1 III. As Formações Imaginárias Grupais Com esse termo referimo-nos aos processos imaginários que um grupo produz. Dizemos que um grupo é mais que a soma dos indivíduos que o compõem. Conseqüentemente, pensamos que os processos imaginários dentro de um grupo não constituem a soma dos imaginários individuais. Ao contrário, um grupo produz formas imaginárias próprias. Em toda situação grupal (seja o grupo grande ou pequeno, de formação, recreativo, de trabalho, terapêutico, etc) há uma representação imaginária subjacente, comum à maioria dos seus membros. Estas representações imaginárias, e não a tarefa, são o “algo comum” no grupo. A tarefa opera como convocante do grupo, porém não como fundante. Para que um grupo de pessoas possa passar dae serialidade a grupo, deverá ir se consolidando um conglomerado de “representações” imaginárias. Estas, tanto poderão propiciar a tarefa, a solidariedade e a eficácia grupal, como os conflitos, a ineficácia, etc. Não existe grupo sem formações imaginárias estritamente grupais. São os processos imaginários que podem ser lidos no transcurso do vir a ser grupal e que falam de sua conformação, de suas possibilidades de desenvolvimento, de transformação, de sua inscrição e da história de tal grupo. Dentro das formações grupais incluímos: A rede de identificações cruzadas (e a rede transferencial); As ilusões grupais; Os mitos do grupo; A instituição (como disparador do imaginário grupal). Estas formações grupais, em permanente atravessamento, darão a cada grupo seu perfil, sua identidade, única e exclusiva deste grupo. 1. Rede de Identificações Cruzadas – Rede Transferencial Nós, os coordenadores que trabalhamos com grupos, sejam eles da aprendizagem, terapêuticos, recreativos, etc, partimos em geral de uma pergunta: O que faz que certos grupos se constituam como tal e permaneçam no tempo e outros não, que sejam criativos ou rígidos, independentemente da tarefa proposta? Sabemos, a partir da experiência clínica com grupos, que este fato depende, entre outros fatores, da constituição, durante as primeiras reuniões, do que se convencionou chamar de matriz grupal. Definamos o termo matriz; o dicionário nos diz: “Víscera oca em forma de redoma; molde em que se fundem objetos de metal idênticos: as letras de imprimir, botões, etc. Materna. Principal. Geradora”. 2 Diríamos que esta matriz grupal da qual falamos pode aparecer somente se existe no grupo uma empatia que una os diferentes membros entre si. Seja em pares ou a três, com certos membros a pessoa vai se sentir mais cômoda que com outros; terá interesses ou história em comum, ou perseguirá os mesmos objetivos. Às vezes os indivíduos são conscientes disso. Às vezes o ignoram por completo. Vão sentir rejeições e aceitações. Algumas racionais, outras não. Em um grupo os membros, junto com o coordenador, se reúnem em um certo lugar, sentam-se de uma certa maneira, pertencem a uma instituição real ou imaginária. O olhar recíproco atua a partir deles e sobre eles. Além disso, o coordenador ou a instituição onde se realiza a tarefa é investido pelos integrantes a partir de certas pautas, certos poderes reais ou ilusórios, espera-se que ele realize tais ou quais ações, que o sujeito possa apoderar-se do que espera que lhe dê, que possa incorporar conhecimento, cura, sabedoria, poder. Desta maneira o grupo todo se constitui no lugar da demanda que o próprio grupo realiza sobre si, inclusive o coordenador. Sem que pretendamos esgotar a descrição de tais acontecimentos grupais, podemos afirmar que esta matriz grupal da qual falamos tem a ver com a possível organização libidinal que este grupo assumiu. Esta organização libidinal está baseada nos laços libidinosos que os indivíduos estabelecem entre si e com o coordenador. Estes laços libidinosos têm a ver com a rede de identificações que vai se estabelecendo no transcurso do grupo, e que está intimamente relacionada – na realidade é o que a constitui – ao que se convencionou chamar “matriz grupal”. Ou seja, esta matriz seria, na realidade, uma matriz de identificações formada por supostas identificações secundárias. Já sabemos, por outro lado, a importância deste mecanismo na constituição do sujeito. Até aqui, temos a matriz grupal e o porquê de sua constituição. Daqui por diante teremos como opera, se desenvolve, e detém ou não o desenvolvimento da dialética grupal. Vejamos um gráfico. Se isto é um grupo: Desde a primeira reunião começa a se conformar esta matriz de identificações da qual 3 falamos. Suponhamos que já esteja