ATRAVESSAR Nº 4 • 2º SEMESTRE DE 2014 ATRAVESSAR Nº4 – 2º SEMESTRE DE 2014 ASSOCIAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AAT) Rua Vergueiro, 1421 – cj 1609 – Torre Sul. Paraíso. São Paulo, SP. CEP: 04101-000 E-mail: [email protected]. Visite: www.aat.org.br CORPO EDITORIAL EDITOR RESPONSÁVEL Profa. Dra. Luciana Chaui-Berlinck Associação de Acompanhamento Terapêutico, São Paulo, SP - Brasil Nupsi, USP. CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Ana Celeste Pitiá Prof. Dr. Andrés Eduardo Antúnez (IP – USP) Profa. Dra. Olgária Feres Matos (FFLCH – USP) Prof. Dr. Kleber Duarte Barretto (UNIP, AAT) Prof. Dr. Marco Antônio Macías Lopes (UAQ – México) Prof. Dr. Marcos Vinicius de Oliveira Silva (UFBA) CONSELHO CIENTÍFICO Prof. Dr. Fernando Genaro Júnior Prof. Dr. Marcelo Soares da Cruz (UNIP, Habitat, AAT) Maria Laura Frank (FundacionSistere, UNC, AATRA – Argentina) Ms. Roberta Elias Manna (FIG, Gerações) Profa. Dra. Sandra Silveira de Carvalho (MCAAT – Hamilton – Canadá) Profa. Ms. Tânia Possani (Habitat, AAT) PRODUÇÃO EDITORIAL EDITORA RESPONSÁVEL Profa. Dra. Luciana Chaui-Berlink ACOMPANHAMENTO EDITORIAL Lívia Stefaneli Hailton Yagiu REVISÃO Lívia Stefaneli SECRETARIA Ana Carla dos Santos ATravessar – ano 3, n. 4 (jul – dez/2014) São Paulo: AAT, 2014, 170 p. Semestral 1. Acompanhamento Terapêutico (AT) – Periódicos. I. Título Índice para catálogo sistemático 1. Acompanhamento Terapêutico (AT): século 21 : Brasil Sumário EDITORIAL ................................................................................................................. 4 O TEMPO VIVIDO NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ........................................ 5 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): O QUE PENSAM OS TRABALHADORES DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL DE UBERLÂNDIA/MG. ................................................................................................... 25 O ENTRELAÇAR DA TEIA DE CUIDADOS – EXPERIÊNCIAS DA EQUIPE DE UM SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO DE BASE TERRITORIAL .................................................. 46 ANÁLISE DAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO E TESES DE DOUTORADO/LIVRE DOCÊNCIA EM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE 1995 A 2013. ..................... 69 OS DESAFIOS INERENTES A PRÁTICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERFACE DAS QUEIXAS FAMILIARES ..................................................................... 93 EL AT Y SU LAZO SOCIAL: INTERPELACIONES A LA COMUNIDAD, LUGARES PARA EL MALESTAR SINGULAR ............................................................................................ 108 ENVELHECIMENTO E LOUCURA - II JORNADA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E ENVELHECIMENTO - “ONG- GER-AÇÕES” ............................................................ 119 OS EREMITAS URBANOS ........................................................................................ 127 LA IDENTIDAD DEL ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO, UN PROCESO EN CONTRUCCION .............................................................................................................................. 133 ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E REFERÊNCIA TÉCNICA: ATRAVESSAMENTO DE PAPÉIS EM UM CASO CLÍNICO DE SAÚDE MENTAL ................................................ 144 SOBRE A REVISTA .................................................................................................. 171 INSTRUÇÕES AOS AUTORES ................................................................................... 172 EDITORIAL É com enorme prazer que apresentamos o número 4 da ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico. Esta edição nos é especial pelo fato de ser o primeiro número da revista em format digital, além do já conhecido impresso. Desta maneira, esta revista científica especializada no campo do AT vai realizando sua missão de veicular e divulgar a produção científica referente ao Acompanhamento Terapêutico e, assim, contribuir para a ampliação do conhecimento no campo do AT, bem como para o enriquecimento profissional daqueles que trabalham com essa prática. Com este número nos vemos socializando o conhecimento produzido por aqueles que pesquisam e/ou atuam no campo do AT de modo muito mais abrangente. Neste volume o leitor encontrará artigos publicados em português ou espanhol, conforme a origem de seu autor. As riquíssimas discussões que encontramos nos dez artigos apresentados neste número tratam de diversos assuntos que vão desde distintas questões relacionadas com a polítca, pensada tanto em termos internos ao fazer do AT, como também a política de saúde mental de maneira mais ampla, questões da Saúde Pública e da rede de atenção psicossocial e sua relação com o AT, até questões da fenomenologia e psicopatologia, a análise de trabalhos acadêmicos sobre o AT e ainda reflexões sobre a vida urbana, o envelhecer e a familia. Além de sermos brindados por um lindo artigo do Dr. Jorge Luis Pellegrini sobre o processo de construção da identidade do acompanhante terapêutico. Todos os temas são muito interessantes e importantes para este campo de intervenção. Desejamos que os diversos artigos e seus enfoques teóricos tratados aqui possam contribuir para as futuras discussões e reflexões de nosso leitor. Luciana Chaui-Berlinck 4 O TEMPO VIVIDO NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO THE LIVED TIME ON THERAPEUTIC ACCOMPANIMENT EL TIEMPO VIVIDO EN EL ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICO Danilo Salles Faizibaioff ¹ Andrés Eduardo Aguirre Antúnez ² Leonardo Gonzalez ³ RESUMO Este artigo visa ilustrar, ainda que no diálogo com outros autores, a fecundidade da produção fenomenológica e psicopatológica de Eugene Minkowski para a compreensão e terapêutica da clínica no enquadre do AT. Para tal, consideraram-se as experiências clínicas radicais de convivência diária que o referido autor, por meses, empreendia com pacientes psiquiátricos, bem como foram expostos os fenômenos essenciais que descreveu a partir de seu estudo fenomenológico sobre o aspecto temporal da vida, dentro ou fora da patologia, a saber: o ímpeto (élan) vital de Bergson, o contato vital com a realidade, a duração vivida e a duração racional, o binômio espera-esperança e o diagnóstico por compenetração. Apresentamos, no diálogo com tais noções, um recorte de caso clínico atendido no enquadre do AT, cuja problemática manifesta é o uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas. PALAVRAS-CHAVE: Hospitalidade Acompanhamento Terapêutico; Fenomenologia; Drogadição; ABSTRACT This article aims to illustrate, although in dialogue with other authors, the fecundity of the Eugène Minkowski`s phenomenological and psychopathological production for the understanding and therapeutics in the AT clinical field. Seeking this, we considered the author`s radical daily living clinical experiences, who lived for months with psychiatric patients, as well we exposed the essential phenomena he described trough his phenomenological study of the temporal aspect of life, within or outside the pathology, which are: the Bergon`s vital (élan) impetuous, the vital contact with reality, the lived duration and rational duration, the binomial waiting-hope and the interpenetration diagnostic. We showed, in dialogue with such notions, a clipping clinical case treated in the AT setting, whose manifest problematic is the abuse and dependence on psychoactive substances. KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment; Phenomenology; Drug Addiction; Hospitality RESÚMEN Este artículo pretende ilustrar, aunque en diálogo con otros autores, la fecundidad de la producción fenomenológica y psicopatológica de Eugène Minkowski para la comprensión y la terapéutica del encuadre clínico del AT. Para ello, fueron consideradas las radicales experiencias clínicas diarias que el autor, durante meses, emprendió con pacientes psiquiátricos, así comoexpusimos los fenómenos essenciales que describió a través de su estudio fenomenológico respecto el aspecto temporal de la vida, dentro y fuera de la patología, a saber: el ímpeto (élan) vital de Bergson, el contacto vital con la realidad, la duración vivida y la duración racional, el binomio espera-esperanza y el diagnóstico por compenetración. Presentamos, en diálogo con estas nociones, un recorte de caso clínico tratado en el encuadredel AT, cuya problema manifiesta es el abuso y dependencia a las sustancias psicoactivas. PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico; Fenomenología; Adición, Hospitalidad 5 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico INTRODUÇÃO O caráter inovador, promissor e transdisciplinar do AT revela-se por sua essência mesma, qual seja, constituir-se como prática polifônica (Sacadura, 2013). Barretto (2012a) destaca 3 âmbitos através dos quais se manifesta a polifonia do AT: sua inserção em diferentes campos epistemológicos e laborais para além da Saúde Mental, tais quais a Saúde Geral, a Educação e o Judiciário; a formação dos ats, que não se restringe nem à Psicologia, nem às outras áreas da Saúde necessariamente e, finalmente, os distintos referenciais teóricos que, hoje, embasam-no, não se esgotando na "predominância das diferentes psicanálises" (p.12) como, historicamente no Brasil e Argentina, tal prática institucionalizou-se. Neste último âmbito, temos assistido à contribuição de autores do campo da Fenomenologia para o AT , tais quais Edith Stein (Possani , 2012), Michel Henry (Antúnez & Martins, 2013; Antúnez, 2014) e Eugene Minkowski (Antúnez, Barretto & Safra, 2011; Faizibaioff, 2014; Faizibaioff & Antúnez, 2014). Minkowski (1885-1972) foi um psiquiatra e psicopatólogo fundamentalmente influenciado pela fenomenologia de Husserl e pela filosofia de Bergson (Antúnez, 2012), sendo ambos estes filósofos, segundo Ales Bello (2013, p.10), os mais importantes expoentes do século XX, pois "se deram conta e procuraram frear a interpretação redutiva do ser humano", fruto histórico da aplicação dos princípios metodológicos das ciências naturais para o entendimento científico do homem. Na introdução de sua célebre obra O Tempo Vivido, Minkowski (1933/1973) sintetiza a essência da fenomenologia husserliana e da filosofia bergsoniana: A primeira propôs-se como meta estudar e descrever os fenômenos que compõe a vida, sem deixar-se guiar ou limitar, em suas investigações, por premissa alguma, seja qual fosse sua origem ou aparente legitimidade. A segunda opôs, com uma ousadia formidável, a intuição à inteligência, o vivente ao morto, o tempo ao espaço. (p.9, tradução nossa4) DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 6 Já em 1923, penetrado por tais influências e pelas importantes transformações nosológicas no campo da psicopatologia da esquizofrenia cuja fundamental influência encontrou em Bleuler - Minkowski (1923/1970) apresenta um artigo no qual opera uma análise psicológica e fenomenológica de um caso de melancolia esquizofrênica, o qual acompanhara durante 2 meses, dia e noite, no ambiente cotidiano do paciente, em moldes formais muito próximos aos quais, cerca de 40 anos depois, fundar-se-ia a clínica do AT em nosso continente. Para ele, a intensa e prolongada convivência com o paciente era um meio privilegiado de "penetrar mais profundamente na origem e natureza do fenômeno mórbido como tal 10" (p.22), desvelando-se à nossa compreensão o seu sentido originário. Nesta empreitada, concebe que a essência das manifestações psicopatológicas reside na esfera do tempo e espaço vividos pelos sujeitos, sendo esta a base sobre a qual construirá o seu Tratado de Psicopatologia (Minkowski, 1966/1999). Considerando as diversas configurações patológicas - cujas manifestações mais graves encontramos no campo do AT (Maduenho, 2012) -, a despeito dos caracteres idiossincráticos dos pacientes, talvez não nos seja difícil dar-se conta de que "em todo doente psíquico, ou quase, podese falar da repetição do passado, da insatisfação do presente vazio e da incapacidade de projeção no porvir" (Tatossian, 2012, p.78). Mas de qual concepção temporal e, logo, antropológica 11, fala-se aqui? Trata-se do tempo-qualidade, o tempo do devir, vivido ao nível préreflexivo da experiência, e não do tempo-assimilado-ao-espaço, como o nomeia Bergson para referir-se à faceta mensurável e quantificável do tempo, elevada, pelo método científico de embasamento positivista, à categoria de primazia quando se concebe o fenômeno temporal na modernidade (Minkowski, 1933/1973). O tempo vivido transcende a mera contagem numérica do relógio, a periodicidade previsível dos calendários uniformemente delimitados, os dados obtidos por meio de questionários dirigidos visando avaliar a orientação têmporo-espacial dos indivíduos hospitalizados. Ele é, ante tudo e antes de tudo, "essa 'massa fluida', esse oceano em movimento, misterioso, grandioso e potente que vejo em torno de mim, em mim, em todas 7 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico as partes... É o devir", que implica a marcha existencial humana "em direção a um futuro indefinível e inacessível" (p.22). Em relação ao AT, prática inalienável do contexto urbano pós-moderno em que não só a dupla acompanhante-acompanhado, mas, também, toda a rede de profissionais e familiares inserem-se inexoravelmente, Antúnez (2012) envereda-nos à reflexão de sua relação com o fenômeno temporal: Em um época na qual a técnica é fruto da tecnologia, o tempo é vivido sempre como escasso para fazer tudo o que se tem a fazer. A aceleração do tempo é um impedimento a deter-se com calma, tranquilidade e serenidade no cotidiano, onde o espaço do ambiente de uma metrópole não se harmoniza com as necessidades fundamentais de cada ser que exprime seu espaço interior. (p.58) Aí vislumbra-se o contexto sócio-histórico dentro e através do qual manifesta-se o adoecimento mental e, paralelamente, dá-se a prática do AT. Ele é marcado pela "agonia do totalmente pensado" (Safra, 2004, p.25), harmônica à hegemonia de uma concepção temporal do totalmente contabilizado, espacializado ou intelectualizado. Segundo Martins Costa e Medeiros (2009), tal configuração de coisas, que implica a não consideração da temporalidade subjetiva na compreensão diagnóstica e terapêutica das manifestações psicopatológicas, constitui-se como importante fonte de impasses para o encontro clínico. O Ímpeto Vital: fenômeno mais originário da existência humana Minkowski (1933/1973) considera que, ao encararmos o devir com a noção de direção, se nos apresenta à consciência o fenômeno do Ímpeto (Élan) Vital, já descrito por Bergson5. O ímpeto "cria diante de nós o futuro e é isso o que ele faz" (p.39), implicando que, primitivamente, nunca seja "um ímpeto que parta de... senão unicamente um ímpeto em direção a..." (p.42). Não se trata, então, da existência de pontos de partida ou chegada em nossa trilha biográfica, como sugeriria o raciocínio espacial, mas de uma expansão progressiva e inexorável em direção a um futuro imprevisível, em cuja marcha DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 8 afirmamos nossa personalidade frente ao devir circundante e realizamos, com todo nosso ser, nossa obra pessoal. Sem o ímpeto vital, sem essas "asas poderosas" que nos levam "sempre adiante, até mais além da própria morte" (Minkowski, 1933/1973, p.44), naufragaríamos no caos do devir, afogados por suas "ondas poderosas, porém cinzas e caóticas" (p.40). Estando toda nossa vida orientada ao futuro 12, e sendo o ímpeto a própria possibilidade de abrir-se e criar-se diante de nós este futuro, não nos resulta difícil compreender por que o autor concebe que, "no fundo, não há mais que um único fenômeno, o do ímpeto vital" (p.40). É importante destacar, todavia, o fator de limitação que o ímpeto carrega em si, pois, enquanto nos concentramos em nossa obra pessoal, "o devir se estende cheio de promessas, de possibilidades, de riquezas insuspeitas" (Minkowski, 1933/1973, p.61), às quais renunciamos ao estarmos absorvidos por nosso ímpeto pessoal. Quem de nós, eventualmente, não experimenta a angustiante sensação de estar perdendo inúmeras possibilidades profissionais, dentro ou fora de nosso campo de atuação, por haver feito certa escolha de carreira e nela focalizado todo nosso empenho? O quanto aspiramos a uma plenitude epistemológica sobre determinado tema e, diante do mergulho em nossas pesquisas de mestrado e doutorado, sentimo-nos sufocados pela necessidade de recortar um aspecto muito diminuto da realidade, a fim de que nossos trabalhos harmonizem com o rigor acadêmico exigido? Há de haver, portanto, outro fenômeno que, em sincronia com a separação entre o eu e o ambiente operada pelo ímpeto, permita-nos, mais uma vez, reencontramos nossas raízes profundas com o devir circundante, possibilitando-nos um movimento fusional, ainda que temporário, ao ambiente que nos cerca e no qual estamos inseridos inescapavelmente. E é justamente daí que nosso ímpeto recupera suas forças para possibilitar que sigamos adiante. O Contato vital com a realidade Tal fenômeno é descrito nos termos do contato vital com a realidade, que alude à possibilidade humana de fundir-se e "confundir-se com o devir 9 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico circundante" (Minkowski, 1933/1973, p.63), isto é, à nossa "faculdade de vibrar em uníssono com o ambiente" e de mantermo-nos "em contato com a realidade" (Minkowski, 1927/2000, p.79). Não é desprovido de valor ressaltar que este ambiente é composto, essencialmente, de pessoas e relações, e que a capacidade de com eles vibrar em uníssono revela o fenômeno empático como uma das formas de manifestação do contato vital com a realidade (Minkowski, 1933/1973). Tal fusão com as raízes profundas do devir liberta-nos da tensão inerente à nossa atividade no mundo, tensão esta atrelada ao ímpeto vital e, mais especificamente, ao fator de limitação que lhe é inerente. A tais vivências sufocantes, relacionadas à limitação de nossa atividade no mundo, opõe-se a sensação de repouso e relaxamento nos aportada pelo contato vital com a realidade, por esta faculdade sublime de sermos visitados e penetrados pelo devir mesmo, ao mesmo tempo em que nos deixamos, sem oferecer resistências, sermos carregados por suas ondas poderosas, rumo a um futuro recheado de promessas imprevisíveis e belezas insuspeitas. Os fenômenos do ímpeto vital e do contato vital com a realidade, assim, constituem uma "oposição natural" (Minkowski, 1933/1973, p.63), ainda que o primeiro seja mais originário e, por isso mesmo, estabeleça com o segundo uma relação de subordinação. Afinal de contas, não há como conceber uma vida puramente contemplativa: desejamos não tão somente existir, mas afirmar nossa personalidade frente ao devir circundante e deixarmos nossa marca pessoal no mundo. O desmoronamento do tempo vivido na patologia A experiência clínica radical a que se propôs Minkowski (1923/1970) quando acompanhou seu paciente esquizofrênico diariamente, por quase 2 meses, dia e noite, em seu ambiente cotidiano, permitiu-lhe postular que, a despeito dos sintomas secundários que caracterizam tal afecção mental como os delírios, alucinações, embotamento afetivo e vivências persecutórias -, sua essência reside na perda do contato vital com a realidade. Tal característica corresponde à afetação, na afecção esquizofrênica 6, ao nível do ímpeto vital, ao qual o contato vital com a realidade segue subordinado. Já nas configurações não patológicas, tal contato estaria DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 10 preservado, salvaguardando aos sujeitos a capacidade de "vibrar em uníssono com os acontecimentos imprevistos que se lhes apresentam" (Minkowski, 1923/1970, p.24) e de tender "em direção a um futuro que não conhece limites" (p.25), ainda que se possam experimentar tais sensações de fechamento do devir em determinados momentos de crise biográfica, porém nunca persistentemente como na esquizofrenia (Minkowski, 1933/1973). Portanto, à afetação ao nível do ímpeto vital associa-se a impossibilidade individual de projetar-se num futuro essencialmente inacessível e imprevisível. Ao sujeito adoecido, o devir encontra-se fechado por certezas obscuras e inescapáveis, justificando a pavorosa vivência paranóide, por exemplo, de algum evento catastrófico estar especialmente reservado à sua pessoa, sem que nada possa ser feito a respeito para revertêlo ou refutá-lo. O paciente de Minkowski (1923/1970) padecia de um intenso sofrimento decorrente de uma certeza crônica, resistente a qualquer estratégia interventiva: todos os homens ao seu redor eram seus perseguidores, e tramavam introduzir-lhe no ventre toda sorte de lixo e sujeiras que vinham acumulando há anos, justamente para tal fim; ademais, não lhe restavam dúvidas de que seria exposto em praça pública sob tal situação degradante, e que os próprios filhos de Minkowski (1923/1970) viriam a participar "desta maquinação tão desumana" (p. 22). Dado o exposto, seguiremos com a apresentação de uma vinheta clínica de uma paciente adicta a drogas de abuso, atendida no enquadre do AT pelo autor principal deste artigo. Foi possível observar que, embora de forma menos brutal do que na esquizofrenia, também pôde ser constatado, neste caso, o enfraquecimento do ímpeto vital e o conseqüente prejuízo no contato vital com a realidade, cuja busca compensatória desembocava no abuso de substâncias psicoativas diversas. Na medida em que se fizeram necessários, expusemos outros fenômenos temporais descritos por Minkowski, secundários ao ímpeto vital e ilustrativos da fecundidade de sua produção para a clínica do AT. Raíssa: à espera do outro muito antes da primeira pedra de crack Raíssa7 é uma jovem publicitária com histórico de abuso de álcool, crack e cocaína desde a maioridade. Conhecemo-nos em uma de suas diversas 11 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico internações, durante a qual se formou uma equipe multiprofissional visando à estruturação mínima de um cotidiano que pudesse desdobrar-se fora de instituições psiquiátricas. Dotada e adotada por uma estupenda capacidade intelectual, sempre conseguiu manter-se em empregos que lhe provêm altos salários, ainda que entre umas e outras recaídas mais ou menos graves. A eficiência e rapidez de seu pensamento salta aos olhos, desafiando teorias neuropsicológicas que atribuem ao abuso de agonistas dopaminérgicos lesões cognitivas amplas e limitantes à atividade do sujeito no mundo 8, pelo menos no que toca ao âmbito profissional. Não é à toa, então, que sua fantasia de cura corresponda à compreensão racional do "mecanismo de minhas recaídas" (sic), e que encare o at com espanto e estranhamento quando este sustenta, frente a este seu discurso, que não será pela via do intelecto que ela resolverá ou mesmo, como pontua Safra (2004), dará andamento às suas questões fundamentais. A função anestésica que o abuso psicoativo exerce em seu psiquismo harmoniza-se com sua dificuldade em contatar grotescas vivências de um vazio que não se cansam de se lhe apresentar, coerentes com uma biografia marcada pelo desinvestimento materno precoce (Green, 1980) e por outras relações violentas fundantes. Já muito cedo, em sua história, produziram-se fraturas éticas ali mesmo onde não deveria haver mais que experiências mínimas que sustentassem a continuidade de sua constituição como pessoa no mundo dos homens (Safra, 2009). Fenomenologicamente, a tal configuração de coisas corresponde seu exílio do tempo do devir e o enfraquecimento de seu contato vital com a realidade. Raíssa relata sentir-se real apenas quando do mergulho na "vida bandida" (sic), isto é, num padrão de abuso e orgias sexuais de tamanha intensidade que atualiza e comunica sua condição ontológica fraturada: (des)equilibrando-se nos desfiladeiros da morte, perambulando pelas fendas abismais de sua existência sorumbática. A excessiva racionalização da experiência subjetiva restringe sua experimentação do tempo quase que exclusivamente em sua faceta espacializada e intelectualizada. Nossa impressão, como descreve Minkowski (1933/1973, p.167), é de que, nela, "as forças vitais parecem esgotadas; DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 12 chegaram a ser presa dos fatores racionais", de forma que "infiltraram-se nos mais profundos recantos de seu ser e reduziram-nos ao nada". Ademais, como aponta Messas (2006) a respeito da vivência temporal na dependência química, pode-se dizer que há, em Raíssa, uma "ampliação da temporalidade presente da consciência" (p.25), com a implicação estrutural de "uma consciência incapaz de experimentar sentimentos dolorosos e, portanto, sem suficiente densidade para enfrentar determinados problemas de sua biografia" (p.157). Observa-se nela uma restrição vivencial ao nível do agora, do instantâneo, pois, por um lado, quando o passado visita e penetra no presente através de recordações carregadas de afetos angustiantes, ameaça-se sua frágil estrutura temporal calcada no presente, manifestando-se fenômenos que se traduzem em fissura, atuações agressivas ou maisracionalizações; pelo outro, o devir encontra-se barrado, com quase nenhuma abertura, implicando um futuro vivido empobrecido e restrito à precariedade da previsão racional (Minkowski, 1933/1973). Sua capacidade de vibrar em uníssono com as pessoas mostrava-se ainda mais comprometida no começo do trabalho de AT, cerca de dois anos atrás. Fez-se preciso um árduo trabalho para que uma mínima vinculação com o at fosse estabelecida, sendo que trazê-la para o âmbito da relação interpessoal elegeu-se como o pilar interventivo sobre o qual se sustenta toda a terapêutica do caso. Houve um dia, por exemplo, em que o at foi buscá-la no trabalho e, devido a um acidente automobilístico numa via arterial da cidade, ficou preso num congestionamento inescapável. Angustiado, calculou que se atrasaria, no mínimo, 40 minutos para estar lá no horário combinado. Tomado de um pavor que subitamente tornou difícil até sua própria respiração, telefonou-lhe para comunicar o atraso. Imediatamente, Raissa disparou-lhe, furiosa, uma série de ataques: "como assim?", "que palhaçada é esta?", "que tipo de profissional é você?". O at tentou-lhe explicar que não havia palavra em português para descrever o trânsito na Avenida Bandeirantes, que havia saído de casa uma hora e meia antes do horário combinado, como sempre o fazia, mas algo excepcional ocorrera neste dia, frente ao qual não havia o que ser feito. Ela continuou bombardeando-lhe com sentenças agressivas até dizer a seguinte: 13 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico "Eu tenho meus problemas, você tem os seus. Isso agora é um problema seu! Acha um atalho, se vira, não quero nem saber!!!". Neste momento, o at respondeu-lhe: "Raíssa, isto é um problema nosso!". Depois desta intervenção, ela cessou fogo. Creio que pôde perceber, um pouco, o quanto ele também estava angustiado e implicado naquela situação toda e, assim, acalmar-se minimamente. Quando ela entrou no carro, de fato cerca de 40 minutos depois de seu horário de saída do serviço, o at cumprimentou-a e disse-lhe que compreendia o quanto era difícil para ela suportar sua ausência. Duração Vivida Minkowski (1933/1973) descreve a diferença entre a duração vivida, referente às experiências que se vivem em harmonia com o tempo subjetivo de cada um, e a duração elementar pensada, experienciando-as a partir do estabelecimento racional de um intervalo de tempo mensurável (∆t). No primeiro caso, trata-se de fenômenos que penetram no fluxo vivente do tempo, durando enquanto fluem e fluindo enquanto duram; já no segundo, o fenômeno é experimentado como "uma série de instantes que se sucedem" (p.28), como "pontos justapostos" (p.29) que se apresentam sem penetração no fluxo temporal. Segundo Barthelémy (2012), a duração vivida refere-se à própria possibilidade de experimentar, enquanto sua faceta espacializada, ao movimento mental de contabilizar. Neste sentido, pode ser compreendida uma das falas mais paradigmáticas de Raíssa, ao referir-se às suas vivências de abstinência, duramente perseguida sobretudo após suas altas institucionais: "minha vida resumiu-se a seis, sete, oito meses de abstinência. Não aguento mais isso, não vejo sentido algum nisso, nasci pra morrer aos 30, não aos 70". A abstinência, aqui, é vivida nos moldes da duração puramente racional e, por isso mesmo, impossibilitada de ser significada e apropriada pela paciente. Contudo, podemos pensar que das implicações e decorrências desta vivência temporal empobrecida dá-se conta ela própria, quando diz que não mais suporta viver reduzida a um ∆t mais ou menos longo. Isso foi entendido pelo at como um bom sinal prognóstico, o qual harmoniza com sua crescente possibilidade, mediante o rosto devotado do at, de suportar o vazio que se lhe apresenta cotidianamente. Com o tal, Raíssa pode ensaiar um abandono DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 14 progressivo do comportamento abusivo de substâncias e relações desvitalizadas, ainda que a busca com sofreguidão pela abstinência psicoativa nunca tenha sido nossa ética de trabalho. Cremos que o AT sustentado na ética da relação interpessoal devotada (Safra, 2009) e no trabalho com as questões originárias da paciente - as quais já revelavam importantes fraturas a serem cuidadas muito antes de que pudesse vir a acender seu primeiro cachimbo de crack (Cruz, 2012) possibilitou ao at testemunhar, meses depois, uma fala inédita, a qual a ressituava em relação ao tempo vivido e à própria vivência de abstinência: "Em fevereiro completo um ano limpa!". Aqui, o verbo completar e a utilização do "um ano" - transcendendo a mera justaposição dos vários meses acumulados -, mostram que Raíssa começava a encarar a abstinência sob uma outra ótica, qual seja, a da duração vivida. O próprio abuso iniciava a perder-lhe o sentido, menos por um trabalho racional e decifrativo de revelação do "mecanismo de suas recaídas" do que pela própria experiência orgânica, vivente e compenetrada possibilitada pela relação interpessoal, íntegra e cuidadosamente construída com seu at. Neste sentido, por exemplo, o at costumava lhe compartilhar, quando ela dizia que nascera para morrer aos 30 e não aos 70, sua vivência espontânea do quão abalado e agoniado ficaria caso isso viesse mesmo a acontecer. Espera e esperança Minkowski (1933/1973) descreve a espera e a esperança como dois fenômenos essenciais em relação ao futuro vivido. A espera, no sentido fenomenológico, não se reduz a um determinado período de tempo (∆t) durante o qual aguardamos, por exemplo, a chegada de um trem ou o sol brilhar novamente depois de uma tempestade de verão. Apesar de poder desdobrar-se nestas vivências temporais quantificáveis, mais ou menos agradáveis, em seu sentido originário a espera engloba todo o ser vivente, suspende sua atividade e o congela, angustiado, na espera. Contém em si um fator de brutal detenção e faz ansioso o indivíduo. Dir-se-ia que todo o devir, concentrado fora do indivíduo, cai, como uma massa potente e hostil, sobre ele, tratando de o aniquilar; é como 15 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico um iceberg que bruscamente surge ante a proa de um navio e que num instante se chocará fatalmente contra ele. (p.83) O que está em jogo, na espera, é a revelação de um futuro imediato, cujo alcance é significativamente restrito em termos da infinitude do devir. Por isso, ela é sempre ansiógena, uma vez que não vivemos sequer o presente na espera, mas tão somente este futuro imediato. Ao contrário do fator de expansão contido na atividade do sujeito - expressão encarnada do ímpeto vital - na espera sentimos o doloroso impacto da ação direta do ambiente sobre nós, de forma que ela carrega, fenomenologicamente, um fator de encolhimento. Seu valor vital, contudo, reside na possibilidade de podermos “suportar os (inevitáveis) golpes que vêm de fora” (Minkowski, 1933/1973, p.86-7, parênteses nossos). Já a esperança, como a espera, também revela um futuro que vem em nossa direção, porém "um futuro mais afastado, mais amplo, cheio de promessas" (Minkowski, 1933/1973, p. 95). Este libera-nos da espera ansiosa, ao mesmo tempo em que rompe com o futuro imediato, pois vai além dele. Descortinando-nos longinquamente o devir, a esperança abre ante nós um futuro amplo, fenômeno que nos permite sermos visitados pela experiência do sublime. Restrita em sua vivência temporal, Raíssa é atravessada por cotidianas crises de ansiedade. Atada ao futuro imediato, vive constantemente acuada, trêmula e encolhida. O futuro se lhe apresenta exclusivamente através do fenômeno da espera, pois está impossibilitada da vivência da esperança. Para ela, as infinitas possibilidades que um futuro menos imediato poderiam trazer perdem espaço para certezas mórbidas a respeito da perpetuação crônica de seu vazio, desconfiando da própria capacidade da vida em lhe surpreender e mostrar-se de forma que valha a pena ser vivida. O relaxamento e o repouso da ampliação temporal baseada na esperança (assim como na possibilidade de enriquecer-se das experiências do passado) não emergem de sua experiência cotidiana, vista como "uma eterna mesmice" (sic). A intervenção do at, neste âmbito, visa resgatar-lhe a possibilidade originária do surpreender-se, encarnando-se a esperança e, logo, a possibilidade de ampliação da vivência do futuro na relação interpessoal. Por DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 16 exemplo, certa vez Raissa comunicava ao at, extremamente agoniada, sua intenção suicida ou, no mínimo, "uma recaída de proporções nunca antes imaginadas" (sic). Referia não suportar mais sua vida abstêmia, na qual nada era sentido como real e tudo era oco; "quando da vida bandida, pelo menos, existia a incerteza de estar viva no dia seguinte" (sic). Acolhendo-a, foi-lhe dito que, por paradoxal que pudesse ser, este vazio que se lhe apresentava era, agora, a experiência mais real e existente possível em sua história e que, se pudesse seguir suportando estas vivências - contando para isso com a ajuda do at - continuariam como que adubando o solo da vida para que dele, talvez, algo novo pudesse brotar. Após um longo silêncio elaborativo, ela acalmou-se e, recuperando seu humor agressivo, disse-lhe com certa ironia para ficar tranquilo, pois não estava disposta a, de fato, recair. Ressaltou-lhe o at que suas recaídas em nada lhe interessavam diretamente, senão que o nosso foco do trabalho era sua evolução como pessoa (Safra, 2009). No dia seguinte, arriscou-se um ato interventivo: o at foi lhe buscar em seu trabalho, sem qualquer aviso prévio. Quando saía do prédio da empresa e preparava-se para chamar um táxi, "brotou" em sua frente o at, com um sorriso largo e acolhedor: "Oi, Raíssa!". Ela, assustada, perguntou-lhe o que estava fazendo ali. Ele disse: "surpresa! vim te buscar". Cremos que foi a primeira vez em que a viu sorrir sem lançar mão de anedotas violentas e irônicas: "ai, não precisava (risos)", comentou embaraçada. Desdobrou-se, no caminho à sua casa, uma conversa mais tranquila, na qual ela lhe disse que havia se sentido um pouco melhor depois do encontro no dia anterior mas que, de fato, jamais imaginou que ele pudesse aparecer lá de surpresa. Mais uma vez, pontuoulhe com firmeza seu at: "Raíssa, nunca subestime a capacidade da vida em te surpreender!". E, como uma verdadeira aliada do at, a Vida continuou e continua surpreendendo-lhe: duas semanas após o acontecido, contou-lhe haver encontrado uma antiga amiga da faculdade em sua rua, e que decidiram sentar para tomar um café, durante o qual desenrolou-se uma conversa que lhe permitiu ser visitada por boas recordações de uma parte constitutiva de seu passado. Desta vez, o passado penetrara o presente trazendo-lhe boas 17 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico recordações, ampliando o escopo de sua restrita vivência temporal ao presente. Quanto às recordações do passado com conteúdos angustiantes e ambivalentes, essas lhe têm começado a ser toleradas mais recentemente. Há algum tempo, foram a uma peça de teatro ante a qual ela referiu não ter muitas expectativas de "ser destruída" (sic)8. A encenação, repentinamente, revelouse repleta de simulações de abuso de cocaína e de orgias sexuais, bem ao modo da sua "vida bandida". Ansiosa e assustada pelo que subitamente se apresentava, demonstrou extrema agonia e fissura. O at perguntou-lhe se queria sair da sala, mas ela insistiu em ver a peça até o final (estavam na primeira fileira). Ao término da mesma, absolutamente trêmula e fumando um cigarro atrás do outro, começou a questionar-se sobre "que vida é esta que estou levando, em que só trabalho, trabalho, trabalho, não bebo, não cheiro, não faço nada, no máximo vejo um filme ou uma peça", ao mesmo tempo em que "eu quero muito voltar pra vida bandida, sonho com isso todos os dias, mas não dá mais, eu sei que não dá, sempre tem o dia seguinte...". Vibrando em uníssono com sua agonia, o at disse-lhe: "Raíssa, creio que você está me contando de dois mundos inabitáveis: o da mesmice da rotina, em que nada de novo emerge, e o do abismo da vida bandida, cujas consequências mortíferas você pode descrever melhor que ninguém. Será que, então, não existe um lugar intermediário, entre estas duas realidades tão insustentáveis quanto inóspitas?". Ao ouvi-lo, encarou-o profundamente. Brotou um profundo silêncio, no qual era possível como que vislumbrar a extrema angústia que lhe intimava ser destinada. No caminho de volta para sua casa, o at sustentou sua intervenção, dizendo-lhe que não só ela, mas todos os homens estavam submetidos a tal determinação ontológica, que tão bem descreve Safra (2004): O homem se encontra na fragilidade do entre: entre o dito e o indizível, entre o desvelar e o ocultar, entre o singular e o múltiplo, entre o encontro e a solidão, entre o claro e o escuro, entre o finito e o infinito, entre o viver e o morrer (p.24). Ao deixá-la em casa e percebê-la mais calma e integrada, arriscou uma brincadeira. Sorrindo, lhe exclamou: "Bem-vinda ao drama humano, Raíssa!". Ela riu e, em seguida, o at ressaltou-lhe para lhe telefonar a qualquer hora da DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 18 madrugada se necessário (ainda que da intervenção, ela permanecera consideravelmente fissurada com a peça). Em harmonia com sua impossibilidade de reconhecer a interdependência das relações humanas, desdenhou ironicamente: "ah tá, vai sonhando!". Considerações finais Analisando o caso em termos do tempo vivido, podem ser descritas duas vertentes de transformações em Raíssa através do trabalho de AT. Em primeiro lugar, sua restrição à experiência de uma temporalidade excessivamente quantificável, calculável e controlável foi, gradualmente, abrindo espaço para a emergência vivencial do tempo-qualidade, aquele que não se presta à racionalização objetiva mais do que um pensamento abstrato é capaz de fazer (Minkowski, 1933/1973). Isso permitiu-lhe, mesmo que de forma muito incipiente, experimentar sensações de relaxamento, repouso e fluxo, em harmonia com o tempo do devir e seu correlato: o contato vital com a realidade. Ademais, sua fixação estrutural ao agora pôde ser ligeiramente ampliada: por um lado, apresentando-lhe a esperança no devir através da faceta do surpreender-se, o que lhe descortina um futuro mais longínquo do que aquele permitido apenas pela espera ansiosa; pelo outro, sustentando sua angústia decorrente da penetração de conteúdos biográficos do passado no presente, como a "vida bandida", o que fortalece a densidade de sua tessitura sentimental (Messas, 2006) e permite a Raissa começar a vivenciar os correlatos de suas fraturas psíquicas e existenciais sem lançar mão, pelo menos imediatamente, de mecanismos auto-destrutivos tais quais as recaídas. Tais mudanças foram viabilizadas, a nosso ver, pelo trabalho de AT baseado na ética da Hospitalidade (Safra, 2009), a qual convida o at a suportar e sustentar os desarranjos psíquicos - e, eventualmente, físicos - decorrentes do acolhimento devotado da alteridade do paciente. Minkowski (1927/2000) tocou neste ponto ao propor a relevância do "diagnóstico por compenetração" (p.80), postura simultaneamente investigativa e terapêutica que "penetra na personalidade do outro em sua totalidade como tal e que a percebe, em um só ato, por sentimento, em tudo o que há de morto e vivo nela" (p.82). 19 O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico Ilustra-se, assim, a fecundidade da obra de Minkowski para a fundamentação do dispositivo do AT, tanto formal (Minkowski, 1923/1970) quanto clínica e eticamente (Antúnez, Barretto, & Safra, 2011). Notas 1 Psicanalista, acompanhante terapêutico (at do caso apresentado), mestrando pelo Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP e membro do Núcleo de Pesquisa e Laboratório PROSOPON. Email: [email protected] Bolsista CNPq - número do processo 134114/2015-9 2 Professor Livre-Docente do Departamento de Psicologia Clínica da USP e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Laboratório PROSOPON. Email: [email protected] 3 Psicólogo, acompanhante terapêutico, mestrando pelo NEPES (FMABC). Email: [email protected] 4 Todas as citações literais de Minkowski no presente trabalho foram traduzidas pelos autores. Assim, dispensaremos a especificação do "tradução nossa" nas próximas. 5 Apesar de seu objetivo manifesto ser menos terapêutico do que científico Minkowski procurava compreender a essência da enfermidade mental mais do que desenvolver dispositivos clínicos para intervir frente às suas manifestações mórbidas -, ele se dá conta que sua "mera" companhia servia de alguma ajuda ao paciente (Minkowski, 1933/1973). Desta observação, vemos como o termo Acompanhamento Terapêutico é redundante, pois o acompanhar já é terapêutico em seu sentido originário (Cf. Barretto, 2012b). 6 Segundo Barthélémy (2012), o método que Minkowski acaba por delinear chamado de Fenômeno-Estrutural - também é extensível à compreensão das subjetividades não patológicas, e não somente da estrutura da personalidade dos supostos portadores de alguma afecção mental. O próprio questionamento científico de Minkowski (1933/1973) vai mudando ao longo desta descoberta: de como penetrar na essência do fenômeno psicopatológico sob a égide do tempo vivido, passar a questionar-se sobre como compreender os sutis mecanismos da personalidade humana em geral e, finalmente, propõe-se investigar a essência mesma dos fenômenos originários que compõem a vida. 7 Sobre este conceito (frequentemente traduzido, em nosso meio, por ímpeto/impulso vital ou pessoal), esclarece-nos Deleuze (1966/2012, p. 81-2) o seguinte: "O que Bergson quer dizer quando fala em impulso vital? Trata-se sempre de uma virtualidade em vias de atualizar-se, de uma simplicidade em vias de diferenciar-se, de uma totalidade em vias de dividir-se..."; é a própria essência da vida, um perene movimento de diferenciação, "mas por que a diferenciação é uma 'atualização'? É que ela supõe uma unidade, uma totalidade primordial virtual, que se dissocia segundo linhas de diferenciação, mas que, em cada linha, dá ainda testemunho de sua unidade e totalidade subsistentes". Minkowski, fundamentado por tal ideia, sustentará que a vida acontece, em essência, como "uma potência dinâmica de superação" (Canguilhem, 1943/2011, p. 74). Em suas próprias palavras: "o ímpeto [vital] cria diante de nós o futuro e é isso o que ele faz" (Minkowski, 1933/1973, p. 39), implicando que, primitivamente, nunca trata-se de "um ímpeto que parta DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez 20 de... senão unicamente [de] um ímpeto em direção a..." (p. 42). Estando toda nossa vida orientada ao futuro vivido, e sendo o ímpeto a própria possibilidade de abrir-se e criar-se diante de nós este futuro, não nos resulta difícil compreender por qual motivo Minkowski (1933/1973) concebe que, "no fundo, não há mais que um único fenômeno, o do ímpeto vital" [itálicos nossos] (p. 40). 8 É interessante a observação do autor de que o futuro, sob determinado ponto de vista, é mais estável que o presente, sempre fugaz, e que o passado, do qual nos afastamos progressivamente. Desta forma, concebe passado, presente e futuro como fenômenos estruturalmente diferentes, tornando o raciocínio lógico de sobrepô-los em uma linha reta e bidimensional mais afastado de nossa realidade subjetiva do que um exame pouco atento poderia sugerir. 9 Embora também se possa falar da perda do contato vital com a realidade, em maior ou menor grau, em todas as manifestações psicopatológicas (Tatossian, 2012). 10 Nome fictício. 