UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERIAIS
CENTRO DE APOIO À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
IV SEMINARIO DE EDUCAÇÃO A DISTÃNCIA
TEMA: TÃO LONGE, TÃO PERTO
OLHARES E EXPERIÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO
DOCENTE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EAD:
campo de disputa entre o professor e o tutor na
arena do trabalho docente?
[email protected]
Iria Brzezinski
Belo Horizonte (MG), 5/6/2012
CONTEXTO
As políticas educacionais de formação de professores
avanço tecnológico combinado com a difusão de múltiplas
cadeias de produção em rede planetária;
possibilitou a distinção entre o trabalho de concepção e o
trabalho de execução em um cenário de desgovernança
global
gerou uma nova conformação da divisão internacional do
trabalho
poucos países concentram o trabalho de concepção,
exigente de educação continuada e de qualidade
compatível com a remuneração e condições de trabalho
civilizadas
a maioria dos
países, seguidores das reformas
neoliberais avança o curso da especialização e formação
por competências operativas – trabalho de execução,
pouco qualificado, sub-remunerado e com condições de
exploração incivilizatória e desumana
grupos econômicos transnacionais voltam-se à defesa e
estímulos financeiros para ações governamentais
pontuais, com foco na regulação competitiva.
POCHAMM, M. O trabalho no Brasil pós-liberal (2011, p. 8-150).
sem muito apelo a elocubrações cognitivas descobre-se a
que mundo se filiam as políticas governamentais de
formação aligeirada de profissionais da educação (74%
dos professores da educação básica pública são formados
em IES isoladas) e de desvalorização do docente, uma
vez que 16 estados da Federação não pagam o piso de
R$ 1451,00.
Ao participar de uma Reunião Técnica no Ministério da
Educação (MEC), em 1999, que tinha por objetivo o
debate acerca de linhas gerais e encaminhamentos para
implementar o Proformação, fiquei intrigada com uma
resposta que tive de uma profissional daquele órgão, que
coordenava a reunião.
Na ocasião, indaguei se o tutor a pertencer àquele
Programa de Formação Inicial de Professores em Nível
Médio, em curso semi-presencial, deveria ter conforme
exigência legal, no mínimo, a formação em um nível mais
elevado do que o nível do curso oferecido.
Fiz esta pergunta porque minha compreensão era a de
que
o tutor deveria ser portador de diploma de ensino
superior em áreas da educação e de ensino, obtido em
cursos de licenciatura plena (cf. LDB/1996 e legislação
complementar).
Programa desenvolvido pela Secretaria de Educação a
Distância (SEED/MEC), o Fundo de Fortalecimento da
Educação (FUNDESCOLA) e os estados e municípios, voltado
para a habilitação de professores sem a titulação mínima
legalmente exigida, como estratégia para melhorar o
desempenho do sistema de Educação Fundamental em
todas as regiões do país. O Proformação iniciou sua oferta
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões que em
sua totalidade contavam com 74% de professores leigos
(sem o nível mínimo exigido por lei) atuantes nos anos
iniciais do ensino fundamental, na ocasião, com quatro anos
de duração.
.
─ Não obrigatoriamente, respondeu a técnica do MEC .
─ Os tutores poderão ter formação no mesmo nível do
curso ofertado ou até inferior. Vamos aproveitar suas
experiências profissionais na área de educação ou suas
vivências em áreas afins.
Sua resposta foi seguida de aplausos entusiasmados do
grupo de prefeitos e secretários municipais de educação
que participavam da reunião e formalizavam convênio com
a SEED/MEC (hoje extinta com a última reforma do MEC,
em fevereiro/2011).
.
Fiquei muito indignada com a resposta a mim dirigida com
tanta espontaneidade e logo deduzi:
o objetivo do MEC era:
desenvolver políticas educacionais em favor da
qualidade da Educação Básica;
fazer “treinamento em massa” de professores leigos “em
serviço”;
optar pela modalidade de educação a distância (EaD)
semi presencial
Para que?
engrossar estatísticas educacionais, tão palatáveis às
agencias financiadoras estrangeiras (Banco Mundial, por
exemplo);
Resulta em que?
precarização o trabalho docente
desvalorizaçao ainda do profissional da educação.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A pergunta que orienta as reflexões aqui realizadas é:
Há disputa entre o professor e o tutor no campo do
trabalho docente na educação a distância ?
.
Professor e tutor tem identidades diferentes?
O professor é o profissional que domina o
conhecimento específico de sua área e os saberes
pedagógicos, em uma perspectiva de totalidade.