constituído o grupo e sua matriz. Um desenho possível seria: Matriz Básica: tem a ver com a permanência Matriz de identificações. Circuito do conjunto de relações objetais. Quer dizer que encontraríamos uma matriz básica que tem a ver com a permanência; são os integrantes que nunca faltam, comprometidos com os demais, que se preocupam, que se ocupam de saber do cotidiano de outros integrantes, são afetivos, etc. E também encontraríamos a matriz de identificações, que é um circuito de relações objetais, já que o que se introjeta não é um objeto, mas sim um circuito de relações de objeto. O objeto que foi incorporado desaparece como tal, fica a relação. Não se identificam pessoas, mas aspectos pontuais das subjetividades dos integrantes. Esta rede de identificações é uma rede móvel e é, por outro lado, uma matriz de identificações e uma matriz identificatória; ou seja, é o que identifica este grupo; é o que o diferencia dos demais grupos, é o que fala da subjetividade grupal. O que queremos dizer é que esta matriz identificatória é o particulariza um grupo em relação a outro, e que fala da própria especificidade de tal grupo e não de outro. Podemos pensar esta matriz como um caleidoscópio sempre em movimento, como um diamante com múltiplas facetas, porém sempre igual a si mesmo. Falar da rede de identificações cruzadas nos grupos significa falar daquilo que dá conta da permanência, da mobilidade e da rigidez de tais grupos, independentemente da tarefa a que estejam convocados. Ou seja, os processos identificatórios que se produzem nos grupos vão funcionar como motor da vida dos mesmos. Definimos uma vez mais o conceito de identificação como o processo psicológico mediante o qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo de outro e se transforma sob o modelo deste. Por outro lado, sempre que falamos de identificações nos grupos estamos falando de identificações secundárias. 4 Este conceito de rede de identificação está unido, tanto na clínica quanto na teoria ao conceito de transferência. Assim como as identificações são a motor da vida dos grupos, as transferências são o que possibilita que tais identificações ocorram, fornecendo o terreno propício para se realizem. Por outro lado, a transferência é definida em psicanálise como um processo mediante o qual os desejos inconscientes de um sujeito se atualizam sobre certos objetos que a eles se relacionam. Embora esse mecanismo tenha se tornado visível e teorizado a partir da psicanálise, podemos, a rigor, falar dele sempre falamos das formações estritamente grupais, já que está sempre presente em toda relação humana Se o pensamos a partir da pessoa que transfere este tipo de situação infantil, podemos afirmar que, quando uma pessoa ingressa num grupo, traz consigo uma série de desejos, alguns conscientes, outros não, que transfere para certas figuras dentro do grupo. Pode suceder pensando a partir sujeito que transfere, que certos lugares no grupo auferem de certos poderes e sobre eles se polariza o maior fluxo transferencial. O que significa isso? Que muitas vezes se transfere para a coordenação dos grupos (sejam estes de aprendizagem, terapêuticos, recreativos, formativos) e também sobre as instituições (reais ou imaginárias) nas quais estes grupos existem, a repetição de certos desejos, que se atualizam no transcurso da tarefa. Por exemplo: quando um indivíduo, ao participar em um exercício psicodramático, se identifica com familiares significativos de sua história. Podemos supor que, além do processo de identificação que foi revivido na situação de criar um personagem, existe outro processo concomitante, estreitamente unido, que se refere à reatualização de todos os circuitos de relações objetais que esta pessoa viveu ao longo de sua infância. Por isso dizemos que as identificações são o motor de um grupo, enquanto que a transferência lhes oferece o campo propício para que tais identificações se produzam. Da mesma maneira que se vai construindo uma rede de identificações, se contróe, entrelaçada com ela, uma rede transferencial. Quando falamos de transferências nos grupos, fazendo-o a partir do lugar dos sujeitos que tranferem, podemos observar que há certos emblemas ideológicos de poder que os sujeitos projetam nas instituições e nos grupos a que pertencem e que muitas vezes atuam de maneira quase independente desses grupos e instituições. Podemos dizer ainda que, as vezes, as instituições e os grupos também usufruem desses emblemas projetados pelos sujeitos para garantir sua permanência sem