11 A este respeito, por exemplo, Cf. Nassif, S.L.S. & Bertolucci, P.H.F. (2003). Aspectos neuropsicológicos na dependência química: cocaína. Um estudo comparativo entre usuários e controles. In J.T. Rosa & S.L.S. Nassif. Cérebro, inteligência e vínculo emocional na dependência de drogas (pp. 83-105). São Paulo: Veto. 12 Esta é uma outra expressão paradigmática de Raíssa: ela demanda por algo que "a destrua", querendo dizer, com isso, que busca por experiências que a toquem e a emocionem profundamente. A este respeito, aproximam-se os modelos antropológicos de Minkowski (1923/1970) e Safra (2006), no que toca à relevância da compreensão do idioma pessoal do paciente. Referências bibliográficas ALES BELLO, A. (2013). Prefácio. In M. Mahfoud, & M. Massimi (Orgs.),Edith Stein e a psicologia: teoria e pesquisa (pp. 9-13). Belo Horizonte: Artesã. ANTÚNEZ, A.E.A. (2012). Perspectivas fenomenológicas em atendimentos clínicos: humanologia. Tese de Livre-Docência, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 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ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICA EN SISTEMA ÚNICO DE LA SALUD (SUS): ¿QUÉ PIENSA LA RED PÚBLICA DE TRABAJADORES DE SALUD MENTAL UBERLÂNDIA/MG. Ricardo Wagner Machado da Silveira1 Ana Paula de Sousa e Silva2 Adrielly Garcia Siebert3 Camila Cristina Mota4 Luiza Marianna Gonçalves Reis5 RESUMO A presente pesquisa objetivou investigar junto aos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Centro de Convivência da Rede Pública de Saúde Mental da cidade de Uberlândia, qual o conhecimento que têm acerca da modalidade de atendimento denominada Acompanhamento Terapêutico, das características que acreditam que deve ter um acompanhante terapêutico para o desempenho de sua função, dos casos indicados para este profissional e de sua viabilidade na rede pública de saúde. A investigação contou com a participação de 50 profissionais das instituições acima, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, pedagogos, farmacêuticos e assistentes sociais. Os dados coletados foram analisados pela metodologia da Análise de Conteúdo e constatamos que a maioria dos profissionais possui algum conhecimento sobre o Acompanhamento Terapêutico, inclusive alguns já trabalharam com acompanhantes terapêuticos, consideram que é importante que ele tenha uma boa capacidade de acolhimento, conhecimento teórico em saúde mental, uma postura ética adequada para o exercício da função e flexibilidade no manejo clínico e acreditam na sua viabilidade dentro da rede pública de saúde. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico; Saúde Mental; Saúde Pública; Reinserção Psicossocial. ABSTRACT This research aimed to investigate with the professionals of Psychosocial Care Centers (CAPS) and Family Center Public Network of Mental Health of the city of Uberlândia, which their knowledge about the type of service called Therapeutic Accompaniment of the features which believe must have a therapeutic companion for the performance of its function, cases designated for this work and its viability in public health. The research involved the participation of 50 professionals from the above institutions, including physicians, nurses, psychologists, teachers, pharmacists and social workers. Data were assessed using Content Analysis and found that most professionals have some knowledge of the Therapeutic Accompaniment, including some already worked with therapeutic companions, consider it important that he has a good ability to host, theoretical knowledge in mental health, proper ethics for the exercise of the function and flexibility in the clinical management and believe in its viability within the public health system KEYWORDS: rehabilitation. Therapeutic Accompaniment ; Mental Health; Public Health; Psychosocial RESUMEN Este estudio investigó con los profesionales de los Centros de Atención Psicosocial (CAPS) y Family Red Pública de Salud Mental de la ciudad de Uberlândia Center, que sus conocimientos 25 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. sobre el llamado modo de servicio de Acompañamiento Terapéutico de las características que considera que debería tener un compañero terapéutico para el desempeño de su función, los casos designados para este trabajo y su viabilidad en la salud pública. La investigación contó con la participación de 50 profesionales de las instituciones antes mencionadas, incluyendo médicos, enfermeras, psicólogos, maestros, farmacéuticos y trabajadores sociales. Los datos obtenidos fueron analizados por la metodología de análisis de contenido y encontró que la mayoría de los profesionales tienen algún conocimiento del Monitoreo Terapéutico, incluyendo algunos ya trabajado con compañeros terapéuticos, considero importante que él tiene una buena capacidad de carga, el conocimiento teórico en la salud mental, la ética adecuados para el ejercicio de la función y la flexibilidad en el manejo clínico y cree en su viabilidad dentro del sistema de salud pública. PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico; Salud Mental; Salud Pública; La rehabilitación psicosocial UMA BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO De acordo com as referências pesquisadas, constatamos que o Acompanhamento Terapêutico (AT) surgiu efetivamente na Argentina, na década de 1970, como mais uma ferramenta de substituição e desmantelamento do clássico modelo manicomial de tratamento de transtornos mentais graves. Num breve resgate histórico da luta mundial contra modelo manicomial, a partir dos anos 50 e 60 se constituem os importantes movimentos de questionamento e proposição de novos saberes e práticas para o cuidado a pessoas em sofrimento psíquico, dentre eles as Comunidades Terapêuticas de Marxwell Jones e a Antipsiquiatria de David Cooper, Ronald Laing e outros na Inglaterra; a Psiquiatria Democrática de Franco Basaglia na Itália e a Psicoterapia Institucional de Tosquelles na França. Esses movimentos tinham em comum o esforço coletivo para que as pessoas em sofrimento mental fossem ouvidas, garantindo sua expressão e convivência social sem dominação de qualquer espécie, exploração ou segregação. Atualmente sabemos que o processo de desmantelamento dos manicômios, ou seja, da desospitalização não é suficiente para que se alcance os objetivos propostos acima, é necessário um processo de desinstitucionalização que passa pela criação e sustentação de uma política cotidiana de acolhimento às pessoas em sofrimento psíquico, tecida pelas redes sociais e institucionais. Foi neste cenário que surgiu o at como um profissional da rede de saúde mental que acompanha o usuário nesse processo de reinserção psicossocial e cotidiana. Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 26 Inicialmente ele era chamado de “amigo qualificado”, só depois é que passou a ser designado at por conta da ambiguidade que existia entre a ideia de amigo e terapeuta. Atualmente é consenso dizer que o at não é um amigo, mesmo que estabeleça vínculo afetivo com o acompanhado, é sim um profissional que pertence a uma equipe psicoterapêutica, faz um trabalho de acolhimento ao sujeito e é remunerado para isso. Acreditou-se que at se enquadra melhor à função clínica exercida e consegue indicar a proximidade do vínculo e a função acolhedora dessa nova modalidade de atendimento (Araújo, 2005; Equipe De Acompanhantes Terapêuticos Do Hospital-Dia A Casa, 1991; Mauer & Resnizky, 1987). As primeiras experiências de AT no Brasil ocorreram na Clínica Pinel em Porto Alegre. Dentre os serviços oferecidos neste local, o atendente psiquiátrico (modo como era chamado o at naquele serviço) exercia a função de colocar em prática o plano terapêutico desenvolvido para cada paciente, tanto dentro da Comunidade Terapêutica, como fora dela. Esse profissional era chamado pelos psicoterapeutas de “atendente grude”, grude porque implicava em evitar que o inusitado acontecesse. Caracterizava-se por ser um serviço usado principalmente para pacientes agressivos e/ou em risco de morte (Silva & Silva, 2006). No período de difusão do AT, as publicações tiveram como característica prevalente os relatos de casos clínicos em livros, somente nos últimos anos é que surgem mais publicações no formato de artigos em periódicos científicos. (Benatto, 2014) Nesse contexto, sempre norteado pelos fundamentos da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, o AT abriu portas para a inserção de novos dispositivos de atenção ambulatorial em saúde e saúde mental e, consequentemente, para a emergência de novas reflexões e posturas acerca das demandas clínicas emergentes (Pulice, Manson & Teperman, 2005). Na medida em que o at foi tornando-se referência no tratamento da crise psíquica e as experiências extra-muros foram se consolidando, o mercado de trabalho para esse profissional se ampliou e ganhou qualificação. O fato é que esta modalidade de atendimento não está regulamentada profissionalmente e são múltiplos os saberes e práticas que a compõe. Antes era exercida especialmente por estudantes de Psicologia e Medicina e outros profissionais da área da Saúde 27 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. Mental como enfermeiros e auxiliares de enfermagem, no entanto o perfil do at vem sendo construído com características próprias ao longo do tempo (Alvarenga, 2006). Dessa forma, a clínica do AT pode ser definida como uma modalidade de atendimento terapêutico incorporada à saúde mental, que tem por objetivo promover a reinserção psicossocial das pessoas em grande sofrimento mental. Autores como Chauí-Berlinck (2011) dirão que o objetivo maior do AT é potencializar o paciente, dando condições para que este tenha uma melhor qualidade de vida e consiga circular no espaço urbano, criando estratégias e ações que possibilitem a reinserção social e a autonomia. É recorrente a referência a Mauer e Resnisky (1987) sobre a lista de funções que tem o at: oferecer continência para o paciente; ser um modelo de identificação para o paciente; emprestar o Ego ao paciente; perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente; informar ao paciente sobre o seu mundo objetivo; representar o terapeuta para o paciente; atuar como um agente de ressocialização do paciente que sofre, em muitos dos casos, uma desconexão com o mundo real; contribuir para melhorar as relações do paciente com sua família, facilitando esse convívio. Alguns autores vão revisitar estas funções para problematiza-las, revisálas e por vezes desconsiderá-las. (Ver Pulice, 2014). De qualquer forma, segundo as autoras acima, o at desempenha suas funções como um guia personalizado. Sua prática costuma ocorrer em espaços urbanos que possibilitam maior liberdade e rompimento do isolamento vivido pela maioria dos acompanhados. Após esta brevíssima introdução, passemos à investigação junto aos profissionais que atuam na rede pública de saúde mental local, em dispositivos como os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS, CAPSad e CAPSi) e o Centro de Convivência, a respeito dos conhecimentos, experiências que possuem em relação ao trabalho do at, e em relação ao seu posicionamento referente à viabilidade ou não da presença deste profissional na rede pública de saúde e saúde mental. Sobre o caminho de investigação percorrido Esta pesquisa foi realizada em 2011 como projeto de iniciação científica do curso de graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 28 Federal de Uberlândia. Para tanto, foram realizadas 50 entrevistas com profissionais de nível superior dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS, CAPSad e CAPSi) e do Centro de Convivência da rede pública municipal de saúde da cidade de Uberlândia-MG. Entre os profissionais haviam médicos, enfermeiros, psicólogos, pedagogos, farmacêuticos e assistentes sociais. Os requisitos para definição do perfil dos entrevistados foram: profissional de nível superior com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos e com mais de 1 ano de experiência nos CAPS e Centro de Convivência. Tratava-se de uma entrevista semidirigida, realizada individualmente no próprio local de trabalho dos profissionais, em condições que garantissem o sigilo e a tranquilidade para que o procedimento fosse realizado. Com a permissão dos entrevistados através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as entrevistas foram gravadas para a transcrição fidedigna das respostas, seguindo-se todos os procedimentos éticos assumidos junto ao Conselho de Ética para pesquisas com humanos da Universidade Federal de Uberlândia. Os dados coletados foram analisados do ponto de vista qualitativo e quantitativo, com o tratamento e interpretação dos resultados obtidos de acordo com a Análise de Conteúdo de Bardin (2008). Buscou-se com este tipo de análise romper com as impressões do senso comum e com as subjetividades dos pesquisadores, a fim de proporcionar maior confiabilidade em relação aos achados e conclusões a que chegamos. Durante a pesquisa e as entrevistas realizadas, foram investigadas diversas questões a respeito do AT: a definição de AT, o conhecimento que os entrevistados possuíam acerca dessa modalidade de atendimento, as características que o at deveria ter para desempenhar bem sua função, os casos e/ou situações que deveriam ser indicados a esse profissional, bem como o que pensavam sobre a viabilidade ou não do AT na rede pública de Saúde Mental do município. A amostra da presente pesquisa foi escolhida pelo critério randômico, num total de 50 sujeitos, com idade que variou de 24 anos até 65 anos. Dos entrevistados, havia 33 psicólogos (representando 66% da amostra), 8 assistentes sociais (16% da amostra), 4 médicos (8% da amostra), 3 enfermeiros (6% da amostra), 1 farmacêutico (2% da amostra) e 1 pedagogo (2% da amostra). 29 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. Ao investigar os conhecimentos que os profissionais dos CAPS e Centro de Convivência possuem em relação ao AT, verificou-se que a maioria dos profissionais (94% da amostra considerada neste caso), possui algum conhecimento sobre o que é o AT, sendo que apenas 6% dos entrevistados nunca ouviram falar de Acompanhamento Terapêutico. Dos que desconheciam esta modalidade de atendimento encontramos um médico – representando 25% dos médicos entrevistados; um psicólogo - representando 3% dos psicólogos entrevistados; e um assistente social - representando 12,5% dos assistentes sociais entrevistados. Tais dados de início nos surpreenderam tendo em vista que o AT ainda se mostra como uma prática mais restrita ao âmbito da clínica privada ou quando muito, presente na forma de estágios profissionalizantes na rede pública de saúde mental. Além disso, é uma modalidade de atendimento que se encontra em fase de consolidação teórica e técnica, não sendo ainda uma atividade reconhecida como específica da área de saúde mental (Londero; Pacheco, 2006). Por outro lado, é preciso contextualizar que em Uberlândia contamos com o pioneirismo de alguns profissionais que trabalham com AT como é o caso da equipe da Clínica Trilhas (uma clínica privada e de destaque na cidade), ou o caso de estágios profissionalizantes em cursos de gradução de Psicologia que acontecem desde 1990 em instituições de ensino público e privado da cidade. Em relação à definição de AT e às intervenções concernentes ao at, observou-se que 28% desses profissionais definem o AT como uma modalidade terapêutica/ atendimento diferenciado, na medida em que se diferencia do que chamaram de “clínica tradicional” por estar presente no contexto de vida diária do paciente, fora de instituições de tratamento ou de um setting clássico, permitindo maiores aproximações com o acompanhado, não descaracterizando a função clínica ou terapêutica do atendimento. Dentre as falas dos entrevistados destacamos: “alguém que possa estar no espaço do sujeito de fazer uma clínica literalmente onde o sujeito está”; “é um dispositivo clínico de intervenção fora dos moldes institucionais”. Nesse sentido, Carvalho (2004) aponta algumas características da clínica do AT que vão ao encontro ao conceito de atendimento diferenciado que os entrevistados atribuíram ao AT. Segundo a autora, o AT é uma clínica que ocorre no cotidiano do acompanhado, em que os atendimentos acontecem em diferentes locais que fazem parte da vida do paciente, o at se relaciona com a rede social do Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 30 paciente, como os amigos, demais profissionais envolvidos no tratamento e familiares, podendo presenciar a intimidade da família. A duração dos encontros pode ser maior que a das psicoterapias e os locais dos atendimentos, são caracterizados pelo que Fulgêncio Jr. (1991, citado por Carvalho, 2004) denominou de “setting ambulante”, em que não depende de um determinado espaço físico, mas acontece onde estejam presentes acompanhante e acompanhado. Outro elemento apontado pela autora diz respeito à escuta diferenciada, pois acontece num contato direto com a vida do paciente, testemunhando diversas situações cotidianas. Ela chama de “escuta da ação”, pois considera os diversos elementos da comunicação que o paciente estabelece, “implica em acolher aquilo que extrapola o que o paciente consegue dizer ou elaborar” (Carvalho, 2004, p. 101). Constatou-se também que grande parte dos entrevistados (52%) entende o at como aquele que acompanha/orienta as atividades de vida diária do paciente, sendo uma resposta comum a todas as formações profissionais pertencentes à amostra. Os profissionais entrevistados apontam, em relação a esta categoria, que o at “está mais presente na vida social do paciente”; “acompanha pacientes nas diversas atividades do dia-a-dia”; “realiza atividades do paciente como passeios e orientações”; “acompanha nas atividades, onde o paciente gostaria de ir”. Nesse sentido, a ideia de que o at é quase como um auxiliar ao paciente, como alguém que orienta e está próximo do acompanhado no cumprimento das atividades que são indispensáveis ao seu cotidiano e que se mostram relevantes para o tratamento. Londero e Pacheco (2006) apontam que, à medida que o trabalho e as atividades do at acontecem no espaço e em situações do dia-a-dia do acompanhado, as intervenções adquirem, muitas vezes, uma função de monitoração, no caso do risco de uso ou abuso de substâncias, bem como a função de controle, em casos de agressividade, por exemplo, e de intervenção in loco. Em contraposição à ideia de controle e/ou monitoração a ser assumida pelo at na perspectiva dos autores citados acima, recorremos a Porto (2011) e sua reflexão a respeito do risco de que as ações do at estejam a serviço do biopoder. 31 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. O biopoder, segundo o autor, refere-se ao exercício de poder que vigia e treina corpos ao segregar e sujeitar os indivíduos em locais como a prisão, a escola, o hospital, etc. Trata-se por um lado, do investimento em uma biopolítica das populações ao regular e controlar contingentes humanos e ao mesmo tempo de um controle que se dá no nível dos corpos através das disciplinas que caracterizam a sociedade da normalização como diz Foucault (2000) ou a sociedade de controle nos dizeres de Deleuze (2008). No contexto da saúde, o isolamento hospitalar, a medicalização, a hegemonia do saber psiquiátrico são estratégias de controle e regulação que as novas estratégias clínicas em saúde mental procuram atingir. Porto afirma que a clínica do AT, acontece onde age o biopoder, a céu aberto, não mais esquadrinhada pelo hospital psiquiátrico. Paradoxalmente, uma das potencias do AT é justamente o fato de se aproximar das decisões coletivas, das construções autônomas articuladas com as redes sociais e a desinstitucionalização. Queremos crer que por conta desse paradoxo é que Porto, sugestivamente fala de um perigoso enamoramento entre o AT e o biopoder. Outra opinião frequente dos profissionais entrevistados refere-se à proposta do AT para a reinserção social e a autonomia do paciente, sendo esta categoria considerada por 36% dos entrevistados. Os profissionais acreditam que o at estabelece uma mediação entre o acompanhado e a sociedade, à medida que auxilia o paciente na construção de vínculos sociais, na inserção em espaços ainda não frequentados, possibilitando a construção de maior autonomia ao acompanhado. Tais afirmações estão presentes em frases como: “o AT funciona como uma modalidade que dá socialização e autonomia ao paciente, inserção na família e na comunidade”; “...garante um lugar no mundo ao paciente...”; “...é uma forma de fazer com que o paciente circule para favorecer a ressocialização, estabelecendo novos vínculos fora do meio dele ...”. As fontes bibliográficas pesquisadas afirmam que o AT enquanto uma clínica disposta a desfazer o isolamento dos pacientes por ocorrer nos mais diferentes espaços e contextos, visando promover a circulação do paciente pela cidade e explorar nesse acompanhar, as redes sociais preexistentes. O AT cria condições de possibilidade para que o acompanhado possa se relacionar com pessoas diferentes das que está acostumado e assim venha a desempenhar variados papéis sociais, ajudando-o a protagonizar seu processo de inclusão social (Carvalho, 2004). Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 32 “O AT é uma modalidade clínica que se utiliza do espaço público da cultura, como dispositivo para o ato terapêutico. O trabalhador de saúde que se utiliza dele na sua prática circula com o usuário pelo tecido social, facilitando a emergência de um encontro. Ele torna-se, assim, testemunha do processo de transformação desencadeado, criando outros espaços possíveis para o dito ‘louco’ na cidade.” (Palombini, 2004; pg. 115) Os profissionais entrevistados (22% deles) também apontaram que o at “...contribui com a equipe terapêutica...”. Eles destacam que o at faz um atendimento mais próximo ao paciente, o que fortalece o processo terapêutico tendo em vista as limitações dos serviços no atendimento a alguns casos, além de destacarem a importância da parceria entre o at e a rede de serviços de saúde mental. Dentre as falas pode-se destacar: “...uma abordagem que trabalha junto com a instituição...”; “...é uma estratégia para ajudar a gente [equipe] no cuidado com este paciente...”; “...passa informações aqui pro CAPS...”; “...vai até onde a gente não pode ir...”; “...faz um atendimento na rede pública com as outras unidades juntas, como uma equipe multidisciplinar...”. A intervenção do at no cotidiano do paciente se dá num campo privilegiado de observação e intervenção em que se pode ter outro olhar sobre o acompanhado, e assim, disponibilizar informações importantes sobre o caso aos terapeutas. Considerando a importância da troca de informações entre os profissionais, o at e a equipe podem melhor entender e planejar ações terapêuticas adequadas para cada caso (Zamignani & Wielenska, 1999; Baumgarth & Cols., 1999 citado por Londero & Pacheco, 2006). Por outro lado, as novas informações trazidas pelo at para as equipes podem gerar desconfortos para a mesma, uma vez que o que ele traz pode ser visto tanto como algo que potencializa o trabalho terapêutico, como algo que denuncia limitações e fragilidades da equipe e do serviço. “...o conjunto de informações novas que o acompanhante terapêutico traz, como mensageiro, para dentro da instituição, exige da equipe reposicionar-se em relação ao caso, abandonando estratégias que se tornam rotina, requisitando a intervenção de outros profissionais, fazendo-se cargo de novas frentes de trabalho, inventando formas inusitadas de ação. O que se coloca em jogo é a destituição dos saberes já consagrados e o reconhecimento do espaço de ignorância inerente às práticas profissionais.” (Palombini, 2004, p. 86) Outra função dos ats destacada pelos entrevistados (20% deles) é “acompanhar o paciente no ambiente familiar”. Os entrevistados afirmam que o at 33 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. é um profissional que está presente no ambiente domiciliar do acompanhado, sendo possível um acompanhamento aos familiares. Dentre as respostas dos profissionais pode-se destacar: “...é um profissional que vai à casa do paciente...”; “...acompanha o paciente na família...”; “...é um acompanhamento (...) nas coisas mais próximas da família, mais próximo da casa...”; “...faz um atendimento ao paciente e à família no inter-relacionamento...”. De acordo com a literatura pesquisada, vale dizer que o AT é visto como um importante ponto de referência também para os familiares, que muitas vezes se mostram cansados e cujos recursos de manejo e convivência se encontram esgotados. Assim, pelas características do setting do at torna-se quase inevitável assumir certas responsabilidades junto à família, como: intervir em situações problemáticas entre os familiares que podem ser nocivas ao paciente, bem como favorecer a convivência entre os membros, viabilizando uma vida em comum e o respeito mútuo; além de servir à família como um modelo em relação ao manejo de situações que envolvem o acompanhado, no sentido de orientá-la quanto às condutas mais adequadas ao cuidado do paciente (Ribeiro, 2002; Londero & Pacheco, 2006). Por fim, verificou-se que 8% dos entrevistados entendem que o at funciona como ego auxiliar do paciente, fazendo referência a esta função como uma medida de apoio e suporte às dificuldades do acompanhado. Em relação a esta categoria, podemos destacar as seguintes falas dos entrevistados: “tem função terapêutica no sentido de prestar um suporte até de ego mesmo para fazer certas atividades”, “faz a tradução do mundo para o paciente”. Em relação à função de ego auxiliar, Mauer e Resnizky (1987) também atribuem ao at a responsabilidade de emprestar seu ego ao acompanhado, assumindo a função que o ego deste não é capaz de desempenhar, por conta de limitações vividas devido ao grande sofrimento psíquico em que se encontra e pelo modo como é visto e tratado socialmente. Assim o at ajuda a organizar e cumprir determinadas atividades, bem como decidir pelo paciente, intervindo em situações que o mesmo ainda não consegue agir por si mesmo. O at pode propor, então, “pensar junto no sentido de um fortalecimento do ego do acompanhado, de ajudar na percepção da realidade interna e externa por parte do paciente” (Paravidini & Alvarenga, 2008; pg176). Foi possível constatar que 20 profissionais (40% do total da amostra) não trabalharam com nenhum at. Em meio aos profissionais que relataram já ter feito Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 34 algum trabalho com ats (o que representa 60% do total da amostra), citaram como atividades feitas em parceria: o planejamento da intervenção do at junto ao paciente, do qual ambos decidem as melhores estratégias de intervenção para o projeto terapêutico do paciente; a discussão e troca de informações acerca do caso atendido, permitindo que ambos tenham maior conhecimento sobre o paciente. Fiorati e Saeki (2008) contam de suas experiências em relação a essas parcerias estabelecidas entre o at e a equipe as quais contribuíram para a reformulação do projeto terapêutico do usuário do serviço a partir das discussões realizadas frente a diferentes pontos de vista dos membros da equipe terapêutica, considerando inclusive a decisão e desejo do próprio paciente em relação ao tratamento proposto. Em relação à falta de coesão entre a equipe e o acompanhado, apenas um entrevistado (2% no total da amostra), que teve a experiência de trabalhar com at, destacou tais oposições nas ações profissionais, revelando que não houve comunicação/troca de informações do at com a equipe do CAPS durante sua experiência, uma vez que foi a família quem contratou o at e a equipe não teve muito acesso a essa parceria/decisão familiar. Nos dizeres deste profissional: “Foi difícil o espaço de comunicação e troca, pois a família quem contratou o at, e, às vezes, não tem essa parceria entre os profissionais da instituição. Além disso, a equipe não é informada sobre o trabalho do at”. Entretanto, os entrevistados também apontaram a importante parceria e desejo comum entre os profissionais de indicarem pacientes do serviço para AT. Explicam que as equipes dos CAPS avaliam os casos atendidos na unidade e fazem o encaminhamento do paciente que julgam ter maior necessidade do AT. Além disso, fazem o contato inicial entre o at e o paciente, e sua família, sendo de responsabilidade do profissional do serviço mediar essa primeira aproximação. Os psicólogos foram os profissionais que tiveram maior experiência no trabalho junto a um at e como at. Apesar desta prevalência de psicólogos trabalhando como ats, o que vale destacar é que a prática do AT é interdisciplinar e sua construção deveria ser perpassada por outros campos do saber: “O AT é uma clínica sim, mas uma clínica que lança mão de teorias que estão distribuídas, ou seja, a gente precisa de um pouco de filosofia, precisa muito da psicanálise, precisa de arquitetura, precisa de reichianos e suas teorias corporais, precisa de análise institucional, precisa das teorias de grupo, quer dizer são todas as teorias que evocam algumas regiões do conhecimento e da 35 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. prática clínica que nos interessam muito para a gente poder desempenhar bem essa função muito complexa do acompanhante terapêutico.” (Carrozzo 1997, citado por Carvalho, 2004, p. 32). Por fim, ao investigar as concepções que os profissionais possuem em relação às principais características que o at deve ter para desempenhar bem sua função, a característica que mais apareceu nos relatos, com uma frequência de 50%, é ter capacidade de acolhimento, representada pelas seguintes falas dos entrevistados: “Ter disponibilidade interna de escuta”; “ter uma capacidade de conter a angústia e às vezes conter a ira”; “deve ter disponibilidade principalmente para estar com o outro”; “a pessoa tem que gostar de fazer vínculo e estar com o paciente”. Tais respostas condizem com a disponibilidade existencial e concreta do at, de que nos fala Carvalho (2004), ao mencionar que o at deve ter disponibilidade de tempo, afeto e dedicação ao acompanhado, aspectos privilegiados que se constituem ou precisam existir devido à proximidade com o paciente que este tipo de atendimento propicia. O “estar com” no sentido de amparar, apoiar, sustentar fisicamente o paciente, estar junto, dar continência, habilidade de alterar as experiências do acompanhado, ter uma escuta diferenciada como acolhimento do que é expresso de forma verbal e não verbal pelo paciente. Outras respostas presentes, o ter postura ética e profissional, mencionada por 30% dos entrevistados; 28% dos entrevistados apontaram também como uma característica do at ter conhecimento teórico em saúde mental; outra resposta dada foi ter flexibilidade para poder lidar com os imprevistos, considerada por 26% dos entrevistados. Carvalho (2004) fala sobre flexibilidade como uma habilidade do at em lidar com os imprevistos, dando espaços a criação e inovação; além de saber ser flexível em seu relacionamento com o acompanhado. Eggers (1985) destaca a importância de ter “tolerância às frustrações e possuir a capacidade de dissociar-se no processo terapêutico, colocando-se em posição de observador participante” (p.7). Nesse mesmo sentido, Mauer e Resnizky (1987) apontam que: “flexibilidade é a possibilidade de se adequar a condições variáveis sem perder de vista as pautas e o enquadramento do trabalho; a ela se opõe a rigidez que empobrece os vínculos pela aplicação de modelos estereotipados” (pg. 43). Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 36 Outra característica relevante apontada trata-se do manejo clínico e experiência prática, apontado por 20% dos entrevistados e apenas 8% dos entrevistados referem-se à capacidade de trabalhar em equipe, não sendo possível constatar pela frequência de respostas dadas pelos profissionais a relevância do trabalho em equipe como uma habilidade do at, embora os entrevistados tenham dado relevância à importância do trabalho em equipe. Semelhante a isso, Carvalho (2004) destaca em sua pesquisa o mesmo fato do trabalho em equipe ser uma habilidade pouco mencionada pelos seus entrevistados, apesar de ser uma marca importante no AT e de forte influência para o sucesso deste trabalho. Vale mencionar que o trabalho do at está inserido na equipe, e é essa pertença que permitirá a clareza do papel desse profissional. O apoio fundamental que este profissional recebe ocorre nas supervisões de equipe, não sendo esse espaço apenas para discussão do caso, aconselhamento e trocas de informações, mas também para trabalhar-se a relação estabelecida entre at e paciente. O que pensam os profissionais sobre o at no sus? Um outro ponto de interesse da pesquisa referiu-se às situações e casos em que o at deveria ser indicado e por fim, se o trabalho de AT é viável como dispositivo de tratamento a fazer parte dos serviços da rede pública de saúde. Para melhor visualização da frequencia das respostas dadas para as duas questões acima, apresentaremos dois gráficos, o primeiro referente às indicações para AT (página 18) e o segundo a respeito da viabilidade do AT na rede (página 20) . Dos entrevistados, 60% indicaram o at para pacientes com transtornos mentais graves (categoria 1), considerando pacientes psicóticos, em crise, crônicos e/ou dependentes químicos. A categoria paciente com dificuldades de inserção social (categoria 2) abrangeu 58% dos entrevistados. Estes se referem aos casos em que os usuários não conseguem circular sozinhos pelo meio social, são muito dependentes de cuidadores, tem baixo grau de autonomia, se isolam e se esquivam de qualquer tipo de convivência social. Os achados desta pesquisa vão ao encontro das ideias de Brandalise e Rosa (2009) quando estes autores 37 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. apontam os pacientes com dificuldades de deslocamento físico e isolamento como casos a serem prioritariamente indicados ao atendimento do AT. No que diz respeito à indicação do AT para pacientes sem suporte familiar (categoria 3), as quais representam 28% da amostra dos entrevistados, os profissionais se referem à negligência das famílias para com o paciente e a dificuldade de construção de parcerias com estas, especialmente em casos em que os pacientes ficaram institucionalizados por longos períodos. Mais uma vez, o que dizem os autores Brandalise e Rosa (2009) vai ao encontro de nossos achados ao referirem-se à dependência, conflito e simbiose afetiva que caracterizam os pacientes em AT como caracterização da falta de suporte familiar. A categoria 4, pacientes em que o tratamento do CAPS não funciona, presente em 20% da amostra de entrevistados, refere-se àqueles que, por resistência ou pela cronicidade da doença, não aderem ao tratamento oferecido pelo CAPS. A categoria pacientes com transtornos mentais que não estejam em crise (categoria 5) apareceu em 14% dos entrevistados, e podem ser exemplificados com frases como: “as vezes com pessoas não tão graves pudessem se beneficiar muito”; “aos pacientes com depressão, com síndrome do pânico”; Respostas como esta corroboram os achados de Paravidini e Alvarenga (2008) quando afirmam que o AT vem sendo indicado para outros casos, além dos transtornos mentais graves. A categoria pacientes portadores de doença mental (categoria 6) foi apontada por 8% dos entrevistados e consideramos como resposta vaga e generalizada. Para melhor elucidar esta categoria de respostas seguem algumas falas dos entrevistados: “Em todos os casos de doença mental”; “qualquer tipo de caso de portadores da doença mental”; “casos da saúde mental em geral”. A categoria pacientes com comorbidades (categoria 7), foi apontada por 6% dos entrevistados. Outra categoria de resposta dada por 6% dos entrevistados foi crianças com dificuldades de aprendizagem/ajustamento social (categoria 8). Alguns dos entrevistados disseram: “caso de criança maiorzinha com algumas deficiências, deficiência intelectual também nesse sentido, adolescente”; “AT seria indicado para crianças com crise aguda; para crianças que estão excluídas socialmente e também para crianças que possuem comportamentos inadequados”. Nesse caso vale ressaltar as escassas publicações de AT com crianças, e a maioria voltada para situações em contexto escolar. (Sereno, 2006; Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 38 Meira, 2013; Berlink, 2001; Coelho, 2007; Hermann et al, 2010). E, por último, a categoria não conhece essa modalidade de atendimento (categoria 9), a qual foi apontada por 2% dos entrevistados, correspondendo a uma pessoa de todos os entrevistados. GRÁFICO 1 Casos e/ou situações em que o AT deveria ser indicado 60% 40% 60% 20% 28% 20% 14% 8% 6% 6% 2% Ca te go r ia 1 Ca te go ria 2 Ca te go r ia 3 Ca te go r ia 4 Ca te go r ia 5 Ca te go r ia 6 Ca te go r ia 7 Ca te go r ia 8 Ca te go r ia 9 0% 58% De um modo geral, podemos dizer que as respostas dadas pelos entrevistados vai ao encontro do que historicamente caracterizou a demanda privilegiada de atendimentos em AT. O at é ainda visto como um profissional que acompanha pessoas portadoras de transtornos mentais graves, geralmente psicóticos, em surto ou que já haviam passado por uma crise. Além disso, incluem pacientes que não estão inseridos num contexto social, seja por se isolarem deste meio ou por terem sido isolados deste, pacientes que, em sua maioria, apresentam pobres vínculos familiares. Quanto à outra questão que privilegiamos que trata da viabilidade ou não do AT como modalidade de atendimento em saúde mental na rede pública de saúde obtivemos quatro categorias de respostas dos entrevistados. A maioria dos profissionais dos CAPS considera que o AT deveria ser uma modalidade de atendimento em saúde pública (categoria 1), somando 88% dos entrevistados. As seguintes falas destacam essa ideia: “eu acho viável, porque o at vai até onde a gente não pode ir, porque a gente vai, mas como uma visita. Então o contato fora do CAPS, fora da instituição que a gente tem é muito pouco, 39 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. a rotina é intensa”; “É de suma importância. Tem caso que precisa de maior atenção e que, apesar de fazerem visitas domiciliares, é diferente estar na rotina, na vida, pois a percepção e a observação é mais apurada”. Entendendo de outra maneira, alguns profissionais, os quais representam 6% da amostra, acreditam não ser viável o Acompanhamento Terapêutico na rede pública de saúde (categoria 2). Os argumentos dos entrevistados são: “Na rede pública de saúde eu acho pouco viável. Por causa da demanda, eu acho que como é um atendimento mais individualizado, a quantidade de profissionais teria que ser muito grande, uma carga horária muito grande pra um número de pacientes imenso”; “Não, por conta das questões burocráticas, de investimento, porque a gente precisa de um pra um, é um investimento caro para logística do funcionamento público”. A terceira categoria respondida por 4% dos entrevistados é que esses têm dúvida sobre a viabilidade do AT no serviço público (categoria 3), considerando que o atendimento oferecido pelo AT ainda é recente, e que ainda existem muitas questões a serem definidas, entre elas a econômica. A seguinte fala exemplifica essa categoria: “Não sei, porque entendo que o at não consegue atender muito, porque ele sai muito. É necessário, mas não sei se viável do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista funcional é essencial”. Uma pessoa (2% da amostra) não respondeu esta questão (categoria 4). GRÁFICO 2 Viabilidade do AT na Rede de Saúde Pública 100% 88% 80% 60% 40% 20% 6% 4% 2% 0% Categoria 1 Categoria 2 Categoria 3 Categoria 4 Benevides (2007) aponta que a inserção do AT na saúde mental se dá, muitas vezes, a partir de parcerias com serviços públicos de saúde, com as universidades ou organizações não governamentais, o que foi possível perceber já que alguns dos entrevistados falam sobre a importância da contratação dos ats na rede pública, visto que os estagiários das universidades realizam um serviço Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 40 temporário. Dizem eles: “se você conta só com o estagiário o estágio acaba, e no próximo ano ou próximo semestre você pode ter ou não”; “os ats não são contratados, nossas experiências são de estagiários. Bom se pudesse contar com uma pessoa contratada dentro da equipe”. Constatamos que são poucos os trabalhos científicos que problematizam a atuação e viabilidade do AT na rede pública de saúde mental, apesar de algumas experiências de AT acontecerem através de estágios profissionalizantes de cursos de graduação em psicologia em parceria com a rede pública de atenção em saúde mental. Palombini (2004) nos mostra uma das poucas fontes de pesquisa que trata do assunto em pauta - a considerável receptividade do at por parte das equipes de saúde mental na saúde pública: “...por transitar nesse espaço intermediário entre a instituição e a rua, permitia uma aproximação extremamente rica, do ponto de vista clínico, com sujeitos que até então haviam se mostrado inacessíveis ou pouco permeáveis às formas tradicionais de tratamento. Efetivamente, a população atendida por esses serviços muitas vezes não conta com nenhum suporte familiar ou social que a sustente, e seu único laço estabelecido é com a própria instituição de saúde (às vezes nem esse laço se consolida). Então, era interessante contar com a figura do at, cuja mobilidade permitia alcançar o sujeito lá na sua concha, no seu casulo, ou acompanhá-lo em sua errância.” (Palombini, 2004, p. 83) Considerações finais A maioria dos entrevistados possui algum conhecimento sobre AT e já desenvolveram algum trabalho em parceria com um at. Para eles, o AT realiza um atendimento diferenciado com ênfase à sua contribuição na reinserção social e autonomia do paciente. Além disso, é notória a relevância do AT no trabalho da própria equipe terapêutica. Outro aspecto a considerar é que não identificamos critérios institucionais bem estabelecidos para o encaminhamento ao AT e, portanto, as categorias aqui suscitadas foram mais pautadas por impressões pessoais e/ou experiências dos entrevistados, a partir de trabalhos realizados por eles em parceria com ats ou estagiário de AT, com destaque para a relevância dada pelos entrevistados ao trabalho do at no tratamento de pacientes com transtornos mentais graves e com dificuldades de inserção social. Em relação à viabilidade ou não do AT na rede pública de saúde, um dos aspectos que nos chama a atenção é a escassez de publicações científicas sobre 41 O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede pública de Saúde mental de uberlândia/mg. esse assunto, tendo em vista que, parte das experiências de AT na saúde pública, ocorrem através de estágios profissionalizantes oferecidos por cursos de graduação em psicologia ou áreas afins. Somado a isso temos, por um lado, o AT cada vez mais presente na formação profissional para o trabalho no SUS, mas sem um lugar efetivo nas equipes de saúde mental e, por outro lado, o AT sendo reconhecido pelas equipes como importante ferramenta de cuidado em saúde. Afinal, a maioria dos entrevistados diz que o AT amplia/potencializa os cuidados para com o paciente, bem como facilita a construção de vínculo entre a equipe, o paciente e a família. Os entrevistados veem esse profissional como um importante membro a fazer parte da equipe terapêutica na promoção da reinserção psicossocial do paciente e na construção de sua autonomia. Além disso, destacam a possibilidade de o AT alcançar espaços e estratégias de tratamento que a equipe de profissionais não consegue devido à sobrecarga da rotina dos serviços. Quanto aos que afirmam ser o AT um atendimento realizado de forma eminentemente individualizada, acreditamos ser necessário destacar os impactos das intervenções do at no entorno social onde vive o paciente, a começar pelo grupo familiar, além do fato de que se trata de uma estratégia de busca ativa de casos que até então mantinham-se sem nenhuma ou baixa adesão à rede. Apesar de apenas três entrevistados (6% da amostra) justificarem que o AT é um dispositivo inviável no serviço público de saúde, consideramos importantes os argumentos levantados para que sejam elaboradas propostas adequadas para a inserção do AT no serviço público de saúde. De um modo geral, os dados encontrados surpreendem na medida em que comumente as fontes bibliográficas assinalam a necessidade de divulgação e expansão do AT na saúde mental e mais ainda na saúde pública. Uma das possíveis explicações para este maior conhecimento sobre AT e contato com este profissional por parte dos entrevistados, é que em Uberlândia, desde 1991, existem experiências importantes em AT acontecendo. Uma delas é a existência de ats e equipes de ats que disponibilizam este serviço na clínica privada, com destaque para a equipe Trilhas que neste ano completou 20 anos de existência. Alem disso, não poderiamos deixar de citar os vários estágios profissionalizantes em AT nos CAPS e no PSF, para a formação acadêmica de psicólogos da cidade que vem ocorrendo desde esta época, com alguns trabalhos de conclusão de Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis 42 curso de graduação provenientes destas experiências e algumas dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da UFU versando sobre o tema. Além disso, merece destaque o esforço por parte de gestores e trabalhadores da rede pública de saúde mental da cidade no sentido de viabilizar contratação de psicólogos para atuarem como ats na rede pública de atenção em saúde mental do município. Por considerar o AT uma importante ferramenta terapêutica à disposição dos serviços de saúde mental, tanto no âmbito privado como na rede pública, a pesquisa aponta motivos e argumentos suficientes para instigar novas pesquisas sobre o tema, particularmente a fim de contribuir para a construção e ampliação de consistentes políticas e práticas de saúde mental no SUS cada vez mais resolutivas para as complexas demandas atendidas. Notas 1 Docente do Instituto de Psicologia Universidade Federal de Uberlândia Psicóloga 3 Psicóloga 4 Psicóloga 5 Psicóloga 2 Referências bibliográficas ALVARENGA, C. Trânsitos da clínica do acompanhamento terapêutico (at): da via histórica à cotidiana. 