprender que ocorrem na aula. A pedagogia universitária é um campo polissêmico de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior. Reconhece distintos campos científicos dos quais toma referentes epistemológicos e culturais para definir suas bases e características. Pressupõe, especialmente, conhecimentos no âmbito do currículo e da prática pedagógica que incluem as formas de ensinar e de aprender. Incide sobre as teorias e as práticas de formação de professores e dos estudantes da educação superior. Articula as dimensões do ensino e da pesquisa nos lugares e espaços de formação. Pode envolver uma condição institucional, considerando-se como pedagógico o conjunto de processos vividos no âmbito acadêmico. (CUNHA, 2006). Cito alguns autores que têm trabalhos voltados para a questão pedagógica da docência do ensino superior, com destaque para Maria Isabel da Cunha (1989, 1996, 1997, 1998, 2003, 2004, 2005, 2006), Denise Leite (1996, 1997, 1999, 2000, 2002, 2003), Anastasiou e Pimenta (2002), Pimenta (1996, 1997,1999, 2000, 2002), Masetto (2004), Anastasiou (1998, 2000,2001,2003). Esses pesquisadores discutem especialmente a idéia de mudança, de inovação, de rupturas com alternativas tradicionais de ensinar e aprender. 3 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 285 A publicação “Enciclopédia de Pedagogia Universitária”, organizada por Morosini (2003) e produzida pelo grupo de professores integrantes da RIES – Rede Sul-brasileira de Investigadores da Educação Superior, procurou tornar visíveis os esforços de instituições do RS no sentido de qualificar suas práticas docentes por meio de políticas internas de gestão pedagógica. Um dos textos de Maria Isabel da Cunha traça a trajetória da Pedagogia Universitária no Estado, desde a sua emergência, seus momentos de maior vigor até o momento atual em que as preocupações das instituições, pressionadas pelas políticas oficiais e pelo projeto social capitalista contemporâneo, passam a ser de outra ordem, mais voltadas a colaborar com os sistemas econômicos e manterem-se rentáveis e competitivas e menos reflexivas e críticas. A Anpae publicou em 2001 um trabalho intitulado “O estado da arte sobre política e gestão da educação no Brasil”, onde os pesquisadores realizaram um importante levantamento das produções de pesquisas nesta área. Em um capítulo específico sobre educação superior, produzido por Afrânio Catani e Maria Estela Dal Pai Franco, os autores revelam as lacunas existentes no campo da pesquisa em gestão acadêmica e do ensino, dando mostras da pouca atenção dadas a essas questões na universidade. Para a educação superior, alguns balizadores ao conceito de qualidade são apontados, por Isaia e Bolzan (2008, p.2): [...] seu caráter interpretativo e valorativo, ambos ligados às dimensões sociais, políticas e históricas; sua dimensão docente, na medida em que são consideradas as estratégias voltadas para o desenvolvimento do processo de formação de alunos e professores, envolvendo empenho docente e discente nas tarefas acadêmicas, tendo em vista a relevância do que se aprende; seu caráter transformativo, levando em conta as demandas da sociedade; sua vinculação a decisões políticas, na medida em que o Estado participa da gestão educacional; sua dimensão micro englobando a trajetória institucional em todas suas instâncias e o processo especificamente pedagógico ou formativo dos professores. Nesse sentido, a gestão pedagógica universitária constitui-se a partir do processo sistemático, organizado e auto-reflexivo que envolve os professores, desde a formação inicial ao exercício continuado da docência nos diversos espaços institucionais em que se desenrolam as relações entre a teoria e a prática do professor da educação superior. 286 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Para García (1999), a concepção de desenvolvimento profissional dos professores pressupõe uma perspectiva de formação que priorize o caráter contextual e organizacional, direcionado para a mudança, superando a visão individualista das ações de aperfeiçoamento docente, apontado, portanto, para o compartilhamento de saberes e fazeres. Sobre esse aspecto, Fullan apud García (1999, p.27), enfatiza que o [...] desenvolvimento profissional é um projecto ao longo da carreira desde a formação inicial, à iniciação, ao desenvolvimento profissional continuo através da própria carreira [...] O desenvolvimento profissional é uma aprendizagem contínua, interactiva, acumulativa, que combina uma variedade de formatos de aprendizagem. Assim, a representação de ser professor, considerando seus saberes e fazeres como pressupostos para a qualidade na gestão pedagógica universitária, se personifica nas práticas educativas no ensino superior e, conseqüentemente, na formação dos futuros professores. Enquanto processo multifacetário, a qualidade da gestão pedagógica abrange “questões de ordem teórica, profissional, atitudinal, valorativa, contextual, sociocultural e política” (ISAIA e BOLZAN, 2008, p.551). Aproximar o conceito de qualidade à área de educação, num sentido amplo, significa reconhecer que ela pode consistir num significante, com múltiplos significados, por meio de conceituações fundamentais, como de sujeito, sociedade, vida e educação, inter-relacionadas com idéias afins, de caráter mais global, assim como de caráter profissional. Considerações Finais O debate sobre a educação superior sinaliza a garantia de qualidade, para a aprendizagem, a formação e a educação, abarcando estruturas, os processos e os resultados educacionais (MOROSINI, 2008). A qualidade no ensino superior não se expressa simplesmente nem se esgota na relação entre insumos e quantidade dos produtos. Dimensões pedagógicas, científicas, técnicas, éticas, políticas, econômicas e tantas outras que constituem o humano são co-essenciais no complexo fenômeno da qualidade educativa e muito pouco deles cabe indicadores que se centram no formal, no burocrático e no operacional. Nesse sentido, as Instituições de Ensino Superior precisam articular a organização e a condução de todo processo educativo, com critérios bem Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 287 definidos para, sobretudo, saber onde quer chegar, por que, com quem, e como vai se fazer isso acontecer, para que, efetivamente, esse processo seja legitimado pela gestão pedagógica de seus professores A qualidade da gestão pedagógica docente aparece ancorada no campo da pedagogia universitária e está inter-relacionada à formação e atuação profissional e, consequentemente, o desenvolvimento profissional, tendo como aspectos fundantes e articuladores os saberes docentes (PIMENTA, 2002; TARDIF, 2002; GAUTHIER, 1998; NÓVOA, 2003); a gestão da classe e da matéria (GAUTHIER, 1998); as relações institucionais a nível macro e micro (ISAIA E BOLZAN, 2008; MOROSINI, 2008); a ação pedagógica que envolve o planejamento, a metodologia e avaliação (ENRICONE, 2005; CUNHA, 1999; PIMENTA E ANASTASIOU, 2000; ZABALA, 2002). Para Cossio (2008) os professores precisam se apropriar de conhecimentos que envolvam a realidade educacional na qual estão situados, precisando, assim, de elementos de contexto (econômico, social, político, cultural) e da instituição educativa (estruturas de poder, formas de organização e de gestão, discursos e práticas veiculadas, vínculos com a comunidade – o instituído e o instituinte); o seu campo de conhecimento específico, no caso de professores das diferentes áreas que compõem o currículo de um curso; o grupo de estudantes e de cada um deles em particular, detectando motivações, interesses, conhecimentos prévios, modalidades de aprendizagem, processos cognitivos; a didática, que compreende as questões específicas de ensinar e aprender, envolvendo planejamento de aulas; concepção e gestão do currículo da sua disciplina e do curso em sua totalidade; processos, técnicas e recursos que podem ser mais adequados para as diferentes situações; modalidades e formas de avaliação; postura em sala de aula; relação com os alunos; organização do ambiente da aula; conhecimento sobre novas tecnologias que auxiliem no processo pedagógico e, por fim, o conhecimento da profissão que permita ao professor situar-se na carreira e no contexto da sua profissão, buscando formas de ampliar a sua profissionalidade. Portanto esses indicadores, se articulados, se configuram como mecanismos desencadeadores e potencalizadores de processos pedagógicos orientados pelas políticas e finalidades da educação superior e da instituição que envolve o ensino, a aprendizagem, o currículo, os professores, gestores e acadêmicos consolidando a qualidade do trabalho pedagógico no ensino superior. 288 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Referências ADELSBERGER, H. H.; KINSHUK, P.; PAWLOWSKI, J. M.; SAMPSON, D. (Ed.). Handbook on information technologies for education and training. 2. ed. Hardcover, 2008. Illus. BRAVASLASKY, C. Bases, orientaciones y critérios para el deseño de programas de formación de profesores. Revista iberoamericana de educación, n. 19, p. 13-50,1999. CABREIRA, A. F; LA NASA, S.M. Classroom Teaching Practices: ten lessons learned. In AUDY, Jorge Luis Nicolas e MOROSINI, Marília Costa (org.). Inovação e qualidade na Universidade. Innovation and Quality in the Univerty. 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É no contexto desse estudo que se circunscreve o presente trabalho, no que se refere a parte que está sob a responsabilidade da UFRGS. A direção assumida pelo projeto como um todo é a de acrescentar subsídios de caráter integrador aos indicadores de qualidade na ação e na avaliação da universidade. No âmbito da pesquisa a UFRGS realizou um conjunto de ações que envolveram dois Grupos de Pesquisa – GPs, do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEdu/UFRGS), dessa instituição: o InovAval – Grupo de Pesquisa Inovação e Avaliação e o GEUIpesq – Grupo de Estudos sobre Universidade, Inovação e Pesquisa. Algumas dessas atividades foram realizadas pelos dois grupos, em conjunto, como Seminários e Workshops. Outras foram desenvolvidas no âmbito específico de cada GP como teses e dissertações. No presente trabalho são retratados frutos de algumas dessas atividades e seus desdobramentos. É necessário explicitar que para alcançar resultados o esforço empreendido implicou identificar, discutir e descrever dimensões e/ou categorias Agradecemos a colaboração dos professores que participaram do Workshop para discussão dos critérios e indicadores e/ou revisaram criticamente alguma das dimensões : do PPGEdu /UFRGS Denise B.C. Leite, Arabela C. Oliven, Elizabeth D Krahe, do GEU-UFPel Mariângela da Rosa Afonso, Maria da Graça Ramos, Tânia Elisa Garcia, do GEU-UPF a Professora Solange Maria Longhi e da UFSM Hamilton de Godoy Wielewicki ([email protected]). Participaram do workshop para discussão coletiva de critérios e indicadores , alunos de Mestrado e de Doutorado do PPGEdu /UFRGS ligados à linha de pesquisa Universidade Teoria e Prática e aos grupos GEUIpesq e InovAval : Antônio Luís Carvalho de Freitas (aluiscf@ ibest.com.br), Berenice Lurdes Borssoi ([email protected]), Cristina Zanettini Ribeiro (c.zanettini@ gmail.com.) ,Egeslaine de Nez ([email protected]), Flávia Fernanda Costa ([email protected]), Geraldo Ribas Machado ([email protected]), Gilvânia Plácido Braule ([email protected]), Letícia Martins de Martins([email protected]), Loriége Pessoa Bitencourt ([email protected]) Luciane Spanhol Bordignon ([email protected]),Maria da Glória Silva e Silva ([email protected]), Marlize Rubin Oliveira ([email protected]), Nice Vasconcellos Nocchi ([email protected]), Quelen Gianezini ([email protected]), Renata Greco de Oliveira ([email protected]), Virginia Bedin ([email protected]), Gustavo Schütz ([email protected]) PIBIC/UFRGS 1 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 293 de qualidade na gestão da universidade, bem como, exigiu esclarecimento em relação aos princípios que iluminaram a própria elaboração do trabalho, procurando revelar a lógica esclarecedora de conceitos fundamentais que perpassam e que constituem as distintas dimensões e/ou categorias. A finalidade maior foi a de configurar descritores que sirvam como indicativos de qualidade na gestão da universidade, e que possam servir de referência para que cada instituição atue de forma pró-ativa na construção de seu devir e no atendimento de suas responsabilidades e compromissos sociais. Com tal intuito perseguiram-se os seguintes objetivos específicos: identificar e discutir dimensões e indicativos de qualidade na gestão da universidade; identificar princípios que iluminam a elaboração de um trabalho sobre qualidade, sob uma lógica esclarecedora de construção coletiva; identificar e discutir conceitos fundamentais que perpassam distintas dimensões de qualidade; mobilizar professores e alunos pesquisadores na temática para a cultura de uma construção coletiva ancorada em discussões compartilhadas e consensos, mesmo que provisórios. Duas ordens de princípio (detalhados na seqüência), orientaram o processo que se instalou a fim de alcançar o escopo pretendido: de construção do trabalho e os de aferição da qualidade na gestão da instituição universitária. O que se tem presente é a qualidade da avaliação, desde sua qualidade metodológica até a qualidade da própria instituição universitária. Isso requer que se leve em conta o contexto histórico e regional da instituição e as relações universidade e sociedade, tendo em mira descritores que possam servir como indicativos de qualidade de gestão da universidade. Em outras palavras, que estes funcionem como uma verdadeira projeção do que cada universidade almeja ser, face ao conjunto de expectativas e necessidades sociais. O caráter de indicativo suplanta a idéia de qualificativos normativos, pois o pretendido é poder contribuir com um conjunto textual facilitador para que as instituições se mostrem como são, no que acreditam, o que fazem acontecer, como edificam sua própria identidade em sua plenitude, em sua totalidade. Qualidade da avaliação na gestão da universidade: princípios e indicativos Detalhando pois, a ordem dos princípios que regeram a metodologia de elaboração deste trabalho destacam-se dois. O primeiro é o de que o conhecimento é localizado e contextualizado, indo além daqueles valores 294 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) epistêmicos tradicionais (causa-efeito) alheios que são à força contextual e histórica dos objetos da ciência. As próprias teorias são vistas muito além de produtos textuais, mas de seus processos na gama metodológica, epistêmica, histórico-contextual e social de seu fazer. (ALMEIDA e PINTO, 1995). O segundo princípio refere-se à construção coletiva que reflete uma profunda partilha e compatibilização de sentidos, num ir e vir entre rejeição e busca de entendimentos, que resulta em “consensos provisórios” face ao objetivo maior, o da concretização de uma produção conjunta profundamente imbuída de sua intenção finalística - a de contribuir para a melhora do processo avaliativo com vistas ao aperfeiçoamento institucional. Ligado a este princípio encontra-se o uso da técnica de white paper enquanto uma modalidade de estudo focal, utilizada na construção do presente texto.2 Tais princípios orientaram a metodologia que se constituiu pela cooperação entre os GP envolvidos. Cooperação e parcerias são fontes para identificar práticas que nem sempre se encontram expressas na políticas institucionais. As práticas isoladas são reveladoras do dia a dia institucional e devem ser levadas em consideração. Tais pontos, levados em conta na construção metodológica, permitiram que o processo cumprisse os passos listados a seguir. − Escolha e/ou construção prévia de dimensões3 sobre qualidade na gestão da universidade bem como de conceitos sobre qualidade, critérios, indicativos, indicadores para discussão em grupos. − Workshop com a técnica white paper (como variante de grupo focal), objetivando captar distintas concepções e pontos de vista acerca da qualidade em discussão entre pesquisadores do tema. − Entrega de Documento(s) previamente construído sobre qualidade, dimensões e indicadores. O white paper visa produzir novas análises sobre uma dada temática e/ou problema, ou ainda, captar conquistas e tendências da ciência, de um dado campo científico e/ou disciplinar. Justifica-se no fato de que “hoje, a pesquisa científica é um desafio tão grande e o conteúdo da investigação é tão complexo e especializado, que o conhecimento e as experiência pessoais já não são instrumentos suficientes para a compreensão de tendências ou para tomar decisões” (PENDLEBURY,2009). Tal assertiva ressalta a importância da seletividade na indicação de áreas de investigação promissoras e da gerencia de investimentos. Tem sido usado numa abordagem quantitativa-bibliométrica e numa variação de grupo focal. Na abordagem bibliométrica assenta-se em índices de citações e na abordagem derivada de grupo focal assenta-se em discussões e sínteses sucessivas entre especialistas sobre uma dada temática/problema, direção usada no AIR (Association for Institutional Research), Fórum 2010 . 3 No contexto desta exposição parte-se do entendimento de dimensão da avaliação como o que delimita e caracteriza o objeto a ser avaliado; são grandes traços ou características referentes a aspectos institucionais (LEITE, 2005). 2 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 295 − Organização de grupos de discussão (constituídos por 4 - 6 membros), durante dois dias, focalizando cada dimensão previamente construída. − Organização de síntese de idéias, pelo relator escolhido pelo grupo, que as apresentou no Círculo de Conhecimento Coletivo; − Revisão dos documentos originais a partir das sínteses recebidas. − Redação final do presente texto que assimila pontos da contribuição coletiva. No que diz respeito à ordem dos princípios de aferição de qualidade na gestão da instituição universitária, destacam-se o compromisso social da universidade enquanto instituição, a responsabilidade como organização frente à sociedade na disponibilização de seus serviços; a integração pesquisa, ensino e extensão; a autonomia e a liberdade acadêmica com o inerente respeito aos olhares diferenciados sobre qualidade e gestão universitária; a auto-avaliação como movimento libertador de identidade institucional; a gestão democrática como força mobilizadora da participação da universidade na sua comunidade e vice-versa; a contextualização institucional na perspectiva de sua historicidade e localização temporal-espacial e a internacionalização como uma das forças integradoras/ articuladoras na universidade de um mundo globalizado; a sustentabilidade institucional, como uma das faces da responsabilidade social e, ainda, o princípio da educação continuada. Cabe primeiramente expressar que gestão é entendida, no âmbito do presente estudo como instância ou dimensão “de organização e funcionamento de uma instituição” (FRANCO e WITTMANN, 2006, p. 211). Portanto, a noção de gestão da universidade constitui-se o eixo central em torno do qual se estruturam os indicativos que, no âmbito do presente trabalho, foram sendo considerados primordiais para a vida acadêmica da universidade. Implica pensar a universidade e o fazer da universidade no sentido de sua finalidade. A gestão da universidade compreende o planejamento estratégico e a sustentabilidade para o desenvolvimento institucional, a organização, a ação e a avaliação acadêmicas que se consubstanciam em programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e extensão. Como já mencionado, dimensões de avaliação da universidade, nesse contexto, são áreas de ação, são compromissos institucionais que se explicitam na gestão da universidade para os quais, na metodologia do Sinaes, convergem indicadores e critérios estabelecidos pelo próprio Sistema Nacional. A proposta de indicativos, não os elimina e sim enfatiza a idéia de que os mesmos sirvam à gestão com qualidade - constituindo-se em uma medida muito mais pro-ativa 296 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) do que avaliativa de resultados. É uma antecipação daquilo que se assume como sendo indispensável a uma universidade de qualidade; é a expressão do que a instituição universitária deve atingir - o que ela teria de avançar. Neste sentido, procurando clarear os conceitos, o indicador seria mais expressivo de metas/modelos definidos pelo próprio sistema de avaliação. Os indicativos representam balizadores para a ação e administração – gestão da Universidade, com qualidade. Forneceriam subsídios às instituições, os quais poderiam ser avaliados por indicadores, seguindo critérios definidos conforme o momento e as políticas mais amplas. Os indicativos nas diferentes dimensões se fundamentam nos princípios já mencionados. O princípio do compromisso social consubstancia a finalidade maior da universidade enquanto instituição educativa e fortalece a idéia de que não se pode esquecer sua função de formação da consciência social. A universidade, além de assumir o compromisso na produção de conhecimentos que atendam às necessidades sociais do seu tempo, ainda precisa se responsabilizar pelas conseqüências desses conhecimentos. À vigilância epistemológica será necessário acrescentar uma vigilância humana e social (LONGHI, 2008) Isso se traduz em contínuo processo de auto-crítica, implicando revisões e questionamentos constantes acerca de como as universidades estão contribuindo para o desenvolvimento e emancipação humana e social, para a preservação ambiental, para a consolidação da democracia. Certamente tais eixos não esgotam o tema, mas entende-se que “eles representam grandes e atuais preocupações quando se pensam possibilidades para realizar uma gestão da educação superior qualificada como digna, ética, responsável”. (LONGHI, 2009, p. 218). O princípio da responsabilidade social refere-se à universidade como organização frente à sociedade na disponibilização de seus serviços; a responsabilidade social não é sinônimo da qualidade na gestão das relações Universidade e Sociedade, mas condição para tal. O critério indicativo desse princípio-condição é a existência de uma política articuladora de responsabilidade social da universidade aliada à existência de ações para tornála tangível por meio das atividades institucionais (as práticas existentes), bem como a prestação de contas da universidade para a sociedade (a divulgação). Envolve questões como o setor empresarial e as transformações sociais, a busca de respostas para desigualdades, a preservação ambiental, passando até pela Lei das Organizações Sociais. A integração pesquisa, ensino e extensão é outro dos princípios na aferição da qualidade. Esta integração pesquisa, ensino e extensão requer a articulação das Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 297 três funções presentes na produção, na disseminação e no uso do conhecimento que melhor se concretiza por meio de uma postura multifuncional das responsabilidades da universidade e com uma permanente busca multidisciplinar para soluções teorico-práticas. Os princípios da autonomia e da liberdade acadêmica marcam de modo indelével finalidades, mediações e processos da universidade. A autonomia institucional se expressa nos eixos didático-científico, de gestão financeira e patrimonial e de gestão administrativa (pessoal e de escolha de dirigentes), eixos estes que comportam aferição de qualidade e agregam critérios e indicadores expressivos da realidade institucional. A autonomia passa pelas relações Universidade-Estado por meio de seus órgãos governamentais. À liberdade acadêmica subjaz um inerente respeito aos olhares diferenciados sobre qualidade e gestão universitária, seus indicadores e critérios. Tais pontos não eximem o Estado enquanto governo constituído, de sua responsabilidade na aferição de qualidade do Sistema de Educação Superior, por meio da normatização, regulação e concretização de processos avaliativos, a exemplo do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, e seus desdobramentos político-legais e técnico-avaliativos. É nesta linha que se entende a assertiva de autoridade universitária de que “[...] as universidades passam a ter capacidade de real planejamento [...] política que todos queremos que se torne uma Política de Estado para a construção de uma nação mais desenvolvida, educada, justa e menos desigual.” (ALEXANDRE NETO, 2010, p. 2).4 Quanto ao princípio da auto-avaliação como movimento libertador de identidade institucional, torna-se nítida a estreita ligação com a missão da universidade que converge para a produção do conhecimento enquanto processo integrador do ensino e da extensão. A mediação auto-avaliativa realizada no core de cada unidade e com o envolvimento dos segmentos docente, discente e técnico administrativo objetiva “impulsionar um processo de autocrítica da Universidade, evidenciando vontade política de autoavaliar-se, na busca da garantia da qualidade da ação universitária, em consonância com as demandas científicas e societárias”(BRAGA et al. 2010, p. 82). O princípio da gestão democrática refere-se ao exercício da administração da universidade de forma a garantir-lhe um caráter democrático na gestão da educação como bem público, como direito subjetivo de construção da emancipação humana e da sociedade. “O caráter público da A autonomia universitária conferida às universidades pela Carta Magna de 1988 (Art. 207), no que diz respeito às Universidades Federais avançou para a concretização por meio de decretos e medida provisória assinados pelo Presidente da República. Os avanços incidem especialmente sobre a gestão de pessoas (DECRETO Nº 7.233, de 19 de julho de 2010) e nas disposições sobre orçamento. 4 298 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) educação demanda relações fundamentadas em regras de colaboração e de co-responsabilidade e solidariedade [...] O caráter democrático da gestão da educação acompanha as contradições e avanços teórico-práticos da educação no processo amplo da democratização da sociedade” (WITTMANN, 2004, p. 215). Este princípio representa a força mobilizadora da participação da e na comunidade tanto interna quanto externa. É também, este princípio que alicerça a cooperação intra e interinstitucional. O princípio da contextualização institucional na perspectiva de sua historicidade e localização assegura o reconhecimento de sua identidade institucional universitária. No contexto de globalizações característico da contemporaneidade, o princípio de identidade é o único que poderá garantir integração na tentativa de uma globalização agregadora de esforços para soluções comuns sem dissolução do cerne construído ao longo da trajetória institucional de cada universidade, comprovante de sua inserção em dado espaço e tempo e que lhe assegura legitimidade como instituição social educativa. O princípio da internacionalização como uma das forças integradoras e articuladoras na universidade de um mundo globalizado, transcende críticas aos desdobramentos perversos de gestões econômicas excludentes, não desconsiderando-as mas circunscrevendo-as à crucialidade do conhecimento no desenvolvimento científico e tecnológico para a inserção mais ampla. É o caso de movimentos emblemáticos como o Processo de Bologna,5 a constituição de grupos de acreditação institucional presentes em diversos continentes e os esforços empreendidos pelas grandes Conferências mundiais da ONU em torno da Educação, em especial da Educação Superior. O conhecimento crítico de tais movimentos e dos critérios avaliativos por eles propostos, é decisivo para a universidade que se pretenda inserida num mundo globalizado. A internacionalização da Educação Superior e os critérios isomórficos que implicam garantia, empregabilidade e comparabilidade, tudo indica, que estão se impondo e pelo menos nas próximas décadas exigirão esforços no sentido de submetê-los aos compromissos sociais (FRANCO, 2009), necessitando para tal, segundo Santos (2007), revigorálos, ressignificá-los e reinventá-los pela crítica responsável. O princípio da sustentabilidade institucional é entendido como uma das faces da responsabilidade social e implica primordialmente em manter e desenvolver a instituição para que ela possa cumprir suas finalidades. São O denominado Processo de Bolonha, segundo Neves (2006, p. 15), é o “movimento mais ousado de reforma da educação superior mundo afora.” instaurado no final do século passado com vistas à Universidade do Séc. XXI na Europa. 5 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 299 inegáveis suas relações com os outros princípios já mencionados. Além da responsabilidade social, seus elos com o princípio da autonomia universitária e o da gestão democrática são fortalecidos por políticas e práticas inovadoras que transcendem o voluntarismo para se postar nas decisões e ações compartilhadas e colegiados. Clark (2004) analisa a sustentabilidade no perspectiva de adotar e manter políticas e práticas, processos que subentendem desde bases diversificadas de financiamento, uma administração central fortalecida, uma cultura de mudança, até setores de ligação com a comunidade. Finalizando a relação de princípios destaca-se o da educação continuada; este implica a concepção de que é o aprendizado contínuo, ao longo de toda vida das pessoas e das instituições, que garante à Universidade a possibilidade do cumprimento de sua missão educativa, inovadora e consolidadora da perenidade da vida e do nosso habitat. Os argumentos que tais princípios permitem edificar reforçam a importância de trabalhar com indicativos mais do que com a construção de uma nova ou complementar listagem de indicadores. A idéia de indicativos, assumida pelo grupo elaborador desse estudo, inspira-se no caráter mediador e sinalizador do processo avaliativo, no qual o domínio técnico, que lhe é inerente, “(...), não pode sobrepor-se às questões de fundo filosófico e ético político da educação superior” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 222). É o mesmo autor, que no sentido de várias de suas assertivas mostra a avaliação como um fenômeno social, cuja construção histórica nunca está acabada nem fechada a diferentes interpretações e distintos interesses de grupos. Ele destaca, e aqui repousa o sentido maior de suas idéias, que a avaliação não é neutra e precisa se esforçar para ser justa e socialmente eficaz. A noção de indicativos ultrapassa a idéia de uma rota pré-estabelecida, com detalhes rígidos de percurso que precisam ser atendidos de forma minuciosa, em mínimos detalhes para se chegar ao destino final. Mas, se sustenta na idéia de indícios orientadores daquilo que ainda não está pronto e, como tal, permite que se construa com a intenção de sempre avançar mais, para além do instituído, com vistas a uma melhora constante para alcançar um novo patamar institucional de qualidade. Indicativos implicam idéia de reinvenção. Nesse sentido nada é completamente novo; extensas listas de indicadores já definidos podem dar suporte ao que ainda está por definir-se, porém, são de fato, os princípios, que alicerçam novas direções. Em outras palavras: quando uma instituição se aplica ao processo de auto-avaliação e faz dele seu exercício de aperfeiçoamento ela já não é mais a mesma que era antes; agora se projeta num novo patamar. Este pode sim, ultrapassar o que já estava definido como 300 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) esperado, apresentando indícios de uma nova qualidade. Nessa perspectiva o próprio processo avaliativo serve de orientador para novos avanços para a universidade enquanto instituição educativa que “aprende” (SENGE, 1997). Ao aprender com a experiência a instituição se redefine e se reinventa (SANTOS, 2006). Questões fundamentais que circunscrevem o trabalho são tomadas como impulsionadoras das reflexões num processo aberto e contínuo de construção, por vezes só tangenciadas, mas mesmo assim, críticas e indicativas de qualidade na gestão da universidade: − Quais as fontes viáveis de serem usadas para identificar dimensões, critérios e indicadores de qualidade na gestão da educação superior? − Quais as principais dimensões de qualidade na gestão da educação superior? − Que mecanismos/estratégias/políticas e resultados, dimensão, propiciam e mostram a qualidade na gestão da universidade? − Quais os principais indicativos que atendem aos grandes princípios de qualidade na gestão institucional da universidade? Indicativos para dimensões de qualidade na gestão da universidade As dimensões, como áreas de ação ou compromissos institucionais representando antecipação daquilo que seria considerado indispensável a uma universidade de qualidade, requerem a explicitação de indicativos do que a instituição universitária necessita se propor a fim de alcançar a identidade desejada. Como já afirmado anteriormente, os indicativos não eliminam indicadores explicitados com base no Sinaes (MEC/ INEP, 2007). Enquanto estes são expressivos de metas/modelos definidos pelo próprio sistema de avaliação, aqueles são balizadores pró-ativos para uma gestão que almeja conduzir-se com qualidade. Pode-se ainda dizer: enquanto indicadores são “cobrados” das instituições, indicativos são almejados pelas instituições. Assim, com o intuito de oferecer subsídios às instituições e ao sistema de ES, explicitam-se alguns indicativos para as dimensões de qualidade na gestão. As dimensões, a seguir elencadas foram construídas no processo crítico discursivo com base nos princípios já explicitados: 1) qualidade na gestão, no projeto e no planejamento institucional; 2) qualidade na gestão financeira e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 301 sustentabilidade institucional; 3) qualidade na gestão da formação e do ensino; 4) qualidade na gestão da pesquisa (gestão da informação e do conhecimento); 5) qualidade na gestão da extensão e de serviços da universidade; 6) qualidade na gestão do atendimento ao aluno; e 7) qualidade na gestão da própria avaliação da universidade. Dimensão 1 - Qualidade na gestão do projeto e planejamento institucional Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade são relativas aos projetos institucionais (definição da missão institucional/ identidade), à gestão democrática, à sustentabilidade institucional/ organizacional, à sustentabilidade de planejamento, à sustentabilidade da estrutura física (infra-estrutura, instalações físicas, equipamentos), à sustentabilidade de quadros de pessoal docente, à sustentabilidade de quadros técnico-administrativos, à estrutura informacional, às relações humanas/ institucionais. e ao comprometimento histórico-social. A qualidade na gestão, nos projetos e planejamento institucionais efetiva-se através da perspectiva da universidade como instituição social comprometida com o desenvolvimento cultural, técnico e científico na construção de uma sociedade mais justa. Nesse processo, a universidade precisa estar sensível aos problemas e apelos da sociedade, seja através dos grupos sociais com os quais interage, seja através das questões que surgem de suas atividades próprias de ensino, pesquisa e extensão. A qualidade referida desenvolve-se com a tomada de consciência da instituição sobre si mesma, do seu entorno e do papel que nele representa e efetivase através dos processos de gestão, docência, pesquisa e extensão universitária. No que diz respeito aos Projetos Institucionais (Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI, Plano Pedagógico Institucional - PPI, Plano Estratégico – PE, Planos Operacionais – PO por setores, outros planos), que tratam da missão, finalidades, objetivos, compromissos e ações da IES, os mesmos devem explicitar a política de oferta de formação, de autonomia, de responsabilidade e de participação dos estudantes bem como a política de pesquisa, extensão e produção do conhecimento da instituição e as condições para sua realização. Caracterizam o perfil da instituição na sua relação com a sociedade. Desse modo, a gestão institucional deve guardar coerência com as políticas constantes desses documentos oficiais (especialmente PDI, PPI), promover a articulação entre eles, expressando uma diretriz de ação acessível ao conhecimento da comunidade interna e externa da IES, mediadora das relações entre Universidade 302 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) e Sociedade - U&S considerando demandas da comunidade. Além disso, tais planos precisam: se encontrar coadunados aos documentos os oficiais da universidade, seus estatutos, regimentos (geral e de unidades/departamentos/ etc.), normas, resoluções e procedimentos de seus conselhos e colegiados; permitir a mobilidade institucional acadêmica e internacionalização do ensino, da pesquisa e das relações universidade sociedade e, principalmente, precisam garantir a equidade em todos os níveis. Em se tratando da Gestão Democrática, cabe à IES buscar a coerência entre estrutura, funcionamento, representatividade e autonomia dos órgãos colegiados e políticas constantes dos documentos oficiais da IES (PDI, PPI), assegurando participação representativa de alunos/ docentes/ técnicos nas diferentes instâncias de decisões administrativas. No caso das IES particulares, o funcionamento e representatividade dos colegiados devem ocorrer com independência e autonomia em relação à mantenedora. É importante que haja adesão e apoio do corpo docente, dos técnicos, dos funcionários e dos alunos quanto às políticas e decisões administrativas; presença de canais e órgãos que possibilitem participação decisória; oferta de programas diversos abertos ao público interno e externo, de disciplinas que envolvam professores e alunos em atividades com a comunidade; comprometimento histórico-social em políticas de mobilidade institucional além de incentivo ao rodízio de mobilidade e atuação. A Sustentabilidade da gestão Institucional/Organizacional necessita ser assumida pelos atores internos e ao mesmo tempo ser visível para a comunidade externa. O funcionamento da estrutura organizacional deve estar regulamentado e explicitado nos documentos oficiais da IES (estatuto, regimento, organograma, regulamentos internos, normas acadêmicas), em especial pela autonomia institucional (inclusive pela CPA- Comissão Própria de Avaliação). Igualmente importante é a existência de órgãos decisórios ligado às atividades fim e às atividades meio; a existência de setores executivos de atividades de sustentação e suporte institucional como Recursos Humanos - RH, Finanças, planejamento, contabilidade, infra estrutura-física, setor de manutenção, de expansão e planejamento e execução de setores de atividades-fim; órgão coordenador de programas de articulação universidade-sociedade e Sistema Político-Decisório Institucional ligado à internacionalização da IES. A qualidade da gestão institucional vai efetivar-se quando apoiada numa postura participativa dos responsáveis pela gestão. Quanto mais participativa e democrática a gestão, maiores as oportunidades de ser relevante para indivíduos e grupos que dela participam e de promover uma participação cidadã. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 303 A dimensão da qualidade na gestão, se desdobra na Sustentabilidade do Planejamento, isto é, no projeto e no planejamento institucional, dirigidos a atender os compromissos na oferta da educação superior; caracteriza-se num agrupamento de descritores institucionais expressos num conjunto de critérios encarados como linhas de orientação do processo avaliativo, contemplados na adequação da Gestão para o atendimento dos objetivos e metas constantes no Projeto de Desenvolvimento Institucional, com coerência com a estrutura da organização e com os Projetos Pedagógicos Institucionais e dos Cursos, efetivada através de metodologias participativas de auto-avaliação e com participação da comunidade acadêmica. Tal sustentabilidade deve refletir a visão estratégica da IES e prever metas e objetivos explícitos a serem alcançados a médio ou longo prazo estabelecidos e supervisionados por meio de critérios específicos que permitam a avaliação e se constituam mecanismos de verificação de impactos da relação Sociedade-Universidade. A ativação de outros mecanismo de projeção externa e de gestão da verificação de impactos/ efeitos da projeção universidade/ sociedade, interlocução com stakeholders e com todos que possuem vínculos com a universidade, inclusive econômico (fornecedores, agências de fomento/ financiamento), são recomendáveis; igualmente a previsão de programas para desenvolvimento científico, tecnológico e cultural, de mecanismos de discussão e revisão antecipativa de objetivos/estratégias institucionais. A sustentabilidade do planejamento também precisa expressar-se nos planos de expansão institucional bem como, na existência de mecanismos institucionais promotores da multidisciplinaridade, da interdisciplinaridade no ensino, na pesquisa e nas relações universidade sociedade. A Sustentabilidade da Estrutura Física da IES é condição para dar continuidade aos compromissos na oferta da educação superior envolvendo alocação de recursos orçamentários para manutenção e conservação das instalações físicas e dos equipamentos e materiais. Visa atender as atividades-fim além de prever normas de segurança, formas de sua operacionalização e a viabilidade da intenção de desenvolvimento e expansão da instituição, envolvendo todos os espaços físicos disponibilizados para funcionamento da universidade (ensino, pesquisa, extensão, sustentabilidade institucional e relacionamento acadêmico) bem como as condições de desenvolvimento científico, tecnológico e cultural incluindo locais para eventos diversos. Quanto à Sustentabilidade de Quadros de Pessoal, esta se manifesta pelo estabelecimento de Políticas de capacitação e desenvolvimento profissional 304 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) do quadro funcional com alocação de recursos orçamentários para capacitação de Pessoal Docente e Técnico Administrativo em cursos de Pós-graduação stricto e lato sensu bem como na existência de Planos de Carreira para as diferentes categorias. Além disso, se efetiva através de políticas de expansão do corpo funcional adequadas às necessidades institucionais, com contratação efetivada através de concursos públicos para o provimento de cargos vagos (nas universidades públicas) bem como através de mecanismos justificados para solicitar eventuais saldos de cargos vagos em outras universidades federais, com ampla divulgação (informações contendo relação discriminada de cargos ocupados e vagos). Importante também a existência de mecanismos para atualização/ correção de erros visando ajustes decorrentes da expansão dos quadros das universidades, compatíveis com políticas de órgãos oficiais tais quais Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação. Nas universidades privadas tais procedimentos poderão desenvolverse por mecanismos de seleção mais simplificados porém, de qualquer forma, regulamentados e amplamente divulgados. Considerando as exigências e transformações da sociedade globalizada, a qualificação do pessoal técnico torna-se elemento essencial. À semelhança do corpo docente isso se expressa pela existência de quadro docente e técnico qualificado, com pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado e pósdoutorado); de Plano de Carreira Docente; de políticas de capacitação e desenvolvimento profissional do corpo docente (didático-pedagógico e disciplinar específico e científico); pela formação de quadros para a pesquisa, pelos programas de capacitação docente, e participação em eventos científicos; envolvimento institucional do professor; pelas políticas de formação e atuação inter institucional (com mobilidade de docentes/ técnicos entre IES em atividades, estágios, de pesquisa/ ensino/ extensão). Cabe, ainda, destacar a importância do envolvimento do pessoal docente e técnico-administrativo com o projeto institucional. O descritor denominado de Estrutura Informacional evidencia a qualidade através da existência de sistemas e recursos de informação e comunicação em funcionamento com mecanismos de coleta, sistematização e divulgação da informação, bem como através da utilização de serviços de Tecnologia de Informação e Comunicação, como intranet e internet, como mecanismos de garantir a articulação entre distintas área da instituição. São importantes: a existência de meios de divulgação de informações sobre atividades fins, meio e de organismos relacionados como agências(jornais/ site/ listas informativas), a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 305 divulgação de informações institucionais; a divulgação de informações políticonormativas nacionais, a divulgação de documentos internacionais que influem na educação superior e os canais de comunicação intra e inter e extra-institucional. Ainda são parte da estrutura informacional os sistemas de arquivamento e recuperação de normas acadêmicas, de Atas de órgãos colegiados, de portarias ministeriais relativas a atos normativos da instituição. As Relações Institucionais internas dizem respeito ao clima organizacional prevalente na instituição referentes ao relacionamento administração/corpo docente e discente, bem como à boa comunicação entre eles. As relações externas se configuram na imagem pública da instituição predominante nos meios de comunicação social. Ainda pode constituir um canal de comunicação a Ouvidoria que reflete os efeitos da sua atuação no cotidiano da instituição. Também são importantes a reação positiva da comunidade universitária em relação às ações U&S – universidade e sociedade, o clima institucional de relacionamentos positivo entre chefias/administração /corpo docente e discente e a boa comunicação entre corpo docente, discentes, pessoal ténico-administrativo e chefias. Dimensão 2 - Qualidade na gestão financeira e sustentabilidade institucional Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade são: sustentabilidade financeira /orçamentária e autonomia em procedimentos orçamentários e financeiros, assim o conjunto de descritores que integram esta dimensão é entendido como uma caixa de ferramentas a ser utilizada de forma pertinente para dar conta da qualidade da gestão financeira e sustentabilidade institucional. Envolve os mecanismos de definição do Orçamento da IES e sua viabilidade diante das propostas de ensino, pesquisa e extensão, a viabilidade da proposta de expansão da IES frente à previsão orçamentária disponível; a sustentabilidade financeira da IES para dar continuidade aos seus compromissos, frente aos recursos disponíveis. A Sustentabilidade Financeira/Orçamentária institucional caracterizase, pelo agrupamento dos descritores institucionais expressos num conjunto de critérios orientadores do processo avaliativo, revelados nas Políticas de Sustentação Financeira e sua Operacionalização frente ao atendimento dos compromissos na oferta da Educação Superior. As ações devem ser planejadas tendo em vista a visão estratégica da ies e a explicitação de metas, objetivos e indicadores. Conforme a natureza institucional vários são os formatos; de qualquer forma a existência nas universidades privadas de mantenedora 306 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) responsávelé condição de sua sustentabilidade; a existência de setor(es) financeiro responsável(eis) por questões de captação/controle e alocação de recursos; de mecanismo de projeção externa e de captação de recursos para a instituição; a existência de setor de gerenciamento de recursos provenientes de atividades fim; a gestão de recursos e equipamentos /infraestrutura que são advindos de órgãos públicos e privados; a gestão de investimentos institucionais (financeira, de equipamentos, de qualificação do capital humano). Nessa dimensão torna-se indispensável a avaliação do retorno, para a instituição, de seus investimentos: crescimento/inovação/aumento de produção/qualidade de RH; em tecnologia e informação, em informatização dos setores; em Pesquisa, Ensino e ações orientadas para os aluno e comunidade; existência de setor de gerenciamento de recursos provenientes de atividades fim; previsão orçamentária para as ações universidade-sociedade. A Autonomia em Procedimentos Orçamentários e Financeiros contempla o empenho com os ganhos de créditos suplementares do executivo para as universidades públicas (federais, estaduais, municipais), e hospitais universitários; com a aplicação de saldo orçamentário de um dado título no exercício subseqüente; com o reforço nas dotações orçamentárias mediante a utilização de fontes de recursos advindos: a) da arrecadação de receitas próprias, de convênios e de doações do exercício corrente; b) de créditos adicionais autorizados; c) de superávit financeiro de receitas próprias, de convênios e de doações, conforme apurado em balanço patrimonial do exercício anterior. (BRASIL , 2010). No caso das universidades privadas contempla a definição e construção de parâmetros para a busca de receitas orçamentárias oriundas de matrículas, de alunos ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação em cada período, da oferta de cursos de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento. Em ambos os casos tanto em IES públicas quanto privadas a preocupação com a produção institucionalizada de conhecimento científico, tecnológico, cultural e artístico reconhecido nacional e/ou internacionalmente, de registro e comercialização de patentes. Também se enquadra nessa dimensão a atenção à relação necessária número de alunos/ docentes na graduação e na pós-graduação, à avaliação segundo o SINAES, os programas de mestrado e doutorado e avaliações da Capes, bem como a avaliação de programas institucionalizados de extensão. