Prota.Maria Alice Faria
Onesp
Ja
se tornou urn lugar comum dizer-se que a
democratizaQ;o introduzida no ensino, vem mostrando r~
sultados mais-quantitativos que qualitativos. Crescem'
as queixas sobre 0 baixo nlvel dos alunos, do primario
ao superior. A llnqua portuquesa, em particular;
tem
side alvo dessas crlticas e medidas paliativas estao '
sendo tentadas, desdea
.redaQao obrigatQrj,a.no vesti~
bular ate a proibiQao do uso da gIria na televisao· e
de expressoes que "firam 0 vernaculo".
Esta comunicaQao apresenta dados que mos tram algumas causas do abaixamento do nlvel de alunos
de 19 grau, em escolas oficiais de MarI1ia.
dois fatores que estao alterando, no mo
mento, a c1ientela dos cursos de 19 grau, da 5~ serie7
em diante: 19) A mudanQa da estrutura dos cursos, que
fundiu os antigos primarios e primeiro ciclo nurncurso
so, sem, aparentemente, 0 "rito de passagem" entre urn
e outro. Deste modo, as crianQas de camadas mais
pobres, que eram barradas nos exames de admissao, inscr~
vem-se hoje nas 5a~ series e sequintes.29) Com a redi~
tribuiQao da rede flsica, estao elas penetrando nas e~
colas anteriormente frequentadas pelas crianQas de famIlias de renda media, provocando um desequlibrio
de
nlve1 ate entao menos acentuado. Elas se concentram,p~
rem, nos anti90s grupos perifericos, transformados
em
esco1as de 19 grau, com l~ a 8~ serie, onde a questao'
do nivel, embora mais uniforme, mostra-se ainda
mais
acentuado que nas turmas dos antigos ginasios •.
Para termos urna ideia do nlvel socio-econo
mico e cultural das famIlias de a1unos de 5~ a 8~ se ries, nas escolas oficiais de MarIlia, reproduzim6e em
anexo tabe1as de classificaQao, obtidas nurna amostra -
Ha
III
gem de inquerito !ei~o em 3 esco1as com 19 grau dinrno,
de situa9ao e bairros diferentes (1).
Na tabe1a n9 1, re~oduzimos os resultados
~btidos em duas esco1as de 19 e 29 grau, que ja funci2
navam como ginasios anteriormente, urna situada em bai~
ro de c1asse media (A) e outra, em bairro operario (B).
Essas,esco1as concentram sobretudo alunos das faiXas:
'a) Baixa Superior (operarios especia1izados, motoris tas, vendedores, mecanicos, ou seja, "Atividades cujo
desempenho nao exige necessariamente esfor90 bra9al ou
que so podem ser exercidas com urn,nIvel m!nimo de instru9ao formal ou treinamento profissional especIfico t
(op.cit.p.7l). b) Media inferior: bancarios, professores primarios, contadores, funcionarios pUblicos, pequenos proprietarios), ou seja, pessoa·de "forma9ao pr2
fissional especializada de dura~ao mais longa que
a
fornecida aos operarios qualificados da categoria precedente e nlveis de remunera~ao que vao aproxi~adamente de duas a quatro vezes 0 salario minimo" (idem,p.7D.
Quanto aos filhos de famllias pertencentes
a faixa Media Superior, formada por pais portadores de
curso superior ou cargos que "exijam nlve1 mais elevado de instru9ao", como chefias e gerencias de empresas
comerciais ou industriais de porte medio, militares c2
mo tenente, capitao, major, ou ainda donos de'propriedades medias
sac em n6mero bem reduzidos, e tendam
talvez a diminuir nos proximos anos. Analisando a tabe
1a n9 1, obssrvamos que, embora as Sas e sas series apresentem 0 mesmo n6mero de alunos pertencentes a fai-
ill Adotamos 0 questionario elaborado pelo Centro Brasi1eiro de Pesquisas Educacionais, do Rio de Janeiro e apresentado pelos professores Maria Lals Mousinho Guidi e
Sergio Guerra Duarte, na Revista Brasi1eira de Estudos
pedaiogiCOs, vol.S2, n9 115, 1969, pp. 65 a 82, sob
tltu 0 Um Esguema de caracter1zaqao socio-economica.
xa Media Superior -4, a proporgao em rela~ao ao total de
alunos nao e a mesma. Na 5~ serie, 57,14% dos alunos pe~
tence a faixa Baixa Superior - 2, enquanto que na 8~, es
sa faixa cai para 48,21% de alunos.
om outro dado que nos mostra a diminui~ao do
nIvel de renda
5~
, das famIlias dos alunos inscritos na
serie em 1976, e 0 aparec~ento de 4 crian~as da faixa '
, de renda mais'baixa - 1 , que cai para uma apenas na 6~
serie e nao existe na 7~ e 8~
Por outro 1ado, e interessante salientar que
50% da profissao dos pais dos alunos da faixa 4 (Media '
Superior), esta 1igada ao magisterio:
Cargo
Diretor
Prof.Seound.