Isso lhe permite perceber as relações existentes
entre as atividades docentes e a globalidade das
relações sociais, políticas e culturais em que o
processo educacional ocorre e atuar como agente
de transformação da realidade (BRZEZINSKI, 2001,
p. 3 ).
.
Professor e tutor tem identidades diferentes?
Tal concepção consente reconhecer a importância
no profissional da docência ─ o professor ─ também
o pesquisador e o gestor do ato pedagógico que
atua em espaços escolares e não escolares.
O papel social de professor configura-se ainda como
produtor de conhecimento sobre seu trabalho, como
aquele que domina saberes que lhes permitem
tomar decisões em favor da qualidade cognitiva das
aprendizagens escolares e que atua no processo
constitutivo da cidadania da criança, do jovem do
adolescente e do adulto.
Professor e tutor tem identidades diferentes?
Ao compartilhar ideias de Arendt (2005), reafirmo que a
identidade coletiva se constitui nas mediações
estabelecidas na teia das relações humanas, “surgindo
do eu e torna-se nossa”, porque passa a ser
socialmente aceita. À medida que se reconhece que a
identidade profissional é uma identidade coletiva,
reconhece-se também que o coletivo marca o encontro
do espaço privado do indivíduo com as relações sociais,
culturais, históricas e econômicas do espaço público.
Professor e tutor tem identidades diferentes?
A docência se realiza no espaço público como uma
prática social que move a “dinâmica histórica da
aprendizagem humana, do ensinar e do aprender a
sermos humanos” (ARROYO, 2000, p.53).
A base da identidade do professor é a docência.
Qual é a base da identidade do tutor?
Reforçam a referida concepção de docência e de
trabalho docente os ensinamentos de Kowarzik (1983),
à medida que o autor, orientado pela dialética e pela
categoria trabalho, aprofunda estudos conceituais de
práxis educativa, que “depende de uma teoria
pedagógica
para
poder
ser
consciente
e
voluntariamente a educação do homem em homem
pelo homem” (KOWARZIK, 1983, p. 129).
Castells (1999) contextualiza as questões da identidade
coletiva na acepção contemporânea de “identidade em
rede”, inserida na sociedade da revolução tecnológica,
que possibilitou o uso de tecnologias da informação e
comunicação, um dos aspectos determinantes para o
desenvolvimento da educação presencial e educação a
distância (EAD).
Resulta desse processo de mudanças, devido aos
avanços tecnológicos, o delineamento de outra
identidade coletiva do professor, que se manifesta no
exercício da docência
no âmbito da educação presencial
âmbito da educação a distância
requer domínio de conhecimento específico sobre as
novas metodologias de ensinagem
habilidades para fazer uso de tecnologia como recurso
didático, que não se reduz a uma simples técnica.
Tais requerimentos para o exercício da docência
na
educação
não
presencial
vislumbram
possibilidades “de uma ressignificação do papel
de docente, propiciando a transformação” (LAPA;
PRETTO, 2010, p.82).
.
Na docência: Somos seduzidos pela tecnologia ?
Nos curvamos à ideologia da racionaliade
tecnológica?
Habermas (2001) em relação ao poder ideológico da
racionalidade tecnológica: ao invés de proporcionar
liberdade e emancipação ao homem, pode escravizá-
lo, pois ao nível do desenvolvimento técnico-científico,
as forças produtivas parecem entrar em uma nova
constelação com relação à produção: já não funcionam
em
prol
de
um
esclarecimento
político
como
fundamento da crítica das legitimações vigentes, mas
elas próprias se convertem em base de legitimação
(HABERMAS, 2001, p.48).
Na docência: Somos seduzidos pela tecnologia ?
Nos curvamos à ideologia da racionaliade
tecnológica?
o “projeto de racionalidade” sempre esconde
[...] uma forma determinada de dominação política
inconfessada. Na medida em que a racionalidade
[…] consiste em bem escolher estratégias, em
utilizar de forma adequada as tecnologias e em
gerenciar apropriadamente os sistemas – para fins
fixados e em situações definidas – essa
racionalidade subtrai da reflexão e da
reconstrução racional o feixe de interesses macrosociológicos no seio do qual as estratégias são
escolhidas, as tecnologias utilizadas e os sistemas
gerenciados (HABERMAS, 1973, p. 4-5).
Na docência: Somos seduzidos pela tecnologia ?
Nos curvamos à ideologia da racionaliade
tecnológia?
“essa nova auto-alienação do homem, que lhe
pode roubar a sua própria identidade e a do outro
[...] é o perigo de que o criador se perca na sua
obra e o construtor na sua construção”
(SCHELSKY, 1963 apud HABERMAS, 2001,
p.147) .
.