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 307 Dimensão 3 - Qualidade na gestão da formação e do ensino Nesta dimensão constituem-se como convergências temáticas de indicativos de qualidade: sistema político-decisório institucional ligado à formação e ao ensino; mecanismos de integração/articulação entre níveis e conhecimentos; políticas, currículo e programas; estratégias de formação/ensino; qualificação do corpo docente; construção de carreira / empregabilidade de egressos e, impacto econômico social desses processos. A qualidade na gestão da formação e do ensino deve passar pela motivação, aperfeiçoamento e inovação dos processos de gerenciamento de programas e projetos existentes. Quanto ao Sistema Político-decisório Institucional ligado à Formação e ao Ensino, torna-se fundamental para a concretização da dimensão a existência de setor institucional ligado ao ensino de Graduação e ao ensino de Pósgraduação, funcionando de forma a articular projeto institucional de formação, projeto institucional de ensino e projeto institucional de capacitação docente, expresso nos documentos oficiais e no ordenamento institucional da universidade e das relações Universidade-Sociedade. Contempla também a relação entre projeto institucional e demandas da comunidade; a sensibilidade institucional ao contexto social econômico e político; o delineamento de políticas institucionais frente à internacionalização do ensino, da pesquisa e das relações universidade sociedade e as políticas de formação e atuação inter institucional (mobilidade) para a concretização e facilitação da pesquisa e/ou ensino. Em relação aos Mecanismos de Integração/articulação entre Níveis e Conhecimentos é indispensável destacar a importância da aproximação entre graduação e pós-graduação; a explicitação de ações de integração de ensino, pesquisa e extensão através da realização de seminários, congressos, eventos variados e projetos. Contempla a existência de medidas facilitadoras de ações interdisciplinares bem como a explicitação da dimensão da formação da cidadania/ética nos projetos institucionais. Convergem para a concretização das Políticas, Currículos e Programas a compatibilização entre Diretrizes Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Institucionais e Currículo de Cursos, bem como, a existência de políticas sensíveis às demandas e realidades sociais. São muito importantes as políticas de acesso à informação sobre programas, cursos e ações desenvolvidas bem como a desburocratização de processos de mudança, adaptação e reforma curricular. Torna-se indispensável a existência do delineamento de perfil profissional estabelecido em cada curso. 308 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Para atender à dimensão, as Estratégias de Formação/Ensino são procedimentos fundamentais na implementação de programas de fomento a atividades curriculares extra-classe, de programas preparatórios para novas tecnologias, de investimento em tecnologia e informação (informatização) para o aluno, de investimentos em bibliotecas e bibliotecas virtuais, de investimentos em espaços de vivência. A Qualificação do Corpo Docente requer a existência de mecanismos de garantia da equidade no ingresso, qualificação e progressão docente, são condições indispensáveis. A elevação do percentual de titulação docente (mínimo de 70% com Mestrado e de 20%, com Doutorado), a elevação do percentual de docentes com Tempo Integral e/ou Dedicação Exclusiva (DE) bem como a distribuição de tempo entre as atividades-fim da Universidade (máximo de 50 % para ensino e mínimo de 20% para pesquisa e 20% para extensão). A formação e o ensino precisam convergir para sua finalidade ou seja: a Construção de Carreira/Empregabilidade de Egressos, isto é, o seu futuro. Dessa forma trona-se fundamental a existência de políticas de orientação para a construção de uma carreira profissional bem como de políticas de orientação quanto às possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Daí a importância da existência de vínculos institucionais com o mercado de trabalho; de política de acompanhamento e de educação continuada de egressos (egressos empregados imediatamente após conclusão , egressos empregados até um ano após conclusão, egressos que trabalham em outras universidades, egressos atuando dentro e fora da área de formação após 5 anos). Torna-se importante a realização de estudos que avaliem o Impacto Social e Econômico da universidade, por meio de seus cursos, pesquisas e ações na sociedade; que existam programas que monitorem esse envolvimento, especialmente, que existam programas que avaliem o impacto dos estágios na comunidade. Dimensão 4 - Qualidade na gestão da pesquisa (da informação e do conhecimento) Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade (critérios) são: sistema político decisório institucional ligado à pesquisa, recursos de programas de fomento de agências governamentais, socialização do conhecimento, divulgação de informações sobre C& T, políticas e programas de desenvolvimento da pesquisa, políticas e programas de fomento à pesquisa. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 309 A dimensão da qualidade na gestão da pesquisa está alicerçada na idéia de que o conhecimento deve ser um dos pilares da Universidade tendo como pano de fundo as transformações globais e locais e o desenvolvimento de tecnologias que respondam às demandas da sociedade em mudanças.Os indicativos aqui referidos, fazem parte de um conjunto de características levantadas a partir das análise e discussões realizadas com autores e pesquisadores sobre o que pode ser traduzido como fundamental para o desenvolvimento da pesquisa e do conhecimento levando-se em conta as exigências de solução de problemas que agravam o distanciamento entre as sociedades ainda tão desiguais, em termos de avanços científicos e tecnológicos. A presença de um Sistema Político-administrativo-gerencial de pesquisa estruturado em nível Institucional se expressa pela sistematização de normas/regulamentações/planos que explicitem o compromisso da Universidade com o conhecimento. Torna-se forte indicativo a existência de políticas institucionais de apoio a projetos existentes e projetos inovadores bem como a implementação de políticas de incentivo e apoio à cooperação intra/inter institucional e internacional. È fundamental que nas universidades existam instâncias de análise e crítica aos projetos (órgãos colegiados da administração central e local), acesso à Comitê de Ética em Pesquisa, participação de consultores externos na avaliação de projetos/relatórios e, ainda, setor de divulgação de informações sobre C&T e de organismos de fomento à pesquisa. Torna-se indispensável a existência de mecanismos de gestão de recursos advindos de bolsas de produtividade /PIBIC, de Editais CNPQ, Capes, FAPs, de ministérios, de órgãos públicos e de outras agências de fomento nacionais e internacionais. Nesse aspecto é indispensável a existência de Políticas Programas Institucionais de Fomento à Pesquisa, consubstanciadas em programas de sustentabilidade financeira e de manutenção para permanência de grupos e de linhas de pesquisa; de mecanismo de controle dos recursos para orçamento institucional para fomento; de mecanismos de captação e gestão de recursos de programas de agências de fomento (público e privado); de mecanismo de controle dos recursos gerados pelas agências de fomentos para pesquisadores; de mecanismo de controle dos recursos gerados de projetos de pesquisa com recursos de agências externas, e internas. As Políticas e Programas de Desenvolvimento da Pesquisa exigem a presença na instituição, da promoção de articulação entre conhecimento localizado e contextualizado; o estabelecimento de condições políticas/ 310 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) estratégicas para desenvolvimento de cultura de pesquisa; a criação de espaços propícios para a geração de conhecimentos inovadores e vinculação da produção do conhecimento com os espaços criados; a promoção de relações entre grupos de pesquisa, inclusive de distintos campos de conhecimento bem como o incentivo às tecnologias e projetos inovadores A existência de setores diversificados para a Divulgação de Informações sobre C&T, sobre organismos fomentadores de pesquisa (Bolsas de produtividade/PIBIC...), para a gestão de informações de recursos para a pesquisa (Editais CNPQ, de outras agências de fomento), e a existência de uma crescente cultura de apoio aos projetos inovadores em C&T – ciência e tecnologia, podem garantir um ambiente mais favorável ao desenvolvimento da pesquisa na universidade. Para uma estrutura institucional favorável ao desenvolvimento da pesquisa torna-se importante a existência de espaço para a Socialização do Conhecimento, de políticas de incentivo a publicações (revistas, congressos, seminários...), bem como, a existência de revistas (impressas e/ou virtuais) da instituição para publicações científicas. Nestas é indispensável a definição de objetivos editoriais, de orientações para avaliadores da produção acadêmica, da organização de critérios diferenciados de produção acadêmica científica por área de conhecimento e tipo de trabalho e ênfase na divulgação de projetos inovadores. Torna-se desejável uma política de visibilidade da produção do conhecimento institucional, interna e externa permitindo a inserção do conhecimento produzido no currículo dos cursos de graduação e de pós-graduação e na comunidade. Estratégica é a existência de setor de gestão de projetos inovadores. Dimensão 5 - Qualidade na gestão da extensão e de serviços da universidade Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade referem-se a: sistema político-decisório e organizacional institucional ligado à extensão; política articuladora da responsabilidade social da universidade; políticas e práticas de inclusão; cooperações e parcerias. Os descritores aqui explicitados estão sendo entendidos como parâmetros para que as relações entre a universidade e sociedade, bem como a articulação entre as atividades de ensino e de pesquisa aconteçam de forma adequada e respondendo a demandas da maioria da população. A extensão deve ser processo educativo, cultural e científico que encontra na sociedade a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. É uma troca de saberes Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 311 sistematizados, acadêmico e popular viabilizada por um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (Plano Nacional de Extensão). A qualidade da gestão das relações da universidade com a sociedade, se efetiva através do equilíbrio entre a qualidade acadêmica e o compromisso social, ou seja, a universidade precisa manter-se como uma instituição social comprometida com o desenvolvimento cultural, técnico e científico para a construção de uma sociedade mais justa. Nesse processo, a universidade precisa estar sensível aos problemas e apelos da sociedade, seja através dos grupos sociais com os quais interage, seja através das questões que surgem de suas atividades próprias de ensino, pesquisa e extensão. Para a concretização do Sistema Político-Decisório e Organizacional Institucional ligado à Extensão considera-se indispensável a existência de plano/documento norteador com estabelecimento das ações e linhas prioritárias para a extensão universitária, bem como, de programas estruturais e administrativos de gestão dessas atividades. Assim, a existência de câmaras/ órgãos colegiados na administração central que focalizem as relações universidade sociedade com definição e priorização de ações de intervenção social, são requisitos indispensáveis. Da mesma forma é requerida a existência de políticas e órgãos de ética na relação universidade-sociedade, de fóruns deliberativos que focalizem as relações universidade sociedade concretizados pela presença de mecanismos ágeis para solucionar questões emergenciais nas relações universidade sociedade para atendimento a demandas comunitárias. Tornam-se indispensáveis políticas e programas de fomento à extensão concretizados em bolsas para alunos de graduação e de PG, e de alocação de recursos internos da universidade para as atividades de extensão, com setor/ mecanismos de gerenciamento de recursos para prover as relações universidade sociedade em especial as relações com setor produtivo e mercado de trabalho e a organização de mecanismos de integração e articulação entre ensino, pesquisa e extensão. É importante a existência de um sistema integrado de informação e comunicação bem como de auto-avaliação das relações universidadesociedade, de políticas e mecanismos de acompanhamento das ações e do impacto gerado por tais atividades para o desenvolvimento nacional, regional e local. Cabe, ainda, destaque ao estabelecimento de políticas institucionais ligadas à internacionalização das relações universidade sociedade. Pelo compromisso social da universidade, enquanto instituição empenhada no equacionamento das questões que afligem a maioria da população e o meio-ambiente, tornam-se indispensáveis os cuidados e a gestão em 312 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) estender o saber produzido nos mais diversos campos, tornando-o acessível à sociedade através de Política Articuladora da Responsabilidade Social da Universidade. Além disso, tornam-se vitais para a vida social e acadêmica, cuidados com a gestão e responsabilidade no sucesso dos estudantes no mercado de trabalho; o compromisso com formação da cidadania e a sustentabilidade ambiental; a gestão de projetos inovadores que revitalizam a universidade a partir do saber da própria sociedade para muitas vezes, redimensionar seu ensino e sua pesquisa e a extensão; a gestão do compromisso com a inserção da universidade na realidade local; a relevância e a pertinência de projetos/ ações desenvolvidos com a comunidade. Para concretizar qualidade nos processos de extensão a universidade, dadas as circunstâncias presentes na realidade brasileira, precisa adotar Políticas e Práticas de Inclusão social expressas não somente pela infraestrutura adequada mas, principalmente pela preocupação com a formação de uma postura humana e social de reconhecimento da diversidade. Isso se expressa, na universidade, especialmente pela possibilidade de participação de estudantes no Reuni, pela disponibilização de cotas nas universidades federais e no PROUNI nas privadas, bem como, a oferta de estrutura para programas de alfabetização/ inclusão digital e Educação a Distância. A extensão e a integração com a comunidade requer a gestão de Cooperações e Parcerias pela necessidade de articulação multidisciplinar, interdisciplinar e interinstitucional que delas decorrem, expressas em parcerias no trabalho com administrações públicas e privada da sociedade, por meio do Programas de Estágios Curriculares que envolvam diferentes empresas/ instituições da comunidade. Dimensão 6 - Qualidade na gestão do atendimento ao aluno Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade (critérios) são: acesso e permanência do estudante na universidade (presença e temporalidade); políticas e programas de mobilidade estudantil; políticas e existência de programas de inclusão e pertença; políticas de formação e capacitação continuada (profissional) aos egressos. A presença de políticas e programas de Acesso e Permanência do Estudante na Universidade implicam orientação sobre condições de acesso (vestibular – Enem – cotas - Prouni); adoção de estratégias de divulgação do processo seletivo; expansão de vagas nos cursos noturnos; facilitação da realização das provas, bem Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 313 como, o estabelecimento de políticas e programas de permanência do estudante na universidade através de bolsas e auxílio estudantil, acompanhamento psicológico e pedagógico com tutoria de calouros; preocupação com a redução de taxas de retenção e evasão; existência de incentivos para programas que acompanhem a integralização curricular na formação dos profissionais, que avaliem percentuais de alunos que permanecem até 1 ano, até 2 anos, alunos graduados no tempo regular; percentual de alunos graduados além do tempo regular, jubilados; Tais estudos e programas evidenciam a importância atribuída pela instituição a sua atividade-fim, ou seja, a formação dos universitários. Na perspectiva do mundo contemporâneo a existência de Políticas e programas de Mobilidade Estudantil se concretizam pelo recebimento de estudantes estrangeiros, alunos de diversos estados brasileiros, pela promoção do intercâmbio de alunos nos eixos relacionais: sul-sul e norte sul, pela mobilidade de alunos inter-cursos, inter-campi; inter-instituição, Isso torna-se indicativo de uma ressignificação dos processos de formação para a cidadania mundial. Dadas as circunstâncias brasileiras, a preocupação com diminuição de efeitos das desigualdades sociais e regionais no acesso à ES é imprescindível considerar a presença de Políticas e a existência de Programas de Inclusão e Pertença mobilizadores de orientação quanto às possibilidades formativas, culturais, de apoio e subsídio oferecidas pela Universidade; as políticas e programas de democratização de condições de acesso dos estudantes na educação superior; as políticas de inclusão social pela educação (inclusão digital, cultura e esportes). Isso também requer a presença de políticas de atenção à saúde do estudante (incluindo serviços médicos, de psicólogo, de dentista, de nutricionista e outros) e política de assistência estudantil (moradia estudantil, alimentação, restaurantes transporte/creche). Tornam-se presença igualmente importante Políticas de Formação e Capacitação Continuada (profissional) aos egressos, concretizadas em programas de formação continuada nas áreas do conhecimento oferecidas pela universidade aos alunos egressos; no apoio à inserção no mercado de trabalho e em programas de acompanhamento ao aluno egresso. Dimensão 7 - Qualidade na gestão da avaliação da universidade Nesta dimensão as convergências temáticas de indicativos de qualidade (critérios) são: o sistema político-decisório institucional ligado à avaliação; a avaliação institucional interna e externa e a auto -avaliação da Universidade. 314 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Diante de grandes mudanças, as universidades sentem-se incentivadas e desafiadas pelos novos modelos avaliativos, havendo um aumento considerável na participação de membros e órgãos específicos internos, bem como aumento da participação de membros externos. Dessa forma é fundamental a existência de Sistema Político-decisório Institucional ligado à Avaliação Política Institucional de Avaliação da Universidade, expresso em documento normativo institucional para avaliação da universidade com explicitação de procedimentos, especificação de setor de avaliação/controle institucional e de órgãos colegiados para fins de avaliação, não apenas atendendo exigência do MEC, mas, evidenciando interesse institucional no seu próprio aperfeiçoamento. A autonomia na Avaliação Institucional Interna e Externa se revela pela existência de comissões de avaliação (CPA, comissões de cursos e de setores) constituídas com efetiva participação de segmentos da comunidade acadêmica e da sociedade nos diferentes processos avaliativos. Outro aspecto indispensável se refere à existência de critérios e do desenvolvimento de instrumentos distintos de avaliação para os diversos segmentos que compõem a comunidade da universidade, garantindo a presença de diferentes pontos de vista. Um elemento importante se refere à simplificação dos processos avaliativos dos docentes, sem dispensar normas e procedimentos institucionais de avaliação permanente do docente pelos alunos. Outro aspecto a ser considerado se refere ao reconhecimento do desempenho da instituição e seus integrantes em processos avaliativos, no âmbito do Sinaes, do Enade (dentre outros) e o percentual de sucesso nos exames nacionais/internacionais, com utilização dos resultados da avaliação para tomada de decisões. A avaliação do credenciamento e recredenciamento dos cursos envolvendo a avaliação da organização didático-pedagógica com critérios que atendem multi/ trans e interdisciplinaridade, avaliação de infra-estrutura física, de biblioteca, de equipamentos e de serviços, bem como a existência de programas de avaliação das condições de trabalho, revelam a seriedade na gestão institucional. A preocupação com a implementação de programa de Auto-avaliação Institucional com participação de toda a comunidade acadêmica, com definição e utilização de processos auto-avaliativos, amplamente divulgados e com dados numéricos expressivos referentes à realidade institucional (número de unidades/ setores/ cursos /alunos/ professores / técnicos/ funcionários), que participam do programa de avaliação Institucional, com procedimentos estabelecidos para uso dos resultados avaliativos, denotam a consistência do sistema de avaliação institucional. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 315 Conclusões Um processo avaliativo relativo à gestão da qualidade cujo sentido principal é o do aperfeiçoamento da Educação Superior num projeto nacional, revela o compromisso em manter a IES no rumo que a sociedade precisa para tornar-se e torná-la melhor. Oferecer uma ES de qualidade significa participar da construção do projeto da nação brasileira e de um mundo melhor. Com este estudo acerca de indicativos para uma gestão da Educação Superior se espera oferecer uma contribuição à comunidade envolvida com a Educação Superior procurando responder à abertura, provocação e expectativas do Projeto do Observatório da Educação da Capes. Representa uma tentativa de acompanhar o desenrolar do sistema de avaliação implantando de forma mais sistemática a partir do SINAES, examinando e debatendo o próprio processo e os inúmeros indicadores já em andamento, sem a pretensão de esgotá-los e sim de promover seu permanente auto-aperfeiçoamento, pelo exame sistemático do proposto, do que foi olvidado ou postergado. O fato é que, em decorrência da própria implementação dos SINAES, as instituições podem ir em busca de seu auto-aperfeiçoamento e com isso alcançar novos patamares de qualidade evidenciando que novos indicativos estão em elaboração. Na Qualidade da gestão na universidade, alguns pontos parecem ter presença em todas as dimensões identificadas o que faz com que a gestão de qualidade vá além do patamar da eficiência e eficácia meramente técnica, constituindo-se na perspectiva da competência do saber fazer e fazer bem, inserindo-se no âmbito de valores e compromissos sociais. Estes vão desde a missão e identidade institucional, definida e registrada como instituição formativa; a força dos compromissos e responsabilidades sociais da universidade; a importância da inserção internacional a partir de sua inserção local; a presença de sistema político-decisório e organizacional institucional ligado a cada especificidade; a presença e transparência de sistema de informação e de divulgação sobre a vida da universidade; a sustentabilidade que envolve a instituição em seus múltiplos componentes; a garantia de condições para que as funções da universidade possam ser exercidas com qualidade. Enfatiza-se, assim, a noção de indicativos como mediadores e sinalizadores do processo avaliativo institucional com o desejo de tornar-se melhor, de autoaperfeiçoar-se, no qual toda a instituição pode se engajar e no qual o domínio técnico que lhe é inerente, não se sobrepõe, como já foi mencionado, às questões ético-políticas da educação superior. São elas é que fundamentam o sentido maior de cidadania, de respeito ao ser humano, à sociedade, seus valores e seu ambiente. Se fortalece a compreensão de que a qualidade almejada, é fruto desse exercício 316 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) permanente de auto reflexão institucional que atende particularidades, mas que também se sustenta em referenciais mais amplos. Finalmente, cabe reforçar que a noção de indicativo suplanta a idéia de qualificativos normativos, pois o pretendido é poder contribuir com um conjunto textual facilitador para que as instituições se mostrem como são, no que acreditam, o que fazem acontecer, como edificam sua identidade e a aperfeiçoam, constantemente, na realização do seu papel social. Referências ALEXANDRE NETO, Carlos. Autonomia Universitária. Jornal da Universidade. Porto Alegre, UFRGS, agosto de 2010, p. 2. ALMEIDA, João Ferreira de; PINTO, José Madureira. A investigação nas Ciências Sociais. Lisboa: Editora presença 1995. 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PARTE III QUALIDADE E ENSINO SUPERIOR QUALIDADE E POLÍTICAS DE INCLUSÃO Marialva Moog Pinto E ste texto apresenta uma análise parcial da investigação denominada “Qualidade da educação superior e o Prouni: limites e possibilidades de uma política de inclusão”, desenvolvida no curso de doutorado do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS. Insere-se no contexto do Projeto Observatório da Educação Superior (CAPES/ INEP) desenvolvido pela Rede Interinstitucional de Investigadores da Região Sul – RIES, que tem o foco na qualidade da educação superior, como tema preferencial, procurando analisar indicadores de qualidade e os impactos ocasionados pelas atuais políticas públicas de democratização de acesso à educação superior. A investigação se propôs, através de um estudo de caso, a compreender as dinâmicas ocasionadas em uma Instituição Universitária, a partir do ingresso de alunos bolsistas do PROUNI1. Vêm eles de escolas públicas e devem ter realizado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que faz parte das políticas de avaliação do Ministério da Educação, aplicado voluntariamente a todos os concluintes desse grau de ensino. Procurou-se perceber a visão dos professores, dos gestores e dos próprios estudantes bolsistas a respeito da inserção dos mesmos na cultura acadêmica. Toma-se o referente da qualidade como fundante das preocupações do estudo, pois, ao ser lançado o PROUNI pelo governo federal, tendo em vista ampliar as oportunidades de acesso ao ensino superior, registraram-se críticas dos segmentos políticos e acadêmicos. Afirmavam que essa política de inclusão afetaria a qualidade da educação superior porque alterava a tradicional lógica meritocrática de ingresso. Acompanhar esse processo, então, pareceu ser de alta relevância. Qualidade da Educação Superior Avaliar a qualidade da Educação Superior é um tema que ocupa nos últimos tempos os espaços universitários no Brasil e no exterior. A investigação sobre este tema influi na convergência de numerosos fatores de diversas naturezas. É possível identificar os estudos dos espanhóis García Del Dujo, (1997); García Hoz, (1981); Jornet e outros, (1996); Silvero Miramón, (2006) como exemplos da literatura européia e também no âmbito brasileiro as contribuições de José Dias Sobrinho (2003), Denise Leite ( 2000 ) e Marilia Morosini, (2006). 1 PROUNI – Programa Universidade para Todos 320 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Em relação ao conceito de qualidade parece existir convergências entre os pensadores. No entanto, da compreensão da relatividade desse conceito que se coloca numa dimensão cultural e temporal, decorre uma nebulosidade de indicadores que se afastem das grandes proposições universais. Nem sempre conseguem realizar uma intervenção de caráter aplicativo, para a melhora da qualidade da educação superior. A preocupação com a qualidade acadêmica que se tornou usual nas ultimas duas décadas, migrou do âmbito empresarial e industrial (García Del Dujo, 1997; Silvero Miramón, 2006), em que esse conceito foi tomado em termos de funcionalidade e utilidade, em que o critério maior situaría-se na satisfação do seu destinatário (Juran y Gryna, 1993; Silvero Miramón, 2006). Mais tarde os estudos sobre qualidade passaram a incluir outros fatores como a necessidade dos trabalhadores, sua formação e aperfeiçoamento a cargo da própria empresa, além da necessidade do beneficiário do produto. Esta perspectiva conceitual, apesar de fortemente alicerçada pelas políticas dos órgãos internacionais, encontrou importante resistência no meio acadêmico. Nesse espaço ainda eram distantes as práticas sistemáticas de auto-avaliação e de avaliação externa e o discurso da qualidade centrava-se na preocupação social em geral e pedagógica em particular. O avanço das políticas neoliberais provocou um contra movimento acadêmico que percebeu a necessidade de emergir da letargia que tradicionalmente o tema da avaliação provocava na universidade. Corporativa por condição histórica, a universidade não estava acostumada a se expor em processos avaliativos que extrapolassem a visão dos pares. Entretanto foi preciso tomar o tema da qualidade como uma agenda de destaque, para poder se contrapor a parâmetros externos, estranhos à sua lógica e tradição e a definição conceitual de qualidade passou a ser o mote de muitas pesquisas e estudos. Essa não se constitui numa empreitada simples, pois é multifacetada a função da universidade que, como instituição social, sofre as influências culturais e políticas de seu tempo. Para Silvero Miramón (2006) a definição e conceituação da qualidade deve ser metacultural e metacontextual (p.37). Uma educação de qualidade hoje pode ser diferente da educação de qualidade de outros momentos históricos e culturais. Quando muda o referente, muda também o resultado. Rodríguez-Espinar (1991b) define cinco dimensões para o termo qualidade referindo-se ao âmbito universitário. Em primeiro lugar alude à qualidade como sinônimo de um alto nível de fama e prestigio da própria instituição; em segundo, quando a qualidade se revela através do amplo leque Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 321 de recursos e meios materiais e pessoais que inclui; em terceiro, qualidade como obtenção de resultados; em quarto, a qualidade como oferta de titulações; e em quinto a qualidade referida a fatores e processos de caráter formativo do professor e do aluno. A questão da qualidade leva a outros conceitos como eficácia, funcionalidade, eficiência e excelência. De la Orden, (1988, 1997) e García Hoz, (1981) dizem que se transferirmos estes conceitos para o contexto educativo, não se pode cair no erro de identificar a referência por conseguir alguns resultados quantificáveis, com uma postura pragmática. Falar em eficácia e eficiência em educação é mencionar as relações existentes entre objetivos, meios e resultados educativos; é afirmar que uma atividade (meio) programada com base em alguns propósitos (objetivos) alcançarão um resultado desejável (fim). A questão da qualidade, sendo um marco nas preocupações acadêmicas, extrapolou a problemática conceitual, mas também incluiu a preocupação metodológica e os usos dos resultados da avaliação. Em decorrência das novas configurações do Estado e das formas globalizadas de organização social há muitas demandas feitas às universidades, incluindo os instrumentos de avaliação externa e os processos comparativos que colocam as Instituições no centro de um processo competitivo internacional. A avaliação – historicamente concebida como um instrumento de diagnóstico e aperfeiçoamento dos sistemas educativos - vem sendo utilizada, em grande parte, como instrumento da luta concorrencial própria do sistema capitalista. Têm servido mais para acirrar competições por clientela e recursos do que como mecanismo de autoreferenciação, a partir de um projeto político-pedagógico próprio. Avaliar significa atribuir valor. O valor que atribuímos possui referentes históricos, políticos e contextuais. A avaliação busca alcançar a qualidade na educação, mas o conceito de qualidade decorre do que é tomado como valor. No caso das instituições educativas, esse valor se explicita na sua tradição e no seu projeto político pedagógico. O alcance e expressões do valor pode se dar em escalas progressivas. O mais alto degrau dessa escala é considerado como o padrão de excelência. Quando se diz que algo é excelente é porque nele se reconhece alta qualidade e essa qualidade está ligada ao que é valor, para aquele momento histórico, político e contextual. De la Orden (1988) complementa dizendo que a qualidade educativa é um continuo cujos pontos representam combinações de funcionalidade, eficácia e eficiência altamente co-relacionadas, e seu grau máximo, a 322 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) excelência, supõe um ótimo nível de coerência entre todos os componentes fundamentais do sistema (p.155) Os discursos produzidos nas últimas duas décadas apontam para a necessidade de uma educação de “qualidade”, vinculando a condição de desenvolvimento e bem estar das populações ao nível educacional por elas alcançado. Entretanto, nem sempre a adjetivação do conceito qualidade tem expressão clara e assume valores comuns. Rios (2001) afirma que um ensino “competente” é um ensino de “boa qualidade”. Entretanto como definir o padrão de competência? O termo qualidade, em geral, traz a idéia de algo bom. Educação de qualidade é sinônimo de boa educação. Assim qualidade é um conjunto de atributos, ou seja, um conjunto de qualidades (RIOS, 2001). Os gestores, administradores e a comunidade acadêmica em geral, verbalizam a importância da qualidade e da excelência. Mas o que compreendem como excelência? Em que contexto essa expressão se aninha? Nos últimos tempos temos percebido que as universidades, autorizadas até então pelo Estado como instituições que se caracterizam pela detenção histórica da cultura na modernidade, são impelidas a mudar o seu referente, embaladas pelo discurso da excelência. Readings (2003), afirma que “a cultura nacional já não fornece um sentido ideológico abrangente para o que acontece na universidade e, como resultado disso, o que ao certo se ensina ou produz como conhecimento interessa cada vez menos à sociedade” (p.22). Há reações que chamam a atenção de que excelência em educação não pode significar “gestão para a qualidade total”. O mesmo autor, preocupado com o atual panorama acadêmico alerta para o fato de que, muitas vezes, ...a qualidade não é uma questão derradeira, a excelência é que o será em breve, porque corresponde ao reconhecimento de que a universidade não é só como uma empresa; ela é uma empresa. Os estudantes da universidade de excelência não são como clientes; eles são clientes. Porque a excelência implica um salto gigantesco: a noção de excelência desenvolve-se no interior da universidade, como idéia em que a universidade se centra e através da qual se torna compreensível para o mundo exterior (READINGS, 2003, p.32). O termo excelência, pela forma como vem sendo utilizado pode apresentar múltiplos significados e, por isso, pode também pode parecer Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 323 desprovido de conteúdo. Excelência é aquilo que quase não se contesta, porque não há referente externo claro, nem um conteúdo interno implícito. Readings (2003) diz ainda que “a excelência aparece como terreno incontestável, como a arma retórica com maior probabilidade de conseguir aprovação” (p.33). Quem se animaria a contestar o discurso da excelência? O termo excelência, por ser desprovido de significado, pode ser invocado para um ou vários critérios que direcionam a sua ação. Torna-se um denominador comum em todos os campos, mesmo que os critérios para a excelência variem. “Funciona como uma contabilização exaustiva” (READINGS,2003,p.39) ou impõe que “a universidade possa ser comparada aos moldes da estrutura da administração empresarial” (READINGS,2003, p.39). A Declaração Universidade para Todos da UNESCO alerta que, a excelência é claramente uma unidade de valor puramente interna que consegue pôr entre parênteses todas as questões de referência ou função, criando assim um mercado interno. A partir daí a questão da universidade é apenas a questão de relação preço/qualidade, colocado a um estudante que é encarado apenas como consumidor, e não como alguém que quer aprender a pensar (READINGS, 2003, p.37). Esta lógica vem impactando os discursos sobre e na universidade, num contexto de mudança e de adaptação às novas demandas sociais. A noção de excelência funciona permitindo uma contabilização exaustiva que busca ligar a universidade a uma rede semelhante de instituições e percebe-se que “...o funcionamento da excelência faz com que a universidade só se possa compreender nos moldes da estrutura da administração empresarial” (READINGS,2003, p.39). Há um conflito entre uma lógica estritamente econômica e a tradicional missão cultural. Reconhece-se a necessidade de não esquecer a cultura, mas não há certeza do lugar que ela deve ocupar (CABAL apud READINGS, 2003, p.41). Invoca-se a excelência precisamente para não se dizer nada. Desvia-se a atenção de questões como a qualidade fazendo perguntas como: quem avalia e quanto se uma universidade é boa e relevante? De onde vem a autoridade e legitimidade para fazê-lo? Certamente cada pessoa ou organização possui suas próprias idéias sobre o significado de excelência. Esse termo é aceito como um princípio organizador. Todos preferem ser excelentes em paz, sem ter de intervir sistematicamente no processo administrativo, mesmo porque isso não parece possível. Então o discurso da excelência vai se constituindo sem dificuldades no circuito do 324 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) capital global e da política transnacional. A noção de excelência se esvazia de conteúdo cultural e expõe as tradições modernas da universidade aos apelos do mercado. Hoje a chamada Universidade da Excelência é um sistema burocrático cuja regulação interna se faz por interesse próprio. É um sistema autônomo pois “serve apenas aos seus próprios interesses: é mais uma empresa num mundo em que o capital troca de mãos a nível transnacional”(READINGS, 2003, p.52). Essa crítica se referencia num quadro de tendências e quer alertar para as forças que ameaçam a universidade nos tempos atuais. O Projeto Observatório da Educação Superior (CAPES/INEP) desenvolvido pela Rede Interinstitucional de Investigadores da Região Sul – RIES, percebe que as transformações do mundo do trabalho influenciam fortemente as políticas acadêmicas e a competitividade pelo emprego resulta em pressão para a educação superior. Criam-se as oportunidades para que a educação superior se amplie, pois há demanda para ela. Ao mesmo tempo o estatuto nacional de qualidade altera suas perspectivas, também afetadas pelas forças neoliberais e pela globalização. O Estado diminuiu seu papel provedor e assume com força a condição “reguladora” desse “mercado”. O início do século XXI estimulou reações da sociedade exigindo as oportunidades de direito. Discursos ligados a compromissos utópicos se mesclam com as condições reais do capitalismo organizado. Procura-se produzir, então, alternativas que buscam contemplar e conviver com as duas forças: regulação e emancipação. Com a influência das políticas econômicas sobre as políticas educativas, novas regras se estabeleceram reorganizando e centralizando os currículo, incluindo e implementando a avaliação dos sistemas educativos. Reorganizaram-se os cursos conforme a nova retórica, que colocava o mercado como referência de gestão e qualidade educacional (CUNHA, 2006). Houve, segundo a autora, um processo de padronização, como se houvesse uma única forma de conhecimento, uma só alternativa de formação (p.14). Entretanto, por contradição, há movimentos que explicitam que o ensino superior se constitui como expectativa de todos, atingindo a tradicional perspectiva da universidade meritocrática. Mas as demandas são maiores do que a possibilidade do governo em atendê-las. Em 1990, na Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtiên, o Banco Mundial recomendou aos países pobres a redução do financiamento público para a educação superior, dando melhor atendimento à educação básica. Como conseqüência, o governo brasileiro favoreceu a expansão da iniciativa privada no ensino superior. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 325 A pressão social, entretanto, provocou discursos comprometidos com a ampliação das vagas no sistema público e incentivou políticas afirmativas que garantissem o acesso das classes populares nessas instituições. Medidas como as políticas de cotas2 foram implementadas com promessas de sucesso, a partir de 2002. Aproveitando a base instalada das IES privadas no país, o governo lançou um Programa que procurou garantir vagas a estudantes de baixa renda, em troca de isenção de impostos devidos ao erário público. Esse Programa foi denominado Universidade para Todos – Prouni. Ele é obrigatório para as IES que possuem a característica e o benefício fiscal da filantropia. Com o intuito de estimular a garantia da qualidade, foram definidos mecanismos de controle para as IES e os cursos de graduação que receberiam os estudantes. Também eles precisariam alcançar um determinado desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e atestar uma trajetória estudantil em espaços públicos ou em escolas privadas, com bolsas de estudo. Os compromissos do governo Lula (2002-2010) fizeram avançar a busca por alternativas que fossem, progressivamente, produzindo inclusões. Essa perspectiva se alinhou à idéia de “Universidade para todos”. Movimentos similares se identificam em outros países, ligadas especialmente ao controle e à mobilidade populacional. Mas, para alguns, essa condição distanciava-se da concepção meritocrática tradicional da universidade. Cabe ressaltar que, ao se alterar o projeto de universidade, altera-se o que é considerado valor, pelo menos na sua intensidade. Essa situação traz à tona a tensão sobre a qualidade da educação superior. Considerando-se o percurso histórico da universidade e as perspectivas de seu relacionamento com as políticas de Estado, cabe, então, perguntar: pode haver qualidade na universidade para todos? Que indicadores/parâmetros terão lugar nesse projeto? As políticas de inclusão atuais estão alterando os patamares tradicionais de qualidade? Em que direção? Como se percebem essas evidências? Entre os argumentos contrários às políticas de democratização do acesso à educação superior, está o fato de que os alunos bolsistas beneficiados pelo Programa Universidade para Todos, poderiam estar diminuindo a qualidade da Educação Superior, uma vez que vindos das escolas públicas, apresentariam defasagens em sua aprendizagem. 