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A CONSTRUÇÃO DO ENUNCIADOR E DO ENUNCIATÁRIO NA VOZ
INSTITUCIONAL
Beatriz Gaydeczka
USP/Capes
1
RESUMO. Neste artigo trataremos das imagens do enunciador e do enunciatário
projetadas no discurso. A partir do exame de categorias enunciativas, princípio da
enunciação em semiótica, será analisado o texto de “Apresentação” do Caderno do
Professor – Orientação para a Produção de Textos, material didático produzido e
veiculado com a finalidade da realização da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro (ano 2008), com o objetivo de compreender o que cria o efeito de
unidade no enunciado uma vez que representa a proeminência de diferentes
instâncias discursivas. Em síntese, as principais contribuições decorrem da
identificação das vozes enunciadas no discurso e dos efeitos de sentido por elas
projetados a fim de pensar que a captação desses efeitos reverbera no trabalho de
sala de aula, e por conseqüência, na produção dos estudantes.
Palavras-chave: Enunciador. Enunciatário. Discurso.
1. Introdução
A partir do lugar teórico oferecido pela semiótica de base greimasiana,
nossa proposta é investigar a noção de estilo com vistas a obter a plena
integração dela às teorias do discurso e com vistas a ganhar nelas um
significativo estatuto operacional. Pensamos então na noção de estilo do
gênero, noção esta por sua vez acoplada aos fundamentos da filosofia da
linguagem, tal como proposta por Mikhail Bakhtin. O estilo do gênero será
pensado em conexão com o estilo do autor.
Por isso o interesse de firmar aberturas de diálogo entre a Semiótica
de linha francesa com a Análise do Discurso, também com base no
pensamento de origem francesa e a filosofia bakhtinana da linguagem.
Certamente essa conexão teórica trazida à luz favorecerá a descrição do objeto
de análise selecionado.
1
Cursa doutorado no Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Linguística Geral do Departamento de
Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São
Paulo (USP), tendo o seu projeto de pesquisa “Discurso Memorialista: questões de estilo e de gênero”
orientado pela Profa. Dra. Norma Discini, é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes). E-mail: [email protected].
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Anais do 6 Seminário de Pesquisas em Lingüística Aplicada (SePLA), Taubaté, 2010. ISSN: 1982-8071,
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O corpus selecionado para estudo no projeto de pesquisa é muito
curioso porque é dado na intersecção entre a voz institucional e a produção de
alunos, que respondem ao convite de escrever textos segundo um discurso
memorialista, ou seja, Se bem me lembro – o tema sobre o qual se radica a
linha isotópica da totalidade de enunciados postos sob exame. Estes
enunciados foram tomados do evento “Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro, que possui para sua operacionalização um material de
orientação teórico-metodológica, sendo o primeiro corpus chamado “Caderno
do Professor – Orientação para a Produção de Textos”, ano 2008, cujo título é
“Se bem me lembro...”, e o segundo corpus, o “Livro Memórias”, produto da
realização da Olimpíada, uma seleção de 49 textos, escritos por estudantesparticipantes, selecionados como finalistas e semifinalistas do ano 2008.
Do primeiro corpus recortamos o texto que será analisado neste artigo
a fim de compreender o que cria o efeito de unidade no enunciado analisado,
uma vez que representa a projeção de diferentes instâncias discursivas.
Procuramos entender como essas instâncias se mostram, quais são as
imagens que o enunciador projeta de si, qual a imagem que ele faz do
enunciatário e quais são os valores e crenças partilhados entre os participantes
desta cena enunciativa.
Neste artigo o leitor encontrará uma síntese da discursivização da
pessoa em enunciados e uma análise decorrente dessa fundamentação.
Centramos a análise na caracterização dos enunciadores no discurso, pois em
alguns gêneros eles estão mais evidentes que em outros. Sabemos que apesar
de tratarmos de princípios linguísticos fundamentais para a constituição do
dialogismo, na maioria das vezes o processo enunciativo não é facilmente
compreendido, antes confundido, por isso necessidade de estudá-lo não se
esgota.
