Grupo de Trabalho 27: Religiões de matriz Africana no Brasil: memórias, narrativas e símbolos de religiosidade. Coordenadores: Luís Tomás Domingos e Renilda Aparecida Costa. TÍTULO: TOBÓSSIS, MENINAS, MOÇAS OU SINHAZINHAS: representações e significados do culto dessas entidades no Ilê Ashé Ogum Sogbô Gerson Carlos P. Lindoso, e-mail: [email protected], Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA, Campus São LuísCentro Histórico. 1. INTRODUÇÃO As análises reflexivas em torno de entidades espirituais infantis femininas, especialmente um ritual de preparação para ‘receber’ ou ‘entrar em transe com elas’ é aqui a nossa preocupação principal dentro da ótica antropológica. Esse tema faz parte de nossas pesquisas na cidade de São Luís no Estado do Maranhão tendo como foco uma comunidade-terreiro contemporânea intitulada ‘Casa de Força de Ogum e Sogbô ou Ilê Ashé Ogum Sogbô (nome africano) desse terreiro de Tambor de Mina, chefiada pelo pai-de-santo ou babalorixá Airton Gouveia no bairro da Liberdade. Tomamos como base de estudos esse terreiro, que culminou na elaboração de nossa dissertação de mestrado, onde direcionamos olhares para a questão dos pluralismos e diversidade afrorreligiosa presente nos terreiros de religião afromaranhense, especificamente nas casas de Mina. Os barcos de iniciação para as tobóssis no Ilê Ashé Ogum Sogbô mobilizaram esse grupo religioso representando um momento de vital importância e transição dos iniciados e do próprio terreiro. Consideramos que a observação-participante foi essencial para acompanharmos esse ritual de iniciação das tobóssis, onde presenciamos toda a parte final ou pública dele (festa propriamente dita) e tivemos acesso rapidamente na condição de ‘padrinho’ de um dos iniciados do primeiro barco de tobóssis ao local em que eles estavam recolhidos. O método comparativo proporcionou observar possíveis semelhanças, diferenças entre essas entidades no Brasil e no continente africano (África Ocidental-Benin), tomando como base a centenária Casa das Minas e um terreiro mais contemporâneo. Nossa trajetória nos estudos afro-brasileiros vem desde nossa graduação em Comunicação Social (Jornalismo, 2005) e em Letras (licenciatura, 2007) na Universidade Federal do Maranhão-UFMA, quando desenvolvemos pesquisa de iniciação científica no campo Antropológico, especificamente no contexto da Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras. Essas experiências tiveram ainda continuidade no mestrado em Ciências Sociais (2007) desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da mesma universidade. 1. O CULTO DAS TOBÓSSIS NO CONTINENTE AFRICANO E NO BRASIL: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS. É importante destacar ou pontuar algumas considerações de Parés (2001, p. 179) sobre a filiação dessas entidades espirituais ao próprio continente africano (leia-se antigo Daomé, atual Benin ou particularmente o culto dos Nesuhue). Segundo esse autor o culto dos Nesuhue é praticado por coletividades familiares de origem fon, que também pode ser identificado como tòvodun com referência as entidades espirituais incluindo reis, príncipes e princesas da família real, assim como ministros e dignatários da corte daomeana que foram ritualmente deificados e convertidos em vodum. Ex: categorias de vodun Tohosu (príncipe das águas). Chamamos à atenção em relação a essa contextualização africana para o processo de iniciação das vodúnsis no culto Nesuhue, constituído em dois estágios como atesta Parés (Id, p. 181): o Asi sò do te (a consagração a um determinado vodun), sendo chamada depois de hundotè (a divindade em pé), recebendo um nome, onde ela passa a dançar e participar das cerimônias públicas. No outro estágio ou segundo propriamente dito, a vodúnsi é submetida a um novo estágio de iniciação (uma série de rituais, chamado de Yivodo- ir ao Vodo) no qual a vodúnsi atinge o grau máximo na hierarquia Nesuhue. São várias as provas as quais as vodúnsis são submetidas passando por vários estados (primeiro: morte ritual, vodun hu asi- o vodun matou a sua mulher, ficando vários dias prostrada no chão, hun ci ò, o cadáver do vodun, seguido de uma ressurreição ritual ‘hun finfòn, acordar do vodun, sendo agora conhecida pela categoria vodunsí Hunjayi, a vodunsí que o vodun jogou por terra. Nesse estágio de iniciação ela ainda passa por vários treinamentos e aprendizagens (vários processos rituais, adquirindo uma nova personalidade sagrada), segundo Verger um estado de embotamento1 (VERGER, 2000, p.105). Na última parte da iniciação algumas mulheres são preparadas numa outra série de rituais e cerimônias para atuar ou virar como tobosi. O estado de tobóssi é o mais alto grau ou status no culto Nesuhue, onde a vodúnsi será conhecida como ‘Mahisi ou Mahinu’ ou ‘vodúnsi hunjayi’, após ser preparada para o ‘estado’ de tobóssi. Nicolau Parés (Id, p. 182) aponta um detalhe importante sobre as tobóssis no culto Nesuhue quanto a questão de gênero no que diz respeito aos ‘vodúnsis homens’ ou vodunsos2. Os vodunsos que participaram do Yvodo geralmente não recebem tobóssi, vindo a ser oficializados como ‘vodunons’ (grandes sacerdotes do culto), organizando e supervisionando as cerimônias e rituais. No Tambor de Mina do Maranhão, particularmente no templo afrorreligioso denominado de Casa das Minas, terreiro fundado em meados do séc. XIX de culto aos voduns (entidades espirituais africanas) e que simboliza muitas marcas culturais dos povos jeje daomeanos (nação jeje daomeana) expressa as heranças do culto das tobóssis no Brasil. Com as devidas ressalvas, algumas diferenças e variadas semelhanças entre o culto no continente africano e em terras brasileiras (Tambor de Mina no Maranhão e outras localidades). Podemos apontar entre as semelhanças do culto Nesuhue no continente africano (o estado de tobóssi ou de bobo) e no Tambor de Mina no Maranhão (a feitura de tobóssi, onde a vodúnsi se torna ‘Hunjayi’, o mais alto grau de iniciação no Tambor de Mina) os seguintes pontos: os nomes rituais dessas entidades (identificação específica); a língua ou linguagem simbólica utilizada por essas entidades para se comunicar (segunda língua ritual, bobo gbe, a linguagem dos bobo, PARES, Id, p. 183); as tobóssis comiam e bebiam (exceto bebidas alcoólicas); apresentavam comportamentos mais humanizados (tomavam banho, se arrumavam, se vestiam, enfeitavam-se; se comportavam como crianças, meninas, puras, brincavam com bonecas, etc.); ______________________________ 1-De acordo com Verger (2000, p.83) o papel do estado de embotamento tem o objetivo de tornar o espírito do noviço ou iniciado virgem de toda impressão anterior, criando de certa forma uma segunda personalidade, um desdobramento mítico inconsciente. No período de iniciação a vodúnsi depois da morte e ressureição ritual passa por um estágio de treinamento, mediante vários processos rituais de aprendizagem para adquirir uma nova personalidade sagrada e é nesse espaço de tempo que o indivíduo experimenta esse estado de embotamento, amorfo. 2-Expressão utilizada para designar no Tambor de Mina no Maranhão os homens filhos de voduns, os vodunsos. O finado Jorge Babalaô (Casa de Iemanjá) utilizava muito essa denominação para se referir aos seus filhos-de-santo do sexo masculino, que tinham voduns como entidades espirituais mais importantes (primeiro ou segundo santo de cabeça, por exemplo). os ritos de iniciação no Brasil das vodúnsis eram também divididos em duas etapas (iniciação mais simples-vodúnsi-he e vodúnsi hunjayi dos cultos Nesuhue do continente africano). É importante destacar que no continente africano ou no culto dos Nesuhue as tobóssis desempenhavam a função de ‘mendicantes’ e que no Brasil isso foi ‘ressignificado’ ou invertido como atesta Pares (Id, p. 201) e como contrapõe Sérgio Ferretti (2009, p. 144) ao postular que além das tobóssis distribuírem frutas, bebidas, doces, acarajés, etc., elas acordavam bem cedo, tomavam banho, café, dançavam na varanda e pediam ‘presentes’ e ‘guê’, que chamavam de ‘dinheiro’. Com relação aos aspectos diferenciados entre o continente africano e o Brasil, citamos a questão da possessão das tobóssis, pois no culto Nesuhue há uma continuidade entre o transe do vodum e da tobóssi e no Tambor de Mina (Casa das Minas) isso era algo descontínuo, ou seja, no