2 Políticas de Cotas – Trata-se de políticas transitórias estimuladas pelo Governo Federal para reserva de vagas a grupos historicamente excluídos da educação superior, como índios, negros e populações provenientes dos sistemas públicos de educação básica. As IES assumem essas políticas de forma opcional. 326 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Essa suposição é que gerou o interesse em verificar esse fenômeno, tomando uma Instituição confessional filantrópica como referente. Pareceu importante compreender a percepção de gestores, professores e dos estudantes sobre o tema. Analisando dados e refletindo sobre qualidade e Prouni As manifestações coletadas nos diversos segmentos de respondentes, indicam uma posição favorável ao Programa e confirmam uma posição de apoio às políticas de inclusão. Crêem, entretanto, que essa política deve ser transitória e sofrer avaliações processuais permanentes. Entretanto, algumas críticas surgem dos professores, apesar de concordarem que o Programa é uma alternativa para a problemática do acesso à educação superior. Há professores que acreditam que o governo deveria investir na universidade pública e não usar recursos para bolsas nas universidades privadas. Mesmo sendo essa uma posição sustentável, o argumento do governo é de que há uma estrutura acadêmica instalada e que pode/deve ser potencializada como alternativa imediata, mesmo que não se contraponha à expansão da rede pública. Há posições que também revelam o desejo de políticas de mais logo prazo. Dizem que se as escolas básicas públicas fossem de qualidade, não haveria necessidade de cotas. Certamente também essa é uma posição incontestável; mas há de se convir que requer um investimento de largo prazo e que a proposta não colide com as emergentes políticas de inclusão que ampliam de imediato o acesso de muitos jovens à educação superior. Outros docentes, entretanto, apóiam de forma explícita o Prouni, pois, para eles abre oportunidades uma vez que ...o aluno que faz a escola pública sabe que se tiver um bom rendimento, tiver uma boa nota no ENEM, vai ter uma vaga numa universidade privada. Nessa perspectiva há uma tendência positiva e isso é interessante, é bonito, é importante. O Prouni é visto realmente como uma política de inclusão, que provoca uma ascensão social, num país, como o Brasil, de evidentes desigualdades econômicas. Por isso a maioria dos professores foram favoráveis à políticas compensatórias. Acreditam que o Prouni e as políticas de financiamento, possibilitam a diminuição das diferenças sociais. Outro fator que mencionam refere-se ao fato de que as universidades federais estão localizadas, principalmente, nas cidades maiores, distantes geograficamente de muitos alunos gaúchos do interior do estado. Para o estudante do interior e com dificuldades econômicas é difícil o deslocamento, pelo custo e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 327 pelo tempo que teriam que despender. Assim a “política de compras de vagas”, como alguns professores mencionaram, é uma forma de oportunizar ao aluno estudar numa instituição de boa qualidade mais próxima da sua realidade. Pode ter mais relação com o que ele busca, com o curso do seu interesse, mais próximo do mercado disponível para ele. Se o ingresso dos estudantes foi considerado um avanço pelos respondentes, os mesmos demonstraram preocupação com as condições de permanência, afirmando que esses estudantes precisam ser mais assistidos pelas políticas institucionais. Caso contrário pode significar uma falsa inclusão, porque eles podem ingressar na universidade mas não vão ter as mesmas condições que a maior parte dos colegas para chegarem ao fim de seus Cursos. Esse posicionamento nos fez acompanhar a taxa de abandono dos alunos Prouni e verificamos que aqueles que têm bolsa integral quase não se evadem, o que levou a IES a optar por apenas essa modalidade, dentro do Programa. No caso das IES privadas, mesmo entre os alunos pagantes, uma grande parte são alunos trabalhadores, inclusive com a responsabilidade de arcar com as despesas da educação superior. Nesse aspecto podem enfrentar as mesmas dificuldades dos estudantes do Prouni. Sobre o desempenho dos estudantes nas práticas acadêmicas há uma tendência positiva no olhar dos docentes. Uma das entrevistadas diz que ...quando vi a lista dos meus alunos Prouni, - porque eu antes não a conhecia - fiquei muito surpresa. São muito bons os alunos, são os nossos melhores alunos... Um que vi na lista, é o meu melhor aluno nesse semestre e outros ainda foram meus em geometria espacial no outro semestre. Também foram meus dois alunos que passaram com A e fiquei surpresa porque, às vezes a gente tem impressão de que, porque vieram de escola pública, não teriam condições de acompanhar; e é ao contrário. Todos os meus alunos bolsistas são excelentes, a impressão que me dá é que como o governo comprou essa vaga para eles, eles se sentem comprometidos. Eu sei que eles têm uma cobrança, tem que ter aprovação, mas parece que eles querem mais. Esta professora representa o imaginário de muitos docentes que atuam na universidade, avaliando positivamente o Prouni. Nenhum docente manifestouse contra o Programa. Entendem eles que se trata de uma política positiva, um marco para o acesso ao ensino superior de jovens oriundos de algumas famílias brasileiras que não tinham esta possibilidade. Um dos depoimentos favoráveis às cotas afirma “...se eu consigo pensar em um afrodescendente, que estudou a vida toda na escola pública, que é de baixa renda e oferecer 328 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) perspectivas de educação superior, possivelmente crio um marco na tradição daquela família ou na geração daquela família. Isso talvez ajude a que todos tenham oportunidade de subir”. Alguns acreditam que isso é um ônus que a sociedade tem que pagar em subsídios. Certamente nós vamos colher os frutos. Eu ainda acho que há poucos recursos destinados à inclusão. Se vai ver o orçamento da união, por exemplo, isso é um ‘farelinho’. É uma moeda de troca. Também há os que consideram que o Prouni é uma forma do governo apoiar as boas universidades privadas: “o governo gasta muito na universidade pública, e pode comprar vagas aqui na privada, para o aluno aqui de São Leopoldo”; “...até hoje não vi nenhuma instituição que diga , não quero alunos pelo Prouni, pelo contrário é uma moeda de troca para as filantrópicas. Então não há como ir contra a maré num Programa como o Prouni...” Os alunos beneficiados concordam, também, com o Programa Universidade para Todos, como uma política de inclusão educacional e consideram uma ação correta. Aceitam plenamente que o Prouni se justifica na estrutura da educação superior do Brasil. São unânimes em concordar que só estão na Universidade em função da existência do Prouni, pois não teriam como estudar se não fosse este benefício público. Para os gestores, em termos de políticas públicas de inclusão que atingem as IES, há avanços. Um deles disse que até “...era crítico do Prouni mas me convenci do seu acerto”. Há uma perspectiva de que “...estão surgindo leis, hoje, que procuram contrabalançar essa auto-proteção das elites, que é algo histórico... Auto-proteção nos seus privilégios. Claro que essas leis são contestadas...” Dizem que anteriormente na universidade havia um leque de possibilidades de inclusão, mas tudo mais diluído. O Prouni ajudou a focar, “...nos deu critérios e colocou a regra do mérito acadêmico, porque o Prouni introduz também o mérito acadêmico. Neste sentido ele nos obrigou a avançar”. Outros respondentes, entretanto, criticam o critério da meritocracia, estabelecido pela nota do ENEM. Consideram que serão sempre privilegiados os que têm acesso maior às informações. Acreditam que seria necessário encontrar uma forma mais próxima das pessoas para efetivamente incluí-las. Diz que a própria universidade deveria ter “...este mecanismo de acolhimento para depois ajudar a desbloquear e qualificar...”. Essa é uma questão polêmica e vai de encontro à representação usual de que, para estar na universidade, é preciso uma base mínima de desempenho escolar. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 329 Alguns países têm acesso irrestrito, mas as estatísticas mostram que a perda se dá no processo e que esse fenômeno tem a ver com o desempenho escolar prévio, que, por sua vez, está vinculado à classe social. Essa reflexão é importante para a discussão da inclusão e acesso ao sistema educacional superior. Mas mostra, também, que as soluções são complexas. Um dos interesses desse estudo esteve centrado no desempenho dos estudantes no cotidiano de aula. Precisariam de atendimentos especiais? Apresentam perfis diferenciados em relação aos demais alunos? Os professores tiveram dificuldades para responder espontaneamente a estas questões uma vez que os mesmos não identificaram previamente os estudantes do Prouni, nem mesmo se em suas turmas havia um deles. Isso feito, afirmaram que esses alunos passam a interagir em sala de aula como qualquer outro estudante sem necessidade de algum apoio especial “...eles até facilitam a vida da gente, porque são empenhados e vão atrás do conhecimento. Se todos fossem assim, seria muito bom.Não, não precisa de nada de especial para eles”. Um professor do curso de Direito diz que não identifica diferença nos alunos bolsista porque há uma diversidade muito grande no corpo discente do seu curso. Muito alunos do Prouni são excelentes alunos o que contradiz as suspeitas de que os bolsistas poderiam intervir negativamente no padrão de qualidade da Instituição. Diz um professor que, ao contrário, “...aqui na minha turma passou um estudante com nota dez. A gente tem alunos que tem poder aquisitivo alto e não se esforçam, muitos não têm interesse”. Eles são persistentes, disse outro respondente, “buscam sanar as dificuldades e procuram conquistar boas notas. Parecem ter mais dedicação e valorizam muito as oportunidades. Lutam para não perdê-las.” Se há dificuldades elas são de ordem material, “como têm outros estudantes de baixa renda que freqüentam a Universidade”, referindo-se às dificuldades para alimentar-se adequadamente e tirar cópias na universidade. Essa condição foi apontada também por um percentual significativo (40%) de alunos bolsistas que participaram da pesquisa, dizendo encontram empecilhos para acompanhar as propostas das disciplinas em relação aos custos com materiais solicitados para o estudo. Mas compreendem que essa não é uma prerrogativa só deles. Uma bolsista disse “... está acontecendo como qualquer outra experiência. As diferenças são referentes ao transporte para estágios fora da cidade natal, materiais solicitados e cursos obrigatórios. Fora estes itens o resto é igual a todos os ingressantes na universidade”. Por outro lado nenhum deles admitiu ter dificuldades para acompanhar as propostas curriculares e alcançar os padrões exigidos nas avaliações. Não concordam que para ter sucesso nas disciplinas precisam estudar mais que os outros 330 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) colegas ou se empenhar em esforços compensatórios. Sentem-se em condições normais de aprendizagem. Os alunos não percebem se seus professores ficam mais atentos, e procuram sanar possíveis dificuldades em relação às suas aprendizagens. Os professores desenvolvem sua aula normalmente sem nenhuma atenção especial aos bolsistas, mas atentos a todos os estudantes. O que pensam os alunos bolsistas do Prouni sobre esta política de inclusão. Provocamos os respondentes a se manifestarem sobre como se sentiam na Universidade, tendo em vista a sua condição de ingresso diferenciada. As respostas variaram, ainda que tenha sido preponderante a tendência de achar que essa condição não importava em nenhum sentido para s sua inserção acadêmica. Sentiam-se entrosados e em iguais condições que os demais alunos. Entretanto 40% dos respondentes assinalaram perceber algum preconceito que identificam como “comportamento diferenciado” pelo fato de serem bolsistas. Não ficou claro se essa sensação é fruto de suas próprias representações sobre a condição que vivem ou se houve concretamente fatos que justificaram um sentimento de tal ordem. Mesmo assim, o sentimento positivo que manifestam em relação à oportunidade dada pelo Prouni é grande e expressivo. Consideram que a experiência acadêmica está sendo fundamental para seu desenvolvimento profissional. Caso não houvesse esta oportunidade não teriam condições de fazer um curso superior. Os desafios propostos estimulam a sua capacidade e fazem com que se dediquem cada vez mais. Uma aluna bolsista diz “...me sinto realizada com a vivência e quando venço um desafio, isso significa que estou aprendendo”. Muitos alunos bolsistas demonstram aproveitar o máximo possível essa oportunidade, obtendo excelentes notas. Alguns buscam outras atividades que os qualifiquem como a pesquisa durante os anos iniciais da formação, agregando novas competências. Uma das entrevistadas diz que é possível que bolsistas do Prouni, por terem vindo de escolas públicas, que nem sempre oferecem uma educação de qualidade, possam ser um pouco desfavorecidos. Todavia, por terem chegado à universidade via ENEM, que se populariza como sendo um novo vestibular, puramente classificatório, faz com que seja pouco provável que esses estudantes tenham dificuldades ou deficiências de aprendizagem maior do que seus colegas. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 331 Alguns elogiam seus cursos como tendo uma proposta inovadora em termos pedagógicos e se sentem na maior parte do tempo desafiados a alcançar os objetivos pré-definidos. Dizem que a grande maioria dos professores consegue favorecer a produção do aluno com os conteúdos trabalhados e a cada semana propõem novos desafios. Sabem que alguns poucos alunos, bolsistas ou não, têm que se valer do chamado “Ensino Propulsor”, que consideram uma ferramenta interessante quando se percebe certo grau de deficiência em sua instrução básica. Alguns alunos apontam que já usufruem de benefícios no ambiente de trabalho pelo fato de estar na Universidade. “A empresa em que eu trabalho já me deu uma oportunidade de trabalhar na minha área de estudo e essa experiência de aliar teoria/ prática é muito importante para o currículo”. Outra assim se expressou: A maior conquista foi a minha empresa reconhecer o meu esforço. Eles acompanharam desde o início quando tentei a bolsa e consegui entrar na universidade. Em dois semestres cursados já me deram a oportunidade de ir para o setor financeiro, me possibilitando aliar conhecimentos. A minha vida deu um giro no último ano, de recepcionista com ensino médio no início do ano passado, passei a consultora de financiamentos com o 4º semestre em andamento. Esses depoimentos são muito expressivos para acompanhar a vivência desses alunos e os produtos de uma experiência acadêmica que revela qualidade. Certamente neutralizam as críticas ao Programa, pois revelam mudanças vitais na trajetória dos jovens beneficiados. Mas, também eles enfrentam dificuldades. O tempo para o estudo, ou falta de tempo é um fator apontado pelos estudantes. Mas, certamente, todo o estudante trabalhador enfrenta este impasse. Sacrificam horas de laser e convívio familiar em prol do estudo. Mas parece que, mesmo assim, vão em frente, pois valorizam a condição temporal que estão vivendo. Se valorizam muito a oportunidade de estar na Universidade, também relatam sua satisfação com o bom aproveitamento que alcançam. Um dos alunos disse “...no final do semestre quando vejo que passei, me dá um alivio, isso mesmo um alivio, pois meu medo atual é perder a bolsa, já que sem ela não tenho como continuar os estudos”. Outro afirmou: Estou em um curso diferenciado, mesmo que os custos de investimento e manutenção do curso sejam altos. Essa é a maior conquista e está abrindo uma possibilidade de conhecimento muito importante, o qual, com dedicação e visão poderei atingir e criar objetivos audaciosos de vida. Referem-se, ainda, à aprendizagens ligadas à cidadania e aos aspectos de mobilidade social, como “saber incluir-me num espaço sócio-cultural diferente do 332 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) que estava habituado”, referindo-se ao fato de viver em uma cidade diferente da sua. Para ele, a experiência fez com que “me tornasse uma pessoa mais receptiva e menos alienada”. Mas, dizem eles, “a maior conquista está sendo a própria formatura (que está se aproximando)”, pois “... no final do ano que vem (quando me formar), estarei fazendo cadeiras que nunca imaginei que existissem neste curso”. Com essas expressões revelaram satisfação com o alcance de uma meta bastante esperada e promissora para o futuro. Foi estimulante encontrar depoimentos positivos dos alunos e atestar o quanto a oportunidade de inserção na educação superior vem interferindo nas suas vidas. A maior parte dos alunos questionados diz que não vivem impasses significativos e nada podem apontar. Mesmo que haja dificuldades vêem esses momentos como mais um desafio a vencer. Considerações Finais A preocupação com a qualidade da Educação Superior, como temática deste estudo, está vinculada as políticas de democratização do acesso à educação superior. A pesquisa confirma que o Prouni é uma política de inclusão exitosa proposta pelo Governo Federal. Os professores da universidade pesquisada, embora não saibam previamente quem são os alunos bolsistas, ao buscarem informações sobre eles, em especial para esta investigação, verificaram que são alunos interessados, assíduos, com sucesso no seu desempenho. Os gestores concordam com o Programa, enfatizando a importância de oportunizar a educação superior para os alunos das classes de baixa renda. Demonstram interesse na possibilidade de ampliação do Prouni. Há universidades privadas confessionais que possuem um excelente desempenho acadêmico e podem contribuir com as políticas de inclusão. A participação nesses programas favorece a sua sustentabilidade com qualidade. Os alunos sentem-se bem inseridos no espaço acadêmico da universidade pesquisada. São dedicados e valorizam a oportunidade cursar a educação superior numa Instituição de prestígio. Vêm o Prouni como uma alternativa de ascensão pela possibilidade de exercer uma profissão mais valorizada na escala social. Muitos deles são os primeiros nas famílias a alcançarem essa condição. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 333 Portanto os resultados do estudo indicam que o Prouni não impacta negativamente a qualidade da Educação Superior. Alguns professores confirmam inclusive que estes alunos impactam positivamente. E a universidade ganha com sua inserção, por seu interesse e desempenho. Poder-se-á retirar da base empírica desse estudo alguns indicadores de qualidade que se afastam das afirmativas produtivistas e concorrenciais? Poderão eles corresponder aos sentidos sociais, políticos, filosóficos e éticos da atividade educativa? Estariam expressos os compromissos e relações da instituição educativa com a sociedade, numa perspectiva muito mais abrangente que a mera preparação para o mercado, como defende Dias Sobº (2003)? São questões a analisar e aprofundar. REFERÊNCIAS BRASIL. LEI 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI. Brasília.2005. Acess em maio/2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11096.htm CUNHA, Maria Isabel da. Pedagogia Universitária: Energias emancipatórias em tempos neoliberais.Araraquara/SP, J.M.Editores, 2006. ______. Maria Isabel. O Professor Universitário na Transição de Paradigmas. Araraquara: JM Editora, 1998. DE LA ORDEN, A.Calidad y Evaluación de la enseñanza universitaria, Actas del Congreso Internacional de Universidades, Madrid.1992. ______. La calidad de los centros educativos: asunto para un congreso, Bordón, 40(2) 1988.pp149-161. ______. Desarrollo e validación de un modelo de calidad universitaria como base para su evaluación, Revista Electrónica de Investigación y Evaluación Educativa, 3(1-2). Disponible:www.uca.es/RELIEVE (Enero,2001).1997. ______. 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Entretanto, parece universal a discussão dobre os padrões de qualidade profissional como uma emergência da sociedade contemporânea e essa condição vem remetendo a novas investigações e análises sobre o ensino de qualidade. Connell (2010), partindo do exemplo da Austrália, relata que nesse país são realizadas investigações sobre a formação de professores, numa nova tentativa de avaliar o seu trabalho. Entretanto, afirma o autor, todas as discussões partem do pressuposto de que – como foi afirmado de forma tão contundente pela OECD4 (2005) - mais do que quaisquer fatores os professores são importantes e fazem diferença nas condições educacionais. Explica Connell que o relatório deste organismo fez um resumo de vasta pesquisa sobre os fatores determinantes do aprendizado, afirmando que, embora as maiores variações de resultados decorram da origem socioeconômica dos alunos, o fator mais importante e potencialmente suscetível à influência de políticas públicas é o ensino e, em particular, a qualidade dos professores (p.165). Essa posição é reforçada por Hayes quando afirma que além da origem familiar, são os bons professores que fazem uma grande diferença nos resultados do aprendizado dos alunos (2006, p.1). Investir energias e empenhos procurando recrutar e manter bons professores tornou-se, para muitos países, uma importante questão de ordem prática. Muitos deles partiram para implementar mecanismos de avaliação e certificação dos docentes, na perspectiva de que esse seria o caminho mais adequado. Distanciaram-se, algumas vezes, da concepção até então sustentável, 1 Estudo decorrente da Pesquisa “Os Saberes da Docência e da Pesquisa na Formação dos Futuros Professores Universitários” desenvolvida como parte do Estágio pós-doutoral da autora no PPGEducação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) com a participação e orientação da Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha 2 Doutora em Educação pela USP e docente no Campus de Rio Claro da Universidade Estadual Julio Mesquita Fº (UNESP). 3 Doutora em Educação pela UNICAMP e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS. 4 OECD – Organization for Economic Cooperation and Development. 336 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) de que bons professores se fazem com muitos investimentos de formação e de boas condições de trabalho. Bastaria submetê-los a exames periódicos que informariam sobre seus conhecimentos ou premiá-los quando, numa lógica concorrencial, obtivessem sucesso nos escores de seus alunos. Outras políticas desconfiam dessas alternativas. Defendem o investimento maciço em formação e em melhores condições de trabalho para os docentes. Essas posições e suas decorrentes políticas se mantêm em tensão, fazendo parte da agenda contemporânea. Para algumas os processos de acreditação e avaliação constante é que podem informar sobre a capacidade dos professores, premiando pontualmente aqueles que apresentam bom perfil, revelado no rendimento cognitivo de seus alunos. Para outros, esse é uma política equivocada, pois acirra o individualismo docente não investindo na escola e nas condições de trabalho do professor numa dimensão coletiva. Melhores salários e condições de carreira, boa base material para o exercício da docência seriam as medidas que poderiam levar ao sucesso pedagógico. De qualquer forma, como diz Connell, fica evidente a estreita relação entre ensino de qualidade e a qualidade da docência. Essas reflexões parecem úteis e aplicáveis para qualquer nível de ensino. No caso desse artigo, interessou analisar a preparação para a docência de qualidade na e para a universidade, e perceber os investimentos institucionais que são realizados nessa direção no espaço de cursos de pós-graduação strito sensu. A compreensão de que a docência é uma atividade complexa tem sido constantemente reiterada por nós (Cunha, 2004), pois essa é uma profissão que exige múltiplos saberes articulados em uma totalidade e compreendidos em suas relações. Se essa é uma condição que envolve todos os docentes, o exercício na educação superior se torna mais exigente ainda, pois quem atua nesse nível de ensino precisa exercitar a produção do conhecimento pela atividade investigativa, com reflexo nas ações de ensino, favorecendo aprendizagens também complexas de seus alunos. Paradoxalmente a qualidade do ensino superior, ao ter como parâmetro a qualidade da docência, toma a formação investigativa como única base de saberes necessária ao futuro professor. A legislação no Brasil impõe que um percentual significativo do corpo docente de uma Instituição de Educação Superior tenha formação de mestrado e/ou doutorado, no pressuposto que é ela que qualifica a docência. As universidades de prestígio, entretanto, já têm quase a totalidade de seu corpo docente com título de doutor e progressivamente esta formação já se constitui em requisito de ingresso. Entretanto é sabido que a pós-graduação strito sensu tem sua espinha dorsal nos saberes da pesquisa, Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 337 materializada pela produção de uma dissertação ou tese. Não se trata de contestar a importância dessa formação, porque ela sustenta a condição da produção do conhecimento. Mas há de se convir que a docência pressupõe mais do que os saberes da pesquisa e que o seu exercício exige expressivos saberes profissionais. Por essa razão também se torna fundamental investigar sobre as possibilidades de investir com mais qualidade na formação dos futuros professores universitários, nos espaços dos cursos de mestrado e doutorado. Consideramos que todos esses Cursos, das mais diferentes áreas, teriam de manifestar uma preocupação com a condição de futuros docentes que em geral se avizinha para os estudantes que, na sua maioria, pretendem ingressar profissionalmente na universidade. Propiciar espaços de estudos e reflexões sobre a natureza pedagógica da docência pode contribuir com a condição de ingresso dos estudantes na carreira docente e auxiliar a trajetória que deverão construir com seus alunos. Mas esse não é apenas um interesse pessoal que compõe a agenda do estudante, futuro professor. É, principalmente uma responsabilidade das políticas públicas que, por sua condição indutória, precisariam acenar para a implementação curricular de estudos nessa direção. Se essa sempre foi uma condição por si só sustentável, tendo em vista a complexidade da docência, o panorama contemporâneo de expansão e interiorização da educação superior universitária impõe novos desafios para as práticas de ensinar e aprender. Essas se afastam, em muitos casos, da lógica da meritocracia estudantil e exigem a compreensão das culturas e do desenvolvimento dos jovens e adultos em situações peculiares. Não basta que os professores tenham domínio do conhecimento que devem ensinar, ainda que seja ele uma condição fundamental para seu ofício. São necessários outros tantos saberes referentes aos estudantes e às características das regiões onde atuam. Para ensinar é preciso entender do conteúdo na mesma intensidade de como se conhece os processos de ensino e os estudantes. Como, então, essas compreensões estão chegando aos espaços acadêmicos da pós-graduação no Brasil? Há clareza da importância da formação pedagógica do professor como componente da qualidade do ensino de graduação? Como essa formação pedagógica se articula com a formação para a pesquisa? Constituem um único constructo que definem uma base epistemológica para as duas funções? Lançam mão da extensão como ponto de partida e de chegada de suas indagações epistêmicas? Que pensam os alunos dessas proposições? 338 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Com esse intuito desenvolvemos uma incursão empírica localizando uma experiência de formação com estas características em três Cursos de PósGraduação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz pertencente ao Campus de Piracicaba da Universidade de São Paulo. Neles é oferecida a disciplina de Preparação Pedagógica para os estudantes formalmente matriculados. Vale ressaltar que essa Escola tem reconhecimento internacional da sua qualidade, sendo responsável pela formação de boa parte dos pesquisadores brasileiros de sua especialidade. Progressivamente essa condição vai lhe atribuindo um perfil que privilegia a pós-graduação, pois tem mais alunos nesse nível de ensino do que na graduação. Atualmente na ESALQ há 6 cursos de graduação, 16 programas de pós-graduação e 2 programas de pós-graduação interunidades. No ano de 2010 foram matriculados 1.897 alunos de graduação e 7.031 alunos de pós-graduação. Esse esclarecimento parece importante para a posterior compreensão dos dados decorrentes das representações dos alunos, nossos interlocutores nesse estudo. Essa disciplina tem caráter optativo e é oferecida a todos os estudantes interessados. Nos cursos de pós-graduação há uma grande variação na maneira de como a disciplina é oferecida. Os três cursos estudados, nessa pesquisa, optaram pela realização da disciplina durante um semestre todo, de forma sistemática, com duração de 60 horas. Destina-se a aprimorar a formação de alunos de pós-graduação para a atividade didática de graduação e está composto de duas etapas: preparação pedagógica e estágio supervisionado em docência. As duas etapas se constituem numa obrigatoriedade para os bolsistas da CAPES que não tenham experiência no magistério superior. Mas outros estudantes interessados também podem cursá-las. É nela que os participantes têm a oportunidade, ainda que superficial, de discutir aspectos relacionados ao papel da universidade, incluindo as suas três funções básicas: ensino, pesquisa e extensão. A universidade e contemporâneas o contexto das políticas Para poder refletir de forma mais fundamentada sobre o tema que nos mobiliza, consideramos importante uma reflexão prévia sobre a universidade e o contexto que a envolve nessa condição contemporânea. Boaventura de Sousa Santos (2010) têm contribuído de forma significativa nas reflexões sobre a universidade do século XXI e propõe importantes aportes acerca dos rumos que a universidade vem tomando na atualidade. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 339 O autor, em estudo anterior (2000), afirmou que a universidade vem enfrentado, pelo menos, três crises identitárias: a que decorre de seu papel de detentora da produção da conhecimento pela pesquisa, envolvendo sua legitimidade; a que precisa responder às exigências sociais e políticas, envolvendo as políticas de acesso e a reivindicação de igualdades de oportunidades para as classes populares; e a crise institucional em que de um lado há a busca de autonomia na definição de valores e objetivos da Universidade e por outro a pressão crescente para submetê-la a critérios de eficácia e produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. Tendo em vista este quadro, a autonomia científica e pedagógica da Universidade ficou ameaçada e induzida a seguir o modelo de desenvolvimento econômico conhecido por neoliberalismo ou globalização neoliberal que, na década de 80, se impôs internacionalmente. Esse movimento, de acordo com Sousa Santos (2010), gerou um processo de mercadorização da universidade por meio de duas frentes: 1) a do início da década de 80 e meados da década de 90, quando houve a expansão e a consolidação do mercado universitário nacional; 2) a que emerge do mercado transnacional que teria a função de promover soluções globais ao problema da educação por meio do financiamento pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial de Comércio. Houve, para o autor, uma tentativa de institucionalização da globalização neoliberal na Universidade, encontrando campo fértil na fragilização dos projetos nacionais que nascessem das parcerias colaborativas, envolvendo a condição pública das universidades. Para lutar contra essa situação aponta a necessidade da construção de um modelo de globalização alternativa por meio da elaboração de um projeto de país centrado em escolhas políticas oriundas de um amplo projeto político, social e educacional, via colaboração nacional e internacional. Valoriza, para tal, as tecnologias de informação e de comunicação, as novas pedagogias e a difusão do conhecimento correlacionado com avanços locais e globais. Suas posições encontram guarida na nossa compreensão, uma vez que assumimos a emergência da construção de alternativas ao modelo hegemônico e, para tal, entendemos que é fundamental apostar na formação docente na direção de um paradigma crítico e emergente que assuma a qualidade da educação superior distanciada dos discursos generalizadores e concorrenciais. A profissão docente, no âmbito universitário, foi atingida por forças que ratificaram sua condição de isolamento favorecendo os projetos individuais 340 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) sobre as demandas coletivas. Essas estimulam pesquisas e aproximações com o mundo empresarial sem muito critério de bem público, valorizando os produtos do trabalho acadêmico, sem muita atenção aos processos. Reconhecem o docente universitário especialmente por suas funções de pesquisador e pouco assumem a perspectiva de que o professor pesquisador também precisa investir na qualificação da sua ação docente, aquela que forma intelectuais cidadãos. Como afirma Bazzo (2007), “os problemas relacionados ao ensino nas universidades têm suas raízes no chamado ethos acadêmico que parte da compreensão de que o trabalho docente é fundamentalmente identificado com a atividade de pesquisa, sendo essa sua principal fonte de prestígio acadêmico e também de valorização profissional” (p. 198). Entretanto, mesmo na contramão dessa política mais ampla, tem sido possível localizar algumas experiências pontuais que vêm fazendo contrapontos. Entendemos que elas ainda estão longe de representar uma força hegemônica e nem sua intensidade responde à complexidade dos saberes para a docência. Mas reconhecemos que representam uma possibilidade de reflexão e a ocupação de um espaço nos Programas de Pós-Graduação que vai, aos poucos, se transformando em um lugar (Cunha, 2009).5 Para compreender a possibilidade desse movimento de transformação do espaço em lugar, foi desenvolvida uma pesquisa que, conforme explicitado anteriormente, teve os alunos de Pós-Graduação de três Cursos da ESALQ como interlocutores. Esses estudantes haviam realizado a disciplina de Preparação para a Docência e puderam externar suas percepções sobre o percurso vivido. Apontaram um quadro preocupante sobre a ação profissional dos docentes universitários devido ao baixo prestígio que o ensino tem na universidade, onde se verifica a supervalorização da pesquisa. Dizem eles que os professores são cobrados somente pela pesquisa, dando prioridade a ela. Além disso, na contratação do professor, o peso dado às publicações é infinitamente maior do que a sua didática. A extensão é esquecida pela maioria dos docentes. A avaliação dos docentes leva apenas em consideração a sua produtividade em pesquisa. (Curso Ciência dos Alimentos). Ou 5 Em estudo anterior definimos o significado dos termos espaço e lugar ao nos referirmos à preparação para a docência. O espaço é a condição potencial para uma ação. Já o lugar é o espaço ocupado, conquistando algum reconhecimento e legitimidade (Cunha, 2009). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 341 A valorização da pesquisa em detrimento dos outros aspectos impossibilita o exercício do ensino e da extensão com qualidade. (Curso Ciência dos Alimentos). Ou, ainda, Atualmente esse processo é bem difícil visto que hoje um bom professor é aquele que publica mais, em decorrência desta infeliz exigência! Os professores acabam sendo muito mais pesquisadores do que professores, pois boa parte deles não levam o conhecimento e nem os benefícios dela aos alunos e à sociedade (Curso Recursos Florestais). Os alunos respondentes parecem ter claro o cenário que envolve a Universidade, em especial uma Instituição centenária que cada vez mais se legitima pela condição investigativa. Compõem, com outras congêneres, a representação de uma predominância da função da pesquisa sobre as demais, ainda que essa posição careça de sustentação legal. E essa cultura se manifesta na prática dos professores. Primeiro, acho que é porque e a própria universidade cobra do professor o número de pesquisas que têm, quantos ele está orientando e como está sua produção e número de publicações. O professor não tem apoio para fazer a extensão e precisa sair da sua comodidade e começar a trabalhar em parceria com outros docentes e com os alunos. O ensino para ele é dar suas aulas sempre expositivas, cumprir os horários e o programa elaborado por ele mesmo e transmitir seu conhecimento aos alunos. É só a pesquisa é que dá status ao professor universitário, infelizmente! (Curso de Recursos Florestais). Ao analisarmos estas manifestações podemos perceber o quanto a qualidade do ensino articulada a pesquisa está distante da realidade universitária, não havendo encaminhamentos que apontem para processos de inovação entendidos por nós (Leite (1999, Cunha 2006, Lucarelli 2009) como uma ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender; na inclusão da gestão participativa, do protagonismo, na reconfiguração dos saberes e na reorganização da relação teoria/prática. A base da inovação está na ruptura paradigmática sobre o conhecimento, exigindo rupturas epistemológicas como condição primeira para que as rupturas pedagógicas possam de fato ocorrer. Mas pelas afirmativas dos respondentes 342 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) é possível inferir que mesmo num ambiente acadêmico de alto prestígio com contribuições exponenciais referentes à pesquisa, o ensino segue prescritivo, baseado principalmente na transmissão do conhecimento, que, por essa perspectiva assume uma condição de pronto e acabado, sem instar o aluno a intervir de forma inquiridora sobre sua formulação. Não se percebe qualidade de ensino entendida como a busca pela qualidade humana e cidadã embasada na visão de Sousa Santos (1989), incluindo a articulação do conhecimento científico-natural com o conhecimento científicosocial valorizando os âmbitos estético-expressivo e ético-moral. Esta articulação também é valorizada por Rios (2006) que afirma que os conhecimentos pautados nessas perspectivas traduziriam a idéia “da melhor qualidade”, pois estariam valorizando as dimensões técnica, política, ética e estética. Para ela, o conceito de qualidade é totalizante, abrangente, multidimensional. É social e historicamente determinado porque emerge em uma realidade específica de um contexto concreto. Portanto, uma análise crítica de qualidade deverá considerar todos esses aspectos, articulando aqueles de ordem técnica e pedagógica aos de caráter políticoideológico. (RIOS, p. 64). Na visão dos alunos respondentes, o professor universitário precisaria incorporar a ação profissional de professor pesquisador, mas entendido como alguém que tem a capacidade de saber fazer do ensino e da pesquisa os elementos que retroalimentarão suas intervenções nos diferentes territórios acadêmicos gerando, assim, a qualidade e a excelência no ensino, na pesquisa e na extensão. Deveria ser alguém que se utiliza das trocas estabelecidas no ensino: pares, discentes e comunidade para ampliar o conhecimento e, ao mesmo tempo, que utiliza as informações e as ferramentas, durante o exercício da pesquisa, para ampliar os conhecimentos a serem utilizados, também, como ferramentas de ensino. (Curso de Ciência dos Alimentos). É aquele que pesquisa na área em que se propõe a ensinar. Dessa forma ele não apenas reproduz o conhecimento, como também cria novos conhecimentos. (Curso de Entomologia). É um professor que ensina e pesquisa em igual prioridade, sendo que aquilo que ele pesquisa serve de complemento Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 343 da aula, e as aulas como fonte de perguntas para a sua pesquisa (Curso de Recursos Florestais). Estas afirmativas parecem indicar que esses estudantes têm mais clareza da natureza da ação docente na universidade do que seus professores. É esta uma conclusão alvissareira, por um lado, e preocupante por outro. Pode ser que essa posição seja produzida pela emergência de um novo tempo e de uma distinta consciência social e política a presidir o conhecimento científico. Mas pode, também, representar um discurso localizado na fase em que vivem os alunos que depois, - ao ingressar na carreira docente -, sofrem as amarras culturais e institucionais que os fazem capitular. Entretanto também pode significar que o espaço de reflexão proporcionado pela disciplina de Preparação Docente possa ter despertado neles a possibilidade de pensarem de forma diferente e reconhecerem a importância de reverter o quadro de desprestigio do ensino. Percebem, ainda, com alguma preocupação, a incompletude de sua formação, frente ao desafio de logo adiante se tornarem professores. Acreditando nessa possibilidade é que continuamos a provocar os estudantes sobre as suas aprendizagens no campo pedagógico e da docência. Eles percebem que os professores universitários têm dificuldade de integrar o ensino, a pesquisa e a extensão e as causas dessa condição vão desde a sobrecarga de trabalho até às prioridades que regem o seu tempo. Indicam as exigências dos órgãos de fomento como um forte imperativo da supervalorização da pesquisa que gera certo descompromisso da universidade com as outras demandas ligadas à extensão e ao ensino, especialmente o de graduação. Mencionam, ainda, a falta de preparo dos docentes para atuarem com competência nesses espaços como um fator que incide sobre a pouca relevância a elas atribuídas. Estes campos exigem muito de uma pessoa. É impossível realizar tudo com qualidade. Além disto, essas três áreas requerem saberes e habilidades diferentes e difíceis de encontrar em uma só pessoa (Curso de Entomologia). Acredito que é possível fazer com qualidade ensino, pesquisa e extensão, pois entendo que estão intimamente ligados. Porém o que ao docente é cobrado “como qualidade” refere-se à pesquisa, tanto para as agências de fomento ou até para a sociedade Em geral, os professores estão sobrecarregados e não conseguem exercer as três atividades concomitantemente. Além disso, tem a questão da aptidão, onde ele revela preferências por determinada atividade (Curso de Recursos Florestais). 