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De caráter descritivo, o texto apresenta as experiências e reflexões da equipe à frente desse dispositivo e o modo como se constitui sua direção clínica. O CAPS Clarice Lispector caracteriza-se por ser o primeiro serviço de saúde mental a gerenciar um SRT no município do Rio de Janeiro. O trabalho é conduzido pela Equipe de Segmento Territorial, composta por acompanhantes terapêuticas e cuidadoras responsáveis por acompanhar a dinâmica de cada morador e suas relações na residência e com a comunidade. Essas profissionais atuam como interlocutoras com os diferentes atores envolvidos no cuidado da população atendida: as unidades de saúde e os médicos de diferentes especialidades, instâncias jurídicas e sociais, os centros de atenção psicossociais, entre outros. O trabalho cotidiano possui um perfil clínico-político e busca a continua inclusão dos usuários na vida comunitária. A intervenção clínica segue algumas diretrizes: Disponibilidade, Presença, Parceria, Trabalho em Equipe e o Cuidado daquele que Cuida. A condução do SRT exige dos profissionais da equipe uma reflexão diária sobre suas práticas e a criação de estratégias de enfrentamento dos impasses e desafios que permeiam seu campo de atuação. O compartilhamento das experiências entre os membros da equipe é simultaneamente um importante recurso e a força motriz do projeto, assegurando sua qualidade e originalidade. PALAVRAS-CHAVE: Serviço Residencial Terapêutico, Centro de Atenção Psicossocial, Saúde Mental, Acompanhante Terapêutico, Cuidadoras RESUMEN Este artículo trata de las acciones en curso en el Servicio de Residencia Terapéutica (SRT), asociado al Centro de Atención Psicosocial (CAPS) Clarice Lispector. El texto es de carácter descriptivo y presenta las experiencias y reflexiones del equipo profesional encargado de ese dispositivo y el modo como se constituye su conducción clínica. El CAPS Clarice Lispector se caracteriza por ser el primer servicio de salud mental a gestionar un SRT en el municipio de Río de Janeiro. El trabajo es coordinado por el Equipo de Segmento Territorial, integrado por acompañantes terapéuticas y cuidadoras responsables por hacer el seguimiento de la dinámica de cada morador y de sus relaciones en la residencia terapéutica y con la comunidad. Esas profesionales actúan como interlocutoras con los diferentes actores involucrados en el cuidado de Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 46 la población beneficiaria del servicio: las unidades de salud y médicos de diferentes especializaciones, instancias jurídicas y sociales, los centros de atención psicosociales, entre otros. El trabajo cotidiano posee un perfil clínico-político y busca continuamente la inclusión de los usuarios del servicio en la vida de la comunidad. La intervención clínica sigue algunas directrices básicas: Disponibilidad, Presencia, Colaboración, Trabajo en Equipo y el Cuidado del que Cuida. La conducción del SRT exige de los profesionales del equipo una reflexión diaria acerca de sus prácticas y la creación de estrategias de solución de los impases y desafíos que permean su campo de actuación. El intercambio de experiencias entre los miembros del equipo es simultáneamente un importante recurso y la fuerza motriz del proyecto, asegurando su calidad y originalidad. PALABRAS-CLAVE: Servicio Residencial terapéutico, Centro de Atención Psicosocial, Salud Mental, Acompañamiento Terapéutico, Cuidadoras. ABSTRACT This article intends to create theoretical support to the actions that are taking place at Serviço Residencial Terapêutico - SRT (Therapeutical Residence Service) linked to Centro de Atenção Psicossocial - CAPS - Clarice Lispector (Clarice Lispector Psychosocial Support Center). With a descriptive character, the text presents the experiences and reflections of the staff in charge of this device and the way its clinical direction is built. Clarice Lispector CAPS is characterized as being the first mental health service to manage a SRT in Rio de Janeiro city. The work in led by Equipe de Segmento Territorial (Territorial Segment Team), composed by therapeutical escorts and care takers who are responsible for supporting the dynamics of each inhabitant and the relations with their residence and the community. These professional act as speakers with the different participants involved in the care taking of the attended people: the health unities and the differentspecialities-physicians, legal and social parts, the CAPSs, among others. The quotidian work has a clinical-political profile and searches for the continuous inclusion of the users in community life. The clinical intervention follows some directions: Disponibility, Presence, Fellowship, Teamwork and Care about those who Care. The conduction of the SRT demands from a daily reflection from the professionals of the staff about their actions and the creation of confront-strategies for the impasses and challenges that belong to the action field. Sharing the experiences between the members is, simultaneously, an important resource and driving power of the project, assuring its quality and originality. KEYWORDS: Therapeutic Residential Service, Psychosocial Care Center, Mental Health, monitoring therapeutic, caregivers. INTRODUÇÃO Em 2008 o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Clarice Lispector, localizado na área Programática de Saúde 3.2 no município do Rio de Janeiro, assumiu a gestão dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) deste território, antes vinculados ao Instituto Municipal de Saúde Nise da Silveira. Esse CAPS inaugura a primeira experiência dessa modalidade na cidade, embora outros SRTs já existissem no município há aproximadamente oito anos. Avanço importante no âmbito das Políticas Públicas, uma vez que, inicialmente, nasciam vinculados aos Institutos Psiquiátricos. Os serviços ainda ligados aos Institutos, 47 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial possivelmente, farão sua transição para o CAPS de seu território. Nos últimos anos todos os SRTs implantados foram vinculados aos CAPS . Em nosso SRT7, contamos com cinco Residências Terapêuticas (RTs), todas localizadas nas imediações do CAPS e com quatro Moradias Assistidas (MAs). Entendendo-se como diferencial entre essas duas modalidades, o fato de na primeira (RTs), teoricamente 8, os moradores necessitarem do acompanhamento diário de um cuidador para realização de algumas tarefas e/ou cuidados cotidianos, enquanto que na segunda (MAs), os moradores possuiriam maior autonomia, estando o cuidador para o atendimento de acordo com suas demandas. Cabe ressaltar, que tanto RTs como MAs não se pretendem as últimas estâncias da vida, outras paragens podem ser articuladas e construídas junto aos moradores, considerando-se a singularidade de cada um, e seu desejo por novas e diferentes inserções. Em nossas residências terapêuticas temos hoje um total de dezenove moradores, e a composição foi a mínima prevista pela Portaria 106, de quatro moradores por residência. As MAs contam com um morador em cada residência. Cabe ressaltar que em duas delas os pacientes são oriundos de longa permanência institucional e nas outras duas, pacientes de grande vulnerabilidade, que apresentavam risco de institucionalização, com grave quadro psiquiátrico, internações sucessivas e precário suporte familiar e social, requerendo assim o acompanhamento da equipe de segmento em sua casa, incluindo a presença do cuidador, além dos seus técnicos de referência no CAPS. A equipe de segmento, composta por acompanhante terapêutica (AT) e cuidadoras, vincula-se ao CAPS, como veremos adiante, mas não responde pelas ações assistenciais de tratamento, embora comporte em sua prática um olhar apurado a dinâmica clínica, que pauta inclusive suas ações. O AT oferece suporte aos cuidadores no que diz respeito, inclusive à dimensão clínica do trabalho, porém não se restringindo a mesma. Essa equipe, nomeada de segmento do CAPS e não seguimento, por uma escolha metodológica, visa considerar um lugar de distância naquilo que concerne às questões do tratar e do morar, ainda que haja um intercruzamento entre elas. Portanto, segmento por tratar-se de uma parte do trabalho que é realizado pelo CAPS, mas fora dele, na comunidade, cidade, território, na privacidade de uma casa, por uma equipe que não a de tratamento no Centro de Atenção Psicossocial. E não como seguimento, no Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 48 sentido de continuação, prosseguimento, acompanhamento do tratar, embora vinculado a ele. Entendemos como fundamental, preservar aquilo que diz da privacidade do sujeito no âmbito do morar, assim como àquilo que concerne ao seu tratamento. O que deve ser apresentado à equipe de segmento, em primeiro lugar, é o sujeito antes de seu prontuário, diagnóstico, patologia e prognósticos, não estando estas informações disponíveis de forma imediata e sem mediação a esta equipe. A equipe de segmento é composta por duas acompanhantes terapêuticas (AT´s)9 de nível superior, podendo contemplar diferentes especialidades ( psicologia, serviço social, enfermagem ou terapia ocupacional). E onze cuidadoras, divididas como referência em cada uma das cinco residências terapêuticas e em trabalho volante diurno e noturno, ressalvando-se que até o presente momento, estas residências não contam com acompanhamento 24h, estando o cuidador noturno para a eventualidade de uma urgência, emergência e situações variadas que necessitem se prolongar em horário, como preparo para exames, passeios noturnos, entre outras. Diante da experiência de gerenciar os SRTs e a equipe de segmento territorial, a direção do CAPS avaliou a necessidade de estabelecer uma coordenação específica para este trabalho e também para articular as ações de desistitucionalização em curso. considerando as exigências da administração dos SRTs junto aos moradores, assim como no atendimento às demandas de trabalho com as cuidadoras frente às imposições colocadas pelo cotidiano do acompanhamento aos moradores, com todos os seus desdobramento e nuances, uma psicóloga foi contratada para exercer essa função no CAPS. tendo em vista a possibilidade de organização do trabalho, sustentação da supervisão da equipe de segmento (em vários momentos conjuntamente à direção e coordenação técnica do CAPS, ou mesmo, no caso das ATs na supervisão coletiva desse serviço) e amarração dos acompanhamentos às referências do CAPS e, portanto, aos projetos terapêuticos. Contamos com a perspectiva de expansão de residências terapêuticas e, alguns pacientes moradores no IMS Nise da Silveira, seguem em trabalho visando à suas saídas. Um dos dispositivos deste trabalho é o Grupo Portas de Casas, lugar privilegiado de troca acerca das questões do morar, da vida na cidade, dos efeitos da institucionalização e da possibilidade de atribuir novos sentidos à vida, após a 49 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial saída das instituições psiquiátricas. Nesse grupo participam pessoas que vivem em residências terapêuticas, moradias assistidas, com familiares, sozinhas e/ou outras situações onde essas questões parecem mais pungentes. Pretende-se realizar o acolhimento daqueles onde esteja implicada a saída do hospital psiquiátrico e a manutenção nesses espaços extra hospitalares como ponto crucial a sua estabilização e reinserção em espaços há muito desprovidos de sentido. É preciso se reinventar e recriar esses espaços, não há uma passagem automática e já posta. Por isso a sustentação de um trabalho de desinstitucionalização que precede a saída da instituição e se alarga incalculável após a efetivação desse momento. Esse escrito pretende traçar e dar visibilidade ao trabalho dessa equipe de segmento, tomando por eixo as considerações e mapeamentos que foram sendo construídos, senão inventados, no cotidiano. E emerge em um momento de extrema vulnerabilidade da equipe, além de inúmeros e insistentes questionamentos acerca, especialmente, daquilo que distingue as funções AT e cuidador em saúde mental. Não se trata, necessariamente, da busca por respostas que encerrem a conversa, talvez muito mais na busca de sentido para as experiências tão intensamente vivenciadas. Organizamos o presente relato de experiência em eixos, que vão da Reforma Psiquiátrica (desinstitucionalização), constituição dos SRTs, passando pelos elementos constitutivos à direção clínica do trabalho e da equipe e, por fim, aos impasses e desafios colocados pela prática cotidiana. Algumas palavras iniciais sobre os processos de (Des) Institucionalização A noção de ‘doença e seu duplo’, trazida por Basaglia, diz respeito àquilo que não é próprio de estar doente, mas ao fato de estar institucionalizado. Sob os efeitos da institucionalização o sujeito literalmente incorpora a instituição e passa a ser mero objeto em função da vontade alheia, formando um complexo de síndromes, por vezes confundidos com os sintomas da doença mental, como inibições, apatia, comportamento submisso, falta de interesses próprios, dando origem ao que é conhecido por processo de coisificação. A institucionalização se revela então como algo que se sobrepõe à doença mental, graças à aniquilação e perda de si mesmo a que são submetidos os indivíduos pela vida no asilo, reforçando assim a condição própria à psicose. Por isso é de fundamental Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 50 importância na desinstitucionalização a desmontagem desta dinâmica prevalente durante décadas nas instituições psiquiátricas, e é nesta direção que a Reforma Psiquiátrica caminha. No resgate a singularidade e a complexidade da clínica. “É que o hospital tende a ser pleno, a querer dar conta de tudo, a oferecer maior proteção, tendendo a eliminar riscos. Mas é uma proteção que coloca para dentro, que, ao se pretender plena, facilmente pode cortar os laços do sujeito com qualquer ‘fora’”. 10 De tal monta, é preciso que o sujeito da experiência da loucura, antes excluído da cidadania, não seja mero objeto dos saberes médicos ou “psis”. Neste sentido, a desinstitucionalização torna-se o reconstruir de saberes e práticas, o estabelecer de novas relações, ou ainda, conforme Paulo Amarante, o “reconhecimento de novas situações que produzem novos sujeitos, novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos” (AMARANTE, 2003, p.50). Os Serviços Residenciais Terapêuticos Os Serviços Residenciais Terapêuticos entraram no contexto da Reforma Psiquiátrica como grande aliado do processo de desinstitucionalização, vindo somar-se aos CAPS em sua lógica de serviços substitutivos (Lei 10216 de 06 de abril de 2001, Portaria GM 106 de 11 de fevereiro de 2000 e, mais recentemente, a Portaria GM 3090 de 23 de dezembro de 2011). Constituindo-se como um novo dispositivo de intervenção, uma alternativa possível de saída do hospital psiquiátrico, para aqueles pacientes com longa permanência institucional, em especial àqueles desprovidos de vínculos sociais e familiares sólidos, proporcionando o retorno à vida na cidade e a volta ao convívio social. Tal dispositivo possui uma posição estratégica dentro da Reforma Psiquiátrica. Segundo Delgado compete aos CAPS apoiar e supervisionar o trabalho nas residências terapêuticas, preservada a autonomia destas e ressalvada sua característica de moradia, casa, lar, e não especificamente espaço terapêutico (DELGADO, 2006), demarcando importante diferença entre lugar de moradia e de tratamento. Garantia mínima de preservação contra novas formas de tutela e submissão, só que com novas roupagens. 51 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial “Entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social” (BRASIL-MINISTÉRIO DA SAÚDE- Portaria n. 106, de 11 de fevereiro de 2000) Articulados aos dispositivos Residenciais Terapêuticos como medida de suporte financeiro aos pacientes recém saídos das instituições psiquiátricas temos o Programa De Volta para Casa – PVC - Lei Federal 10708 de 31/07/2003 e a Bolsa de Incentivo conforme Lei Municipal 3400 de 17 de maio de 2002, válida apenas para o município do Rio. Caracterizada como Tipo I, um salário mínimo, para os moradores em residências terapêuticas e Tipo II, com dois salários, para aqueles residentes em moradias assistidas. Leis que instituem o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações por período igual ou superior a dois e três anos respectivamente. Na cidade do Rio de Janeiro os programas de moradias, ainda vinculados aos grandes hospitais psiquiátricos, estão sendo substituídos por novos equipamentos, entre eles as residências terapêuticas, as moradias assistidas e o próprio retorno familiar daqueles que ainda possuem algum laço. O que tem tornado possível a desmontagem dos hospícios privados, conveniados ao SUS, que servem de “depósito” a pessoas que foram desprovidas de sua condição humana. As primeiras experiências de residências terapêuticas no país ocorreram na década de 1990, e os municípios de Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Santos (SP), Ribeirão Preto (SP) e Rio de Janeiro (RJ) foram precursores nessas implantações. Nesse primeiro momento, tais dispositivos recebiam o nome de “lares abrigados”, “pensões protegidas” e “moradias extra-hospitalar” e foram de grande importância ao gerarem subsídios para que a iniciativa fosse posteriormente incorporada como política pelo SUS, a partir da Portaria GM 106 de 2000. Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 52 O morar: Casa/ Lar/ Con-vivência/ Com-partilhar Possuir um lar, uma casa, andar pela cidade, atos tão simples, muitas vezes ganham um caráter mais terapêutico que o próprio tratamento clínico. No entanto, embora esteja contida no nome do serviço a palavra 'terapêutica' 11, estas casas devem proporcionar em primeira instância, condições de moradia. Sendo uma residência, cada casa deve ser única e respeitar a singularidade e necessidade de cada morador. E embora também comporte em sua denominação o nome de serviço, para fins de credenciamento, é importante apontar e sustentar, como direção clínica e política, que se trata da casa das pessoas. A conquista da liberdade é, portanto, feita pelo próprio paciente, no seu dia-a-dia, diferente do hospital psiquiátrico, onde a liberdade lhe é outorgada por outrem. Habitar um lar significa então não estar passivamente em um lugar, pressupõe criar sentidos, criar relações nesse ambiente experienciado por cada um de maneira muito particular. Segundo Carvalho, mora-se (...) no manicômio, mas não é possível habitá-lo. No espaço habitável o indivíduo faz escolhas, modifica o ambiente, podendo sair e entrar livremente. O conceito de casa, de lar, remete a algo de um pertencimento, um lugar da intimidade, que cada um constrói objetiva e subjetivamente. Segundo Milagres (2003) a casa é um espaço de ação social onde o sujeito cria relações significativas com o meio, é um dispositivo de produção de subjetividade. Para ele, a casa, como apropriação subjetiva, é construída nas ações cotidianas e na releitura das histórias de vida, no contato direto com o território (MILAGRES, 2003, p.142). 12 É possível que, com a mudança para os SRTs, os novos moradores façam uma releitura de suas experiências passadas e possam reconstruir e atualizar suas identidades, construindo assim novos projetos de vida. Para Berger, as pessoas que mudam seu ponto de vista geográfico frequentemente mudam também a imagem que fazem de si próprios (BERGER apud Milagres, 2003). Vale lembrar, entretanto, que a experiência de saída do hospital para os serviços residenciais terapêuticos traz uma série de desafios e cada paciente se apropria dessa experiência de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial de uma maneira que lhe é própria, única e intransferível. Cabe ressaltar que dentro do contexto e posicionamento do hospital psiquiátrico, durante anos, esse ainda representa para alguns pacientes psicóticos, que nele 53 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial viveram durante longo período, um lugar de proteção contra as exigências do mundo exterior. É como se essa instituição, reproduzisse para eles “o aconchego mortífero do ventre materno ao qual esse alguém parece manter-se umbilicalmente, imaginariamente, ligado, e a quem, portanto, é preciso propiciar um nascimento, ou seja, cortar o cordão, o que é experimentado com dor, com medo” (PALOMBINI, 2004, p.71). E do qual não é possível realizar essa travessia, desacompanhado. O desligamento é necessário, como do bebê à sua mãe via cordão umbilical, torna possível a experiência de estar vivo, de existir no mundo e se comunicar com outras existências. Mas é preciso que exista, se estabeleça, alguma relação para que isso possa acontecer. Não há transformação sem que haja um encontro potente. Oliveira, em seu texto “O hospício dentro de nós e a morte do hospício”, nos conta que uma interna da década de 60 do Instituto Municipal Nise da Silveira (na época Centro Psiquiátrico Pedro II), escreveu um livro com o título “O hospício é Deus”, onde dizia: “Só um Deus pode decidir a vida de suas criaturas... E as pessoas, habitantes de um hospício são criaturas. E todas as ações do hospício são para o bem estar de seus habitantes. Aquelas criaturas que não sabem o que querem” (OLIVEIRA). É preciso, portanto, que estejamos atentos para não nos colocarmos no lugar de deuses, determinando o que é melhor ou não para nossos pacientes, decidindo assim seus destinos. E ao mesmo tempo, considerando a clínica da psicose, marcada por um não saber sobre si, e conforme dito anteriormente, aniquilação, características reforçadas pela instituição psiquiátrica. Ao mesmo tempo, poder contar com o hospital psiquiátrico como mais um dispositivo, um recurso em situações extremas, onde alguns pacientes podem necessitar de uma internação de curto prazo a fim de se organizarem. Dispositivo esse que também começa a ser reinventado à medida que os Caps III 13 avançam, mas que talvez não possa substituir em sua integralidade essa modalidade, circunscrevendo-se os leitos em hospitais gerais como outra possibilidade de suporte e acolhimento à crise 14. Direção Clínica do Trabalho no SRT do Caps Clarice Lispector O trabalho nos dispositivos residenciais terapêuticos exige, antes de tudo, disponibilidade. Disponibilidade essa que se traduz não somente no tempo Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 54 cronológico dedicado ao projeto, como também na disposição, vontade, desejo e investimento nas pessoas das quais nos propomos cuidar 15, e nas suas diversas possibilidades de estar na vida, ainda que de modos e formas distintas das nossas. Trata-se, portanto, de uma aposta, não só na capacidade dessas pessoas, de reinventar a própria vida, como também na nossa, enquanto profissionais, de nos reinventarmos a cada dia, buscando outras e diferentes formas de lidar com as incertezas, e talvez até muito mais com nossas certezas. O mais surpreendente nesse tipo de arranjo, muito embora cada um de nós tenha seu arsenal teórico-conceitual, é o fato de não haver certezas pré-estabelecidas, pois aqui serve a máxima ditada pelo poeta, de que “o caminho se faz ao caminhar”. De outro modo, não há como programar a vida das pessoas como se fossem simples marionetes que durante anos encenaram em um palco com platéia fechada e hoje tem o teatro aberto ao público. Ou seja, apesar de ser necessário imprimir institucionalidade ao trabalho desenvolvido nos equipamentos residenciais, que envolva a organização de alguns procedimentos e condutas e a composição de algumas diretrizes, há um nível de “tensão” que os profissionais que trabalham nesse segmento precisarão sustentar. Não há no corpo-a-corpo do trabalho, no dia-a-dia na cidade, na rua a instituição 16 a nos proteger dos riscos que enfrentam todos aqueles que estão na vida, e é na vida que estamos com essas pessoas. Se durante muito tempo a saúde mental falou em emprestar contratualidade à clientela psicótica a fim de que pudessem suplantar a existência-sofrimento afirmada pelo hospício, podemos dizer que nesse tipo de acompanhamento emprestamos nosso próprio corpo. Não só nossa contratualidade como também nossas dificuldades em estar no mundo, onde estamos como realmente somos e podemos. Em alguns momentos nos vimos em situações bastante complexas, diante da emergência de dificuldades não só dos moradores como também das cuidadoras, diante da possibilidade de determinadas inserções como ida ao banco, com o manejo do caixa eletrônico, do dinheiro, etc. Consultas médicas na saúde geral, circunstância que envolvia maior grau de contratualidade e também maior inibição diante do poder exercido pelo médico. Poderíamos citar outros acontecimentos, no entanto, o que pretendemos marcar é o importante papel do acompanhante terapêutico na sustentação clínica desse projeto. 55 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial Somado a isso, temos como desejo fundador dessa proposta, contribuir para que essas pessoas, por tanto tempo excluídas da vida social, pública, política e afetiva, possam se experimentar em novas e diferentes relações e acontecimentos da vida, com novas formas de habitar, circular pela cidade e se relacionar com fatos, pessoas e acontecimentos. Possibilidade de reescreverem a própria história. E lidar com esta instabilidade requer alguns dispositivos de cuidado não só para esses moradores, mas também para os profissionais que estarão apoiando a emergência dessas novas possibilidades de existência. O que requer uma reflexão crítica de nosso lugar e papel frente ao outro, alteridade, logo uma posição ética, sob o risco de transformarmos a casa em manicômios revestidos com nova roupagem, portas abertas, porém a mesma clínica excludente e totalizante, que responde a tudo imediatamente e não permite que algo falte a fim de que o sujeito possa experimentar-se desejante. Criar condições para que isso aconteça é um desafio imposto à equipe, em especial aos ATs, pois a tentação em decidir pelo outro, em direcionar suas vontades e atividades, em fazer do modo mais fácil ou por ele, é um sutil e grande perigo, inerente a nossa humanidade inclusive, que procura determinadas zonas de conforto. A partir de nossa experiência, elencamos algumas diretrizes cruciais na realização, manutenção, continuidade e criação de nossa lida diária. Em primeiro lugar: Presença. Presença das acompanhantes terapêuticas nas casas, com os moradores e também com as cuidadoras, contribuindo na tomada de decisões, na elaboração e manutenção dos projetos terapêuticos, na oferta de continência e acolhimento aquilo que em algum tempo se torna insuportável, estranho ou suscetível a produzir insegurança, paralisação ou passividade. Para exemplificar, consideremos tarefas simples, banais do cotidiano, posicionando-se na vanguarda delas. Pode-se escolher (ou impor) sempre a mesma festa de aniversário para todos, no mesmo horário, com os mesmos convidados, o mesmo bolo e salgadinhos ou conversar sobre as diversas possibilidades de comemoração envolvendo-os em todas as etapas, ou antes, acerca da (im)possibilidade de haver ou não comemoração. O que pode significar, estar circunscrito à data de aniversário, nascimento após anos de institucionalização. Sistematizar a tomada de medicamentos de igual modo para todos os moradores, em todas as casas ou em cada casa de acordo com a disposição e dinâmica que lhe é própria. O perigo é tendermos a buscar as Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 56 respostas mais tendenciosas e sendo assim, ausentes de ética, que acabe por produzir longitudinalmente, novamente o apagamento, a objetivação desses sujeitos, com a justificativa de estarmos facilitando suas vidas e sua inserção na cidade. E, se queremos de fato vê-los na vida, teremos que suportar nossas apreensões, como parte integrante desse trabalho, não há vida livre de risco. Não é possível, e tampouco desejável, controlar todas as variáveis. Outro cuidado é a atenção para não transformar o espaço da casa/do morar em consultório ou ambulatório de saúde mental, ou qualquer outro lócus destinado ao tratamento. Trata-se de estar presente compartilhando da dinâmica da casa e de cada um dos moradores, bem como das relações entre eles e as cuidadoras, e destas com cada um e com cada casa, pensando, propondo e também promovendo conjunta e coletivamente, alternativas de inserção social e/ou familiar, política para cada morador e situação. Podemos fazer propostas, pensar junto dos moradores alternativas na lida com as ocorrências diárias, diante das novidades da vida. O que não devemos é impor nossas proposições, arbitrariamente, infestando a relação de um poder vertical. O oposto, sendo tudo aceitável e permanecendo passivos diante de um possível entendimento que estes sujeitos, “loucos”, estiveram seqüestrados da vida, reforça a mesma máxima totalizante das instituições psiquiátricas, com outros trajes. É também fundamental o estabelecimento de Parcerias, por meio de troca de experiências, compartilhamento dos saberes, poderes e afetos, dos sabores e dissabores dessa prática. Parceria em vários âmbitos: entre a equipe de segmento e o CAPS; entre a equipe de segmento e a comunidade; entre a equipe de segmento e outros setores e serviços da saúde e outros campos de saber. Ou seja, consideramos que não há como realizar esse acompanhamento à distância, há que se estar dentro dele. Estar no trabalho junto aos moradores participando de suas vidas, e junto as cuidadoras sustentando o fazer “leigo” 17, no entendimento de que não é possível realizar e desenvolver este tipo de trabalho, dada sua intensidade, solitariamente. A presença ganha força na parceria, no compartilhar cotidiano e do cotidiano, das dúvidas e incertezas e dos erros e acertos, e especialmente, através do trabalho em Equipe. Só assim poderemos, de fato construir uma prática que se sustente clinicamente18. No trabalho em equipe, situamos nossa aposta no coletivo como possibilidade de aumento da potência de nossas intervenções. Como bem nos legou Spinoza, os 57 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial encontros podem aumentar ou diminuir a potência. Aqui registramos a aposta ética, de que através da política dos encontros nos fortalecemos para enfrentar nossas frustrações, incertezas e impasses, e também encontramos espaço para criar, reinventando novas formas para lidar com velhos problemas. E procurar romper a dicotomia impotência versus onipotência, ainda que isso implique em alguns momentos entrar em contato com o mal-estar. Exercício micropolítico. Outro fator também considerado primordial, além da implicação 19 dos profissionais com esse projeto, é a linha sutil que separa aquilo que concerne aos assuntos inerentes ao cotidiano da casa no que se refere à equipe de segmento daquilo que diz da particularidade do tratamento e da história de cada morador. Procuramos manter certa reserva entre as particularidades de cada paciente no contexto do seu morar (SRT), tanto quanto do tratamento (CAPS). Linha tênue e delicada acerca do que compete a cada uma dessas instâncias no âmbito do cuidado, e que tem papel fundamental na construção da autonomia de cada um dos sujeitos envolvidos, inclusive da equipe. Entendemos que o coordenador de um SRT é aquele que se mantém limítrofe, ele não é equipe de segmento no sentido pleno da palavra, nem compõe a equipe do CAPS em termos assistenciais, mas é aquele que tece a costura da rede, não só de serviços, mas de afetos, cuidado. Evocamos a fala recorrente de uma das cuidadoras, em suas idas ao supermercado, referia sentir-se confusa, não conseguindo ter clareza se os itens de que necessitava em suas compras eram de fato para sua casa ou para a residência terapêutica onde trabalha há muitos anos. Há que se manter em movimento, e se manter separado, ainda que dentro. Um conceito que tem nos auxiliado na compreensão dessa interlocução entre Caps-paciente-morador-equipe de segmento é o conceito teórico-prático de Núcleo e Campo20 de Gastão Wagner de Souza Campos. No Núcleo encontramos cada um dos profissionais com suas especialidades, funções, competências e saberes, enquanto que no Campo a possibilidade coletiva de troca de conhecimentos e afetações, inaugurando um espaço comum a todos, apesar dos diferentes níveis hierárquicos. Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 58 Os papéis do Acompanhante Terapêutico e do Cuidador: Um Encontro Potencial O norteador do trabalho da equipe de segmento é a responsabilidade com o cuidado no território e esse cuidado se articula em equipe, como o próprio nome já indica. Visando cumprir essa demanda, a equipe conta, além das diretrizes, com certos dispositivos imprescindíveis ao andamento do trabalho. Destacamos dois dispositivos: a supervisão clinico-institucional e as conversas-acolhimento individuais com as cuidadoras. A primeira, ocorre semanalmente, com a coordenação do programa, as cuidadoras e as acompanhantes terapêuticas. Espaço privilegiado para a organização do trabalho, discussão de casos, compartilhamento de impasses e sucessos, como também de estudo, com revezamento semanal entre o estudo de um caso preparado por uma cuidadora, estudo de alguma produção teórica sobre o trabalho em Saúde Mental, principalmente os que se relacionam com a proposta dos SRTs, como é o caso das produções teóricas acerca do acompanhamento terapêutico21. Incluímos também o cine debate, com filmes relacionados à temática em curso ou outras transversais, como finitude e envelhecimento. Quanto às conversas-acolhimento individuais com as cuidadoras foi um recurso criado frente às queixas de dificuldades enfrentadas por elas no trabalho, bem como aquelas de ordem pessoal, que acabavam atravessando o encontro com a loucura. Compreendemos que esses impasses fazem parte do trabalho e incentivamos que sejam discutidos na supervisão semanal, coletiva. Entretanto, nem todas as cuidadoras conseguem separar o aspecto profissional do pessoal, o que dificulta a exposição de algumas questões coletivamente. A alternativa encontrada foi a oferta de um espaço individual onde cada cuidadora pudesse colocar as suas dúvidas, angústias, criticas e sugestões; sem com isso substituir o espaço coletivo de troca, mas somando-se a ele. Como consequência deste trabalho, foi possível indicar outras possibilidades de cuidado fora do espaço profissional, e também outras inserções pela via do lazer, cultura, para as cuidadoras. Além dos espaços supracitados, estas profissionais contam com a presença da acompanhante terapêutica cotidianamente nas residências. Assim, o primeiro papel da acompanhante terapêutica que destacamos é a necessidade de estar nas casas, pois sua presença no cotidiano é importante para que um trabalho de 59 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial acompanhamento de fato ocorra. Acompanhamento não só aos moradores, mas como já mencionado, também as cuidadoras, ainda que em grau e intensidade diferenciadas, que por vezes se vêem sozinhas diante de situações difíceis. Esta experiência aponta, como efeito à diminuição de suas ansiedades e inseguranças. Portanto, aposta em uma modalidade de cuidado que inclui também o suporte ao cuidador, e o compartilhamento dos atravessamentos político-institucionais inerentes a qualquer trabalho em saúde. Em situações difíceis, as cuidadoras são orientadas a procurar pela acompanhante terapêutica para juntas poderem pensar na melhor solução possível. Avalia-se então a necessidade de acionar a Coordenação do Programa ou a equipe do CAPS. Este é a retaguarda para as cuidadoras em qualquer momento, mesmo fora do seu horário de trabalho, incluindo os finais de semana. Diante disso, coloca-se o principal desafio deste trabalho: a disponibilidade em tempo22 integral que é exigido da acompanhante terapêutica. Podemos, então ressaltar que a AT assume “Dupla Função de Supervisão” junto às cuidadoras: supervisionar a organização do trabalho e o papel primordial de estar junto delas acolhendo suas angústias e contribuindo na resolução dos problemas. Outro fator de relevância é o envelhecimento dos moradores e, como consequência as várias intercorrências clínicas. Experienciamos várias situações onde a internação em hospital geral foi necessária e, nesse contexto, a AT tem uma contribuição importante na interlocução com a equipe de médicos clínicos e outros profissionais da equipe multiprofissional. Da mesma forma, assume a interlocução com a equipe da emergência do hospital psiquiátrico diante de crises psicóticas. Vale ressaltar que nesses momentos, a AT funciona como um articulador entre os diversos profissionais envolvidos: cuidadoras, equipe técnica do CAPS, equipe da internação. É importante salientar, que o AT não tem a função de realizar o tratamento clínico dos moradores nas casas, por não ser este o espaço terapêutico de tratamento. No entanto, este profissional precisa manter uma visada clínica e estar atento à dinâmica de cada morador e de cada coletivo destas residências. Sobre o papel do AT arriscaríamos concluir que é o responsável pela condução do trabalho como um todo, seja nessas diversas parcerias possíveis de acontecer, seja na Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 60 interlocução com o território visando o aumento da autonomia e protagonismo dos moradores em relação à própria vida. O cuidador, por sua vez, assume o cuidado cotidiano, com um olhar direcionado para a inclusão na vida comunitária e na operacionalização das tarefas cotidianas, junto aos moradores. Está presente em ações diversas dependendo da demanda de cada casa e de cada paciente. Desta forma, o cuidador responsabiliza-se pelo cuidado medicamentoso para aqueles que não o fazem sozinhos; auxilia na higiene pessoal, quando necessário; acompanha em consultas médicas; nas compras pessoais e da casa; nas idas ao banco; nos passeios, incentivando-os de acordo com as possibilidades na realização desses eventos com maior autonomia. O marco desse acompanhamento é fazer com eles, e não fazer por eles, auxiliando naquilo que for necessário, procurando não ser determinante o caráter tutelar em suas ações. No entanto, em algumas situações se faz necessário a tomada de decisões e medidas protetivas como forma de garantir o cuidado. No cenário da política de Saúde Mental, o papel do cuidador se destaca como peça fundamental ao processo de desinstitucionalização e inclusão comunitária. Entendendo que o acompanhante terapêutico é responsável pela condução do trabalho, podemos afirmar que o cuidador é a garantia para a sua realização no cotidiano. Impasses e Desafios encontrados no Trabalho nos SRTs do Caps Clarice Lispector Os Serviços Residenciais Terapêuticos são dispositivos que dialogam diretamente com a sociedade. Um ex-interno do manicômio, agora é morador de uma casa com direitos e deveres. E o primeiro desafio da equipe de segmento é, no espaço público e social, emprestar-lhe contratualidade a fim de que com suas peculiaridades não sucumba à estigmatização e exclusão. Entretanto, não é só com a estigmatização e a exclusão do louco que precisamos nos haver, consideramos outras modalidades de exclusão, talvez mais sutis, como por exemplo, a impossibilidade de manutenção de uma pessoa com seqüelas clínicas em um dispositivo residencial. Para exemplificar, mencionamos a história de Adelaide23, com hemiplegia decorrente de um AVC, o que exigiu da equipe ampliar a clínica a fim de sustentar sua presença na casa, apesar de seu 61 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial acometimento físico, evitando-se assim sua re-internação em outra modalidade de asilamento. E a clínica vai se “alargando” na busca por novos recursos. Remetendo-nos a Política Nacional de Humanização (PNH), lembramos que ao incluírmos algo ou alguém, também incluímos os conflitos subjacentes. E nesse sentido, o que está colocado para nossa equipe é o direito não só de morar com dignidade, mas também de permanecer em sua casa ainda que doente, ainda que deficiente, ainda que idoso. De outro modo, quando pensamos a inclusão do psicótico, não podemos nos esquecer de que também ele envelhece, adoece e padece de inúmeros outros sofrimentos que não aqueles circunscritos à loucura. Assim o que pretendemos não é somente a mudança no imaginário social da “loucura”, mas desses sujeitos na relação com seu sofrimento, com sua miséria, e também com sua potência. Em 2010/2011, algumas cuidadoras 24 de nossa equipe de segmento tiveram a oportunidade de apresentar trabalhos no Encontro de Cuidadores da Fiocruz. E após ampla discussão entre a equipe acerca dos temas propostos, alguns impasses e desafios foram elencados como prioritários no trabalho junto aos Serviços Residenciais Terapêuticos, assim como algumas propostas de enfrentamento. Elas salientaram que algumas dificuldades estão mais centradas nos moradores, e remetem-se ao trabalho da equipe na direção de uma vida em sociedade, a partir do incentivo a convivência, a aproximação com os vizinhos e com os recursos da cidade. No avesso da perspectiva anteriormente colocada, as cuidadoras situaram o preconceito, o que aparece como preditor de angústia e ansiedade para as próprias. Expressam estes sentimentos de forma intensa, através de suas falas, onde é possível observarmos os afetos e afetações implícitos: “vê-los sendo tratados como bobos da corte, com deboche, desdém...”. Uma terceira dificuldade, por elas mencionada, diz repeito ao enfrentamento do envelhecimento e seus revezes: catarata e/ou glaucoma, hipertensão, diabetes, Parkinson, entre outras. Diversas situações clínicas, que demandam respostas e recursos, inclusive à própria permanência do morador na casa, uma vez que nossas residências ainda não são de alta complexidade. Possuímos três cuidadores noturnos, que trabalham diariamente, sendo acionados quando necessário. Mantemos essa configuração a partir da aposta de que eles possam Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 62 gerir suas vidas com algum protagonismo, mesmo durante a noite, na ausência dos técnicos. Outro aspecto apresentado é o fato de estarem todo o tempo pensando sobre o trabalho, sobre aquilo que precisa ser feito para ajudá-los a ter uma vida melhor. O que requer a disponibilidade em aprender com eles no dia a dia, constituindose ao mesmo tempo como possibilidade e desafio para o trabalho. A necessidade de lidar com os próprios sentimentos aflorados nas relações com os moradores é evidenciado. Lidar com aquilo que elas supõem se tratar de “pirraças de alguns moradores mais preservados / autônomos”, bem como com as desconfianças advindas das “paranóias” de outros, mostra-se muito difícil. Enfrentam todos os dias inúmeros e constantes desafios dentro da casa (“gênio difícil, crise, implicância entre eles, quando resolvem beber, dificuldades nos cuidados com higiene”) e fora dela (“preconceito, dificuldade de inserção na vida social, cultural e de lazer, e em barrar a exploração de determinadas pessoas”). Os impasses não se restringem as relações entre as cuidadoras e os moradores, e circundam a própria relação entre elas, por meio das “desavenças e picuinhas” que se instalam, ou no lidar com os próprios limites. Daí a busca por um contorno que as proteja do envolvimento emocional, a distância necessária à composição saudável do trabalho e a preservação da própria saúde física e mental. As cuidadoras ainda verbalizam acerca da postura adequada ao trabalho nas residências – ressaltando a compreensão de que a casa é dos moradores e não dos profissionais e que “não é possível ficar ou agir de qualquer jeito nela”. Essa premência de um lugar a ser construído junto aos moradores, na casa, que não mais aquele ocupado na instituição psiquiátrica, tampouco aquele do familiar, diz ao mesmo tempo de um impasse e de um “antídoto” à reserva, aqui essencial. No âmbito institucional, o aspecto mais pronunciado foi a fragilidade nos vínculos trabalhistas. O que parece determinar um “prazo de validade” à equipe, principalmente as acompanhantes terapêuticas25. Também apontaram a necessidade de reconhecimento pelo trabalho que realizam. Os recursos sugeridos por elas, para lidar com as dificuldades apresentadas, puderam ser sintetizados da seguinte maneira: na esfera da relação entre o profissional e morador: “lidar com o fato de sermos profissionais e não familiares, lidar com eles não como nossos filhos ou crianças, e sim como pessoas já adultas e responsáveis por seus atos”, de acordo com seus limites e possibilidades, 63 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial contribuindo no resgate da autonomia, a partir dos pequenos gestos cotidianos e de acordo com a especificidade clínica. No que tange a equipe, pedir ajuda quando não souber o que fazer (a outras cuidadoras, as Ats, coordenação do serviço); ajudar aquela que não sabe, porém sem fazer por ela; realizar um trabalho integrado; dividir e compartilhar as responsabilidades. Por fim, de modo geral, “manter-se calma” diante das dificuldades que aparecem. No aspecto político-institucional, requerem a promoção de uma política de recursos humanos, com salários condizentes com as funções realizadas e a carga horária trabalhada, valorização do cuidador em saúde mental, através do reconhecimento legal da profissão e da aproximação do gestor daqueles que estão no dia-a-dia do trabalho, e escuta de suas reivindicações. Por fim, toda a especificidade do trabalho nos SRTs convoca os profissionais da equipe de segmento a refletir diariamente suas práticas e criar estratégias de enfrentamento dos impasses e desafios que permeiam o campo de atuação. Frente a estes obstáculos, muitas vezes da ordem do imprevisível, senão do improvável, a condução do trabalho procura não perder de vista o manejo singularizado e contextualizado, a flexibilidade e a co-responsabilização. Remetendo-nos a Spinoza, é fundamental resgatar os “encontros alegres”, ou seja, aqueles que aumentam a potência de existir, inclusive das relações. De outro modo, o viés clínico-político deve ser a bússola orientadora das ações e intervenções, e o compartilhamento a ferramenta e força motriz a impulsionar o projeto, assegurando a ele sua qualidade e seu caráter de inventividade. Notas 1 Psicóloga, ex-AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector Psicóloga, ex-AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector 3 Psicóloga, Diretora do CAPS Clarice Lispector 4 Psicóloga, Coordenadora Técnica do CAPS Clarice Lispector 5 Psicóloga, AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector 6 Psicóloga, Especialista em Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, Coordenadora da Desinstitucionalização do Caps Clarice Lispector 7 Muito embora as Portarias denominem os SRTs como sinônimo de Residências Terapêuticas /RTs, ampliamos, para fins da clínica, essa denominação utilizandoa tb para as Moradias Assistidas, fossem elas oriundas da desinsinstitucionalização ou de alta vulnerabilidade. Voltaremos a essa questão a posteriori. 