primeiro (África) a incorporação com essas entidades espirituais se dá após a manifestação do vodum e no Brasil isso acabou mudando ou não obedecendo tal ordem. Independentemente da manifestação do vodum ou não, as tobóssis podiam ou se manifestavam nas suas filhas na Casa das Minas (precedendo ou não), onde afirmamos que a manifestação delas na Mina não estava ligada diretamente a um estado de transição entre a possessão e o estado normal como no continente africano (PARES, 2001, p. 198). Apontamos mais um aspecto diferencial entre a categoria dessas entidades na África e no Brasil relacionada com os adornos ou enfeites de suas vestimentas, particularmente a ‘manta de miçangas’, uma espécie de colar com várias fileiras em malhas de contas de cores diversas, com uns trinta centímetros de largura, pendurada no pescoço e abrindo em leque sobre os ombros (FERRETTI, S. 2009, p.198) classificado por Nicolau Parés (Id, p. 201) como uma ‘inovação brasileira’ pois esse autor não encontrou referentes parecidos a ele na vestimenta ritual dessas entidades no Benin. Infelizmente, na Casa das Minas o culto das tobóssis está ‘parado’, devido a falta de iniciações desde 1914, ano do último barco de tobóssis ou de feitoria das últimas vodúnsis gonjaís, onde elas deixaram de ‘vir’nessa casa desde os anos ‘60’. Nicolau Parés (Id, p. 197) pontua que mesmo com o culto das tobóssis da Casa das Minas parado, essas entidades continuam sendo representadas em outros terreiros de Mina mais contemporâneos e identificadas pelas categorias de ‘tobosas’, moças e princesas: Essas tobosas apresentam certas semelhanças comportamentais com as tobossis da Casa das Minas, mas “incorporam” em médiuns independentemente do grau de iniciação e nesse sentido diferenciam-se das tobóssis da Casa das Minas que só se manifestavam nas médiuns mais experientes. (PARES, 2001, p. 197). O que Nicolau Parés (Id, Ibid) está afirmando é que a categoria de entidades espirituais denominadas princesas, moças ou tobosas fora do modelo ritual da Casa das Minas mesmo apresentando comportamento semelhante aos dessa casa elas se manifestam nos médiuns independentemente do seu grau de iniciação dentro da religião. Contrapomos um pouco essa ideia ou posicionamento do autor a partir das nossas análises a respeito dessas entidades espirituais (tobóssis) representadas ritualmente no terreiro de Mina estudado por nós, ‘Ilê Ashé Ogum Sogbô (Casa de Força de Ogum e Sogbô), de pai Airton no bairro da Liberdade em São Luís do Maranhão. A representação dessas entidades espirituais infantis femininas desenvolvida por essa casa de Mina vai de encontro com o histórico delas na Casa das Minas jeje, onde esse terreiro contemporâneo procurou seguir uma determinada ‘tradição’ em termos de suas origens, características, graus de hierarquia e formação. Todo um conjunto ritualístico e simbólico de bases jeje daomeanas da Casa das Minas relacionado ao universo das tobóssis serviu de modelo para que as heranças culturais dessa nação pudessem ser melhor ressignificadas ou melhor reinterpretadas pelos terreiros mais jovens ou contemporâneos como o Ilê Ashé Ogum Sogbô, de pai Airton. Nesse terreiro contemporâneo elas são chamadas mesmo de ‘tobóssis’ e são apresentadas e representadas com sua ascedência ‘africana’ (jeje daomeana). 2. TOBÓSSIS, TOBOSAS MENINAS, SINHAZINHAS NO TAMBOR DE MINA MOÇAS, PRINCESAS OU ‘Tobóssi’ de acordo com observações de Mundicarmo Ferretti (2000, p. 83) é um termo designativo utilizado no terreiro de Mina pesquisado por ela, Casa Fanti Ashanti de pai Euclides, e em vários outros terreiros de Tambor de Mina para designar não apenas princesas africanas, recebidas por pessoas que têm iniciação completa, a exemplo das vodúnsis –gonjaís (filhas-de-santo com iniciação completa) da Casa das Minas. Essa palavra ou categoria ‘tobóssis’ é usado também para se referir a outras entidades espirituais femininas infantis, agrupadas em famílias nobres, recebidas por vodúnsis, filhas-de-santo que passaram por preceitos ou rituais, mas não a iniciação completa na Mina. A mesma autora (Id Ibid) postula que na Casa das Minas as filhas-de-santo diziam que as tobóssis de outras casas de Mina são equivalentes as entidades espirituais infantis (erês) de uma outra matriz afro-religiosa, o Candomblé, mas não as tobóssis da Casa das Minas de nação jeje daomeana (República do Benin, ex- Daomé, África Ocidental). Hippolyte Sogbossi (2004, p. 299) aponta a etimologia do termo ‘tobóssi’ como derivada da língua ‘fon’ falada na África Ocidental sobretudo no Benin, onde no passado era a língua oficial do antigo reino do Daomé. Basicamente de acordo com o autor ‘Tö’ vai corresponder a ‘água’; ‘bo’ a entidade espiritual (o vodumtöxösu, dono das águas) e ‘si’, a mulher, ou seja, a ‘esposa da divindade das águas’. Ao analisar o segunda palavra da divindade jeje ‘Aziri Tobossi’ muito conhecida nos candomblés jeje de Cachoeira na Bahia, Nicolau Parés (2006, p. 352) diz que o termo ‘tobo’ poderia ser um composto dos vocábulos ‘bô’ (complexo material consagrado com propriedades sobrenaturais) e tò (água ou qualquer curso d’agua: rio, fonte, lagoa). Na verdade, Parés (Id Ibid), aponta que ‘tobo’ seria o preparo ou sortilégio cujo poder é infundido pelos espíritos das águas ou também uma outra significação apontada por outros como uma contração de tògbo, o grande (gbo) curso d’agua (tò). Esclarecemos que Aziri Tobosi e Tobossis são categorias diferentes de divindades e que apenas tomamos uma análise de Parés sobre um dos termos da primeira divindade para observarmos possíveis significações da palavra tobossi. Aziri Tobosi segundo especialistas jeje pode ser tomada como duas divindades espirituais femininas das águas (Aziri Tobosi e Aziri Kaia), onde a primeira é associada as águas doces e profundas e a segunda às águas salgadas (PARES, Id Ibid), veste branco e usa contas de cristal como Iemanjá e é inegável a sua contextualização com as águas. Percebemos que o discurso das vodúnsis da Casa das Minas apresenta essas entidades como especiais ou diferenciadas de outras casas de Tambor de Mina, embora sabendo que em outros terreiros também haja uma identificação com o modelo ritual dessa casa, as ‘tobóssis’ que não são originárias de lá são apenas espíritos infantis (erês), crianças, de acordo com uma visão mais ‘tradicionalista’ delas. Os erês do Candomblé vão explicitar diferenças das tobóssis, a partir de alguns aspectos, tais como a questão do gênero, eles podem ser tanto masculinos e femininos; muitas vezes têm uma natureza desordenada e imprevisível em face de sua condição de ‘meninos’, não distinguindo o bem e o mal, podendo mentir, roubar, esconder objetos, etc., vindo algumas pessoas até associá-los com o trickster Exu ou Legba (PARES, 2001, p.190). Já as tobóssis na Casa das Minas se caracterizavam de modo oposto em alguns pontos, quando comparadas com os erês. Essa categoria de entidades nesse terreiro de Tambor de Mina ‘tradicional’ tinha várias características importantes, tais como: incorporação ou eram ‘recebidas’ apenas pelas filhas, vodúnsis com todos os graus de iniciação completos; eram crianças, falavam como crianças; sua comunicação era em língua africana e cada uma das tobóssis em suas filhas tinha um nome em africano; não participavam dos toques de Tambor de Mina comuns na casa e não eram confundidas com outros voduns jovens existentes nesse terreiro (toquenos). Sérgio Ferretti (1996) evidencia que essas entidades não existem mais na Casa das Minas, porque as últimas filhas que as recebiam morreram na década de 70 e o último barco de tobóssis na Casa das Minas foi realizado em 1914. As tobóssis vinham somente três vezes por ano na Casa das Minas, ou seja, quando tinha festa grande e que duravam vários dias. Na festa do vodum feminino Noché Naé no mês de junho; no fim do ano (mês de dezembro) e nas festas de carnaval. Na Casa das Minas o vodum feminino Noché Naé é a chefa das tobóssis. O vodum Noché Naé é considerada a mãe de todos os voduns como explicita Ferretti, S. (Id, p. 101), chamada também de ‘senhora velha’ ou sinhá velha. As suas vestimentas eram com saias coloridas, pulseiras de búzios e coral, chamadas dalsas, pano da costa colorido e manta de miçangas coloridas presa ao pescoço e usavam vários rosários. Diferente das