344 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) A qualidade do trabalho docente na universidade não alcança com facilidade e freqüência a dimensão técnica, estética, política e ética gerando um quadro nevrálgico no sentido de que tanto a formação profissional, como a formação para a pesquisa e para a docência estão exigindo prévias rupturas epistemológicas para depois avançar nas rupturas pedagógicas. Essas poderiam ser as que gerassem indicadores de qualidade do ensino. Alguns indicadores de qualidade do ensino: uma tentativa de esboço A relação ensino, pesquisa e extensão têm sustentado o discurso da qualidade do ensino superior, como já aqui mencionado e em tantos outros documentos que tratam do tema e sustentam as políticas de educação superior no Brasil com referentes no contexto internacional. Entretanto tem sido bastante complexo definir indicadores universais, pela condição cultural, temporal e ideológica que acompanha o conceito de qualidade. Não sabemos se isso é possível e nem se é desejável. Assumimos a posição que infere sobre a impossibilidade de realizar uma descrição universal de indicadores, sob pena de descaracterizar a compreensão de valorização do contexto, tão cara para os que crêm na educação como produção humana e cultural. Entretanto, estimuladas pelos depoimentos dos nossos interlocutores, tomamos as rédeas de uma iniciativa complexa, mas talvez necessária para ampliar a sua contribuição, que ajude a analisar as práticas acadêmicas de ensino e com esse exercício avaliar os progressos e desafios a enfrentar. Cremos, também, que ao explicitar indicadores de qualidade poder-se-á contribuir para a reflexão no campo da pedagogia universitária e impactar a formação de professores. Desde já explicitamos a provisoriedade desses indicadores e seu compromisso com uma posição epistemológica emergente. A produção dos mesmos decorre de investigações e reflexões sobre o campo da pedagogia universitária (Cunha, 2008). Para que servem os indicadores? Em primeiro lugar seu objetivo é explicitar o sentido da qualidade, pois esta é uma expressão que precisa ser adjetivada. Sendo alicerçada numa matriz valorativa, a qualidade é cambiante e depende da explicitação do projeto educativo que orienta sua definição. Em segundo lugar os indicadores servem como referentes de programas de qualidade. Aceitos como legítimos podem ser tornar faróis que iluminam o caminho da transformação, organizando entendimentos sobre o conteúdo da Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 345 inovação e da formação. Podem, também, ajudar na consolidação da pesquisa, na medida em que, sendo utilizados em distintos contextos e por diferentes atores, contribuem na teorização do ensino. Por fim os indicadores podem contribuir para operacionalizar processos avaliativos, dando pistas para a apreensão da realidade, auxiliando diagnósticos e favorecendo juízos de valor em uma atividade tão complexa como o ensino. Ajudam a definir uma base comum de argumentos e coincidir ou contrapor-se a outros paradigmas de avaliação. No caso desse estudo, explicitar indicadores pode ajudar a compreender os desafios para a formação de futuros professores no âmbito da pós-graduação strito sensu e fundamentar a importância do conhecimento pedagógico para uma docência de qualidade. A) A ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender que envolve(a) compreender o conhecimento a partir de uma perspectiva epistemológica problematizadora; (b) reconhecer formas variadas de produção de saberes; (c) incorporar a dimensão sócio-histórica do conhecimento; (d) assumir a dimensão axiológica que une sujeito e objeto. B) A gestão participativa que inclui (a) a participação dos sujeitos desde a concepção até a análise dos resultados; (b) o estimulo às atitudes reflexivas frente ao conhecimento; (c) a condição de assumir a diversidade de compreensões valorativas; (d) o incentivo das habilidades para tratar com a complexidade. C) A reconfiguração dos saberes que requer (a) a anulação ou diminuição das dualidades propostas pela ciência moderna (saber científico/ saber popular, ciência/cultura, educação/trabalho, corpo/alma, teoria/prática, ciências naturais/ciências sociais, objetividade/subjetividade, arte/ciência, ensino/pesquisa etc); (b) a compreensão da realidade de forma integradora; o reconhecimento da legitimidade de diferentes fontes de saber; a valorização da percepção integradora entre o ser humano, a sociedade e a natureza. D) A reorganização da relação teoria/prática em que é preciso (a) assumir que a dúvida epistemológica é que dá sentido à teoria; (b) estimular relações que articulem ora teoria e prática ora prática e teoria; (c) promover a leitura da realidade e da prática social; (d) problematizar o conhecimento que os estudantes precisam produzir; (e) assumir a prática como única e multifacetada exigindo uma visão interdisciplinar. E) A perspectiva orgânica no processo de concepção, desenvolvimento e avaliação da experiência desenvolvida que inclui a (a) apreensão das relações entre as decisões pedagógicas que acompanham todo o processo de ensinar e 346 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) aprender buscando coerência; (b) a busca processual, que exige, em muitos casos, mudanças de rumos e sensibilidade para o trato com o não previsto; (c) a definição de um pacto entre professor e alunos e desses entre si, no que se refere às regras do trabalho pedagógico, incluindo sua avaliação. F) A mediação que estimula a (a) assumir a inclusão das relações sócio-afetivas como condição da aprendizagem significativa; (b) a lidar com as subjetividades dos envolvidos, articulando essa dimensão com o conhecimento; (c) a exercitar relações de respeito entre professor e alunos; (d) a valorizar a dimensão do prazer de aprender, do gosto pela matéria de ensino e do entusiasmo pelas tarefas planejadas; (e) a valorizar os significados atribuídos ao conhecimento compreendendo da historicidade de sua produção. G) O protagonismo que exige (a) reconhecer que tanto os alunos como os professores são sujeitos da prática pedagógica e, mesmo em posições diferentes, atuam como sujeitos ativos das suas aprendizagens; (b) valorizar a produção pessoal, original e criativa dos estudantes, estimulando processos intelectuais mais complexos e não repetitivos; (c) resignificar o conceito de experiência, assumindo-a como algo que é particular de cada sujeito e que depende das suas estruturas culturais, afetivas e cognitivas para acontecer com sentido; (d) compreender que o conhecimento novo não precisa inédito, mas é novo para aquele que pela primeira vez o descobre, a partir da sua condição experiencial. A explicitação destes indicadores - que resultam numa visão inovadora na compreensão epistemológica, se considerarmos as perspectivas tradicionais da modernidade -, remetem à compreensão das exigências que o professor universitário enfrenta para dar conta de suas múltiplas funções profissionais. O despreparo para tal produz nos professores, muitas vezes, uma crise identitária da profissão, revelando-se pelo seu “não lugar” (Cunha, 2010) que provoca uma inquietação e um mal estar frente à docência. Partindo do entendimento de que a universidade é o espaço da formação dos professores da educação superior é preciso urgentemente institucionalizá-lo como lugar onde a formação para a docência se constitua como elemento fundante da construção pré-profissional dos futuros docentes universitários. Deve ser, também, a condição que alimenta a formação permanente e continua do professor universitário em serviço. Assumimos que “o que transforma o espaço em lugar, é a ocupação do mesmo pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição” (Cunha, 2010, pg. 54). É como se os professores assumissem este lugar como “locus” de ensino e de aprendizagem sobre a sua profissão, um lugar de conhecimento Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 347 daquilo que ele abarca ao se tornar docente no âmbito universitário refletindo e analisando acerca das suas intervenções. É necessário que as Instituições e as políticas públicas de pós-graduação reconheçam a complexidade da docência e assumam que o ensino de qualidade exige o desenvolvimento de saberes próprios para esse fim. Tardif (2002) define saberes docentes como um rol de conhecimentos, habilidades e atitudes na ação profissional do docente, que se relaciona com a idéia de o professor precisar, no decorrer de sua ação, saber fazer determinadas ações e desempenhar funções, desencadeando habilidades no ato de ensinar algo a alguém. Precisa dominar com propriedade e profundidade a área de conhecimento que tem a intenção de ensinar, e ter atitudes e habilidades pedagógicas que auxiliem na formação integral dos seus alunos. Chama a atenção, ainda o autor, de que não se pode refletir sobre saberes docentes se junto a isso não forem correlacionados os aspectos da temporalidade e do trabalho na vida pessoal e profissional do professor. Dada essa condição, as relações que o professor estabelece com seu trabalho são de natureza humana e, como tal, sujeitas a interferências valorativas e construídas num contexto de complexibilidade. Essas compreensões seriam fundamentais no processo de formação do professor universitário e, como tal, também preocupação dos Programas de Pós-Graduação strito sensu, com repercussões para o que se considera valor para as agências de avaliação e fomento. A compreensão de qualidade de ensino precisaria ser ampliada e as habilidades e saberes incluída na formação para viabilizar os indicadores de qualidade. Desafios da docência para a qualificação do ensino: sentimentos e reflexões É grande a preocupação e o sentimento de insegurança dos alunos quando questionados sobre a possibilidade de adentrarem no contexto universitário como docentes, pois fica claro que não se sentem aptos para dar conta das atividades de ensino, pesquisa e extensão com equilibrado sucesso. Dizem eles: A timidez e a insegurança iniciais são aspectos importantes pois podem gerar graves problemas. Enfrentamento de turmas grandes; relacionamento entre professor e alunos; investimento para a preparação de aulas e das pesquisas; saber como cativar e ensinar os alunos diante dos conteúdos é um desafio.... (Recursos Florestais). 348 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Ou Temos falta de experiência e de incentivo a realizar exercícios de docência nos processos de formação para saber lidar com os alunos com a quantidade de alunos nas salas. Há a idéia de publicar bastante para ser respeitada, mas não a de saber ensinar e fazer extensão junto com a pesquisa. É algo assustador (Entomologia). Entretanto, fica evidente que os docentes em formação valorizam as atividades investigativas e dão a ela um papel fundamental. Mas reconhecem o silenciamento sobre os demais saberes que compõem o tripé da qualidade da educação superior, ou seja, o ensino e extensão. Enfatizam que essa condição é também responsabilidade do modelo de formação que dá relevante destaque a um dos aspectos e negligencia os demais, assumindo que as práticas nesses campos se estabeleçam a partir dos modelos históricos do senso comum. Considerando as profundas mudanças no perfil da clientela acadêmica e das mudanças nas linguagens com o advento das tecnologias, entre outros fatores que vêm impactando a educação superior, uma reação é fundamental. Alinhavando algumas conclusões Os estudantes participantes desse estudo auxiliaram a fundamentar empiricamente muitas afirmativas que os teóricos já vinham apontando a respeito da formação do professor universitário e sua relação com a qualidade do ensino da graduação. Procurou-se chamar, mais uma vez, a atenção para a complexidade da docência e como essa condição requer uma formação consistente interrelacionado os saberes da pesquisa com os saberes do ensino e da extensão. Nos arvoramos em delinear alguns indicadores de qualidade do ensino, construídos ao longo de nossa trajetória de pesquisa. Essa tentativa não quer assumir que os mesmos se tratem de indicadores universais. Eles são datados e concebidos a partir de visões ideológicas e de compromisso com um projeto de educação e de nação. Requeremos uma política integrada dos órgãos educacionais superiores em que a política de pós-graduação inclua a formação docente na tríade de saberes que as funções da universidade exige. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 349 Propomos que as Instituições, compromissadas com a qualidade do ensino e com a formação dos professores da educação superior, assumam a relação entre esses dois construtos e invistam fortemente em ações e em pesquisas que façam avançar o campo da pedagogia universitária. Referências AZEVEDO, Maria Antonia Ramos de . “Os Saberes de Orientação dos Professores Formadores: Desafios para Ações Tutorais Emancipatórias”. Tese de Doutorado, São Paulo, Faculdade de Educação/USP, 2009. BAZZO, Vera Lúcia. “Constituição da profissionalidade docente na educação superior: desafios e possibilidades”. Tese de Doutorado. Porto Alegre/RS. 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QUALIDADE E RECRUTAMENTO DOCENTE Maria Isabel da Cunha1 Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet2 A discussão sobre a qualidade da educação superior tem preenchido a agenda acadêmica com prioridade nos últimos tempos. Durante muitas décadas a compreensão de qualidade foi assumida com base na cultura e na tradição. Para uma instituição ser assim reconhecida havia de ter uma razoável trajetória temporal que garantisse a visibilidade de seus produtos. Esses, por sua vez, eram dimensionados através do prestígio de seus egressos e pela percepção que tinha a sociedade do impacto de seu trabalho. Chegavam à educação superior fundamentalmente os jovens oriundos das classes abastadas, com algumas incursões da classe média. Essa escolha se fundamentava na expectativa das famílias, para as quais o título acadêmico chancelava o seu prestígio e poder, mesmo que o egresso não atuasse profissionalmente no campo para o qual se preparou. Como a educação superior estava fortemente atrelada às profissões liberais de alto prestígio social, o seu exercício trazia a aura de um conhecimento “sagrado” em que, como explicou Bernstein, são usados códigos elaborados de acesso restrito (1988). Esse capital cultural, sendo distribuído à poucos, constituía-se num patrimônio identificado como de alto valor social. Como a universidade é quem distribuía e chancelava o conhecimento científico, sua qualidade estava garantida pela exclusividade do controle deste patrimônio social e cultural. A condição corporativa acompanhou intensamente a instituição acadêmica. E o corporativismo, significando o controle sobre si mesmo, reconhecia que só a corporação, ou seja - os pares - têm legitimidade para intervir nesse campo de conhecimento e poder. Portanto a qualidade se definia de forma auto-regulada, ficando imersa no interior da própria instituição, que definia rumos e valores para si mesma, distante das intervenções externas. Esta compreensão não significava, entretanto, uma relação de independência entre universidade, estado e sociedade. Ocorre que esses espaços se confundiam, quando se tratava das elites, e a cultura da classe dominante circulava entre os distintos pólos com total articulação. Muitas das decisões políticas se tomavam com a participação de atores comuns a eles, independente dos espaços em que se instituíam. Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do rio dos Sinos (UNISINOS). 2 Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da universidade Federal de Pelotas (UFPel). 1 352 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Mesmo não dando destaque a formulação de um discurso sobre a qualidade, seus pressupostos residiam nos valores da corporação que, em geral, acentavam suas bases fortemente na meritocracia. Esta condição parecia isentar o acesso à educação superior de conotação ideológica, exaltando o mérito como principal critério para ingresso e permanência, quer dos alunos, quer dos professores. Não se explicitava a relação entre a constituição do mérito com o capital cultural relacionado à classe social a que pertencia o indivíduo. Foram os estudos da sociologia francesa que ajudaram a desvelar essa contradição. Analisando o perfil do ingressante na educação superior na França, Bourdieu (2003) afirma que “todo o ensino, e mais particularmente o ensino da cultura (inclusive a científica), pressupõe implicitamente um corpo de saberes, de saberfazer e, sobretudo, de saber dizer, que constitui um patrimônio das classes cultas” (p.39). Essa condição se instituía não como um problema, mas como um valor que agregava qualidade, na percepção da época. Essa perspectiva cultural foi tão forte que encontrava apoio até nas classes menos favorecidas que entendiam ser a universidade um espaço para privilegiados. Bourdieu (2003), mostrando como a academia estava destinada aos “herdeiros”, relata que, “com freqüência os estudantes provenientes das classes médias ou de famílias de professores, são também afeitos à ideologia carismática, construída claramente para justificar o arbitrário do privilégio cultural, pois é só como membros da classe intelectual que participam, ainda que parcialmente, e alcançam os privilégios da burguesia” (p. 107). Essas considerações são úteis para sustentar a compreensão de que a qualidade do ensino superior era de alguma forma naturalizada pelos valores corporativos, definidos pela classe dominante, que se instituía como representante da alta cultura que, por sua vez, tinha a universidade com uma das suas principais catedrais. Com esta perspectiva de qualidade, o projeto institucional certamente remetia a determinadas formas de recrutamento e acesso de estudantes e professores. Se para os primeiros a meritocracia assumia papel relevante e explícita nas formas de seleção, para os docentes, mesmo valendo essa mesma lógica, assumiam importância outros critérios menos objetivos de recrutamento. A grande maioria deles, entretanto, estava ligada ao capital cultural e à origem social dos indivíduos. A universidade brasileira, por sua condição tardia, se desenvolveu concomitante com a forma republicana de gestão no Brasil do século XX, após o que se convencionou chamar de Primeira República.3 Desde as primeiras 3 Primeira República ou República Velha é o período que vai da proclamação da República, em 1989, até a Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 353 experiências de gestão da proposta da universidade no país, se confrontaram opiniões e grupos políticos, divididos entre católicos e laicos e entre conservadores e modernistas. O estado republicano democrático estava longe de se constituir de forma estável a os diversos períodos de governos autoritários que se instalaram de forma intermitente, repercutiram e marcaram as formas de ação e gestão das iniciativas primeiras de constituir a educação superior pública no Brasil. O recrutamento de professores, em tese, se fazia por uma “prova” de títulos, onde o candidato comprovava sua condição intelectual e experiência profissional. Mas, certamente, também fazia parte a sua filiação política ou proveniência social, pelo nome de família. Instituía-se uma tradição que favorecia uma forma de nepotismo, às vezes disfarçada e outras publicamente assumida. Ao se passar postos docentes de pai para filhos, se aludia ao princípio da continuidade como sinônimo da garantia da qualidade. Algumas Faculdades ficavam reconhecidas como monopólios de famílias onde o público muitas vezes se confundia com os interesses privados. Tratando-se de um ensino superior ligado à formação profissional em carreiras de prestígio, também se assumia a cultura explicitada na compreensão de quem sabe fazer, sabe ensinar e, assim, recrutavam-se professores entre profissionais destacados que usavam a condição da docência para alcançar ainda maior prestígio. Estabelecia-se um elo favorecedor de um capital cultural que se transformava também em capital circulante. A remuneração dos docentes podia até ser simbólica porque era assim vista também a dedicação ao magistério, próxima ao sacerdócio, como se fosse uma ação altruísta. Por traz dessa condição, porém, se mantinha uma condição favorecedora da manutenção da pirâmide social. Certamente a crítica ao modelo dominante não significa desconhecer a contribuição dessa geração de professores. Muitos foram responsáveis pela implantação e ampliação das ofertas acadêmicas e receberam o reconhecimento de gerações de estudantes. Entretanto, a análise serve para que se compreenda mais apuradamente a relação entre o recrutamento e a qualidade, tema que interessa a esse estudo. A instituição de concursos públicos para o acesso à carreira nas universidades públicas brasileiras aparece inicialmente no Estatuto das Universidades Brasileiras, modelo único de organização, em 1931 (Cunha, 2007), que definia que o corpo docente seria constituído, em termos gerais, de professores catedráticos, auxiliares de ensino e docentes-livres. Esse acesso Revolução de 1930. De acordo com Cunha (2007) essa demarcação, comum na historiografia, é conveniente para o estudo das transformações sofridas no campo da educação superior (p. 133). 354 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) foi muito intermitente e por diversas vezes recém formados assumiram a docência, na qualidade de auxiliares, até sem remuneração, mas protegidos pela unção de seus antigos professores e, como é compreensível, perpetuando a condição de “herdeiros”. Acompanhavam os catedráticos que, por serem vitalícios, tinham poderes absolutos para definir os conteúdos programáticos e as regras didáticas e de avaliação. “Os docentes-livres seriam aprovados em concursos de títulos e provas de capacidades técnicas e científicas e de predicados didáticos. Eles teriam os encargos principais de lecionar em cursos equiparados aos cursos normais, substituir os catedráticos nos seus impedimentos e reger turmas” (Cunha, p. 264). A implantação da universidade brasileira acompanhou o período denominado pelos historiadores como populista-nacionalista e foi nesse contexto que tramitou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação finalmente promulgada em 1961. A indução modernizadora do governo norteamericano sobre a educação brasileira foi acelerada a partir dessa data, como prevenção à ameaça comunista. A Lei 5560, conhecida como a Reforma Universitária de 1968, promulgada e instituída em plena ditadura trouxe novos cenários institucionais. Os governos militares, pressionados pela classe média emergente ansiosa por mais vagas para seus filhos na educação superior, criou novas universidades, mas deu a elas o caráter fundacional e não autárquico, como eram as anteriores. As Fundações teriam maior flexibilidade administrativa e de gestão dos recursos humanos. Enquanto as Universidades autárquicas estavam regidas pelas regras gerais do funcionalismo público definidas anteriormente, as IES fundacionais poderiam constituir seus quadros, independente de concursos para ingresso. Implantou-se uma nova carreira docente extinguindo-se as cátedras e organizando o trajeto funcional em quatro níveis: auxiliar de ensino, assistente, adjunto e titular. Usando as palavras de Barco (1999) observa-se que o aspirante ao primeiro cargo da hierarquia docente tem similitudes com o trajeto de aprendiz de mestre nas oficinas, tais como nos diversos ofícios da Idade Média. O primeiro nível não era considerado parte nuclear da carreira, o que favorecia o ingresso sem concurso. Esse se dava na passagem para o nível de Assistente e, mesmo sendo aberto ao público, dava aos Auxiliares visíveis vantagens, raramente ultrapassadas por candidatos externos. Tendo em vista o regime político de exceção em que se vivia, os requisitos acadêmicos eram facilmente substituídos pelos ideológicos e o ingresso exigia comprovações nesse sentido. Estabeleceu-se, então, uma nova ordem em que, mais uma vez, o espaço público 355 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores era invadido por interesses privados, certamente ligados aos pertencentes às classes dominantes. Políticos de prestígio junto ao governo militar continuamente indicavam os novos integrantes dos quadros docente e administrativo, o mesmo acontecendo com os dirigentes da Instituição. Certamente nesse período, por contradição, muitos professores ingressaram e favoreceram a consolidação das novas Universidades com dedicação e empenho. Novamente é preciso salientar que a crítica aqui registrada não desconhece esse processo e valoriza o vivido. Mas retoma a análise histórica como uma variável importante para se compreender a relação entre recrutamento e qualidade. Projeto educativo, recrutamento qualidade da educação superior docente e Quem eram os professores que constituíam a base dos recursos humanos para as Instituições? Que perfil apresentavam? Essas são indagações instigantes porque articulam três variáveis profundamente imbricados: o projeto pedagógico das universidades, o perfil do docente que ingressa e a compreensão de qualidade que está incluída nesse movimento. A universidade brasileira, ainda que com algumas exceções pontuais, vivia, no pós 68, um período de mudança com a organização compulsória da estrutura de departamentos prevista pela Reforma. Essa iniciativa atendia, principalmente, a dois objetivos do governo militar: desconstruia os nichos corporativos tradicionalmente agrupados por Cursos e Faculdades - temidos pela suas ações ideológicas, - e lançava as bases para a implantação da pesquisa como elemento chave para o êxito do modelo de desenvolvimento nacional que fazia parte do ideário dos governantes. A reorganização das instituições consolidadas para dar lugar à estrutura departamental foi acompanhada pela criação das novas universidades que já respeitavam o modelo instituído na Lei. A nova ordem institucional foi implantada, mas as tradições acadêmicas ainda continuavam presentes nas representações da cultura universitária que, até então tinham um compromisso com a formação profissional e científica, além de abraçar a compreensão de guardiã da cultura clássica e da formação para a cidadania. Esse ideário, mesmo quando não explicitado de forma clara, presidia o recrutamento dos docentes, na maior parte das vezes. Não havia exigência de pós-graduação em qualquer modalidade, na maioria das IES porque essa era uma 356 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) realidade distante, ainda, da cultura nacional. A função de ensino se constituía como central na preocupação acadêmica e presidia os critérios seletivos, mesmo entendendo a docência centrada na erudição e domínio da matéria curricular. A noção de qualidade passava pelo domínio da cultura clássica e pela maior destreza para atuar com as práticas profissionais. A qualidade da universidade – pouco questionada, é verdade – relacionava-se com o nível de satisfação dos alunos e com a imagem que conseguia produzir perante à comunidade e aos órgãos de governo. Os bons professores eram os que tinham reconhecimento dos estudantes e respondiam ao que a administração acadêmica deles requisitava. Muitos tinham experiências anteriores e eram por elas legitimados, quer como profissionais liberais, quer como docentes em outros níveis de escolarização. Também eram valorizadas ações de extensão que faziam chegar à sociedade algumas ações, em geral de caráter distributivo do conhecimento, reforçando a compreensão da universidade como espaço de saber. A implantação progressiva da pós-graduação foi sendo feita a partir do ideário desenvolvimentista que assumiu a importância da pesquisa como função acadêmica por excelência. Essa condição atendeu a uma demanda interna do país mas esteve, também, articulada com movimentos internacionais, em especial tributária do aparato acadêmico norte-americano que deu sustentação à formação da primeira leva de mestres e doutores brasileiros. Valorizou-se o regime da Dedicação Exclusiva impactando os processos de recrutamento que afastou candidatos de dedicação parcial. Um novo perfil docente foi, aos poucos, se constituindo e, certamente, uma nova idéia de qualidade foi sendo gestada. No final da década de setenta começaram as mudanças paulatinas no cenário nacional, que foram conquistando a abertura política e desestabilizando o discurso do nacionalismo desenvolvimentista do governo militar. Entretanto elas, de início, não incidiram na crítica ao perfil cientificista que se instalara na universidade. Manteve-se um forte investimento na pós-graduação e na pesquisa, respondendo a uma demanda de caráter internacional. Aos poucos ia se alterando a cultura acadêmica, especialmente atingida pelos valores relacionados ao campo investigativo. Novas roupagens acadêmicas foram previstas para a fase de abertura democrática e o discurso da indissociabilidade do ensino da pesquisa e da extensão tomou corpo como um referente da qualidade. Houve uma crescente politização da sociedade civil com fortes impactos na academia. Os docentes se sindicalizam e começam a assumir a sua condição de trabalhadores, reivindicando, através de greves, direitos trabalhistas e vantagens salariais. Essa condição trouxe impactos Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 357 interessantes, apesar de pouco perceptíveis na época. Assumia-se a condição da docência como profissão – já estimulada pela Dedicação Exclusiva – e também, a condição paritária com os demais trabalhadores, usando as mesmas estratégias por eles consagradas num processo de revolução identitária. O recrutamento docente não ficou insensível a esses movimentos e a condição política – que sempre existiu com maior ou menor impacto nos processos de seleção – assumiu uma condição mais explícita, porque se imbricava nos discursos teóricos e nos métodos investigativos e pedagógicos. A neutralidade da ciência perdeu vez para um paradigma que assumia a condição cultural e política da produção e disseminação do conhecimento. Neste caso, a noção de qualidade tomou outra roupagem e, mesmo incluindo a questão da pesquisa e dos seus produtos como importantes, relativizava essa condição com o sentido social do conhecimento, valorizando a intervenção que se poderia fazer na realidade com vistas à equidade social. Há visibilidade para o ensino nessa perspectiva de qualidade, que deve também assumir nova configuração paradigmática, tomado a pesquisa como princípio educativo e o conhecimento como localizado, culturalmente produzido e sempre em processo e movimento. Vale ressaltar que é a partir desse momento que as Universidades e os Cursos são instados a produzirem seus Projetos Político-Pedagógicos e a realizarem as primeiras experiências de auto-avaliação, estimulando o conhecimento de si como uma estratégia mais autônoma de desenvolvimento. Retomam-se os concursos para ingresso na carreira docente em todas as IES públicas, findando a distinção entre autarquias e fundações. Se essa condição consolidou uma conquista democratizante, fundamental ao Estado de Direito, ela ainda não foi capaz de alterar substancialmente a lógica que preside as seleções. Muitas Instituições mantiveram seus Regimentos ancestrais, sem alterar a lógica que preside os concursos de ingresso. Outras, mesmo fazendo alterações regimentais, avançaram pouco nesse aspecto. Em geral predomina a avaliação do currículo e as provas de conhecimentos específicos, além da prova didática. Como afirma Barco (1999) se os conhecimentos específicos são considerados como principais, “a demonstração das capacidades docentes fica restrita ao espaço de um simulacro: se “dá” uma aula na audiência de alunos, ou se explica como se procederia com os alunos, dos quais se desconhecem as características, apelando-se, portanto, para sua abstração. O concurso aparece, assim, como um rito de passagem” (p.153) referindo-se a transformação de qualquer profissional em professor a partir desse processo seletivo. 358 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O peso das produções científicas e dos títulos acadêmicos assumiu maior expressão. Na maioria dos casos os títulos de mestre e doutor se constituem em condição de inscrição. Esse cenário explicita que o perfil de pesquisador passa a se constituir no vetor da qualidade da educação superior e, portanto, da condição docente. Vai se consagrando o perfil de um professor que se distancia da representação histórica do quem sabe fazer sabe ensinar, passando para a equação que pressupõem que quem sabe pesquisar sabe ensinar. Têm-se hoje um corpo docente ingressante constituído majoritariamente de jovens doutores que realizaram uma formação acadêmica com sucesso e num tempo exponencial ingressam na carreira docente. Se indagados sobre o motivo desta escolha, mencionam, principalmente, que escolhem a universidade por ser este o lugar de fazer pesquisa. Certamente esse perfil de recrutamento docente também corresponde a uma concepção de qualidade para a educação superior, aquela que destaca a investigação e a produção do conhecimento como eixo principal de sua condição acadêmica. No intuito de sintetizar os movimentos que vem caracterizando a relação entre qualidade e recrutamento docente incluindo suas expressões valorativas e a cultura que representam, organizamos o quadro a seguir. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 359 Impactos do recrutamento docente na qualidade da educação superior: o que dizem os professores iniciantes. É inegável a relação entre os rituais de recrutamento e a representação de qualidade que orienta a educação superior. Inclui-se nos concursos aquilo que expressa o que é importante para um desempenho adequado dos futuros profissionais docentes. Ao privilegiar os títulos pós-graduados e as produções científicas dos candidatos, afirma-se que essas são as condições fundantes da docência no ensino superior. Além disso, os concursos atribuem especial valor a inserção em Grupos de Pesquisa de alto prestígio e as relações internacionais. A competência no campo específico do conhecimento se expressa no direcionamento disciplinar da maioria dos editais, vinculando a formação inicial e pós-graduada como requisito da inscrição. Poucas vezes se identifica uma condição interdisciplinar, com mais flexibilidade nas exigências. A evidência dessa competência se materializa pela aplicação de uma prova, onde o candidato 360 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) tem de discorrer livremente sobre o tema e demonstrar sua apropriação do mesmo. Na ordem mais usual dos concursos, a prova didática é a última cronogramada. Em geral, ao chegar nessa etapa, já há indicadores anteriores que apontam preferências segundo os critérios estabelecidos. Essa prova didática serve para quê? Normalmente para avaliar a desenvoltura comunicativa e mais uma vez o domínio do conteúdo e a organização do mesmo no tempo, com os recursos disponíveis. Os critérios dos avaliadores são, em geral, muito técnicos. Como se trata de uma situação fictícia, pois não há alunos, as demais competências e habilidades necessárias à condução de uma aula regular ficam obscuras. Também não se avalia outras dimensões pedagógicas necessárias ao professor, tais como a capacidade de organizar um currículo e um projeto de curso, instituir métodos compatíveis de ensino em função do alunado, alternar formas avaliativas de acordo com os objetivos de aprendizagem e tantas outras. Nessa circunstância se está explicitando a relatividade destes conhecimentos como valor e assumindo uma concepção de qualidade do ensino que passa ao largo desse contexto. Essa perspectiva tem forte impacto na condição dos professores iniciantes. Aprovados em concursos, em geral são percebidos como aptos a assumir encargos didáticos e, não raras vezes, responsáveis por turmas e horários menos atrativos e mais desafiantes, que os professores mais antigos rejeitam. Também não encontram uma cultura de apoio que os auxilie na transição que vivenciam, passando de alunos a professores. Há um processo de passagem entre uma formação que privilegia a pesquisa para uma prática significativamente exigente de docência. Se a formação do professor universitário centra-se na condição de pesquisa proporcionada pela pós-graduação stricto sensu é porque há o pressuposto de que a pesquisa qualifica o ensino e esse dela decorre. Essa questão vem nos mobilizando a analisar o fenômeno da qualidade da educação superior através da análise da situação dos jovens doutores que ingressam na carreira docente. As exigências do ensino de graduação os surpreendem quando percebem que os saberes do ensino são muito mais exigentes e não decorrem linearmente dos saberes da pesquisa. Inquirindo professores que atuam em diferentes áreas do conhecimento4 e exercem a docência em diferentes universidades, observamos que eles demonstraram preocupação com o fato de não terem formação pedagógica para exercer a docência, pois nos seus cursos de mestrado e/ou doutorado não 4 Cursos de Nutrição, Engenharia Madeireira, Odontologia, Biologia, Medicina, Agronomia, Engenharia Agrícola, Matemática, Engenharia Florestal, Agroecologia, Gestão Ambiental, Administração, Ciência da Computação, Enfermagem, Engenheiro de Minas, História, Linguística e Farmácia. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 361 tiveram oportunidades de discutir o ensino. Confirmaram que esses cursos se dirigem à formação do pesquisador com pouca preocupação com a docência, entendida como o enfrentamento da complexidade da sala de aula. Como expressa Pimenta & Anastasiou (2008, p.198) os docentes universitários desenvolvem “habilidades referentes ao método de pesquisa que conta com especificidades bem diferentes do método de ensino”. Disseram nossos interlocutores que uma coisa é você ter uma base e o conhecimento sobre aquele assunto que você vai dar aula. Outra é chegar lá e discutir um tema que você não preparou, sobre o qual você não tem experiência, mesmo quando o saber está ligado à prática do professor e à pesquisa que ele desenvolveu. Afirmam que há importância dos conhecimentos sobre a relação ensinoaprendizagem e sobre as formas de interagir com os estudantes. Reconhecem que precisam habilidades para alterar concepções prévias dos alunos que, as vezes, se mostram resistentes às perspectivas processuais do conhecimento. Muitas vezes os estudantes evidenciam uma visão imediatista em relação à função e aos objetivos das disciplinas ministradas, desejando ver aplicabilidade prática dos conhecimentos, mostrando falta de entusiasmo e desinteresse por uma perspectiva teórica e de reflexão sistemáticas. Os professores se mostram preocupados sobre como motivar os estudantes e como trabalhar as tensões surgidas na sala de aula. O grande número de alunos por turma também foi citado pelos docentes iniciantes como um desafio para desenvolver práticas que ultrapassem a mera transmissão de conteúdo. Essa dificuldade tem a ver com a situação fictícia do concurso, pois eles se surpreendem quando enfrentam turmas numerosas para as quais não se prepararam. Salientaram que é fundamental para eles uma formação específica da sua área, estimulada pela condição da pesquisa. Mas se recentem da falta de uma formação pedagógica que corresponda aos desafios que enfrentam na docência. Um dos entrevistados disse que a formação, no caso de mestre ou doutor, tem uma lacuna na área pedagógica, no ensino. E os concursos, que têm muitos critérios, valorizam as publicações de artigos científicos. Mas isso não é garantia que o candidato se torne um professor. Ser um grande pesquisador não quer dizer a mesma coisa do que ser um bom professor. 362 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Zabalza (2004) chama atenção para o dilema entre a formação para a docência e a formação para a pesquisa, afirmando que a cultura universitária tem atribuído um maior status acadêmico à pesquisa e lhe dado prioridade. Afirma que o que normalmente é avaliado nos concursos de ingresso e promoção são os méritos das pesquisas; o que os professores e seus departamentos tendem a priorizar, por causa dos efeitos econômicos e do status, são as atividades de pesquisa. O destino prioritário dos investimentos para formação do pessoal acadêmico, em geral, é orientado principalmente para a formação em pesquisa (p. 154) Certamente a crítica ao modelo de formação que privilegia a pesquisa e desconhece os saberes do ensino não quer significar a desvalorização das capacidades investigativas para o professor universitário. A pesquisa é parte substancial da docência superior porque ajuda os professores a pensarem e a compreender o conhecimento como relativo e em movimento. Caracteriza uma ação que não apenas reproduz o já estabelecido, mas questiona e faz avançar a ciência. O que parece pouco adequado é assumir que a atividade de pesquisa se coloca num patamar intelectual superior à atividade de ensino e que essa condição seria a expressão da qualidade. Também é sabido que a cultura docente não é tributária apenas da experiência historicamente acumulada nos padrões de atuação dos grupos profissionais; ela é influenciada pelas pressões e expectativas externas, pelos requerimentos situacionais dos sujeitos envolvidos. Essa característica põe em evidência a articulação entre a cultura docente e o processo social mais amplo, isto é, sua dimensão ideológica e política e, por isso mesmo, não-neutra. Podemos dizer que a cultura docente é um fator importante a considerar em todo projeto que se pretende implantar na universidade em geral, e nos cursos, em particular. A primazia da compreensão de que o conhecimento se estabelece como um vetor de desenvolvimento e de competitividade entre as nações resultou numa relevância dos produtos da educação superior sobre os processos. Fez com que a universidade fosse induzida a atribuir um maior status acadêmico à pesquisa até transformá-la no componente básico da identidade e do reconhecimento do docente. Relegou o ensino e sua condição formativa, que inclui valores subjetivos, a uma atividade secundária, no que diz respeito à visibilidade pragmática que rege a carreira e, consequentemente, as formas de ingresso. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 363 Os professores que iniciam a docência encontram diferentes desafios. Como explica Murillo (2004), de maneira geral eles só contam com sua iniciativa pessoal e sua bagagem experiencial para ir construindo e desenvolvendo suas teorias sobre o ensino e a aprendizagem dos alunos. Ao longo de sua vida foram interiorizando modelos e rotinas de ensino que se atualizam quando enfrentam situações de urgência onde tem que assumir o papel de professor sem que ninguém/nada o tenha preparado para tal(p. 4). Quando questionamos os docentes sobre a construção de saberes para docência a partir do desenvolvimento de pesquisas, alguns afirmaram que é importante a decisão sobre o que podem e devem pesquisar dizendo que pode mesmo que da sala de aula, em função da própria interação com os alunos, saia uma proposta, uma idéia de pesquisar e isso aí tem que ser uma coisa muito harmoniosa, não pode ter proposições entre pesquisa e ensino paralelas e distantes. Eu acho que a gente tem que tentar aproximá-las,..., é bastante possível sim. Nessa perspectiva, para ser pesquisador, ser um bom pesquisador, é necessária a docência, porque é mais importante a pergunta do que a resposta. E de que forma tu desenvolves uma boa pergunta para realizar uma boa pesquisa? É na prática docente, com as mentes jovens, dúvidas novas, perguntas boas. Percebe-se, nesses depoimentos uma dimensão de qualidade que os processos de recrutamento docente não alcançam e valorizam. Felizmente se instala, por contradição, uma possibilidade de avançar nos saberes da docência, articulando as atividades de ensino e pesquisa. Se houvesse a geração de um clima de alta qualificação da docência haveria melhores indicadores da qualidade do ensino, sobrepondo-se à exclusiva valorização dos produtos da pesquisa ou aos investimentos em aparatos e em infra-estrutura. Poder-se-ia, também, estimular nos docentes a auto-reflexão sobre a tarefa docente e a inserção dos professores da educação superior nos programas de formação pedagógica. Ao criticar a lógica dos concursos de ingresso na carreira docente, que não privilegiam os saberes para a docência, não se pode reduzir aos concursos a responsabilidade da construção desses saberes. A atividade de ensino exige a resignificação dos conhecimentos teóricos em contextos de práticas que são peculiares e localizadas. Os professores universitários enquanto profissionais, sejam os iniciantes ou mais experientes, precisam assumir uma atitude de 364 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) reflexão constante sobre suas práticas, teorizando os fundamentos de suas decisões pedagógicas. Como em qualquer outra profissão, é importante uma educação continuada que, no caso da docência, envolve a dimensão da pesquisa e a dimensão do ensino. A docência será uma atividade profissional na medida em que essa condição se materializar. A experiência empírica está mostrando que os percursos de formação dos alunos de graduação, tanto em nível dos currículos, como das práticas pedagógicas, nem sempre sofrem alteração conceitual, em dependência do perfil pós-graduado dos professores. Se, por um lado, esses se tornaram mais competentes no domínio da pesquisa e do aprofundamento temático de sua área, bem como no desenvolvimento de significativas habilidades intelectuais, não raras vezes essa condição os afasta da necessária visão generalista e da capacidade articuladora de seu campo de conhecimento. Aprofundam a visão formativa pelo olhar da sua especialidade e diminuem a perspectiva de conjunto e a capacidade de apreender o fenômeno na sua totalidade. Torna-se importante, no contexto da formação dos docentes iniciantes na carreira universitária, refletir sobre a formação pedagógica, além de buscar compreender os processos que esses docentes vivenciam para construir saberes para o ensino. Salientamos que a tarefa fundamental do professor universitário iniciante durante seus primeiros anos de docência deveria ser a aprendizagem, focando seu pensamento e seus comportamentos para as demandas do ensino. Ou seja, é importante aprender a linguagem da prática do ensino. Entretanto esses saberes precisam ser assumidos como relevantes para a qualidade da educação superior de forma a encontrar eco nas políticas governamentais e institucionais. Inferências finais O intuito desse texto foi refletir sobre a qualidade da educação superior e os processos de recrutamento docente usuais nas universidades. Sua intenção foi demonstrar como os rituais de concurso de ingresso exprimem uma compreensão de qualidade e, certamente vão impactar as práticas acadêmicas. A defesa da necessidade de refletir e agir sobre as práticas tradicionais nos acompanha. Assumimos a compreensão de que essas práticas respondem a uma cultura acadêmica e sofrem a uma indução das políticas mais amplas. Portanto, para alterá-las, será necessária uma dose de ousadia e vontade política, assumindo conscientemente a ruptura necessária. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 365 O que não mais é admissível é uma ação mecânica de reprodução da tradição, sem um questionamento que revele os valores que estão sendo reafirmados e quais estão sendo silenciados. Não é possível discutir qualidade da educação superior sem incluir as formas de recrutamento docente e o ritual que acompanha a trajetória dos professores iniciantes. Abandoná-los à própria sorte e enfrentamentos, sem um cuidado de inserção na prática profissional com qualidade revela uma evidente desprofissionalização do magistério superior. Além disso, ações nesse sentido são fundamentais para fazer avançar um patamar de qualidade que requer rupturas derivadas de empenho prático e teórico. É preciso valorizar a pesquisa, compreendendo que as práticas investigativas, em geral, não envolvem apenas o domínio do conhecimento específico, mas sim toda uma forma de trabalhar com argumentos tencionados, que, em alguma medida, rompem com a expectativa dos alunos de obter uma resposta única e universal, característica da racionalidade técnica. Freire, em diálogo com Faundez (1985, p.46), explora a negação do ato de perguntar dizendo que “o que está acontecendo é um movimento unilinear, vai de cá para lá e acabou. Não há volta, e nem sequer há uma demanda; o educador de modo geral, já traz a resposta sem lhe terem perguntado nada”. Esta idéia de múltiplas possibilidades nos processos de ensinar e de aprender está presente em professores que trabalham com seus alunos na direção da pesquisa como princípio educativo, quando solicitam que seus alunos encontrem alternativas para resolver as situações-problemas e propostas para um projeto de trabalho, procurando, de acordo com FREIRE e SHOR, (1987, p.15) “a superação do conhecimento como conteúdo estático – “cadáver da informação – corpo morto de conhecimento”. Se essa for uma condição da qualidade, as formas de seleção dos novos docentes terão de ter um mínimo de coerência e, mesmo valorizando o domínio do conhecimento específico e seus produtos, também precisarão incluir a explicitação de saberes pedagógicos que estimulem o candidato a valorizar esse campo de conhecimento que será fundamental na sua atuação. Referências BARCO de SURGUI, Suzana. “Formação do docente universitário: mas quem é ele?” In: VEIGA, Ilma Passos; CUNHA, Maria Isabel da (org.) Desmistificando a profissionalização do magistério. Campinas, Papirus, 1999. 366 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) BERNSTEIN, Basil. Clases, Códigos y Control. II. Hacia uma teoria de las transmissiones educativas. Madrid, Ediciones Akal, 1988. BOURDIEU, Pierre. Los Herederos. Los estudiantes y la cultura. Buenos Aires. Siglo Veinteuno Editores, 1993. CUNHA, Luis Antonio. A universidade temporã. São Paulo. Ed. UNESP, 3a Ed., 2007. FREIRE, Paulo e FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. MARCELO GARCIA, Carlos. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto, Porto Editora, 1999. MURILLO, Paulino. “Las necessidades formativas docentes de los profesores universitários”. Revista Fuentes, n.6, Universidade de Sevilha, 2004, p.75-95. PIMENTA, Selma G. e ANASTASIOU, Léa das Graças C. Docência no Ensino Superior. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2008. ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. QUALIDADE E GESTÃO DA GRADUAÇÃO1 Tânia Maria Baibich-Faria (UFPR) Luís Henrique Sommer (UNISINOS) Introdução Neste trabalho discutimos alguns resultados preliminares de uma investigação que se debruça sobre qualidade do ensino de graduação. Mais especificamente, aqui nos detemos na análise do material resultante de entrevistas presenciais e por e-mail com pró-reitores2 de graduação de doze (12) diferentes universidades brasileiras3. O foco deste estudo reside nas relações entre o conceito de qualidade de ensino de graduação, nos indicadores dessa qualidade e nos exemplos de ações que ratificariam essa condição. Tudo isso, como já referido, na perspectiva dos gestores acima citados. As respostas dos entrevistados foram tabuladas e agrupadas com o intuito de construir categorias de análise. O resultado dessa etapa gerou um quadro analítico a partir dos depoimentos de cada um dos sujeitos da pesquisa. Os dados foram analisados usando os princípios da análise de conteúdo que permitiram obter, através da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que ajudam a fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção das mensagens (Bardin, 1979). Para as análises foram usadas algumas dimensões que articularam as questões de pesquisa e que orientaram o roteiro da entrevista. É importante ressaltar que este estudo se inscreve no conjunto de debates que tomam a universidade como objeto de estudo, naquilo que tem se configurado como o emergente campo de práticas e teorizações denominado Pedagogia Universitária. No momento em que a universidade se encontra instada a responder aos inúmeros desafios colocados pela crescente complexidade de nossas sociedades atuais, tais como a democratização do ensino superior, as políticas afirmativas, a 1 Este texto resulta da investigação denominada Qualidade do ensino de graduação: a relação entre ensino, pesquisa e desenvolvimento profissional docente, financiada pelo CNPq, ora em curso, coordenada pela Prof. Drª. Maria Isabel da Cunha (UNISINOS). Os autores deste texto integram um dos subgrupos da equipe de pesquisa. 2 Por uma questão de preservação de sigilo e, ao mesmo tempo, por não tratarmos de questões de gênero neste texto, usaremos o masculino como neutro. 3 A entrevista foi encaminhada a todas as instituições vinculadas ao FORGRAD, sendo que colaboraram respondendo seis instituições do Rio Grande do Sul, uma de Santa Catarina, uma do Paraná, uma de São Paulo, duas de Minas Gerais e uma da Bahia. Das instituições participantes, quatro são de natureza privada e oito de natureza pública. Agradecemos aos colegas Pró-Reitores, por colaborarem com a pesquisa, a despeito do acúmulo de funções que exercem como docentes pesquisadores e administradores. 368 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) precarização das relações de trabalho, a centralidade das tecnologias da informação e comunicação, a mercantilização do ensino superior e seus riscos de provocar deformações na investigação e na docência e correlacionado a esses aspectos sua constituição como não-lugar da formação de docentes para o ensino superior, ela “tem sido morosa e resistente a pensar a si própria e a ter clareza sobre o contexto em que está imersa” (Cunha, 2010, p. 296). Sem menosprezarmos a extrema relevância das discussões que poderiam ser desenvolvidas a partir da consideração desses desafios, interessanos, no momento, uma aproximação com os bastidores das políticas de gestão institucional do ensino de graduação mediante o olhar dos gestores responsáveis. Aqui vale ressaltar nosso entendimento de que um gestor universitário, sobretudo aquele das áreas fins da universidade (ensino, pesquisa e extensão) ocupa simultaneamente diferentes posições de sujeito: há um só tempo, ele é gestor, docente e produtor de conhecimento novo pelas vias da pesquisa e da extensão. Todas essas posições de sujeito, mas sobretudo a primeira, lhe confere legitimidade de falar em nome da instituição. Portanto, interessa-nos discutir qualidade do ensino de graduação da forma como esta vem sendo conceitualizada, implementada e avaliada pelas instituições que compõem o campo empírico da pesquisa. O fulcro de nossa prospecção, como já referido, está na forma pela qual a instituição, aqui representada por seu gestor, viabiliza aquilo que concebe como sendo qualidade de ensino de graduação, bem como na forma pela qual aquilata a efetividade dessa viabilização. Esta é a lógica que norteou o desenvolvimento das análises dos dados que seguem.4 Sobre o conceito A análise dos dados demonstra a presença recorrente das seguintes definições de qualidade de ensino de graduação, em ordem decrescente de frequencia de citações: a) a capacidade de a universidade formar cidadãos com forte compromisso e responsabilidade social; b) a capacidade de a universidade formar profissionais com competência técnica em sua áreas; c) a capacidade de a universidade preparar profissionais atendendo às demandas do mercado; d) a capacidade de a universidade preparar os alunos para excelente performance nas avaliações externas; e) capacidade de a universidade articular ensino e pesquisa na formação dos estudantes. 4 Por conta das especificidades de uma das entrevistas, a mesma será analisada a posteriori e separadamente. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 369 Conforme revelam as transcrições abaixo, há uma interrelação explícita, no âmbito da conceituação de qualidade de ensino de graduação, entre formação para a cidadania e competência técnico-profissional, o que denota a assimilação de discurso hegemônico nos anos 1990 que destacava a insuficiência do tecnicismo vigente e a necessidade de formar sujeitos capazes de transformar o social. Mais precisamente, constatamos a produção de enunciados que pertencem ao campo de teorizações e práticas das chamadas pedagogias críticas, cujo estatuto de verdade é quase absoluto no campo da Pedagogia, em todos os níveis de ensino. Sem nenhuma espécie de juízo de valor, o que queremos apontar é justamente a similaridade de certas conceitualizações utilizadas para falar e pensar o ensino universitário, com aquilo que tem sido recorrentemente encontrado na maioria dos projetos político-pedagógicos das escolas de educação básica de nosso país. Vejamos alguns exemplos que explicitam a articulação das dimensões preparação técnico-profissional e para a cidadania: [...] qualidade é formar profissionais em condições de atuar na sua área de formação com responsabilidade social e compromisso com a preservação do futuro do planeta (E8).5 [...] qualidade da educação superior é condição fundamental para a transformação do educando em cidadão (E6). [qualidade é] a complexa articulação de componentes infra-estruturais, materiais, posturais, de gestão, curriculares, didático-pedagógicos e de funcionamento institucional voltados para a formação de profissionais com fundamentação tecnocientífica e ético-política (E2). A possibilidade de disponibilizar processos educativos voltados à formação de sujeitos críticos, éticos e competentes em suas respectivas áreas de atuação profissional (E3). Considerando as enunciações que relacionam qualidade do ensino de graduação à capacidade de inserção dos seus egressos no mercado, chama a atenção a incorporação (não necessariamente intencional e/ou consciente) do discurso (neo)liberal – uma das pedras basilares do Pacto de Bolonha. Como refere Naidoo (2008, p. 46, tradução livre) existe a crença de que a competição de mercado, dentro das universidades e entre elas, pode ajudar a moldar instituições mais eficientes e eficazes. Além disso, foram introduzidos princípios de gestão inspirados no setor privado e pensados para controlar, medir, comparar e valorizar as atividades profissionais, com a esperança de melhorar o funcionamento da educação superior. 5 A partir deste ponto, identificaremos os entrevistados pelo código Entrevistado 1= E1, Entrevistado 2 = E2 e assim sucessivamente para preservar suas identidades individuais e institucionais. 370 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Tais concepções reforçam tanto o valor do mercado como baliza para a qualidade, quanto o significado das performances dos estudantes em exames externos pro(im)postos pelo Estado como forma de regulação e ranqueamento das instituições de ensino superior. Pelo fato de ambos serem sustentados por uma mesma lógica de mercado, nota-se a aproximação destes argumentos como forma de qualificar o ensino de graduação: Na minha condição de dirigente universitário compreendo o conceito de qualidade da educação superior como racionalidade administrativa e excelentes resultados na avaliação dos cursos (E7)6 Pode parecer simplista, mas, por exemplo, quando nosso aluno vai fazer um ENADE e se sai bem, ele está demonstrando, dentro de todo esse conjunto, que ele está conseguindo receber um ensino de qualidade [...] (E9). Minha IES tem assumido que qualidade é o extrato de um trabalho desenvolvido internamente pela universidade e que dá retorno à Instituição, na forma de resultados positivos e reconhecimento junto a sua comunidade em prol do desenvolvimento regional (E4). Neste último excerto, a noção de mercado como regulador da universidade parece ser subsumida pelas noções de desenvolvimento regional e de comunidade. Segundo o sociólogo britânico Nikolas Rose, em termos mais políticos a noção de comunidade7 expressaria uma nova territorialização do pensamento e das práticas políticas, que estaria suplantando o social como campo privilegiado de cálculo e intervenção das estratégias de governo (cf. Rose, 1996). Nesta direção, falar em comunidade implicaria o estabelecimento de um novo campo suscetível à intervenção, um novo território caracterizado por “uma nova relação entre as estratégias de governo dos outros e as técnicas de governo de si, situadas em novas relações de mútua obrigação” (ibidem, p. 331, tradução livre). A noção de comunidade estaria fortemente vinculada a uma categorização dos sujeitos a partir de seus laços morais, “sujeitos da fidelidade a um conjunto particular de valores, crenças e compromissos da comunidade” (ibidem). Ora, tal lógica não é absolutamente contraditória à lógica do mercado de teor (neo)liberal. Pelo contrário, nós inferiríamos que quando se faz referência à comunidade e ao Vale ressaltar que este pró-reitor pertence a uma instituição cuja mantenedora é pública de âmbito federal. Rose (1996) afirma que “o termo comunidade [...] há muito tem sido destaque no pensamento político; tornase tema de governo, no entanto, quando se torna técnico. Em torno dos anos 60, a comunidade já era aclamada pelos sociólogos como possível antídoto à solidão e isolamento do indivíduo gerados pela ‘sociedade de massa’. Esta idéia de comunidade enquanto autenticidade perdida e pertença comum foi inicialmente disposta no campo social como parte da linguagem de crítica e oposição dirigida à distante burocracia. Os ativistas da comunidade deviam identificar-se, não com um welfare system que eles viam como degradante, controlador, de policiamento, mas com aqueles que eram os sujeitos desse sistema os moradores das habitações, projetos e guetos” (ibidem, p. 332). 6 7 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 371 desenvolvimento regional para conceituar qualidade, em última análise do que se trataria é de outra forma de se remeter ao mercado enquanto regulador da qualidade do ensino de graduação. Finalmente, temos o conceito de qualidade expresso como a articulação entre ensino e pesquisa na formação de graduação. Neste caso é evidente o quanto o preceito constitucional aparece repetido como um “mantra” sem que, entretanto, como este último, guarde em si mesmo o significado de seu som. Assim, essa repetição mais esconde do que mostra, quando do que se trataria seria de uma genuína articulação entre ensino e pesquisa, teoria e prática, reflexão e ação. Esta afirmação pode ser formulada na medida em que os indicadores, bem como as ações exemplificadoras expressas pelos entrevistados não corroboram o conceito de qualidade assumido: eu vejo a qualidade do ambiente que se cria e vejo a qualidade do ensino superior profundamente ligada a pesquisa e pós-graduação (E9). qualidade na educação superior refere-se à experiência de uma formação acadêmica integrada, crítica e reflexiva dos conhecimentos gerais e específicos com forte articulação entre ensino, pesquisa nessa formação (E1) Formação de qualidade no âmbito do ensino, pesquisa e extensão; o foco principal concentra-se no aluno, na sua formação profissional complementada numa consistente formação na área de conhecimentos gerais e humanísticos (E8) Sinteticamente talvez possamos afirmar que o conceito de qualidade de ensino da graduação predominante entre os onze gestores traduz-se, fundamentalmente, como cidadania com competência técnico-profissional e efetiva inserção no mercado. Esta forma de conceituar, em nosso entendimento, sugere uma justaposição acrítica de concepções ideológicas divergentes sem consistência epistemológica, o que parece não depender diretamente da natureza da mantenedora da instituição, do tempo de exercício no cargo dos pró-reitores, de sua formação em âmbito de pós-graduação stricto sensu, nem tampouco da região geográfica onde se localizam suas respectivas universidades. Isto nos remete à compreensão de um discurso naturalizado no coletivo dos pró-reitores. Sobre os indicadores Com a intenção de verificar as formas pelas quais as instituições avaliam se sua concepção de qualidade de ensino de graduação se materializa, buscamos identificar os chamados indicadores de qualidade. Foram destacados pelos sujeitos da pesquisa, e aqui apresentamos também em ordem decrescente 372 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) de número de citações, os seguintes indicadores: a) titulação e produção dos professores; b) adequação do currículo às demandas da sociedade; c) grau de inserção dos egressos no mercado; d) desempenho positivo dos estudantes nas avaliações externas; e) articulação entre ensino, pesquisa e extensão nos processos formativos; f) existência de programas de formação continuada para docentes; g) existência de processos de avaliação interna; h) infraestrutura adequada à aprendizagem. O nível de coerência percebido entre conceito e indicadores de qualidade é sintomaticamente bastante elevado. Isto nos leva a um entendimento que corrobora as afirmações feitas anteriormente relativas às justaposições teórico-epistemológicas presentes na conceitualização de qualidade do ensino de graduação. Assim, quando os pró-reitores manifestam, por exemplo, que indicador de qualidade é “a titulação do corpo docente, a produção tecno-científica e artístico-cultural dos docentes” (E6), ou referem que seja “a boa colocação dos egressos no mercado de trabalho” (E2), ou ainda “resultados expressivos na avaliação externa” (E7), constatamos, para mais além da coerência referida, as instituições dobrando-se à lógica avaliativa externa, seja ela determinada pelo Estado ou pelo mercado. Na contracorrente dessa submissão à lógica do Estado e do mercado, há de parte de alguns dos sujeitos da pesquisa a referência a indicadores cuja natureza se volta à sociedade, à indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, a programas de formação continuada de docentes, a processos de avaliação interna e colegiada e à infraestrutura adequada para a aprendizagem. No nosso entendimento, alguns desses indicadores são de outra natureza daqueles discutidos no parágrafo anterior, no sentido de se relacionarem a questões de ordem sociopolítica e pedagógica e com potencial para retroalimentarem o ensino de graduação. Isto é, a universidade se pensa, se avalia, assume seu protagonismo e sua responsabilidade na qualificação permanente de seu corpo docente e discente, o que é exemplificado pela “presença de políticas de formação pedagógica continuada na Instituição”(E6);pela “postura ética, [pelo] grau de compromisso social que a pessoa [estudante] tem, [...] quer dizer o compromisso dele com a cidadania, compromisso dele com as grandes causas da sociedade, como a defesa da vida, a questão do meio ambiente” (E9); “pela existência de um processo contínuo de avaliação na graduação (interna e externa) com bons resultados avaliativos” (E12) e de “instalações físicas e laboratórios atualizados, com observâncias do número de estudantes/professores adequados à aprendizagem” (E12). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 373 Em outros termos, este conjunto de indicadores demarca uma diferença fundamental, na medida em que a universidade não se assume unicamente como mera executora de determinações oriundas de políticas exógenas. Como refere Cunha (2010, p. 25), é certo que as ações dos professores são dependentes das múltiplas regulações do estado [das agências reguladoras e de fomento], dos sistemas de ensino e das escolas, que relativizam sua possibilidade de autonomia. Mesmo assim, inclusive como parte de um processo de resistência, é fundamental investir numa formação consistente que dê argumentos ao professor no embate epistemológico e político que se estabelece no seu campo de atuação. Sobre as ações Uma das intenções da pesquisa era identificar junto aos pró-reitores as ações desenvolvidas nas suas respectivas universidades no intuito de alcançar a qualidade de ensino de graduação almejada. No nosso entendimento, estas ações seriam reveladoras da responsabilidade institucional com a “qualidade do ensino de graduação possível” para o momento atual da instituição, o que pode não coincidir, a nosso ver, necessariamente com a qualidade idealizada, desejada ou mesmo apregoada pelos pró-reitores. Nesta direção, os questionamos sobre o que considerariam como sendo “bons exemplos de práticas e ações institucionais” que materializassem a qualidade de ensino de graduação expressa em seus Projetos Institucionais Pedagógicos. Antes de nos debruçarmos sobre a análise das ações propriamente ditas, é importante ressaltar que os pró-reitores de graduação, ainda que gozando da legitimidade institucional inerente ao cargo que ocupam, são um entre vários gestores de uma equipe que, por sua vez, reflete, a um só tempo, as orientações da mantenedora, as peculiaridades de sua comunidade acadêmica, e todo um conjunto de regulações de ordem histórica, econômica e política que possui um caráter estruturante e delimitador de suas possibilidades de ação. A clássica tensão entre regulação estatal e autonomia é apenas um exemplo dessa dinâmica. Ainda que levemos em conta todos esses fatores, causou-nos bastante estranheza a dificuldade de a maioria dos pró-reitores oferecer exemplos de ações implementadas por suas instituições para atingir a apregoada qualidade. Muitos deles simplesmente não o fizeram, outros, ao se referirem a ações, repetem indicadores e outros ainda indicam possibilidades futuras em fase de concepção. Isto é ainda mais merecedor de destaque se cotejarmos 374 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) essa dificuldade com o imenso rol de indicadores de qualidade do ensino de graduação apontado anteriormente pela maioria deles. A rigor, os próreitores de poucas instituições ofereceram exemplos de ações efetivas e em curso em suas universidades. São elas: Programa de atenção ao estudante com dificuldade de aprendizagem (1 citação); avaliação interna colegiada (1 citação); redefinição da estrutura curricular (1 citação) e, por fim, capacitação sistemática de docentes e/ou coordenadores de cursos (2 citações). Não sem espanto, nos defrontamos com um vazio de acontecimentos. Se há, como já referimos, uma harmonia entre conceitos e indicadores, não há correlativamente ações em curso que corroborem e favoreçam às instituições o alcance da qualidade pensada/desejada. Este fato ficou evidenciado pelas respostas que, ou chamavam de ações a indicadores, ou que simplesmente não respondiam à questão. Dentre os fatores favorecedores do fenômeno que aqui denominamos de vazio de acontecimentos, depreendemos nesta análise teórica alguns entre outros possíveis: a) falta de coerência político-epistemológica institucional; b) a falta de clareza do gestor da necessidade de envolver a comunidade universitária na definição de políticas institucionais; c) o lugar do não-lugar que ocupa a formação docente no âmbito universitário; d) a submissão acrítica da instituição ao mercado e ao sistemas de avaliação externos; e) o status superior que a universidade tradicionalmente tem atribuído à pesquisa, em relação à docência; f) a utilização do discurso constitucional e “politicamente correto” como albergue para a falta de reflexão acerca dos paradoxos existentes entre as lógicas mercantis e de formação para a cidadania. A dissonância Como já dito em outro momento, a entrevista de um dos pró-reitores retratou um quadro institucional, no que tange ao ensino de graduação, com características absolutamente singulares relativamente à qualidade de ensino. Em primeiro lugar é preciso destacar que o entrevistado encarna o conceito gramsciano de intelectual orgânico, sendo reconhecido e avalizado como tal pelos pares que compõem a comunidade epistêmica da área da Educação. Sua vasta experiência como docente, pesquisador e gestor, articulada permanentemente a uma reflexão teórica consistente, lhe confere, em nosso entendimento, uma condição sui generis no panorama nacional e internacional (Baibich-Faria, 2009). Da mesma forma, a instituição representada pertence ao rol das cem melhores instituições universitárias do mundo, o que lhe dá Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 375 condições, pelos recursos ali aportados, de investir mais em várias frentes das atividades fins da universidade. Ainda que nutramos o entendimento de que suas contribuições à pesquisa que deu origem a este texto constituem por si só um curso sobre qualidade de ensino de graduação, esta sessão tem como propósito unicamente o compartilhamento de suas reflexões e, em hipótese alguma estabelecer uma hierarquia entre pró-reitores e universidades. Como já dito, as ações desenvolvidas por esses gestores são condicionadas por uma série de dinâmicas e contextos, o que não permite, e fugiria dos propósitos deste estudo, qualquer tipo de classificação ou ranqueamento entre colegas gestores e/ou universidades. Portanto, feitas estas observações introdutórias, e considerando as especificidades da situação, nesta seção, eventualmente, nos permitiremos transcrever partes mais longas do discurso do pró-reitor, quando assim julgarmos apropriado. No sentido de melhor caracterizar o que ocorre em termos de qualidade de ensino de graduação nessa instituição, elencamos, a seguir, alguns fatores que consideramos fulcrais para a constituição do quadro singular constituído por essa universidade e pró-reitor. Partindo de conceito de universidade contextualizada histórica, política e pedagogicamente, o pró-reitor em questão atribui aos cursos de graduação as seguintes principais finalidades: A criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da técnica e da cultura; a preparação para o exercício de atividades profissionais que exijam a aplicação de conhecimentos e de métodos científicos e para a criação artística; e o apoio científico, técnico e ético ao desenvolvimento cultural, social e econômico da sociedade (E11). Em uníssono às finalidades dos cursos de graduação, o gestor em tela define que o ensino de graduação de qualidade “constitui um processo de busca e construção científica e de crítica ao conhecimento produzido, ou seja, de seu papel na construção da sociedade”, confere ao docente grande parcela de responsabilidade na consecução destes objetivos, pressupõe a necessidade de “uma ação docente diferenciada da tradicionalmente praticada”; atribuindo à comunidade sua parcela de participação e responsabilidade, entende necessário que o projeto político-pedagógico dos cursos seja “coletivamente consensuado e vivido no cotidiano do ensino e da pesquisa, [...] a partir da identidade de cada curso, considerando as demandas da sociedade contemporânea” (E11). Como contraponto ao modelo de ensino de graduação de qualidade acima referido, entende ele que o modelo hegemônico na sociedade contemporânea 376 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) é “fortemente submetido à lógica do mercado e do consumo”. O entrevistado, no desenvolvimento de sua argumentação, aponta para o que considera serem algumas das características desse ensino de graduação atual, estabelecendo uma analogia com “uma imensa usina de produção onde os estudantes são considerados apenas como elos do sistema; a aprendizagem é rápida e ligeira, sem muito esforço, para obter créditos e diplomas”. No que se refere ao processo de formação, a lógica argumentativa é similar, recorrendo à metáfora de “um supermercado no qual as disciplinas estão dispostas em gôndolas, à escolha do estudante, e disponibilizadas conforme a decisão individual dos docentes ou departamentos”. Finalmente, ao tratar da carreira acadêmica dos professores, que, na sua opinião “tem primazia em relação à formação dos estudantes”, refere-se à lógica produtivista imperante, afirmando que “a cultura acadêmica e a cultura dos jovens fica separada por um fosso intransponível” (E11). Harmonicamente às considerações anteriores, o pró-reitor assume a necessidade imperativa de que seja criada uma nova cultura acadêmica nos cursos de graduação da universidade e propõe, como indicadores de qualidade, que esta nova cultura considere: o direito do acesso à formação que garanta aos estudantes o desenvolvimento de uma postura frente ao saber, que supere a especialização estreita, problematize as informações e garanta a sua formação como cidadão e profissional cientista compromissado com a aplicação do conhecimento em prol da melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade; que possibilite o desenvolvimento do pensamento autônomo, substituindo a simples transmissão do conhecimento pelo engajamento dos estudantes; por um processo que permita ao estudante interrogar o conhecimento elaborado, pensar e pensar criticamente; que enseje a resolução de problemas; estimule a discussão, desenvolva metodologias de busca e de construção de conhecimentos (ensinar com pesquisa); que confronte os conhecimentos elaborados e as pesquisas com a realidade; mobilize visões inter e transdisciplinares sobre os fenômenos e aponte e possibilite a solução de problemas sociais (ensinar com extensão). Uma nova cultura acadêmica que valorize o trabalho dos docentes na graduação. Partindo dos indicadores e antes mesmo de exemplificar o que considera como alguns dos bons exemplos de ações, o gestor refere que o apoio irrestrito da reitoria possibilitou-lhe consensuar as diretrizes com os diferentes colegiados centrais, o que, no nosso entendimento, parece ter sido fundamental para que as ações se concretizassem. Entre as ações já implantadas destacam-se dezoito programas relativos à “valorização da graduação”; sete programas relativos à “implementação do (novo) programa de formação de professores da instituição (licenciaturas); Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 377 um programa de “inclusão social e mudanças no vestibular que amplia o acesso de estudantes oriundos do ensino médio público, por meio de ações antes, durante e após o processo seletivo para o ingresso na universidade”; sete programas de “aprendizado eletrônico”, além da “política de ampliação de vagas” (E11). Algumas considerações finais Dirigindo-nos para o final deste texto, fruto de uma pesquisa que ainda se encontra em desenvolvimento, cabem algumas considerações de caráter “precariamente finais”. Ainda que não devamos desconsiderar a condição de provisoriedade da investigação, e deste estudo em particular, faz-se possível, mediante os dados empíricos, tecer algumas considerações. Logo de saída é mister que se sublinhe que o sujeito gestor acadêmico, distintamente de outros gestores institucionais, não possui a condição de impor políticas, culturas e mesmo concepções para a comunidade acadêmica – e nem seria desejável que assim fosse – o que acarreta a necessidade imperiosa do estabelecimento de um fórum permanente composto pela comunidade universitária para a reflexão acerca da universidade que se pensa e se deseja transformar. Vale ressaltar que no caso das universidades privadas, com modelos de gestão empresariais e uma série de demandas, muitas delas decorrentes dessa lógica de gestão, a natureza dos desafios com os quais os gestores se defrontam no desenvolvimento de suas atividades cotidianas pode assumir um caráter ainda mais complexo. Portanto, reiteramos a compreensão de que não se pode atribuir ao gestor a inteira responsabilidade pela qualidade do ensino de graduação de sua respectiva instituição. Trata-se, outrossim, de tarefa colegiada que demanda para mais além da vontade política, o exercício permanente do pensamento sobre a universidade em sua inteireza que se traduza em ações concretas, consistentes e coerentes, passíveis de autoavaliação, também permanente e sistemática, além das avaliações externas pelos pares, pelo estado e pela sociedade. O quadro da pesquisa, ao mostrar o vazio das ações, revela a carência da clareza do que seja qualidade de ensino de graduação desde a perspectiva da instituição, a submissão da mesma a uma lógica de mercado, o vácuo existente entre “intenção e gesto”, o olhar individualizado e pontual e não o institucional e sistemático como seria desejável. Dois aspectos que merecem destaque, ainda que não tenham sido objeto das análises deste estudo em particular, mas que constituem questões da 378 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) pesquisa mais ampla, são: a) o que se refere ao entendimento dos pró-reitores acerca da formação de professores para o ensino superior e b) o que se refere a hierarquização entre ensino e pesquisa na Universidade. Unanimemente os gestores reconhecem a Universidade, no que tange à formação de professores para o ensino superior, como aquilo que Cunha (2007) define como um não-lugar. Como criar uma nova docência para a graduação sem formar os docentes para ensinar a graduação? Esta é uma das questões para a qual, compreendemos, a Universidade deve buscar respostas. Também de forma unânime, ainda que nem sempre intencional e consciente, os pró-reitores indicam que a pesquisa goza de um status mais elevado na relação com o ensino. Nem todos criticam esta situação, pelo contrário, demonstram corroborá-la. Certamente esta situação desigual é outro fator que contribui para condenar o ensino de graduação a uma qualidade menor. Este desafio, se não for abraçado pela comunidade universitária, continuará mantendo a âncora que destina ao ensino de graduação um espaço como o que possui hoje. Portanto, o que se depreende é que a qualidade de ensino de graduação constitui-se como corolário de um processo coletivo de responsabilidade institucional, cuja direção e coordenação deve ser assumida pela reitoria e suas respectivas instâncias, favorecendo a efetiva participação da comunidade acadêmica. Se assim não for, o discurso continuará ocupando a condição de albergue para a não mudança, mesmo que se estruture com conceitos de ampla aceitação na comunidade que pensa e faz a universidade. REFERÊNCIAS BAIBICH-FARIA, T. M. A dimensão teórica da formação dos formadores em didática e práticas de ensino: influências no pensamento contemporâneo e repercussões nas práticas de formação. Avaliação (Campinas), Nov 2009, vol.14, n.3, p.727-753 BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. CUNHA, M. I. da. O lugar da formação do professor universitário: a condição profissional em questão. In: CUNHA, M. I. da. Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas: papirus, 2007. p. 11-26. CUNHA, M. I. da. Diálogo com as experiências: que conclusões incitam os estudos? In: CUNHA, M. I. da. (Org.). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara: Junqueira&Marin; Brasília: CAPES: CNPq, 2010. p. 291-299. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 379 NAIDOO, R. Las universidades y el mercado: distorsiones en la invetigación y la docência. In: BARNETT, R. (Ed.). Para uma transformación de la universidad: nuevas relaciones entre investigación, saber y docência. Barcelona: Octaedro, 2008. p. 45-56. ROSE, N.. The dead of the social? Re-figuring the territory of government. Economy and Society. London School of Economics and Political Science. London: v. 3, n.º 25, p. 327-356, august, 1996. PARTE IV QUALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE QUALIDADE E FORMAÇÃO DOS PEDAGOGOS Cecilia Luiza Broilo1 Silvia Maria de Aguiar Isaia2 Formação dos pedagogos: em busca de indicadores de qualidade A o considerar o quanto é importante ocupar-nos do nosso aperfeiçoamento profissional, e quando este compromisso está ligado com a questão social se torna ainda mais premente considerarmos o contínuo aperfeiçoamento profissional. Este não advém apenas de uma necessidade, mas de um dever que se torna imperativo, quando as funções exercidas envolvem alta responsabilidade social, especialmente no caso da docência, em todos os níveis de seu exercício no sistema educacional de acordo com Bordas (2003). A docência tem grande responsabilidade com a melhoria dos profissionais que formamos. E as universidades brasileiras têm demonstrado através do movimento de implantação do planejamento estratégico ou pelos resultados estabelecidos pelo Exame Nacional de Curso, implantado ainda, em 1996, uma preocupação com a qualidade do ensino superior, principalmente com o ensino de graduação, espaço que revela a importância da preparação política, científica e pedagógica dos docentes. Isaia (2003, 2006) apresenta uma série de desafios que os docentes universitários enfrentam para uma docência de qualidade, e através de suas pesquisas (Isaia e Bolzan, 2008, 2009a) evidenciam possíveis caminhos para minimizar essa situação. Para Leite e outros (1998), as universidades que iniciaram seus programas de avaliação no início dos anos 90 estão hoje enfrentando os desafios da melhoria na qualidade ou de solução para os problemas detectados, destacando problemas referentes à qualificação acadêmica e didática dos docentes universitários e demais níveis de ensino. Isso ocorre, pela ampliação do número de entrada de 1 Professora Doutora do Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS. Coordenadora Pedagógica da Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA. Membro do PRONEX – CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP. Pós-doutoranda da UFSM. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação; Professora do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e Matemática e Coordenadora Grupo de Pesquisas Trajetórias de Formação (GTFORMA) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); BOLSISTA Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES na UFSM, Membro do PRONEX – CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP. 382 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) novos professores (substituições e admissões) resultantes das aposentadorias e pelos processos avaliativos que têm mostrado a falta de didática do docente, apontada pelos estudantes e pelos próprios professores. Aceitando que a formação dos professores pode concorrer para uma melhor preparação dos estudantes em face desses desafios, este estudo centra-se numa questão fundamental, que é a qualidade do ensino do Curso de Pedagogia. Essa qualidade define-se principalmente pelo potencial da ação pedagógica que ocorre na transformação dos sujeitos e dos contextos de sua atuação. Atuar na assessoria pedagógica da universidade possibilita-nos a compreensão do campo da Pedagogia Universitária, entendendo as rupturas possíveis com o paradigma dominante proposto por Sousa Santos (1987) e o entendimento das territorialidades em movimento físico e epistemológico na visão de Fernandes (1999). Acreditamos que uma pedagogia transformadora pode ser concretizada através de atitudes emancipatórias que exigem conhecimentos acadêmicos e competências técnicas e sociais, configurando um saber fazer que extrapole os processos de reprodução. Sousa Santos (2000), afirma que sua característica é de “não ser indiferente à diferença” (p.30). Isso significa que a competência situase, justamente em agir diferenciadamente para cada situação, a partir da leitura da cultura e das condições de produção do conhecimento que se estabelece entre o professor e seus estudantes. Acreditamos que também o Projeto Político Pedagógico do Curso deverá servir como instrumento de análise, pois expressa os princípios epistemológicos e os pressupostos da historicidade da Educação do próprio curso em estudo. Envolve também indissociabilidade teórico-metodológica do sujeito como produtor e produto de cultura e do conhecimento como construção social. Enfatizamos de que todo o ato educativo tem no seu cerne, objetivos que visam possibilitar ao sujeito o enriquecimento de suas condições pessoais, nas quais se integram conhecimentos e posturas éticas, estéticas e políticas, a partir das quais, este sujeito possa se tornar um cidadão participante no processo do fazer-se e refazer-se como um ser histórico, que cria e recria o mundo e a cultura (Freire, 1983). Pensar no Curso de Pedagogia a possibilidade de assumir um compartilhamento das suas atividades acadêmicas, se faz necessário acreditar no processo da interdisciplinaridade, que de acordo com Machado (2001) não pode colocar-se como um discurso demagógico ou como uma receita mágica para superar a fragmentação do conhecimento ou estrutura dos departamentos Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 383 acadêmicos. Uma concepção de interdisciplinaridade que é mais do que simples atravessamento dos limites departamentais da universidade e das fronteiras que estabelecem os territórios de cada disciplina ou Programas de aprendizagens. Ao mesmo tempo em que transpõe tais limites, a interdisciplinaridade institui a solidariedade como um elo interdisciplinar e de interpráticas de trabalho desenvolvido pelos professores e estudantes. Essas reflexões reforçaram a participação na investigação dirigida aos docentes e estudantes do Curso de Pedagogia da UFSM em termos do impacto da formação oferecida, nas aprendizagens dos mesmos. A realização do Pósdoutorado em Educação, na referida universidade, sob a coordenação da Profa. Dra. Silvia Maria de Aguiar Isaia, possibilitou ampliar esses questionamentos. Com apoio do INEP/CAPES, e da RIES – Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior - Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia & Inovação em Educação - CNPq/FAPERGS, através do Observatório de Educação, coordenado pela Profa. Dra. Marília Morosini, tivemos uma parceria no estudo cujo foco central vem sendo investigado e que se relaciona a busca de Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira. As sucessivas reformulações dos currículos de formação de professores, nestes últimos anos, levam-nos a necessidade de pesquisar a formação de professores, tanto em nível da Formação Inicial de Professores, que envolve a Infância, as Series Iniciais, a Educação de Jovens e Adultos, quanto a atuação desse profissional nos espaços de gestão e de supervisão de processos educativos. A partir do objetivo central desse estudo: de Identificar indicadores de qualidade e práticas de aprendizagem necessárias no curso de Pedagogia da UFSM para uma formação sólida, para atuar com competência e humanidade no campo profissional concretizamos a pesquisa em torno de duas dimensões que possibilitaram a aproximação do enfoque teórico ao estudo empírico: (1) Concepções de teoria e de práticas de aprendizagens construídas, pelos estudantes de Pedagogia - professores em formação - identificando os indicadores constituídos em seu processo de formação e de sua inserção profissional; (2) Formação de professores como um campo interdisciplinar e de investigação para o desenvolvimento de uma cultura que discuta a qualidade dessa formação como qualidade social (Cortella, 1996). Portanto, a questão fundamental centrou-se em: - quais são as competências significativas para uma formação de qualidade dos(as) pedagogos(as). 