mudanças, dentro de um determinado dispositivo ideológico institucional. Por exemplo: A escola como segundo lar. A professora como segunda mãe. O hospital como local de cura. 5 Por exemplo, podemos supor que um grupo de médicos de um hospital carente de recursos mínimos para levar adiante sua tarefa, necessita, para garantir seu funcionamento, apelar para a projeção de certos ideais que correspondem a certos emblemas ideológicos que dizem respeito a se médico, a trabalhar em certo lugar assistencial, à cura, etc. Estas circunstâncias não são alheiras a rede identificatória; ao contrário, estão permanenetemente orientando os fenômenos identificatórios e transferenciais. Por tudo isto, podemos afirmar que, se fizermos um recorte, o lugar pontual das identificações tem mais a ver com o grupo como um todo, e que o lugar das transferências tem mais a ver com a coordenação e com a instituição. Isto não significa que não ocorram relações transferenciais entre os integrantes do grupo, nem que a coordenação e a instituição estejam isentas do espaço das identificações. Afirmamos, sim, que esta rede de identificações e esta rede transferencial se encontram totalmente entrelaçadas entre si. O olhar recíproco atua e incentiva as identificações. Mostrar-se, olhar-se ser visto, ser olhado. Mostrar o que se é. Mostrar o que se pensa ser. Expor-se ao olhar do outro: ver e ser olhado, ver-se vendo, ver que os outros me olham. Existe uma diferença entre ver e olhar. E desde o início pode-se dizer que evolutivamente o aparato perceptivo da criança encontra-se mais desenvolvido que seu aparato psíquico. Vê antes de olhar. O papel do olhar em relação com ao outro e a si próprio tem sido objeto de preocupação desde épocas remotas em diferentes campos (as artes, a filosofia, a literatura, a psicologia, etc). Mais recentemente teve um peculiar desenvolvimento na psicanálise em função de retomar esses dois aspectos do ato de ver (ver e ver-se). Um setor da escola francesa que trabalha com técnicas dramáticas, ressalta que a função do coordenador é desorganizar o encontro de olhares (no sentido metafórico) em toda reunião grupal. O olhar dos coordenadores refrata os olhares dos integrantes do grupo no ponto em que se cruzam, não atua como um esplho, não reflete nada. Desta maneira, não existem as formações estritamente grupais, nem sequer o grupo. Constituem somente uma soma de individualidades reunidas. Ao contrário, nós pensamos que os coordenadores de grupo, queiram ou não, entram no circuito libidinal do grupo. Mais do que isto, pensamos que o grupo se dinamiza, se diverte e se torna mais produtivo quanto mais atuem dentro dele os distintos vértices da rede de identificações e da transferência, formas estritamente grupais que dão mobilidade e perfil peculiar ao grupo. Isto não implica, para nós, que o coordenador se coloque como objeto de amor e de admiração ou como mãe/pai ou protetor ou provedor, nem tampouco que se coloque num lugar de liderança. Mas implica simplesmente ter presente que a coordenação não está isenta da posição de identificação, como também os integrantes do grupo não estão livres de ser objeto de transferência. 6 Quando propomos que a transferência é um movimento que opera fundamentalmente dos integrantes para o coordenador, e que os processos identificatórios circulam preponderantemente entre os integrantes, indicamos que estas serão suas cristalizações mais patentes. A rigor, para que a rede de identificações se produza, é necessário que, em sua base, esteja se organizando uma rede transferencial, no sentido de que se desencadeie a possibilidade de repetir circuitos de relações arcaicas. Em um primeiro momento cada membro de um grupo recém – constituído se dirige aos coordenadores, e não ao grupo; não reconhece os outros. Isto pode variar de grupo para grupo, porém podemos afirmar que, no geral, a primeira reunião de grupo nos fala inicialmente de sua serialidade. Quando o coordenador permanece deliberadamente “fora” nos primeiros encontros do grupo, ele está tratando de favorecer as identificações dentro do próprio grupo. Existe um exercício psicodramático que se realiza, em geral, na primeira sessão do grupo (e nos primeiros momentos da reunião), denominado círculo do medo, em que se pede aos integrantes que formem um círculo e que cada um escolha um companheiro e que, colocando-se em frente ao mesmo, diga: tenho medo de ...... e estou dizendo isto para você porque....... Todos os integrantes devem faze-lo, exceto o coordenador. Com este exercício