Irtspetor
Normalista
Pai
Mae
2
5
~O
1
2
11
10
21
Decidimos deixar em uma tabela a parte
os
resultados da Escola C, de 19 grau, e que, como as outras
semelhantes, nao possuem 7~ e 8~ diunnas ou vespertinas.
A ap1ica~ao dos questionarios na Escola C nao foram satisfatorios. As crian9as sac de tal modo carentes
que'
tiveram grande dificuldade em preenche-los e muitos
fo
ram eliminados per apresentarem dados incomp1etos ou co~
traditorios. Elas tambem se mostraram muito hesitantes '
quanta ao qrau de instru~ao e ate mesmo quanta a pro~issac dos pais. Alias, basta ver a entrada em aula desses
alunos, para se ter uma ideia da diferenya entre eles e
os das outras escolas: sac miudos e visivelmente subalimentados. Mal vestid~s, 0 aspectoem geral mostra a precaridade de instalayoes sanitarias em suas casas. A Dir£
tora informou-me ser impossIvel exigir deles 0 uniforme'
completo. Aqui, nam se cogita em obriga-los a usar os s~
patos pretos e as meias cinzas, normais na Escola A, por
A analise dos dados obtidos nos mostram uma
quase homogeneiza9ao da situagao socio-econOmica
dos
pais, concentrada na Faixa 2 (91,77% contra 60,68' das'
Escolas A e B, nas Sas e 6as.). Alem disso, os pontos
obtidos pe10~ a1unos da faixa 2 da Escola C, sao
'
mais
baixos que os da mesma faixa das Esco1as A e B.
--Malisando
0 nIve1 de instru9ao dos pais ou
responsaveis nas tres esco1as, observa-se urnamodifica9ao na distribuigao de faixas.
H~
urnnitido abaixamento
do nlvel de escolaridade dos pais, com rela9ao ao nlve1
de renda. Fica claro, tambern, que a'maior escolaridade'
dos pais nao traz a consequente eleva9ao do nIvel de
renda.
Nas Escolas A e B, como na·C, 0 nIvel de e~
co1aridade dos pais se concentra nas faixas 1 e 2 (anexo II, tabela 1). A diferen9a esta em que nas Escolas A
e B,
0
nivel dos pais se distribui pelas 5 faixas,
ate
o curso superior. Na Escola C, alem da escolaridade
responsaveis nao ultrapassar
pleto, aparecem
que nunca foram
0
dos
grupo ou ginasio incom -
os analfabetos e, em maior nUmero,
a
escola, os alfabetizados
por exernplo. Na Escola C, ha 54,92% de
os
pelo Hobral,
pais na faixa 1
e 60,56% de ~~es. Nas Escolas A e B, essa porcentagem
desce para respectivamente:
uma nItida eleva9ao de grau de instru9ao nas maes
das
Escolas A e B. Essas diferen9as se acentuam na faixa
(grupo completo): 45% e 39,43%,
e maes,
'
47% e 45,29%, observando-se
respectivamente,
2
pais
constituindo esta porcentagem a indica9aO do '
nlvel maximo de instru9ao dos pais na Esco1a C. Nas Escolas A e B, se na faixa 2 a porcentagem
e 34,18%), a soma dos
e
menor
(27,35%
outros nlveis leva a mais de
SOt
de pais corninstru9ao acima da faixa 1.