2 Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de Cássia Ferreira Silverio 64 8 Teoricamente, pois na prática cotidiana temos visto que existe certa fluidez nessa lógica, de modo que, muitas vezes temos em moradias assistidas, moradores com menor autonomia, mas que por diversas outras razões requerem essa modalidade de cuidado. O mesmo pode ser dito no que tange as RTs, onde podemos encontrar pessoas com importante grau de autonomia, especialmente tomando-se essa avaliação longitudinalmente. 9 Utilizamos no feminino tanto acompanhante terapêutica como cuidadora, uma vez que nossa equipe, até o presente momento, é composta somente por mulheres. 10 Macedo, M; Mira. K; Retchand, M. Pensando o cuidado dentro e fora: a construção do Caps Clarice Lispector in Archivos Contemporâneos, 2007, Rio de Janeiro: Instituto Municipal Nise da Silveira . 11 “Therapeutike palavra grega que significa eu curo. Terapêutica – parte essencial da clínica que estuda e põe em pratica os meios adequados para curar, reabilitar, aliviar o sofrimento e prevenir possíveis danos em pessoas vulneráveis ou doentes. Não se trata, portanto, de uma mera preocupação humanizadora, mas de uma técnica que qualifique o trabalho”. 12 O conceito de território é proposto por Milton Santos, como um espaço em permanente construção produto de uma dinâmica social; é o conjunto de referências sócio-culturais e econômicas que desenham a inserção no mundo do sujeito. 13 CAPS III – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população acima de 200.000 habitantes, constituindo-se em serviço de atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana. Com acolhimento noturno para no máximo 5 leitos. (Portaria n.º 336/GM Em 19 de fevereiro de 2002). 14 Entende-se que não necessariamente a atenção a crise envolva acolhimento e/ou internação, outros recursos podem ser acionados, a clínica será soberana, assim como a posição de cada sujeito nessa orientação, que deve ser contextual e temporalmente localizada. 15 Tomamos cuidado aqui, em sentido amplo e complexo, entendendo que o morar para a clientela psicótica com longos anos de internação e/ou em vulnerabilidade familiar e social, envolve amplos aspectos do cuidar que transitam entre as (im)possibilidades de estar em diferentes espaços; de se reconhecer como sujeitos de direitos e deveres nesses novos espaços; de realizar ou não atividades perdidas no tempo-espaço de suas vidas e outras criadas de acordo com as novas necessidades e desejos; na premência de novos contatos relacionais e novas formas de se relacionar com o mundo e com a sua própria existência, assim como a retomada de antigos e importantes contatos; nas inventivas formas de permitir contratualidade, entre outras. De maneira singular e, portanto, de acordo com os limites e possibilidades de cada um. Deste modo, tomamos cuidar não no sentido circunscrito do tratamento, mas na garantia de que a vida aconteça com o mínimo de dignidade e troca. E cada vez mais, com menos interferência técnica. 18 A partir da inseparabilidade entre clínica e política, não podemos deixar de considerar, no entanto, os inúmeros atravessamentos político-institucionais que acompanham esse trabalho e que de fato ainda não garantem as bases sólidas necessárias a sua sustentação como, reconhecimento, adequação salarial. O que acaba gerando instabilidade no trabalho, pois se trata de um fazer bastante intenso que exige demais dos profissionais, mas que não oferece o retorno 65 O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico de base territorial merecido, almejado e digno a qualquer pessoa que exerça seu trabalho eticamente. 19 Sobre este tema ler FIGUEIREDO, Luiz Cláudio. Presença, Implicação e Reserva in Figueiredo, Luiz Claudio e Coelho Junior, Nelson. Ética e Técnica em Psicanálise, São Paulo: Escuta, 2000. 20 Nos referimos aqui aos conceitos de Campo e Núcleo propostos por Gastão Wagner de Souza Campos em Saúde Paidéia e desenvolvido também por Gustavo Tenório Cunha em sua Tese de Doutorado: GRUPOS BALINT PAIDÉIA: uma contribuição para a co-gestão e a clínica ampliada na Atenção Básica. 21 Criamos também um espaço de encontro com às AT´s, demarcado pela supervisão, mas onde procuramos promover à discussão de textos, artigos, livros. 22 O recurso adotado para lidar com essa “exig~encia” da clínica, foi o banco de horas. 23 Nome fictício 24 Apresentaram trabalhos em 2010 – Cláudia Alves dos Santos e Maria Raimunda Ribeiro da Silva e em 2011- Leila Mara do Espírito Santo e Vera Lucia Oliveira dos Santos. 25 No caso das ats, temos visto que um ano parece ser esse prazo, não só pela política salarial, como também e principalmente, pela prontidão 24h, todos os dias da semana (ainda que em revezamento nos finais de semana), o que tem demonstrado aumentar o desgaste dessas profissionais, bem como o desejo em sair do programa. 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Marcelo Costa Benatto RESUMO O artigo se propõe a uma análise da produção acadêmica em Acompanhamento Terapêutico entre os anos de 1995 e 2013. Foram encontradas como material para análise 57 pesquisas divididas em 49 dissertações de mestrado; sete teses de doutoramento; uma tese de livre docência. O método de estudo utilizado foi o de pesquisa bibliográfica a partir do levantamento de referências publicadas (dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre docência). Foi realizada uma busca por “palavras-chave”, utilizando-se do seguinte procedimento: “acompanhamento + terapêutico” ou “acompanhante + terapêutico” no título, subtítulo ou resumo dos trabalhos. Observou-se um significativo aumento da produção acadêmica refletida nos programas de pós-graduação ao longo da história. A partir desse ponto apontamos relevâncias e datas que marcaram a produção acadêmica em AT. Pretende-se que esse trabalho possa servir de balizador da produção científica brasileira, apontando caminhos e direcionamentos para pesquisas futuras. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento terapêutico, Produção acadêmica, Base de dados. RESUMEN Este artículo propone hacer un análisis de la produccion acadêmica en Acompañamiento Terapéutico entre los años de 1995 y 2013. Han sido encontradas como material para análisis 57 pesquisas divididas en 49 dissertaciones de maestria; siete tesis doctorales; una tesis de libre docência. El método de estudio utilizado ha sido lo de pesquisa bibliográfica desde lo levantamiento de referências publicadas (dissertaciones de maestria; tesis doctorales y tesis de libre docência). Ha sido realizada una busqueda por “palabras-clave”, se utilizando de lo siguiente procedimiento: “acompañamento + terapéutico” o “acompañante + terapéutico” en lo título, subtítulo o resumen de los trabajos. Se ha observado un significativo aumento de la produccion acadêmica refletida en los programas de post-grado a lo largo de la história. A partir de ese punto apontamos relevâncias y datas que enmarcaran la produción acadêmica en AT. Se pretende que ese trabajo pueda servir de balizador de la producion científica brasileña, apuntando caminos y direccionamientos para pesquisas futuras. PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento terapéutico, Produccion acadêmica, Basis de datos. ABSTRACT The article proposes an analysis of the academic literature on Therapeutic Company between the years 1995 to 2013. They were found as material for analysis 57 studies split into 49 master dissertations; seven doctoral theses; one thesis for teaching. The method used was the literature research based on a survey of published references (Masters dissertations, PhD theses and free teaching). "+ Monitor therapeutic" or "therapeutic companion +" in the title, caption or summary of the work: a search for "keywords" was performed, using the following procedure. There was a significant increase in production reflected in academic graduate programs throughout history. From that point we showed relevance and dates that marked the academic production in AT. It is 69 Marcelo Costa Benatto intended that this work can serve as a reference of Brazilian scientific production, pointing paths and directions for future research. KEYWORDS: Therapeutic Company; academic Production; Database. INTRODUÇÃO Esse texto tem por objetivo compreender a produção científica sobre o acompanhamento terapêutico no Brasil desde o seu início até as produções mais atuais. Trata-se de pesquisa em andamento, que visa buscar pesquisas, autores e programas de pós-graduação que estão contribuindo para o incremento do AT no universo científico. Essa busca se deu através de um amplo levantamento em bases de dados de artigos, teses e dissertações, livros e autores que estão contribuindo para a construção e estruturação teórica desta prática clínica, bem como consultando as próprias referências dessas mesmas produções. O intuito do levantamento foi de estabelecer um quadro o mais amplo possível dessa perspectiva. Para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi categorizada a produção científica em acompanhamento terapêutico (AT) no Brasil em dois grupos: 1) Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado/Livre Docência; 2) Artigos publicados em revistas e periódicos científicos. Neste primeiro momento, apresentamos a categorização referente às dissertações de mestrado e teses de doutorado/livre docência em acompanhamento terapêutico (AT) no Brasil de 1995 a 2013. Projetamos um “olhar” para a produção acadêmica em AT pelo seu principal substrato (dissertações e teses) partindo da hipótese que há um aumento significativo da inserção do AT na academia, conquistando espaço nas graduações, pósgraduações e em eventos de extensão universitária. Duas vertentes direcionam esse estudo: a necessidade de conhecermos o que já havia sido produzido academicamente e a possível consequência dessa produção para o “fazer” AT, demostrando a preocupação com um arcabouço teórico academicamente reconhecido, mas ainda pouco divulgado. Reconhecemos a necessidade de uma discussão epistemológica sobre o tema, Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 70 mas não será objeto do presente trabalho, abrindo-se essa possibilidade investigativa para futuras pesquisas. Em relação à divulgação desses materiais, nos deparamos com algumas dificuldades nesse percurso, como o fato que, na busca por teses e dissertações apareceram temas diversos que não se referiam ao objeto desse estudo; além disso, o processo de reunião de todo esse material, apesar de algumas tentativas acadêmicas (Simões, 2005; Pitiá & Santos, 2006; Benevides, 2007; Palombini, 2007; Hermann, 2008; Chauí-Berlinck, 2011) e outras profissionais (Biblioteca do AT), ainda não havia logrado êxito em apresentar esse quadro acadêmico de teses e dissertações de forma completa. Mesmo diante de tais adversidades, conseguimos acesso aos trabalhos completos de todas as Teses de Doutoramento (N=7) e Livre Docência (N=1) e 87,7% das Dissertações de Mestrado (N=43); em três dos trabalhos somente foram acessados os resumos e outros três estavam indisponíveis para consulta. Após buscar e analisar todo o material pretendemos apresentar um conjunto de resultados inéditos, oriundos de um levantamento amplo do que produz, no contexto brasileiro, em termos de pesquisas e reflexões sobre o AT em nível stricto sensu1. Além disso, destacamos a relevância do presente trabalho, visto que os dados encontrados e analisados nessa “viagem” pela história do acompanhamento terapêutico no Brasil possibilitarão observar a inserção do AT na academia e balizar os profissionais e pesquisadores, apontando o que foi produzido e se destacou nesse processo além de servir de base para outros – tão importantes quanto – que apontem influências teóricas/filosóficas e promovam a demarcação de períodos ao longo da história. Antes de apresentar e analisar os dados/resultados da pesquisa, julgamos necessário discorrer sobre os procedimentos utilizados para busca da produção acadêmica e de que forma foi compilada e analisada. Método O método de estudo utilizado foi o de revisão sistemática a partir do levantamento de referências publicadas (dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre docência) no período que compreende os anos de 1995– que representa o ponto de partida dessa pesquisa em virtude da primeira dissertação de mestrado em AT defendida neste ano – a 2013, representando o 71 Marcelo Costa Benatto corte mais atual possível, por ser o último ano completo até a consecução da presente pesquisa. Foi realizada uma busca por “palavras-chave”, utilizando-se do seguinte procedimento: “acompanhamento + terapêutico” ou “acompanhante + terapêutico” no título, subtítulo ou resumo dos trabalhos. Também foram lidos e analisados os títulos e resumos dos trabalhos que apresentaram as palavras “acompanhante terapêutico” e “acompanhamento terapêutico” juntas, visto que somente as combinações de palavras, ou a junção das duas, não apresentou a totalidade de produções da área. O método de busca de materiais científicos incluiu a leitura de todos os títulos, subtítulos e resumos encontrados. Os materiais foram buscados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) no site www.bireme.br, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – através de seu site localizado em http://bdtd.ibict.br/– e no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no endereço eletrônico http://www.capes.gov.br/servicos/banco-deteses. Posteriormente, foi efetuada a verificação dos currículos Lattes dos pesquisadores e orientadores das pesquisas selecionadas, para saber se participaram em alguma outra pesquisa da área de AT e que ainda não tenha sido encontrada nas buscas anteriores. E, por último, foi feita a revisão das referências bibliográficas de toda a produção encontrada. Os critérios para inclusão de materiais na pesquisa foram: a) materiais caracterizados no formato de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência em AT; b) publicações nacionais, ou ainda, de autores estrangeiros desde que a pesquisa tenha sido desenvolvida em Universidade/Faculdades nacionais, tendo em vista que esse estudo objetivou traçar um panorama da produção acadêmica nacional apontando quais instituições, pesquisadores e orientadores estão envolvidos nesse processo. Apresentação, Análise e Discussão dos dados. A análise foca o fortalecimento do AT na academia brasileira, pois desde o primeiro artigo publicado no Brasil (Eggers, 1985) e a primeira dissertação de mestrado (Reis Neto, 1995), decorreu uma década sem que tenham sido desenvolvidos estudos stricto sensu, ao passo que, entre 1995 até 2013 observamos aumento de uma produção que vem se consolidando enquanto área Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 72 do saber, o que supõe uma maior preocupação com fundamentação e pesquisa referente ao campo. O acompanhamento terapêutico foi introduzido no Brasil sob a denominação de “atendente psiquiátrico”, na Clínica Pinel em Porto Alegre, nos anos 60 e 70 (Berger, Moretin & Braga Neto, 1991). Posteriormente foram encontrados registros de uma segunda experiência no final da década de 60, no Rio de Janeiro, na Clínica Villa Pinheiros, sob a denominação de Auxiliar Psiquiátrico, com forte embasamento psicanalítico. Nessa mudança de nomenclatura – passando de atendente psiquiátrico a auxiliar psiquiátrico – as funções deste profissional mantiveram-se inalteradas, assim como o foco de atendimento, visto que a Clínica de Porto Alegre (primeira experiência) serviu de base de Inspiração para a clínica do Rio de Janeiro (segunda experiência) (Reis Neto, 1995). A terceira experiência de Acompanhamento Terapêutico no Brasil ocorre no final da década de 70 no Instituto A CASA, na cidade de São Paulo. Neste local, que funcionava inicialmente como Hospital Dia, surge a denominação de “amigo qualificado”. Somente após todas essas mudanças de terminologia é que se consolida, no final dos anos 80, a denominação atual de “acompanhamento terapêutico”, como um recurso que vem sendo amplamente utilizado pelos profissionais de saúde no tratamento aos doentes mentais (Simões, 2005). O diferencial desse profissional era apresentar um “olhar” diferenciado da loucura, um compartilhar, “estar com” o louco. Algumas datas são importantes de serem mencionadas como, por exemplo, o ano de 1985, em virtude do primeiro escrito científico brasileiro, intitulado: “Acompanhamento terapêutico: um recurso técnico em psicoterapia de pacientes críticos” (Eggers, 1985), fruto do trabalho de conclusão do curso de especialização em psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em junho de 1984. Os primeiros escritos utilizando a terminologia “acompanhamento terapêutico” ocorrem na Argentina, na clínica do Dr. Eduardo Kalina, conhecida por CETAMP – Centro de Estudos e Abordagem Múltipla em Psiquiatria. Também nesta clínica, em 1985, surge o primeiro livro publicado sobre o tema intitulado Acompañantes Terapéuticos y pacientes psicóticos, escrito pelas psicólogas Susana Kuras de Mauer e Silvia Resnizky. Segundo Marinho (2009), 73 Marcelo Costa Benatto esta obra consiste em um manual introdutório e sistematizador do acompanhamento terapêutico e foi traduzido no Brasil dois anos depois (Mauer & Resnizky, 1987). No ano de 1989, ocorre o primeiro encontro paulista de ats, e como fruto desse encontro é publicado em 1991, o primeiro livro brasileiro sobre AT intitulado A rua como espaço clínico. Acompanhamento terapêutico. Este livro é composto de diversos artigos sobre o tema e foi promovido pelo Instituto A CASA, de São Paulo (Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A Casa, 1991). Seguindo nosso percurso histórico, apontamos que nos anos de 1995 e 2002 foram defendidas a primeira dissertação de mestrado e a primeira tese de doutorado em AT. A pesquisa Acompanhamento Terapêutico: Emergência e trajetória histórica de uma prática em saúde mental no Rio de Janeiro foi desenvolvida no mestrado em psicologia clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Reis Neto, 1995) e o primeiro doutoramento foi defendido na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, sob o título Acompanhamento terapêutico com enfoque da psicoterapia corporal: uma clínica em construção (Pitiá, 2002). Destacamos que partindo da dissertação de 1995 até o ano de 2013 (com exceção dos anos de 1998, 2000 e 2001), em todos os outros anos houve algum tipo de produção stricto sensu sobre o tema, apontando que, além de conquistar um espaço na academia, segue a sua expansão científica no cenário nacional. Notamos que algumas edições especiais de revistas científicas publicaram números apenas com a temática do Acompanhamento Terapêutico, a saber: a revista Pulsional – Revista de Psicanálise, em 2002; a Estilos da Clínica (publicação do Instituto de Psicologia da USP), em 2005; e a revista Psychê (do Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise da Universidade São Marcos), no ano de 2006. O que todos esses periódicos compartilham é o olhar psicanalítico, sendo que apenas a Pulsional e a Estilos da Clínica continuam ativas (a Psychê está desativada desde 2008). Outra revista – Psicologia & Sociedade – também publicou em 2013 um número especial da revista para a temática AT, seis anos após a realização do III Congresso Internacional de Acompanhamento Terapêutico realizado em Porto Alegre, em outubro de 2008, que teve como tema, Multiversas cidades, andanças caleidoscópicas, tessituras de redes. Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 74 No segundo semestre do ano de 2012, ocorre o lançamento da primeira revista científica especificamente sobre o tema, intitulada ATravessar, organizada pela AAT (Associação de Acompanhamento Terapêutico). Esse dado representa uma evolução na fonte de publicação da produção científica sobre o acompanhamento terapêutico no Brasil e merece ser avaliada positivamente, visto que proporcionou a possibilidade de centralização da produção científica sobre AT no Brasil. Ainda em 2012, enfatizamos que foi publicada a única tese de livre docência sobre AT, em pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e intitulada Perspectivas fenomenológicas em atendimentos clínicos: humanologia (Antúnez, 2012). Após a breve apresentação do percurso histórico do AT com o apontamento de destaques e relevâncias nesse período, percebemos que esses acontecimentos têm um reflexo direto na produção acadêmica e científica sobre AT no Brasil. Ressaltamos inicialmente que a sua estruturação é recente, com a primeira obra tendo sido publicada há pouco menos de três décadas, mas conforme abordaremos a seguir, a produção acadêmica vem aumentando ano a ano, com expansão para diversas Universidades e programas de pós graduação. Delimitação do campo: Um olhar para as pesquisas e programas de pósgraduação. Nosso levantamento abrange 57 produções acadêmicas divididas em sete teses de doutorado, uma de livre docência e 49 dissertações de mestrado, todas defendidas em Universidades/Faculdades nacionais no período compreendido entre 1995 e 2013. Do total de pesquisas, a grande maioria delas – 40 trabalhos – apresentavam as palavras acompanhamento + terapêutico no título ou subtítulo dos trabalhos; em seis deles apareceram a combinação acompanhante(s)+terapêutico(s), e nas demais onze produções acadêmicas não constavam essas combinações em seus títulos ou subtítulos, embora estivessem presentes nos resumos dos referidos trabalhos. A única pesquisa que não atendeu aos critérios de seleção estabelecidos nesse estudo, mas que ainda assim foi incluída foi a dissertação de mestrado intitulada O acontecer na clínica: quando o criar resiste ao cotidiano, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Londero, 2011), pois 75 Marcelo Costa Benatto em sua pesquisa o autor trabalha com o AT como clínica, e busca problematizála, para saber o que ela pode fazer enquanto prática que resiste a uma sociedade capitalista que repele de si o que sai fora de suas normatizações tentando controlar o inesperado. Dessa forma, decidimos mantê-la na amostra, por entendermos que há contribuição direta para a produção acadêmica da área. Marinho (2009) destaca que a teoria e prática do AT tem-se difundido rapidamente, com aumento significativo da produção bibliográfica e científica sobre o tema. A seguir visualizamos as pesquisas separadas ano a ano no Gráfico 1. Essa visualização nos permite observar o crescimento da produção acadêmica que o AT vem alcançando ao longo de sua história no Brasil. Destacamos que mesmo reconhecendo a diferença que existe entre as dissertações de mestrado e teses de doutorado/livre docência, principalmente no quesito rigor metodológico da pesquisa, ambas serão analisadas pelo seu conjunto, unindo esses escritos em uma mesma categoria (pesquisas stricto sensu). Decidimos mantê-las unidas em virtude de não termos encontrado variações significativas nos resultados que justificasse a separação, e também pelo número baixo de teses de doutorado/livre docência (N=8). Ressaltamos que nenhum dos autores que desenvolveu pesquisa de doutoramento em AT teve esse tema para pesquisa no mestrado. Gráfico 1: Ano de Defesa das produções acadêmicas em AT (Dissertações Quantidade de produções científicas de mestrado, doutorado e livre docência de mestrado e Teses de doutorado e Livre Docência Ano Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 76 Conforme apontado no Gráfico 1, não observamos uma ascendência uniforme nas publicações, no entanto ressaltamos que a partir de 2002 até 2013 houve 52 defesas, representando 91,2% do total de publicações nessa categoria, ou seja, esse dado por si só já nos permite concluir que o AT vem ganhando força nas pesquisas em academias brasileiras, e ainda demarca dois períodos distintos no quesito defesa de pesquisas stricto sensu, quais sejam: década de 90 (de 1995 a 2000) e século XXI (2001 a 2013). Mesmo entendendo que esses dois períodos não são uniformes entre si, sua separação justifica-se em virtude do viés quantitativo de defesas observados em cada um dos dois períodos, visto que no segundo deles se produziu mais de nove vezes o que se produziu no primeiro. Ainda em relação aos dados expostos no Gráfico 1, destacamos que houve publicações ano a ano com exceção dos anos de 1998, 2000 e 2001, tendo sido registrado em 2011 o ápice de publicações, com a defesa de nove pesquisas (oito dissertações de mestrado acadêmico e uma tese de doutorado), seguido por oito publicações em 2012 (sete dissertações de mestrado acadêmico e uma tese de livre docência) e seis dissertações de mestrado acadêmico em 2005. Percebemos que quase metade (40,3%) das defesas de teses e dissertações ocorreram nesses três anos supracitados (2005, 2008 e 2011). Esse dado nos coloca uma questão: o que ocorreu nesses anos que fomentou a publicação de tantas pesquisas? Não conseguimos responder essa questão, que fica aberta para futuras investigações. Atualmente podemos observar que o número de pesquisadores envolvidos com o AT vem aumentando nas IES. Sendo assim, cresce a demanda por titulações, o que nos faz supor que nos próximos anos iremos nos deparar com aumento de produções acadêmicas (tanto de mestrados quanto de doutorados). Esse dado pode ser observado no Gráfico 1, pois 35% das pesquisas stricto sensu foram defendidas no último triênio (2011, 2012 e 2013) e percebemos que ocorre um ápice de defesas em dois destes anos (2011 e 2012), apontando um crescimento para os próximos anos. Em relação às Universidades/Faculdades e programas de pós-graduação que desenvolveram as pesquisas em AT no Brasil, percebemos que esses dados 77 Marcelo Costa Benatto podem indicar as possibilidades e a diversidade de programas aos quais um profissional pode se filiar. Tabela 1: Universidades que promoveram pesquisas strictu sensu em AT Universidade Número de Pesquisas Strictu sensu Universidade de São Paulo 17 Pontifícia Universidade 9 Católica de São Paulo Universidade Federal do 6 Rio Grande do Sul Universidade de Brasília 4 Universidade Estadual 4 Paulista Universidade Federal 3 Fluminense Universidade Federal de 2 Uberlândia Universidade Federal de 1 Minas Gerais Universidade Federal do 1 Ceará Universidade Federal do 1 Espírito Santo Universidade Federal São 1 Carlos; Universidade Estadual de 1 Campinas Universidade do Estado do 1 Rio de Janeiro Universidade Guarulhos 1 Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 78 Pontifícia Universidade 1 Católica do Rio Grande do Sul Pontifícia Universidade 1 Católica do Rio de Janeiro Universidade Católica de 1 Pernambuco Universidade Metodista de 1 São Paulo Faculdade Pequeno 1 Príncipe A Universidade de São Paulo foi a que mais desenvolveu pesquisas sobre o tema com 11 pesquisas de mestrado acadêmico, cinco doutoramentos e uma tese de livre docência. Em seguida estão a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com oito pesquisas de mestrado e um doutoramento; a Universidade Federal do Rio Grande do Sul com seis dissertações; a Universidade de Brasília e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” com quatro dissertações cada; a Universidade Federal Fluminense com três dissertações e a Universidade Federal de Uberlândia com duas dissertações. Todas as demais Universidades desenvolveram um estudo cada uma (Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal do Espírito Santo; Universidade Federal São Carlos; Universidade Estadual de Campinas; Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Guarulhos; Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Universidade Católica de Pernambuco; Universidade Metodista de São Paulo; e Faculdade Pequeno Príncipe/Paraná). No que se refere à caracterização das IES destacamos que as pesquisas foram desenvolvidas em 19 instituições, e ocorre uma predominância de estudos (12 ao todo) nas Universidades públicas de ensino, nas quais foram produzidas 42 pesquisas representando 73,6% do total. Nas Instituições de Ensino Superior (IES) da rede particular (sete ao todo), ocorreram 15 pesquisas. Segundo Holanda e Karwowski (2004) existe via de regra uma maior qualificação dos 79 Marcelo Costa Benatto profissionais para pesquisa na rede pública de ensino, o que pode justificar a predominância de pesquisas em AT nessa modalidade. Historicamente, o estado de São Paulo apresenta dominância no que se refere à produção teórica e prática em AT. Ao recordarmos os eixos de concentração do AT no país logo no seu início, percebemos que São Paulo fazia parte desse tripé, assim como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O primeiro encontro brasileiro sobre AT ocorreu no estado de São Paulo, além da publicação do primeiro livro sobre o tema do Instituto A CASA em 1991 e o maior número de profissionais acompanhantes terapêuticos, segundo Carvalho (2002) que apontou esse dado em sua pesquisa de mestrado que propunha caracterizar o AT a partir dos Acompanhantes Terapêuticos via questionário entregue aos participantes do 1º Encontro Nacional de Acompanhantes Terapêuticos, realizado em maio de 2001. A região sudeste do País apresenta dominância nas publicações stricto sensu com 43 trabalhos defendidos em 13 Universidades, representando 75,4% do total de publicações. Em seguida encontramos a Região Sul com oito pesquisas, em duas Universidades e uma Faculdade; Região Centro-Oeste com quatro pesquisas em uma Universidade e a Região Nordeste, com duas pesquisas em duas Universidades. Não houve registro de produções na Região Norte. No que se refere à disposição geográfica, o estado de São Paulo mantém hegemonia em relação aos outros estados brasileiros e conta com 34 pesquisas defendidas em sete universidades, representando 59,6% do total de pesquisas desenvolvidas, ou seja, mais da metade delas foram desenvolvidas em um único Estado. Em seguida encontramos o Rio Grande do Sul com sete pesquisas, em duas Universidades; Rio de Janeiro, com cinco pesquisas em três Universidades; Distrito Federal com quatro pesquisas em uma Universidade; Minas Gerais com três pesquisas em duas Universidades; Espírito Santo com um estudo em uma Universidade; Pernambuco com um estudo em uma Universidade; Ceará com um estudo em uma Universidade; e Paraná com um estudo em uma Faculdade. Ao todo, foram listadas 19 Instituições de Ensino Superior (IES) responsáveis pelo desenvolvimento de 57 estudos com predominância de pesquisas desenvolvidas no Eixo São Paulo-Rio Grande do Sul-Rio de Janeiro, que pode ser justificado pelo seu retrospecto histórico, ou seja, é exatamente Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 80 nesses três estados que surgem as primeiras experiências de AT, e pela tradição mais arraigada, é de se esperar que liderem as pesquisas na área. Porém, os resultados dessa pesquisa apontam um caminho promissor no que se refere à difusão do AT para outras Universidades distantes desse eixo (sete ao todo), que atualmente mesmo com uma participação singela, apontam potencial de crescimento para assim diminuir a hegemonia apresentada. De acordo com Carvalho (2002), a maioria dos acompanhantes terapêuticos tem a formação em psicologia e esse dado nos remete ao próximo aspecto de nossa análise. A pós-graduação em psicologia apresenta dominância nas pesquisas stricto sensu, tendo desenvolvido 44 estudos (39 dissertações de mestrado, quatro teses de doutorado e uma tese de livre docência), seguidos por seis estudos em enfermagem (quatro dissertações de mestrado e dois doutoramentos); um doutoramento em medicina social, e uma dissertação em cada uma das pós-graduações que seguem: educação; história, artes visuais, biotecnologia aplicada a saúde da criança e do adolescente e ciências médicas. Pitiá (2002) aponta que o AT pode ser referenciado teoricamente por múltiplos olhares, assim como Carvalho (2002), que cita o embasamento teórico das equipes de AT em uma dada abordagem psicológica, mas que nenhuma delas consegue abarcar a multidimensionalidade do AT. Mesmo com apontamentos na literatura científica de que é importante produzir conhecimento em outras áreas da ciência, percebemos dominância absoluta das pesquisas na área da psicologia, com 77,1% do total. Portanto, mesmo o AT, em tese, carregar um status multidisciplinar, o desenvolvimento de suas pesquisas não são, visto que pouco mais de ¾ delas estão concentradas em apenas uma área do conhecimento – a psicologia. Esse dado nos remete a alguns questionamentos, pois a literatura nos aponta que a “clínica do AT” é atravessada por múltiplos saberes, e apesar disso é “olhada” principalmente sob a perspectiva da psicologia, na maioria dos casos. Sendo assim, nos perguntamos porque outras áreas do saber não apresentam relevância em pesquisas sobre o tema? Ou ainda, será que o tema AT já está esgotado em outras áreas do saber que não demanda pesquisas científicas para tentar responder questionamentos? Pela observação dos dados e análise da literatura respondemos essas questões da seguinte forma: primeiramente, existe relevância no tema em outras 81 Marcelo Costa Benatto áreas do saber, como a terapia ocupacional, sociologia, antropologia, direito, entre outras, e ainda percebemos demanda de produção científica; porém, a tradição do AT nos remete ao trabalho com pacientes psicóticos, nos preceitos da reforma psiquiátrica e com foco clínico. Mas essa realidade está em constante mudança. Segundo Chauí-Berlinck (2011) alguns temas são recorrentes na literatura sobre AT até a atualidade e não foram esgotados. Em primeiro lugar, aparecem as obras que servem de referencial teórico para o AT com predomínio do referencial psicanalítico. Em segundo lugar surgem discussões sobre a evolução do perfil do paciente atendido pelo acompanhante terapêutico, assim como o “lugar do acompanhante terapêutico” que engloba a “rua” e a “circulação” articuladas à problemática dessa clínica. Em terceiro, surge a formação do acompanhante terapêutico, suas problemáticas e o caráter interdisciplinar dessa prática. Apesar da recorrência de temas na literatura, notamos pesquisas em outras áreas do saber como em ciências médicas (Simões, 2005), medicina social (Palombini, 2007), educação (Araújo, 1999), história (Peixoto, 2009), artes visuais (Belloc, 2005) e biotecnologia (Iamin, 2011) que se fazem presentes na atualidade e que apontam para a ampliação desse campo, pois a pesquisa científica nasce de um questionamento e este leva a muitos outros que demandam novas pesquisas para respondê-los. Outro dado relevante apontado em nosso estudo refere-se aos orientadores de pesquisas de mestrado/doutorado. Observamos que 47 pesquisadores foram responsáveis em orientar 56 pesquisas (doutorado e mestrado). O professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Andrés Eduardo Aguirre Antúnes foi o pesquisador com o maior número de orientações, com quatro trabalhos (Possani, 2010; Ramos, 2011; Gonçalves, 2012; Marchi, 2012). Em seguida está o professor do Programa de PósGraduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Manoel Tosta Berlinck com três orientações (Fráguas, 2003; Deus, 2006; Gerab, 2011). Na sequência, percebemos que três pesquisadores foram responsáveis pela orientação de duas pesquisas cada um: Profa Maria Izabel Tafuri, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (Coelho, 2007; Parra, 2009); Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 82 Prof. Gilberto Safra, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Barretto, 1997; Fujihira, 2008); e Profa. Ana Maria Lofredo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Ghertman, 2009; Santos, 2013). Outros 42 pesquisadores orientaram somente uma pesquisa cada na área de AT. Para encerrar as análises referentes às produções acadêmicas em AT, apontamos os frutos gerados em virtude dos escritos defendidos na modalidade de dissertações ou teses. Das pesquisas de mestrado e doutorado ressaltamos que sete delas foram transformadas em livros, seguindo-se aqui seus títulos: Ética e técnica no acompanhamento terapêutico. As andanças com Dom Quixote e Sancho Pança (Barretto, 1998); Sorrisos Inocentes, Gargalhadas Horripilantes: Intervenções no Acompanhamento Terapêutico (Cauchick, 2001); Acompanhamento Terapêutico: que clinica é esta?(Carvalho, 2004); Um passeio esquizo pelo AT: dos especialismos à política de amizade (Araujo, 2006); Acompanhamento Terapêutico e Psicose: articulador do real, simbólico e imaginário (Hermann, 2012); Caminhos do Acompanhamento Terapêutico: os novos Andarilhos do bem (Chaui-Berlinck, 2012); e Acompanhamento Terapêutico: a clínica do acontecimento (Possani, 2012). Esse dado interessa-nos, pois a divulgação dos trabalhos acadêmicos gera maior acessibilidade de dados que podem ser muito proveitosos para os agentes da prática (acompanhantes terapêuticos). Entendemos que em alguns casos, existe relativa dificuldade de acesso a materiais que ficam restritos às academias, contrariando a lógica da ciência. A produção acadêmica não deve circular somente entre os pares e pesquisadores, mas sim, entre todos aqueles que possam fazer uso e se beneficiar dos resultados dos estudos. Além disso, “(...) o lugar ocupado pelo acompanhante terapêutico é o lugar da dúvida, da incerteza, do risco seja porque não há um saber teórico ou um conjunto de regras que determinem sua prática, seja porque deliberadamente optam pela recusa dessas determinações e aceitam o inesperado e o inusitado” (Chaui-Berlinck, 2011 p. 134). Para além das fronteiras da Pós-Graduação Macedo (2011) apontou um aumento crescente no número de pesquisas em AT e ao longo do texto nos preocupamos em destacar os avanços 83 Marcelo Costa Benatto conquistados na academia no que tange às dissertações de mestrado e teses de doutorado/livre docência. De acordo com a análise dos resultados, percebemos que as raízes do AT na universidade ultrapassaram o campo das pesquisas de mestrado e doutorado, atingindo as extensões e estágios universitários. Como consequência imediata dessa expansão, ressaltamos o espaço das discussões acadêmicas, que são fomentadas pela disseminação desse saber prático. Para ilustrar a disseminação do AT na universidade nos valemos da iniciativa da Profa. Analice Palombini que arquitetou um evento acadêmico em 2005 e 2006 intitulado Colóquio em Dois Movimentos: de Porto Alegre a Niterói – Acompanhamento Terapêutico e Políticas Públicas de Saúde. O evento ocorreu em outubro (Porto Alegre) e janeiro (Niterói) fruto da parceria entre a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tendo como elo o envolvimento das universidades em Projetos de Acompanhamento Terapêutico, abrangendo ensino, extensão e pesquisa no campo da Psicologia articulados com a rede pública em saúde mental (Benevides, 2007). As discussões na universidade fomentam a produção científica, assim como críticas e questionamentos em relação ao que está sendo produzido, permitindo lançar um olhar obrigatoriamente crítico para as teorias que estão se consolidando, pois a academia é o “lugar” da ciência e a ciência é o lugar do questionamento. Bezerra & Dimestein (2009) apontam que o arcabouço teórico que serve de base para a clínica do AT encontra-se em fase de plena expansão no Brasil. O acompanhamento terapêutico tem se diversificado ao longo dos anos, seja na evolução de sua terminologia, modo de operação, preceitos teóricos, aumento de produção e de intensidade científica, nos locais de sua prática e dos profissionais envoltos ou principalmente pelos resultados obtidos que justificam o crescimento e ampliação de sua prática. Reconhecemos a ousadia desse estudo que busca abarcar a totalidade de produções científicas em uma área do conhecimento. As dificuldades surgem principalmente pelo crescimento que essa área do conhecimento vem se deparando e com o advento das mídias digitais que prolifera de forma acelerada as publicações. Mas essa proposta pode servir de ponto de partida para que novas pesquisas surjam com o intuito de ampliar os dados e aprofundar em Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 84 alguns temas que não foram debatidos, pois extrapolam os limites traçados para essa pesquisa. Tendo por base os dados apresentados, assim como as limitações e recortes dessa pesquisa, nesse momento focamos nosso olhar aos dados que não foram apresentados e lançamos alguns questionamentos que poderão servir de ponto de partida para pesquisas futuras. Apesar do estudo englobar todo o âmbito nacional, muitos estados não participaram desse processo de construção teórica do AT, levantando a hipótese do AT não ser realizado nem discutido em toda a amplitude nacional. De acordo com os dados apresentados observamos pesquisas em universidades de nove estados brasileiros. O que aconteceu com os demais estados sem produção acadêmica? Será que o AT não chegou até esses estados, ou se chegou, será que não gerou questionamento? Não motivou pesquisas acadêmicas? Dentre as possíveis respostas, uma que parece óbvia reflete a tradicional concentração das produções em estados de maior poder econômico. As pesquisas de educação caminham na mesma direção, porém, tal resposta pode ser entendida como hipótese a ser confirmada ou refutada em pesquisas futuras. Todavia, esses dados se revestem de importância pelo fato que as políticas públicas são propostas e implementadas em âmbito nacional, mas nem sempre são acompanhadas de reflexões sobre essas proposições e suas implementações, nem mesmo sobre as formações profissionais atreladas a esses fazeres. Considerações Finais Essa pesquisa não objetiva oferecer conclusões fechadas, mas aponta para algumas direções importantes no que se refere à produção acadêmica em AT no Brasil: em primeiro lugar, os dados indicam hegemonia de pesquisas defendidas no estado de São Paulo, porém, num cenário animador, percebemos a difusão das pesquisas para outros estados brasileiros como os tradicionais Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Ceará e Pernambuco. 