entidades espirituais africanas chamadas de voduns, orixás, etc., que não comem ou ingerem alimentos sólidos, as tobóssis ingeriam comida em pequenas quantidades iguais à nossa; comiam com os convidados nas festas e ofereciam doces e comidas às pessoas (FERRETTI, S., 2009, p. 96) Na casa de Nagô, outro terreiro de Mina fundado por africanos, tradicional como a Casa das Minas, mas de nação ou de herança africana do grupo ‘nagô’, as tobóssis eram chefiadas pelo orixá Iemanjá, elas não comiam, só bebiam água, não usavam mantas de miçangas, como na Casa das Minas, mas usavam muitos colares e pulseiras. Elas costumavam ficar sentadas em cadeiras sobre tapetes e os rituais de feitura também foram extintos no início do séc. XX (1915) (Id, p. 98). Em outros terreiros antigos de São Luís, Ferretti (Id, Ibid) sustenta que também havia meninas ou princesas que se assemelhavam as tobóssis da Casa das Minas como no terreiro da Turquia (bairro do Santa Cruz), mas que não vem mais na atualidade; na Casa Fanti Ashanti ele afirma que diz ter ouvido Euclides afirmar que em seu terreiro havia tobóssis, que eram provenientes de um terreiro antigo já extinto, Terreiro do Egito; o mesmo diz também que presenciou festas para as meninas em outros terreiros de Mina em São Luís e tomou conhecimento dessas entidades em terreiros de religião afro em Codó. O terreiro do Egito ( localizado em um local acidentado, no alto, por detrás do porto do Itaqui), já extinto, foi uma casa de Mina fundada por uma africana chamada de Basília Sofia (Massinokou Alapong) em meados do séc. XIX (FERREIRA, 1987, p.51), vindo a originar muitos terreiros e mineiros (afroreligiosos ou filhos-de-santo) que se transformaram em chefes de terreiro, dentre eles: Denise de Vó Missã, Teodora de Longuinho, Margarida Mota de Dantã, Jorge Itaci, de Iemanjá, Euclides Ferreira, de Oxalá, etc. (OLIVEIRA, 1989, p. 34). O babalorixá Euclides Ferreira (Id, p.51), líder do terreiro de Mina e Candomblé (Casa Fanti Ashanti), afirma que as festas do mês de dezembro desse terreiro se iniciavam com a ‘dança do baião’ ou ‘Baião de Princesas’, cerimônia dedicada as tobóssis. Ainda de acordo com Euclides (Id, Ibid) as tobóssis eram entidades infantis femininas que dançavam com castanholas na mão ao som de cavaquinho, pandeiros, violino e cabaças e o ritual do Baião era uma festa muito concorrida, animada, com salva de foguetes. Na verdade, o ‘baião de princesas’ iniciava a festa do mês de dezembro, que resistiu ao tempo e não desapareceu depois que Basília Sofia (Massinokou Alapong faleceu): Contava Pia que, no tempo de Massinokou, existiam quatro temporadas de festas: 12, 13 e 14 de dezembro; 19, 20 e 21 de janeiro; 29, 30 e 31 de agosto; e 28, 29 e 30 de setembro, quando era venerado o rei dos mestres (To Alapong), que fazia a celebração do setembro, uma espécie de agradecimento. Com o correr dos tempos, três dessas festas foram se extinguindo, ficando apenas a festa de dezembro, popularizada como festa de Santa Luzia, adorada pela entidade Sinhá-Bê, mas que festejava também Santa Bárbara, adorada também por Dantam. E a tradição fez com que o ritual sempre começasse com a dança do baião. (FERREIRA, 1997, p. 98). Para ser mais claro o ritual do ‘Baião de Princesas’ era um ritual que precedia a festa do mês de dezembro para Santa Luzia no terreiro do Egito, onde as filhas-de-santo ricamente vestidas com saias e blusas coloridas, mantas de miçangas, laços de fitas e flores na cabeça, xales, leques, muitas jóias, colares e fitas e outros adornos. Um ritual extremamente ‘feminino’ no qual as mulheres recebiam suas ‘encantadas’ (entidades espirituais femininas: princesas, moças, rainhas e mães d’aguas) e dançavam ao som dos instrumentos típicos do baião como em um grande baile (BAIÂO DE PRINCESAS, 2002). Ainda nos dias atuais a Casa Fanti Ashanti de pai Euclides continua a ‘tradição’ de realizar o ritual do ‘Baião de Princesas’ no dia 13 de dezembro, dia dedicado a Santa Luzia, santa católica e também a entidade espiritual africana o vodum feminino ‘chefe’ do Baião de Princesas nesse terreiro de Mina, ‘nochê Dantã’, também conhecida pelos nomes de Obarí, Bela Infância, Belinha, Menina da Gameleira ou Menina do Caxangá (ID, Ibid). Dantã ou senhora Dantã como também é conhecida na mitologia da ‘encantaria maranhense’ aparece nesse contexto como uma das filhas do rei da bandeira (Seu João da Mata), uma outra rainha e segundo as informações do finado pai Francelino Shapanan (introdutor do Tambor de Mina em São Paulo, fundador da Casa das Minas de Thoya Jarina) dadas ao professor Reginaldo Prandi (2001, p. 249) às vezes ela aparece como vodum da família de Dambirá (voduns da terra), muito parecida como uma Nanã Velha. O babalorixá Euclides afirma que as tobóssis são entidades encarregadas das aprendizagens na vida doméstica do culto do Tambor de Mina na ‘cabeça’ de cada filho-de-santo. O mesmo líder afro-religioso cita uma pequena lista das ‘tobóssis’ ‘assentadas’ ou cultuadas pelos seus filhos (as)-de-santo que passaram por preceitos (rituais específicos de preparação para receber tais entidades: Isabel-Demawí; Maria José-Boukuni; Maria Gomes-Laandê; Maria Guterres-Ossandê; Lindalva-Ceveby; Emilia-Ladênin; Joãozinho-Ibacilé; Domingos-Alêneby; Maria Teresa-Ominadê; Maria dos Remédios-Dindandê; Laura-Samilokun; R. SoeiroIpandêin; Maria Jansen-Danilé; Anisia-Mayênin; Nazaré-Denijá; Creuza-Lubenin; Luís-Nancilé; Alberto-Abenilá; LaurindoGuimadê; Venina-Ejakerê; Euclides-Aladêssi; AnunciaçãoNaninremim; Clarice-Esadêmi; Belinha-Sanilé; Haroldo-Idaceví; Unais-Ineuênin; Eurimar-Sancilé; Iracy-Amãhê; VicentinaLossamim; José Gomes-Untebessi; Anilton-Ênindé; JúliaLagonijá; Ana Cleide-Macilé; Carlos-Macilé; Lucimar-Undemilá; Madalena-Bakunomim; M. Arcângela Indasã; AlexandrinaIsanlé. Filhas falecidas e suas tobóssis: Mariana-Dêlomim; Vitória-Azikarê; Maria Tapuia-Kauêmim; Isaura-Jactemy; M. Checó-Adunilé; Remédios Castro-Leidiomar. (FERREIRA, 1987, p. 165-166). Chamamos à atenção para o nome dos seguintes filhos-de-santo dessa lista Ana Cleide e Carlos com o nome da mesma tobóssi ‘Macilé’ para um possível erro de digitação da obra, pois o mesmo se repete com o mesmo nome da tobóssi para esses dois filhos-de-santo, visto que essas entidades são pessoais e íntimas, onde uma mesma tobóssi não incorpora em mais de uma pessoa e quando a filha (o) morre a tobóssi dela (e) não retorna ou incorpora mais em outros. O finado babalorixá Jorge Oliveira (1989, p. 43), chefe da Casa de Iemanjá, no bairro da Fé em Deus, também exemplifica algumas tobóssis e princesas que ‘arreiam’ (incorporam, descem) nesse terreiro de Mina: Adobê, Agomavê, Elaci, Diana, Nisavehy, Rica Prenda, Dona Rosinha, Sereinha, Dilewá, Dantobê, Finaflor, Anadina, Flor do Dia, Boça, Naidê, Janaína e Princesa Luzia. É imprecindível compreender alguns aspectos quanto ao nome dessas entidades como mesmo alerta Oliveira (Id, Ibid) ao afirmar que as princesas de origem nagô, tapa e cambinda utilizam nomes abrasileirados, enquanto as de origem jeje usam nomes africanos. No terreiro de Iemanjá essas entidades espirituais femininas (Rainhas, Princesas, Moças, Meninas, Tobosas, Tobóssis) são chefiadas pela dona da casa, Iemanjá, Abê, que traz todas as ‘princesas’ junto com ela em uma grande corte para a festa dela no dia 08 de dezembro e também no dia da Bancada ou Ahambã (quarta-feira de cinzas). De acordo com depoimento de Jorge Oliveira (2003) na Casa de Nagô (terreiro de Mina centenário fundado por africanas de nação Nagô, próximo a Casa das Minas), Iemanjá é a chefa das tobóssis nessa casa e era ela que trazia todas as princesas habitantes de uma espécie de convento ou castelo no fundo mar, ‘descendo no terreiro’ todas juntas, denominadas por esse líder afro-religioso como as ‘crias de Iemanjá’. Leandro de Nanã (2010), pai pequeno do Ilê Ashé Ogum Sogbô, confirma essa assertiva de que elas costumam vir todas juntas e que ‘elas estão ligadas aos elementos mais profundos dos nossos voduns, é como se fôsse a vida deles em uma criança pura e meiga, estando ligadas ao nosso corpo, se alimentando assim como nós, mas só com frutas (no processo de feitura ou de recolhida) e por isso quando nós morremos, elas morrem também e não vem mais. De acordo com informações de Pai Márcio de Boço Jara, pai-de-santo