se explicitam todos os medos que os sujeitos sentem ao ingressar pela primeira vez num grupo, que em geral refere-se ao medo do ridículo, do desconhecimento da situação, da dificuldade de enfrentar uma situação nova, etc. Com tal explicitação, forma-se um clima de situação comum a todos. Na segunda parte do exercício (e estou dizendo isto para você porque.....) se produz uma escolha de certos membros do grupo por afinidade ou rejeições. Isto possibilita que se comece a estabelecer os primeiros laços identificatórios de que falávamos. Por exemplo, em uma primeira reunião de um grupo de aprendizagem dizem: para ver se me aceita porque és acolhedora porque já nos conhecíamos porque parece-me que podes me compreender porque me inspiras confiança porque parece que estás mais assustadas do que eu porque tens uma aparência simpática porque estás assutada Embora essas pessoas não se conhecessem previamente, escolheram a outros companheiros e com isto produziram-se as primeiras aproximações, projetando sobre eles suas fantasias e introjetando as fantasias dos companheiros. Não podemos deixar de assinalar a imediatez com que este mecanismo psíquico se põe em funcionamento, como também, invariavelmente sempre acontece. É necessário somente que um conjunto de pessoas se agrupem. 7 Poderíamos distinguir diferentes tipos de identificações: narcisista, de repetição, atual, terapêutica, porém pensamos que qualquer tipo de classificação dos processos identificatórios nos grupos servem apenas para fins didáticos, já que seria o mesmo que tentar tabular os sonhos, tal é a profusão e diferença desses processos. Como dissemos anteriormente, a rede transferencial é a chave ou a base das identificações. Em psicanálise a transferência é definida como o processo mediante o qual os desejos inconscientes se atualizam sobre certos objetos na relação estabelecida com eles, particularmente na relação analítica. Em outras palavras, é a repetição de protótipos infantis vivida com um marcado sentimento de atualidade. No processo psicoterapêutico, a transferência é a repetição de situações infantis no aqui e agora com o analista. Da resolução da transferência depende a problemática da cura. Freud distingue dois tipos de transferência: Negativa, relacionada com sentimentos hostis, e Positiva, que tem a ver com sentimentos amorosos; recordemos que isto qualifica a natureza dos afetos transmitidos e não a repercursão favorável ou desfavorável sobre a cura. As transferências nos grupos estão dirigidas para: O Coordenador. Os Companheiros. Ambos. A Instituição. Podemos, a rigor, falar de transferência nos grupos? Pensamos que sim já que opera em todo vínculo humano, apenas tornou-se “visível” com a psicanálise. Por exemplo, em uma sessão de grupo, quando uma pessoa da equipe terapêutica olhava uma jóia que um paciente artesão havia confeccionado, uma jovem paciente de 23 anos que falava de algo sem importância no momento, ao perceber (observar) tal situação, rompeu em soluços e reclamou a atenção do terapeuta dizendo: “Igual a meu pai, sempre atendendo ao meu irmão”. No caso de existir vários coordenadores, há uma maior pluralidade presencial sobre a coordenação. Reiteramos que tanto a rede transferencial como a rede de identificações, são processos que se produzem concomitantemente e que a rede de identificações está mais pontualmente desenvolvida entre os membros do grupo, ao mesmo tempo que a rede transferencial apóia-se fundamentalmente na coordenação. Vejamos um exemplo conjunto de ambas as redes. Um grupo de 8 membros, em sua 22ª sessão de grupo terapêutico que se reúne uma vez por semana, com dois coordenadores, durante duas horas, tem: 1. Uma dupla, homem-mulher, identificada entre si. Sentam-se sempre juntos, cuidam-se mutuamente, são amistosos, alegres, um pouco maníacos, têm características de líderes. A transferência do homem se dirige fundamentalmente a um coordenador e a da mulher ao outro. Ao primeiro denominaremos A e à segunda B; 8 2. Outra mulher, à qual denominaremos D, que olha principalmente os pares, tanto os terapeutas como a dupla antes citada. Está em transferência positiva com um dos coordenadores; 3. Outra mulher, à qual denominaremos E, que tem uma aproximação erótica inconsciente com A, identificada com aspectos de B e em transferência positiva com a coordenação. Estes membros conformariam a matriz básica. 