85 Marcelo Costa Benatto Um segundo aspecto importante de ser ressaltado é o aumento no número de pesquisas de mestrado/doutorado ao longo de sua história, demarcando três períodos distintos (década de 80, década de 90 e século XXI). Conforme apontamos no retrospecto histórico, o AT nasce como prática e assim permanece durante toda a década de 80, sem que tenha havido nenhuma pesquisa (mestrado ou doutorado) nesse período. Na década de 90 o AT permanece com seu estatuto eminentemente prático, porém, surgem algumas pesquisas para embasar teoricamente essa prática, ou ainda, para pensá-la com o objetivo de oferecer-lhe um estatuto teórico mais preciso. As pesquisas dessa década se propõe a apontar a emergência e trajetória do AT no Rio de Janeiro (Reis Neto, 1995), discutir, problematizar e pensar o AT com pacientes psicóticos (Sereno, 1996), suas intervenções, o seu estatuto clínico (Cauchik, 1999), a importância da ética nessa modalidade de atendimento (Barretto, 1997), e a sua importância no processo de desinstitucionalização hospitalar (Araújo, 1999). Como as pesquisas são apresentadas a posteriori do fazer prático, é de se esperar que haja um aumento e pulverização destas, tendo em vista sua importância para qualquer universo prático. Com isso, a partir dos anos 2000 foram desenvolvidas 44 dissertações de mestrado, além de sete teses de doutoramento e uma tese de livre docência, mostrando uma preocupação do universo acadêmico (pesquisadores) e de profissionais (acompanhantes terapêuticos) com a crescente expansão dessa clínica originária dos preceitos da política de saúde mental vigente no país – reforma psiquiátrica. Outro aspecto que convém destacar é a necessidade de ampliarmos a divulgação da produção acadêmica sobre o AT no Brasil. Assim sendo, conseguiremos levar essas discussões para que outros estados brasileiros que ainda mantém-se inativos na contribuição acadêmica para essa prática clínica. Notas 1 As pós-graduações stricto sensu compreendem programas de mestrado e doutorado abertos a candidatos diplomados em cursos superiores de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino e ao edital de seleção dos alunos (Art. 44, III, Lei nº 9.394/1996). 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Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013. 92 OS DESAFIOS INERENTES A PRÁTICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERFACE DAS QUEIXAS FAMILIARES LOS DESAFÍOS INHERENTES A LA PRÁCTICA DEL ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICO EN INTERFAZ DE QUEJAS DE LA FAMILIA THE CHALLENGES THAT COME WITH THERAPEUTIC ACCOMPANIMENT (TA) ON INTERFACING WITH FAMILY COMPLAINS. Andrea Cristina Morganti1 Natália De Paula Vidal2 Valéria Lisondo3 RESUMO Este trabalho visa disparar uma discussão a partir de um caso clínico, levantando qual o escopo e as estratégias consideradas para a evolução do AT. Os pontos de enfoque serão os desafios encarados para sustentar um trabalho que atenda ao acompanhado na interface da articulação com seus familiares-contratantes. Estes expressam queixas individuais em relação ao atendido, sobrepondo, muitas vezes, as necessidades deles mesmos serem cuidados em suas problemáticas na relação com o paciente. Traçamos a evolução de um trabalho delicado, posto em ameaça de interrupção no momento em que a autonomia do paciente vai abrindo passagens e fluxo para novas possibilidades de circulação. Como construir e manter um contrato que viabilize o AT e inclua a família nessa aposta desconhecida? Como preservar um programa que atenda o enfoque do paciente sem abandonar a família? Ou ainda, sem entrar num conluio familiar normativo e apaziguador dos ‘transtornos erráticos’ e disruptivos do paciente? Como avaliar a eficácia da técnica terapêutica? Como manter uma estratégia para o acompanhado de abertura e novas formas de se relacionar com o fora sem cor-romper as necessidades da família (na maioria das vezes pouco esclarecidas) que muito incluem ‘adequação social’, e que então, põem em ameaça a continuidade do trabalho do at? PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento terapêutico. Estratégias. Eficácia terapêutica. Queixa familiar. Ameaça do tratamento. RESUMEN El presente trabajo se destina a generar una discusión levantando el escopo y estrategias consideradas para el evolución de un caso de AT. Los puntos enfocados serán los desafíos encarados para sostener a un trabajo que atienda al acompañamiento de la interface de la articulación con sus familiares-contratantes los cuales expresan quejas individuales en relación al atendido, sobreponiéndose muchas veces, a las necesidades de ellos propios ser cuidados por cuenta de sus problemáticas frente a la dificultad de relación con el paciente. Se transcribe la evolución y caminos recorridos de un trabajo delicado, poniéndose en amenaza la interrupción de tratamiento en el momento en que la autonomía del paciente va abriendo pasajes y flujo para nuevas posibilidades de circulación. Cómo evaluarle a la eficacia de la técnica terapéutica (sin la mensuración concreta de un ‘producto’)? Cómo preservarle a un programa que atienda el enfoque del paciente sin abandonarle a la familia, o aun, sin entrar en una confabulación familiar normativo y apaciguador de los ‘trastornos erráticos’ y disruptivos del paciente? Cómo mantener a una estrategia para el acompañado de apertura y nuevas formas de relacionarse con el externo sin corromper las necesidades de la familia (la mayoría de las veces poco esclarecidas) que mucho incluyen ‘adecuación social’, y que por consecuencia, ponen en amenaza la continuidad del trabajo del at? PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento terapéutico. Estrategias. Eficacia terapéutica. Queja familiar. Amenaza del tratamiento. ABSTRAC The challenges that come with Therapeutic Accompaniment (TA) on interfacing with family complains. 93 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo This work aims to start a discussion from a clinical case, raising the scoop and strategy to be consider for TA evolution. The focus would be the challenges faced to sustain a job that will full fill the monitored interface articulation with the hiring family members. Those that express individual complaints with the patient, however, in many cases tends to forget to work on their problems with the patient. We draw the evolution of a delicate work, in which sometimes is in danger of interruption in the moment the patient starts to open passages and flows for new possibilities of circulation. How to build and maintain a contract that will allow TA and would include the family on this unknowable? How to preserve a program that fill the needs of the patient without abandoning the family? On the other hand, without entering in a normative family´s view of the issue? How to evaluate the effectiveness of the therapeutic technique? How to maintain an opening strategy for the care and new forms to relate with the patient without breaking family needs (most of the times, those techniques are not well clarified) which includes social adapted, which in turn affects the continuity of the TA work? KEYWORDS: TherapeuticMonitoring. Threatenthetreatment. Strategies. Therapeuticefficacy. Familycomplains. INTRODUÇÃO O presente trabalho visa tecer algumas considerações acerca dos desafios inerentes à prática do at na interface das queixas familiares, baseados no trabalho de um AT que durou cerca de 7 meses. O caso será a ilustração para discutirmos os principais temas selecionados e determinados como eixos norteadores: a) A questão do Enquadre e de Estratégia no Exercício do AT; b) A noção de família como sistema, e então a família como também protagonista na lida com a queixa e a demanda para a prática do at e; finalmente, c) O AT em face da noção de “eficácia da técnica” de sua prática. Ilustração: Pedro e seu sistema familiar Durante conversa informal com um grupo de amigos sobre o AT, uma garota que escuta a conversa desperta interesse sobre a prática discutida, e até então inédita para ela. Inicia-se aí a descoberta de uma nova possibilidade de tratamento para seu pai, diagnosticado com esquizofrenia não especificada há 10 anos, e que, segundo ela, vivia numa enclausurada paralisia de vida frente a pouca oferta de tratamento e baixo recurso especializado. Algum tempo depois, um novo contato é feito por essa mesma garota na intenção de conhecer melhor as propostas do AT. Marcamos uma entrevista com essa garota e a mãe, respectivamente filha e esposa de Pedro, o suposto paciente. O que mais me chama a atenção neste primeiro contato é a confusão Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 94 das informações sobre a história clínica e pouco conhecimento do quadro de Pedro. Além disso, não tinham muita clareza do diagnóstico (recebido há 10 anos), imprecisão dos medicamentos que P. tomava, e dados objetivos um tanto esburacados. Parecia se tratar de uma história pouco familiar (contrapondo a natureza das relações). Erica, a filha, discursava um pedido mais esclarecido sobre a expectativa deste futuro, e até então, desconhecido trabalho: buscava alguma alternativa que pudesse propiciar melhor qualidade de vida ao pai. Glória, a esposa, parecia frágil e cansada no papel de cuidadora principal (além da dificuldade de revelar-se outra coisa que não a mulher de Pedro). Fundia-se entre emoções de uma relação conturbada com o marido (antes do início do quadro) somado aos desafios de cuidar de um cônjuge com limitações funcionais para realizar simples atividades do dia-a-dia. Moravam numa casa simples. Além de Glória, Pedro e Erica, também moravam lá outros dois filhos mais velhos. Aos poucos fui ouvindo os relatos da família e uma profunda mágoa em relação a esse pai ia emergindo. Descreviam-no uma pessoa pouco afetiva, impulsiva, muitas vezes violenta. Manifestava comportamentos intempestivos, histórias de traições com outras mulheres. Até que foi revelado que o quadro de Pedro foi desencadeado pelo o que eles nomeavam de ‘acidente’, que na verdade, segundo a família, tratava-se de um ‘acerto de contas’ por estar envolvido com outra mulher (anunciado à Glória anonimamente por telefone um mês antes do ocorrido). Pedro foi espancado e sofreu sérias lesões físicas e cognitivas, permanecendo em coma por uma semana, tendo sequelas psicomotoras e cerebrais, prejudicando principalmente a fala, a marcha e a memória. Não foi difícil identificar a grande necessidade de um trabalho de cuidado à Glória. Seus filhos mais velhos insistiam que o ‘problema’ era a mãe que precisava aprender a lidar com a situação. Referiam que o pai estava ‘condenado’ a condição atual, e que nada poderia mudar (nesse sentido não ficou claro para mim se referiam a pouca possibilidade de transformação do quadro de Pedro, ou se referiam a um desejo pouco manifesto de manterem o pai naquela condição desfavorável). 95 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo Desenvolvimento: Entrada do at e intervenções Tendo ouvido essa história atravessada por tantos afetos, desejos, memórias, estabelecemos um contrato inicial de avaliação num primeiro mês. Este período proporcionaria ao at a possibilidade de delimitar o enquadre do tratamento, ou seja, o programa nas palavras de Morin (2001) que serviria para o at conhecer melhor os limites de sua atuação e as propostas de trabalho, mesmo para melhor entender a condição clínica e diagnóstica de P. que mais parecia um paciente demenciado por lesões cerebrais a um esquizofrênico (nos termos atuais, versus a demência precoce). O programa, segundo o autor “é uma sequencia de acções pré determinadas que deve funcionar nas circunstancias que permitem o seu cumprimento. Se as circunstancias exteriores não são favoráveis, o programa pára ou fracassa”. (Morin, 2001, p. 130). Desta forma, o caráter fundamental do programa é sua forma sólida e imutável. Não há variações ou abertura para criação, há uma ‘regra’ clara a ser seguida. Em contrapartida a estratégia cujo corolário é o não saber à priori, atende às variações inerentes da trajetória do AT e das surpresas que surgem a cada encontro, a cada problemática desvelada neste cenário e às conflitivas dentro das relações e condições da atuação. Respeitando esses dois conceitos foi possível especificar e firmar um contrato de trabalho que ao mesmo tempo mantinha íntegro os acordos fundamentais, mas que também permitiam manobras e aberturas para transformar o inesperado em intervenções possíveis e potentes. a) A questão do Enquadre e de Estratégia no Exercício do AT O conceito do enquadre é um elemento central para a psicanálise: se constituiu enquanto alvo de esforço epistemológico de inúmeros autores e é considerado ponto nodal da prática clínica. O aporte de Bleger será o guia condutor de nossas reflexões no sentido de articular a noção de enquadre no território do AT. Segundo Bleger (2003), o enquadramento psicanalítico envolve: o papel do analista, o conjunto de fatores espaciais (ambiente) e temporais, e parte da técnica(na qual se inclui o estabelecimento e a manutenção de horário, honorários, interrupções planejadas etc.). (Bleger, 2003, p. 46). A maneira como Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 96 se opera tal composição no exercício do AT também parece ser crítica para assegurar o trabalho terapêutico nessa distinta modalidade. - Conforme mapeado no recorte de nosso caso clínico: quais os limites da sustentação de um trabalho que depende tão maciçamente da participação conjunta da família na consolidação desse marco de trabalho? Qual a técnica a ser endereçada para desvendar e manejar a família “patrocinadora” de um projeto de AT desde que o mesmo não perturbe o status-quo alcançado? - Tendo em vista que o AT se caracteriza pelo imprevisto, pela espacialidade “mutante” de uma “clínica nômade” por excelência, qual e como seria a instituição do enquadramento a ser criada nesse cenário? Partimos da reflexão que não só o trabalho do AT carrega a especificidade do incerto, mas que a própria condição da vida nos defronta com o inesperado, o surpreendente. E que o at, junto ao seu acompanhado, estando lançados num setting menos protegido, e exposto às forças do fora (Rolnik, 1997) do cenário urbano, consequentemente ficarão mais suscetíveis a serem afetados por esses eventos e imprevistos. De acordo com Morin (2001, p. 129) “todo o universo é um cocktail de ordem, de desordem e de organização”. Diz ele que a ordem“é tudo o que é repetição, constância, invariância, tudo o que pode ser colocado sob a égide de uma relação altamente provável”. Ao passo que a desordem“é tudo o que é irregularidade, desvio em relação a uma estrutura dada, aleatório, imprevisibilidade”. O pensador segue assinalando que nenhuma condição de vida e organização seria possível se esses sistemas não alternassem entre esses opostos. Falando nos termos de um trabalho de AT, é como se a absoluta ordem inviabilizasse a expressão íntima e criativa de cada um. Seria quase que um existir autômato e cristalizado, com pouca abertura para transformação, movimento, circulação e afetação por outros cenários. Num primeiro momento, ouvimos um pedido por parte de Erica que vai ao encontro desta proposta: mobilizar o que está paralisado, ajudar Pedro a criar novas condições de estar no mundo quebrando a ordem estática de se manter sentado na sala o dia todo assistindo TV. Entretanto, essa escuta também captava a mensagem oposta transmitida pela família no sentido de que P. 'estaria condenado' à tal situação . O manejo dessa escuta ambivalente também nos parece central. É necessário fazer aliança com a porção discursiva que aposta nas chances e potenciais de 97 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo deslocamento e amplitude existencial de P. Sem deixar de considerar que outros vetores discursivos o “congelam” na frágil situação vigente. Apostar em tais potenciais de deslocamento é trabalho do at. Para articular ao conceito de Rolnik (1997) é o que ela definiria como as possibilidades de afetação e movimentação das dobras da subjetividade impactadas por forças do ambiente. O que seriam essas forças se não os próprios imprevistos da ação, do movimento, somado aos inevitáveis estímulos que o viver em sociedade nos provoca? Nesse um mês de avaliação foi possível fazer algumas observações importantes na dinâmica familiar. Primeiro que P. dificilmente saía de casa. Relatavam que ele não ‘obedecia’ aos comandos para andar na calçada, que "propositalmente" adquiria um ritmo lento. Era muito trabalhoso e cansativo para a família. Além disso, numa dada situação permitiu que se revelasse um esquema em que discretamente preservavam P. dentro de casa, mantendo o esgarçar de sua autonomia. O mesmo não possuía as chaves da própria casa e também não estava ‘autorizado’ a sair sozinho. Sua esposa argumentava dizendo que ele provavelmente não se lembraria onde colocaria as chaves, ou que se perderia no caminho para voltar para casa. Um discurso que aparentemente carregava um tom de cuidado, mas que perversamente ia mantendo P. num lugar restrito e de dependência. Se falamos de afetações pela exposição e participação do/no fora, é importante trazer as características do lugar que morava essa família, pois tendo o impacto da experiência de vida na Grande São Paulo, fica quase descabido o questionamento sobre os perigos de se deixar uma pessoa pouco orientada sair sozinha na rua estando numa condição singular (inclusive física) prejudicada. Seria muito natural e, em alguns casos, prudente ouvir que a família não permite que o parente-paciente saia rua a fora em São Paulo estando tão debilitado. Queremos marcar esta distinção abissal entre as condições de se morar na cidade de São Paulo comparada a cidade da família de Pedro. Moravam numa cidade pequena da Grande São Paulo, com características interioranas quanto à disposição da cidade: o centro era uma grande praça frequentado por moradores à pé; casas de alvenaria, poucos prédios; trechos de rua em paralelepípedo; sistema de mobilidade urbana escasso e pouco efetivo. Sempre que saía a rua com P. cruzávamos Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 98 muitas pessoas que o reconheciam e que inclusive ajudavam-no a recuperar partes de sua história. Eram vizinhos, conhecidos que remendavam lacunas de sua memória. P. ia remontando o bairro, chegando a iniciativa de questionar às pessoas sobre as transformações sofridas no local, perguntando se os proprietários continuavam os mesmos. Algumas pessoas abordadas reconheciam P. e perguntavam sobre sua saúde. Outros, mais jovens, demoravam a saber a quem P. se referia, pois eram pessoas de outras gerações. P. estava vivendo de novo, recriava laços e história, voltava a pertencer a seu bairro. Repetia com entusiasmo quando conhecidos lembravam de algum momento peculiar. P. ampliava-se e movimentava as dobras de sua subjetividade com as afetações e estímulos que ficava exposto, e que há muito tempo deixara de receber. Cabe apontar que cenas como essas também eram elucidativas da arte de ser at: reconhecer que personagens outros da vizinhança e do bairro poderiam ser os protagonistas terapêuticos ao invés do profissional designado enquanto tal. A sua competência e expertise nesse sentido seria a de afastar-se, “retirar-se” afim de abrir espaço para que outros vetores participem e promovam o ampliar de P. Essas vivências me permitiram entender e clarificar a expectativa de Glória em relação ao meu trabalho. P. era menosprezado em qualquer atividade que potencialmente pudesse realizar. Enquanto eu o estimulava e o encorajava, Glória, entediada, comentava que P. jamais conseguiria completar tarefas que pudessem ajudá-lo a resgatar minimamente certo grau de autonomia, e a não ficar absolutamente submetido à sua esposa. Para funcionalidades como amarrar o cadarço, usar o telefone, entrar e sair de casa, ícones que simbolizam expressamente o contato com o externo, a ligação com outras pessoas e outros espaço, Glória se institucionalizou como mediadora de P., como se precisasse de sua autorização e consentimento, agora, detentora do poder e controle de seus atos. Era impossível não enxergar a mágoa estampada que essa mulher ressentia em relação às “safadezas" que o marido “aprontava” no passado. Assim, com o passar do tempo, toda a mágoa e rancor, e o esgotar da paciência, retiraram de P. a oportunidade de ser uma pessoa ativa, ou de preservar alguma autonomia. Eu, enquanto at, não estava ali para julgar seus pecados. Para o meu trabalho não importavam os motivos do acidente. Importava saber o posicionamento de cada membro, como cada um 99 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo se sentia e reagia. Foi importante para meu trabalho manter isso em mente e não criar conluios com nenhuma das partes. Enquanto eu suportava o tempo e ritmo consideravelmente mais lento de P. foi-se descobrindo que ele era capaz de fazer algumas coisas. Sua incapacidade, na verdade, foi se revelando uma falta de paciência da famíla em esperar P. fazer suas coisas no seu tempo, ou não desejavam que P. pudesse escapar-lhes novamente do controle. Ademais, P. continuava bastante debilitado, e algumas sequelas talvez nunca pudessem ser superadas. A verdade é que não sabíamos. E conforme P. foi sendo estimulado e acreditado, automaticamente exigia-se sim outro tipo de dedicação da família, que seria mais no sentido de supervisionar atividades mais complexas ou difíceis para o acompanhado, e não de interceptá-lo e realiza-las por ele. b) A noção de família como sistema. A queixa e a demanda na prática do AT; O caso clínico do AT retratado nos permite pensar no at enquanto “pêndulo” oscilante entre queixas familiares e demandas trazidas à tona de outra ordem na experiência com o acompanhado. Vale frisar o desafio para o at: por um lado apresentar-se disponível para essa família, propiciando-lhe uma oferta de escuta e continência, e por outro lado, respeitar os limites e zelar pelo processo, sem cindir o paciente da pertença dessa família. E vice-versa. A compreensão profunda da natureza da relação entre a família e o portador de sofrimento mental é fundamental para que o at possa exercer seu movimento “pendular” na cadência do processo e em direção à estratégia terapêutica com o seu cliente, e com a correlata interface familiar em jogo no sistema. Pretende-se discutir quais os “refletores” que poderiam iluminar a travessia do AT no manejo da sua estratégia- prática na interface com as queixas familiares. Um dos subsídios identificados é a obra de Berenstein (1988), que contribui ao correlacionar a noção de família à noção de sistema de modo articulado e fino. O autor se vale de modelos derivados da teoria da comunicação e da linguística para fundamentar essa perspectiva. Serão recortados alguns pontos assinalados por Berenstein (1988) que nos parecem decisivos para a apreensão desse conceito, bem como à elucidação do caso em questão. Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 100 O sistema do ponto de vista da teoria da comunicação, mais especificamente o sistema estável – que é o caso da família na medida em que algumas de suas variáveis possuem tendência a se manterem dentro de limites definidos - é caracterizado por algumas propriedades4. O sistema do ponto de vista da linguística é concebido a partir da matriz conceitual que propõe o corte metodológico entre fala e língua 5. O autor aprofunda-se em muitos vetores da linguística para fundamentar e consolidar a sua articulação teórica da família enquanto sistema e da lógica subjacente a esse pressuposto. Frisamos as propriedades interdependentes de solidariedade e valor para elucidar essa perspectiva: (…) todos os termos da língua são solidários ou interdependentes, de tal forma que um termo implica o outro e vice-versa. A unidade linguística possui um valor determinado, limitado e definido pelo das outras entidades do sistema. Com a noção de sistema, trata-se de estabelecer o nível de homogeneidade entre elementos heterogêneos. (Berenstein, 1988, p.55). Estabelecidas essas definições, o autor defende que o sistema social da família também é modelado pelo corte língua/fala. Propõe como língua o conjunto de regras inconscientes (na maior parte das vezes) que regulam o funcionamento do grupo, e, como fala as realizações individuais dessas regras inconscientes. (Berenstein, 1988, p. 57). A família enquanto sistema definido nesses moldes nos pareceu um guia precioso na compreensão e manejo do caso clínico. Ter em vista que a família de Pedro se agrupa em um sistema tem a ver com deter-se no conjunto de relações às quais os comportamentos de Pedro estão vinculados, isto é, determinados e, ao mesmo tempo, determinantes. A especificidade do trabalho do AT o expõe constantemente e concretamente nos meandros dessas tessituras familiares. Compreender quais as propriedades em jogo nesse sistema nos parece imprescindível para trazer à tona seus paradoxos, impasses e desafios. Por exemplo: ao identificar a natureza sutil do equilíbrio do sistema, no qual o desajuste significa “disfunção”, mas também, estabilidade. O caso em questão nos provocou uma série de indagações a esse respeito: a família como sistema palco de língua/fala. Indicamos, na sequência, algumas delas: Qual a “língua” inconsciente que opera no caso: Seria um desejo da 101 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo família manter Pedro restrito a uma condição mínima, encerrado pelos muros da casa, à mercê das vontades e desejos de G. e demais filhos? A “fala” como manifestação individual de Erica (ao procurar a at) reveladora de uma ambivalência do sistema familiar perante a figura do pai: um sistema que deseja oferecer-lhe tratamento, cuidados e aberturas, ao mesmo tempo em que parecem ressentir dessa oferta. c) O AT em face da noção de “eficácia da técnica”de sua prática. O trabalho do AT – dispositivo6 que emerge do campo da estratégia – traz questões inerentes sobre sua eficácia nos dias de hoje. Afinal, como podemos afirmar que esse processo deAT com P. foi bem ou mal sucedido? O que significa eficácia do tratamento, levando em conta que este se realiza no campo da singularidade e do trabalho personalizado e não massificado e homogêneo predominante nas demandas atuais? Um caminho para nos aproximarmos e clarearmos essa questão e seus possíveis desdobramentos é nos determos e ouvirmos o que atualmente se entende por eficácia. Vivemos em uma época marcada pela objetividade, rapidez, controle, na qual o pensamento calculador, lógico e racional predomina – Época da Técnica7. Estamos em busca daquilo que “resolve”, que traz resultados claros e definidos. Como meio predominante de se chegar a essa eficácia lançamos mão da técnica, um conjunto de procedimentos utilizados para se alcançar resultados, tendo como características a impessoalidade, - a técnica deve servir para qualquer um - a precisão de seus objetivos e a rapidez. A técnica, com seu controle e eficiência, é a referência predominante para se alcançar o conhecimento e a verdade no mundo contemporâneo. Ela permite avançar em tecnologias e se apoderar da natureza, é o desenvolvimento do “pensamento calculante”, onde todas as coisas tornam-se mensuráveis e controláveis. Essa lógica resguarda o homem (no sentido ontológico) e a natureza como pano de fundo, ou meras ferramentas para se alcançar um objetivo, geralmente reduzido a um produto material, palpável e bem delimitado. Nessa dinâmica, esvaziam-se os valores dos procedimentos que não correspondem a esse modo, tecendo com perigo a depreciação dos fenômenos ontológicos. “Hoje tudo o que faz parte da realidade é visto como produção, tudo Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 102 se enquadra nesse esquema, e o que não se enquadra não é digno de ser pensado”. (Pompéia, 2011, p. 126). O autor quer dizer que aquilo que foge da produção material não é digno de se debruçar sobre, como se o pensamento meditativo), cuidadoso e reflexivo fossem mera perda de tempo, uma dedicação sem finalidade ou funcionalidade, pois, argumentam, não servir para nada quando nada é produzido. Este é um pensamento que consideramos bastante equivocado. A proposta do AT aponta uma referência diversa da técnica. Apesar do at estar imerso na Era da Técnica, ele não responde exclusivamente a ela, mantém um olhar amplo para seu acompanhado e sua rede, assim, também irá se debruçar e se deter sobre as questões que a técnica julga “não serem dignas de serem pensadas”. O resultado do trabalho não é visto como um meio de se produzir resultados de forma rápida, calculista e precisa, mas meio de se produzir encontros genuínos e ampliações de referências na vida do acompanhado, é o procedimento da téchne no sentindo originário grego da palavra, que é o processo que permite que alguma coisa que ainda não é passa a ser (Pompéia, 2011), ou seja, como a expressão dos devires. Pensando no caso de P. podemos ilustrar com elementos como histórico familiar; relação atual com família e amigos; vínculo com a at, rede, vizinhança, etc permitiram que uma estratégia de atendimento pudesse ser criada de forma artesanal, sempre aberta a reformulações e tendo em vista não a “cura” a extirpação de um “mal”, da “loucura”, mas a garantir um espaço de cuidado respeitoso e afetuoso, buscando ampliar/resgatar territórios e incentivo a autonomia de P. O desafio da prática do AT é construir uma relação sustentável para seu trabalho, sabendo que ele não pode estar exclusivamente a serviço da técnica, mas o at não pode ser ingênuo e esquecer que também está sujeito às forças e ao poder da técnica. Assim, deve estar atento e colocar a eficácia como uma pergunta viva em seu trabalho: A serviço do que estou criando as estratégias desse AT? E a resposta deve sempre apontar para uma maior articulação de seu acompanhado na rede e uma maior potencialização das possibilidades saudáveis de seu paciente. Mas tal resposta talvez seja insuficiente. É necessário também manter viva uma postura lúcida quanto à aceitação dos limites impostos pelo modelo próprio do AT. Embora possamos nos aliar com a aposta na transformação e movimento de P., tal efeito pode ser demasiadamente 103 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo disruptivo para os demais membros da família. Acomodar o sistema familiar em uma configuração distinta – que acolha e abrace P. desde as suas capacidades e possibilidades, como nos ensina Berenstein - está longe de ser tarefa fácil. A assistência e continência ofertada para a família pelo at é parcial. E não dá conta (nem deve) de atender aos membros da família de modo mais intensivo e individualizado. Afinal P. é o cliente do at. Como fazer quando há demandas maciças de escuta e de trabalho com outros membros da família que não seguem a recomendação de buscar um fórum terapêutico outro no qual possam se haver com os seus enigmas, desejos ambíguos , ressentimentos passados – como no caso de Glória? Apesar de concordar com a necessidade de buscar ajuda para si, G. se mantinha resistente a qualquer tipo de tratamento ou acompanhamento endereçado a ela, oficializando apenas P. como o paciente identificado, ao invés de considerar a família como um sistema a ser cuidado. Considerações Finais O ATé uma tecnologia8 de saúde e social inovadora, jovem e ainda pouco conhecida. É desafiador nesse sentido, pensar em uma definição do que é afinal essa clínica do AT9. Essa dificuldade em nomear essa prática também pode apontar para as dificuldades de garantir à família (como o faz as tecnologia) os limites e possibilidades de um processo de AT. É muito provável que ainda hoje em dia as famílias desconheçam essa prática (bem com uma larga fatia de profissionais da saúde), por isso a complexidade e importância de se estabelecer um enquadre cuidadoso, no qual o papel do at e o sentido do seu trabalho fique claro para o acompanhado e para a família-contratante. Bem como ressaltamos a importância de se articular o trabalho do at com outros profissionais envolvidos nos cuidados da pessoa acompanhada. Cabe resgatar as noções de projeto e estratégia sinalizadas no início (a partir do referencial de Morin) com o intuito de ressaltar a arte de fazer estratégia no exercício do AT. Entendemos que é impossível partir de um modelo previamente conhecido, de um projeto estanque que possa ser descrito em termos de começo, meio e fim. Se isso também é verdade na experiência da clínica convencional (consultório), torna-se verdade ainda mais radical no território do AT ancorado no nômade –“errante” – caminho de tropeços; imprevistos e poucos 104 Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares saberes. Observamos que fazer tal estratégia não está relacionado apenas à posse de um conhecimento conceitual. Mas responde também à uma dimensão estética (Kupermann, 2009): o at como artista de uma clínica sensível e criativa capaz de transitar e se constituir naquilo (e a partir) do que desconhece. O at, através do vínculo ético e cuidadoso que estabelecerá com seu acompanhado, pro-cura ampliar seu território. O at tem como uma de suas funções fundamentais articular a rede do acompanhado - árida, pobre e frouxa – ampliando as referências, o contatos e os vínculos. Isso ele faz junto ao acompanhado, o AT é uma clínica da ação: é in loco, na casa de P. que a at podia testemunhar de forma privilegiada as relações familiares e intervir no momento em que ela acontece, em tempo real. Diferente do setting psicoterapêutico, o setting do at é móvel, complexo: o at está menos protegido, a lida não é só com o acompanhado, mas com toda a vizinhança e há sempre as surpresa dos encontros no território. A potência do at é estar com seu acompanhado exposto ao inédito da rua, é nas andanças pela pequena cidade que P. pode ir se revelando, ir se relembrando, ir refazendo a sua história e permitindo ser autor ativo de sua história futura, quando deseja visitar a irmã que não via há dez anos ou quando é reconhecido pelo conterrâneo na calçada e resgata sua memória e seu passado. Notas 1 Psicóloga formada na PUC-SP; Curso de AT pela ATUA; especialização em Psicologia da Saúde e Psicoterapia Psicodinâmica dos Transtornos de Personalidade pela Unifesp. Foi colaboradora do CAPS Unifesp por 2 anos. Atualmente é mestranda em psicologia clínica pela USP. Trabalha desde sua formação como psicóloga clínica e at. 2 Psicóloga formada na PUC-SP.; Curso de AT pela ATUA e Humanitás; especialização em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo; AprimoramentoProfissional Clínico Institucional na Clínica Ana Maria Poppovic da PUC-SP. Atualmente integra o grupo TRILHAS com intervenções na saúde mental na rede pública. Trabalha desde sua formação como psicóloga clínica e at. 3 Psicóloga formada na PUC-SP; Curso de AT pela ATUA; especialização no campo da gestão pela ESADE – Barcelona e FGV- SP (CEAG). Atua nas áreas da psicologia clínica, de consultoria a empresas familiares pelo Instituto Lisondo e é at. 4 Destacamos as seguintes propriedades: “a) Totalidade: corolário- não somatividade. A família não é a soma dos seus membros, mas todos eles formam um sistema onde a modificação de um induz à do resto, passando o 105 Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo sistema de um estado a outro. b) Homeostase: define a estabilidade do sistema ou seu estado de equilíbrio, e a correção e volta ao estado inicial, assim como o desvio, cada vez maior, desse estado (...). O sistema tem mecanismos para voltar ao estado inicial de equilíbrio, mas pode-se incrementar o desequilíbrio no sentido do desenvolvimento ou da patologia (...). Por exemplo, numa família com um membro esquizofrênico , quando adquire uma forma de funcionamento não esquizofrênico, como resultado da terapia, contradizendo a imagem que o grupo familiar tem dele, isto pode determinar reações nos pais que procuram, inconscientemente, levá-lo à forma anterior, forçando-o, sem saber à reassumir a forma de ser esquizofrênica para restabelecer um tipo de equilíbrio”. (Berenstein, 1988 p. 49-50). 5 Nas palavras do autor: “Fala é a realização empírica, que consiste em manifestações individuais e momentâneas, e língua refere-se ao sistema supraindividual, ordenador das manifestações individuais da fala. A língua, enquanto sistema, abrange o nível de homogeneidade que inclui os fatos heterogêneos da fala”. (Berenstein, 1988 p. 52). 6 “(...), um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é q rede que se pode estabelecer entre os elementos” (Foucault, 2012, p.244). 7 Época da Técnica- Referência trazida pelo pensamento do filósofo Martin Heidegger para descrever a contemporaneidade, afirmando que a técnica é o que caracteriza fundamentalmente a nossa época. Ela não é um mero fazer humano, mais é a nossa marca predominante de acesso de mundo e construção de verdades. Para saber mais vide: Heiddeger M., A questão da técnica (1953) In: Ensaios e conferências, tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Petrópolis: Vozes, 2001. 8 “A tecnologia deve ser compreendida como conjunto de ferramentas, entre elas as ações de trabalho, que põem em movimento uma ação transformadora da natureza. Sendo assim, além dos equipamentos, devem ser incluídos os conhecimentos e ações necessárias para operá-los: o saber e seus procedimentos.” (Schraiber et all, 1999) Retirado do Verbete “Tecnologia em Saúde”, Dicionário de Educação da Profissional de Saúde, Fiocruz. http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/tecsau.html 9 O artigo de SILVA E SILVA (2006) pode ser esclarecedor para a compreensão do contexto em que o AT surgiu e de como esta é uma clínica em transformação. Ancora-se no fortalecimento e criação de práticas dos/nos serviços substitutivos com a reorganização da Rede de Saúde Mental e pós-Reforma Psiquiátrica. Aponta sua complexidade no atravessamento político, estético e artístico da dinâmica clínica do AT. Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das Queixas Familiares 106 Referências bibliográficas ANDRADE, C. D. Antologia poética. 66. Rio de Janeiro: ed: Record, 2010. p. 414 BERENSTEIN, I. Família e doença mental. São Paulo: Escuta, 1988. BLEGER, J. Simbiose e ambiguidade. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. BLEGER, J. Psicanálise do enquadramento psicanalítico. Revista de Psicanálise Pulsional, São Paulo, ano XVI, n.170, Junho/2003. CAMARGO E.M.C.O acompanhamento Terapêutico e a Clínica, In: A rua como espaço clínico: Acompanhante Terapêutico. Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital – Dia A Casa(org). São Paulo: Escuta, 1991. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. (1979) 30ed. 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En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en una posición de mayor simetría, y esto tiene consecuencias para los efectos terapéuticos, pero también para ubicar una estrategia y una política del tratamiento en que se incluye el At. La clínica nos permite pensar el tipo de lazo que se establece en un tratamiento, la política nos remite al lazo que hacemos para construir un lugar entre otras prácticas y saberes. Ese espacio de borde en que nos encontramos, entre lo clínico y lo comunitario/social, es ahí donde entran las propuestas: tenemos que proponernos determinados lazos, que nos asocien, que nos hagan consolidar el lugar del AT, que nos permita tener una cierta regulación y alguna legalidad instituída. Propongo que sigamos impulsando, la inscripción de esta Práctica, en una interlocución e interpelación, desde el AT a la Comunidad, a las comunidades -sean pequeñas o de las más grandes, sosteniendo una defensa institucional de la práctica del AT. Hoy y ayer, en síntesis, retomo la apuesta a seguir enlazando, esto que a veces aparece en disyunción: la Clínica y la Política. PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Clínica, Política. RESUMO Este artigo trata de pensar algo do lugar do At a partir de uma leitura psicanalítica, para transmitir algumas questões que sejam pertinentes para o Acompanhamento Terapêutico. Quando falo do AT e seu laço social, digo que o AT “faz” um tipo de laço que não é qualquer um: Constrói laço social. Se trata de construção, de um vinculo singular que em psicanálise chamamos transferencia, que tem efeitos terapêuticos. O que temos levantado como sendo a sua eficácia clínica. En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en una posición de mayor simetría, Em sua diferença com os terapeutas, o laço do AT com o paciente assenta-se em uma posição de maior simetria, e isto tem consequências para os efeitos terapêuticos, mas também para colocar uma estratégia e uma política do tratamento no qual se inclui o At. A clínica nos permite pensar o tipo de laço que se estabelece em um tratamento, a política nos remete ao laço que fazemos para construir um lugar entre outras praticas e saberes. Esse espaço da borda no qual nos encontramos, entre o clínico e o comunitario/social, é aí onde entram as propostas: temos que nos propor determinados laços, que nos associem, que nos façam consolidar o lugar do AT, que nos permita ter uma certa regulação e alguma legalidade instituída. Proponho que sigamos impulsionando, a inscrição desta Prática, em uma interlocução e interpelação, vinda do AT para a Comunidade, para as comunidades -sejam pequenas ou das maiores, sustentando uma defesa institucional da prática do AT. Hoje e ontem, em síntese, retomo a aposta de continuar entrelaçando, isto que as vezes aparece em disjunção: a Clínica e a Política. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Clínica, Política. ABSTRACT This article tries to think something's Place TA from a psychoanalytic reading, to convey some issues relevant to the Therapeutic Accompaniment. When I speak of TA and social ties, I say that Gustavo Rossi 108 the AT "means" a type of bond that is not either: Build social bond. It is building a unique link in psychoanalysis call transfer, which has therapeutic effects. We have raised as their clinical efficacy. In its dispute with the therapists, TA tie with the patient sits in a position of greater symmetry, and this has implications for the therapeutic effects, but also to locate a strategy and a policy of treatment that includes TA. The clinic allows us to think the type of bond established in treatment, the political bond that brings us to do to build a place among other practices and knowledge. That space edge of where we are, between the clinical and the community / social, is where the proposals fall: we must propose certain ties, associating us, that make us consolidate instead of TA, which allows us to have some regulation and some instituted legality. I propose that we continue to drive, the registration of this practice, in a dialogue and questioning, from the TA to the Community, be they small communities or larger, holding an institutional defense of the practice of TA. Today and yesterday, in short, I return the bet to continue linking, it sometimes appears in disjunction: Clinical and Politics. KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Clinic, Policy Voy a comenzar comentando algo del título, extenso, que me salió a manera de esa escritura que parece automática pero no lo es… Es que las palabras, como en la poesía, nos llevan para varios lados, esto es así, se me permiten incluir acá algo del juego. Pero voy a decir que también tienen su punto de partida en algún lado, y por ese lado voy a introducir el recorrido. Como saben, sostengo que el At (Acompañante terapéutico) 2 puede formarse desde distintas Escuelas o doctrinas teórico-clínicas, además esto es un hecho incontrastable a esta altura; hay distintas tecnicaturas, cursos, diplomados, etc., siendo por otra parte algo que se puede ver también en la formación del psicólogo, del psiquiatra, aunque todos se remitan a esa relativa identidad desde su formación. En lo personal, hoy voy a tratar de pensar algo del lugar del At a partir de una lectura psicoanalítica (tratando de no caer en una jerga cerrada, en lo que en Argentina de estos años llamamos “lacanés”), para transmitir algunas cuestiones que sean pertinentes para el Acompañamiento Terapéutico, esa es la apuesta. Ahí ubico este punto de partida para dar cuenta de su lazo, de la práctica del At, en tanto un lugar para alojar el malestar singular, y hacer algo con esto. Y desde ahí vamos a plantear esa interpelación hacia la comunidad en que vivimos, es decir, la formulación de propuestas, de inquietudes, pero también de preguntas respecto a las nuevas formas de malestar (alguna vez fueron viejas?) que nos aqueja en estas sociedades. 109 El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular ¿Qué decimos con Comunidad acá?: implica las disciplinas y prácticas de este campo que se suele llamar de la Salud/Salud Mental, así como aquellos con los cuales vivimos en sociedad, donde están las personas que acompañamos, los familiares, los grupos. Aquellos que consultan al psiquiatra, al psicoterapeuta y/o al analista. Los niños que no se integran a la escuela, los que están en las instituciones que atienden las discapacidades, la infancia que padece problemáticas psicopatológicas severas. Tomaré ahora entonces dos vías principales. 