da Casa das Minas de Thoya Jarina em São Paulo, a Rebelo (2011, p. 08) contando uma história peculiar da encantada Thoya Jarina do finado Francelino Shapanan e seu cuidado com as tobóssis nesse terreiro de Mina, confirmando mais uma vez essa ideia de transe coletivo dessas entidades: Ela vinha pouquíssimas vezes, falava pouco e se comportava sempre muito altiva, ela tinha um porte de princesa e era muito serena, bem mãe, de conversar baixo. Mas algumas vezes ela saía do prumo, vamos dizer assim. Lembro de um acontecido que houve durante um ritual, no qual nós temos que manter preceito durante três dias, que geralmente era realizado durante o carnaval, que é o ritual das Tobossis. E os filhos da casa e até mesmo pai Francelino, chegaram a quebrar esse preceito, saindo no carnaval. E eu vi Dona Jarina bater com chicote, brava, nos filhos que não cumpriram essa determinação. Isso porque se uma das tobossis não vier, as outras também não vêm. Se um filho estiver com álcool no corpo, ou tiver feito alguma coisa de errado, aquela entidade não vem, e, assim não tem ritual, não tem tambor. E alguns filhos, que Dona Jarina sabia que tinham pisado fora, ela puniu e aquilo ficou na nossa lembrança. (REBELO, 2011, p.8). Entendemos que o corpo deve estar ‘limpo’ para entrar em transe com tais entidades consideradas muito ‘finas’ e delicadas e que o ‘preceito’ ao ser quebrado nessa ocasião na Casa das Minas de Thoya Jarina pelos filhos-desanto e pelo próprio pai Francelino levou a aplicação de castigos por Dona Jarina. Leandro de Nanã (2010) nos explicou que uma tobóssi costuma ‘puxar’ a outra e todas se manifestam em suas filhas (os). Outro argumento interessante de Oliveira (Id) sobre as tobóssis e sua festa é a de que ela representa a transmigração da família real de Daomé do continente africano para o Maranhão. Uma das explicações que o finado Jorge Oliveira dá é de que a suposta africana fundadora da Casa das Minas Nã Agotimé em meados do séc. XIX ao vir da África para o Maranhão veio acompanhada de sete princesas reais dando a entender que essas festividades são alusivas e representativas à realeza daomeana. Usualmente essas entidades espirituais femininas tobóssis, meninas, princesas costumam vir nas festas de Arrambã ou Bancada3. No ritual de Arrambã ou bancada em que as tobóssis, princesas, meninas, distribuem frutas, bebidas, acarajé, etc., e que Nicolau Parés (2001, p. 201) ao comparar essas entidades no Brasil com as do continente africano diz que parece que elas inverteram sua função de ‘mendicantes’ e que Sérgio Ferretti (2009) contrapõe ao afirmar que elas nas festas pediam brinquedos e guê (dinheiro), na Casa de Iemanjá, de pai Jorge essa função de mendicantes é bem explícita nesse ritual com um leilão de frutas e doces. ______________________________________ 3- De acordo com Sérgio Ferretti (2009, p. 289) o Arrambã ou Bancada é uma cerimônia ou um ritual do Tambor de Mina, que vai demarcar o fechamento anual do terreiro antes da Quaresma (período de quarenta dias no calendário cristão, que antecede a festa de ressureição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a páscoa, e que é marcado por abstinência, reflexão e penitências) sendo realizada na quarta-feira de Cinzas. Usualmente os terreiros de Mina não fazem festa ou toques nesse período, vindo a funcionar apenas no sábado de aleluia com a abertura das casas, suspensão das atividades religiosas (FERRETTI, M. 2000, p. 203). A bancada ou Arrambã também é chamada de ‘carga’ ou ‘quitanda’ sendo um ritual preparado com muita comida, doces, frutas sendo precedida pelo ritual da ‘torração’ (preparação dos alimentos, feijão, coco, pipoca, paçoca de milho, torrado, etc.) e que depois permanece no quarto-desanto ou peji para que depois seja distribuída para os presentes no dia do ritual pelas entidades, tobóssis, meninas, moças, princesas, etc. Como na Casa das Minas as tobóssis não vêm mais por falta de vodúnsis gonjaís, os alimentos da Bancada são distribuídos pelos voduns sendo uma festa de obrigação para que haja fartura o ano inteiro, de acordo com as vodúnsis da Casa das Minas (FERRETI, S. 2009, p. 162). A mendicidade é uma característica importante das tobóssis e segundo Sogbossi (2004, p. 304) o ato de ‘mendigar’ vai ter sua réplica no Brasil, a partir das variadas representações nas religiões afro-brasileiras, particularmente no Candomblé (filhos-as-de-santo nas ruas pedindo dinheiro para custear iniciações, rituais de feitura, etc.). No Benin, como atesta Brice Sogbossi (Id Ibid) o principal local para mendigar é o mercado, local de encontros e desencontros na cosmologia africana sendo um espaço frequentado por todos os tipos de pessoas, gente comum, loucos, mendigos, delinquentes, malfeitores, ladrõs doentes, ricos, religiosos, intelectuais, políticos, militares, desempregados, convergindo pessoas de todas as camadas da população. Esse caráter de mendicantes das tobóssis no continente africano que sofreu mudanças no Brasil, principalmente nos espaços (no Benin6, elas saem para ir ao mercado e ‘mendigar’, elas são avaras) é reduzido aqui ao próprio terreiro, onde elas passam a distribuir frutas, doces e demais comidas no Arrambã, entretanto, elas não suprimem a ‘função delas de pedintes’. No Ilê Ashé Ogum Sogbô, de pai Airton a tobóssi de Neuton, nos pediu refrigerante e bombom para a sua festa. Ao longo da bancada ou arrambã no terreiro de Iemanjá, depois que já se cantou bastante para as tobóssis, princesas, meninas, moças é feito um ‘leilão’ das frutas e doces a preços simbólicos, onde os presentes costumam colocar dinheiro (moedas ou cédulas) dentro de uma salva (bandeja), posta no centro da mesa da bancada. Logo depois, são distribuídas as frutas pelas tobóssis, tobosas, princesas, moças para as pessoas (OLIVEIRA, 1989, p. 43). No terreiro de Mina Fé em Deus, localizado no bairro do Sacavém, comandado por mãe Elzita desde a década de 60 e que representa a terceira geração mineira de casas oriundas de uma ‘matriz’ (Terreiro do Egito> Terreiro de _________________________________ 6-Uma outra característica de algumas tobóssis no Benin (África) é o transformismo. Esse é um aspecto relacionado a questão de gênero onde os homens no passado incorporavam muito as tobóssis, mas que na atualidade é algo que acontece menos. Na ausência das mulheres para ir ao mercado, os homens incorporados com suas tobóssis travestem-se de mulheres com um pano amarrado no peito, exatamente como as mulheres e mendigam. Um travestimento ritual (SOGBOSSI, 2004, p. 303). Nesse primeiro barco do Ilê Ashé Ogum Sogbô, dois homens foram submetidos aos rituais de feitura para tobóssis, assumindo todo um conjunto simbólico próprio dessas entidades espirituais, inclusive as suas vestimentas femininas. Zacarias<Terreiro de Denira<Terreiro Fé em Deus, de mãe Elzita), (SANTOS, 1989, p. 38) são também realizados rituais para as ‘senhoras’ ou tobóssis, princesas, rainhas, moças ou meninas. É importante destacar que no terreiro Fé em Deus o ‘tambor das senhoras’ como é classificada essa festa ritualística para as entidades espirituais femininas nessa casa tem uma duração de quatro noites ao longo do período carnavalesco, assumindo atribuições valiosas, simbólicas e previsivas para ‘marcar’ (determinar, definir aspectos intrínsecos rituais futuros) de outras festas no terreiro pela entidade espiritual feminina de ‘Dona Elzita’, a princesa Doralice. Dentre essas festas Socorro Aires (2008, p. 53) aponta a própria Bancada na quarta-feira de Cinzas, a virada ou passagem da Princesa Doralice para a linha de Cura, Brinquedo de Cura realizado no mês de maio e a Tribuna do Divino Espírito Santo na Festa de Sant’Ana em julho no terreiro. Percebemos que essas ‘atribuições’ (obrigações), marcações, elementos de definição da princesa Doralice, guia de mãe Elzita, apresentadas no Tambor das Senhoras são elementos previsíveis e demarcadores simbólicos através dos quais essa entidade anuncia ou define para festas e rituais posteriores. 