2. Bases teóricas
Sabemos que a enunciação, categoria de toda língua e de toda e
qualquer linguagem, é o ato de dizer, de produzir o dito, desta forma o
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enunciado é o dito, a realização do ato de dizer. Esse princípio foi formulado
por Benveniste em resposta ao questionamento saussuriano que buscava
compreender como se processa a passagem da língua para a fala, como é
transferido o conhecimento do sistema para a fala individual. Por isso a
enunciação é a instância que estabelece a mediação entre a língua e a fala,
sendo a instância do ego, hic et nunc, correspondem respectivamente ao eu,
aqui e agora, o uso dessas expressões em latim deve-se justamente ao fato de
que essas três instâncias são universais, ou seja, são comuns a todas as
línguas. Assim temos o “eu”, categoria de pessoa – alguém que toma a palavra
se dirigindo a um “tu”, outro alguém do processo enunciativo – estas pessoas
do discurso estão concomitantemente situadas em um lugar, o “aqui” que é
categoria de espaço e em um tempo, o “agora”, conforme Fiorin (2008).
A existência de um enunciado pressupõe uma enunciação e o discurso é
compreendido como atividade linguística social. Portanto, quando “eu” digo –
“eu me digo”, isso significa que o “eu” projeta uma imagem de si a partir do que
foi dito. E é desta maneira que a semiótica como teoria discursiva compreende
o sujeito da enunciação. Não interessa saber a vida, a história do sujeito para
compreender o que diz, mas sim compreender como o sujeito elaborou o seu
dizer no enunciado. Em concordância a esse fundamento o analista do
discurso Dominique Maingueneau (2008) diz que esse “eu” possui um caráter,
noção discursiva, que se constrói através do discurso, não é uma imagem do
locutor exterior a sua fala, sendo assim ele é fundamentalmente um processo
interativo de influência sobre o outro, ele não pode ocorrer fora de uma
situação de comunicação precisa, integrada numa determinada conjuntura
sócio-histórica.
Para detalhar a discursivização da pessoa nos enunciados observe a
caracterização dada a seguir:
•
Eu – aquele que fala, em uma narração em 1ª pessoa cria um
efeito de sentido de subjetividade.
•
Tu – aquele com quem se fala, é o parceiro do “eu” na
enunciação e, portanto, pode ser depreendido nos enunciados,
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mesmo que o enunciado não seja dialogal, pode-se perceber o
outro pelo tom usado pelo enunciador.
•
Ele – aquilo de que se fala, é a não-pessoa, abarca a totalidade
do mundo, mesmo quando não se fala de nada ou se fala do
nada. Em um enunciado em 3ª pessoa, não é o “ele” que fala e
sim um “eu” que não se apresenta no enunciado para criar um
efeito de sentido de objetividade.
•
Nós – não é plural de eu, porque não existe “eus”, o “nós” se
constitui de um enunciador ampliado – eu + outra(s) pessoa(s) do
discurso.
•
Vós – pode ser plural do “tu” ou uma pessoa ampliada, no caso
“vocês” – tu + eles.
•
Eles – só “eles” pode ser plural de “ele”, instância em que não há
pessoa ampliada.
A importância dos processos enunciativos que constituem diferentes
gêneros nos auxilia a compreender os efeitos de sentido criados como, por
exemplo, o efeito de sentido de objetividade, de subjetividade, de credibilidade,
de mentira, de passado, enfim, neste artigo focaremos a análise do enunciador
coletivo representado pelo “nós” em correlação ao tu – enunciatário a quem
esse “nós” se dirige.