1. Cuando hablo del AT y su lazo social, digo por un lado que el AT “hace” un tipo de lazo que no es cualquiera. Hacer es: fabricar, construir, y especialmente proponer un tipo de lazo social que se va inscribiendo como propio, en tanto se va produciendo sobre el mismo, sobre cual es su particularidad. Y va teniendo su eficacia, que a partir de dar cuenta de la misma logra en este tiempo su reconocimiento. Podemos decir, en principio: Construye lazo social. No siempre, claro. Brevemente, para puntualizar un marco de referencia, cabe precisar que el lazo social desde el psicoanálisis puede pensarse en función de un Discurso, que organiza la subjetividad, que organiza la relación con otros y con los objetos. Que hace a la historia del sujeto. Suele hablarse en el AT que es primordial “generar un vínculo”, lo cual ubico en términos de dar lugar a una conversación, a veces después de mucho tiempo de presencia, y de escucha “expectante”3. Ahora bien: ¿Es diferente a otros lazos? ¿Y qué consecuencias tiene que construya lazo? Primero, un efecto es que permite alcanzar un “saber”, da lugar a algún saber, que es singular. De ese que llamamos paciente, con un At, con un grupo de At, con un equipo con el cual se produce esto que llamamos practica “entre varios”, clínica entre varios. Es que hay una estrecha relación entre el saber y el lazo, diría, desde ese lazo se construye saber 4. Venimos hablando hace años sobre la relación entre curar e investigar, en tanto construcción de un saber en conjunto con el paciente. Ese saber que se produce en una cura es terapéutico, en términos freudianos. Puede producir alivio, acotar ese malestar que excede al sujeto. Como contrapartida, y esto es introducir algo de una política, no se trata de ubicar al At en el lugar del que sabe, de quien tiene un poder-saber sobre lo que le pasa al paciente, de ser el Modelo, y desde ahí decirle qué hacer. Se trata de construcción, que no es sin lazo, sin ese vinculo singular que en el psicoanálisis llamamos transferencia, que tiene efectos terapéuticos. Lo hemos planteado como su eficacia clínica. Ya que es en ese lazo donde se producen efectos terapéuticos, algunos al menos tienen que ver Gustavo Rossi 110 directamente con esto. A la vez, tendremos que ver de qué transferencia se trata5 … Hablaba también de Política, y ahora incluimos el Lazo. En el AT pondremos el acento en la singularidad subjetiva, lo cual tiene relación con esa Comunidad del título, ya que en cierta lógica el AT “responde a la indiferenciación que nuestras sociedades promueven”6, como plantea Soler. Una civilización donde se observa la extendida fragmentación de los grupos sociales, y al anonimato que esa fragmentación favorece. Una civilización donde también aparece fuertemente la cuestión de la “falta de sentido”, que quizá pueda relacionarse con la pretendida muerte de “las ideologías”, con las crisis cíclicas del capitalismo, entre otras cuestiones. Ahí nos posicionamos, tenemos algo para hacer con esto. Es que en este clima social ubicaría la práctica del At (no aislada, sino en equipo con otras prácticas, insisto) como sosteniendo algo de ese deseo no-anónimo, en eso que llamamos el vínculo singular que se establece, ese vinculo que artesanalmente se construye dando tiempo y transitando por espacios de la cotidianeidad. Espacios que no transita el terapeuta (por lo general, no al menos como sostén de su práctica, salvo que se llame AT). Como dice un reconocido analista, “la práctica del análisis se alimenta y a veces apoya en cierta agorafobia”. (…) Ironizando o no tanto, digamos que hay cierta agorafobia del analista: “es en efecto una profesión en la que no es indispensable salir de su casa”, de su consultorio 7. El dispositivo de AT utiliza precisamente esos espacios del afuera, de la cotidianeidad, en beneficio de un proyecto terapéutico. Más bien podemos decir que el At es claustrofóbico. La “casa” de la que hablamos en el AT es la del paciente, así sea una institución… En el AT, ese saber se produce en una “escena artesanal” que también es “a construir” entre el acompañado y el acompañante. Y acá vamos a pensar ya otro lazo, que hace a la práctica del AT, a su dispositivo, que es la relación entre el o los Ats y el terapeuta a cargo del caso. Cuando lo hay. O el Equipo tratante, a veces el Equipo institucional. Conocen que ese vínculo singular (At-acompañado), se establece con una distancia mínima, lo cual implica trabajar sobre esa gran implicación personal que puede darse en el vínculo At-paciente. En este punto, ese lugar de terceridad, a veces de Ley, que ocupa el terapeuta o el marco institucional es congruente lógicamente con una estrategia que permite al At no quedar atrapado en esa relación tan cercana con quien acompaña, no quedar encerrado en los espejos de la dualidad donde le resultará muy difícil operar desde su lugar terapéutico. Para ir a la práctica: la invitación del paciente al At para “tomar una cervecita y que nadie se entere” es un ejemplo clásico, de las complicaciones que pueden precipitarse si el At queda cristalizado en el lugar de un amigo, sin más. En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en una posición de mayor simetría, y esto tiene consecuencias, que tenemos que pensar ajustadamente. Para los efectos terapéuticos, pero también para ubicar 111 El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular una estrategia y una política del tratamiento en que se incluye el At, esto es, nos lleva a pensar también una ética. Diferenciando psicoanálisis de psicoterapia. En relación a esto, por hipótesis, ya “el psicoanalista y el psicoterapeuta no hacen el mismo uso del poder que les es así distribuido por esta posición disimétrica de escucha”8, también el psiquiatra hace otro uso de su lugar de autoridad. ¿Cuál es entonces el uso que hacemos en el AT del lugar de autoridad? ¿Existe ese lugar de por sí en el AT? ¿O tratamos de ubicarnos desde el AT en otro lugar? ¿Dejamos esa autoridad afuera? Desde esta orientación, el At se ofrece a sostener y alojar la locura, o algo de la locura de cada cual, algo de esa anormalidad que hay en cada cual, de ese malestar que consideramos singular, incomparable. Y al considerarlo así estamos sentando una posición. Que nos remite a una ética y a una política. El At interviene entonces desde ese lugar de semejante, del que no juzga, del que escucha sin moralizar y sin rechazar la creencia de aquel que acompaña. Creencia que podrá constituirse en certeza, y ahí estaremos en otro cantar… No vamos a meternos con la particularidad de las psicosis, que no hace a esta mesa… Sintéticamente planteo que el AT, en relación a su ética, no se va a ubicar como guardian de la “realidad colectiva”, aunque según el caso tenga que intervenir desde allí, pero tendrá presente el no consolidarse o cristalizarse como aquel que quiere reducir esa creencia singular a una normalidad que es algo del orden de lo social. Puede ser una táctica, no su política… Es que en nuestra posición (terapéutica), damos un sitio a estos elementos que se llaman “anormales”9. Aunque a veces tengamos que imponernos un límite en su operación, en ciertos momentos o etapas del trabajo cotidiano, donde se trata de acotar algo de lo que excede al sujeto, en el punto en que se le hace insoportable. El AT está para que pueda hacer algo con eso insoportable, para ayudar al sujeto a poner un tope que permita una salida soportable. Soporta algo de lo insoportable, que puede de otra forma llevar a la caída del sujeto, al quiebre. No siempre podremos evitarlo. Tampoco se trata de un furor curandis, hablo de tácticas y estrategias, y de una política, en línea con una ética. Una política va en dirección de sentar condiciones para…Digamos que “condiciona la apertura misma” del espacio de tratamiento. Que las condiciones estén dadas, que haya un terreno para dar las batallas. No es la guerra, como se ha dicho, la política es la sustitución de la guerra por otros medios… En otros términos, “estrategia y táctica se ordenan respecto de la política, en tanto esta concierne al fin mismo de la acción”10. Y en esa política, en relación a los tratamientos posibles, estamos dando cuenta de una experiencia particular, de una experiencia que implica un tipo de lazo que seguimos pensando, conceptualizando, el del AT. Lo más importante ahora: todo esto tenemos que hacerlo saber en la Comunidad a la cual pertenecemos, y esto tiene que ver con una Política, la que hace lazo Gustavo Rossi 112 con la comunidad, desde el AT, ya no esa Política (de la cura) que se juega en un tratamiento determinado. Porque si no lo transmitimos, si no damos cuenta de nuestro trabajo, si no incidimos en el diálogo entre textos, entre instituciones, entre asociaciones, tendrán lugar otras prácticas. Las de “normalización” social, las que se sostienen en las panaceas farmacológicas, las del encierro de la locura, las que estigmatizan lo diferente y lo que “no anda” por la vía del imperativo de producción económica, por ejemplo. Así pasamos al segundo punto. 2. Por otro lado, cuando digo su lazo social, también es algo del lazo que hace el AT con la comunidad, ya no el At con cada sujeto/flia, sino como oferta a la sociedad, como propuesta al campo de la Salud mental, como práctica en el marco de una Política pública. Habíamos dicho clínica y política. La clínica nos permite pensar el tipo de lazo que se establece en un tratamiento, la política nos remite al lazo que hacemos para construir un lugar entre otras prácticas y saberes, en un determinado campo de trabajo, en aéreas de trabajo, la salud, la educación, la discapacidad. Es ahí donde entran las propuestas: tenemos que proponernos determinados lazos, que nos asocien, que nos hagan consolidar el lugar del AT, que nos permita tener una cierta regulación y alguna legalidad instituida. Su lazo social, en este sentido, hace a las propuestas que las asociaciones, los equipos, los docentes que transmiten su experiencia y sus conceptos en este tema, las cátedras, las carreras, puedan hacer para generar redes, en el campo laboral, que nos faciliten la inserción laboral, que nos permita sostener los tratamientos, que permita a las familias solicitarlos porque no va a ser una carga excesiva el costo económico para las mismas. Aquí quiero recordar, porque resulta que no aparece en algunos textos de este último tiempo, sobre el AT y su historia, que vengo planteando la necesidad de institucionalización de esta práctica desde el tiempo en que empezamos con algunos colegas a promover una Asociación de AT para Argentina, hace ya cerca de 12 años, hacia los años 2001-2002. Estos días hice cierto trabajo autobiográfico en este tema, una revisión personal…Cuando escribí sobre la historia del AT en Argentina (como ser en mi libro del 2007), me hice cargo de una tarea que según la propia historiografía resulta ardua, al considerar la llamada historia reciente, como fue la propuesta de salir de la autoreferencia, dejar de lado la bajada de línea personal de algunos artículos que se escribieron estos años, tratar de desandar rivalidades y efectos de grupo. Pese a esa dificultad, hoy me parece importante dejar algún testimonio, al menos en el punto donde participé en una reformulación o resignificación del desarrollo del AT. A manera incluso de una toma de posición. Cuando digo esto lo diferencio entonces de escribir la historia, que es otra cosa -como decía antes-, en fin, lo dejaremos para las formulaciones que vendrán… Vamos ahora a algunas cuestiones que quiero compartir. Por un lado, respecto a lo que decía recién, que veníamos de organizar los congresos pioneros sobre AT en nuestro país. El primer Congreso Nacional de AT, en Argentina fue en 113 El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular 1994, del cual dejamos testimonio con un pequeño libro, una compilación 11: en mi presentación introductoria planteaba la importancia de articular la clínica con la teoría, de acuerdo al slogan del Congreso, y apelaba a darle una especificidad a esta práctica, en ese espacio de borde en que nos encontramos, entre lo clínico y lo comunitario/social. La clínica “actual” de ese momento no era la misma que la actualidad de este 2013, ni en Argentina ni en Iberoamérica, como han dado cuenta los trabajos de este Congreso. En el 2do Congreso Nacional de AT, en 2001, ya el lema aludía a que fueramos “Hacia una inscripción institucional y Académica del AT…”, con un carácter federal que no tenía el primero. Y donde además llegaron colegas de Brasil, Uruguay y España. En los años posteriores, junto a otros colegas, algunos presentes estos días, fundamos AATRA (en 2003; también ese año organizamos el Primer Congreso Iberoamericano, que inició esta serie…12), en lo que fue una iniciativa política significativa en un marco socio-político en Argentina de plena crisis, interesante porque era una apuesta al lazo desde lo Político en tiempos de un descrédito general de la clase dirigente del momento (diría de esa política con minúsculas mal entendida), cuando estábamos en la calle con aquel “que se vayan todos”, los políticos que no eran políticos sino gerentes o administradores de los poderes establecidos, de los grupos concentrados de poder económico…Allí algunas cuestiones imaginarias que tocaron “narcicismos” en los vínculos personales, en esa comunidad -que está moldeada como toda comunidad por sus miembros-, hicieron que se pusieran en crisis el desarrollo de la propia Asociación. No digo nada nuevo si planteo que las cuestiones personales, si pensamos uno por uno, se suelen poner en el tapete en los grupos y en las instituciones, y de esto quienes transitamos por las instituciones psicoanalíticas estamos “mal acostumbrados”…Sería para el debate si los fines de una institución, de una disciplina, de prácticas como la nuestra, puede separase de las personas. 13 Sintéticamente, en mi relación personal con el Acompañamiento Terapéutico, sigo trabajando en la misma dirección, aunque como muchos saben dejé de estar en AATRA en el año 2006 (habiendo sido Secretario de la CD desde su fundación, e impulsado su construcción). No es el ámbito para abundar en detalles, simplemente para evitar tergiversaciones que se han formulado, sostengo que a mi entender esa finalidad política que implicaba su inscripción social se fue perdiendo, en nuestro país, cuando en determinado momento esto se derivó por otros caminos, marcado por excesos de corte narcisista que buscó acaparar el nombre de la institución y su devenir. Ya luego de algunos años, como manifestaran otros miembros fundadores que renunciaron, subrayo hoy que esperábamos que como órgano colegiado y democrático 14, desde su Comisión Directiva cada uno/a tomara la palabra para reconducir hacia los fines que nos llevaron a unirnos… Luego, con la idea de seguir sosteniendo una defensa institucional de la práctica del AT (y no avalar una Asociación devenida en una simple “sociedad organizadora de congresos”), impulsé junto a varios colegas y exalumnos otros Gustavo Rossi 114 espacios e iniciativas con la misma orientación hasta estos días, como ser con el Capítulo de AT de la Asociación Argentina de Salud Mental (AASM, que congrega a psicólogos, psiquiatras, analistas, trabajadores sociales, entre otros), la Cátedra de AT15 a mi cargo en la Facultad de Psicología de la UBA, los Cursos y espacios de formación en numerosas provincias de Argentina 16. En este tiempo, es interesante señalarlo, en varias Provincias y ciudades se formaron Asociaciones, lo cual habla de propuestas para incidir en la comunidad, de hacer una Política que permita al AT tener otro lugar social, en su relación con otras prácticas y en su inserción en los Planes de Salud Mental, en las estructuras sanitarias. Es que las interpelaciones nos hablan de ese punto donde pedimos, demandamos, desde el AT a la comunidad ese reconocimiento, esa regulación, como ser en Argentina, que con la “nueva” Ley Nacional de Salud Mental (Nro. 26657, que tiene casi 3 años) pedimos que se incluya en el PMO, en el nomenclador de prácticas cubiertas por el Estado o la seguridad social, según ya venimos planteando hace décadas de la necesidad de contar con una regulación estatal de esta práctica, de su formación y de su ejercicio. Con esa Ley, en el contexto de la ubicación en un lugar central de los DDHH de los pacientes, de las propuestas de desinstitucionalización, de generar dispositivos y recursos en el medio donde vive el paciente (con lo cual acordamos), estamos en un momento donde ha tomado fuerte impulso cierta corriente comunitarista, de trabajo en el territorio con las poblaciones llamadas vulnerables, con lo que acordamos, hicimos hace unos días un apuesta a que pueda articularse lo clínico con ese abordaje comunitario. Cuando algunos de los actores de este campo de la Salud Mental pregonan un rechazo de todo lo que es clínica, psicopatología y tratamientos, que se opondría supuestamente a un abordaje del “padecimiento mental” comunitario, planteo que el AT, en esta perspectiva, puede ser un nexo precisamente entre la singularidad subjetiva y algo del orden de lo universal, del “para todos” que recuerda la Ley de Salud Mental, del abordaje en territorio, priorizando por parte de la Salud Pública de sectores sociales postergados por décadas. Pero para eso es necesario que se formalice una inscripción de esta práctica desde el Estado, tanto en cuanto a su capacitación como en cuanto a sus incumbencias y reconocimiento como parte de las prácticas necesarias en un Plan de Salud Mental. Entiendo que en Mexico y en otros países la realidad es otra, dependiendo también de las regiones. Y que se formulan otras preguntas y líneas de acción al respecto, otras políticas. ¿Cómo apelar a que el Estado regule la formación de Ats?, en algunos países puede resultarles extraño escuchar esto, o contraproducente, de acuerdo a la situación en que se encuentran… En Argentina, hace unos años, el Movimiento Social de Desmanicomialización y Transformación Institucional de Bs As, respecto a la reforma que implicaría una nueva Ley Nacional en Salud mental afirmó: “la experiencia histórica demuestra que ningún cambio de raíz es posible sin el protagonismo de aquellos que tendrán que sostenerlo”17. Y sostiene que ese protagonismo involucra a tres 115 El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular actores ineludibles: Los organismos de Gobierno (Estado) y sus responsables. Los trabajadores del sistema de todos los niveles y especialidades. Y los miembros de la Comunidad. Comunidad que hoy todos formamos… Y acá ubico esta resignificación del lugar del AT, que fuimos planteando en estas décadas, que lo hace estar en clara sintonía con estas propuestas de transformación institucional y de sustitución de las lógicas manicominales. Y es necesario también hacer otra puntualización respecto a la historia del AT. En los comienzos del AT por los años 70, cabe consignarlo, el AT no se propone como esa herramienta de una política antimanicomial, de profesionales que impulsaban su inscripción en un proyecto de salud pública, de políticas en salud mental que incluyeran lo comunitario, la salida a lo social y la clínica, sino en el contexto de la práctica en la clínica psiquiátrica en forma privada, en el ámbito del consultorio e instituciones privadas. De una psiquiatría “dinámica”, con lecturas psicoanalíticas por parte de algunos de quienes comenzaban con el tema. Aunque algunas lecturas puedan ubicarlo en el contexto de una apertura en la clínica, como alternativa a la internación, como abordaje múltiple, y es así, es válido. Pero lo cierto es que sus primeros pasos fueron con pacientes de altos recursos económicos, lejos de aquellas propuestas transgresoras y alternativas al orden establecido en el campo psiquiátrico y psicoanalítico que aparecían en Argentina (como describí en textos anteriores). Puse el acento en que ese era el “marco” socio-politico, el de la búsqueda de recursos, herramientas, dispositivos, experiencias (que iban desde el Lanús de Goldemberg hasta la Comunidad de Caminos en Entre Ríos, pasando por los antecedentes de Pichon Riviere en el Borda y otras propuestas innovadoras), que tenían en forma marcada una dimensión Política, de incidencia en el terreno público, de intersección y debate con aquello que era el orden del poder del momento. Lo planteamos en términos de “condiciones de posibilidad” para el surgimiento de esta práctica, llevándolo tanto a un terreno Político más amplio, socio-económico y cultural en Latinoamerica, como al terreno de la política de las instituciones académicas, hospitalarias, y de las asociaciones de psicoanálisis, psiquiatría y otras disciplinas de ese campo que comenzaba a expandirse como “Salud Mental” en Argentina. Para finalizar, con este camino recorrido para el AT hasta hoy, a partir de conceptualizaciones que nos fueron dando otra consistencia en distintos países, propongo que sigamos impulsando, (de una vez y para siempre) la inscripción de esta Práctica, en una interlocución e interpelación, desde el AT a la Comunidad, a las comunidades -sean pequeñas o de las mas grandes-, respecto a qué hacer con la locura, que responsabilidad tienen los distintos actores e instituciones en plantear otro abordaje del malestar actual, de las locuras actuales, que no sea el encierro o el chaleco químico… Que es también interrogar a quienes organizan políticas en este campo (gobiernos, instituciones de salud, de educación, etc), y formular propuestas en estos atolladeros de la Gustavo Rossi 116 Salud Mental, y de la Educación Especial, donde por la eficacia del AT fuimos teniendo un lugar. Hoy y ayer, en síntesis, con el gusto de compartir esta Mesa, retomo esa apuesta a seguir enlazando, como en las distintas presentaciones, esto que a veces aparece en disyunción: la Clínica y la Política. Dando lugar a la complejidad de ambos términos (que incluso podríamos poner en plural), es al menos lo que hoy nos propusimos. Notas 1 Trabajo presentado en el CONGRESO INTERNACIONAL DE AT, MEXICO, NOVIEMBRE DE 2013. 16/11/2013. En la Mesa Redonda “Propuestas del Acompañamiento Terapéutico hoy: Clínica y Política” Con J.M.Rodriguez, F. Azcarate. Con correcciones posteriores. 2 At: Acompañante terapéutico. AT: Acompañamiento Terapéutico. 3 Rossi, G., (2007) “AT: lo cotidiano, las redes y sus interlocutores”, Polemos, Bs. As (3era edición 2013). 4 “El saber es un lazo”: Miller, J. en El lugar y el lazo, Paidós, Bs. As., 2013. 5 Iríamos a una presentación muy extensa y no quiero excluir acá a quienes tienen su práctica por fuera del dispositivo psicoanalítico. Aunque puedan confluir en su ética, en su orientación, en su política, pero esa es otra problemática. 6 Soler, C. Incidencias políticas del psicoanalisis. Edic. S&P, Barcelona, 2011. 7 Miller, J.A., El banquete de los analistas… Paidós, Bs. As., 2011. Y es mas interesante que luego dice que “el rasgo de Lacan en relación con el medio analítico era más bien la claustrofobia. Y con respecto al banquete se parecía más bien al pic-nic en las calles y los caminos”. 8 Miller, J.A.; de El lugar y el lazo. 9 En esta línea, como verán hoy estamos millerianos…tomo algunas ideas de J. A. Miller sobre el psicoanálisis aplicado a la terapéutica. Cf. P.50 de El lugar y el lazo. 10 J.A.Miller, en El banquete de los analistas, plantea estas cuestiones, y esto de condicionar la apertura 11 Rossi, G. y otros (comp.); Hacia una articulación de la clínica y la teoría Publicación de trabajos presentados en el Primer Congreso Nacional de AT, Ed. Las Tres Lunas, Bs. As., 1995. 12 Serie en la cual fuimos conociendo otros colegas de Mexico, Perú, ampliándose el grupo de Brasil y España, y ahí fue que nos conocimos con Blanca Fernandez Heredia, Kleber Duarte Barreto, Mauricio Porto y Marisa Pugés, en esos primeros años, y muchos más luego, aunque siempre mencionar algunos nombres deja afuera otros, y hasta puede leerse esa alusión como algo arbitrario o tendencioso… 13 Desde el psicoanálisis se ha planteado que una oposición tajante entre fines personales y fines de la disciplina no se sostiene, ya que es una práctica que depende del deseo de aquel que la sostiene, donde el analista es un operador. Cf. Soler, C. p.768. 14 Como lo expresó Guillermo Altomano en su carta de renuncia. 117 El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular La Práctica Profesional “Fundamentos clínicos del AT, Cátedra I” (Cod. 687), Materia optativa del Ciclo de Formación profesional, que vengo dictando en forma ininterrumpida desde el año 2002. 15 16 Tucumán, Chubut, Neuquén, La Pampa, Chaco, Jujuy, Corrientes, Entre Ríos, Santa Fé, Córdoba, Mendoza, Provincia de Buenos Aires. 17 Movimiento Social de Desmanicomialización y Transformación Institucional, Bs. As, Manifiesto año 2006. Gustavo Rossi 118 ENVELHECIMENTO E LOUCURA - II JORNADA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E ENVELHECIMENTO “ONG- GER-AÇÕES” ENVEJECIMIENTO Y LOCURA - II JORNADA DE ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICO Y ENVEJECIMIENTO - "ONG-GER-ACCIONES” AGING AND MADNESS - II JOURNEY OF THERAPEUTIC ACCOMPANIMENT AND AGING - "ONG- GER-AÇÕES” Katia Cherix1 RESUMO Na I Jornada de Acompanhamento Terapêutico (AT) organizada pela ONG GER-AÇÕES em São Paulo em 2009, abriu-se a discussão sobre as questões específicas do AT com idosos culminando na publicação do primeiro livro de AT e Envelhecimento do Brasil “Travessias do Tempo: Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento” em 2013. Na II Jornada: “Envelhecimento e Loucura” realizada em maio de 2014, o Núcleo de AT da Ger-Ações continuou apresentando seu sólido percurso clínico, sustentado por seu posicionamento ético, político e teórico propiciando a discussão sobre como as contribuições do campo da saúde mental, influenciado pelo movimento político da reforma psiquiátrica, pode iluminar o cuidado a idosos da forma que vem se configurando na atualidade. Com esta apresentação pretendemos contribuir para a discussão do campo do AT trazendo os frutos deste evento. A Ger-Ações, sustentada pelo embasamento teórico da Psicanalise, entende o envelhecimento como um processo que inicia com uma crise onde o sujeito, frente à perspectiva de dependência e finitude, é chamado a se reposicionar perante seus ideais, construindo projetos que levem em conta as novas limitações. Nesta perspectiva, o AT aparece como instrumento clínico prioritário pois oferece escuta e amparo à idosos e seus familiares enfocando projetos que deem sentido à vida. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Envelhecimento, Saúde Mental. ABSTRACT At the I Jorney about Therapeutic Accompaniment (TA) organized by ONG GER-AÇÕES at São Paulo in 2009, it opened up the discussion of specific issues with AT elderly culminating in the publication of the first brasilian book on TA and Aging “Travessias do Tempo: Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento” in 2013. At the II Jorney: “Aging and Madness” carried out in may 2014, the Ger-Ações TA Center continued presenting its solid clinical course, supported by its ethical, political and theoretical position providing a discussion of how the field of mental health contributions, influenced by the political movement of psychiatric reform, can illuminate the elderly care in the way that has represented today. With this presentation we intend to contribute to the TA field of discussion bringing the fruits of this event. The Ger-Ações, supported by the theoretical basis of psychoanalysis, we see aging as a process that starts with a crisis where the subject, facing the prospect of dependence and finitude, is asked to reposition their ideals before, building projects that take into account the new constraints. In this perspective, the TA appears as a priority clinical tool because it offers listening and support to seniors and their families focusing on projects that give meaning to life. KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Aging, Mental Health. 119 Katia Cherix II Jornada de Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento A Ger-Ações é uma ONG formada em 2007 em São Paulo por profissionais de diferentes áreas, preocupados com a questão do envelhecimento, que através de ações e pesquisas participam ativamente no cuidado e na construção de uma nova imagem para a velhice. A Ger-Ações promove cursos e eventos com o intuito de fazer circular novas práticas e conceitos teóricos a cerca dos diferentes temas ligados ao envelhecimento. Um dos núcleos de trabalho, presente desde a formação da ONG, é o Núcleo de Acompanhamento Terapêutico (AT). Este núcleo, formado por ats com longo percurso em saúde mental começou um trabalho pioneiro de acompanhamento terapêutico de idosos lidando com um tipo de atendimento especifico e complexo na interface entre as questões do campo da saúde mental e da clínica do envelhecimento. Em 2009, o núcleo de AT organiza a I Jornada de Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento quando se inicia uma discussão sobre as questões específicas do envelhecimento e da clínica, decorrente do encontro dos profissionais com este público. Foram abordados temas centrais, como o projeto no envelhecimento, depressão e demência, além de supervisão clínica de um caso de AT com idosos. Somaram-se três anos aos quatro anos de trabalho para a organização desta I Jornada para que a experiência clínica do Núcleo de AT da Ger-Ações culminasse no lançamento do livro “Travessias do Tempo: Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento” em 2013. Este livro, organizado por Natália Alves Barbieri e Carolina Guimarães Baptista, traz fundamentação teórica e relatos clínicos para quem se atreve a se lançar no caminho do AT com idosos, campo relativamente novo de intervenção. Assim, em maio de 2014, o núcleo de AT decide organizar uma II Jornada de Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento, desta vez, frisando a interface do nosso trabalho com as questões de saúde mental, com as quais, frequentemente nos deparamos. Neste evento sobre “Envelhecimento e loucura”, o Núcleo de AT da Ger-Ações continuou apresentando seu sólido percurso clínico, sustentado por seu posicionamento ético, político e teórico. Os Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações” 120 idosos ocupam lugar de desvalorização na sociedade atual e frequentemente perdem seu espaço de sujeito no encontro com o outro, por carregarem a marca da fragilidade física e da dependência, inspirando sentimentos ambíguos a quem lhes oferece cuidados. Da mesma forma que os portadores de doença mental enfrentaram um longo caminho para saírem do lugar de marginalizados, os idosos também lutam por seus direitos e por manterem-se lúcidos e autônomos dentro das dinâmicas familiares e das instituições que lhes oferecem moradia e cuidados físicos, em troca do cerceamento de sua liberdade. Na primeira mesa da Jornada, “Envelhecimento e Loucura: Redes de Atenção em Saúde mental”, Maira Peixeiro, AT membro da Ger-Ações desde sua fundação, apresentou o texto “Lógicas de exclusão no envelhecimento e na loucura: da institucionalização ao Acompanhamento Terapêutico”. Nesta densa apresentação, aponta a articulação da exclusão que opera na institucionalização tanto no campo do envelhecimento como no da loucura. Começa a apresentação citando Groisman (1999) e a descrição que este faz do primeiro asilo para velhice desamparada no Rio de Janeiro em 1912. A descrição é de um lugarlongínquo e abandonado sem laço algum com o resto da sociedade. Os que lá habitam são descritos pela freira que acolhe o investigador curioso como “criaturas desiludidas”. A velhice ocupa hoje em dia um lugar de exclusão e desvalorização como a loucura ocupava antigamente. No século XX, a velhice começa a receber um certo interesse social mas é colocada no lugar de um problema epidemiológico e previdenciário. Abrem-se novas perspectivas para a inclusão do velho mas cria-se uma categoria ideal:a de velhice ativa, do “jovem idoso”. Esta inserção social mantem a lógica de exclusão pois o idoso só é aceito socialmente se negar em si os aspectos que denunciam sua velhice. Nas instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) testemunhamos um apagamento subjetivo, não há espaço para projetos individuais e redes de articulação com o social, o que há muitos anos já existe para o campo da saúde mental. A comparação dos asilos para velhos com a rede de desospitalização e atendimento no território que se colocou em prática para os portadores de transtorno mental só anuncia o grande trabalho que existe pela frente para os que trabalham na clínica do envelhecimento. 121 Katia Cherix Alguns dispositivos alternativos como residenciais e centros-dia para idosos começam a surgir, têm potência, mas igualmente dificuldade em reconhecer o idoso como sujeito de desejo oferecendo na maior parte do tempo atividades moldadas na referência que os profissionais têm da velhice, fazendo pouco sentido para o idoso. Se pensarmos no início do trabalho de AT no Brasil, pensamos no fechamento das comunidades terapêuticas pela ditadura e o at, através da figura do auxiliar psiquiátrico, passa a subverter a ordem de internação e exclusão, possibilitando a circulação da loucura pelos espaços da cidade. Mais recentemente, no campo do envelhecimento, a função do at também subverte as lógicas de exclusão do velho em sua dimensão subjetiva. O trabalho do at, com sua escuta e olhar atentos para emergência da subjetividade e singularidade até nos casos de idosos portadores de patologias graves, posiciona-se politicamente quando se opõe às estratégias de homogeneização da velhice e à naturalização das dores do envelhecer. O trabalho de at deslocase da imperativa submissão ao discurso biomédico, que coloca os velhos como fracassados diante de ideais inalcançáveis e coloca oapagamento de si como condição para o cuidado pelo outro. O at, busca junto com o idoso, referencias possíveis de identificação que possam dar sentido á vida numa cultura que coloca a velhice num lugar tão negativo. Em seguida, Delia Goldfarb, fundadora da Ger-Ações, falou de seu percurso profissional na clínica do envelhecimento, do preconceito sofrido por querer dar lugar de investimento à um tema desvalorizado na Psicanálise. Delia sentiu na pele a reprodução da exclusão nos meios acadêmicos mas não desistiu de divulgar o tema do envelhecimento, particularmente com a publicação de sua tese de doutorado intitulada ”Demências” onde aponta uma hipótese psicogênica para o surgimento de certas demências. Para completar a mesa, Pedro Carneiro, médico psiquiatra atuante na rede de saúde pública, aponta direções para a criação de novos dispositivos clínicos que abarquem as demandas atuais como é o caso do programa de redução de danos que norteia as intervenções dos técnicos de saúde no centro da cidade de São Paulo. O programa “De braços abertos” oferece moradia e amparo para usuários de crack procurando dar visibilidade ao sujeito e não a sua condição de usuário. Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações” 122 A equipe também oferece atendimento em um consultório de rua, pratica inspiradora. Na continuação do evento, Fernanda Nokan, psicóloga com longo percurso na saúde mental, fez uma intervenção com todos presentes usando a metodologia do teatro do oprimido. Antes do evento, Fernanda reuniu-se com ATs da GerAções para ouvir relatos de experiências clinicas. No dia do evento, em conjunto com uma equipe de atores, Fernanda montou uma peça de teatro chamada “Vale idade: tem prazo?!”relatando a clínica do envelhecimento e através da metodologia, convidou o publico a participar ocupando o lugar dos atores e mudando o destino dos personagens da historia. O público participou ativamente desta intervenção reagindo com emoção e humor à história de Pérola, uma senhora a mercê de sua filha e cuidadora que tomavam todas as decisões acerca de sua vida sem nem sequer consultá-la. Através deste cuidado autoritário fica clara a relação de violência a qual idosos podem estar submetidos, completamente desconsiderados em sua subjetividade. A at, interpretada pela Fernanda, chegava para subverter a ordem ao perguntar sobre o desejo de Pérola e descobrir que esta queria ir ao parque. A at leva a idosa ao parque apesar da preocupações da filha e da cuidadora. Neste passeio, encontram um moço no parque, o qual Pérola acredita ser seu antigo namorado. O moço, numa representação hilária, se põe a gritar com a senhora, assumindo que por ela ser velha seria surda. De volta à casa, a filha anuncia à at e não à sua mãe que decidiu interná-la em uma ILPI. Várias pessoas do público sobem ao palco para interpretar figuras de cuidadora e de filha mais respeitosas em relação aos desejos de Pérola. Até Delia subiu ao palco para interpretar uma idosa mais autônoma e potente ilustrando assim a multiplicidade das formas de envelhecimento. No final da intervenção seguiu-se uma discussão sobre o tema da institucionalização que, no Brasil, ainda é muito marcada pelo significado do abandono e da caridade mas que em outros países já é vista como uma possibilidade de cuidado e autonomia. Também surgiu uma discussão acerca do papel dos diferentes profissionais da saúde na assistência ao idoso e da importância de oferecer uma escuta ao sujeito mesmo quando isto significa colocar-se aquém do politicamente correto e do discurso biomédico. 123 Katia Cherix Na segunda parte da Jornada, Roberta Elias Manna, at da Ger-Ações, apresentou um caso clínico para ser supervisionado por Moisés Rodrigues da Silva Junior do grupo Projetos Terapêuticos. Corajosamente, Roberta apresenta um caso onde a filha angustiada gostaria que a mãe fizesse um AT porém a idosa não tinha interesse por receber este atendimento. A filha encontra-se extremamente angustiada pois sua irmã, com quem a mãe mantinha uma relação de extrema proximidade, faleceu recentemente. Roberta recebe a filha no consultório para acolher a angustia e entender a dinâmica familiar. Tenta construir junto à filha uma entrada para a at: se mostrar como alguém do meio médico poderia fazer a mãe aceitar recebê-la. A senhora aceitou a presença de Roberta porém não se sentia à vontade ocupando o lugar de quem estava sendo ajudada. Roberta começa a perceber que a senhora a recebe mais por educação e pelas convenções sociais do que por realmente querer os encontros. A senhora, que tem diagnóstico de Parkinson, durante um quadro de agitação, agride a cuidadora. A filha se desespera e pensa em internar a mãe numa ILPI. Roberta faz inúmeros acolhimentos telefônicos a esta filha que encontra-se desamparada frente à tarefa de cuidar da mãe. Roberta, não quer abandonar esta filha que pede ajuda e nem esta mãe que não quer a ajuda. Mesmo medicada, a idosa frequentemente delirava e durante um AT, Roberta acompanhou um destes episódios onde a senhora encontra-se apavorada achando que está em um hotel e passa a ter Roberta como uma aliada frente à angustia de encontrar-se numa situação onde sente-se só frente à pessoas desconhecidas. Através do delírio, consegue falar da sua relação com a filha que faleceu e pede a Roberta que a leve para sua casa. Roberta decide não dar continuidade aos atendimentos pela senhora não querer sua companhia. Por outro lado, a filha mostra-se grata ao amparo recebido e começa um atendimento individual com Roberta. Na sua fala, do lugar de supervisor, Moisés aponta a importância de não ter dado continuidade ao atendimento já que era contra a vontade da idosa. Aponta a dificuldade de vincular-se com uma senhora que oscilava muito de humor. Roberta pensava muito neste caso, sentia-se tomada pois nunca sabia o que esperar durante as visitas, não sabia o quanto poderia aproximar-se e o quanto deveria ausentar-se. Em alguns atendimentos a senhora mostrava-se regredida Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações” 124 e solicitava a ajuda de Roberta para ações simples porem não sustentava esta relação de ser cuidada. Roberta usava a técnica do Holding durante os atendimentos para fazer a paciente se sentir acolhida e amparada além da escuta psicanalítica para poder posicionar-se transferencialmente. Tinha uma experiência mortífera durante os atendimentos onde sentia esta senhora muito desorganizada, psicótica e fragilizada, absorvida pelo trabalho de luto pela morte da filha. Moisés chama a atenção para a maneira como Roberta investe no caso emocionalmente, disponibilizando diversos horários para atendimentos como proporcional ao desinvestimento que a senhora demonstrava pelos ATs e pela sua própria vida. Com a morte da filha com quem a senhora mantinha uma relação simbiótica, sua desorganização mental foi ficando cada vez mais evidente. É possível pensar que como Ats de idosos, dos deparamos muitas vezes com questões graves de saúde mental e que o trabalho do AT fica numa imbricação entre a clínica da saúde mental e do envelhecimento. Um adoecimento queficou escondido durante a vida, desperta ou se intensifica com a situação de fragilidade do envelhecimento. A reação dos participantes do evento foi muito positiva mostrando um crescente interesse do público para eventos sobre o tema do envelhecimento. Recebemos um retorno importante dizendo da importância de ter intervenções com o intuito de aproximar os campo do envelhecimento e da saúde mental pois, com o aumento de familiares e idosos buscando cuidado, novos dispositivos clínicos e teóricos precisam ser desenvolvidos afim de acompanhar os idosos nos mais singulares processos de envelhecimento. Notas 1 Psicóloga Referências bibliográficas BARBIERI& BAPTISTA, Travessias do Tempo: Acompanhamento Terapêutico e envelhecimento, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2013 GOLDFARB, D. Demências.São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006 GROISMAN, D. Asilos de velhos: passado e presente, Estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento, v.2, 1999 125 Katia Cherix Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações” 126 OS EREMITAS URBANOS THE URBAN HERMITS LOS ERMITAÑOS URBANOS Arthur Tufolo RESUMO Este artigo trata de fazer uma reflexão sobre o trabalho do AT a partir de um modo de existir, um modo de existência que nos parece muito comum nos dias de hoje e que diz respeito ao desolamento em sua relação com o isolamento. Nos referimos aos inumeráveis casos de pessoas que vivem entocadas em suas residências. Refletimos se esse modo de estar no mundo não é uma forma de proteção contra as agressões que vem de fora. Podemos pensar que esse modo de existir possui características peculiares que envolvem medo, angústia e ansiedade. E ao nosso entender para acompanharmos esses que se recolheram temos que aprender a também nos recolher. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Eremita, Heidegger RESUMEN Este artículo trata de una reflexión sobre el trabajo del AT desde un modo de ser, un modo de existencia que parece muy común en estos días y que se relaciona con la desolación en su relación con el aislamiento. Nos referimos a innumerables casos de personas que viven enterradas en sus hogares. Si reflexionamos esta forma de ser en el mundo no es una forma de protección contra los ataques que vienen de fuera. Pensamos que esta manera de ser tiene características únicas que implican el miedo, la angustia y la ansiedade. Y en nuestra opinión seguimos para los que fueron recogidos tienen que aprender a recoger nosotros también. PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Ermitaño, Heidegger ABSTRACT This article deals with a reflection on the work of the TA from a mode of existence, a mode of existence that seems very common these days and with respect to the desolation in their relation to the isolation. We refer to innumerable cases of people living burrowed in their homes. If we reflect this way of being in the world it is not a form of protection against attacks coming from outside. We think that this way of being has unique characteristics that involve fear, anguish and anxiety. And in our view to follow for those that were retracted we have also learn to retract. KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Hermit, Heidegger A etimologia revela a origem das palavras e costuma libertar o sentido daquilo que se quer investigar. Sendo assim, comecemos. Eremita: do grego eremités e pelo latim eremita; também significa pessoa que vive no ermo. Já o vocábulo Ermo, do grego éremo e pelo latim eremu significa lugar sem habitantes, deserto, descampado, desolado; ou ainda solitário, desabitado, desertificado. Diríamos desamparado? 