384 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Implicações metodológicas Essa pesquisa que se caracteriza por um estudo de abordagem qualitativa e quantitativa, apoiada em André (1995) colaborou para efetiva busca dos indicadores de qualidade de formação dos(as) pedagogos(as). Os interlocutores que colaboraram para a coleta dos dados foram Professores e estudantes do Curso de Pedagogia, do contexto da Universidade Federal de Santa Maria. Por se caracterizar por uma pesquisa no território da formação docente, visando perceber os impactos que podem estar se refletindo na qualidade do trabalho acadêmico e na atuação da educação básica optamos por uma abordagem metodológica que envolveu uma dimensão quantitativa e outra qualitativa, no intuito de uma complementar e a outra aprofundar o estudo. A utilização de metodologias qualitativas e quantitativas em diferentes etapas do estudo indicou a possibilidade de desenvolvimento de diferentes abordagens metodológicas, apoiando as diferentes bases epistemológicas assentadas em princípios de análise documental e nos procedimentos estatísticos. Além disso, essas duas abordagens colaboraram para fornecer indicadores para melhorar a qualidade, no ensino de formadores de professores. Foi importante a análise realizada nos documentos relacionados com o Projeto Político Pedagógico (PPP), colaborando para compreensão do processo e para conhecer as intencionalidades e o território onde ocorrem as ações de formação dos docentes. Nas questões de fundo teórico e epistemológico o estudo centrouse na temática da qualidade da pedagogia universitária, com a utilização dos estudos realizados por Morosini (2001, 2003, 2008), em Isaia e Bolzan (2008, 2009), nas temáticas da formação de professores, do estudante universitário e sua aprendizagem em Zabalza (2004), Wietse e Cabrera (2009). Aplicamos diferentes questionários aos professores e aos estudantes do Curso de Pedagogia da UFSM, considerando os objetivos já citados e as dimensões definidas, a partir das competências e práticas necessárias para o desenvolvimento de um currículo de formação de professores de qualidade. Com a utilização do programa SPSS, os dados coletados através da aplicação dos questionários, foram introduzidos de forma a garantir o rigor na análise das respostas colhidas. A primeira parte do questionário aplicado aos estudantes considerou-se a competência adquirida (I) durante o desenvolvimento do percurso curricular – do início do Curso de Pedagogia até o presente momento e o nível de envolvimento nas atividades vivenciadas, com destaque para as práticas e os Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 385 estágios curriculares supervisionados, considerando as seguintes categorias: identificação da realidade sociocultural e escolar dos seus alunos; domínio de sua turma; percepção de diferenças ou estilos ou dificuldades de aprendizagem dos seus alunos/grupos de alunos; desenvolvimento de práticas (atividades) pedagógicas adequadas para melhorar a aprendizagem dos seus alunos; trabalho em equipe sobre projetos relacionados ao curso; participação em atividades complementares – em grupos de estudos (ação) intra/extra-institucionais; utilização de estratégias para resolver conflitos em sala de aula/do ambiente escolar; diálogo com seus alunos fora da sala de aula - com os pais de seus alunos - com redes sociais na comunidade; aplicação de diferentes estratégias didáticas utilização de diversas linguagens de modo a estabelecer uma comunicação adequada com o grupo; avaliação de ações educativas, organização de situações de aprendizagens em diferentes contextos educativos (formais e não-formais); planejamento das aulas baseando-se no estilo de aprendizagem dos seus alunos; atualização dos fundamentos de sua prática pedagógica; aplicação da teoria em situações práticas, aprimoramento da habilidade comunicativa; respeito às diferenças étnicas e socioeconômicas dos alunos; estabelecimento de relações dialógicas nos grupos, em diferentes espaços de convivência participação em entidades de classe e movimentos sociais, responsabilidade com a transformação de si, do outro e da sociedade. A segunda parte do questionário, aplicado aos estudantes considerou as práticas e os diferentes níveis a partir da experiência vivida no percurso formativo no Curso de Pedagogia (II), tendo em vista as seguintes categorias: participação em comunidades de aprendizagem, identificando problemas e possíveis soluções Identificação e valorização das diferenças e/ou singularidades dos seus alunos; investigação de contextos culturais e multiculturais; registro de histórias do grupo, estabelecendo relações teóricopráticas; análise de estudos de caso; elaboração de projetos educacionais com base na problematização da realidade; participação em diferentes projetos da comunidade escolar e acadêmica; estudo de diferentes teóricos, relacionando à realidade observada; vivências de situações de ensino e de aprendizagem em sala de aula; realização de diferentes práticas educativas em distintos espaços educativos (escolas, ONGs, monitorias, co-regências, etc.); participação em seminários; visitas a diferentes contextos educativos com problematização e registros; discussão de filmes; vivência de processos de avaliação; planejamento de pequenas práticas (observações e/ou intervenções) para os diferentes espaços educativos; organização de situações de ensino e de aprendizagem a partir da 386 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) observação e verificação dos resultados obtidos; utilização de diferentes formas de expressão: plástica, escrita, oral, corporal, digital, gestual; participação em grupos de estudo Desenvolvimento de pesquisas e/ ou publicações. Participação em atividades utilizando os recursos da educação à distância; realização de ações pedagógicas em contextos formais e não-formais; análise de estudos de caso, relatos de experiências, práticas educativas diferenciadas; atendimento de apoio à comunidade; atividades complementares com ações comunitárias; prática de auto-avaliação. A parte final buscou algumas informações gerais referentes as seguintes categorias: idade, semestre de estudo, ocupação profissional; tempo dedicado por semana, em média, para o estudo e planejamento das aulas; participação em cursos, seminários/congressos, atividades complementares – nos últimos cinco anos. Quanto ao questionário aplicado aos professores consideramos, na primeira parte, alguns aspectos centrais para o exercício de sala de aula com qualidade. No item das informações gerais, as seguintes categorias: idade, maior titulação, tempo de docência na universidade, tempo de docência, tempo como formador docente; no item referente às atividades foram consideras as categorias: de docência, de pesquisa, de orientação (monografias, dissertações e teses), de gestão acadêmica, de extensão. Na categoria referente ao tempo dedicado por semana, em média, para a preparação de aulas, destaca-se o período de uma a cinco horas. Foi ainda considerado a participação em cursos e/ou seminários/congressos de atualização na disciplina, nos últimos cinco anos. Na segunda parte do questionário consideramos as competências a serem trabalhadas em práticas de ensino-aprendizagem durante o desenvolvimento do percurso curricular do Curso. Salientamos que às competências, práticas pedagógicas e os indicadores, terão como base a discussão coletiva do Projeto Político Pedagógico, numa tabela com cinco alternativas, a serem assinaladas, de acordo com a freqüência em que o critério do indicador está presente na prática educacional dos professores. As competências consideradas na terceira parte do questionário dirigido aos docentes foram: (I) AÇÃO INVESTIGATIVA, que visou verificar se o professor consegue trabalhar situações e situações-problema de ensino-aprendizagem quanto a: realidade sociocultural e escolar dos alunos; domínio de turma, diferenças individuais e de grupo, dificuldades de aprendizagem de ordem psicossocial, problematizar situações do cotidiano educativo e refletir/propor questões sobre a vida pessoal e profissional na relação pedagógica com o outro e com o contexto socioeconômico e cultural. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 387 (II) GESTÃO DE PROCESSOS EDUCATIVOS, se o professor realiza trabalhos em equipe, atuando em projetos relacionados ao curso e à extensão, coordena grupos de ação intra/extra institucionais, participa da elaboração, da implantação, implementação e da avaliação de processos/projetos institucionais, encaminha estratégias para resolver conflitos na sala de aula e no ambiente acadêmico de um modo geral, dialoga com alunos, professores e comunidade. (III) AÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA, se oportuniza situações de aprendizagem para que o aluno construa um referencial teórico que fundamente a sua prática docente, também em diferentes contextos educativos: formais e não-formais, se planeja, executa e avalia ações educativas compartilhadas com pares e/ou alunos, se aplica diferentes estratégias didáticas, visando à estilos cognitivos diferenciados de processos de ensino e de aprendizagem. (IV) CONHECIMENTO DA ÁREA DE ATUAÇÂO, se atualiza permanentemente os fundamentos de sua disciplina/área com outras áreas do Curso, se utilizam situações práticas para relacionar com a teoria ou diferentes formas de linguagem para estabelecer uma boa comunicação didática com alunos e pares. (V) EXERCÍCIO DA CIDADANIA, se respeita as diferenças, manifestando atitude de tolerância em relação às variadas características humanas, se estabelece relações dialógicas nos grupos, em diferentes espaços de convivência, se participa de entidades de classe e em movimentos sociais, se participa ativa e comprometidamente com a transformação de si, do outro e da sociedade. Na competência referente as PRÁTICAS EDUCATIVAS, buscamos verificar se o professor consegue propor/vivenciar práticas educativas que podem constituir as competências propostas pelo Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia relativas à promoção de experiências em comunidades de aprendizagem, identificando problemas e possíveis soluções, identificação e valorização das diferenças e/ou singularidades dos alunos, investigação de contextos culturais e multiculturais, registro de histórias do grupo, estabelecendo relações teórico-práticas configuradas na relação conteúdo-forma, análise e construção de estudos de caso, elaboração de projetos educacionais com base na problematização da realidade, participação em diferentes projetos da comunidade escolar e acadêmica, estudo de diferentes teóricos, relacionando à realidade estudada e observada, realização de diferentes práticas educativas em distintos espaços educativos (escolas, ONGs, monitorias, co-regências, etc.), organização e participação em seminários, visitas a diferentes contextos educativos com problematização e registros, discussão de filmes, vivência de processos de avaliação, organização de situações de ensino e de aprendizagem a partir da observação e verificação dos resultados obtidos, 388 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) planejamento de pequenas práticas (observações e/ou intervenções) para os diferentes espaços educativos, utilização de diferentes formas de expressão: plástica, escrita, oral, corporal, digital e gestual, promoção de atividades em grupos de estudo, desenvolvimento de pesquisas, publicações Participação em atividades utilizando os recursos da educação à distância, realização de ações pedagógicas em contextos formais e não-formais, análise de: estudos de caso, relatos de experiências, práticas educativas diferenciadas, atendimento de apoio à comunidade, prática de auto-avaliação. Possibilidades e desafios para a qualidade: análise parcial dos resultados A análise dos resultados se deu a partir dos dados coletados e das observações realizadas. Partimos inicialmente da construção do projeto maior, a ser desenvolvido, no período de 2010 a 2013, descrevendo de forma teórica o estudo e a criação de dimensões e categorias que poderiam favorecer a identificação de indicadores de qualidade da formação dos(as) pedagogos(as). Foi fundamental, neste tipo de abordagem, a experiência que temos como observadoras da área, garantindo maior objetividade e rigor na análise e interpretação dos dados recolhidos. Por isso, pensamos que a experiência de docente mais a inserção nos grupos de pesquisas e nos grupos de trabalhos relacionados à área de atuação profissional favoreceram a nossa participação na pesquisa. Optamos em aplicar os questionários nas séries finais do Curso de Pedagogia, tendo como argumento que estes estudantes teriam melhores condições de responder as questões, pois, os aspectos a serem avaliados referem-se ao currículo do curso como um todo. Sendo assim, foi aplicado o questionário para os estudantes do sétimo (7º) e oitavo (8º) semestres. Portanto, dos cento e quatorze (114) estudantes, tivemos a resposta de setenta e sete (77) respondentes. Quanto aos docentes, do total de cinqüenta e seis (56) professores, tivemos o retorno de trina (30) questionários preenchidos. Nos questionários aplicados aos DOCENTES dirigimos uma questão aberta, na qual, solicitando sugestões de elementos ou condições que poderiam facilitar a participação dos professores na organização curricular. Dos trinta (30) docentes que responderam aos questionários, tivemos dezesseis (16) contribuições. Dessas contribuições destacamos (13) treze que podem colaborar para realizarmos uma análise parcial quanto aos possíveis indicadores de Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 389 qualidade necessários para um desenvolvimento qualificado de formação de professores, a partir do olhar dos docentes, surgindo como possibilidades e desafios a serem enfrentados pelo corpo docente da universidade. No entendimento de Broilo (2005, 2008) há desafios a serem enfrentados na formação inicial quanto ao campo institucional e curricular, além de, se rever os princípios da reforma da formação de professores e de uma exigência de participação consciente na busca de alternativas viáveis para a qualidade que inclua outras racionalidades, que permita uma vida digna e um mundo mais solidário. Pois, de acordo com alguns dos depoimentos colhidos, destacados e codificados na seqüência (D1, D2....) foi possível perceber a necessidade de um constante processo de reformulação curricular, como evidenciam as manifestações dos professores participantes da pesquisa. A discussão relativa a organização curricular do curso de Pedagogia necessita ser ampliada (D1). Fragmentação do estagio curricular dificulta relação universidade-escola (D2). O Currículo precisa ser permeável (D3). Currículo precisa ser mais amplo (D3). Começar a pensar um currículo aberto, flexível em cerca de 80% de sua composição em detrimento ao modelo atual e inverso (80% fixo e 20% flexível) (D4). Grupos de estudos e trabalhos com professores “todos” que atuam no curso de pedagogia. Discutir e (re)ver a organização curricular por áreas de conhecimento (D5). A experiência e a prática foram categorias ressaltadas e importantes indicadores de qualidade de formação de professores para a educação básica. Larrosa (2002, p.20) propõe pensar a educação a partir do par experiência/sentido. Mais experiência de ensino para participar (D6). O curso deveria congregar professores e estudantes em torno do PPP do curso, transpondo para as práticas e proposta pedagógica. Existem dispositivos para inserção e integração comunitária que, no entanto não são dinamizadas nesta direção como, por exemplo, a carga horária de cada disciplina destinada as prática e a PED, que deveria ser articuladora destas ações. A participação de um modo geral poderia ser promovida na mobilização de professores e estudantes em torno de objetivos coletivos e aproximação com os sistemas de ensino (D7). Projeto com a comunidade, o grupo de pesquisa (GTFORMA) já desenvolve a cerca de nove anos. Entre outras iniciativas temos o projeto de filosofia na formação de 390 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) professores em uma escola municipal, uma iniciativa muito bem sucedida ate aqui. O grupo de pesquisa poderia colaborar na reestruturação do curso de pedagogia oferecendo reflexões sobre a base teórica de estruturação do curso, e preciso questionar inclusive os pressupostos de legislação educacional que norteou a reformulação da formação de professores no Brasil no que concerne a compreensão subjacente à discussão entre teoria e a prática (D8). Foi possível perceber que um dos desafios que a UFSM terá que enfrentar está ligado às relações entre os professores e os processos de interação necessários para realizar um trabalho interdisciplinar numa área onde é tão importante essa articulação. O depoimento que segue reforça essa necessidade de: proporcionar espaços de interação (reais) entre os professores do curso, no intuito de “troca”, “socialização” de experiências, saberes. A proposta do curso de pedagogia da UFSM e muito boa porem, falta “comprometimento” dos professores através da sua participação do curso. E “despir-se” através de suas práticas, e “mostrar” seus planejamentos e ações. E muito fácil criticar os outros, agora “olhar para o seu próprio umbigo” continua ser o desafio cada vez mais atual e necessário (D9). Organização de encontro para professores que atuam no curso com a intenção de desafiar o grupo (de professores) na construção de estratégias e praticas que qualificam as propostas previstas no PPP do curso (D10). Os professores salientaram que apesar do acumulo de trabalho que a universidade vem enfrentando no seu cotidiano acadêmico necessitam participar e dialogar com seus pares de diferentes áreas, garantindo uma relação de qualidade com seus alunos e com a comunidade em que estão inseridos. Desenvolver um diálogo interdisciplinar e práticas progressistas são desafios a serem enfrentado de acordo com os depoimentos que seguem. Devido a muito trabalho na universidade acumula-se e limita a participação (D11). Maior diálogo entre as áreas por ocasião do estágio (D12). O curso carece de maior interação com a escola básica dialogando efetivamente com os colegas desta instituição. A postura do curso ainda é “estender” seus conhecimentos para “ensinar”; pouco se escuta e se busca aprender com saberes e fazeres do cotidiano escolar. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 391 Também: maior coerência entre os discursos da sala de aula e a prática dos professores; a teoria e bastante progressista e critico, mas a prática persiste tradicional e autoritária (D13). Por fim, embora seja apenas uma análise parcial podemos destacar a importância da qualidade na formação dos professores. Precisamos formar professores que preparem os alunos para enfrentarem as contradições sociais do contexto atual, que de acordo com Veiga e Viana (2010), essa preparação seja através de práticas inovadoras e atraentes. Não esquecendo que a formação é um processo continuo que para ter qualidade necessita sair do isolamento e partir para um processo compartilhado e interdisciplinar. Necessitamos pensar numa proposta de inovação curricular de formação de professores numa perspectiva de conhecimento e prática educativa que supere o paradigma da padronização e da particularidade, buscando indicadores de qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão. Referências ANDRÉ, Marli Afonso. Texto, contexto e significados: algumas questões na análise de dados qualitativos. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, SP, n. 45, p. 66‑71, mai. 1983. ANDRÉ, Marli Afonso. Etnografia da pratica escola. Campinas, SP: Papirus, 1995. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: Introdução à pesquisa qualitativa. 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O estudo centrou-se nas universidades classificadas como privadas pela base de dados do INEP/MEC, tendo como foco principal de análise os indicadores de Funções Docentes apresentados pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior brasileira – SINAES. O estudo realizado contribuiu para os objetivos levantados pelo projeto da RIES – Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior – Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação CNPq/FAPERGS e o OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO com o projeto: Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira - Edital nº. 001/2006/INEP/CAPES – 2006. O Projeto Observatório da Educação tem como objetivo estimular o crescimento da produção acadêmica e a formação de recursos humanos pós-graduados, nos níveis de mestrado e doutorado por meio de financiamento específico. Trata-se de uma parceria entre a CAPES e o INEP. A pesquisa justificou-se pela importância de relacionar a expansão/ massificação do ensino privado com a qualidade da educação superior privada oferecida nestes estabelecimentos de ensino. Não entramos, contudo, no mérito de fazer julgamentos sobre a qualidade da educação, mas sim, estudar como se dá a relação dos indicadores de qualidade existentes no aspecto das funções docentes da educação privada brasileira. Os dados disponíveis sobre a educação superior brasileira podem representar um estímulo à reflexão sobre o panorama educacional geral do país. 1 Pedagoga, Mestre em Educação pelo PPGE/UFSM, professora substituta do depto de Metodologia do Ensino da UFSM e autora da dissertação da qual esse artigo é originário. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora Pesquisadora da UNIFRA, Bolsista Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES na UFSM, Membro do PRONEX – CNPq/ FAPERGS e do Observatório da Educação INEP/CAPES/ 396 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Sendo assim, a delimitação desse estudo circunscreveu-se às universidades classificadas como privadas3 e à análise das funções docentes.4 Neste artigo, apresentaremos os resultados obtidos nessa pesquisa, bem como as discussões suscitadas a partir do confronto entre esses e as dimensões teóricas trabalhadas durante a pesquisa. O artigo inicia com descrição do percurso da pesquisa, onde descrevemos nossas ações durante o desenvolvimento do estudo; o segundo subitem trata das funções docentes no ensino superior, onde contemplamos teoricamente os achados bibliográficos acerca da docência superior; o terceiro subitem contempla as funções docentes como indicadores de qualidade, nesse apresentamos o ponto de vista prático dos dados encontrados, em contraponto com os achados teóricos no que tange à avaliação da docência no ensino superior; e por fim, as considerações finais onde apontamos as fragilidades encontradas em relação ao sistema e posicionamentos teóricos adotados, assim como salientamos as ações positivas adotadas pelo modelo avaliativo analisado. 1. O percurso da pesquisa O desafio deste estudo foi analisar o perfil institucional/docente dos professores das universidades privadas brasileiras, a partir dos indicadores de funções docentes disponibilizados pela base de dados do INEP/MEC através da base de dados do SINAES, fazendo as relações pertinentes com a qualidade do ensino oferecida por essas instituições em âmbito nacional. Buscou-se, inicialmente, identificar o perfil institucional/docente de professores do ensino superior em universidades privadas brasileiras, quanto às funções docentes e analisar em que aspectos esse perfil interfere na qualidade da Educação Superior do Brasil. Outra etapa da pesquisa consistiu em analisar os conceitos e visões de qualidade propostos por autores e organismos internacionais sobre a educação superior, estabelecendo possíveis relações com o perfil de docentes As instituições classificadas como Privadas, subdividem-se em Particulares e Comunitárias/Confessionais/ Filantrópicas. 4 1.Função educativa, diretamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem, que exige formação pedagógica e prática de ensino. 2. Função de ministrar aulas e de desenvolver outras atividades relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem. 1. Nas estatísticas escolares, cabe distinguir entre número de professores e número de funções docentes: um mesmo indivíduo, que é professor, pode exercer, em escolas diferentes, várias funções docentes. 2. Ao se contar em cada escola o número de professores, obtém-se uma quantia que parece maior do que realmente é. Isto ocorre porque as estatísticas citam outras funções docentes.” (cf. DUARTE,S.G. DBE, 1986). Número de funções docentes em cada unidade escolar. De acordo com os objetivos da pesquisa, desagregar por grau de formação, por dependência administrativa, por nível de ensino...(fonte: www.inep.gov.br) 3 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 397 das universidades privadas. E, por último, buscamos inferir possíveis indicadores de qualidade, a partir das funções docentes disponibilizadas pela base de dados do INEP/MEC. A partir dos objetivos propostos, buscamos desenvolver relações teóricopráticas pertinentes no âmbito desta pesquisa, tendo por base uma abordagem investigativa de cunho quali-quantitativo, trabalhada a partir de tabelas e gráficos gerados via Planilha Excel. Contudo, seus resultados foram analisados em termos qualitativos, através de uma discussão que indicou as distorções, dificuldades ou êxitos do perfil levantado. A utilização de metodologias qualitativas e quantitativas em diferentes etapas do estudo indica a possibilidade de desenvolvimento de diferentes abordagens metodológicas, inclusive apoiadas por diferentes bases epistemológicas, sejam elas assentadas em princípios de análise documental, seja em procedimentos estatísticos. Desse modo, a pesquisa foi estruturada metodologicamente, com a intenção de explicitar, da melhor forma possível os procedimentos adotados para a sua realização. Procuramos manter a coerência entre as concepções adotadas em termos metodológicos e os procedimentos adotados para a concretização dos objetivos propostos neste estudo. 2. As funções docentes no ensino superior Na pesquisa em pauta levamos em conta a definição das funções docentes sob o ponto de vista do INEP e procuramos fazer as relações desta definição com a bibliografia existente. Para o INEP as funções docentes são definidas como Função educativa, diretamente ligada ao processo de ensinoaprendizagem, que exige formação pedagógica e prática de ensino. 2. Função de ministrar aulas e de desenvolver outras atividades relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem. 1. Nas estatísticas escolares, cabe distinguir entre número de professores e número de funções docentes: um mesmo indivíduo, que é professor, pode exercer, em escolas diferentes, várias funções docentes. 2. Ao se contar em cada escola o número de professores, obtém-se uma quantia que parece maior do que realmente é. Isto ocorre porque as estatísticas citam outras funções docentes (cf. DUARTE,S.G. DBE, 1986). Número de funções docentes em cada unidade escolar. De acordo com os objetivos da pesquisa, desagregar 398 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) por grau de formação, por dependência administrativa, por nível de ensino (fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus). Dessa forma, podemos constatar que as funções docentes abarcam toda a tarefa educativa, ou seja, relaciona-se direta e principalmente com o processo de ensino-aprendizagem. Trazendo parte desta definição para o contexto da universidade foi possível confirmar a existência de professores exercendo mais de uma função docente, principalmente, no caso das universidades privadas, objeto deste estudo. Complementando a idéia de funções docentes adotada pelo INEP, destacamos também o conceito de professores da educação superior: Profissionais que planejam, supervisionam e avaliam atividades docentes de nível superior. Nota: Entendemse como atividades do magistério superior, para efeitos desta Lei: as que, pertinentes ao sistema indissociável de ensino e pesquisa, se exerçam nas universidades e nos estabelecimentos isolados, em nível de graduação, ou mais elevados, para fins de transmissão e ampliação do saber; e as inerentes à administração escolar e universitária exercidas pelos professores. Neste grupo inclui-se a seguinte ocupação: professor de ensino superior. Tem escolaridade de 3º grau. (Lei 5540/68 Reconhecimento oficial: Dec. nº 60.684/67.) (fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus). A partir dos conceitos levados em conta pelo INEP, podemos inferir o papel do professor na qualidade do processo formativo na educação superior. É compartilhando dessa idéia que se salienta a necessidade de uma pedagogia universitária adequada que vise à formação permanente do professor universitário, com o intuito de promover a qualidade deste nível de ensino. Sob esse aspecto, entendemos o professor da seguinte forma o docente como intelectual público, um protagonista do ato pedagógico e formativo que coloca nas questões sociais e políticas a ênfase de seu trabalho, tornando públicos novos referenciais na perspectiva da ética e da emancipação humanas; o conhecimento social, um conceito que engloba e reconfigura saberes científicos, da academia, com saberes do cotidiano, das pessoas, que se constrói através de aproximações sucessivas entre prática e teoria, entre conhecimento “vivo” e conhecimento “morto,” resgatando o humano da relação educativa; [...] (LEITE, 2000). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 399 É sob essa perspectiva de pedagogia universitária que a prática pedagógica, ou seja, as implicações do processo de ensinar e aprender não se reduzem à questão didática ou às metodologias deste processo, mas a construção de uma educação como prática social. Prática social esta em que os alunos são atores partícipes. Neste sentido Zabalza (2004) compara os estudantes universitários aos seus professores no sentido de que ambos, mesmo possuindo características específicas no processo de ensino, são membros pertencentes a uma mesma comunidade acadêmica e aprendizes dentro da instituição. Esse autor considera que na interação entre o acadêmico e a instituição universitária, o aluno, como principal aprendiz é o eixo central das atividades educativas. Entretanto, o professor também se constitui como aprendiz, envolvendo-se tanto no processo formativo do aluno, como em seu próprio processo de formação. Isto é, a lógica do processo do aprender deve ser incorporada no exercício contínuo do seu trabalho e, nos parece que é isso que os acadêmicos clamam quando apontam tais problemas em relação aos seus professores. Zabalza (2004) considera a universidade como instituição de aprendizagem e não como instituição de ensino, por esse motivo, o tema fundamental para a docência universitária seria as estratégias para as quais os estudantes recorrem para aprender. Sendo assim, o objetivo da docência é melhorar os resultados da aprendizagem dos alunos e otimizar sua formação. Isso implica, sem dúvida, grandes esforços didáticos para adequar a organização dos cursos e os métodos de ensino utilizados aos diferentes modos e estilos de aprendizagem dos alunos e aos seus diversos interesses profissionais, já que se trata de alunos (ZABALZA, 2004, p.190). Por isso, os alunos universitários, ao se constituírem como um grupo possuem certas características as quais devem ser consideradas nas formas pelas quais os professores exercitam sua docência. 2.1. A docência na educação superior A docência superior pode ser explicitada como uma atividade peculiar e que, para o seu exercício, são exigidas algumas características específicas como a formação adequada. Para Vasconcelos (2000), 400 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Se a universidade é o locus de formação dos quadros profissionais de nível superior, é, portanto, função da universidade a formação de seus próprios quadros, ou seja, a formação de seus docentes. A questão da formação didáticopedagógica desses docentes, no entanto, não é sequer mencionada como pré-requisito básico para o exercício do magistério superior (p. 16). Isaia (2006) destaca que “apesar do entendimento institucional de que os docentes são os responsáveis pela formação de futuros profissionais, sua formação docente não tem sido valorizada nem pela maioria das IES nem pelas políticas voltadas para a educação superior” (p.66). Corroborando com esta idéia a Lei que rege a educação no país (LDBN 9394/96) não alude à formação didático-pedagógica como pré-requisito para a formação, ingresso e promoção na carreira docente do magistério superior. Diante do contexto de falta de formação específica, assim como diante da inexistência de espaços de interlocução com colegas de instituição, o professor acaba por exercer sua atividade docente de forma solitária e desamparada, sem a oportunidade de participar de discussões coletivas sobre a construção de conhecimentos relativos a ser docente (Isaia, 2006). Para esta autora “a docência superior é um processo complexo que se constrói ao longo da trajetória docente e envolve, de forma intrinsecamente relacionada, a dimensão pessoal, a profissional e a institucional. Na tessitura das três, dá-se a constituição do ser professor” (2006p. 63). É sob esse olhar que entendemos esse processo como de natureza social, pois os professores se constituem como tal em atividades interpessoais, seja em seu período de preparação, seja ao longo da carreira, em uma ou em diferentes IES. Os esforços que eles realizam para aquisição, desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências profissionais subentendem um grupo interagindo, centrado em interesses e necessidades comuns, em um contexto institucional concreto (Isaia, 2006). Zabalza (2004) diferencia três grandes dimensões na definição do papel docente: Dimensão profissional que permite o acesso aos componentes essenciais que definem essa profissão: quais são suas exigências (retorno esperado pela atuação profissional), como constrói sua identidade profissional e em torno de quais parâmetros o faz, quais são os principais Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 401 dilemas que caracterizam o exercício profissional, quais são as necessidades de formação inicial e permanente, etc. Dimensão pessoal que permite considerar alguns aspectos de grande importância no mundo da docência: tipo de envolvimento e compromisso pessoal característicos da profissão docente, ciclos de vida dos docentes e situações pessoais que os afetam (sexo, idade, condição social, etc.), problemas de ordem pessoal que costumam acompanhar o exercício profissional (burn out, estresse, desmotivação, etc.), fontes de satisfação e insatisfação no trabalho, a carreira profissional. Dimensão administrativa que nos situa diante dos aspectos mais claramente relacionados com as condições contratuais, com os sistemas de seleção e promoção, com os incentivos, com as condições (carga horária, horários, obrigações vinculadas ao exercício profissional, etc (ZABALZA, 2004 p. 106). Ainda conforme Zabalza (2004), o grande desafio da formação docente, nos dias atuais é transformar os professores em profissionais da “aprendizagem” ao invés de especialistas de uma área. Segundo Isaia (2001) é evidente que a centração dos professores na área específica, sinaliza a dificuldade dos mesmos em conscientizar-se de que a dimensão pedagógica é indispensável à prática de quem está vinculado à formação de diferentes profissionais. Antes o compromisso era com a disciplina, agora o compromisso precisa ser com os alunos. Os enfoques atuais citam a necessidade de modificação dos padrões de relações pedagógicas na docência, isto é, durante o processo de formação que o foco seja a aprendizagem. Este enfoque exige profundas mudanças no ambiente universitário, pois o antigo modelo de docente ideal seria aquele que possuía grandes conhecimentos em sua área os quais saberia transmitir com clareza e convicção. Este modelo passa a ceder espaço para outro em que o professor é o mediador, o facilitador e o guia das aprendizagens realizadas pelos estudantes. Por isso, além de produzir sobre uma área do conhecimento específico, cabe ao professor produzir o conhecimento de como ser professor. O importante passa a ser como os conteúdos são entendidos, organizados e integrados em um conjunto significativo de novos conhecimentos e habilidades (ISAIA, 2003). 402 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O pressuposto de que investir na formação do professor e na sua atualização pode ser um fator determinante na melhoria da qualidade da educação, tem estimulado o governo brasileiro a investir nessa área com maior intensidade nos últimos anos. As instituições de ensino superior têm, de certo modo, atentado para a questão da qualidade relacionada à função do professor, mais ainda nas instituições privadas que estão, cada vez mais exigindo qualificação profissional, tanto no momento de contratar novos professores como na permanência destes. No âmbito privado, a melhoria da qualidade do corpo docente (no que tange à formação profissional) se dá de maneira peculiar, pois as instituições podem optar entre investir da formação dos profissionais que já possui ou na contratação de profissionais com maior grau de formação. Além da formação dos professores, outra questão que tange a questão da qualidade do ensino está atrelada à carga de trabalho que concerne a cada um dos profissionais, isto é, as tarefas concretas que são atribuídas aos professores. Segundo Tardif e Lessard (2002), a carga de trabalho dos professores pode ser analisada de um ponto de vista “administrativo”, definida em conteúdos e duração pela organização escolar em função das normas oficiais (leis, decretos, etc.); e do ponto de vista das exigências reais do trabalho cotidiano. Segundo esses autores, as “condições de trabalho” dos professores são as variáveis que permitem caracterizar as dimensões quantitativas do ensino (tempo de trabalho diário, semanal, anual, número de horas de presença obrigatória em classe, o salário, etc). Essas variáveis, segundo esses autores, servem para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido, assim como para contabilizar, avaliar e remunerar o trabalho docente. Essas mesmas variáveis são utilizadas por organismos como a OCDE e a UNESCO para fazer comparações entre docentes de diferentes países. Entretanto, entendemos que “a análise do trabalho docente não pode limitar-se a descrever condições oficiais, mas deve empenhar-se em demonstrar como os professores lidam com elas, se as assumem e as transformações em recursos em função de suas necessidades profissionais e de seu contexto cotidiano de trabalho com os alunos” (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112). O trabalho dos professores é desenvolvido por regras administrativas, mas depende também do envolvimento do professor com sua profissão. Como muitas ocupações desse gênero, semiprofissionais, relativamente autônomas, baseadas em relações humanas e que exigem um envolvimento pessoal do trabalhador, principalmente no plano afetivo, a docência é um trabalho de 403 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores limites imprecisos e variáveis de acordo com os indivíduos e as circunstâncias (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112). Desse modo, a noção de “carga de trabalho” é complexa, pois abrange vários fenômenos e elementos nem sempre quantificáveis. Tardif e Lessard (2002) apontam os fatores que devem ser considerados na determinação da carga de trabalho dos professores: Fatores materiais e ambientais, como a natureza dos lugares de trabalho e os recursos materiais disponíveis. [...]. - Fatores sociais como a localização da escola,5 a situação socioeconômica dos alunos e de sua família [...]. - Fatores ligados ao “objeto de trabalho”, tais como o tamanho das turmas, a diversidade das clientelas, a presença de alunos com necessidades especiais [...]. - Fenômenos resultantes da organização do trabalho: o tempo de trabalho, o número de matérias a dar, o vínculo empregatício, a diversidade das outras tarefas além do ensino, as atividades à noite, nos fins de semana, nas férias, etc. Exigências formais ou burocráticas a cumprir: observância dos horários, avaliação dos alunos, atendimento aos pais, reuniões obrigatórias, tarefas administrativas, etc. - Enfim, há ainda os modos como os professores lidam com esses fenômenos e as estratégias que eles elaboram para assumi-los ou evitá-los. Aqui temos que levar em conta a idade e o tempo de profissão dos professores, sua experiência, como eles enxergam seu papel e sua missão, seu sexo, pois as mulheres, que são a maioria do corpo docente, muitas vezes têm que encarar uma dupla tarefa, no trabalho e em casa, etc (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 114). Dessa forma, diante dessa realidade com a qual os professores se defrontam, podemos ainda falar em “carga mental” de trabalho que é resultado de dois fatores complementares: a natureza das exigências objetivamente exercidas pela tarefa e as estratégias adotadas pelos atores para adaptar-se a elas. 3. Funções Qualidade docentes como Indicadores de A partir dos pressupostos considerados acima, levantamos a questão que nos angustia “como avaliar o professor universitário?”. Entendemos que 5 Neste caso considera-se a localização da IES. 404 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) mecanismos de regulação da profissão docente são necessários, mas devem respeitar a experiência do mestre e levar em conta os processos dinâmicos e interativos da formação contínua, vividos em espaços concretos pelo coletivo que constitui esse grupo profissional (LELIS, 2008). O trabalho docente é complexo, por isso sentimos dificuldade em poder avaliar a sua qualidade, pois ele é tecido por muitos fios, alguns de origem prática e visível, outros de origem subjetiva e complexa. Dessa forma, entendemos a avaliação do trabalho docente como algo subjetivo e, portanto, não passível de padronização, pois se entendemos o professor como profissional e pessoa, o que é padronizável está no nível profissional (que é o mais palpável), porém no nível pessoal não há como padronizar nem como interpretar de maneira completa quem é esse sujeito. No caso da educação superior, enfatizamos a necessidade de que professores e instituições desenvolvam um trabalho articulado e cooperativo. As trajetórias formativas de ambos estão inter-relacionadas e o modo como são vividas e percebidas determina o propósito pessoal/grupal e institucional de transformação e aperfeiçoamento em direção a um ideal formativo comum. Em razão disso, instituições e professores necessitam estar conscientes de suas responsabilidades formativas (Isaia, 2006). Vimos, a partir do desenvolvimento teórico dessa pesquisa, que a questão qualidade não pode ser analisada de forma dissociada da pertinência da educação superior, tendo em vista que a qualidade não é um atributo abstrato e sim que deve ser comparada a outros padrões de referência (LEITE, TUTIKIAN, HOLZ, 2000). A partir dos conceitos e visões de qualidade discutidos em nossa pesquisa, podemos observar que a proposição de indicadores que possam medir qualidade da educação é um tanto complexa, pois há a necessidade de haver coerência entre o conceito de qualidade adotado pela instituição responsável pela mensuração da qualidade e os indicadores por ela propostos. Como podemos ver durante a pesquisa, o INEP considera qualidade como um conceito dinâmico e os indicadores de qualidade teriam a função de colaborar na avaliação e melhoria da qualidade da educação. Dessa forma, retomamos os dois princípios que caracterizam a definição de qualidade na educação para a UNESCO/INEP: o primeiro trata do desenvolvimento cognitivo dos alunos e o segundo trata da promoção de atitudes e valores de cidadania. A questão que nos colocamos no final deste trabalho é: como está estabelecida a relação dos indicadores de função docente (grau de formação, regime de trabalho e sexo) com essa concepção de qualidade considerada pela Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 405 instituição que faz a avaliação da qualidade da educação superior em nosso país? Esse questionamento é reforçado pela nossa constatação da falta de indicadores que dêem conta da qualidade das funções docentes, conforme visto no decorrer desse trabalho. Constatamos essa carência de indicadores por termos uma concepção de que a qualidade da docência superior abarca muito mais do que o grau de formação, o regime de trabalho e o sexo dos professores. Entretanto, entendemos que “a análise do trabalho docente não pode limitar-se a descrever condições oficiais, mas deve empenhar-se em demonstrar como os professores lidam com elas, se as assumem e as transformações em recursos em função de suas necessidades profissionais e de seu contexto cotidiano de trabalho com os alunos” (TARDIF; LESSARD, 2002 p. 112). De acordo com Scremin, Aimi e Isaia (2010), a noção de “carga de trabalho” é complexa pois abrange vários fenômenos e elementos nem sempre quantificáveis. Figura 1: Relações entre trabalho docente e qualidade da educação. Slide de Apresentação XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - SCREMIN, AIMI, ISAIA (2010). Nesse mesmo trabalho, Scremin, Aimi e Isaia (2010) estabelecem algumas relações entre a qualidade da educação e as implicações do trabalho docente, conforme o esquema acima: O trabalho docente é complexo, por isso sentimos dificuldade em poder avaliar a sua qualidade, pois ele é tecido por muitos fios, alguns de 406 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) origem prática e visível, outros de origem subjetiva e complexa. Dessa forma, entendemos a avaliação do trabalho docente como algo subjetivo e, portanto, não passível de padronização, pois se entendemos o professor como profissional e pessoa, o que é padronizável está no nível profissional (que é o mais palpável), porém no nível pessoal não há como padronizar nem como interpretar de maneira completa quem é esse sujeito (SCREMIN, AIMI, ISAIA, 2010 p. 11). Outro aspecto importante de salientar é o que o INEP entende por Funções Docentes no plano conceitual e como esse conceito se aplica em termos práticos na formulação dos indicadores de funções docentes. O INEP considera funções docentes como uma função educativa, diretamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem, que exige formação pedagógica e prática de ensino.6 Desse modo, podemos compreender o indicador de função docente denominado Grau de Formação, pois esse, como vimos anteriormente, exige certa formação para a docência superior, no entanto não estabelece a formação pedagógica como requisito no processo formativo docente. Remetemo-nos, assim, aos nossos referenciais teóricos que tratam justamente da formação para a docência superior balizada por uma formação na área específica de ensino atrelada a uma formação pedagógica em sentido mais amplo. Desse modo, voltamos nossos olhares para a discussão da qualidade do processo formativo do professor universitário que se caracteriza, segundo Isaia e Bolzan (2008) por um “processo sistemático, organizado e autoreflexivo” (p. 513). Ainda de acordo com essas autoras, a qualidade do processo formativo precisa considerar a especificidade própria da educação superior, compreendendo seu estatuto epistemológico e metodológico que é qualitativamente diferente da educação básica. Ainda considerando o conceito de funções docentes proposto pelo INEP, resgatamos o indicador de regime de trabalho que possibilita um panorama sobre as condições de trabalho dos docentes nas IES públicas e privadas do país, no entanto não está abarcado no conceito proposto anteriormente. O regime de trabalho dos docentes universitários, sem dúvida, demonstra as condições de trabalho com as quais se deparam os professores, principalmente das IES privadas. Muitas vezes com uma carga de trabalho muito grande o que impossibilita um processo de ensino-aprendizagem aliado a um processo de reflexão contínua por parte do docente. 