3. HISTÓRICO DO ILÊ ASHÉ OGUM SOGBÔ O Ilê Ashé Ogum Sogbô (Casa de Força de Ogum e Sogbô) é um terreiro de Tambor de Mina localizado atualmente na rua Nossa Senhora das Graças, nº 62 no bairro da Liberdade em São Luís do Maranhão comandado pelo babalorixá Airton Assunção Gouveia. No ano de 2010 o terreiro comemorou suas bodas de prata com vinte e cinco anos de funcionamento. A casa foi fundada no dia 24 de junho de 1985 em um outro endereço, mas no mesmo bairro da Liberdade, na rua Tomé de Sousa, nº 93 ao lado da igreja católica de Santo Expedito, local onde foram iniciadas grande parte das suas atividades afrorreligiosas (ladainhas católicas, sessões de caboclos, consultas espirituais com entidades, jogo de búzios, etc.). Segundo Pai Airton Gouveia, a autorização para a abertura do seu terreiro ocorreu com o aval de seu finado pai-de-santo, Jorge Itaci de Oliveira, mais conhecido como ‘Jorge da Fé em Deus’ ou ‘Jorge Babalaô’, fundador do Ilê Ashé Iemowá ou Casa de Iemanjá. O nome africano da casa ‘Ilê Ashé Ogum Sogbô’ foi sugerido por pai Jorge Itaci e faz alusão as entidades espirituais principais da casa e do seu líder espiritual Airton Gouveia, o orixá Ogum (deus do ferro e dos metais) e o vodum Sogbô (vodum nagô, mãe de todos os voduns da família de Quevioçô, guia-astro, representa o raio e adora Santa Bárbara). Há ainda várias entidades espirituais (orixás, voduns, encantados e caboclos) que regem o terreiro (as chamadas ‘colunas’) como Iemanjá, Nanã, Oxum, Badé, Xapanã, Obaluaê, Xangô, Odé, além dos encantados como o gentil Barão de Guaré (família dos lençóis), o turco João Guará e Cabocla Mariana (família da Turquia); Miguelzinho de Gama (Família da Gama); Dona Taquariana (cabocla índia que vem na linha de surrupira); seu Folha Seca (da família de Codó ou de Légua Bugi) e outros. Esse terreiro de Tambor de Mina pertence as seguintes nações africanas ou segue as heranças culturais dos respectivos grupos étnicos Jeje (de culto aos voduns jeje daomeanos: Doçú, Acóssi, Abê, etc.), nagô (orixás: Ogum, Iemanjá, Nanã, etc.); Cambinda (Boço Jara, Boço Vondereji, Meméia, etc.). Além de cultuar as entidades espirituais africanas podemos citar a ênfase aos encantados e caboclos distribuídos em vários agrupamentos, famílias, linhas (tais como Lençóis, Codó, Turquia, Gama, Baía, dos Botos ou de João de Lima, Bandeira, dos Bastos ou de Rei do Juncal, Marinheiro, de Caboclo Roxo, de Preto-Velho, de Surrupira, das moças ou meninas). É importante pontuar que o Ilê Ashé Ogum Sogbô realiza também manifestações ligadas ao catolicismo e a cultura popular como a festa do Divino Espírito Santo, no mês de setembro, em que a casa realiza seu grande festejo, que tem sua culminância no dia dos santos católicos Cosme e Damião (dia 27). A queimação de palhinhas do presépio com a realização de uma grande ladainha, usualmente é realizada pelo terreiro de pai Airton no mês de fevereiro. Quanto a cultura popular maranhense, é organizada no mês de junho a brincadeira do boi de encantado (batizado e pequena apresentação) para ‘Seu Dominguinhos Légua’, um dos guias espirituais do pai pequeno Leandro de Nanã. Já no mês de setembro ao longo do grande festejo da casa, é feita a morte do boi de Seu Dominguinhos, concentrando um grande número de pessoas nesse ritual. Em maio é organizado um tambor de crioula para os Pretos-Velhos e para São Benedito sempre no dia 13, dia da abolição da escravatura. Podemos ainda mencionar o bloco afro, que foi organizado recentemente (ano de 2009) com a participação de jovens dessa comunidade-terreiro promovendo ensaios e pequenas apresentações culturais (LINDOSO, 2007). 4.RITUAL DE FEITURA E FESTA PARA AS TOBÓSSIS NO ILÊ ASHÉ OGUM SOGBÔ (PRIMEIRO E SEGUNDO BARCO DE INICIAÇÃO) 1º BARCO: Tomamos conhecimento dessa festa que aconteceu no terreiro de pai Airton bem antes de ser realizada e ainda no mês de dezembro de 2009. Em uma de nossas conversas com o pai-de-santo, ele sempre nos avisava das ladainhas e algumas obrigações rituais mais simples que estavam acontecendo na casa nos dias de santo, pois a mesma estava com suas atividades afroreligiosas suspensas devido a reformas e construções ao longo de seis meses. Três filhos-de-santo do Ilê Ashé Ogum Sogbô se submeteram ao ritual de feitura de tobóssis ou participaram desse primeiro barco de iniciação dessas entidades espirituais: Aíla de Iemanjá (contra-guia, mãe pequena), Leandro de Nanã (guia ou pai pequeno) e Neuton de Badé (braço direito de Airton, uma espécie de pai pequeno também). Neuton anteriormente tinha nos convidado para ser ‘padrinho’ de sua tobóssi e participar desse ritual de feitura ou de sua iniciação de modo mais próximo e sob uma perspectiva mais de ‘dentro’ da religião. Van Gennep (1978, p. 26) afirma que a vida individual da pessoa das pessoas em qualquer sociedade é sempre marcada por transições de uma etapa a outra ou de um estágio a outro, expressando passagens e essas mesmas passagens são acompanhadas por ‘atos especiais’, que são representadas por cerimônias. É o que o autor chama de ‘ritos de passagem’ (nascimento, puberdade, casamento, paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte, etc.) e o ritual de feitura para as tobóssis, além de expressar a ‘preparação desses filhos-de-santo’ para incorporar essas entidades vai denotar a transformações, eles vão adquirir a condição de ‘pai e mãe-de-santo’, dentro da hierarquia do terreiro, vodúnsi e vodunso hunjaí. Além dos ‘padrinhos’ terem acesso a uma parte do ritual de feitura desse terreiro de Tambor de Mina, usualmente contribuem com uma quantia em dinheiro para ajudar nas despesas rituais dos iniciados. Demos nossa contribuição para que Neuton pudesse amenizar os gastos e despesas com o ritual e foram feitas várias recomendações para que aspectos internos (segredos) não fossem divulgados ou apresentados pela pesquisa, entretanto, fomos avisados de algumas peculiaridades que deveríamos seguir ou cumprir, tais como: cor da vestimenta da festa (branco), dias e horários, etc. A primeira parte de nossa participação ocorreu no dia 17 de abril de 2010, data marcada para o ritual interno da feitura e que somente pessoas da casa selecionadas e os padrinhos poderiam participar ou mesmo presenciar. Tivemos conhecimento que o mesmo aconteceria no período vespertino (a partir das 15h), mas soubemos posteriormente que teve início desde as nove horas da manhã. Fizemos uma confusão de horários com o tempo de início e fim. Chegamos por volta das 15:00h no terreiro debaixo de uma chuva torrencial e o acesso de entrada pelo salão de danças estava interrompido, logo tivemos que dar a volta pelos fundos da casa para poder entrar. Nos fundos do terreiro há um grande salão de festas organizado especificamente para congregar grande número de pessoas nos eventos profanos da casa. Observamos que muitos filhos-de-santo e pessoas da casa estavam envolvidos nesse ritual, tocadores, filhos (as)-de-santo, cozinheiras e convidados (afroreligiosos de Belém do Pará), da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá, de mãe Rosângela de Abekossú e de pai Huevy Babaorunfangê). Eles são descendentes diretos do terreiro de Iemanjá, casa de Mina liderada pelo finado Jorge Babalaô na Fé em Deus. Havia muitos animais sacrificados (cabra, carneiro, etc.) que estavam sendo ‘tratados’ por algumas mulheres (cozinheiras) e os homens ‘retalhavam’ (cortavam) as carnes dos animais, separavam o couro e também sacrificavam. O ambiente estava todo tomado por essa atividade ritual e quando chegamos falamos primeiramente com pai Airton e cumprimentamos também alguns filhos-de-santo, sendo depois conduzido até o salão de danças do terreiro, que era utilizado naquele momento para o ritual de feitura das tobóssis. O sacrifício de acordo com Mauss e Hubert (2005, p. 19) é um ato religioso que mediante a consagração de uma vítima modifica o estado da pessoa moral que o efetua ou de certos objetos pelos quais ela se interessa. São variadas as ocasiões para sacrificar e os efeitos desejados muito diferentes, e a multiplicidade dos fins implica a dos meios. Mauss e Hubert (Id Ibid) divide os sacrifícios em constantes e ocasionais, sendo os últimos definidos como sacramentais (samskâr), que acompanham os momentos solenes da vida, fazendo parte do ritual doméstico e são realizados por ocasião do nascimento, da tonsura ritual, da partida do pupilo, do casamento, etc., ou mesmo os sacrifícios votivos, cujo caráter ocasional é ainda mais marcado, no caso esses sacrifícios para a feitura das tobóssis no terreiro. Os sacrifícios periódicos são teorizados por Mauss