127 Os Eremitas Urbanos Possuir uma existência (acontecência) desertificada, e viver em uma "toca" para não ser tocado. Entocar-se parece ser o modo de isolamento preferido para o desolado. Podemos a partir disso começar a perguntar por essa pessoa. Quem é esse que se torna um ermitão? Será que o faz por escolha? De que precisa ele se isolar em seu desolado reduto deserto? O que o ameaça tão visceralmente? Refiro-me a esses inumeráveis casos de pessoas que vivem entocadas em suas ‘residências-colméias’ espalhadas pelas metrópoles do mundo. Desconheço estatísticas brasileiras. No Japão já passam de 1,2 milhões e são chamados de ‘hikikomoris’. Há pouco tempo foram notícia trágica no mundo, pois nove deles se juntaram usando a Internet como ponte de comunicação e promoveram um suicídio coletivo. Os que conheci aqui pelo Brasil, entre amigos, pacientes e outros tantos, de tantos tipos, eram prisioneiros (nem todos) de um modo de existir, emocionalmente falando, em que somente o acuar-se, o retirar-se do mundo dentro do próprio mundo permitia um mínimo de pouso sem nenhum repouso, sem paz de espírito (mas afinal quem a tem de verdade?). Alguns até que se cuidam muito bem, não estão tão comprometidos, mas simplesmente não acham que vale a pena conviver com todos nos moldes mais corriqueiros do dia a dia. Outros são ‘bernardos-eremitas’. Há no mar um crustáceo de nome curioso: bernardo-eremita é um tipo de lagostim que possui a parte anterior do corpo completamente sem proteção de carapaça. Ele é em carne viva, justo na retaguarda onde está mais vulnerável. Para se proteger, procura conchas que outrora foram moradas de moluscos. Ao encontrá-las, ele se enfia nelas pelas costas, e pronto: carrega consigo a armadura para se proteger de agressores. Todos nós, de alguma forma fazemos isso. Nossa pele, nossas roupas, nossas couraças musculares, nosso intelecto, etc., etc., nossa auto-estima. Usamos tudo isso para nos proteger. Protegemos principalmente o que é em nós carne viva. Às vezes conseguimos um exoesqueleto tão duro que corremos o risco de calcificar. Podemos endurecer por fora e por dentro e até sofrermos, por exemplo, um enfarto, mas isso é Jorge Luis Pellegrini assunto para um outro artigo. 128 Às vezes podemos usar a proteção de um outro ser, usá-lo como conchaprótese para nos amparar. Outros, como aponta Yves Leloup em seu ‘Deserto Desertos’, retiram-se para forjar no silêncio a própria identidade, à medida que se despojam de si mesmos e enfrentam seus demônios. O deserto é um lugar propício para um intenso encontro consigo mesmo. Outros, ainda bem mais comprometidos, não têm outra opção que não o recuo para suas fronteiras, que muitas vezes coincidem com a porta de seus quartos. Costumam dormir durante o dia, habitantes das trevas, longe do tumulto. Internet e televisão nas madrugadas são seus contatos com o mundo de fora. Podemos pensar que esse modo de existir possui características peculiares. Ele envolve medo, angústia e ansiedade. Neste sentido, muitas vezes esse modo afinado de estar no mundo tem muitas características da síndrome do pânico, tão comum e epidêmica nos nossos dias. O medo é de quase tudo e de todos (incluindo de si mesmo). A angústia parece não estar presente. A ansiedade é a verdade do medrar. Aquilo de que se teme estar diante sempre é, como diz Heidegger, um algo que vem ao encontro dentro do mundo : “...O que se teme possui o caráter de ameaça... Esta sempre adviria de uma determinada região e, esta e o que vem dela como temível possui a não familiaridade...O que ameaça nunca se acha no medo, numa proximidade dominável, ele se aproxima” (Heidegger M.-SER E TEMPO Petrópolis,Vozes pg-195). A experiência é de estar impotente em relação à ameaça. Afinado e determinado pelo medo, esse existir se encontra aprisionado por essa armadilha. O medo desvela esse ente-homem no conjunto de seus perigos, no abandono de si mesmo. Responsável completamente por si e sem ainda possuir recursos para lidar com tal grau de ameaças, esse ser humano só encontra possibilidade de sobrevivência dentro do que ainda se preserva como familiar: SUA TOCA! Se nos reportarmos às suas histórias pessoais detectamos que os cuidados paternos de alguma forma foram negados ou insuficientes. O psiquiatra japonês, Dr. Tamaki Saito, refere-se assim à DDAP - Distúrbio de Deficiência da Atenção do Pai - como um motivo comum que traria essas consequências para esses 129 Os Eremitas Urbanos eremitas. Mas não nos enganemos: filhos criados sob intensos cuidados também apresentam esses sintomas. Não raro podemos encontrar, na verdade, várias maneiras de um não cuidar. Usar um filho como resposta às próprias necessidades pode ser até mais prejudicial do que abandoná-lo. Muito ajuda quem pouco atrapalha é um ditado bem conhecido por todos. Mas, muitas vezes, para os envolvidos, essa é a única forma de relacionamento possível naquelas circunstâncias específicas. Segundo Winnicott, fazer mal a alguém é não estar lá quando ele precisa de você. Mas, é claro, deve-se ressaltar que esse estar presente deve contemplar a necessidade do ponto de vista daquele que requer sua presença. Isto implica em reconhecimento do outro como outro, uma alteridade. Cuidar para me encontrar com o outro em sua singularidade. Isso me forçaria, me convocaria para meu próprio ser singular, e aí posso acolher o outro numa ‘solicitude devoluta’ (Heidegger M-SER E TEMPO Petrópolis,Vozes pg-173), que não impõe suas carências nem impõe a mim (o outro) a culpa por não preenchêlas. Costuma-se brincar dizendo-se: “menino, ponha a blusa porque sua mãe está com frio”. Pode parecer a primeira vista um cuidar, um cuidar talvez excessivo, mas de qualquer modo isso sugere como aquele que ainda não dá conta de sua própria existência e que portanto depende de cuidados alheios pode, desde ao se tratar de uma bobagem como usar ou não uma blusa, até questões mais importantes e fundamentais para sua existência, ser impedido de se constituir em sua singularidade, o que pode levá-lo a sucumbir diante das exigências do mundo, por não contar consigo de forma suficientemente confiável para arcar com o que ele entende que terá que constituir como resposta. Sendo assim, acompanhamos esses que se recolheram, indo até eles lá, onde se encontram e, uma vez autorizados a ali permanecer, suportando esse estar ao lado. Isto pode e é uma excelente proposta de abertura de um espaço para a terapia. Mas isso não será possível. Um contato real não se estabelecerá senão a partir da experiência de si mesmo como eremita. Preciso, antes de mais nada, de um contato íntimo comigo mesmo, (re)conhecer em meu deserto os meus abismos, em minha solidão os meus demônios. Só poderei compreender aquilo que, em minha própria alma, não me for estranho e ainda assim, paradoxalmente, o outro Jorge Luis Pellegrini 130 permanecerá completamente outro em sua experiência. Em outras palavras, é preciso que eu possa me bastar. Mas, o que isto quer dizer? Aí vai mais um recurso etimológico: bastar vem do germânico bastázo que significa sustentar, e do latim vulgar bastare, ser bastante, suficiente, ter suficiência própria. Neste sentido apenas quando me basto, posso então abrir espaço (bastante) para qualquer outro poder ser a partir de mim. Pois me sustento e isto cria um campo de presença que não pressiona, apenas convida de forma mais ou menos isenta. Mais cedo ou mais tarde, se for possível, o outro se tornará independente e voará com as próprias asas escolhendo em liberdade aonde deseja habitar: se junto aos outros ou solitariamente. Neste caso, a diferença agora é que ele estaria escolhendo não ir para o mundo, podendo tomar conta de si. Escolher e realizar seu próprio destino. Algo que antes só podia visitar em suas fantasias. A idéia, então, é a de que alguém que aprendeu a nadar vá em busca do afogado, mergulhando profundamente no mesmo mar, arriscando-se ao mesmo afogamento e em companhia, apenas em companhia envolvida e comprometida, possa abrir um espaço que se tornará útil para que este outro ouse braçadas salvadoras. Enquanto isso, interferir apenas para garantir que o outro não morra é a única licença à regra: muito ajuda quem pouco atrapalha. Neste ponto gostaria de continuar apenas levantando questões. O que quer dizer escolher ser um eremita para ajudar outros? O que é mesmo fazer uma viagem interior para saber de si mesmo? O que acontece nessa viagem para que milenarmente se afirme que isso seria suficiente para proporcionar sabedoria e transformá-la em ferramenta para abrir tantas portas? Por que todos continuam a afirmar (menos nossa ciência metafísica) que só eu é que posso ter o poder de curar a mim mesmo? Recebo ajuda para não me afogar, mas só eu posso continuar minhas braçadas. Enfim, acho que pilhas de perguntas podem continuar sendo colocadas, muitas delas para as quais temos ilusão de possuir as respostas; outras devem continuar resistindo ao imenso mistério que somos. Um bom homem verdadeiramente interessado em si e nos outros conta com isso. 131 Os Eremitas Urbanos Referências bibliográficas LELOUP, Jean-Yves. Deserto, desertos. Petrópolis: Vozes, 1998. HEIDEGGER, M. Ser e tempo, Partes I e II, Petrópolis: Vozes, 2002. Jorge Luis Pellegrini 132 LA IDENTIDAD DEL ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO, UN PROCESO EN CONTRUCCION THE IDENTITY OF THE THERAPEUTIC COMPANION, A PROCESS UNDER CONSTRUCTION A IDENTIDADE DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO, UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO Jorge Luis Pellegrini1 RESUMEN Este artículo trata de la cuestión de la identidad del AT. El AT y los AT están en su momento histórico fundacional. El AT en éste, su momento instituyente, está construyendo su propia identidad, arrastrando tinciones del pasado, independizándose de las disciplinas originarias. De ellas algo lleva y, también, algo abandona. Nada nuevo se conforma sin incrustaciones de lo viejo. Los acompañantes terapéuticos primero fueron actores en busca de un autor. La búsqueda continúa hacia una identidad propia, aún no constituída plenamente, pero ya gestada. PALAVRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Identidad, Salud Mental ABSTRACT This article deals with the TA identity question. The TA and the TAs are in their historical moment founding. In this instituting time, the TA is building its own identity, dragging spots of the past, making it inependente of originating disciplines. It leads them something and also leaves something. Nothing new forms without the old scale. The therapeutic companions were first actors in search of an autor. The search continues toward its own identity, not yet fully formed, but already gestated. KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Identity, Mental Health RESUMO Este artigo trata da questão da identidade do AT. O AT e os ATs estão em seu momento histórico fundante. O AT neste seu momento instituinte, está construindo sua própria identidade, arrastando manchas do pasado, tornando-se inependente das disciplinas originárias. Delas leva algo e, também abandona algo. Nada novo se forma sem incrustações do velho. Os acompanhantes terapêuticos primeiro foram atores em busca de um autor. A busca continua em direção a uma identidade própria, ainda não constituída plenamente, mas já gestada. PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Identidade, Saúde Mental Mi mirada va a estar puesta en el ámbito público. En el campo de la Salud, la Educación, la Justicia, la Niñez. Esto es así porque ése es mi campo exclusivo de trabajo, docencia, investigación. Yo sé que entre Ustedes hay quienes se 133 Talita Severo Santos desempeñan en el campo privado. Es probable que algunas palabras que yo trasmita les resulten útiles o familiares y así lo espero. Desde el comienzo de mi actividad hospitalaria, hace ya casi cincuenta años, mi interés, mi vocación, mi curiosidad me volcaron al campo de la Salud y la Enseñanza Públicas. Quizás porque esa sea parte de mi historia personal, y también por entender que ambas deben ser un derecho accesible a nuestro Pueblo. Esta práctica científica y social me llevó a preguntarme siempre quienes eran esas personas que venían a mi encuentro para ser asistidos, ayudados. Lo cual, como es obvio, me llevaba a su consecuencia inmediata: quien soy yo en ese aquí-ahora. Es decir: interrogarme sobre un aspecto de mi identidad personal, y de mi identidad profesional. Me resultó claro desde el inicio que esa pregunta era de imposible respuesta si yo desconocía al sujeto puesto a mi cuidado y acompañamiento. Ahora:¿Cómo hacer para aprender sobre la existencia de ese otro al cual yo debo escuchar bien, hablarle de modo que mis palabras le lleguen, y actuar con una conducta acorde a su sufrimiento? Era evidente que el interrogatorio individual que se restringiera a su motivo de consulta me dejaba en la superficialidad y transformaba a ese sujeto en una colección de síntomas, signos y síndromes que, en todo caso, satisfacían a mi biblioteca pero no a mi necesidad de saber. Lo primero resultó encontrar lenguajes comunes, de mutua comprensión. Por ejemplo: ¿Qué significan las palabras “familia” o “pobreza” (por citar algunas) en boca de un paciente consultante? Es inmediato que nosotros refiramos el contenido y la historia de esos vocablos a nuestra idea sobre ellos. Que creamos que ambos decimos lo mismo porque usamos las mismas palabras ¿Pero las imágenes, valores, y significados que tienen para el asistido y para nosotros son iguales? Recuerdo, hace años, que un compañero, atendiendo a una familia campesina de la meseta patagónica, había consignado “familia promiscua”. Cuando leí eso le pregunté porqué había escrito tal definición que ponía al grupo humano en el límite de la perversión. Se trataba que padre, madre y hijos dormían todos en el mismo colchón, tapados con los mismos jergones, con baño precario afuera, y él había deducido que, en esas condiciones, era obvio que sucediera algún contacto físico o erótico entre miembros de la familia, y que los padres tuvieran Jorge Luis Pellegrini 134 relaciones al lado de los hijos. Vivían en un lugar de intensos fríos invernales durante seis meses; poseían una sola habitación de adobe; No tenían pijamas o ropa de dormir; las cobijas alcanzaban escasamente, comían una vez por día un alimento guisado; dormían en el suelo, los vientos (frecuentes en la zona) respetaban poco las paredes. ¿Qué esperaba mi compañero que hicieran para vivir? O mejor dicho ¿para sobrevivir? ¿Desde qué mirada tal cuestión resultaba promiscua? Desde una casa – la de mi compañero de tareas – con varias habitaciones, calefaccionada, sanitarios, ropa de cama y sábanas con frazadas, bien alimentados, cama y muebles. Es decir: su mirada no era la del paciente sino la propia proyectada en éste. Esta errónea adjudicación de significados en las palabras lleva a pensar que nuestro mundo, nuestro lenguaje no es el de las personas que asistimos, pero ellos deberían ser, en definitiva, la razón de existencia de nuestra identidad profesional. Somos médico o AT porque hay seres humanos que necesitan de nuestros conocimientos y nuestra práctica. Es su visión del mundo, su habla, su presencia la que debe ocupar el centro del hecho sanitario. Esto se refleja dramáticamente en lo que llamamos encuadre (o setting). Pretendemos muchas veces que nuestros pacientes se ajusten a la técnica conocida por nosotros, cuando es esa técnica la que debe ser puesta a disposición del enfermo como herramienta para su rehabilitación. Y vuelve la pregunta ¿quién es ese ser humano puesto frente a mí? ¿Alcanza con el interrogatorio habitual sobre su estado actual? ¿Es por ese medio que podremos encontrarnos con él, tal como él es? Pensarlo así sería pensar en el hombre aislado de su historia, de su biografía y de sus vínculos histórico-sociales. Es atender incompletamente sólo a su estado actual sin poder comprender la génesis de sus padecimientos, el valor que para él tiene las palabras, el sufrimiento, el dolor, el bienestar, el trabajo, la familia, los amigos, las vocaciones, el trabajo, el cansancio, su propio padecimiento. Ahí es cuando nos transformamos en detectives de signos y síntomas generalizados, para los cuales ensayamos siempre las mismas “soluciones”. Olvidamos que ese sujeto, además de presentarnos su dolencia conserva aspectos sanos con los que debemos contar para acompañarlo en su recuperación. Me refiero a su 135 Talita Severo Santos cariño hacia la familia, su necesidad de trabajar, su deseo de curarse, su recuerdo hacia la casa que extraña si está internado, los amigos que lo esperan del otro lado de la puerta, sus gustos y aficiones, su pertenencia a la junta vecinal, el club barrial, a los domingos futboleros. O sea: a todo lo que constituye la vida cotidiana elegida. Ese que tenemos ante nosotros es un argentino de su tiempo. Un cuyano ¿Sabemos qué quiere decir eso? ¿Lo preguntamos? ¿Conocemos sus ideas sobre la salud y la enfermedad? ¿Cuáles son sus convicciones?¿Son las nuestras?¿Hemos hecho lugar en nuestra entrevista para que él sintiera que su vida nos interesa y tiene valor? Hay quienes con mucha liviandad, dicen que los argentinos no tenemos identidad. Observando nuestra historia y nuestro presente observamos la presencia indiscutible de las regionalidades. Basta escuchar el habla de un porteño o un litoraleño para ubicarlo en el mapa, intuir sus costumbres, su conducta, su idea de la salud y la enfermedad. El payé o la solapa correntinos, el pomberito son una búsqueda de explicar fenómenos cotidianos relacionados con la salud, recurriendo a sistemas de creencias. O el amor heroico al Gauchito Gil. El conocimiento de nuestras identidades regionales nos lleva ineludiblemente a conocer la historia constitutiva de esas improntas locales. Cuyo. Como todo nuestro país, reconoce tres afluentes principales de su origen étnico: los pueblos orginarios, los criollos y los inmigrantes europeos. A la vez la composición que cada clase social tiene es diferente según se trate de uno, otro u otro de esos tres afluentes. Como dije al inicio, mi referencia es el ámbito público, en el cual lo predominante es el elemento criollo y su propio origen en el mestizaje con los pueblos originarios o los españoles americanos. Es cierto también que descendientes de inmigrantes concurren al espacio público por razones, en general, de su empobrecimiento. Debo hacer una aclaración fundamental. En ninguno de los casos mencionados puede hablarse de estados puros, dado que si algo existe en los pueblos es el entrecruzamiento. La historia nos marca que las corrientes conquistadoras españolas ingresaron al hoy Cuyo desde el otro lado de la Cordillera de los Andes, a diferencia de las corrientes atlánticas que invadieron el Río de la Plata. En Cuyo el exterminio de Jorge Luis Pellegrini 136 pueblos originarios remitidos los sobrevivientes al reino de Chile adquirió dimensiones enormes y silenciadas por las versiones oficiales. En el caso cuyano los conquistadores provenían en gran parte de Andalucía y entre sus cargas traían la guitarra de origen moro, expresión de los mil años de ocupación de ese pueblo en tierra andaluza. Con ella el canto, en el cual aún hoy es notable aquel origen dominado por la colocación nasal de la voz, el falsete de la misma y los tonos abaritonados de los cuales Antonio Tormo y el mismo Carlos Gardel tanto uso hicieron. Estas corrientes migratoria andaluzas impusieron sus apellidos de origen español, y su formación religiosa tradicional. En el caso cuyano la espada conquistadora se acompañó de la evangelización y los tribunales de la Inquisición, los cuales, a diferencia del litoral argentino, contribuyeron a darle al catolicismo un fuerte sesgo conservador. ¿Cómo se expresa esto hoy en las entrevistas y acciones que tenemos con nuestros asistidos? Estas creencias, con los ajustes propios de los tiempos, han de encontrarse presentes en quienes concurren a las instituciones públicas, y el AT ocupa un lugar social privilegiado para investigarlo. Las costumbres, las convicciones morales, la posición frente a los conflictos vitales y sociales de cada sujeto dependen en gran medida de estas ideas y creencias cuyo origen sigue tiñendo el presente. Como enseña Winnicott la construcción de la Identidad es un espacio de pasaje entre la realidad histórico-social y el psiquismo, en el que juegan rol trascendental las leyendas, melodías, paisajes (lo que PichonRiviere valorizó cuando rescató la noción de “pago”), mitos, héroes, canciones e historias regionales. Ello muestra que no podemos hablar de identidades únicas sino de identidades determinadas por la historia, y por la pertenencia a familias, pueblos, naciones, regiones. Entre otros el lenguaje es una excelente vía de acceso al análisis de estas particularidades locales. Basta oir a un provinciano cuando habla para detectar su origen, su visión, su manera de ser. El habla cuyana, tan apegada a la i latina (io, cabaio) nos aproxima más a las palabras del pueblo chileno que a las del habitante de Buenos Aires, que hace de la i una 137 Talita Severo Santos “eshe”. Nuestra música paisana, la cueca, es afín con la misma chilena, aunque ésta es más rápida. Y la sanjuanina, a su vez, es más rápida que la puntana. Las tres provincias cuyanas fueron de las 14 provincias que se reunieron para constituir un país, el nuestro. Este carácter fundacional constituye a nuestras provincias en referentes esenciales del pasado común. Hace a nuestra identidad, y hace, también, a un modo de concebir la Argentina, con el sentimiento generalizado de ser periféricos respecto del poderoso centro portuario rioplatense. Somos mediterráneos. Vivimos más al compás de la tierra que pisamos, de sus frutos, y de la producción que nos caracteriza. Mendoza y San Juan el vino: todo un pueblo pendiente del sol, el granizo. San Luis el ónix. Es tan fuerte esto que al verse los pronósticos meteorológicos originados en Buenos Aires, lo que allá es mal tiempo para nosotros es bueno. Ese carácter mediterráneo nos hace más reflexivos, no tan abiertos a las novedades como el habitante de los puertos o las jóvenes poblaciones patagónicas, para los cuales es habitual la novedad extraña, como ya sucedía en épocas de la Colonia. Hay una cultura común con matices provincianos. Hay una identidad cuyana que nos proporciona similitudes y diferencias. Es frente a ella, y sus portadores que estamos colocados en cada entrevista con nuestros asistidos en el espacio público. Se dirá, quizás, que nunca vimos o escuchamos algún ser humano que nos expresara todo esto. La pregunta inmediata es ¿hemos dado nosotros tiempo y oportunidad para que ello sucediera¿ ¿hemos tenido presente esta cuestión identitaria?¿ hemos creado un clima confiable que trasmita la importancia de estos relatos capaces de personalizar la consulta? Hace 22 años comenzó en San Luis el Proceso de Transformación Institucional del entonces Hospital Psiquiátrico. Un recurso esencial del mismo fue acompañar a los pacientes de larga estadía y sus familiares en el proceso de reinserción social. El hospital no se desentendió de su obligación de acompañar la externación de los recluidos cronificados. Instalamos “el hospital en la calle” Hicimos realidad una de las acepciones del término “curar” que dice “acompañar”, “cuidar”. Hubiera sido imposible llevar a cabo esa Transformación sin dicho acompañamiento. No éramos AT, pero hicimos AT. Así sucedió con el AT y con los AT. Respondiendo a una necesidad humana, otros humanos empezamos a producir una práctica que satisficiera dicha Jorge Luis Pellegrini 138 necesidad. Algo de la Medicina y algo de la Psicología se juntaron para este acto conceptivo. Otras prácticas y sus ecos acompañaron el nacimiento: el Servicio Social, las comadronas, amas de leche, nodrizas, cuidadoras, visitadoras sociales, curadores populares, aportando sus centenarias experiencias y conocimientos en función del curar, cuidar, acompañar, proteger, soportar, contener, apoyar. El AT y los AT están es su momento histórico fundacional. Nada nuevo se conforma sin incrustaciones de lo viejo. Los acompañantes terapéuticos primero fueron actores en busca de un autor. La búsqueda continúa hacia una identidad propia, aún no constituída plenamente, pero ya gestada. A todos nos fue enseñada una Psicología individual acabada en si misma, constituida por distintas piezas aisladas y aislables. Nos dijeron que la Psiquis (nunca claramente definida) tenía esos territorios delimitados y definidos rígidamente. Nos hablaban de Memoria, Atención, Inteligencia, Emoción, etc. como categorías propias del psiquismo. Cada una constituyendo una isla, de donde – en el mejor de los casos – el individuo podía constituirse en archipiélago. Comprendimos después que ese individualismo clásico era un artificio divorciado de la realidad, y que cada uno de nosotros tiene un psiquismo permanentemente desconstruido, reconstruido, interrogado, reformulado. Un psiquismo abierto, entrelazado y atravesado por vínculos, historias, cambios, modificaciones. Un psiquismo que, siendo parte de la Naturaleza, va mutando como y con ésta. A su vez el tejido social y el devenir histórico son tramas cambiantes de determinaciones sobre nuestro psiquismo. El AT en éste, su momento instituyente, está construyendo su propia identidad, arrastrando tinciones del pasado, independizándose de las disciplinas originarias. De ellas algo lleva y, también, algo abandona. Vengo participando de los encuentros nacionales AT desde el primero en octubre 2003. Eran los psicólogos clínicos y pocos médicos los que orientaban la disciplina en ciernes, y protagonizaban las exposiciones científicas. Marcos referenciales de esas disciplinas profesionales pasaron a ser basamento del AT que se instituía buscando su propio hábitat, su campo particular de tareas, y hasta un lenguaje que le fuera inherente. Las distintas escuelas psicoanalíticas, 139 Talita Severo Santos o el cognitivismo en sus distintas variantes, la Psicología social, el Psicodrama, etc., instrumentos teóricos de las Ciencias de la Salud, debieron también transformarse para ser ideas útiles en este fundante llamado AT. El acompañamiento como todo lo concebido y luego naciente, encontró un mundo ya funcionando que, por ese mismo funcionamiento, esperaba la llegada del nuevo habitante. Nada de espera amable o angelical, porque así como cada recién arribado al mundo debe abrirse camino a los codazos, con sus aún débiles razones, el AT debió arar un nuevo campo respondiendo o balbuceando lo que las otras disciplinas no pudieron contestar plenamente. La Medicina, el Trabajo Social, la Psicología tienen entre sus tareas esenciales acompañar al humano que los necesita. Sostenerlo. Prestarle soportes. Sin embargo el mundo de esta época, cada vez más parecido a aquella Psicología individual, artificiosa, y libresca, entierra valores humanos imprescindibles para el acompañamiento y convivencia humanos. Me refiero a la inexistencia de códigos comunes normando subjetividades con solidaridad, tolerancia, claridad de normas respetadas, aceptación de la diversidad, posibilidad de pensar autónomamente, libertad creativa. En estas sociedades canibalísticas de nuestra época, en estos cien años de soledad, renacen sus contrarios: el acompañamiento, el encuentro, la grupalidad como herramientas únicas capaces de transformar islas en continentes. Momento fundacional, instituyente del AT. Se construye con lo que hay y con lo nuevo que se crea, porque lo viejo ya resulta precario mientras lo nuevo tiene un parto laborioso, prolongado con desenlace a veces incierto. Es un momento de quiebre creativo, audazmente inventor para transformar la incertidumbre en un mazo de naipes ganador. Requiere saber que somos capaces de animarnos a saber, y también de cultivar la audacia creativa sin tranquilizadoras recetas únicas sacralizadas. Los movimientos instituyentes chocan con resistencias sociales, culturales, científicas, políticas. Son lo que Ray Bradbury llamó “Los fantasmas de lo nuevo”. Esos movimientos deben superar sus propias tendencias a la repetición, a la burocratización del pensamiento, a la práctica circular estereotipada. Por lo contrario se impone no sentir que “ya está”, o que estamos en la línea de llegada, sino que estamos construyendo un permanente punto de partida. Es preciso leer las necesidades insatisfechas de nuestro mundo, que, hoy – a lo sumo - se Jorge Luis Pellegrini 140 atiborra de “noticias”. Me decía ayer el dueño de un mercadito en El Trapiche, que pasa mucho tiempo trabajando con la tele prendida, y que eso no lo deja pensar. Que todo va pasando velozmente sin que él lo pueda entender. Que no puede pensar las cosas porque no le dan tiempo. “Ahora que me paro a hablar con Usted me doy cuenta solo”. Quizás yo le hice de soporte, de espejo, de vecino, pero el momento compartido lo ayudó en su descubrimiento. En el cuyano San Luis el AT tiene su propia historia. Hace más de veinte años, el Proceso de transformación institucional del ex Hospital Psiquiátrico de San Luis acompañó y acompaña la reinserción social de los pacientes. Presta soporte creando apoyos familiares y sociales para que quienes padecen no sean aislados pudiendo re-encontrar continentes. Es por ello que nuestros profesionales de Salud Mental trabajaron y trabajan en el plano académico universitario formadores de AT. Parte de ello es que los AT pudieron concursar e ingresar a la RISAM del IESP-ULP junto a médicos, psicólogos, Asistentes sociales. Es habitual también su trabajo conjunto con dicha institución hospitalaria. En el 2007, como parte de este proceso acompañantes puntanos y profesionales del HESM originaron la primera Ley que reconoce en la Argentina el rol y la función AT, obligando al Estado y a las distintas instancias de éste a considerar dicha tarea como una más de las que nuestro Pueblo necesita y el Estado debe garantizar. Hay profesionales de otras disciplinas que hacen acompañamiento, pero nuestro avance consiste en que los AT son respaldados institucionalmente para desempeñarse como tales. Este logro es a la vez un esclarecimiento sobre los orígenes particulares que el AT tuvo en esta Provincia argentina, ligado hasta en lo práctico al más avanzado proceso de humanización social de los enfermos mentales en nuestro país. Nuestra Ley Provincial de Salud Mental Sí incluye a los AT, quienes también poseen un instrumento legal específico. La identidad de nuestros compañeros puntanos tiene esta característica. Todo esto muestra que es posible tener identidad propia en lo académico, en lo legal, en lo institucional y en lo social. Eso debe ser pensado como punto nuevo de partida hacia mayores avances en el campo científico, cultural y social. 141 Talita Severo Santos Nacidos en el campo del trabajo sanitario, su expansión hacia lo educativo, judicial, rehabilitatorio, abrió un abanico heterogéneo de nuevos hallazgos teóricos, de nuevos conocimientos que, nacidos en un campo de trabajo específico, sirvieron para enriquecer la tarea del AT en otros campos, como los ya mencionados y los que, seguramente se abrirán. Los seres humanos y las ideas que producimos somos hijos de nuestra época, pero no su copia serial. Con esto quiero decir que en tiempos de violencia ilimitada, de deshumanización impulsada por quienes hacen de la Salud no un derecho sino una cuenta bancaria, los AT pueden prestar su saber y experiencia a los esfuerzos que muchos argentinos realizan para cambiar condiciones injustas, indignas y plenas de hondas tristezas. Yo sé que estas no son épocas aptas para el lirismo, como me dijera una colega en Santiago de Compostela. Pero también sé que a esta profunda crisis de valores la puedo engordar si me resigno y le permito que me elija la vida. Cuando se tienen herramientas aptas para la reconstrucción de vínculos fraternos, de apoyos mutuos, de pensar sin juzgar, como lo tienen los AT, puedo urdir redes de trama resistente capaces de resistir los embates del individualismo insular para sostener un nuevo continente capaz de reunir la diversidad humana, disfrutarla, comprenderla y con lo diferente armar lazos fuertes. “En principio fue el Verbo” dice la Biblia. Etimológicamente de origen latino Verbum, tiene significado de palabra, término y dicción. Sabemos también que gramaticalmente existe el verbo, el cual señala la acción que realiza un sujeto. Volviendo a la cita mencionada “En principio fue el verbo” nos da la idea que la palabra está relacionada con hechos y actos fundacionales de un nuevo campo inexistente hasta entonces, o de una existencia aún indefinida o difusa. Debe recordarse también que en términos idiomáticos, “verbo” es el vocablo que denota acción. Así como el sustantivo denomina la sustancia, es decir: el sujeto protagonista es el verbo el que señala la Acción en juego. El verbo muestra el movimiento, la actividad, la puesta en práctica de una idea que sostienen sujetos sustantivos. Por tanto Verbo es la palabra vinculada a la acción. Tomando aquella cita en una visión más abarcativa, diríamos que “En principio fue una palabra dando cuenta de hechos”. No puede ser de otra manera: la palabra necesita de sujetos Jorge Luis Pellegrini 142 que la pronuncien y socialicen. Una acción humana busca la palabra que la defina, para lo cual es necesario que se despliegue la experiencia en curso, que se conozcan sus frutos y se delimite el campo de conocimientos en construcción. El desarrollo sostenido de esa práctica va construyendo su sentido, su contenido, su horizonte. Se acerca, entonces, el momento bautismal de la palabra cuya función será denominar y calificar a los protagonistas y a su tarea. Reitero que estamos hablando de actos fundantes, instituyentes, que consagran la aparición de algo nuevo en el campo de la Cultura. Los seres humanos somos producto y productores de hechos, aún antes de ser nosotros denominados. En el claustro materno comienza a madurar nuestra existencia antes que tengamos un nombre que nos proporcione identidad. Simbólicamente ya existimos en el deseo o la necesidad de nuestros futuros padres, materializada embrionariamente en nuestra concepción. Existe – por tanto – una necesidad previa de otros, la cual origina nuestro existir. Esto se condensa en el nombre y apellido que nos es dado antes del desembarco en este mundo. Son los otros, cuyas necesidades y deseos nos dieron origen, los que proporcionarán las palabras fundantes de nuestra identidad, a la que iremos asumiendo e invistiendo durante toda la vida. Se refuerza e individualiza la identidad del sujeto, se lo singulariza desde un campo grupal, colectivo, al que cada ser humano pertenece. Estamos afirmando que tanto nuestro origen como nuestra identidad están fundados en necesidades, deseos, ideas de los demás, particularmente de nuestros allegados vinculares. De nuestro mundo. Notas 1 Médico psiquiatra y escritor. Fue vicegobernador de la provincia de San Luis, ex director de Salud Mental en Chubut, ex Subsecretario de Salud Pública, Director de Salud Mental y Director del Hospital Escuela de Salud Mental de San Luis. Por su trabajo en ésta última institución fue que obtuvo el premio mundial Geneva 2005 por promover los Derechos Humanos en Psiquiatría. 143 Talita Severo Santos ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E REFERÊNCIA TÉCNICA: ATRAVESSAMENTO DE PAPÉIS EM UM CASO CLÍNICO DE SAÚDE MENTAL THERAPEUTIC COMPANION AND TECHNICAL REFERENCE: CROSSING ROLES IN A CASE OF MENTAL HEALTH ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO Y REFERENCIA TÉCNICA: CRUCE DE ROLES EN UN CASO DE SALUD MENTAL Talita Severo Santos1 RESUMO Este artigo é uma reflexão, baseada em um estudo de caso, sobre a possibilidade de distinção das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na condução de um caso em um serviço de saúde mental, quando se faz parte da equipe desse serviço. Na introdução anunciam-se as motivações para a realização deste artigo e ao longo de seu desenvolvimento desdobram-se a apresentação de trechos do caso e as articulações teóricas, a discussão traz um balanço do que foi suscitado por essa reflexão e ao final a conclusão da autora sobre a possibilidade, ou não, dessa distinção existir. PALAVRAS-CHAVE: Caso Clínico; CAPS; Vínculo; Acompanhamento Terapêutico; Referência Técnica; Saúde Mental. RESUMEN Este articulo és uma reflexicion, basada em un estudo de caso, a respecto de la posibilidad de distincion de las funciones de un técnico de referência y un acompañante terapéutico em la conduccion de un caso em un servício de salud mental, cuando se hace parte del equipo em este servicio. En la introduccion se anuncian la motivaciones para la realizacion de esto artículo y a lo largo de su desarollo se desdobran la presentacion de partes del caso y las articulaciones teóricas, la discusion trae balance de lo que se ha planteado por esta reflexion y al final la conclusión del autor de si existe o no esta distinción. PALABRAS-CLAVE: caso clínico; CAPS; vínculo; Acompañamiento Terapéutico; Referencia técnica; Salud Mental. ABSTRACT This article is a reflection based on a case study on the possibility of distinguishing the functions distinction of the technical functions of reference and therapeutic companion, in the conduct of a case in a mental health service, when part of the team that service. In the introduction advertise themselves the motivations for carrying out this article and throughout its development unfold the presentation of case sections and theoretical articulations, the discussion brings stock of what has been raised by this reflection and at the end the author concludes on whether or not this distinction exist. KEYWORDS: Clinical Case; CAPS; bond; Therapeutic Accompaniment; Technical Reference; Mental Health. 144 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental INTRODUÇÃO Esta artigo tem como objetivo refletir sobre a possibilidade de distinção, ou não, das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na condução de um caso em um serviço de saúde mental, quando se faz parte da equipe desse serviço. Para tanto, a metodologia utilizada foi o estudo de caso. A coleta de dados foi realizada através de observação participante, elaboração de um diário de campo e do Acompanhamento Terapêutico propriamente. Os dados coletados foram analisados a partir do referencial teórico psicanalítico winnicottiano relativo à prática do Acompanhamento Terapêutico e também de textos encontrados na literatura relativos à atuação do Técnico de Referência na saúde mental. Penso que seja importante contextualizar o cenário a partir do qual a questão central deste trabalho foi levantada. Sendo assim, falarei brevemente sobre minha passagem no serviço de saúde mental que foi palco de toda essa experiência, no qual estive durante um ano na condição de Psicóloga Aprimoranda. O Programa de Aprimoramento Multiprofissional em Saúde Mental do Centro de Atenção Psicossocial X, foi criado pelo Governo do Estado de São Paulo com o objetivo de estimular a capacitação de profissionais de saúde recém-formados, considerando as diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde - SUS e orientando o desenvolvimento de práticas que visem à melhoria das condições de saúde da população (In: pap.fundap.sp.gov.br). Entre as atividades previstas no programa, além do módulo teórico, estão: atuação no período de acolhimento, participação nas assembleias e projetos de geração de renda, reuniões clínicas de miniequipe e gerais, coordenação de grupos terapêuticos e oficinas, atendimentos individuais e de famílias, realização de visitas domiciliares e elaboração e acompanhamento de projetos terapêuticos singulares. 145 Talita Severo Santos Além disso, a elaboração da monografia é um requisito obrigatório para a conclusão do programa e tem a finalidade de estimular a reflexão acerca das vivências do aprimorando ao longo de sua passagem pela instituição. Foi a partir da elaboração da monografia do Aprimoramento que a questão levantada na presente monografia tomou forma. A partir do contato com o usuário ZZ, inicialmente em conversas na ambiência, meu interesse por sua historia e, consequentemente, pela interface psicose e uso de drogas foi despertado, já que essa foi a maneira que ele me foi apresentado pela equipe: um esquizofrênico, de 42 anos, que fazia uso de drogas, principalmente crack. No decorrer do tempo, o vínculo que foi sendo construído com o usuário, a partir de uma natural e mútua escolha, deu margem à necessidade de reflexão acerca de quem de fato era ZZ e de qual era o papel da droga em sua existência. Inicialmente conversávamos de maneira esporádica na ambiência, aos poucos nosso contato foi ficando mais frequente até que ZZ passou a me procurar todos os dias, várias vezes por dia, para esclarecer dúvidas, compartilhar angústias ou, como ele mesmo dizia, “só pra ficar perto” (sic). Considerando a importância do vínculo para o sucesso do tratamento, o Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma ferramenta, da qual o profissional de saúde pode lançar mão, para o atendimento de pacientes em um CAPS. Barretto (2012) aponta que a escolha do AT como instrumento para um atendimento clínico se embasa no entendimento de que o sujeito irá se desenvolver caso encontre condições favoráveis em seu meio. É necessário que o acompanhante terapêutico (at) exerça junto ao acompanhado determinadas funções ambientais que possam impulsionar o desenvolvimento psíquico dele. Foi por acreditar nessa possibilidade que o acompanhamento terapêutico foi a modalidade de intervenção escolhida por mim para o atendimento de ZZ. De acordo com Santos, Motta e Dutra (2005), o Acompanhamento Terapêutico é um dispositivo que surge como mais um recurso terapêutico na clínica da Reforma Psiquiátrica, visando a desospitalização, a desinstitucionalização e a reinserção social de pacientes em sofrimento psíquico. As autoras revelam que, segundo a teoria winnicottiana, a relação estabelecida a partir do vínculo entre paciente e acompanhante terapêutico possibilita a retomada de situações que 146 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental deveriam ter sido vivenciadas no momento inicial da vida, entre mãe e bebê. Nessa retomada, o at tem a oportunidade de desempenhar, entre outras, a função de sustentação, oferecendo holding e permitindo que o paciente psicótico construa com segurança o espaço transicional entre mundo externo e interno. Apesar da proposta inicial estar voltada ao Acompanhamento Terapêutico, no decorrer do tempo, acabei me tornando a referência técnica de ZZ, já que, naquele momento, ele contava apenas com a referência médica e posteriormente com a referência de enfermagem. De acordo com Campos e Domitti (2007) o técnico ou equipe de referência são os profissionais que tem a responsabilidade de conduzir um determinado caso, que pode ser individual, familiar ou comunitário, por meio de estratégias que tem como perspectiva a construção do vínculo entre profissionais e usuários. Esse profissional deverá responsabilizar-se pelo acompanhamento dos casos de maneira longitudinal. Esse método de trabalho visa o aumento da eficácia e da eficiência do trabalho em saúde e, também, no desenvolvimento da autonomia dos usuários. Furtado e Miranda (2006) apontam também que o profissional de referência tem como principal atribuição aproximar-se efetiva e afetivamente de determinado número de usuários, assistindo-os em sua singularidade e, elaborando e acompanhando junto de cada um deles seu respectivo Projeto Terapêutico Singular (PTS). Como resultado deste trabalho, espera-se poder ampliar a forma de pensar a atuação do técnico de referência e do acompanhante terapêutico em um serviço de saúde mental, considerando os atravessamentos de papéis que podem ocorrer durante a condução de um caso clínico. CAPS: Centro de Atenção Psicossocial De acordo com Mateus (2013) o primeiro CAPS surgiu em 1987, denominado Professor Luís da Rocha Cerqueira, mais conhecido como CAPS X, por estar situado nesta rua, na cidade de São Paulo - SP. Esse equipamento surge ainda como uma instância intermediária entre o Hospital Psiquiátrico e o Ambulatório de Saúde Mental, no final da primeira gestão democrática estadual de São Paulo. 147 Talita Severo Santos Foi uma grande aposta da política de saúde mental brasileira, fruto da busca por um novo modelo de atendimento da comunidade, que pudesse se contrapor àquele hospitalocêntrico, que vigorava até então. Ribeiro (2005) ressalta que o local se transformou num serviço com o propósito de evitar internações, acolher os egressos dos hospitais psiquiátricos e ofertar atendimento intensivo para portadores de doença mental, tudo isso seguindo os novos parâmetros propostos pela Reforma Psiquiátrica. A autora diz ainda que, com base neste propósito, o enfoque psicanalítico ganhou força porque se afina bem com alguns pressupostos das ideias da Reforma Psiquiátrica. Em especial, por também considerar que o louco é um indivíduo com voz própria, que tem capacidade de dizer sobre si mesmo e de produzir sua "obra". Entendendo assim, que a loucura não deve ser considerada como doença e, consequentemente, não deve ser curada. Conforme Mateus (2013) é possível descrever a evolução dos CAPS, a partir de três momentos fundamentais: 1) 1987 – 1991: foi o ciclo em que os serviços implantados passavam por um período experimental; 2) 1991 – 2002: período em que já havia formas de repasse de finanças às secretarias que possuíam CAPS, NAPS e Hospitais-dias; 3) 2002 – dias atuais: período em que tanto o formato do CAPS quanto o papel social, equipe e procedimentos estavam consolidados. Segundo Ribeiro (2005), a partir de 2002, os CAPS são formalizados como peças chaves na montagem da rede de assistência, sendo classificados como serviço ambulatorial de atenção diária, que funciona de acordo com a lógica de território. Este, não deve ser concebido apenas como uma área geográfica, mas sim como uma rede de indivíduos, relações e instituições estabelecidas num determinado local. A autora revela ainda que, neste contexto, o CAPS deve ser compreendido como um lugar de existência, ainda que para um indivíduo singular. Ou melhor, o CAPS se revela com uma concepção que contorna algo como rede individual ou geral; como um projeto de atendimento no campo da saúde mental e como uma forma de tratamento de um único sujeito, inserido num único serviço de saúde mental. Em suma, o equipamento é um articulador e tecedor de redes. 