4. Outro homem, que denominaremos F, mais jovem que o resto do grupo, identificase sobretudo com o par A-B, porém fundamentalmente seu laço mais forte é a transferência realizada sobre a coordenação. O olhar desse membro para a coordenação é insistente, ele ocupa um lugar central no transcurso da sessão e se senta sempre em frente à coordenação; 5. Outro membro, também homem, que faltou por várias sessões e que além disso chega tarde, ao qual denominaremos G, está atravessando um momento resistencial bastante agudo; ainda não se integrou ao grupo, nem mantém laços libidinosos fortes com nenhum dos coordenadores; 6. Outro paciente homem, que denominaremos H, é sua segunda sessão de grupo, está fortemente identificado com A (“nós somos parecidos”..., “tenho uma boa sintonia com você”, etc) e com um forte laço transferencial com a coordenação; 7. Outra paciente mulher, que falta muito, porém avisa por telefone cada vez que não vem, à qual denominaremos J, quando vem se identifica com todo o grupo (“igual a mim”, “igual a mim”) e depois falta por uma ou duas sessões. Poderíamos chamar sua transferência de frouxa. Denominaremos com a letra C à coordenação. A rede transferencial será marcada com uma linda de pontos ........... A rede de identificação, com uma linha traçada Observe-se no gráfico a seguir como a rede transferencial está acumulada basicamente na coordenação, e a rede de identificações na figura dos líderes. Disto resulta o que denominamos matriz identificatória de um grupo. Usando uma metáfora gráfica, podemos afirmar que é o desenho que diferencia um grupo de outro grupo, que o específica em sua particularidade. Pode-se, por outro lado, acrescentar que deixamos de lado todas as transferências e identificações que seguramente estarão operando, no caso desse grupo, sobre a instituição psicanalítica, que certamente acrescentaria ao desenho outros vetores e o atravessariam de múltiplas maneiras. 9 B A B C C A D MATRIZ BÁSICA B A C D C B A D A F C B C E E B A C B G A E H C C A J E G C D J E C G C H D F B F C C C D F G F H C 10 Partimos de um círculo, massa arredondada, onde todos os participantes se enfrentam corporalmente e através do olhar; e o vir a ser da análise das redes transferenciais e identificatórias nos revela um nó, cujos múltiplos fios são, neste caso, as transações e/ou as identificações que neste momento grupal estão se dando. É interessante assinalar novamente estas duas linhas de força (nó-círculo) que a etimologia da palavra contém, e que reiteradamente aparece quando nos dirigimos a um grupo como unidade de análise. O exposto até aqui nos traz algumas interrogações: 1. Qual é o grau de “liberdade” de um integrante, ao ingressar num grupo préformado? (de quais temas pode falar, de quais não, se entra em competição com o grupo ou com os líderes do grupo, se o que traz para o grupo é aceito ou rejeitado, etc); 2. Grupos criativos: o que determina o grau de criatividade de um grupo? 3. Grupos imóveis: o que determina o grau de imobilidade nos grupos? 4. O que determina o grau de mobilidade ou de plasticidade de tal matriz de identificações e transferências? 5. O que determina o grau de enrijecimento da matriz de identificações? Tudo isso se encontra multiplamente atravessado pelas outras formações imaginárias grupais. A promoção da criatividade e/ou da repetição nos grupos será, portanto, resultante de tal atravessamento. 2. A Ilusão Grupal Comecemos por definir a palavra ilusão. O dicionário diz: “Conceito ou representação sem verdadeira realidade, sugerido pela imaginação ou causado por engano dos sentidos. Quimera, sonho, ficção, desvario, delírio, esperança, visão, miragem”. Para Freud, uma ilusão não é o mesmo que um erro, nem é necessariamente um erro. É uma crença engendrada pelo impulso em direção a satisfação de um desejo, prescindindo de sua relação com a realidade. O poder de uma ilusão, o segredo de sua força, não está na força coletiva real, mas na força ilusória de tais desejos. Freud fala da ilusão religiosa, a ilusão artística e a científica. Além de suas diferenças, o que todas elas tem em comum é que se fazem presentes em todo trânsito da impotência para a onipotência. Uma de suas mais genuínas características é ter seu pontos de partida nos desejos humanos dos quais derivam. No caso da ilusão religiosa, Freud identifica como sua origem o precedente infantil do temor ao pai e a necessidade de sua proteção amoroso frente aos perigos desconhecidos, isto é, o desejo de ser amparada por um pai onipotente. Esse desejo 11 dará lugar à construção de representações religiosas que desempenham, no enfoque freudiano, as funções paternas para o indivíduo e a comunidade. Ainda