e Hubert (Id Ibid) como periódicos e ligados a momentos fixos, independente da vontade do homem e do acaso das circunstâncias (o sacrifício diário, da lua nova, lua cheia, das festas sazonais e pastoris, etc.). Um sacrifício animal solene em uma ocasião importante para essa casa. Devido ao nosso ‘atraso’ para participar do ritual completo de feitura das tobóssis, pai Airton ‘autorizou’ nossa entrada no salão de danças da casa, local em que os três filhos-de-santos ficaram ‘recolhidos’ ao longo de cinco dias. Heraldo, filho-de-santo da Casa das Minas de Thoya Jarina em São Paulo, do finado Francelino Shapanan iniciado também na Casa de Iemanjá, de pai Jorge e muito ligado ao terreiro de Airton nos tirou uma dúvida sobre a matança dos animais. Ele nos afirmou que as matanças se direcionavam tanto para o santo (orixá/vodum, entidades espirituais africanas) dos iniciados quanto para as tobóssis. Adentramos ao terreiro e chegamos no salão de danças, entretanto, a porta de acesso estava fechada, mas foi logo aberta pela filha-de-santo de mãe Rosângela, Aletéia de Abê, uma das principais responsáveis pelo ritual de feitura, a mãe criadeira dos iniciados. Mãe Aletéia nos cumprimentou e falamos a ela que éramos padrinho da tobóssi de Neuton, e logo ela permitiu nossa entrada. O ambiente estava todo na penumbra somente a luz de velas, os três filhos-de-santo dispostos um do lado do outro em cima de esteiras de palha e somente Neuton estava acordado, incorporado com sua tobóssi, que brincava com sua boneca e Aíla de Iemanjá e Leandro de Nanã estavam deitados descansando/ dormindo. A tobóssi de Neuton tomou a benção e me pediu bombom...Não demoramos muito lá dentro do espaço de feitura das tobóssis, onde não temos autorização para fazer descrições detalhadas e expor publicamente ‘aspectos rituais internos da casa’ (segredos!!!) a pedido dos próprios dirigentes. Ao sairmos nos despedimos de pai Airton e ele nos pediu que trouxéssemos refrigerante no dia da festa pública, dia 21 de abril, feriado. Os filhos-de-santo ficaram recolhidos por cinco dias. O professor Octávio da Costa Eduardo (1948, p. 72) faz uma descrição elementar das etapas do ritual de feitoria das vodúnsis gonjaís da Casa das Minas na qual elas são preparadas para ‘receber’ suas tobóssis, afirmando que as mesmas são submetidas primeiramente ao ‘Zandró’ (invocação ou chamada dos voduns) e o ‘Nahunu’ (sacrifícios de animais para o voduns), sendo que antes da possessão pelos voduns as iniciandas tem suas cabeças lavadas com amassi para ‘limpar o corpo’ e retirar qualquer impureza. Essas iniciandas ficam reclusas´em quartos por oito dias sendo interrompidas apenas pelas danças que elas participam; no terceiro dia elas participam de uma cerimônia em que um tufo de cabelo é cortado de suas cabeças e oferecido ao seu respectivo vodum, simbolizando que a sua cabeça pertence aquela entidade. Somente no oitavo dia é que as iniciandas vão receber suas tobóssis pela primeira vez, apresentando-se muito tímidas e envergonhadas. A possessão por essas entidades vai durar um período de nove dias (começando de manhã e terminando de noite). No segundo dia é que elas anunciam seus nomes, mas sem cerimônias especiais para isso e no fim desse período as novas noviches podem entrar no pegí e oferecer elas mesmas os sacrifícios aos seus voduns, que foram preparados antes pelas gonjaís que as orientaram na sua iniciação. Depois de um ano de feitura das novas noviches há a ‘cerimônia de pagamento da cabeça’, onde as mais novas organizam a cerimônia e o sacrifício para todos os voduns da casa em agradecimento pela ‘feitura’ (orientações e ensinamentos) as mais velhas. Durante a cerimônia há a possessão pelos voduns e depois que eles se vão vem as tobóssis (BARRETO, 1977, p. 76) No dia da festa da ‘saída pública das tobóssis’ ou do ‘barco de tobóssis’ chegamos ao terreiro de pai Airton por volta das 16:30h da tarde e estávamos acompanhado de alguns amigos de um outro terreiro de São Luís, que levamos como convidados para prestigiar essa cerimônia. O toque ainda não havia iniciado e percebemos uma grande movimentação de pessoas fora do terreiro e na parte interna. Adentramos rapidamente no salão de danças, e várias pessoas ocupavam as cadeiras e todos os assentos. O calor era intenso e muitas outras pessoas se encontravam presentes embora em pé por falta de lugar. Por volta das 17h, o toque de Mina foi iniciado com o ‘imbarabô’, cântico em africano de louvação a Exu orixá da comunicação entre os deuses e os homens, por pai Airton. Do quarto-de-santo, ele cantou e uma das filhas-de-santo do terreiro saiu das dependências internas acompanhada por duas mocinhas devidamente vestidas de branco para ajudá-la no despacho de Exu ou pedido de proteção para a festa e ritual. Elas se dirigiram até a rua e caminharam até um certo ponto, uma delas tinha uma garrafa de cachaça na mão e a filha-de-santo, um fogareiro com defumador. Elas pararam e a filha-de-santo jogou um pouco de cachaça na rua e fez movimentos circulares com o defumador, depois voltando para as dependências internas do terreiro sem dar as costas para a rua. Ao adentrarem no salão de danças, elas se dirigiram para as dependências internas do terreiro se juntando aos demais filhos (as)-de-santo, ao pai e demais afro-religiosos, que participaram do toque e para que a dança ou a festa propriamente dita pudesse ter continuidade. Todos os filhos (as)-de-santo, foram entrando no salão de danças ainda ao som do cântico do Imbarabô seguido por outros cânticos em africano em louvor as entidades espirituais e por último pai Airton Gouveia entrou completando a grande roda de Tambor de Mina. È importante pontuar que foi colocada uma cadeira junto aos tambores ou abatas na parte central do salão de danças ou altar católico para mãe Rosângela de Abecossú, líder afro-religiosa da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abe Manjá, localizada em Belém do Pará e que foi uma das principais pessoas responsáveis pelo desenvolvimento e execução do ritual de feitura do primeiro barco de tobóssis do Ilê Ashé Ogum Sogbô. Mãe Rosângela trouxe um grupo de pessoas do seu terreiro de Mina para ajudar nesse ritual e particularmente o próprio pai Airton nessa tarefa afroreligiosa. Ela ficou sentada do lado de Pai Airton na parte central do salão de danças, ricamente vestida de azul claro e com um torço na cabeça nessa mesma cor, o azul representava a cor do seu orixá Iemanjá, a rainha das águas. Ao entrarem no salão de danças cada filho ou filha tocava no chão, junto aos tambores ou abatás, uma espécie de cumprimento aos instrumentos rituais e começaram a dançar. Os três filhos-de-santo submetidos ao ritual de feitura não se apresentaram no salão nesse momento, ficando fora dessa primeira parte da festa. Aíla de Iemanjá, Neuton de Badé e Leandro de Nana ainda continuavam recolhidos esperando o momento certo para que suas tobóssis pudessem ser apresentadas ao público na festa. Pai Airton dançou somente nos primeiros cânticos louvativos as entidades espirituais africanas (voduns e orixás), vindo logo em seguida a ficar sentado do lado de mãe Rosângela de Abê. Esses dois líderes afro-religiosos presidiram a cerimônia, ajudados por seus respectivos filhos (as)-de-santo. Com o passar do tempo os filhos (as) iam incorporando suas entidades espirituais (voduns e orixás) sendo ajudados pelas duas mocinhas de branco, as vodúnsis poncilês da casa4 . Elas iam passando as toalhas em volta do corpo dos filhos (as)-de-santo e também enxugando o suor de seus rostos, devido o intenso calor. ___________________________ 4-Vodúnsi Poncilê ou vodúnsiponcilê segundo Sérgio Ferretti (2009, p. 240) são mulheres que não recebem voduns e não dançam, mas são serventes e ajudantes, que cozinham, lavam e servem aos voduns. No Ilê Ashé ogum Sogbô as vodúnsis poncilês são bem jovens, dentre elas temos a filha da mãe pequena da casa Ylanajara Gouveia, que ajuda os filhos (as)-desanto quando incorporados com suas entidades espirituais, dando assistência. Se compararmos com a matriz afro-religiosa do Candomblé podemos associar a função de Ekedi, que cuidam também das divindades. Houve um determinado momento em que o toque parou e todos os filhos e filhas foram retirados do salão de danças para que as entidades já incorporadas