Práticas Formativas do professor? Do tutor?
De qualquer maneira, o profissional professor
para saber usar as tecnologias de informação e
comunicação como recurso didático em educação
presencial e EAD, deverá ter uma formação
especializada.
Neste aspecto encontro guarida nas afirmações
de Belloni (1999) de que, mais do que em outras
modalidades de ensino, na modalidade EaD a
tecnologia concorre como mediatizadora do
processo de ensinagem.
.
Os requisitos necessários para a formação do
professor para o ensino presencial são os
mesmos para a formação do professor para
atuar na EAD.
.
A Anfope luta para que haja
Sistema Nacional de Educação e de Valorização dos
Profissionais da Educação
Adote uma política nacional para formar com qualidade
socialmente referenciada os professores e os formadores de
professores, articulada, entre outras,
à necessidade da melhoria das condições de trabalho,
com piso nacional unificado dignificante,
jornada de trabalho em uma única escola,
número de alunos por sala de aula delimitado,
boas edificações escolares,
disponibilidade de laboratórios bem equipados condições para
a própria escola repensar-se a si mesma como espaço
privilegiado de formação continua de professores.
A Anfope luta por um
Referencial Curricular Nacional
BASE COMUM NACIONAL DE FORMAÇÃO
• sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno
educacional e seus fundamentos
• unidade teoria-prática atravessando todo o curso
• trabalho coletivo e interdisciplinar como eixo norteador do
trabalho docente;
A Anfope luta por um
Referencial Curricular Nacional
BASE COMUM NACIONAL DE FORMAÇÃO
• compromisso social do profissional da educação
• gestão democrática entendida como superação do
conhecimento de administração enquanto técnica e
compreendida como manifestação do significado social das
relações de poder reproduzidas no cotidiano escolar
• incorporação da concepção de formação continuada
visando ao aprimoramento do desempenho profissional aliado
ao atendimento das demandas coletivas da escola
A Anfope luta por um
Referencial Curricular Nacional
BASE COMUM NACIONAL DE FORMAÇÃO
• avaliação permanente dos cursos de formação dos
profissionais da educação, como responsabilidade coletiva a
ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada
curso/instituição
Existe disputa na arena docente entre
tutor e o professor?
Indícios nos Marcos Regulatórios
No anexo 1 da Resolução CD/FND nº 26, de 05/062009 estão
determinadas as atribuições do tutor
Tais atribuições vão delineando o perfil do tutor e contribuem
para dar contorno à sua identidade
Andrade em A mediação na tutoria online: o entrelace que
confere significado à aprendizagem. In: SANTOS, G. L.;
ANDRADE, J. B. F. de. (orgs.) Virtualizando a escola:
migrações docentes rumo à sala de aula virtual enuncia
certas características da identidade do tutor, que ela prefere
denominar categorias.
Constituem-se em:
• docência;
• comunicação;
• mediação
• competência interpessoal
• conhecimento tecnológico.
Existe disputa na arena docente entre
tutor e o professor?
Indícios na concretude das relações cotidianas
twitter de @joaomattar, registradas em epígrafe por Lapa e Pretto (2010,
p. 80), que suscitam indícios de que a arena do trabalho docente é campo
de disputa entre o professor e o tutor.
@joaomattar: Aliás, por que não um Projeto de Lei para
obrigar que tutores sejam professores, e não mão-deobra
explorada como são?
@rafael_parente: Tutor é professor, tutor é professor,
tutor é professor, tutor é professor, tutor é professor,
tutor é professor, tutor é professor!
(capturado do twitter de @joaomattar)
Existe disputa na arena docente entre
tutor e o professor?
Não me considero com direito a interpor-me ao que reclama o
“twitteiro” em mensagens capturadas por Lapa e Pretto
(2010),
uma vez que,
como cidadão
brasileiro
esse
personagem que faz uso das tecnologias da comunicação,
tem direito a denunciar que os tutores de Polo são
explorados. Há evidências de que são prestadores de
serviços mal remunerados e, muitas vezes, põem em prática
suas ações pedagógicas sem condições dignas de trabalho.
Existe disputa na arena docente entre
tutor e o professor?
Não tenho o direito também de me interpor à proposta do “twitteiro” para
aprovação no Congresso Nacional de um projeto de lei que obrigaria os
tutores a serem professores.
Tenho sim na condição de professora que forma professores formadores
e de pesquisadora que tem por objeto as políticas de formação de
professores, o dever de alertar que os tutores só se tornam
verdadeiramente professores quando formados em cursos superiores
específicos que os credenciem para o exercício da docência ─ as
licenciaturas plenas e com formação continuada em mestrados e
doutorados.
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