Essa fundamentação enunciativa incorporou uma base consistente ao
relacionar na retórica de Aristóteles a gênese do conceito de ethos, que é a
imagem que o orador pretende dar de si mesmo, não pelo que ele afirma
acerca de suas qualidades supostamente “positivas”, mas pelo modo e pelo
tom de voz expresso e depreendido pelo ouvinte na totalidade daquilo que é
enunciado. Assim o ethos não está no enunciado, mas sim na enunciação. O
ethos encontra-se no sujeito construído no discurso, é uma imagem do autor,
não o autor real (de carne e osso), mas um autor discursivo (construído pela
tessitura e pela textura do texto), de acordo com Discini (2008). Essa relação
de ethos como estilo na enunciação marca o jeito individual de ser social. Para
Aristóteles há alguns conceitos éticos que inspiram confiança em um autor:
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(Phorónesis) o bom senso, a prudência, a sabedoria prática de uma pessoa
ponderada que tem vivência, (Areté) a virtude – do latim lat. vírtus, útis 'força
corpórea' vinculada à coragem, àquele que não tem medo, e (Eúnoia) a
benevolência aquele que passa uma imagem agradável de si mesmo, o “boa
praça”.
A contribuição de Maingueneau (2008), diferentemente das demais
teorias que tratam de ethos, é que o ethos pode ser depreendido de textos de
qualquer natureza enunciativa, ou seja, o ethos não se depreende apenas de
uma pessoa em situação de enunciação, de um discurso, no sentido lato do
termo, mas que o ethos pode ser depreendido de enunciados orais, escritos, na
modalidade verbal, visual, ou verbo-visual, representando uma pessoa ou até
mesmo uma ou várias instituições.
Analisa-se o ethos pela obra, pelo discurso enuncivo, pelo enunciador
implícito no texto, já que há diferentes níveis enunciativos em um texto no qual
classificamos, conforme Barros (2002, 2007), em: enunciador, narrador e
interlocutor. A seguir adaptamos estruturação dos níveis de enunciação para
melhor compreender a noção de ethos discursivo:
DIFERENTES NÍVEIS DO SISTEMA ENUNCIATIVO
Enunciador
Imagem
implícita do
autor do texto
Eu digo
EU
Enunciatário
Narrador
Narratário
EU
TU
destinador X destinatário
interlocutor X interlocutário
EU
Imagem
implícita do
leitor do texto
A quem o EU se
dirige
TU
TU
Exemplo: discurso direto entre
personagens em texto em
prosa
O interlocutor é entendido como o personagem com suas características
físicas e psíquicas dadas no texto pelo narrador que é quem estabelece a
verdade do ser. A diferença entre enunciador e narrador, a partir de Greimas
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apud Fiorin (2008), é que quando analisamos uma única obra, definimos os
traços do narrador, mas se estudarmos a totalidade de obras de um
determinado autor podemos identificar o ethos do enunciador.
Enunciador e enunciatário são co-enunciadores da enunciação, assim o
enunciatário é uma coerção discursiva. Se o enunciador deve ter uma
percepção sagaz do “tu”, as escolhas linguísticas do enunciador determinam
quem é o enunciatário. O enunciador deve saber o pensamento, a opinião, o
sentimento e as esperanças do enunciatário para persuadi-lo, para convencêlo.
Como
encontrar
um
enunciatário
em
enunciados
verbais?
Na
modalização, na seleção de temas, na norma linguística escolhida, na
reiteração de traços semânticos, na projeção do enunciador no enunciador (se
objetivamente ou subjetivamente), na mancha da página, nas fontes usadas.
Todas essas marcas não estão no dito sobre o outro, mas na enunciação
enunciada.
3. Análise da construção do enunciador e do enunciatário na voz
institucional
Apresentaremos brevemente a organização da Olimpíada para se
compreender o funcionamento e a função. Inicialmente há uma voz institucional,
que propõe o trabalho concernente ao concurso “Olimpíada de Língua
Portuguesa Escrevendo o Futuro”, ao ator estudante, sujeito assim instituído
como dialógico, examinado enquanto respondente à voz institucional. No
entanto, há um ator da mediação do processo. Trata-se do sujeito-professor.