pudessem ter suas roupas ajeitadas e descansar um pouco. Após certo tempo, todos retornaram ao salão e o toque foi reiniciado, a saída não aconteceu logo e mais cânticos e danças se desenvolveram até um determinado instante, em que a saída foi anunciada por pai Airton Gouveia. Na parte interna do terreiro, que concentra alguns compartimentos especiais (sala de altar católico, quarto de segredos, sala dos orixás, voduns e encantados nobres, cozinha, salão de festas profanas, etc.), especificamente na sala do altar católico e ante-sala havia uma grande movimentação com a presença de Leandro, Aíla e Neuton, os filhos-de-santo recolhidos para a feitura das tobóssis. Todos eles já estavam vestidos ou paramentados (adornados, enfeitados) com as vestimentas das suas entidades (as tobóssis), entretanto, ainda não estavam incorporados com elas, ou seja, eles apenas estavam se organizando para serem apresentados ao público. As suas vestimentas eram especiais para aquela ocasião, específicas daquelas entidades espirituais e, que no Tambor de Mina, apresentam elementos específicos, tais como a ‘manta de miçangas’ ou ‘manta de tobóssis’, uma espécie de malha de contas coloridas e que cobre os ombros das filhas-desanto quando incorporadas, além do pano da costa envolto no corpo dos filhos, os colares, as bonecas, pulseiras, etc., vários objetos que compõem o visual estético dessas entidades. As cores das roupas das tobóssis dos iniciados era o branco, azul, rosa e amarelo. Todos estavam devidamente bem vestidos e apresentáveis, mas é necessário destacar que Aíla era a única que vestia saia por ser mulher e os homens de calça com suas cabeças envoltas por um torço. Mãe Aletéia ajudada por duas filhas-de-santo do terreiro de Mãe Rosângela e das vodúnsis poncilê da casa de pai Airton organizaram todas as pessoas envolvidas no ritual para que o barco pudesse adentrar ao salão de danças, ou seja, formaram uma fila, onde os iniciados com as tobóssis já incorporadas ladeadas por seus padrinhos ficaram na frente. Antes do momento de entrada do barco das tobóssis ao salão de danças, houve alguns momentos importantes como a incorporação dessas entidades, provocada por mãe Aletéia, a organização da fila dos participantes desse ritual, a leitura da ata ou do caderno de registro descritivo das festas e rituais da casa de pai Airton. Mãe Aletéia de Abê, filha da Casa Grande de Mina de Toy Lissá e Abe Manjá, foi a mãe criadeira dos iniciados, ou seja, foi a pessoa que os auxiliou no período de reclusão do ritual de feitura. O termo ‘bebe5’ que está presente nos nomes das tobóssis dos três iniciados Ananbebê (nome da tobóssi de Leandro de Nanã), Yaminbebêlodô (nome da tobóssi de Neuton de Badé) e Abêaminbebê (nome da tobóssi de Aíla Maria) será uma categoria de identificação do próprio barco, marcando os nomes rituais dessas entidades como se fôsse uma espécie de sobrenome delas, segundo Leandro de Nanã (2011). Essas três tobóssis como são do mesmo barco, ‘elas nascem juntas e não podem descer separadas’ vindo a descer juntas (incorporar nos seus filhos, filhas) e a subir juntas (desincorporar), onde ‘Ananbebe’ (tobóssi de Leandro) como é a mais velha das três em termos de feitura vem puxando as outras. Após a parada do toque em que as entidades espirituais (africanas e encantados) dos filhos-de-santo foram retiradas do salão para ‘descansar’ e se ‘ajeitar’, todos retornaram e enfim o toque foi reiniciado mas não demorou muito devido pai Airton ter interrompido para iniciar um breve discurso. Ele falou sobre a importância daquele ritual para a casa, ‘o 1º barco de tobóssis do Ilê Ashé Ogum Sogbô’, como parte das comemorações dos 25 anos do terreiro, as responsabilidades, tradições, fez agradecimentos, mencionando bastante o valor de descendência da casa matriz, a casa de Iemanjá, do finado Jorge Itaci, ________________________________ 5-O significado do nome delas como atestou Leandro de Nanã (2010) é segredo da religião, embora ele tenha me falado o significado do nome de sua tobóssi por questões de confiança e de apreço pelo trabalho de pesquisa, solicitou que não colocássemos no trabalho. Um dos elementos importantes sobre o nome dessas entidades é que ele está muito ligado ao vodum ou entidade espiritual africana da pessoa. Uma recomendação que ele deu é que se alguém precisar de ajuda ou estiver em dificuldades, é só chamar pelo nome da tobóssi que ela ajuda ou soluciona problemas. Hipollyte Brice (2004, p. 297) cita algumas tobóssis e suas ligações com Heviosô (chama-se Ahwansi); Lissá (chama-se Agama) e Sakpata (chama-se Kuvi). agradecendo também os préstimos de mãe Rosângela, de seus irmãos-desanto e convidou também todos os presentes para os cinco dias de festas, etc.: É o nosso período que nós estamos completando 25 anos de Tambor de Mina e, então é uma grande honra de começar os nossos 25 anos de terreiro, primeiro pedindo a Deus, que nos botou no mundo, depois a senhora Iemanjá, Dom Luís, Senhor Ogum e a Dona Sogbô, que é a mãe dessa casa e Pai, que nos botaram aqui. Hoje nós estamos tocando os 25 anos do Ilê Ashé Ogum Sogbô, por quê? Nós saímos do ventre de senhora Iemanjá, então eu queria uma grande salva para minha mãe Iemanjá [PALMAS] por ela estar nos abençoando hoje com as nossas primeiras tobóssis da casa. A primeira tobóssi, a primeira vodúnsi poncilê na casa para Iemanjá e festa para Lissá... E então, queria convidar todos para a festa, que está começando hoje. São cinco dias de tambores... É hoje, amanhã, depois, depois...até domingo! Todos estão convidados. E agora vamos agradecer também a presença de mãe Rosângela, que é minha irmã-de-santo, que veio de Belém para me ajudar a ‘dar’ as minhas primeiras tobóssis, a Dona Bidoca, ao Sebastião, aos meus irmãos-de-santo que estão aqui! Eu queria um grande ashé, um grande PAÔ e VODUM PAÔ ADEJI A TODOS! ASHÉ! (Discurso de Pai Airton Gouveia, 21/05/2010). Após isso, pai Airton chamou uma moça da casa para fazer a leitura da ata, que descreveu todos os envolvidos nesse ritual, inclusive mencionando o nosso nome enquanto antropólogo/pesquisador e padrinho da tobóssi de Neuton: Aos 17 dias do mês de abril de 2010 na sala solene de cerimônias do Ilê Ashé Ogum Sogbô, localizado na Rua Nossa Senhora das Graças, nº 72, Liberdade foi realizada a cerimônia solene de feitura para tobóssis, regida pelo Toy Vodunnon Airton Gouveia (Gumabatahê) e a Nochê Rosângela Correia da Rocha (Abêkossú) da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá-Huevy, Belém, auxiliada pela Vodúnsi Gonjaí Conceição de Maria da Silva (Iagumecí) e Elizabeth Nascimento dos Santos (Ialonan), Vodúnsi Poncilê, onde foram dados os cargos de Vodunso e Vodúnsi Gonjaí a Leandro Ferreira da Silva com a Tobóssi ANANBEBE, a Aíla Maria Gouveia com a Tobóssi ABÊAMINBEBE e Neuton Magno Oliveira Muniz com a TOBÓSSI IAMINBEBELODÔ sendo-lhes conferido o título de pai e mãe na hierarquia Mina do Ilê Ashé Ogum Sogbô. Após a cerimônia os vodunsos foram entregues aos cuidados da mãe criadeira Aletéia Cabral (Olôbebecí), Vodúnsi Gonjaí da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá-Huevy, Belém. Serviram de padrinhos Rosilda, Oton, Amélia, Lucimara de Toy Averequete, Vitória Cunha de Caboclo da Ilha, Aletéia Cabral (Olôbebecí), Rosângela de Abêkossú, Elizabeth (Ialonan), Sebastião de Xangô, Jefferson, Antropólogo e Fabrício de Obaluaê. Serviram de Agaipí Josenildo de Obaluaiê, Obaluaê (ô gente, eu tô nervosa, é a emoção!), Fabrício de Obaluaê da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá-Huevy, Junior de Ogum. Serviram de Alabê Alex de Ogum, Neuton de Ogum, Felipe de Ogum, Tiago de Toy Lissá, Ilanajara também de Toy Lissá. Participaram ainda da cerimônia solene Genilson de Boço Jara (Sojaokê?), Rosileide (Iamodojodê), Heloísa de Nanã (Yakerin), Andrelina de Toy Dan (Danbeoyá), Fernando de Toy Lissá (Uiêgongê), Fátima de Iemanjá (Abecinauê), Augusta de Xangô e Concita de Iemanjá e ressaltamos também que no dia 20 de abril de 2010, foi suspensa ao cargo de Vodúnsi Poncilê, Michele de Carvalho Maia de Toy Aguê, tendo como padrinhos Henrique de Béssem e a Nochê Rosângela Correia da Rocha, Abekossú da Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Manjá-Huevy. Sem mais nada a relatar encerro ata assinada e lavrada pelo Toy Vodunnon Airton