6 fonte: http//:www.inep.gov.br/thesaurus Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 407 Quanto ao indicador sexo, que se constitui como um questionamento nessa pesquisa, pois, resgatamos os conceitos de indicadores de qualidade e de funções docentes para que possibilitassem maior entendimento sobre os dados que encontramos. No entanto, consideramos o indicador sexo como um levantamento diagnóstico sobre a situação do quadro docente do ensino superior, entretanto, entendemos que ele não define atributos de qualidade. Resgatando o nosso objetivo central dessa pesquisa de traçar um perfil institucional/docente de professores do ensino superior em universidades privadas brasileiras, quanto às funções docentes, encontramos o seguinte: - No decorrer dos três anos analisados, podemos percebemos que a maioria dos professores, tanto nas particulares como nas comunitárias, confessionais e filantrópicas tem a formação de mestre; aumentou o nível de formação dos docentes para a atuação na profissão de um ano para o outro. Este fato pode ser entendido, tanto a partir de contratações de docentes mais qualificados, como pela busca da pós-graduação por parte dos professores já empregados. Como já explicitamos anteriormente, a dinâmica de contratações possível nas IES privadas possibilita um aumento muito rápido do nível de formação do seu quadro de professores, dessa forma, chamamos a atenção para a situação do docente que trabalha sem estabilidade, isto é, com a possibilidade da demissão constantemente em sua vida; - Os professores das universidades privadas brasileiras são, em sua maioria contratados sob um regime de trabalho horista, o que permite a esses docentes a dedicação para a docência em diversas instituições, pois segundo o Cadastro Nacional de Docentes de 2005.1, embora em média 86,3% ministrem aulas em apenas uma IES, é significativo registrar que a) 31.514 docentes atuam em mais de uma instituição; b) 4.840 atuam em três ou mais de três IES; e c) 730 docentes atuam em quatro ou mais instituições. Esse regime de trabalho nos indica também uma realidade desse profissional que tem uma relação com a qualidade do trabalho que ele desempenha, pois o professor se transforma em um mero “tarefeiro” que não tem tempo de refletir nem sobre a sua prática docente, nem sobre as suas condições de trabalho; - Esses professores são, em sua maioria, do sexo masculino. Ainda que a predominância sobre o sexo feminino não seja expressiva, o ambiente da universidade acaba retransmitindo experiências e obstáculos que homens e mulheres enfrentam na sociedade em geral. 408 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Considerações Finais Sendo assim, nos permitimos concluir que os indicadores de qualidade da educação são estabelecidos mais fortemente, a partir de matizes políticas que levam em conta a necessidade de regulação, mais do que a avaliação como instrumento para a melhoria da qualidade do ensino oferecido, com indicadores estabelecidos a partir de correntes teóricas coerentes. Dessa forma, segundo Morosini (2004), frente a um Estado regulador, surge essa tendência isomórfica, nos processos de avaliação o que leva as instituições a se expressarem através da produção científica. Assim, o mecanismo de avaliação é suplementado por uma série de outras informações que podem ser obtidas através de agências de fomento, revistas renomadas, programas de ensino e pesquisa financiados, assim como pela avaliação dos pesquisadores das IES. Entendemos, ainda, que todos os processos de avaliação pelos quais a educação está sujeita a passar, ainda não consideram a dimensão pessoal dos sujeitos envolvidos nos processos educativos. Pois, basicamente, estamos tratando de professores e alunos, e as preocupações da avaliação, seja ela voltada para a regulação ou para a melhoria efetiva da qualidade, precisam ser pautadas em princípios humanos. A partir dos achados teóricos e das concepções sobre funções docentes, entendemos que os três indicadores que representam as “Funções Docentes” são demasiadamente rudimentares quando comparados à complexidade exposta no conceito que o INEP adota para esse indicador. Desse modo, os indicadores de qualidade da educação superior brasileira podem tentar avaliar a dimensão profissional docente, mas não as pessoas efetivamente envolvidas, tendo em vista a sua subjetividade. Sendo assim, os indicadores de função docente (Regime de trabalho, grau de formação e sexo) têm uma contribuição que é parcial sobre a avaliação da qualidade do trabalho do professor. Entendemos ainda que esses indicadores, quando interpretados deixam lacunas no entendimento sobre o que é válido em termos de avaliação da educação superior e o que não é. Como podemos ver anteriormente, em nossa pesquisa, a avaliação em nosso país está pautada em um modelo de universidade pública e federal, e esse modelo muitas vezes não condiz com a grande maioria das instituições de ensino superior que temos. Como vimos, as IES privadas são em maior número em nosso país, justamente para atender a uma demanda de alunos que são excluídos do ensino público. Dessa forma, reforçamos o argumento de que o sistema de avaliação precisa ter uma base comum que seriam os indicadores quantitativos e Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 409 uma parte qualitativa que vai estabelecer se determinada instituição tem qualidade levando em conta seu contexto, e a realidade da comunidade em que está inserida. Sabemos, por exemplo, que há regiões de nosso país que a possibilidade de formação universitária é algo distante da maioria da população, logo, um professor que tenha o grau de especialização poderá, sem dúvida compor o quadro de docentes de uma IES local e oferecer certa qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Já em locais considerados centros de excelência em ensino e pesquisa, obviamente o grau de formação dos professores da instituição serão os mais altos. Com isso, não queremos negar uma educação de qualidade para algumas comunidades, mas sim valorizar as IES dentro das suas especificidades. A proposição de novos indicadores de qualidade para a educação superior, obviamente é um desafio, pois acreditamos que a educação que é um processo qualitativo, não pode ser avaliada por critérios unicamente quantitativos. Desse modo, acreditamos que a avaliação da qualidade da educação superior poderia ser, de fato, melhorada, a partir do acréscimo de informações qualitativas ao sistema de coleta de informações. Poderiam ser criados indicadores subdivididos em quantitativos (objetivando um diagnóstico) e qualitativos (objetivando as especificidades individuais e institucionais). Não desconsideramos, de forma alguma, a importância dos dados quantitativos para essa avaliação, tendo em vista que eles se constituem como instrumentos eficientes no levantamento diagnóstico sobre a situação da nossa educação superior. No entanto, acrescentaríamos indicadores qualitativos justamente com o objetivo de desvendar, de forma mais específica, quem são as instituições as quais estamos avaliando, em que contexto estão inseridas, assim como, quem são os professores e alunos que nelas estão. Sendo assim, por considerarmos que os sistemas de indicadores têm sido um dos instrumentos mais importantes e utilizados em âmbito mundial para estudar e analisar o desenvolvimento, o desempenho e a qualidade dos sistemas nacionais de educação, é que desenvolvemos este estudo com o intuito de preservar as ações com resultados positivos e propor mudanças, quando necessárias, no âmbito da avaliação da qualidade dos sistemas de educação. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: http://www.cefetce.br/Ensino/Cursos/Medio/Lei.htm 410 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) ISAIA, S. M de A; BOLZAN, D. P. V.. Formação docente: em busca de indicadores de qualidade. In: AUDY, J. L. N.; MOROSINI, M. C. (Orgs.) Inovação e qualidade na universidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. ISAIA, S. M. de A. Desafios à docência superior: pressupostos a considerar. 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Universidade: políticas, avaliação e trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2004. RIES – (Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior) Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira - Edital nº. 001/2006/INEP/CAPES – 2006. SCREMIN, G. et al. Trabalho docente como possibilidade formativa: reflexos na qualidade da educação. In: ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010. VASCONCELOS, Maria Lucia M. de Carvalho. A formação do professor do ensino superior. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000. ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. 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A problemática do texto decorreu de procedimentos metodológicos mais amplos que permitiram uma discussão sobre o trabalho docente com professores substitutos, que permitindo inferir condições de qualificação deste trabalho. Neste sentido a investigação como um todo envolveu dois questionamentos: Qual a realidade dos professores substitutos das IFES da região Sul do Brasil?3 Como ser professor substituto contribui para a formação docente. A primeira, de cunho geral, delineou o contexto em que a docência ocorre; a segunda, de caráter mais específico, levantou questões sobre o processo formativo de ser professor. Para tanto se utilizou os dados fornecidos pelas universidades estudadas envolvendo os anos de 2006 a 2008 e questionários semi-estruturados para 45 sujeitos que aceitaram colaborar com a pesquisa. A partir dos achados foi possível fazer inferências à qualificação do trabalho docente de professores substitutos. Buscou-se, no decorrer deste trabalho, refletir sobre as ações que a atividade de professor substituto Pedagoga; Especialista em Gestão Educacional; Mestre em Educação; Professora Tutora a Distância do Curso de Pedagogia Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Participante do Grupo de Pesquisa Trajetórias de Formação (GTFORMA) e do Observatório da Educação CAPES/INEP. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação; Professora do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e Matemática e Coordenadora Grupo de Pesquisas Trajetórias de Formação (GTFORMA) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Professora Pesquisadora da UNIFRA, BOLSISTA Produtividade do CNPq, Coordenadora da RIES na UFSM, Membro do PRONEX – CNPq/FAPERGS e do Observatório da Educação CAPES/INEP. 3 A Universidade Federal do Pampa não foi incluída neste estudo por ter sido federalizada em 2008, bem como, a Universidade Federal da Fronteira Sul, por ter sido implantada no ano de 2009. 1 412 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) envolve, analisando se essa experiência pedagógica auxilia no aprimoramento e desenvolvimento do trabalho docente. Parte-se do pressuposto de que o trabalho docente compreende não só o que envolve o ensino e aprendizagem, mas, ainda, a participação do professor no planejamento das atividades, na elaboração de propostas político-pedagógicas, incluindo formas coletivas de realização do trabalho e articulação da universidade com a comunidade. Sendo assim, a qualificação do trabalho docente envolve a reflexão e a expressão dos docentes acerca de sua realidade de trabalho e das relações sociais que a compõem. O trabalho docente e a qualidade da educação A problemática do trabalho docente e a qualidade da educação, no ensino superior, envolvem uma série de questões, que vão desde a formação inicial, passando pela discussão das condições de trabalho apresentadas pela instituição e de como esses sujeitos são avaliados, ou seja, como o instrumento de avaliação é organizado e com que objetivo é proposto. Porem, neste artigo propõe-se discutir especificadamente, a partir dos dados levantados o que qualifica o trabalho docente dos professores substitutos do Sul do Brasil. Para isso, parte-se do questionamento: o que é considerado como qualidade educacional nos dias de hoje? Essa pergunta pode ter muitas respostas, mas, como se vive em um mesmo país e tempo histórico, é provável que muitas concepções sejam semelhantes. Um ensino de qualidade, para muitas pessoas, é aquele no qual os alunos tenham condições de aprender as necessidades básicas para sua vida e profissão, o convívio em sociedade e noções do trabalho em grupo. Qualidade, por tanto, é um conceito dinâmico e depende das necessidades socioculturais da comunidade, por isso é reconstruído constantemente. Como mostra o Projeto Observatório - Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira, 2006, qualidade é: Um processo é um produto, um registro da memória coletiva de um sistema ou de uma única instituição. É um exercício de reflexão e auto-reflexão, de matematização e abstração de indicadores tomados em base concreta. Resultado de um processo interativo envolvendo vários atores de diferentes visões disciplinares para construir um determinado percurso que visa tornar o futuro presente (Projeto: RIES – Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 413 – Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira - Edital n. 001/2006/INEP/CAPES – 2006). Com isso, percebe-se que a qualidade de um processo educativo não pode ser mensurada num único momento, ou sob uma só medida. Nota-se que qualidade nos remete a uma ideia de comparação, pois só poderemos dizer se um objeto possui qualidade ou não se comparado a outro. De forma geral, a qualidade educacional vem sendo mensurada de modo a explicitar um juízo de valor e mérito (AIMI; SCREMIN; ISAIA, 2009). Sendo assim, compartilha-se, neste artigo, do conceito de qualidade de Isaia e Bolzan (2008, p. 511) “processo multifacetário, envolvendo questões de ordem teórica, profissional, atitudinal, valorativa e contextual, sociocultural e política”. Ou seja, atribuí-se maior importância para os indicadores qualitativos, pois esses estão presentes durante todo o processo de docência. Por sua vez, o trabalho docente é permeado por teoria e ações práticas e requer reflexão teórica-prática permanente, aprofundamento e formação continuada. Sua complexidade envolve a interação com alunos e colegas, planejamento e gestão educacional do ensino, avaliação, transformações curriculares, etc... Neste sentido, conforme (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 8) a docência é “...uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no mundo fundamental da interação humana”. Por isto o trabalho docente torna-se complexo e interativo e em constante estado de tensão frente aos desafios impostos pela sociedade atual, cada vez mais contraditória e complexa, que pressiona as instituições educativas e os professores para que se transformem e adquiram novas competências, levando os alunos a saberem lidar com uma avalanche de informações e mídias que os afetam a todo instante. O aprendizado sobre o trabalho docente começa por uma escolarização, que serve para dar os primeiros subsídios teóricos e técnicos sobre a profissão. Porém, mesmo assim, a formação tem de ser completada com a prática, ou seja, uma experiência direta e refletida sobre a atuação docente. Experiência esta que garante ao professor se familiarizar com o ambiente e assimilar progressivamente os saberes necessários à realização de sua profissão. Essa aprendizagem torna-se mais concreta à medida que assume a forma de relação entre diferentes gerações pedagógicas.4 4 Conjunto de professores que se situam em uma mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores, crenças, convicções e estilos próprios de entender e viver a docência. O contexto da educação superior compreende uma multiplicidade de gerações pedagógicas que não só se sucedem, mas se entrelaçam em um 414 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Assim a relação entre pares passa a constituir-se em condicionante à formação para a docência e a qualidade do trabalho do professor. O pressuposto de que investir na formação do professor e na sua atualização pode ser um fator determinante na melhoria da qualidade da educação, tem incentivado o governo brasileiro a investir nessa área com maior intensidade nos últimos anos (SCREMIN, AIMI E ISAIA, 2010). Moran et al., (2000, p. 14), defendem que o ensino de qualidade envolve muitas variáveis e entre elas pode-se citar: − Organização inovadora, aberta, com um projeto pedagógico coerente, dinâmico, participativo e inovador; − Infra-estrutura adequada, atualizada, confortável; − Tecnologias acessíveis, disponíveis e adequadas; − Profissionais preparados intelectual, emocional, comunicacional e eticamente − Condições de trabalho adequadas para estes profissionais, com remuneração condizente com sua responsabilidade formativa; − Tempo para os profissionais, pesquisarem e estudarem. Além destes fatores as instituições de ensino superior têm atentado para a questão da qualidade relacionada à qualificação do professor. Percebe-se que cada vez mais as instituições públicas e privadas estão exigindo uma maior qualificação profissional dos seus docentes, contudo a questão que se coloca é sobre o que elas entendem por qualificação. Produção e titulação bastam para a qualificação do trabalho docente? Outro fator que baliza a questão da qualidade do ensino relacionase com a carga de trabalho que cada docente se envolve, isto é, as tarefas concretas que são atribuídas aos professores. Segundo Tardif e Lessard (2002), a carga de trabalho dos professores pode ser analisada de um ponto de vista “administrativo”, definida em conteúdos e duração pela organização escolar em função das normas oficiais; e do ponto de vista das exigências reais do trabalho cotidiano. Segundo esses autores, as “condições de trabalho” são tidas como variáveis que possibilitam descrever as dimensões quantitativas do ensino, sendo que elas servem para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido, assim como para contabilizar, avaliar e remunerar o trabalho docente. mesmo percurso histórico, possuindo, contudo, modos diferenciados de participação, interação e compreensão na trajetória formativa a ser empreendida pelos professores e a instituição em que atuam. (ISAIA, 2006, p.368) Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 415 O trabalho dos professores é regido por regras administrativas, mas depende também do envolvimento do professor com sua profissão. Isso porque, a docência é um trabalho de limites imprecisos e variáveis que se transformam dependendo dos indivíduos e das circunstâncias (TARDIF; LESSARD, 2002). Sendo assim, a tarefa de “medir” a “carga de trabalho” docente transformase numa tarefa complicada de ser quantificada. Tardif e Lessard (2002) apontam os fatores que devem ser considerados na determinação da carga de trabalho dos professores, entre eles encontram-se os fatores materiais e ambientais, os fatores sociais, os fatores ligados ao “objeto de trabalho”, os fenômenos resultantes da organização de trabalho e as exigências burocráticas. Percebe-se assim, que o trabalho docente é complexo, pois ele é tecido por muitos fios, alguns de origem prática e visível, outros de origem subjetiva e complexa. Dessa forma, entende-se que qualquer tipo de avaliação realizada acerca do trabalho docente não deve ser padronizada, acima de tudo, porque o professor antes de ser um profissional é uma pessoa, o que é padronizável está no nível profissional (que é o mais palpável), porém no nível pessoal não há como padronizar nem como interpretar de maneira completa quem é esse sujeito. Com base nesta concepção é que se buscou estabelecer as relações entre a prática vivenciada pelos professores substitutos, aqui estudados, e a qualificação do trabalho docente. Os caminhos traçados com a teoria e a prática A primeira variável relacionada à qualificação docente dos professores substitutos diz respeito à titulação com a qual os docentes são contratados pelas instituições de ensino (Gráfico 1). Sendo assim, encontrou-se uma grande maioria de professores substitutos com a titulação de graduado ou mestre, essa característica mostra como é importante essa experiência para os professores que estão iniciando seu aprendizado docente. Fica claro, que a busca pela docência temporária é um meio de aprender a ser professor, indo ao encontro das idéias de Pimenta (2002) quando diz que o professor precisa ser formado. Entende-se que a experiência como professor, substituto, constitui-se em uma das maneiras de formar-se como docente. Para continuar com a carreira docente e chegar à universidade o professor substituto pode lançar mão da contratação temporária. 416 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Gráfico 1 - Docentes substitutos por grau de titulação.5 Existem movimentos construtivos prévios à carreira docente (ISAIA 2001, 2006, 2010), experiências de natureza diversas, desde a iniciação cientifica até o ensino superior, desenvolvido na figura do professor substituto. Muitos professores dão-se conta que não possuem experiência em docência, com o término da graduação ou mestrado e percebendo sua inclinação para a docência, buscam a aprovação em concursos como professores substitutos. Isso mostra que os docentes sentem a necessidade de formação que os remeta à possibilidade de saber fazer, ou seja, aos poucos ir se apropriando das atividades específicas da profissão professor. Já com relação à amostra final, dos 45 professores participantes da pesquisa, 51% dos sujeitos, possuíam a idade de 26 a 30 anos. Sendo assim, percebe-se que a maioria dos professores substitutos são recém formados, de graduação ou pós-graduação, que buscam uma experiência profissional, ou seja, o primeiro emprego. Esses docentes sentem a necessidade de prática docente para qualificar o trabalho docente, pois como explicitam Isaia e Bolzan (2006, p. 2), “A formação inicial, tem sido considerada pelos professores muito teórica, pouco prática, muito afastada da sala de aula”. Os professores substitutos buscam, com essa experiência, o que não lhes foi explicado, aprendizagem que só ocorrerá com a prática. Porém, essa experiência docente somente torna-se uma possibilidade de formação, quando o sujeito compartilha, reflete e compreenda os movimentos produzidos pela docência durante sua trajetória (ISAIA; BOLZAN, 2009). Uma das variáveis que reflete na qualidade do trabalho docente referese ao regime de trabalho do professor substituto, durante o exercício do Salienta-se que esse dado refere-se à soma total dos docentes estudados, ou seja, a todos os professores substitutos da Região Sul do País durante os anos de 2006 a 2008. 5 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 417 contrato (Gráfico 2). Os números mostram que 67% dos professores substitutos são contratados em 40 horas semanais e somente 33% em 20 horas. Esses números ao mesmo tempo em que representam a grande falta de docentes nas universidades, representam também a super utilização e falta de cuidado didático com os docentes iniciantes. Gráfico 2 - Regime de trabalho durante o contrato de professor substituto. Gráfico 3 - Carga horária semanal em sala de aula. No que se refere ao regime semanal de horas/aula, constatou-se que 49% dos participantes da pesquisa, tiveram um regime semestral de 12 a 18 horas/aula e que, especificadamente, 25% tiveram 16 a 18 horas/aula semanais (Gráfico 3). Esses números mostram que todos os docentes com 40 horas de contrato se envolveram com um número maior de horas, do que o previsto por leis, criadas pelas próprias universidades. Outro dado que mostra a precariedade das relações de trabalho dos professores substitutos, é o referente ao número de disciplinas ministradas durante o contrato. Dos sujeitos participantes da pesquisa, 40% atuaram de 4 a 6 disciplinas, 27% de 7 a 9 disciplinas, apenas 20% atuaram de 1 a 3 disciplinas e 13% dos sujeitos atuaram em mais de 9 disciplinas. Fica claro que, os professores substitutos acabam com uma carga horária muito grande, isso limita suas 418 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) atividades exclusivamente ao ensino, mesmo esses sendo profissionais muito bem qualificados (lembrando que 64% dos sujeitos da pesquisa são mestres), e sua contratação indiscriminada afeta o desenvolvimento da pesquisa e da extensão (KOEHLER, 2006). Ainda com relação às disciplinas ministradas, percebe-se que muitos professores substitutos atuam em mais disciplinas, das que constam no edital. Além, disso, 51% dos professores participantes da pesquisa, informaram que atuaram em cursos diferentes dos que constava no edital de seleção. Sendo que, dentre esses 27% atuaram em mais de 3 cursos diferentes, 29% em mais de 2, 13% em mais de 4 e 5 cursos, perspectivamente, 7% em mais de 6 e apenas 9% em apenas um curso. Quando analisados os dados referentes às atividades acadêmicas desenvolvidas pelos professores, além da docência encontra-se que 35% dos docentes não se envolveram em nenhuma atividade, além da docência. E em 21% e 20% realizaram orientação de trabalho de conclusão de curso e orientação de estágio profissional, respectivamente, ou seja, atividades relacionadas à docência, sendo que apenas 10% dos sujeitos orientaram projetos de pesquisa, uma excepcionalidade nas instituições, uma vez que o regulamento para o professor substituto prevê a exclusividade do ensino. Gráfico 18 - Atividades desenvolvidas na IES, além da docência. Um percentual que merece atenção especial é o de orientação de projetos de extensão e assessoramento técnico, ambos com 7%. Porém, o dado que chama atenção é que 24% (10% orientação de projetos de pesquisa, 7% orientação de projetos de extensão, e 7% assessoramento técnico) dos sujeitos se envolveram com atividades relacionadas à pesquisa, extensão e trabalhos técnicos, mesmo que a Lei nº. 8.745/93, no artigo 9º, parágrafo 1º, estabelecer que o pessoal contratado não poderá: receber atribuições, funções ou encargos não previstos no respectivo contrato. Percebe-se assim, que existe uma grande contradição, uma vez que o professor substituto atua em outras atividades, porém não é Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 419 estimulado pela legislação, mas mesmo assim elas acontecem sob a cumplicidade das instituições, em especial, dos departamentos de ensino para os quais foram contratados para atuar. Um dos fatores que determina a qualidade de uma aula e, consequentemente, a maturidade e os conhecimentos docentes são os materiais utilizados para o preparo da aula e demais materiais pedagógicos. Nesta questão de pesquisa, solicitou-se que os professores escolhessem duas alternativas, que se adaptassem aos seus modos de produção acadêmica. Sendo assim, 82% dos sujeitos indicaram que produzem suas aulas a partir de livros, 71% através de informações pesquisadas na INTERNET, o mesmo percentual foi encontrado na utilização de artigos em revistas especializadas, 64% utilizam capítulos de livros, 15% de apresentação de encontros científicos, 4% de resultados de conferências e palestras e 6% utilizam outra forma de produção acadêmica. Neste contexto, apropriando-se do termo apreender, cunhado por Pimenta e Anastasiou (2002), entendido no sentido de apropriar-se de um conteúdo, de modo que haja a transformação da informação em conhecimento significativo, questiona-se: no caso dos professores substitutos, com grande carga horária, exercendo várias atividades além da docência, utilizando-se de consultas e contatos via INTERNET, artigos científicos publicados em livros e/ou capítulos de livros, teria ele condições de transformar a informação em conhecimento, como a autora descreve? E, ainda, ele consegue refletir sobre sua prática, agindo assim de forma consciente sobre a aprendizagem do aluno? Acredita-se que é possível, pois mesmo esse docente sendo temporário, ele busca viver ao máximo essa experiência, demonstrando aos alunos o “entusiasmo” docente. Porém, sabe-se que para que isso ocorra, mesmo que um contrato temporário o tenha levado até a docência, ele deve se sentir aceito dentro da instituição, por seus pares e alunos. Outra variável que determina a qualificação do trabalho docente dos professores substitutos refere-se à formação, ou seja, se a mesma forneceu subsídios para a sua atuação, 57% dos professores responderam que sim. Porém, muitos desses docentes alegaram que as disciplinas cursadas em nível de graduação e pós-graduação, é que realmente contribuíram com suas formações, como explicitam PS/34 e PS/23: Sim. As disciplinas que ministrei aula faziam parte de minha formação de graduação (PS/45). 420 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Sim. Porque cursei a maior parte delas tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação (PS/23). Uma grande porcentagem dos sujeitos pesquisados, 42%, responderam que a formação auxiliou em parte, no momento do exercício da docência. Essa resposta confirma os dados encontrados anteriormente, deixando claro que os professores substitutos atuam em áreas distantes da sua formação. Como se percebe nas falas que seguem: Em parte. Porque atuei em cursos que não fizeram parte de minha formação a graduação (PS/37). Em parte. Sou graduada em nutrição e tenho conhecimento de ciências básicas da saúde, mas tive de lecionar para medicina veterinária que requer conhecimentos bastante específicos para as diferentes espécies de animais domésticos (PS/43). Em parte. Sou graduada arquitetura e tive de dar aulas para a engenharia, o que requeria conhecimentos bastante específicos na engenharia. Tive de realizar muitos estudos específicos sobre esse curso (PS/24). Outros sujeitos, já desenvolveram uma maior consciência sobre a docência, percebem que a atividade docente é complexa passando a exigir maior maturidade e comprometimento, como fala o PS/14, Em parte. Pois o curso apresentava os conteúdos de forma superficial, e eu não possuía maturidade para estudar conteúdos por fora. Por isso tive de estudar muitas coisas no momento que fui dar aulas. Percebe-se que o principal foco de angustia docente é a centração no conteúdo especifico da disciplina. Esses docentes consideram que a qualidade pedagógico-didática virá juntamente com o pleno domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado, ao mesmo tempo em que, percebem que essa qualidade vai sendo adquirida ao longo da própria prática docente. Esse processo pode ser chamado de consciência da docência e perfaz o processo formativo que os professores iniciantes constroem. Sendo assim, esse processo implica na tomada de consciência da especificidade da docência superior, considerando o conhecimento do conteúdo específico, ou seja, conceitos básicos de determinada área que implica no modo de compreender seu processo de construção e de como (ISAIA; BOLZAN, 2009). Mas este professor precisa dar-se conta de que além de possuir um conhecimento consistente de sua área específica, necessita compreender o modo como seus alunos aprendem e de que Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 421 forma podem ser auxiliados neste processo. Tal consciência pode mobilizar movimentos de reorganização do trabalho pedagógico da aula universitária. Dessa forma o docente não está apenas preocupado em dominar conhecimentos, saberes, fazeres de determinado campo, mas estar em sintonia com as demandas pessoais e profissionais dele e de seus alunos. (ISAIA 2010) Partilha-se da idéia de Cunha (1989), que existe entre o aluno e o professor um jogo de expectativas relacionadas aos respectivos desempenhos, há certo consenso sobre os comportamentos que os discentes esperam dos professores. Com relação aos requisitos mais citados pelos sujeitos participantes da pesquisa para ser um bom professor universitário, encontrou-se: como requisito principal o domínio do conteúdo (42,25%), após a formação pedagógica (24,4%), a vocação para a profissão docente (22,2%), a experiência prática na área de formação (15,5%) e a experiência docente (11,1%). O que confirma a primazia do conhecimento específico, considerada também, como uma marca dos professores iniciantes. Os professores com mais experiência também apresentam essa característica, porém com menos intensidade. Esse conhecimento, que os professores tanto valorizam, diz respeito aos conhecimentos sobre a matéria a ser ensinada, ou seja, elementos conceituais e organizacionais dos conteúdos, informações e definições das disciplinas ministradas (ISAIA; BOLZAN, 2009). Partindo do pressuposto que, os professores do ensino superior constroem-se ao longo de suas trajetórias formativas, a experiência como docente substituto se não marca o início, sem dúvida alguma contribui para essa trajetória. Essa afirmativa confirma-se na fala de 100% dos sujeitos estudados, como fica evidenciado pelo professor PS/08, O exercício da profissão de professor efetivo nas Universidades deveria ter como pré-requisito a atividade de professor substituto. Uma forma gradual de entrada do profissional em atividade docente permitiria habilitar melhor os professores, uma vez que existem muitas reclamações dos alunos [...] A atividade de professor substituto contribuiu decisivamente como primeira e proveitosa experiência em minha formação para a carreira de docente, colocando-me frente a frente com a situação real que provavelmente serei submetido no futuro. Embora que eu ainda possa não seguir a carreira docente, as demais atividades profissionais que o mercado de trabalho tem exigido contemplam em grande parte o que um professor substituto enfrenta durante o cumprimento do contrato (PS/08). A fala deste professor evidência como foi marcante, para sua trajetória, a experiência como professor substituto. Sendo que, esse processo não envolve 422 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) apenas o docente substituto, mas implica na trajetória formativa dos outros professores e alunos, com seus respectivos processos de aprender e com as diferentes oportunidades de desenvolvimento profissional docente daí resultantes. Essa experiência marca o percurso docente,6 e no decorrer dessa trajetória o professor forma-se e transforma-se, através da interação com os grupos que lhe são significativos, esses grupos podem ser formados por alunos, colegas ou pelos demais integrantes da comunidade educativa (ISAIA, 2006). O professor PS/09 e PS/43 salientam ainda que, Sim. Acredito que minha atuação na universidade foi fundamental para o meu crescimento pessoal e profissional, bem como para o aprofundamento no conteúdo ministrado (PS/09). Sim. Pois possibilitou o meu crescimento pessoal e profissional, possibilitando meu amadurecimento e aumentando as chances de ser um docente do ensino superior (PS/43). Apesar da maior tônica na área específica de conhecimento os profissionais que atuam como substitutos buscam os conhecimentos didáticos específicos de cada disciplina, demonstrando sua implicação com o processo formativo. Desse modo, estes sujeitos também sentem-se responsáveis pela formação de futuros profissionais. Esta característica também foi muito encontrada, como podemos observar na fala dos seguintes professores, Sim. Porque essa experiência traz consigo a necessidade de um constante estudo e reflexão, pois sou responsável pela formação de futuros formadores o que fez eu crescer muito profissionalmente e pessoalmente (PS/28). Sim. A oportunidade de ser professor da universidade é uma experiência singular, pois nos coloca como responsáveis pela formação de outros profissionais e isso faz com que as nossas preocupações com a formação dos alunos seja maior (PS/35). Deste modo, observa-se que esses docentes encontram-se conscientes da necessidade de que suas aulas tenham qualidade e potencial de aprendizagem, visto que atuam como professores formadores de outros profissionais. 6 O percurso docente é, concebido como um processo complexo que envolve momentos de crises, recuos, avanços, descontinuidades e relativa estabilidade, representativos das mudanças ocorridas, tanto no plano pessoal quanto profissional. (RIEGEL, 1979; ERIKSON, 1998; HUBERMAN, 1989). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 423 Partindo para as preocupações pedagógicas encontradas pelos docentes durante a realização do contrato, é possível evidenciar-se os seguintes destaques: organização e o domínio de conteúdo, a falta de tempo para planejar, corrigir trabalhos e organizar as matérias, a organização didática, a organização de planejamento, as relações interpessoais e as formas de avaliação. Chama a atenção o fato de que, mesmo os professores substitutos tendo encontrado muitas dificuldades durante seus contratos, muitos ainda apresentam sentimentos positivos com relação à experiência e explicitam o desejo de continuar atuando neste nível, mesmo como substitutos novamente. Esse sentimento relaciona-se principalmente ao fato dos mesmos terem sido reconhecidos como docentes, pelos seus pares e alunos. Observa-se isso, quando solicitado aos docentes, determinar quais as situações que mais lhes marcaram durante a atuação como professor substituto. A importância dessa aceitação é expressa pela fala de muitos deles, A boa receptividade às minhas aulas (PS/12). Houve algumas situações em que os alunos vieram elogiar a minha aula, avaliando-a muito bem, fiquei muito feliz (PS/18). Crescimento profissional dos alunos; meu amadurecimento docente (PS/27). Ter recebido uma festa surpresa dos meus alunos no final do semestre (PS/32). Reconhecimento pelo trabalho por parte dos colegas (PS/34). Ser homenageada pela turma de formandos; ser vista como docente de uma instituição federal (PS/34). E quanto às impressões negativas? Elas existem sim, como em todo ser humano dotado de percepções, os professores substitutos expressaram algumas, como podemos perceber a seguir, Pouco tempo para a preparação e o planejamento das aulas; dificuldades de relacionamento com professores antigos; funcionários ausentes (PS/03). Grande falta de equipamentos e infra-estrutura física; ter avaliação positiva dos alunos no final de cada semestre (PS/06). 424 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Falta de recursos para dar aos alunos um ensino de qualidade; relação amigável com os alunos, orientando-os e dando conselhos para atuar em alguma área de interesse (PS/10). Excesso de disciplinas ministradas; relação positiva com os alunos e professores (PS/19). Carga horária elevada e remuneração desproporcional; contato com alunos e colegas professores (PS/37). Nota-se que, com a exceção do PS/03, todos os professores substitutos, quando exteriorizaram algum tipo de impressão negativa, logo em seguida explicitaram uma positiva. Os sentimentos apresentados, não demonstram ter prejudicado a satisfação e contentamento desses sujeitos com o trabalho docente. Isso porque, este se constitui de uma atividade que liga diretamente seres humanos, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente um outro ser humano, e dessa interação surge os mais diversos “resultados” (TARDIF; LESSARD, 2005). Ainda mais quando se vive em um ambiente complexo e interativo, que se encontra em constante estado de tensão devido aos desafios que a sociedade impõe. Paranão finalizar e sim questionar: O que qualifica o trabalho docente do professor substituto? Das análises precedentes, surge uma constatação geral: esses docentes estão se qualificando/construindo como docentes em dinâmicas relacionais, conseguindo produzir conhecimentos, dentro das relações, muitas vezes tensas, construídas dentro da instituição. Ou seja, os fundamentos do ensino são, a um só tempo, existenciais, sociais e pragmáticos. Ressalta-se a importância dessa experiência para os professores substitutos, pois a mesma tem um importante e necessário papel, para a identificação e construção dos conhecimentos, atitudes e convicções desses professores. Percebe-se que o trabalho docente desses sujeitos é permeado por uma busca constante de oportunidades de formação, na medida em que estes sujeitos procuram participar ativamente de todas as atividades que envolvem a instituição de ensino a qual pertencem. A complexidade das relações envolve desde a interação com alunos e colegas, até planejamento e gestão educacional do ensino, avaliação, transformações curriculares, etc... Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 425 Encontrou-se nestes sujeitos, também a consciência acerca da responsabilidade pela formação de futuros profissionais, bem como o compromisso com a cultura acadêmica no qual encontra-se inserido. Em suma, o professor substituto, constrói-se e qualifica seu trabalho docente a partir dessa experiência, e as bases para essa construção não é somente a intelectual, mas também a partir de sua história de vida, constituída de aspectos emocionais, afetivos, pessoais e interpessoais, demarcados Todos os desafios impostos pela sociedade atual, cada vez mais contraditória e complexa, que pressiona as instituições de ensino e os professores para que se transformem e adquiram novas competências, torna-se um fator de auxilio aos professores substitutos na pela possibilidade de desenvolvimento pessoal e profissional. A experiência como professor substituto permite que esses docentes se qualifiquem, através da prática vivenciada, entrelaçada em seus fazeres e saberes pedagógicos e docentes. Evidencia-se assim, que mesmo apesar das limitações impostas pelas condições de trabalho vividas pelos professores substitutos, eles encontram durante seus contratos uma possibilidade concreta de construção e encontro com o trabalho docente. Isso porque, essa experiência representa uma possibilidade concreta de reflexão sobre teorias, produzindo conhecimentos e saberes referentes à docência universitária. Não resta dúvida da importância da qualificação do trabalho docente, que parte da experiência de substituto, para o desenvolvimento futuro do trabalho pedagógico dos professores substitutos, bem como se acredita que os mesmos são capazes de construir novos saberes que os auxiliam no momento de enfrentar as diversas situações que se manifestam no cotidiano institucional. Sendo assim conclua-se que, a experiência como professor substituto em uma instituição de ensino superior, representa uma possibilidade concreta de desenvolvimento e qualificação do trabalho docente. Referências AIMI, D. da S.; et al. O ensino superior e a realidade encontrada pelos seus docentes: O caso dos professores substitutos. VIDYA, Santa Maria, v.28, n. 2, p. 25-35, jul./dez., 2009. CUNHA, M. I. da. Trabalho Docente e Ensino Superior. In: RAYS, Oswaldo Alonso (Org.). Trabalho Pedagógico: realidades e perspectivas. Porto Alegre: Editora Sulina, 1989. 426 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) ISAIA, S. M. de A Desafios à docência Superior: pressupostos a considerar. In: Ristoff, D. e Sevignani, P.(orgs). Docência na Educação Superior. Brasília: Inep/MEC, 2006. ______.Verbetes. In: CUNHA e ISAIA (orgs). Professor da Educação Superior. In: MOROSINI, Marília C. (Org.). Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário vol. 2. 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Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 427 RIES – Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior, Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia & Inovação em Educação. CNPq/ FAPERGS. Indicadores de Qualidade para a Educação Superior Brasileira. Porto Alegre, 2006. SCREMIN, G. et al. Trabalho docente como possibilidade formativa: reflexos na qualidade da educação. In: ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: Elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. QUALIDADE E DISCENTES Cecília Machado Henriques1 Silvia Maria de Aguiar Isaia2 Introdução O s resultados ora expostos são oriundos da pesquisa intitulada “A universidade pública como espaço de formação: um estudo a partir de vozes discentes”, realizada ao longo do curso de mestrado em Educação na Universidade Federal de Santa Maria, cujo objetivo era investigar qual o entendimento dos discentes sobre a formação profissional oferecida na UFSM e sobre a formação de seus docentes. Ao realizar esta pesquisa propomos dar voz aos discentes de graduação para responder a questão que tanto nos envolveu ao longo das discussões sobre formação docente e profissional no Grupo de Pesquisa Trajetórias da Formação – GTFORMA: Qual o entendimento dos discentes sobre a formação profissional oferecida na UFSM, considerando elementos estruturais e organizacionais e a formação de seus docentes? Assim nosso objetivo foi, a partir do olhar discente, saber como a formação docente é percebida pelos alunos e se as práticas docentes realizadas na graduação vão ao encontro dos anseios e exigências deles, principalmente porque a educação superior é constantemente reforçada como elemento essencial na formação de mão-de-obra especializada e apta a lidar com um mundo globalizado e em constante transformação. Nesse sentido, acreditamos ser necessário pesquisar a formação profissional realizada em nível superior para compreendermos qual o envolvimento entre IES e professores, em se tratando dos aspectos formativos e de atuação como facilitadores e agentes de mediação conteúdo-alunos, e qual o envolvimento dos alunos, futuros profissionais de diferentes áreas de formação, em sua própria formação. Desse modo, a escolha desta temática se prendeu ao fato de que, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que o aluno é sujeito da aprendizagem, constantemente, as investigações sobre formação universitária têm seus estudos centrados na formação docente e nas práticas metodológicas, deixando o aluno, receptor ora ativo, ora passivo das propostas das IES, fora dos estudos acerca Pedagoga. Mestre em Educação pela UFSM. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora pesquisadora da UNIFRA, Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq, Coordenadora da RIES e do Observatório da Educação na UFSM. 1 2 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 429 da formação oferecida. Logo, há necessidade de um estudo sistemático sobre a temática, pois os estudos realizados ainda não são vistos essencialmente sobre o viés do aluno universitário. A literatura sobre a relevância da educação superior é abundante (BUARQUE, 2003; DIAS SOBRINHO, 2002, 2005; LUCCHESI, 2002; SANTOS, 2005; dentre outros autores), bem como são inúmeras as investigações sobre formação docente (CUNHA, 1989; ISAIA, 2004, 2006a, 2007; IMBERNÓN, 2005; MARCELO GARCIA, 1999; ZABALZA, 2004; dentre outros autores). Estes trabalhos envolvem tanto os aspectos organizacionais das instituições de ensino, quanto o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes e a formação inicial e continuada destes. Há ainda vasta bibliografia sobre os aspectos que influenciam a oferta de uma educação de qualidade (BALZAN, 1988; MOROSINI, 2002, 2008; BERTOLI, 2007). Os estudos sobre qualidade sempre envolveram os diferentes níveis escolares, porém, nos últimos anos, os pesquisadores têm se voltado para a formação realizada no nível superior, sobretudo pela relevância que este nível de ensino adquiriu na sociedade, uma vez que é considerado como um dos pilares para a mobilidade social e para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos. Por outro lado, os estudos sobre os alunos universitários são escassos e sua maioria tem como objetivo estudar turmas ou grupos de alunos de cursos específicos, havendo poucos estudos que tem como objetivo estudar o aluno universitário de forma mais ampla. Constantemente a formação de mão de obra especializada tem sido enfatizada por diversos organismos como fator essencial para o crescimento econômico, dentre os quais se destacam a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial (BM). A justificativa é de que desses investimentos em educação resulta o bem-estar das sociedades e maior capacitação e especialização da população, bem como, retornos econômicos em bens e serviços e facilidade na absorção de novas tecnologias. Além disso, a qualidade nos sistemas educacionais gera impactos em indicadores sociais como mortalidade infantil, desnutrição, distribuição de renda. Logo, a educação é aceita como um meio tanto para reduzir desigualdades e desenvolver aspectos sociais, quanto para o crescimento da economia e o aumento da produtividade. Assim, a formação promovida nos cursos de graduação requer um olhar sobre as exigências da nova ordem social, pois o conhecimento passou a ter papel de destaque na sociedade e o grande desafio da educação superior passou a 430 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) ser a incorporação de novas modalidades de aprendizagem baseada no trabalho, uma vez que nos últimos anos também vem ganhando força à idéia de que a formação universitária tem de estar vinculada à profissionalização. Logo, refletir sobre a universidade e as ações formativas nela desenvolvidas pode ir ao encontro das exigências da sociedade atual. Nesta visão, a organização institucional tende a se direcionar para as exigências econômicas e sociais da atualidade, ou seja, há a necessidade de novos sistemas que respondam às exigências do cenário globalizado, que promovam a troca de saberes com a sociedade e coloquem as instituições em confluência com as exigências do mundo do trabalho e das relações interpessoais. Nesse sentido, os estudos sobre os alunos universitários são importantes contribuições para a organização das instituições de ensino superior, uma vez que são responsáveis diretas pela qualificação profissional destes sujeitos. Para tanto, cabe destacar que entendemos por qualificação profissional a busca que os sujeitos fazem com o objetivo de melhorar o desempenho de suas atividades. Logo, acreditamos que esta não pode ser considerada como sinônimo de capacitação e aperfeiçoamento, ou seja, realizada de forma fracionada, pois a formação profissional é algo que implica a aquisição de conhecimento e competências de forma contínua, não tendo início ou fim em momentos definidos. Assim, o desenvolvimento profissional é algo que acontece ao longo de toda a vida, sendo influenciado tanto por suas decisões anteriores ao ingresso em um curso de graduação, quanto posteriores. Portanto, a freqüência a um curso de graduação é apenas o que marca a escolha e o direcionamento da qualificação profissional em uma área específica do saber, sendo esta escolha fruto de diferentes influências. Para tanto, a profissionalização, ao ser entendida como o conjunto de habilidades, características, capacidades e conhecimentos que cada sujeito precisa possuir para exercer a profissão escolhida envolve um caminho a ser percorrido ao longo de toda a vida, o qual se inicia antes mesmo do ingresso em um curso de graduação, mas é este, porém, que ratifica a escolha inicial. Logo, para compreender mais profundamente o desenvolvimento profissional que ocorre ao longo de um curso de graduação, é preciso compreender não só como as IES promovem a formação de seus discentes, como também quais expectativas quanto à formação profissional docente os discentes possuem e se estas expectativas são correspondidas ou não durante o período em que estão vinculados ao curso. Diante disso, esta proposta de estudo foi uma tentativa de apreender qual o entendimento dos discentes sobre a formação oferecida na universidade, como Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 431 percebem a formação dos seus docentes e se estas vão ao encontro de suas exigências, bem como a avaliação que fazem de seus cursos e dos recursos disponíveis na instituição, pois entendemos que a formação profissional realizada na graduação é composta por uma soma de fatores que se complementam, tais como: estrutura, formação docente, atividades complementares, estágio e monografia, dentre outros. Assim, para alcançar o objetivo inicialmente proposto, organizamos uma pesquisa de exploratório, descritiva e analítica que teve como apoio a abordagem quali-quantitativa (BICUDO, 1997; TRIVIÑOS, 1987; GIL, 1994). Quanto aos instrumentos para a coleta de dados, utilizamos o questionário estruturado (BARBETTA, 2004). A coleta de dados foi realizada com alunos e ex-alunos da Universidade Federal de Santa Maria. Porém, para compor a amostra, os alunos deveriam: a) ter realizado, no mínimo, 75% das disciplinas do curso de graduação; b) ter concluído o curso de graduação no segundo semestre de 2009; c) ter concluído o curso de graduação no segundo semestre de 2009 e ter sido aprovado para algum curso de pós-graduação na instituição. O grupo participante contou com 272 alunos, sendo que destes 74,6% corresponderam ao bacharelado e 25,4% à licenciatura, distribuídos na faixa etária entre 21 e 25 anos, sendo que 87% dos alunos estavam matriculados em cursos de pós-graduação na instituição. Optamos por este perfil de aluno por entendermos que o estudante que se encontra em fase de conclusão de curso ou que já o concluiu pode ser considerado portador de várias experiências que os alunos dos semestres anteriores não possuem, tais como realização de estágios curriculares obrigatórios e extracurriculares, envolvimento em pesquisas, realização de trabalho de conclusão de curso.3 Envolvimento em diretórios acadêmicos e conselhos, participação em eventos, dentre outros. O olhar do aluno sobre sua formação na ufsm Quanto à apreciação que os alunos fazem de seus cursos, a maioria deles acredita que deveria ser exigido mais deles e avaliam o currículo do curso como relativamente integrado, já que as disciplinas se vinculam por blocos ou áreas de conhecimento afins. Já quanto à principal contribuição do curso, as mais apontadas são “aquisição de formação profissional”, “a aquisição de formação teórica” e “a obtenção de diploma de nível superior”. 3 Em algumas instituições nomeado como Trabalho de Conclusão de Graduação ou Trabalho Final de Graduação. 432 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Questionados sobre as atividades realizadas ao longo da graduação, 91,2% afirmaram ter participado de alguma atividade ao longo do curso vinculada, em sua maioria com sua área de interesse. As respostas dos alunos indicam que ainda prevalece na instituição a participação em atividades de pesquisa,4 de extensão e a realização de estágios extracurriculares. Outras atividades não são tão procuradas pelos alunos ou ainda, pouco divulgadas e estimuladas, como é o caso das Empresas Junior, nas quais os alunos podem colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso de graduação e manter contato direto com o mercado de trabalho e, para isso, recebem acompanhamento de professores envolvidos com as empresas juniores. Também projetos sociais e organizações não-governamentais (ONG’s) ainda têm pouca expressão, bem como a participação em espaços de politização dos estudantes,5 tais como Diretórios Acadêmicos e Diretório Central dos Estudantes. Segundo os alunos, o envolvimento em atividades extracurriculares possibilita adquirir experiência prática e ter contato com a profissão, identificar alguma especialidade de maior interesse na área, fornecer uma visão diferente e mais ampla daquela vivenciada em sala de aula, oferecer oportunidade de aprofundamento teórico em assuntos de interesse e aperfeiçoamento do conhecimento técnico, bem como crescimento pessoal, melhorar as habilidades técnicas e contribui também para posterior ingresso em cursos de pós-graduação. Já especificamente sobre os estágios extracurriculares, os alunos que afirmam não ter realizado (35%) apresentaram como justificativas a falta de tempo, falta de oportunidade, falta de esclarecimento a respeito, excesso de carga horária semestral, não existir estágio na área, desinteresse, estar estudando para concurso, ter realizado outras atividades, o curso não exigir que se faça estágio extracurricular, porque se dedicaram a estudar para a pós-graduação e porque não quiseram. Já entre os alunos que afirmaram ter realizado o estágio extracurricular, predominam períodos curtos de até um ano de vínculo e a maioria aponta que as atividades desenvolvidas nos estágios estavam, em sua maioria, vinculadas ao curso realizado e a formação pretendida. Os principais aspectos que os alunos destacam como positivos são: o conhecimento, a aprendizagem prática, a experiência profissional, a remuneração, o amadurecimento pessoal, a possibilidade de conhecer profissionais e o mercado de trabalho, a aprendizagem de novos idiomas e ter certeza se realmente quer seguir 38% dos alunos que participam de projetos de pesquisa indicaram ter bolsa de Iniciação Científica. É expressão do processo de construção e afirmação de uma identidade política e social durante o período de vida acadêmica do estudante. Notas: diz respeito a formação de uma consciência social do estudante sobre a necessidade de sua participação na vida política da academia e do país. Compreende uma visão de mundo, representações e valores relativos às classes sociais em suas relações na sociedade (LEITE, 2006). 4 5 Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 433 na profissão. Já os pontos negativos apontados pelos alunos são: a falta de tempo para estudar para as provas e se dedicar mais ao curso, o uso do tempo de descanso como férias e fins de semana para o estágio, o horário inflexível das empresas, a realização de tarefas que não estão relacionadas ao curso/profissão, pouca autonomia ou possibilidade de desenvolver algo novo, a desvalorização, o baixo incentivo/ apoio das coordenações de curso, inclusive quanto à organização dos horários das disciplinas, a baixa remuneração e as condições de trabalho precárias. Nesse sentido, é importante que os cursos estimulem aqueles alunos que querem realizar estágios extracurriculares e os acompanhem no desenvolvimento de suas atividades, que ofereçam grades de horários mais flexíveis e que tenham grupos de professores disponíveis para ajudá-los em suas dúvidas e necessidades durante a realização dos estágios, uma vez que os alunos parecem crer que são verdadeiros momentos de aprendizagem prática que lhes são proporcionados. Sobre a realização de monografia e estágio curricular,6 dos alunos que responderam a essa questão, 24,6% dos participantes da pesquisa, a maioria dos alunos avaliou o acompanhamento recebido ao longo da realização da monografia e do estágio curricular como bom ou muito bom. As respostas dos alunos nos mostram que o acompanhamento dos alunos que realizam monografia e estágio é freqüente, o que pode ter influenciado também a avaliação positiva que fizeram sobre o acompanhamento para a realização de ambos. A presença do orientador como representante da instituição de ensino é, a nosso ver, de fundamental importância tanto na realização da monografia quanto do estágio curricular obrigatório e de seu relatório, uma vez que é um momento de aprendizado do aluno e construção de conhecimento e quando também deve refletir sobre sua formação profissional. Parece-nos significativo que esta seja uma prática comum na universidade e que estes índices sejam melhorados, pois se o estágio curricular obrigatório é umas das etapas que antecede o ingresso do futuro profissional no mundo do trabalho, deve ser valorizado, repensado e aprimorado constantemente. Sobre isso, Pimenta7 (1994) destaca que o exercício de qualquer profissão é prático, pois se trata de fazer “algo”, executar uma “ação”, então, se o curso tem como função preparar futuros profissionais para a prática, deve preocupar-se com a prática. Nesse sentido também é preciso “superar a visão fragmentada da dinâmica curricular dos cursos em si e a função prática reservada ao estágio O estágio curricular é componente obrigatório, diferentemente do estágio extracurricular, mencionado anteriormente. 7 Pimenta refere-se a formação do professor, mas consideramos que sua colocação é pertinente também às outras profissões. 6 434 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) entendido como objeto de avaliação final ou como complemento da formação profissional” (MARQUES, 2006, p. 94). Sobre a atuação docente, os alunos apontam que predominam as aulas expositivas e aulas expositivas com a participação dos estudantes, que os professores discutem os planos de ensino, que a relação entre conteúdo e a prática profissional é feita, sobretudo com a utilização de exemplos, mas que alguns professores também utilizam atividades práticas e relatam sua experiência pessoal de atuação. Já quanto aos materiais mais utilizados, predominam as cópias de trechos e/ou capítulos de livros, livros-texto e/ou manuais e que a metodologia de avaliação mais utilizada é a prova escrita discursiva. A partir das respostas dos alunos, parece-nos essencial que os professores reconheçam que pode favorecer a aprendizagem dos alunos a presença de “situações de confronto, de troca, de interação, de decisão, que os forcem a explicar, a justificar, a argumentar, expor idéias, dar ou receber informações para tomar decisões, planejar ou dividir o trabalho, obter recursos” (PERRENOUD, 2000, p. 99), o que as aulas expositivas ou expositivas dialogadas nem sempre conseguem envolver. Já sobre a utilização de atividades de pesquisa como estratégia de aprendizagem nas aulas, os alunos indicaram que esta prática está presente em menos da metade das disciplinas. Esse dado nos parece bastante relevante, pois a pesquisa também pode ser um elemento significativo para a aprendizagem de novos conteúdos e para a formação profissional. Não queremos, contudo, afirmar que a pesquisa é a melhor forma de se trabalhar com os alunos, mas ela pode colaborar e muito para formar sujeitos mais questionadores, críticos e reflexivos acerca de questões não só de sua profissão, mas também de outras áreas do saber. Ou, nas palavras de Clark e Castro (2003), a pesquisa “é basicamente um processo de aprendizagem tanto do indivíduo que a realiza quanto da sociedade na qual esta se desenvolve” (p. 67). Parece-nos significativo considerar essas respostas juntamente com aquelas dadas pelos alunos sobre as estratégias utilizadas em aula, pois predomina a utilização de materiais prontos e de um modelo de aula no qual o professor argumenta e os alunos participam apenas quando há alguma dúvida. Zabalza (2004, p. 190) coloca que a atividade docente exige “grandes esforços didáticos para adequar a organização dos cursos e os métodos de ensino utilizados aos diferentes modos e estilos de aprendizagem dos alunos e aos seus diversos interesses profissionais”. Segundo Zabalza (2004), é de grande relevância a participação do aluno como elemento ativo “seja porque, ao sentir-se protagonista, melhora seu rendimento (teorias de locus of control), seja porque, de qualquer forma, Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 435 ele intervém como ‘causa próxima’ de sua própria aprendizagem” (p. 196). Já segundo Buarque (2003, p. 167), deve-se estimular ainda “uma ampla circulação acadêmica dos alunos pelas diferentes áreas de conhecimento, pelos diferentes departamentos e/ou outras instituições de ensino, de modo a possibilitar a formação de profissionais mais polivalentes e revalorizar uma formação mais ampla intelectualmente”. A formação docente como influente na qualidade da formação profissional No que diz respeito à percepção que os alunos têm sobre a formação de seus docentes quanto ao conhecimento específico e aos aspectos pedagógicos para ajudá-los na preparação para o mundo do trabalho, em linhas gerais, o que podemos perceber nas respostas dos alunos é que estes consideram que a prática profissional é bastante significativa para a atuação docente, pois acreditam que se estão sendo formados para ser profissionais de determinada área, precisam ter contato com professores que conheçam a profissão. Nesse sentido, seria interessante se as instituições de ensino pudessem possibilitar a seus docentes a prática profissional concomitante com a prática docente e valorizassem os saberes advindos da experiência profissional para as contratações e não somente a titulação. Entendemos que os conteúdos específicos de cada área são extremamente importantes, pois constituem as reais características de cada especialidade, porém, ao pensarmos a formação profissional dos sujeitos realizada nas instituições de nível superior, parece-nos pertinente que os professores pensem a formação dos alunos considerando elementos mais práticos, voltados principalmente para a experiência dos alunos, constantemente desvalorizada e pejorativamente tratada como “senso comum”, deixado-a à margem como se fosse possível que os alunos se desfaçam de seus conhecimentos prévios quando ingressam na academia ou oriundos de outras fontes de saber. Também nos parece pertinente que os professores valorizem também as relações interpessoais como elemento influente na aprendizagem dos alunos, pois o desenvolvimento que ocorre na graduação não é apenas profissional, mas sobretudo pessoal. Os dados obtidos sobre a percepção dos alunos acerca da formação docente formaram os quadros-síntese abaixo, nos quais podemos analisar mais claramente suas respostas: Sim 91,5% Não 1,1% Em parte 5,6% Não respondeu 1,8% Sim 88,2% Não 1,8% Em parte 8,5% Não respondeu 1,5% Acredita ser importante que os professores tenham prática profissional além da docente? Facilita a compreensão do conteúdo quando o professor tem prática além da docente? Não respondeu 1,1% Em parte 0 Não 6,6% Sim 92,3% Percebe a diferença entre profes. com experiência prática na área do conteúdo e aquele que tem apenas formação acadêmica (titulação/ tempo/ sala de aula)? Não respondeu 1,8% Em parte 5,9% Não 1,5% Sim 90,8% Sente-se mais estimulado quando o assunto abordado tem aplicações práticas e é relacionado com a atividade profissional? Não respondeu 1,8% Em parte 55,9% Não 11,8% Sim 30,5% Considera que teus professores estavam preparados quanto aos conhecimentos específicos para ajudálo na preparação para o mundo do trabalho? Quadro 1 - Síntese das respostas dos alunos sobre a formação de seus docentes Não respondeu 3,3% Em parte 63,2% Não 9,6% Sim 23,9% Considera que teus professores estavam preparados quanto aos aspectos metodológicos para atuar como docente do ensino superior? 436 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Sim Mostram os desafios da profissão. Enfatizam os conteúdos de maior importância; Dão dicas sobre a atuação profissional; Podem dar exemplos reais; Têm maior domínio do conteúdo/assunto abordado; Têm mais segurança; Mantêm-se atualizados; Têm conhecimento de novas tecnologias; Explicam com mais clareza os conteúdos; Podem dar exemplos práticos; Melhor relação entre teoria e prática; Pela necessidade de conhecimento do mercado; Têm facilidade em compartilhar conhecimentos; Conseguem direcionar melhor as aulas; São mais objetivos; São mais seguros; São mais didáticos; Têm maior domínio do conteúdo; Têm mais confiança; Mostram a utilidade do conteúdo; Aulas são mais interessantes; Conseguem aliar teoria e prática, Exemplos mais reais; Uso de linguagem prática; Enriquecimento dos exemplos; Na atualização e na aproximação com a realidade profissional. Ao destacarem aspectos importantes do conteúdo; Na objetividade da abordagem das diferentes temáticas; Na segurança ao falar; No domínio do conteúdo; Na exposição do conteúdo; Na dinâmica das aulas; A postura frente aos alunos; Exemplos utilizados; Passam mais segurança ao aluno. Confia-se mais no professor; Estimula a aprender; Aulas são mais dinâmicas, mais didáticas e mais interessantes; Aproxima mais da realidade; Faz com que seja possível visualizar a prática profissional; Instiga a atividade profissional; Desperta o interesse; Facilita o entendimento, pois mostram a importância do conteúdo; As aulas são mais estimulantes e menos tediosas; Mais fácil aprender/ compreender os assuntos abordados; Porque estimulavam a busca do conhecimento em outras fontes. Porque os alunos se sentem preparados para atuar na profissão; Pelo conhecimento aprofundado em sua área de conhecimento; Pela experiência do professor; Possuem somente formação e atuação acadêmica. Possuem titulação acadêmica; Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 437 Em parte Não Se o professor não deixar a atividade docente em segundo plano. Depende se o professor souber organizar as aulas; Depende da disciplina a ser ministrada; Depende da disciplina; Têm maior conhecimento do mercado de trabalho; Não funciona da mesma maneira para todos os professores. Depende da didática do professor; Depende do curso; Depende de cada área; Dinamizam melhor a aula; Motiva os alunos a pesquisar. Facilita o entendimento de conceitos; O conteúdo tornase mais palpável; Porque todos são doutores. Entre licenciatura e bacharelado; Entre professores interessados e professores desinteressados; A prática sem base teórica também não é suficiente. Grande número de professores substitutos. Poucos fazem relação com a prática; Não têm motivação ou interesse; São acomodados; São relapsos; Estão despreparados; Não consideram os aspectos didáticos importantes; Desatualizados e desestimulados; Alguns professores inexperientes; Não tem didática ou metodologia; Não têm preparo para a docência; Seguem apenas carreira acadêmica; Estão desatualizados; São acomodados e não inovam; Falta experiência tanto profissional, quanto docente; Professores não se preocupam em se aprimorar e aprender; Falta formação para a docência por serem oriundos de cursos de bacharelado. Não conseguem transmitir os conteúdos; Falta de envolvimento dos docentes com a formação dos alunos. Falta de didática e de vocação; Falta de preparação para a docência; Desatualização; Falta de experiência profissional; Utilização de métodos convencionais; Ausência de conhecimento da realidade profissional; 438 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Fonte: dados da pesquisa, 2009. Não têm vocação; Crença de que os professores graduados em cursos de licenciatura são melhores em termos didáticos que os graduados em cursos de bacharelado. Não têm talento para a docência; Não utilizam recursos de apoio didático ou utilizam recursos ultrapassados; Preocupados com outras atividades profissionais; Não apresentavam organização das aulas; Não gostam de dar aula; Usam metodologia ultrapassada ou inadequada para o ensino superior; Não fazem cursos de formação de professores; Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 439 440 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) Quadro 2 - Síntese das respostas dos alunos sobre a formação de seus docentes Como avalias a formação dos docentes atuantes ao longo do período em que estiveste vinculado ao curso para ajudá-lo na preparação para o mundo do trabalho? Presença de professores titulados; Muito Boa (11,2%) Disponibilidade dos docentes; Presença de professores que realizaram pós-graduação no exterior; Conceito de avaliação de cursos. Destaque aos aspectos negativos: Falta de atualização de alguns professores; Falta de didática para alguns professores; Presença de professores substitutos; Professores desinteressados; Boa (51,5%) Professores desatualizados; Falta de contextualização dos assuntos abordados em aula; Professores com falta de experiência e empenho. Destaque aos aspectos positivos: Professores são preocupados e capacitados; Têm domínio do conteúdo; Presença de professores que marcaram (positivamente) a formação. Falta de prática e inovação; Professores desatualizados; Formação defasada; Falta de incentivos aos alunos; Preparação focada na carreira acadêmica; Professores desmotivados; Regular (26,1%) Professores longe do mercado de trabalho; Tempo de aula curto; Presença de muitos professores substitutos; Avaliações influenciadas por critérios pessoais; Apresentação de poucas situações do mercado de trabalho; Aulas pouco dinâmicas; Professores apenas com formação acadêmica. Insuficiente (6,4%) Professores não têm prática profissional; Professores não buscam atualização. Observação: Outras respostas (4,8%) Fonte: dados da pesquisa, 2009. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 441 A partir da leitura dos dados, podemos perceber que os alunos consideram que os professores estão melhores capacitados quanto ao conhecimento específico da sua área de atuação e pouco qualificados quanto aos aspectos pedagógicos da docência ou, nas palavras de Isaia (2008, p. 58), “os professores ingressam no ensino superior, passando a exercer a docência respaldados apenas em pendores naturais, saberes advindos do senso comum da prática educativa e na experiência passada com alunos do ensino superior”. Já sobre a avaliação que os alunos fazem da formação de seus docentes, nos parece sensato afirmar que os alunos precisam também se voltar para um modo mais amplo de vê-los, pois a avaliação que fazem está diretamente relacionada à titulação, excluindo outras características próprias dos sujeitos e que também influenciam no fazer docente. Quanto à apreciação sobre a futura profissão, a análise das respostas dos alunos indica que a maioria pretende trabalhar na área de atuação que o curso oferece, pois nos mostra que a escolha foi pelo curso desejado e/ou há uma identidade com a área de formação. Já quanto à busca de pós-graduação, esta pode refletir as exigências sociais na atualidade e a constante discussão de que a formação em nível de graduação já não é mais suficiente. Um dado que merece destaque é o número de alunos que afirma que irá buscar um concurso público, o que parece refletir uma busca por estabilidade financeira. Já o trabalho em empresas privadas (e porque não a abertura da própria empresa!?) aparece com pouca expressão, o que nos faz pensar que, em certa medida, os cursos de graduação pouco estimulam a autonomia, o espírito empreendedor e a inovação. Nesse sentido, parece significativo que os professores estimulem seus alunos a criar e a inovar para se desenvolverem não somente como executores de atividades especializadas, mas como profissionais empreendedores e permanentes aprendizes já que “nenhum profissional continua fazendo pleno jus a seu diploma, depois de cinco anos de formado. Em alguns casos, essa desatualização ocorre até mesmo ao longo do curso, quando muito do que foi aprendido rapidamente se torna obsoleto, sendo substituído por novas teorias, novas informações, novos conhecimentos” (BUARQUE, 2003, p. 31). Considerações Finais Esta pesquisa resultou em achados bastante variados sobre o aluno universitário da UFSM. Certamente muitos destes dados já são do conhecimento de muitos profissionais envolvidos no fazer acadêmico da instituição, mas 442 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) para nós, o percurso teórico e os achados permitiram desvendar, mesmo que minimamente, como pensam os alunos concluintes e egressos da instituição. A pesquisa nos mostrou que há certa igualdade entre o número de homens e mulheres na instituição, sendo que estas, ao considerarmos as habilitações, estão mais presentes que os homens nos cursos de licenciatura. Podemos perceber também que prevalece o público jovem, recém egresso do ensino médio. Quanto ao curso, podemos perceber que os alunos consideram que deveria ser exigido mais deles. O que não sabemos, porém, é se, na prática, o aluno realmente está disposto a se dedicar mais a sua formação. Já quanto à contribuição do curso, parece-nos que suas respostas indicam não somente a busca por formação especializada, mas também corresponder às exigências sociais atuais, uma vez que somente o ensino médio já não dá conta das necessidades profissionais da sociedade. O que não ficou claro, contudo, já que esta era uma questão fechada e não realizamos entrevistas com os alunos, o que verdadeiramente os alunos gostariam de dizer ao indicar as respostas “obtenção de diploma de nível superior” e “formação teórica”, pois podem refletir tanto a busca por formação teórica e obtenção de diploma para posterior atuação profissional, correspondendo assim, às exigências sociais, como também apresentar um caráter negativo, indicando que o curso contribui pouco com a formação profissional e não dá suporte a futura atuação profissional e inserção no mundo do trabalho. Porém, se considerarmos que os alunos buscam formar-se profissionalmente em um curso de graduação, há a necessidade de estes cursos voltarem-se para a prática profissional e entrarem em sintonia com as exigências do mundo do trabalho na atualidade. Isso deve estar presente não só na atuação dos docentes, mas também nas práticas que a instituição adota, haja vista que o modo como os docentes se formam é refletido em sua atuação como professores. Assim, parece significativo que os professores promovam, principalmente, uma aproximação com a futura prática profissional dos alunos, mas que estes também adotem uma postura mais curiosa e empreendedora, não esperando apenas de seus professores e da IES os elementos para sua formação profissional. Já sobre as atividades que os alunos buscam para complementar sua formação profissional, os alunos destacam que a realização de atividades extracurriculares proporciona não só crescimento profissional, como também desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, parece-nos necessário que haja, por parte dos cursos, acompanhamento da realização das atividades nas quais os alunos se envolvem, principalmente aquelas realizadas fora da instituição, uma vez que é o momento que o Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 443 aluno inicia o contato com atividades próprias da profissão. O estágio extracurricular parece ainda não receber a atenção que merece, pois os alunos o destacam como uma excelente oportunidade formativa, mas o realizam sem acompanhamento da instituição que o ajuda a se formar. Caberia, talvez, que instituições e órgãos de classe e escolas realizassem parcerias formativas, nas quais os alunos poderiam receber orientação para o desempenho das atividades tanto da sua instituição de ensino, quanto da entidade que o recebe para a realização do estágio extracurricular. Sobre a realização da monografia e dos estágios curriculares, as respostas dos alunos parecem indicar que, em certa medida, estão satisfeitos com o trabalho de orientação realizado pelos docentes. Certamente esta avaliação ainda pode (e deve!) ser melhorada e para nós, é evidente que melhorará à medida que os professores acompanharem mais de perto seus alunos e estabelecerem parcerias com as entidades que os recebem para a realização do estágio, o que pode ser feito, conforme já destacamos, através de parcerias com as escolas e com os órgãos de classe. Sobre a atuação docente, emerge dos dados que na prática docente ainda prevalecem métodos que não valorizam a prática do aluno e a pesquisa. Mas também nos perguntamos: Será que os professores estão preparados para organizar aulas diferentes? Se estão preparados, querem fazer diferente? E se não estão preparados, estão dispostos a aprender? Por outro lado, nos questionamos também se os alunos querem aulas diferentes e formatos avaliativos inovadores, pois o comum é vermos professores frustrados diante de inovações mal recebidas pelos alunos. Será que a mudança seria bem recebida? Afinal, o que querem os alunos quando o assunto é aula (se é que querem algo diferente)? E como querem ser avaliados? Indo além, já que os alunos afirmam que seu curso deveria exigir mais deles, será que é o formato da aula que não corresponde as suas expectativas, ou os currículos estão defasados para uma sociedade que muda constantemente? Os alunos estão dispostos a mudarem junto com seus professores para ter uma formação mais exigente? Todas estas questões emergem dos dados obtidos na pesquisa, porém, não conseguimos responde-las, tanto por sua complexidade, quanto pelo tipo de pesquisa realizada, porém já nos encaminham a novas discussões para dar continuidade a este trabalho e serão realizadas em momento oportuno. A apreciação que os alunos participantes da pesquisa realizaram acerca da formação docente nos indica que a experiência profissional do professor é essencial para facilitar a relação entre teoria e prática. Os alunos destacam ainda que é visível a diferença entre professores que têm somente formação acadêmica 444 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) daqueles com prática profissional. Esta, para eles é importante, principalmente pelo conhecimento da profissão que os professores conseguem transmitir e faz com que a compreensão dos conteúdos seja mais fácil, uma vez que se sentem mais estimulados quando o assunto traz aplicações práticas e é relacionado com a atividade profissional. Acerca da formação dos professores, os alunos consideram que estes estão melhor preparados quanto aos conhecimentos específicos do que quanto aos aspectos metodológicos para serem docentes do ensino superior. Porém, um elemento merece destaque dentre os demais: os alunos que avaliam a formação dos docentes como muito boa o fazem tendo em vista a titulação dos profissionais. Ou seja, segundo os alunos, a qualidade da formação dos professores para serem formadores de futuros profissionais está diretamente relacionada ao título que possuem e não a sua prática como docentes e como profissionais. Assim, paradoxalmente, mesmo o aluno considerando que a experiência profissional é essencial para os professores que atuam na educação superior, reforça que os professores muito bons são aqueles que possuem maior titulação. Assim, pensando na formação do aluno para o mundo do trabalho, nos parece claro, ao ler suas colocações, que a prática profissional tanto dos docentes, quanto dos alunos é de extrema importância para que essa formação seja de qualidade, pois os alunos a consideram como elemento essencial para a formação universitária. Assim, valorizar a prática profissional e não somente a titulação e a produção acadêmica dos docentes, bem como proporcionar que possam trabalhar em espaços não acadêmicos ao mesmo tempo em que são professores é algo a ser pensado e planejado pelas instituições de educação superior. Por fim, cabe destacarmos que o que parece emergir das respostas dos alunos é a efemeridade das certezas na atualidade, pois se antes um diploma de graduação era uma garantia de trabalho certo e estabilidade na carreira profissional, hoje o avanço do conhecimento exige que os profissionais busquem constante atualização, pois o diploma também já não é um passaporte seguro8. Não nos sentimos na liberdade de indicar possíveis ações a serem adotadas nos cursos, pois cada um possui suas particularidades, mas acreditamos que a partir dessa pesquisa sobre como os alunos da UFSM percebem, principalmente, a formação de seus docentes, se faz necessário pensar a formação destes, em especial sobre os aspectos pedagógicos, uma vez que são sujeitos ativos na formação de novos profissionais e, segundo os alunos, a maioria dos docentes não apresenta domínio sobre estes aspectos, o que pode influenciar não só a realização das aulas, mas também a forma como o professor se coloca diante 8 Expressão utilizada por Buarque (2003). Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 445 da profissão docente. Por outro lado, há necessidade que os alunos aprendam não só os conteúdos próprios de sua área de formação, mas que sejam capazes de, depois de concluído o curso, continuarem buscando novos conhecimentos e aprendendo sobre sua profissão, o que deve ser estimulado ainda na graduação. Referências BALZAN, N. C. A didática e a questão da qualidade no ensino superior. In: Caderno Cedes 22. Educação Superior: Autonomia, pesquisa, extensão, ensino e qualidade. São Paulo: Editora Cortes, 1988. BARBETTA, P. A. Estatística Aplicada às Ciências Sociais. 5. ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2004. BERTOLI, J. C. G. Avaliação da Qualidade do Sistema de Educação Superior Brasileiro em Tempos de Mercantilização: Período 1994-2003. Tese (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educação), 2007. BICUDO, M. A. V. Pesquisa qualitativa em educação. Piracicaba: Unimep, 1997. BUARQUE, C. A Universidade na encruzilhada. In: Educação superior: reforma, mudança e internacionalização. Anais. 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Aprendizagem docente como articuladora da formação e do desenvolvimento profissional dos professores da Educação Superior. In: ENGERS, M. E.; MOROSINI, M. (Org.). Pedagogia Universitária e Aprendizagem. 1 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007, v. 2, p. 153-165. LUCCHESI, M. A. S. Universidade no limiar do terceiro milênio: desafios e tendências. Santos: Leopoldianum, 2002. MARCELO GARCÍA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa. Lisboa: Porto Editora, 1999. MARQUES, M. O. A formação do profissional da educação. 5ª ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médias, 2000. SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005 TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução a Pesquisa em Ciências Sociais: A pesquisa Qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas, 1987. VASCONCELOS, M. L. M. C. A formação dos professores do Ensino Superior. 2ª ed. 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Segundo Isaia (2006, p.65), “não se pode esquecer que os cursos de licenciatura direcionam-se à formação de professores da educação básica, enquanto os cursos de bacharelado, ao exercício de diferentes profissões; neles, a tônica não é o magistério superior.” Ainda visualizamos essa realidade no cotidiano das instituições de ensino superior. Porém, com a obrigatoriedade de que para exercer essa atividade os professores devem ter curso de mestrado e/ou doutorado, a trajetória formativa desses docentes ganha um novo caminho. Assim, olhando para os cursos stricto sensu encontramos algumas disciplinas que encaminham os alunos para práticas pedagógicas nesse nível de ensino. Enfatizamos que, no entanto, elas representam uma pequena parcela dos currículos desses cursos e na maioria das instituições aparecem como optativas para seus alunos. Nesse contexto, daremos destaque para a Docência Orientada, disciplina obrigatória para os alunos bolsistas CAPES e facultativa para os demais. Essa Mestre em Educação pela UFSM, participante do Observatório da Educação, Professora do Colégio Anchieta. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, professora pesquisadora da UNIFRA, Bolsista Produtividade Em Pesquisa do CNPq, Coordenadora da RIES e do Observatório da Educação na UFSM. 1 2 448 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) prática varia de acordo com os cursos, mas consiste basicamente em atividades de docência dos alunos da pós-graduação em cursos de graduação das instituições. Para tanto coletamos os dados de 28 Universidades Federais Brasileiras que nos permitiram traçar um panorama geral da Docência Orientada no Brasil. É importante destacar que o critério para a escolha dessas instituições foi que elas tivessem um Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação, mesmo que fosse apenas o mestrado. Chegamos aos dados pretendidos através dos Cadernos de Avaliação da CAPES, sites dos cursos investigados e endereços eletrônicos dos coordenadores dos cursos. Contudo este estudo preliminar não faz parte deste texto. Nossa preocupação, entretanto, é discutir sobre o estudo de caso construído a partir da Universidade Federal de Santa Maria. Este também utilizouse de dados quantitativos sobre a Docência Orientada, mas principalmente de entrevistas individuais com seis alunos que fizeram a disciplina e seus professores orientadores, bem como análise de relatos orais e escritos dos alunos do PPGE/ CE/UFSM que realizaram o Seminário de Docência Orientada. A metodologia que utilizamos foi de cunho quali-quantitativo, ao envolver duas dimensões: uma quantitativa, visando traçar um panorama geral da Docência Orientada nas universidades federais brasileiras e um perfil da disciplina na UFSM; e uma qualitativa, através do estudo de caso com alunos e professores do PPGE/CE/UFSM. Assim, desenhamos um panorama que definiu em termos gerais a Docência Orientada nas universidades federais brasileiras e construímos categorias de análise que demonstraram como a disciplina apresentou-se na UFSM, objeto do presente texto. Assim, a partir do estudo de caso, refletimos sobre a Docência Orientada na nossa instituição, visando inferir alguns indicadores de qualidade no processo formativo dos professores que atuam na Educação Superior. Formação de professores universitários: alguns elementos para a discussão O pessoal e o profissional dos professores Falar em formação de professores universitários exige que pensemos muito além da formação inicial, entendendo que o professor, durante toda a sua trajetória, passa por várias etapas de aprendizado. E, ainda mais além, torna-se necessária a relação dessa vida profissional com a sua vida pessoal, já que ambas apresentam-se entrelaçadas por acontecimentos que não podem ficar isolados na vida da pessoa. Qualidade na Educação Superior: Dimensões e indicadores 449 Nessa perspectiva, podemos fazer referência ao fato de que a vida profissional dos professores está, inevitavelmente, atrelada à sua vida pessoal. Esta, por sua vez, passa por alguns conflitos inerentes ao tempo e espaço ao qual está ligada nesse momento: o início da carreira profissional dos docentes se dá em uma fase da vida pessoal que ocorrem alguns conflitos (passagem para a vida adulta, necessidade ou imposição da independência financeira, falta de experiência com as situações do dia-a-dia, etc.). Além disso, a vida profissional também passa por alguns conflitos: a inexperiência, a falta de credibilidade por parte dos colegas, as incertezas, as aquisições, as novas organizações. Assim, estando vida pessoal e profissional ligadas, o professor necessita estar preparado para lidar com todas as adversidades desses primeiros anos de sua carreira profissional e que estarão presente ao longo de toda a vida. Acostumados a pensar no professor, na sua postura profissional assim como nas exigências postas pela profissão, esquecemos muitas vezes de incluirmos nesta reflexão como este vivencia e percebe sua atuação profissional, quais são os elementos que forjam sua identidade e que, por sua vez, vão tecendo uma certa maneira de ser professor. Assim, o processo formativo necessita ser pensado na direção de superar a dicotomia entre o pessoal e o profissional. Nesse sentido, Zabalza (2004, p.53) explica que “a idéia de que a formação transcende a etapa escolar e os conteúdos convencionais da formação acadêmica, constituindo um processo intimamente ligado à realização pessoal e profissional dos indivíduos.” Logo, pensar na formação do professor universitário requer uma exploração desde os anos iniciais de escolarização, quando ele como aluno via no seu professor um modelo, até as “etapas finais” de sua docência, quando as experiências pessoais e profissionais o tornam um rico conselheiro para os docentes que se iniciam na profissão. Nesse sentido, ter uma boa relação no ambiente de trabalho, autonomia na tomada de decisões, reconhecimento do seu trabalho, expectativa de crescimento pessoal e profissional, poderá fazer com que as universidades tenham professores satisfeitos e, consequentemente, tenham um salto qualitativo em suas atividades. 450 FRANCO, M.E.D.P e MOROSINI, M.C. (Organizadoras) O conhecimento colaborativa compartilhado: atividade Frente ao quadro atual das universidades brasileiras, onde o individualismo supera qualquer projeto coletivo dentro da instituição, pensar em um trabalho coletivo também pode indicar um fator de contribuição à qualidade do ensino superior. Quando nos referimos ao conhecimento compartilhado, queremos fazer referênc