Este professor é responsável por fazer a proposta acontecer e está pressuposto
como modalizado pelo querer e pelo dever: dever e querer cumprir as fases das
oficinas de seqüências didáticas apresentadas no “Caderno do Professor –
Orientação para a produção de textos”, ano de 2008, cujo título é “Se bem me
lembro...”. O professor inscrito no concurso é estimulado por meio do “Caderno
do Professor” a desenvolver as seqüências didáticas com o estudante, o qual
deverá produzir um texto peculiar: sobre memórias voltadas para “o lugar onde
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vivo”. Para tanto, o sujeito-institucional manipula o sujeito-estudante para que
este queira e deva produzir um texto em consonância com a proposta.
O nome extenso e complexo do evento, Olimpíada de Língua
Portuguesa Escrevendo o Futuro, possui inerente muitos valores. O primeiro
deles está no significado de uma Olimpíada. Na verdade, uma Olimpíada
representa mais que um simples concurso ou competição, nela estão implícitos
valores de excelência, de respeito e de fraternidade. Ao especificar “de Língua
Portuguesa”, representa Olimpíada intelectual, que envolve conhecimentos
lingüísticos, não os peculiares de um concurso gramatiqueiro que exige
capacidade de memorização de regras específicas, mas que pressupõe
conhecimentos de leitura e de produção de textos, dois princípios regidos pela
prática de interação que exigem conhecimentos de língua, de texto, de coisas
de mundo e de situação de comunicação. Escrevendo o Futuro2 em itálico se
deve ao fato de ser mantido o nome do programa de incentivo a produção de
textos existente desde 2002.
Depreendido de uma totalidade que constitui o material didático Caderno
do Professor – Orientação para a produção de textos, este texto de
Apresentação é interessante porque aparece antes mesmo da página com os
dados catalográficos do material, representando a oficialização da Olimpíada e
porque este texto é representativo para depreendermos os sujeitos
participantes da Olimpíada.
Vamos ao texto:
2
Em 2002 surgiu no Brasil o “Escrevendo o Futuro”, programa idealizado e coordenado tecnicamente do
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) de São Paulo, que é
diretamente vinculado à Fundação Itaú Social. Desde àquele ano, o principal investimento do programa é
a formação continuada dos professores, a socialização de novas práticas de ensino a partir de seqüências
didáticas, por meio da oferta de materiais de apoio e de orientação para a reflexão e discussão da prática
pedagógica. A cada dois anos é lançado o concurso de textos nos gêneros Artigo de Opinião, Memórias e
Poesia para diferentes séries da Educação Básica. Cada um dos gêneros é desenvolvido pelo professor
seguindo as orientações contidas no fascículo organizado em oficinas realizadas para
ensino/aprendizagem desses gêneros. Em 2008 o programa Escrevendo o Futuro foi oficialmente
transformado em um projeto mais abrangente, chamado “Olimpíada da Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro”.
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APRESENTAÇÃO
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Bem-vindo à Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro!
Ela é resultado da parceria entre o Ministério da Educação
(MEC), a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(Cenpec).
A união de esforços do poder público com a iniciativa privada e
a sociedade civil visa um objetivo comum: proporcionar ensino
de qualidade para todos.
O MEC encontrou no Programa Escrevendo o Futuro a
metodologia adequada para realizar a Olimpíada – uma das
ações do Plano de Desenvolvimento da Educação, idealizado
para fortalecer a educação do país.
Este caderno vai ajudá-lo na preparação dos seus alunos para
a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. É
uma ferramenta que poderá ser incorporada ao dia-a-dia
escolar, contribuindo para que os alunos escrevam textos cada
vez melhores e ampliem o domínio da leitura e da escrita.
O tema proposto para o concurso é “O lugar onde vivo”.