~ normal que esses a1unos, provenientes
de '
faixas socio-economicas mais baixas e de meios familia res cornbaixo nlvel de instruyao, apresentem deficiincias
mais acentuadas no campo da comunica9ao e expressao, di
ficultando 0 trabalho do professor secundarl0, atualmence pouco preparado para trabalhar com essa cllentela.Tr~
ta-se de urn outro mundo, de outros padroes de valores ,
ernparticular na Escola C e similares, onde as carencias
de ordernmaterial Impedern que os alunos tenham acesso a
lugares que complernentem as carencias culturais de casa
- (clubes, por-~xemplo, e outros meios de comunica9ao). E~
tretanto, QS programas, os livros didaticos exlstentes '
sac os mesmos de sernpre (na Escola C adota-se alnda
0
manual de Isaias Branco •••) e os professores, serao tambem os mesmos licenciados em Letras, preparados para outra realidade. E lembro que estas observa90es abrangern '
somente os alunos dos cursos diurnos e vespertinos, fi cando fora os inscritos nos cursos noturnos, com sua rea
lldade propria •.
Ate que ponto os valores da nossa cultura academica tradicional de classe media culta, veiculada p~
los manuais de portugues erngeral, podem atlngir
esses
alunos? Nos meios familiares de que provem, esses vale res sac seguramente desconhecidos e portanto, nenhum~ v~
10riza9ao deles podera sair dali. Ate que ponto ha conta£
tos com os valores dessa faixa de popula9ao?
Ate que ponto cOincidern as bases e objetivos
de nosso ensino secundario tradicional com os objetivos'
dos pais ao enviarem, cada vez em nUmero mals elevado
as Sas. as 8 as.-series, os ~~us filhos?
Por outro lado, nao e precise ser urn especi~
-lista parasentir -a distancia entre 0 padrao lingdistico,
proposto pelos manuais de portugues, e a llnguagem efe-t1vamente usada por esses alunos e seus familiares.
0
resultado e quase sempre a nao comunica9ao total entre'
professores e alunos, 0 des interesse destes pelo que se
ensina nas aulas de portugues (que, com razac. eles senternnada ter a ver com suas atividades de se expressar ,
presentes ou futuras).
Diante dessa situa~ao, ou seja, de uma elie~
tela nova em nossas escolas secundarias, pareee-me
fund~
mental que novas situa~oes pedagogieas devem ser introd~
zaidas, e
0
Guia Curricular de LIngua Portuguesa nao tern
outro objetivo.
Entretanto, ele
e
apenas uma orienta~ao
ge-
a
ral. Ainda nao eXi~te n~da puPl~cado,
dis?Osi~ao ~os ~
- professoras,·-para a sua efetiva execu~ao. As reciclagens
realizadas propuseram sugestoes preciosas, mas essas reciclagens atingiram pequeno nUmero de professores,
e
os
alunos das Faculdades de Letras nao foram atingidos.
A sugestao que propomos neste Seminario
e
a
de iniciarmos uma revisao total nos eonteudos de ensino'
de lingua portuguesa, bem como nas teenieas de ensino, a
fim de adapta-las
a
nova situa~ao. ~ necessario eonhecer
a elientela que-hoje se insereve nos cursos de 19 e 29
I
graus: seu nivel cultural e lingdistieo, os objetivos
que pretendem atender atraves
pais problemas. Tudo isso
e
da eseola, seus prinei
fator fundamental na determ!
na~ao do conteudo lingdistico a ser ensinado e nas tecn!
cas de ensino a serem adotadas.
A reformulagao deve come9ar nas Faculdades
'
de Letras, pela formagao do professor secundario. Diria'
mesmo que ela deve atingir os cursos de pOs-gradua9ao
porque so eles estarao em condi90es de
realizar as pes-
quisas necessarias em bornnIvel cientIfico.
~ claro que a solu~ao deste problema nao com
pete sornente a
nos professores. 0 baixo nIvel cultural'
de nossos alunos em geral, mas em particular dos que at~
almente formam a clientela do 19 grau, estao ligados
a
problemas de sUbalimenta9ao, de pobreza; enquanto os
pais desses alunos nao atingirem urnnIvel s6frIvel de
renda familiar, as'carencias' culturais continuarao.
Mas, a continuarmos com os metodos tradicionais do ensino da
lIngua portuguesa, com a imposi9ao de
urnconteudo lingdlstico sem llga9ao com a I1nguagem des-
ses esco1ares, com a veicu1agao de va10res que nao 1hes
podem dlzer nada, e com nossos unlversitar10s vo1tados'
para a cu1tura humanlst1ca tradiciona1 da classe media'
culta, que valorlza multo ma1s a pesqulsa pura do que a
formagao do professor secundarl0, estaremos agravando 0
problema. E, ,allenados, continuaremos fechados na 1ncomun1cabllidade.
XVI Seminar10 do GEL
-"arIHa,
1976.
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