Assunção Gouveia e os vodunsos. São Luís, 21 de abril de 2010. Finalizada a leitura da ata, pai Airton proferiu um cântico em português em homenagem as ‘meninas’ e logo o barco das tobóssis entrou no salão de danças, os iniciados, os padrinhos, a mãe criadeira e suas auxiliares, etc. Todos dançavam em um ritmo cadenciado e a maioria dos cânticos em português, reverenciando várias dessas entidades: Boça, Princesa Laura, Linda, Ana de Côrte, Iemanjá, entre outras. O momento da dança ritual não deixa de inferir um contexto performático simbólico específico, onde entendemos a performance como atuação, ação espetáculo, feito acrobático, realização, desempenho, um ritual ou cerimônia, capacidade ou habilidade (GOLDENBERG, 2006, p. 35) Os iniciandos e seus corpos representam o próprio canal de comunicação, dispensando os contextos narrativos, evidenciando todos os modos perceptivos do corpo se utilizando dos gestos que remetem aos códigos culturais estabelecidos e enraizados repetidos pela tradição (MAUSS, 1974). O bailado das entidades vai representar todo um conjunto simbólico presentes no contexto dessas entidades espirituais femininas infantis, o seu comportamento, gestos, hábitos, etc., apresentados ao público espectador. Mãe Rosângela nesse momento levantou e se juntou a todos, dançando e cantando para as tobóssis. Muitas pessoas se espremiam no salão de danças e tiravam fotos tentando registrar esse momento tão importante. As tobóssis dançaram bastante e muitos cânticos foram proferidos, mas após certo tempo elas saíram do salão de danças e foram para as dependências internas da casa (salão dos voduns/orixás e encantados) para descansar, conversar, tirar fotos, etc. A festa ainda apresentou algumas etapas importantes, dentre elas uma saída-de-santo para o orixá Oxaguiã do filho-desanto Fernando, que foi devidamente paramentado para essa ocasião e a elevação ao cargo de ‘vodúnsi poncilê’ de uma jovem no terreiro. Como o calor era intenso nós fomos para os fundos da casa, acompanhados de nossos convidados para jantar e conversar um pouco. O toque de Mina foi finalizado por volta das 20:00h e ficamos até um pouco mais depois desse horário. 2º BARCO: O intervalo de tempo entre o primeiro e segundo barco de feitura de tobóssis no Ilê Ashé Ogum Sogbô foi de três anos, contando esse segundo barco com mais três filho-de-santo com todos os graus de feitura completos (Angélica Moraes da Silva-HUMAILÁ; Heloisa Sousa Mendes-YAKERIN e Genilson dos Santos Brito-JANDOJAN). Diferente do primeiro barco, nessa segunda feitura não houve participação externa (pessoas de outros terreiros, como de Belém, por exemplo!) e os rituais ficaram na responsabilidade do paide-santo Airton e seus auxiliares. A saída pública das tobóssis ocorreu no dia 23 de junho de 2013, dia festivo na casa e que antecede o aniversário do terreiro. Ponderamos que nesse segundo barco, o líder afrorreligioso Airton Gouveia apresentou algumas características intrínsecas no comando do ritual, como independência, segurança e fidelização à tradição mineira repassada pelo seu finado pai-de-santo, Jorge Itaci Oliveira. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cerimônia do primeiro e segundo barco de tobóssis (ritual de feitura e festa para essas entidades espirituais) no terreiro de Mina de Ogum e Sogbô de pai Airton Gouveia foi um acontecimento de vital importância para esta comunidade afrorreligiosa, pois além de expressar uma das últimas etapas de preparação da pessoa (iniciado na Mina) no contexto ritual dessa casa de santo ele propiciou diálogos e ‘conexões’ com outras comunidades-de-santo (descendentes diretos também da casa de Iemanjá, matriz) fora do Maranhão (Casa Grande de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá e Abê Manjá em Belém do Pará, de Mãe Rosângela e Pai Huevy). Na verdade, observamos que houve um momento de ‘encontro’, ‘trocas’ de informações e conhecimentos sagrados (rituais) onde a comunidade afro-religiosa de Belém esteve presente no Ilê Ashé Ogum Sogbô para ‘ajudar’ e ‘auxiliar’ nesse processo de ‘feitoria’ para essas entidades espirituais (1º Barco). Outro aspecto relevante propiciado pelas análises em torno desse acontecimento no terreiro de Mina pesquisado, foi o de lançar olhares reflexivos em torno da figura ritual da ‘tobóssi’ ou das ‘tobóssis’, categoria que serve em grande parte das vezes no contexto maranhense e fora dele (São Paulo, Belém, etc.) para nomear entidades espirituais tanto africanas (a exemplo dessas entidades da Casa das Minas Jeje, o modelo ritual jeje daomeano) quanto não-africanas (Encantados/Encantadas: rainhas, princesas, princesinhas, meninas, moças) nos terreiros de Mina. Já a denominação ‘tobossas’, uma possível variação de ‘tobóssis’ usado ou falado também nos terreiros de Mina maranhenses faz alusão tanto as entidades espirituais infantis femininas (meninas, moças, princesas) quanto as já adultas chamadas de ‘senhoras’ (a exemplo de Rainha Madalena, Dina, Iemanjá entre outras) e está muito relacionado ao ritual da Bancada ou ao Ahambã. Observamos que há similitudes e algumas diferenças entre as tobóssis no continente africano (culto Nesuhue) e no Brasil (Maranhão, modelo ritual jeje da Casa das Minas e nagô da Casa de Nagô) havendo do lado de cá determinadas ressignificações e peculiaridades importantes como a continuidade reorganizada da sua característica de ‘mendicantes’ e o aparecimento de uma peça de sua vestimenta brasileira ‘ a manta de miçangas’. No ritual de feitoria dessas entidades no Ilê Ashé Ogum Sogbô, terreiro por nós analisado, a casa se espelhou no modelo ritual jeje da Casa das Minas, onde essas entidades assumem um nome ‘africano’ , comportamentos e determinadas características próximas desse terreiro de Mina, no entanto, mantendo ‘conexões’ e paralelismos com o modelo Nagô, a exemplo de Iemanjá como chefa delas no Ilê Ashé Ogum Sogbô. Reiteramos que as entidades tobóssis quando pensadas no culto do Tambor de Mina podem nos remeter tanto a uma ascendência africana (tobóssis jeje e de procedência nagô, cambinda, como atesta Oliveira, 1989) quanto nãoafricanas (‘encantadas’, princesas, rainhas, moças, meninas de variadas nacionalidades fora da Àfrica) e que a própria categoria passa a ser algo ‘plural’ em face das reinterpretações, ressignificações e reorganizações delas em terras brasileiras. As tobóssis da Casa das Minas (características, comportamentos, funções, etc.) foram absorvidas por terreiros de Mina mais contemporâneos com suas devidas peculiaridades e especificidades como o próprio terreiro de pai Airton (Casa de Ogum e Sogbô). 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIRES, Maria do Socorro Rodrigues. Cura e Borá em um Terreiro de Mina de São Luís: terreiro Fé em Deus um estudo de rituais não-africanos. Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, 2008. BARRETO Maria Amália Pereira. Os voduns do Maranhão. São Luís: FUNCMA, 1977. SOGBOSSI, Hippolyte Brice. Contribuição ao Estudo da Cosmologia e do Ritual entre os Jeje no Brasil, Bahia e Maranhão. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional. Rio de Janeiro: PPGAS/MN/UFRJ, 2004. EDUARDO, Octávio Costa. The Negro in Northern Brazil: a study in Acculturation. New York: j. August Publisher, 1948. FERREIRA, Euclides Meneses. 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Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão-PPGCS. São Luís, 2007. MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício: Marcel Mauss e Henri Hubert. São Paulo: Cosac Naify, 2005. ___________ As Técnicas Corporais. In: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, vol. II, 1974. NANÃ, Leandro de. Feitoria de Tobóssis no Ilê Ashé Ogum Sogbô. Entrevista, 2010. OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e Voduns nos Terreiros de Mina. São Luís: VCR Produções e Publicidade, 1989. PARÈS. Luis Nicolau. O Triângulo das Tobóssis: uma figura ritual no Benin, Maranhão e Bahia. Revista Afro Ásia n. 25-26, p. 177-213. ________________A Formação do Candomblé: história da nação jeje na Bahia. São Paulo: Editora da Unicamp, 2006. PRANDI, Reginaldo. Encantaria de Mina em São Paulo. In: Encantaria Brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2001. REBELO, Marques. 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