Escrever sobre a comunidade onde se vive estimula novas
leituras, pesquisas e estudos, proporcionando um outro olhar
sobre a realidade e uma perspectiva de transformação social.
O envolvimento de todos na Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro é fundamental para ampliar e enriquecer
o trabalho de nossas escolas e para que sejam produzidos
melhores textos por crianças e jovens dos vários cantos do
Brasil.
Desejamos a você um ótimo trabalho!
Cenpec
Fundação Itaú Social
Ministério da Educação
Nesta Apresentação temos uma saudação inicial ao professor que
recebeu o material. Ter o Caderno do Professor em mãos implica uma ação
preliminar do professor: a de ter se inscrito no concurso. Esta ação é motivada
por um querer-fazer do professor e não por um dever-fazer, imposição ou
obrigação. Aderir a esse discurso significa ver-se nele constituído.
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Do segundo ao quarto parágrafo fica especificado o enunciador, ou seja,
responsável pela realização da olimpíada, pela produção do material e, por
conseqüência, pela participação do aluno no evento. Este enunciador é
formado por três instituições:
ENUNCIADOR
Cenpec
Centro de
Estudos e
Pesquisas em
Educação,
Cultura e Ação
Comunitária
Voz responsável pela elaboração do material,
pelo apoio técnico pedagógico, pela formação
continuada dos professores, pela avaliação de
desempenho e conhecimentos tanto do aluno
como do professor.
FIS
Fundação Itaú
Social
Voz responsável pelo financiamento do projeto.
MEC
Ministério da
Educação
Voz que apoia a divulgação e a disseminação
do projeto nas escolas públicas de educação
básica do país inteiro.
O que é interessante nesse enunciador, é que após o cumprimento de
abertura ele fala do lugar de quem responsável por um evento e faz referência
ao mesmo usando a 3ª pessoa do discurso, projetando o olhar do observador,
do supervisor, do avaliador de todo o processo e de todos os participantes em
torno do objetivo estabelecido. Somente na última frase o enunciador, assume
a pessoa ampliada do “nós” em ‘Desejamos a você um ótimo trabalho!’.
Essa pessoa ampliada “nós” normalmente é representada pelo “eu” +
vocês quando, por exemplo, no discurso didático de sala de aula um aluno em
diálogo com o professor diz: “Professor eu não entendi nada do assunto!” e o
professor responde: “Então amanhã nós rediscutiremos a questão.” Esse “nós”
usado pelo professor na situação de aula é uma pessoa ampliada do “eu”
(professor) + “você” (aluno) + “eles” (os demais colegas de classe). Na maioria
das vezes, o uso do “nós” no discurso tem a função de incluir o outro como
participante e concordante do saber, do fazer, do ser e do parecer no discurso.
No caso do texto de Apresentação o “nós” é o “eu” (Cenpec) + “ela” (a
Fundação Itaú Social) + “ele” (o Ministério da Educação). Observe também o
leitor que há uma inversão na organização hierárquica na assinatura do texto,
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pois o Ministério da Educação, instituição mor, representante da educação em
nosso país aparece por último na assinatura na ordem do texto.
No início e no final da apresentação há dois vocativos:
Bem-vindo à Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro!
Desejamos a você um ótimo trabalho!
O vocativo ao cumprir uma função apelativa de 2ª pessoa, coloca em
evidência a pessoa à qual o enunciador se dirige seja para chamar a atenção,
para saudá-lo, como atitude de respeito ao outro, ou como formalidade em
relação à oficialização da abertura de um evento.
Esses dois parágrafos dão uma ênfase entoacional produzindo um efeito
de sentido de interação, neste caso entre o enunciador-institucional e o
enunciatário-professor, o primeiro parágrafo de abertura há um procedimento
imperativo implícito, o ‘seja bem-vindo’; e no último, de fechamento, está ligado
a uma noção volitiva do enunciador que deseja ao professor ‘um ótimo
trabalho’. Esse enunciado de fechamento estabelece o contrato de interação,
pois
o
enunciador
espera
do
professor
como
resposta,
atitude
e
comportamento, um comprometimento em realizar de forma eficaz (ótimo) a
sua ação em sala de aula.