em relação à ilusão religiosa, afirma também que as representações religiosas não contém somente realizações e desejos, mas importantes reminiscências históricas referentes às etapas iniciais da constituição da organização social e da necessidade do homem defender-se da prepotência esmagadora da natureza e as sua sensação de desproteção frente a ela. A função social da ilusão religiosa corresponde no âmbito moral, à guardiã dos preceitos morais essenciais para repressão instintiva que dará lugar a coesão social e a coesão da cultura. Anzieu parte deste conceito freudiano de ilusão para abordar o que denomina “ilusão grupal”. Para este autor, a ilusão grupal é um estado psíquico particular que se observa tanto nos grupos naturais quanto nos terapêuticos ou de formação e que se expressa em frases como: “estamos bem juntos”, “somos um bom grupo”, etc. Acrescenta que toda tentativa de explicação psicanalítica da ilusão deve ser feita a partir de quatro perspectivas: tópica, dinâmica, econômica e genética. A proposta de Anzieu suprime sem querer a especificidade do grupal, ao fazer a leitura do acontecimento grupal a partir de parâmetros válidos para as estruturas inconscientes individuais. Neste sentido, concordamos com Baoleo quando pergunta Anzieu: “e o grupo?”, dando conta da supressão da grupalidade em que circula o referido autor. Apesar de discordamos de Anzieu em sua análise da ilusão grupal, resgatamos o fato de haver apontado a existência desse acontecimento grupal. Que entendemos nós por ilusão grupal? É aquilo que um determinado grupo acredita que é, acredita que pode realizar; todo grupo necessita crer que é o que deseja ser, para poder alcançar seus objetivos; só a partir de uma ilusão obterá a força necessária para alcançá-los, para enfrentar suas adversidades, sustentar suas crenças, etc. Por sua vez, esta ilusão criará as condições para se atingir a um “nós”, desenvolver um sentido de pertinência, organizar um código comum. Tal ilusão é o que os integrantes do grupo esperam que este grupo realize; assim, todo o conjunto da vida do grupo aparece como modelado com caráter estruturante por uma ilusão grupal que fala de seus desejos. Não deve ser visto apenas como uma temática, um argumento, como aquilo que é dito, mas que comporta o dinamismo próprio em virtude do qual as ditas estruturas tentam expressar-se. Existe uma estreita relação entre as ilusões grupais e os mitos de um grupo. Estas duas formações, em seu conjunto, integram o que denominamos novela grupal, a qual dá conta da modalidade típica das encenações fantasmáticas que esse grupo construiu ao longo de sua história. Ao referirmo-nos à ilusão grupal, endossamos as palavras de Freud “assim o presente, o passado e o futuro aparecem interligados no 12 fio do desejo que passa através deles. Para que haja uma ilusão deve existir um desejo que queira ser realizado, uma realidade que queira ser mudada, uma história que queria ser modificada, um ideal que queira ser realizado. Uma questão ulterior com respeito a ilusão. No texto citado, Baoleo credita a ilusão aos fenômenos ideológicos: “somente a ideologia cobre os caracteres de real e de imaginário, de aparente e de real, de manifesto e de latente, que acreditamos que todo grupo possue. Não queremos aqui entrar na polêmica que a temática das ideologias suscita, mas nos parece pertinente fazer uma pontuação à respeito. Quanto Althusser define a ideologia como aquilo que encobre e revela o real, está outorgando aos fenômenos ideológicos características próprias do imaginário. Podemos dizer então que tanto as ideologias como as ilusões grupais tem componentes imaginários, porém acreditamos que assimilar ou tornar equivalentes ilusão grupal e ideologia limita a análise destas produções grupais, porém nos parece que dizer ilusão grupal = ideologia aprisiona a análise da especificidade, da particularidade da ilusão grupal. É indubitável que nas ilusões que um grupo produz, circulam produções ideológicas, que supostamente são mais amplas que o próprio grupo e o situam em determinado momento histórico e social. Porém, essas produções ideológicas colocadas em funcionamento num grupo não constituem somente um “conjunto de idéias” que influenciam um grupo, mas que são o próprio corpo do grupo circulando na transversalidade institucional. Não são somente “idéias” mas se cristalizam em práticas grupais e sociais específicas. Por tudo isto, pensamos que restringiríamos nossa análise se conferíssemos equivalência entre os termos ideologia e ilusão.