Apesar de em nenhum momento da apresentação ser referenciada a
palavra “professor”, é este o destinatário da saudação, enunciatário a quem
será direcionado todo o material. Sendo o enunciatário uma das instâncias do
sujeito da enunciação, ressalta-se aqui o papel do professor como coenunciador do discurso, conforme Fiorin (2008, p.153) o enunciatário não é um
ser passivo que recebe informação, mas que estabelece um contrato ao
participar, ele age, constrói, adapta, compartilha, rejeita, ao assumir as oficinas
com seus alunos, por meio do uso do material. Ou seja, é um contrato para agir
de acordo com as orientações dadas. Esse enunciador mobiliza sua
persuasão, escreve este texto para um professor de português da educação
básica – seu enunciatário, é formado em pedagogia e/ou letras – por isso a
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isotopia converge para usos de termos lexicais específicos do universo didático
e escolar: seus alunos, dia-a-dia escolar, escola, etc. A imagem de enunciatário
produzida pelo discurso é a daquele que quer trabalhar, que quer conhecer e
desenvolver a metodologia de trabalho com gêneros textuais, um professor que
não fique dependente apenas Caderno produzido, mas que amplie o uso,
pesquise,
realize
outras
leituras
para
aprimorar
seus
conhecimentos
metagenéricos, históricos e regionais.
O enunciador conhece seu leitor e por intermédio das escolhas
lingüísticas determina as características do enunciatário, este enunciatário é:
pensado como responsável pela educação por meio do seu conhecimento, por
isso quanto mais o professor for especializado em seu trabalho, melhor será a
qualidade da educação; sente vontade de participar, de representar sua escola
e quem sabe ganhar juntamente de algum de seus alunos o prêmio subjacente
ao trabalho caso um deles seja classificado; o que opina de forma
reivindicativa por ajuda e por diferentes ferramentas para a melhoria do seu
trabalho, que precisa de fundamentação não só teórica, mas prática; e, por fim,
sabe que o professor espera ser reconhecido e valorizado pelo que faz.
O enunciador é constituído de um “eu” institucional, que em sua
organização objetiva interna estabelece uma relação de parceria entre si, com
uma finalidade comum que é a de “proporcionar uma educação de qualidade
para todos” – slogan do governo Lula constantemente veiculado em vários
meios de comunicativos que promovem as ações do governo na área
educacional. Este objetivo é o fundamento do Plano Nacional de Educação. O
texto deixa evidente o interesse do MEC no programa, ou seja, existia a
necessidade e a obrigação de ser realizada uma olimpíada de língua
portuguesa, porém essa instituição achou que a metodologia do projeto
Escrevendo o Futuro, devida experiência de três edições do concurso era
adequada, cumpria os critérios de realização da olimpíada, pois a mesma está
em
consonância
com
os
princípios
desenvolvidos
pelos
Parâmetros
Curriculares Nacionais, que considera o foco do ensino na interação em que a
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produção de textos orais, escritos e não-verbais exige do produtor a ativação
de conhecimentos e a mobilização de estratégias textuais.
Outro aspecto interessante é a reiteração do objetivo principal em pelo
menos cinco parágrafos diferentes, observe que este texto possui apenas oito
parágrafos, ocorre que esta reiteração a cada vez que é feita está relacionada
a cada uma das instâncias institucionais que constituem o enunciador:
Instância
governamental
(MEC)
Proporcionar educação de qualidade a todos
Instância
governamental
(MEC)
Idealizado [o PNE] para fortalecer a educação no país.
Instância da
instituição
pedagógica
[É uma ferramenta que poderá ser incorporada ao dia-a-dia
escolar,] contribuindo para que os alunos escrevam textos
cada vez melhores e ampliem o domínio da leitura e da
escrita.
(Cenpec)
Instância da
instituição
pedagógica
Escrever sobre a comunidade onde se vive estimula novas
leituras, pesquisas e estudos, proporcionando um outro olhar
sobre a realidade e uma perspectiva de transformação social.
(Cenpec)
Instância
governamental e
pedagógica
(FIS) (MEC)
(Cenpec)
[O envolvimento de todos... é fundamental] para ampliar e
enriquecer o trabalho nas escolas e para que sejam
produzidos melhores textos por crianças e jovens dos vários
cantos do Brasil.
A conexão do objetivo reiterado no decorrer do texto cria o efeito de
intensificação, pois é preciso fazer-crer que a educação é compromisso de
todos, desta forma é preciso reprimir a atitude paternalista e não esperar
apenas do enunciador a motivação e o compromisso com a educação. Ou seja,
motiva a fazer arregaçar as mangas e trabalhar.
No tocante à sintaxe discursiva, o momento de referência no enunciado
é o presente, a partir do qual são desenvolvidas as demais projeções temporais
do discurso. Na totalidade do texto há uma predominância do tempo presente e
do futuro do presente na 3ª pessoa do discurso. Em relação a esses tempos
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busca-se um meio de apresentar qualidade objetivas, concretas, se referindo
às instituições e aos documentos, estratégia argumentativa que demonstra o
estado, a condição do evento produzindo o efeito de objetividade e de
realidade, apesar do apagamento do sujeito enunciador do segundo ao sétimo
parágrafo ele procura dar ciência aproximando o enunciatário da realidade do
evento, priorizando informações relevantes sobre o mesmo.
Considerações
Neste
artigo,
ao
tratarmos
das
projeções
que
constituem
os
enunciadores em um discurso, ressalta-se o papel das coerções discursivas,
ou seja, regras que respondem a especificidade de cada discurso e de cada
enunciado em sua produção e em sua recepção. Pertencer ao domínio didático
escolar faz um texto resignificar elementos orientados de maneira própria,
como, por exemplo, a instrutividade de uma aula, de uma reunião de pais; com
tom de advertência em uma bronca, são elementos que demarcam as relações
sociais estabelecidas entre os sujeitos nos processos enunciativos.
No caso específico do objeto analisado, importa que temos uma cena
discursiva montada com vistas a despertar o interesse dos estudantes e
melhorar os textos que eles escrevem. Essa partilha de valores proposta na
manipulação subjacente supõe desdobramentos fiduciários. Antes é preciso
ganhar o professor, integrá-lo ao projeto tornando-o corresponsável pela ação
de ensinar ler, conhecer as características típicas do discurso e a escrever
textos. O enunciatário-estudante, revestido do papel de enunciador do texto
responsivo à proposta, precisa crer que a escrita de textos do discurso
memorialista é relevante, seja para o concurso no sentido da sanção positiva
que o aguarda como a avaliação do professor, dos colegas, da escola, do
município, bem como a premiação iminente, seja para a manifestação de seus
sonhos e angústias sob o filtro da memória – eis a linha de pensamento da voz
institucional, subjacente a “Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro”.
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Referências
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2007.
_______. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo:
Humanitas, 2002.
CLARA, Regina de Andrade; ALTERFELDER, A. H. Se bem me lembro... São
Paulo: CENPEC: Fundação Itaú Social; Brasília, DF: MEC, 2008.
DISCINI, N. Ethos e estilo In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. S. (Orgs.) Ethos
Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 33-54.
FIORIN, J. L. Em busca do sentido: estudos discursivos. São Paulo: Contexto,
2008.
MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. S.
(Orgs.) Ethos Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. p. 11-29.
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Anais do 6 Seminário de Pesquisas em Lingüística Aplicada (SePLA), Taubaté, 2010. ISSN: 1982-8071,
CD-Rom.
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