148 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental De acordo com o relatório do Ministério da Saúde (2004), o CAPS pode ser definido da seguinte maneira: Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Núcleo de Atenção Psicossocial é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). É um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. (MS, 2004, p. 13) Os CAPS são subdivididos em três categorias, conforme sua complexidade: CAPS I, II e III. A divisão é feita como na tabela abaixo: TIPO CAPS I CAPS II CAPS III POPULAÇÃO ENTRE 20 MIL E 70 MIL HABITANTES ENTRE 70 MIL E 200 MIL HABITANTES ACIMA DE 200 MIL HABITANTES EQUIPE FUNCIONAMENTO 9 PROFISSIONAIS DE NÍVEL MÉDIO A 2ª A 6ª FEIRA, DAS 8H ÀS 18H. SUPERIOR 12 PROFISSIONAIS 2ª A 6ª FEIRA, DAS 8H ÀS 18H, DE NÍVEL MÉDIO A PODENDO TER UM PERÍODO SUPERIOR ATÉ ÀS 21H 16 PROFISSIONAIS 24 HORAS DE NÍVEL MÉDIO A SUPERIOR Fonte: portarias GM n.º 336, de 2002, e SAS, n.º 189, de 2002 (Brasil, Ministério da Saúde, 2004). Mateus (2013) destaca que o CAPS II pode ter o atendimento direcionado para os adultos em geral, ou para populações restritas, como crianças e adolescentes (CAPS i), bem como para problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas (CAPS ad). Importante frisar que, a partir de 2012, os CAPS III também passaram a atender ao último público mencionado, sendo chamado de CAPS ad III. Também desde agosto de 2012 os CAPS I e II podem funcionar em acolhimento noturno, desde que credenciem leitos de acolhimento. 149 Talita Severo Santos O autor supracitado pontua que o CAPS III possui como principal diferencial a estrutura capaz de oferecer “acolhimento” durante as noites e finais de semana. Essa acolhida em momentos de crise é comumente referida como “hospitalidade” para dar indícios de uma disponibilidade da instituição de se adaptar às necessidades do usuário, que pode necessitar se afastar da família ou local habitual de moradia até a crise passar. O período máximo para permanecer no CAPS III é de até 7 dias corridos ou 10 dias durante o mês. É fundamental salientar que este equipamento não pode ser compreendido como uma retaguarda da urgência psiquiátrica por não ter toda a estrutura que essas urgências devem ter para salvaguardar a vida do usuário atendido. Uma vez elucidado o que é um CAPS, se faz importante descrevê-lo. Mateus (2013) salienta que esse é um modelo de atendimento que está em constante evolução e que recebe demandas e propõe intervenções que não são tão delimitadas. A entrada do usuário no serviço é realizada no acolhimento. Este termo ganhou força a partir do Programa HumanizaSUS e pressupõe que o acolher é uma postura ética, que independe de uma categoria profissional específica. Implica compartilhar saberes, necessidades, angústias e intervenções. É diferente de triagem, pois não é somente uma etapa do processo, mas sim uma postura que deve ser mantida em todos os atendimentos. A partir desse primeiro contato, devem-se considerar quais os possíveis caminhos a serem percorridos pelo usuário dentro do serviço, ou fora dele quando for o caso, e quais demandas serão trabalhadas. Ribeiro (2005) descreve que a ambiência no CAPS refere-se a todo ambiente terapêutico que é criado a partir da convivência entre usuários e técnicos, o que extrapola meramente as atividades propostas. Assim, entende-se que tudo que acontece num CAPS pode ser interpretado como terapêutico, sejam as atividades específicas ou o simples transitar por lá, já que é um meio acolhedor, um ambiente terapêutico, habitado, ocupado e marcado por todos aqueles que ali convivem, tanto os usuários como funcionários. Era principalmente na ambiência que eu realizava os atendimentos com ZZ. Mateus (2013) destaca ainda que cada usuário possui um Projeto Terapêutico Singular (PTS), que compreende todo o planejamento e negociação das ações terapêuticas, assim como os valores que norteiam este planejar. Deve ser 150 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental construído de maneira compartilhada entre usuário, técnico e familiar, valorizando principalmente os desejos do usuário, por ser ele o protagonista da situação. De acordo com Ribeiro (2009), no CAPS, uma equipe multiprofissional realiza o cuidado dos usuários do serviço, que não são mais chamados de pacientes, e assegura a oferta do maior número possível de equipamentos de tratamento, uma vez que não se sabe ao que cada um vai se vincular e existe a intenção de que o usuário possa se vincular a alguma atividade ou a alguém e que daí se desenrole seu tratamento. O projeto CAPS, foi se ampliando ao longo dos anos e abarcando diferentes áreas da vida de seus usuários, transformando seus projetos de tratamento em projetos de vida. Falando brevemente sobre o CAPS Professor Luís da Rocha Cerqueira, citado como o primeiro CAPS do Brasil e serviço no qual realizei o aprimoramento, é possível destacar algumas especificidades: o CAPS X, apesar de ser mais um CAPS II, é um local bastante singular, tanto pelas questões históricas, quanto pelos recursos que possui. Atualmente o serviço atende cerca de 500 usuários, divididos nas categorias: intensivo, semi-intensivo e não intensivo, de acordo com a frequência de utilização do local. Aproximadamente 130 desses usuários estão na categoria “intensivo” e grande parte desses faz uso diário do CAPS, frequentando o local de segunda a sexta-feira das 8h às 17h, inclusive fazendo suas refeições e cuidados pessoais lá. Há uma equipe administrativa, que compreende diversos setores como secretaria, recursos humanos e diretoria, e uma equipe clínica. O corpo clínico é composto por aproximadamente 38 profissionais de diferentes áreas: 3 assistentes sociais; 10 auxiliares/técnicos de enfermagem; 5 enfermeiras; 1 farmacêutico; 9 psicólogos; 7 psiquiatras e 3 Terapeutas Ocupacionais. Além disso, por ser um local de formação, esse CAPS conta ainda com 16 profissionais recém-formados em diferentes cursos (psicologia, enfermagem, serviço social e terapia ocupacional) para compor a equipe clínica, sendo que 8 fazem parte do Aprimoramento Multiprofissional em Saúde Mental, programa do qual fiz parte em 2014, e 8 são da Residência Multiprofissional em Saúde Mental. 151 Talita Severo Santos Anualmente diferentes profissionais passam por esses programas de formação e essa rotatividade é importante para a instituição que sempre pode contar com “sangue novo” para bombeá-la. Essa grande equipe é dividida em três miniequipes com o intuito de facilitar o trabalho. Atualmente, cada miniequipe está referenciada para atender a um território específico, dentro do grande território de abrangência do CAPS X. Esse CAPS conta também com diversos recursos para o tratamento de seus usuários, são ofertadas cerca de 25 opções entre grupos e oficinas que vão de grupos terapêuticos (grupo escrevendo cartas, grupo de psicoterapia) a grupos externos (cinema, yoga, caminhada) e oficinas de geração de renda. A Referência Técnica em Saúde Mental O conceito de equipe de referência, proposto e experimentado por Gastão Wagner de Sousa Campos desde 1989, surge como um novo arranjo para os serviços de saúde. A partir de 2003, tanto este conceito quanto o conceito de apoio matricial, também de sua autoria, são incorporados a alguns programas do Ministério da Saúde – Humaniza-SUS, Saúde Mental e Atenção Básica (Cunha, 2011). Segundo Campos (1999) a ideia de equipe de referência parte do pressuposto de que uma reorganização do trabalho a partir do vínculo terapêutico entre equipe e usuário impulsionaria um novo padrão de responsabilidade pela coprodução de saúde. O autor pontua que o vínculo terapêutico é entendido como um processo influenciado tanto pela necessidade de cada caso como pelas possibilidades do serviço. Pensando nisso, o nível ideal de inter-relação equipe-usuário seria sempre situacional, definido em cada contexto e considerando a singularidade dos envolvidos. Campos e Domitti (2007) destacam que a equipe ou profissional de referência em saúde mental são responsáveis pela condução de um caso individual, familiar ou comunitário, sendo encarregados pela atenção e assistência desses usuários de maneira longitudinal, semelhante ao que é feito pelas equipes de saúde da família na atenção básica. Essa metodologia de trabalho visa garantir maior eficiência e eficácia na atenção em saúde mental e investir na autonomia dos usuários. Para que esse recurso se concretize como instrumento do trabalho é 152 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental necessário que haja uma reorganização dos serviços, o que pode gerar algumas dificuldades e resistências: A equipe de referência é composta por um conjunto de profissionais considerados essenciais para a condução de problemas de saúde dentro de certo campo de conhecimento. Dentro dessa lógica, a equipe de referência é composta por distintos especialistas e profissionais encarregados de intervir sobre um mesmo objeto – problema de saúde –, buscando atingir objetivos comuns e sendo responsáveis pela realização de um conjunto de tarefas, ainda que operando com diversos modos de intervenção. O máximo de poder delegado à equipe interdisciplinar. (Domitti e Campos, 2005, p.4 apud Furtado, 2007, p. 251). Furtado e Miranda (2006) apontam que, além das equipes ou técnicos de referência, outros recursos como gestão colegiada (modelo de gestão participativa, centrado no trabalho em equipe e na construção coletiva, garantindo o compartilhamento do poder), apoio matricial (recurso de retaguarda especializada para equipes de saúde, que atua de maneira interdisciplinar e colaborativa), assembleias (espaços coletivos de cogestão para análise e tomada de decisões sobre determinado tema) e supervisão clínico-institucional (espaço que deve sustentar a responsabilidade compartilhada da equipe, facilitar o diálogo e a discussão de casos auxiliando os profissionais a terem uma prática mais solidária, menos alienada e mais cuidadora dos usuários), também aparecem como tentativas de assegurar aos novos equipamentos de saúde mental uma ruptura efetiva com o paradigma asilar, evitando que tais equipamentos tornem-se apenas novos serviços com o funcionamento anterior. Dentre os recursos mencionados, esses autores consideram o técnico de referência notavelmente importante, pois propicia contornos ao encontro do trabalhador de saúde mental com o usuário do serviço. É um recurso que se baseia na concepção de que um ou mais profissionais aproximem-se de determinado número de usuários de maneira singular e empática, elaborando e acompanhando o Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada um deles. Miranda e Onocko-Campos (2008) ressaltam que a equipe ou profissional de referência se baseia no vínculo com o usuário para prestar-lhe um atendimento 153 Talita Severo Santos singular e integral. É importante que existam profissionais de diferentes categorias envolvidos no caso, responsabilizando-se pelo projeto terapêutico com objetivos definidos e perseguidos conjuntamente. Sobre esse tema Silva e Costa (2010) destacam também que a relação profissional-usuário passa a ser propulsora de mobilizações psíquicas e no desenvolvimento do trabalho. Nesse contexto, o profissional de referência é um recurso que potencializa mudanças na realidade psíquica dos profissionais de saúde, pois concebe o vínculo com o usuário como instrumento primordial do trabalho. Esse novo cuidado na saúde mental requer maior disponibilidade do trabalhador, principalmente quando se é o profissional de referência. Silva e Costa (2010) pontuam que além do estreitamento do vínculo, o profissional de referência também traz a proposta da interdisciplinaridade e a interlocução com as diferentes redes que constituem a vida de um ser humano, redes: familiares, sociais, culturais, socioeducativas, etc. As práticas dessa nova forma de cuidado, que como veremos adiante não é de fato tão nova assim, atingem todos os serviços embasados nos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, visando à transformação da assistência em saúde mental. De acordo com o Ministério da Saúde, no material de 2004, intitulado Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial: Ao iniciar o acompanhamento no CAPS se traça um projeto terapêutico com o usuário e, em geral, o profissional que o acolheu no serviço passará a ser uma referência para ele. Esse profissional poderá seguir sendo o que chamamos de Terapeuta de Referência (TR), mas não necessariamente, pois é preciso levar em conta que o vínculo que o usuário estabelece com o terapeuta é fundamental em seu processo de tratamento. O Terapeuta de Referência (TR) terá sob sua responsabilidade monitorar junto com o usuário o seu projeto terapêutico, (re)definindo, por exemplo, as atividades e a frequência de participação no serviço. O TR também é responsável pelo contato com a família e pela avaliação periódica das metas traçadas no projeto terapêutico, dialogando com o usuário e com a equipe técnica dos CAPS. Cada usuário de CAPS deve ter um projeto terapêutico individual, isto é, um conjunto de atendimentos que respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de cada pessoa na unidade e 154 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço, segundo suas necessidades. (MS, 2004, p.16) Conforme o texto Equipe de Referência e Apoio Matricial – 2004, também do Ministério da Saúde, a equipe de referência auxilia na tentativa de resolver ou minimizar a falta de definição de responsabilidades na atenção à saúde mental, ofertando um tratamento de qualidade, com respeito e acolhimento ao usuário. A diversidade pessoal e profissional dos membros da equipe possibilita vínculos e olhares diferentes sobre o sujeito e são essas diferenças que permitem a equipe vislumbrar caminhos para o projeto terapêutico, o que dificilmente aconteceria se o trabalho acontecesse de maneira isolada. Furtado e Miranda (2006) destacam como uma das principais tarefas do profissional de referência a elaboração do PTS, que acontece a partir de diferentes perspectivas e com base na relação entre o usuário e seus profissionais de referência, no diálogo destes últimos entre si e com os demais grupos que compõem a vida do sujeito. É função da referência também assegurar a continuidade do tratamento, evitando que o usuário se perca nos habituais e descontextualizados encaminhamentos. Ao contrário das práticas que apenas remetem o usuário a outro serviço ou equipe, o profissional de referência deve atuar com vistas a agregar diferentes serviços e instituições possíveis de serem incluídos no PTS de um usuário. Nesse contexto, o CAPS ganha maior destaque enquanto serviço de referência em saúde mental, pois o vínculo que o usuário faz com os profissionais se estende à instituição. Oferecer um local continente, organizado e acolhedor é obrigação da instituição. Ainda de acordo com Furtado e Miranda (2006), aplicando ao trabalho do profissional de referência um olhar psicanalítico winnicottiano, podemos considerar que a função desse profissional é primeiramente da ordem daquela exercida pela mãe suficientemente sadia que se coloca na posição de mãe ambiente. Nesse sentido, Dias (2003), em seu livro sobre a teoria do amadurecimento de Winnicott, considera que o modelo do terapeuta na clínica winnicottiana é o da mãe suficientemente boa, o que indica que, especialmente 155 Talita Severo Santos quando estivermos trabalhando com pacientes psicóticos, estaremos cuidando do bebê que existe na criança maior ou no adulto: O papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento e manutenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos usuários no atendimento dos CAPS depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do usuário até o projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar e social que se pode estabelecer. O importante é saber que o CAPS não deve ser um lugar que desenvolve a dependência do usuário ao seu tratamento por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. (MS, 2004, p. 27) Em pesquisa realizada para analisar o trabalho de referência em Centros de Atenção Psicossocial na cidade de Campinas (SP) Miranda e Onocko-Campos (2008) destacam que, na visão dos pacientes, o profissional de referência é aquele que mais procuram para conversar, que cuida deles, lhes dá mais atenção quando não estão bem e preocupa-se quando não comparecem ao serviço. Relatam ainda tarefas que colocam esse profissional também na posição de referência emocional: [...] entre usuários, identifica-se uma relação íntima com o profissional de referência, na qual fazem uma espécie de sustentação afetiva, baseada na conquista da confiança e na possibilidade de encontrarem alguma sensação de existência, ao se sentirem regularmente percebidos em sua singularidade. Essa sustentação lhes permite continuar habitando o mundo social [...] (Miranda e Onocko-Campos, 2008, p. 911). Na mesma pesquisa, as autoras supracitadas apontam que na visão do profissional há uma contradição, pois eles relatam que a equipe atribui muita responsabilidade ao profissional de referência em relação a todas as demandas de seus usuários; mas, por outro lado, os próprios profissionais admitem uma tendência a se colocarem como “donos do caso”. Outro aspecto da onipotência 156 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental é o desejo de fazer tudo pelo usuário. Ambos os aspectos precisam ser observados e conduzidos com cautela para que não haja nem sobrecarga no profissional de referência nem negligência no cuidado com o usuário por onipotência do primeiro. Para Furtado (2007) apud Silva e Costa (2010) o profissional de referência, enquanto recurso para o atendimento em saúde mental, propiciou maior qualificação na atenção ao usuário e permitiu a interação técnica e subjetiva entre as equipes dos serviços de saúde, deslocando o poder das especialidades e fortalecendo a gestão da equipe interdisciplinar. Furtado e Miranda (2006) acentuam que o profissional de referência ocupa um lugar terapêutico que não se reduz a limites formais de um setting específico, mas atravessa diferentes áreas da vida do paciente que necessitam de cuidado. Contudo, os autores salientam que esse lugar terapêutico é estruturado em uma relação baseada na transferência e na comunicação que ela possibilita. Atuar como técnico de referência é muito mais do que gerenciar um caso, é integrar um arranjo terapêutico que necessita de variadas organizações e iniciativas que apontem para a horizontalização das relações de poder, constituição de confiança entre os trabalhadores e contínua análise, avaliação e intervenção sobre os fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam as práticas em saúde mental. O Acompanhamento Terapêutico A prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) surge no início da década de 70 em Buenos Aires, como herdeira do movimento antipsiquiátrico inglês, da psiquiatria democrática italiana e da psicoterapia institucional francesa. Na Argentina, muitos psicanalistas estiveram ligados aos hospitais psiquiátricos e criaram novas funções para os agentes psiquiátricos que foram deixando de atuar exclusivamente no âmbito hospitalar e passaram a circular com seus pacientes em outros espaços. Essas funções foram o embrião do que se tornaria o amigo qualificado e posteriormente o acompanhante terapêutico (Barretto, 2012). 157 Talita Severo Santos O processo argentino influenciou o movimento antipsiquiátrico que também ocorria no Brasil: a atuação do auxiliar psiquiátrico passou por Porto Alegre e chegou às comunidades terapêuticas do Rio de Janeiro. No final da década de 70, com o fechamento das comunidades terapêuticas, os auxiliares psiquiátricos continuaram a ser solicitados por terapeutas e familiares que procuravam outras possibilidades de atendimento, que não a internação. Em São Paulo, o Acompanhamento Terapêutico foi trazido em 1981 por uma psicanalista argentina que fazia parte do Instituto A Casa. Aos poucos, o AT foi se tornando um importante recurso no tratamento de pessoas em sofrimento psíquico (In: www.acasa.com.br). De acordo com Barretto (2012) a origem da palavra ‘acompanhar’ vem do latim, cum: comer; e panis: pão, ou seja, comer do mesmo pão. Nessa prática o acompanhante compartilha diversas experiências com o acompanhado, o que favorece a constituição de um forte e potente vínculo. Pitiá (2013) destaca que o AT vem se organizando como um recurso que transita por diferentes espaços comunitários, como forma de atenção psicossocial e visa favorecer a inclusão e a reabilitação dos acompanhados considerando-os como protagonistas do próprio tratamento, e reconhecendo as possibilidades e desafios existentes nesse contexto. Segundo Pitiá e Furegato (2009), é no âmbito do modo psicossocial de atenção à saúde que se insere a prática clínica do AT, como um dispositivo de ação terapêutica que considera a pessoa em sofrimento psíquico em suas dimensões social, histórica, psicológica, biológica e cultural. Fiorati e Saeki (2008) salientam que a reabilitação psicossocial é entendida como um conjunto de estratégias que, ao invés de capacitar o sujeito por meio de ações normalizadoras e normatizadoras, propõem ao indivíduo em sofrimento caminhos para que ele possa produzir valor e sentido social ao recuperar sua contratualidade como cidadão. Barretto (2012) ressalta que, nesta prática, componentes como a loucura, o espanto frente ao diferente e as dificuldades que podem ser vivenciadas deixam de ser a ótica a partir da qual o outro é visto. Isso não significa que tais componentes devam ser negados, mas esse movimento faz com que a percepção e o vínculo com o outro se ampliem permitindo outro tipo de relação, 158 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental na qual o acompanhante terapêutico (at) pode estar junto ao acompanhado como pessoa real e não apegado a uma identidade profissional. Conforme Pitiá (2013), a clínica do AT vem enriquecer o campo das práticas terapêuticas, por ser uma clínica que trabalha com o problema de maneira plural, lançando mão dos diversos saberes envolvidos no atendimento em saúde mental e propiciando um olhar diferenciado para a singularidade do sujeito, que deixa de ser visto de maneira fragmentada. A prática do AT é entendida como recurso complementar que colabora com o cumprimento dos princípios da Reforma Psiquiátrica, em que o espaço público é considerado uma extensão do campo de tratamento para pacientes em sofrimento psíquico, o que traz um resgate da contratualidade do indivíduo adoecido (Pitiá e Furegato, 2009). Por meio de uma primeira tarefa, que é diagnosticar as necessidades fundamentais do paciente, bem como reconhecer seu idioma pessoal e assim contemplar sua singularidade, o Acompanhamento Terapêutico proporciona ao paciente um lugar no mundo. Junto com a oportunidade de auxiliá-lo na constituição de funções psíquicas e em seu percurso na realidade compartilhada, o acompanhante lhe propicia um lugar ético constitutivo, a partir do qual ele pode se inserir na sociedade rumo a um horizonte existencial possível (Safra, 2006). Barretto (2012) enfatiza que o at se utilizará do potencial terapêutico existente no cotidiano do acompanhado, com vistas a promover seu desenvolvimento. Nesse sentido, Pitiá (2013) traz o AT como uma clínica do cotidiano, que circula e lida com diversos aspectos durante o atendimento, o que convoca o profissional a reelaborar o que foi aprendido em sua formação, diante de acontecimentos da vida real. No livro Novos andarilhos do bem: caminhos do acompanhamento terapêutico, de 2012, Chaui-Berlinck relata uma pesquisa realizada com alguns profissionais que atuam como acompanhantes terapêuticos e suas percepções acerca dessa atuação. Segundo a autora, o at surge no discurso das entrevistadas como um profissional que supera dificuldades e vivencia com o acompanhado seus sentimentos e emoções, que são produzidos no inusitado que emerge do encontro com o outro. 159 Talita Severo Santos Barretto (1998) apud Fiorati e Saeki (2008) salienta que o acompanhamento terapêutico provoca um processo pelo qual o sujeito em sofrimento pode inscrever sua subjetividade no mundo e, assim, repersonalizar-se por meio do desenvolvimento de uma existência criativa e não adaptativa, em relação à cultura. De acordo com a teoria winnicottiana, poderíamos afirmar que o sofrimento humano é oriundo da impossibilidade de criar algo que inscreva o self do sujeito na realidade compartilhada, ou seja, o ser humano só se realiza na criatividade, que resulta em um sentimento de existir. Quando isso não acontece, sofremos por não existir psiquicamente na relação com o outro (Barretto, 2012). O autor ressalta que Winnicott não tem como parâmetro de saúde o ajustamento social ou psíquico. Ele tem como critério aquilo que pode ser verdadeiro ou falso em relação à existência daquele paciente, sendo que, esse parâmetro de falso ou verdadeiro, é unicamente referido à existência do indivíduo em questão (história pessoal, familiar, cultural) e jamais relativo à realidade externa. O AT é uma prática em movimento que visa retirar o indivíduo de sua situação de dificuldade para que ele possa criar novas formas de existir. Segundo Chaui-Berlinck (2012) as ats entrevistadas revelam trabalhar com o sofrimento psíquico de seus acompanhados e que esse trabalho é realizado com base na crença de que existe uma história anterior à doença e que o paciente é alguém com potencialidades que podem ser descobertas ou resgatadas. As ats entendem o sair como uma das principais funções do AT, o que abarca o sair enquanto deslocamento, transformação psíquica, disponibilidade para o encontro com o outro e o sair de uma situação para outra diferente. Na mesma esteira, Santos, Motta e Dutra (2005) revelam que, apesar de algumas divergências, a teoria do AT demonstra um consenso em relação a certas funções do acompanhante terapêutico, a saber: “perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente; informar sobre o mundo objetivo do paciente; atuar como agente ressocializador [...]”. Carvalho (2004) apud Pitiá (2013) complementa, destacando três componentes principais no ato de acompanhar: “o estar com o sujeito; o partilhar de momentos e situações que façam sentido para o usuário [...]; o escutar sua ação, sua fala, seu conteúdo; o olhá-lo como um todo [...]; e o propor uma atividade em coparticipação [...]”. 160 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental Santos, Motta e Dutra (2005) ainda chamam a atenção para o cuidado que o at deve ter durante o acompanhamento para que o processo de identificação, extremamente importante e necessário, não impeça o desenvolvimento da autonomia do paciente. Oferecer-se como modelo ou “emprestar o ego” ao acompanhado não é tarefa fácil, já que se trata de um indivíduo para o qual, até o momento, os recursos terapêuticos tradicionais falharam. Na mesma esteira, Barretto (2012) aponta que algumas vezes ocorre inclusive uma indiferenciação entre acompanhante e acompanhado e que isso não só é inevitável como necessário, a fim de que o acompanhante terapêutico possa ajudar o paciente em seu desenvolvimento. Nesse caso, o profissional deve sustentar a indiferenciação quando necessário, sem perder sua capacidade de discriminação. Em algumas circunstâncias o Acompanhamento Terapêutico requer que o acompanhante funcione como uma espécie de escudo para o acompanhado. Chaui-Berlinck (2012) também encontra essa temática no discurso de suas entrevistadas, que evidenciam a enorme proximidade existente entre acompanhante e acompanhado e o grande envolvimento emocional presente no trabalho, o que pode tanto facilitar quanto atrapalhar o processo. Algumas entrevistadas se referem à função exercida pelo at como uma “mãe suficientemente boa” que oferece sustentação, continência, toca e é tocada por seu acompanhado. Conforme Barretto (2012), uma rica função a ser exercida pelo at é a de ser interlocutor dos desejos e angústias de seu acompanhado. Essa função está diretamente ligada à capacidade do at de estar em contato com as angústias do outro, por meio de uma atitude empática e de sua presença tanto física quanto afetiva. Na perspectiva winnicottiana, é imprescindível que estejamos com nossos pacientes como pessoas reais, principalmente nos casos em que há um comprometimento do desenvolvimento emocional primitivo, como nas psicoses. Essas pessoas precisam de sentimentos reais, há uma necessidade de contato humano verdadeiro. No AT procuramos fornecer ao sujeito experiências que possam suprir determinada(s) fresta(s) no self. Essas frestas podem ser derivadas de diversos 161 Talita Severo Santos fatores: doenças físicas; falhas maternas na adaptação às necessidades do bebê; falhas paternas; limitações no repertório simbólico de uma determinada família e/ou cultura em que ela está inserida para lidar com certas questões existenciais; possíveis incompreensões no encontro com outros seres significativos ou não; entre outras (Barretto, 2012). Safra (2006) revela que, na maioria das vezes, a maneira de ser do paciente reapresentada pela composição feita no acompanhamento possibilita que ele se sinta reconhecido e seja capaz de se beneficiar da transferência subjetiva como uma posição a partir da qual poderá reencontrar seu gesto frente ao outro. Fiorati e Saeki (2008) acreditam que, por se tratar de uma maneira individualizada de atendimento, o AT permite, por meio do vínculo terapêutico, o estabelecimento de formas mais eficazes de elaboração do sofrimento e a produção de relacionamentos afetivos mais significativos para o paciente. Em seu artigo A ideia de referência: o acompanhamento terapêutico como paradigma de trabalho em um serviço de saúde mental (2009), Ribeiro relata sua vivência no CAPS X – mesmo equipamento em que realizei o aprimoramento – e, baseada em sua experiência quando da implantação da referência como recurso para o atendimento nessa instituição, propõe o Acompanhamento Terapêutico como o paradigma de atendimento em saúde mental, em que “a ética e a técnica do AT acabam sendo orientadoras do fazer institucional, bem como de sua organização e de suas proposições, mesmo quando não pensadas ou explicitadas”. Em consonância com os propósitos de um CAPS, o AT oferece para a saúde mental um projeto terapêutico singularizado, adequado às necessidades de cada usuário. Um processo personalizado em meio aos contornos frequentemente enrijecidos de uma instituição (Ribeiro, 2009). A clínica do AT pode ser considerada como a clínica do inédito, que visa incentivar ou aumentar a autonomia do sujeito, a partir da circulação no mundo. Essa prática desbanca o setting institucional como única forma de atendimento e se desapega das especificidades delimitadas a cada profissão, primando por um olhar interdisciplinar que considera o sujeito de maneira integral e como protagonista de seu tratamento (Pitiá, 2013). 162 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental Discussão A partir da literatura pesquisada e da minha vivência no caso clínico do usuário ZZ, tanto como acompanhante terapêutica quanto como referência técnica, pude refletir acerca de algumas questões que emergiram da minha prática em relação a essas duas maneiras de atuação na saúde mental. Minha primeira constatação, a partir das leituras realizadas, foi a de que, apesar de ter surgido em 1989 e ter sido oficialmente incorporada a determinados programas de saúde em 2003 como uma nova forma de cuidado, a figura da referência técnica possui características muito semelhantes às do acompanhante terapêutico que desde a década de 70 já atuava considerando o vínculo entre profissional e paciente como condição principal para um atendimento de qualidade, ou seja, essa nova forma de cuidado não é tão nova assim. Salvo algumas exceções, principalmente de ordem burocrática, as funções exercidas pelo profissional de referência são essencialmente as mesmas que o acompanhante terapêutico já realiza há algum tempo, porém com um setting mais delimitado e o respaldo de uma instituição. Uma observação importante, relacionada à prática do Acompanhamento Terapêutico no CAPS X, é que essa função sempre é exercida por profissionais que estão de passagem pela instituição: estagiários, aprimorandos ou residentes. Especificamente no caso dos aprimorandos, penso que o fato de estarem 40 horas por semana no serviço, seja algo que influencie bastante a assunção dessa função. Creio que além das questões burocráticas, como a obrigatoriedade de evoluir prontuários, participar de reuniões de equipe, reuniões com outros equipamentos etc., a referência técnica geralmente não tem condições de fazer atividades extramuros com seus referenciados por uma questão muito prática: a falta de tempo. Em minha experiência no CAPS X percebi que os técnicos tinham em média 20 referências, isso variava um pouco de acordo com a carga horária do profissional na instituição; em outros CAPS alguns desses técnicos chegaram a ter 40 referências cada um. Considerando a já mencionada burocracia e o fato de que um único técnico possui vários usuários a ele referenciados não é de se 163 Talita Severo Santos espantar que ele não tenha pernas para dar conta dessas demandas externas, que tomariam horas que ele não tem. Penso que seja interessante para essa discussão mencionar alguns pontos comuns entre a atuação da referência técnica e do acompanhante terapêutico, ilustrados a partir de trechos dos atendimentos que realizei com o usuário ZZ durante meu aprimoramento. Na clínica winnicottiana, que é a clínica na qual fundamento minha prática, tanto o acompanhante terapêutico quanto a referência devem ter como modelo de atendimento a mãe suficientemente boa. Atuar de acordo com esse modelo é extremamente importante e, apesar de ser desgastante, propicia momentos muito simbólicos e significativos, como o que aconteceu com ZZ no “Toque Mágico”, local destinado ao autocuidado dos usuários, uma espécie de salão de beleza: ZZ estava em uma semana difícil, devido à ausência de sua mãe que estava viajando, passava quase todas as noites na rua e estava mais agitado e menos comunicativo do que o usual. Ao vê-lo na ambiência me aproximo e pergunto como estão as coisas. Ele parece não querer muito papo e diz apenas que está tudo bem. Percebo que ele coça bastante a cabeça e pergunto se gostaria de lavar o cabelo; ele me olha desconfiado e questiona se eu lavaria para ele; digo que sim e então vamos ao Toque Mágico. Ao sentar-se no lavatório, ZZ fecha os olhos antes mesmo que eu comece a molhar seus cabelos. Durante a lavagem trocamos algumas palavras, mas ele parece estar mais interessado em curtir o momento. Aparenta estar relaxado, entregue à situação, e quase no final diz “isso é gostoso, né Talita” (sic); respondo que sim, que realmente é gostoso quando sentimos que alguém cuida da gente. Esse momento foi muito simbólico, tanto para ele quanto para mim. Para ele porque acredito que isso tenha sido vivido como um banho dado pela mãe em seu bebê, repleto de cuidado, carinho e proteção. E, para mim, exatamente pelo mesmo motivo, por ter tido a sensação de poder oferecer tudo isso a alguém que, naquele momento, parecia pedir colo. aprimoranda tenha sido um facilitador Creio que minha condição de para que isso acontecesse. Provavelmente se eu fizesse parte da equipe fixa, se fosse “apenas” a referência técnica de ZZ, isso não teria acontecido. Primeiro, pela falta de tempo, que é algo que interfere bastante na atuação das referências, já que possuem carga 164 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental horária menor, comparada à dos aprimorandos; e segundo, por existirem profissionais (técnicos de enfermagem) designados para atuar especificamente nesse espaço da instituição e que são os responsáveis por prestar esse tipo de cuidado aos usuários, logo, raramente encontramos outras pessoas da equipe nesse local. A potencialidade do vínculo também é algo que sustenta as duas atuações: Certa vez, conversando com ZZ na ambiência, ele diz que poderíamos morar juntos. Peço que me conte por que pensou nisso; ele explica que acha que poderíamos morar juntos, “mas não como namorados, só pra você ficar comigo e cuidar de mim como você faz” (sic). Esclareço que isso não é possível, mas que posso continuar cuidando dele enquanto profissional do CAPS; ele diz “tá bom, Talita” (sic), sorri e sai. A disponibilidade para o encontro, para estar presente na relação como pessoa real, é mais um ponto comum e que, especialmente na clínica das psicoses, é algo imprescindível na atuação de qualquer profissional. Lembro-me de uma passagem que me remete ao eco que essa disponibilidade pode proporcionar: certa vez ZZ me encontra de manhã e questiona se está tudo bem, respondo que sim; ele me olha, insiste na pergunta e eu continuo afirmando que sim; pergunto a ele o motivo da dúvida, o que o fez perguntar novamente e ele responde “nada não Talita, só queria saber se você tá legal mesmo, se eu podia ajudar em alguma coisa” (sic), sorri e sai. Para mim, poder ser afetada pelo seu afeto, perceber o eco do investimento afetivo realizado desde o início de nossa aproximação, foi fantástico. Creio que outro ponto primordial para uma boa atuação em ambos os papeis, é a interdisciplinaridade. Poder contar com diferentes saberes pensando o caso é enriquecedor, por isso a importância do trabalho em equipe, pois um único profissional não conseguirá dar conta de todas as demandas do usuário sem que isso o sobrecarregue e acabe comprometendo a qualidade de seu trabalho. Além disso, também é benéfico para o usuário ter outros vínculos, considerando que este será sempre singular de acordo com as questões transferenciais existentes no contato com cada profissional. 165 Talita Severo Santos Quando não é possível contar com uma rede, na qual o usuário tem diferentes figuras de apego, a sobrecarga do profissional que está mais próximo do caso é inevitável, inclusive porque a própria equipe tende a direcionar praticamente todas as demandas daquele usuário unicamente para esse profissional e assim os papéis acabam se atravessando, como no meu caso com ZZ: iniciei o atendimento com ele com uma proposta de Acompanhamento Terapêutico e no decorrer do tempo assumi o papel de sua referência técnica, pois não havia nenhum outro profissional, além do médico, acompanhando o seu caso. Talvez se essa rede de fato existisse no cuidado com ZZ, eu poderia ter conseguido manter a minha proposta de atendimento como acompanhante terapêutica, pois outro profissional estaria exercendo a função de referência e os papeis se diferenciariam. Conclusão Esta monografia pretendeu refletir sobre a possibilidade de distinção, ou não, das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na condução de um caso clínico em um serviço de saúde mental, quando se faz parte da equipe desse serviço. Creio que as similaridades existentes nesses dois recursos para o cuidado em saúde mental contribuam significativamente para que esses papéis se atravessem e, não creio que isso seja necessariamente ruim, desde que o atravessamento ocorra no sentido da complementaridade e, sempre, em benefício do usuário. Penso que a semelhança mais importante dessas funções seja a disponibilidade para o encontro com o outro, principalmente para o encontro com o sofrimento do outro. Para tanto, considero imprescindível que haja uma reflexão crítica constante sobre nossa prática, para que possamos pensar se essa disponibilidade está sendo efetiva e se realmente estamos construindo com esse usuário um espaço de troca que não apenas lhe dê voz, mas também considere de maneira respeitosa e humanizada o que essa voz nos diz. Precisamos, enquanto profissionais, trabalhar pela constituição e sustentação de um espaço de tratamento que seja um lugar no qual o usuário possa criar novas formas de existir. 166 Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um Caso Clínico De Saúde Mental Concluo que a distinção de papéis entre o acompanhante terapêutico e o técnico de referência em um mesmo caso clínico só é possível quando tais funções são exercidas por profissionais diferentes. Acredito também que, para uma melhor condução do caso, considerando as já mencionadas tarefas burocráticas que as instituições exigem de seus contratados e primando pela qualidade do atendimento, baseada em múltiplas figuras de apego as quais o usuário poderá se vincular, o ideal é que o profissional que for atuar como acompanhante terapêutico não componha a equipe técnica do serviço de saúde de referência desse usuário. Dessa forma, o acompanhante poderá contribuir com a equipe na condução do caso agregando informações a partir de uma outra perspectiva e, concomitantemente, receberá da equipe informações que possam potencializar sua atuação; uma troca extremamente rica para o cuidado em saúde mental. Além disso, ele terá condições de realizar atividades que os limites institucionais não contemplariam, como transitar com esse usuário por outros espaços que para ele sejam significativos; desde espaços familiares, dos quais por algum motivo ele não esteja conseguindo participar, até espaços que componham seu território geográfico e subjetivo, trabalhando para que o acompanhado tenha maior autonomia para circular e possa reaver, ou conquistar, seu poder contratual e relacional na sociedade da qual ele faz parte. Notas 1 Psicóloga, Especialista em Psicopatologia e Saúde Pública, Acompanhante Terapêutica Referências bibliográficas BARRETTO, K. D. Ética e técnica no acompanhamento terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. 2. ed. São Paulo: Unimarco, 2012. BOCCARDO, A. C. S. et al. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. 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Sobre a Revista 171 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A revista “ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico” é editada pela AAT (Associação de Acompanhamento Terapêutico). Propõe-se a ser um periódico científico semestral temático, com o objetivo de publicar investigações/ desenvolvimentos teóricos, relatos de pesquisa, debates, entrevistas e resenhas que contenham análises, críticas e reflexões sobre temas, fatos e questões do AT. Publicar também artigos voltados à interlocução entre o AT e vários campos do saber. Processo de avaliação por pares A revista “ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico” aceita textos redigidos preferencialmente em português; espanhol e inglês. Os manuscritos devem ser inéditos e originais. Ao serem recebidos, os trabalhos passam por uma conferência preliminar, relativa aos dados exigidos pelas Instruções aos Autores (o não cumprimento das orientações implicará na interrupção deste processo). A seguir, são remetidos aos membros da comissão editorial para emissão de parecer, em sistema “duplo cego” (double blind review), preservando a identidade do autor e do avaliador. Os trabalhos aprovados são encaminhados ao coordenador da referida comissão e todos os autores são notificados sobre a aprovação, reprovação ou necessidade de reformular seu trabalho. Neste caso, fica a critério do autor acatar ou rejeitar a orientação de reformulação. No caso de recusa da reformulação o autor deverá justificá-la e caberá ao coordenador da comissão editorial, se julgar a justificativa insuficiente, recusar o trabalho ou solicitar a um outro parecerista que o avalie novamente. Pequenas modificações no texto serão feitas pela comissão editorial, mas as modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. É permitida a reprodução parcial dos artigos desde que citada a fonte. A proposta deve preencher rigorosamente os requisitos e normas abaixo para que seja apreciada pela comissão editorial. Todo Título, Crédito, Palavras-Chave e Resumo devem ser apresentados nos três idiomas. Adotaremos o seguinte padrão para Abreviações: utilizar AT para Instruções aos Autores 172 Acompanhamento Terapêutico/ Acompañamiento Terapéutico. Para acompanhante terapêutico/ acompañante terapéutico utilizar at (em negrito) e ats para o plural. Formatação padrão - word for windows, versão 6.0 ou superior, com extensão .doc - digitado em fonte 12, Times New Roman, formato A4. - Espaço 1,5. Forma e preparação de manuscritos - Tipos de texto: Estudos teóricos/ensaios – análises de temas e questões fundamentadas teoricamente, envolvendo reflexão crítica e questionamentos aos modos de pensar e atuar existentes e proposição de elaborações novas e oportunas (preferencialmente de 20 a 25 laudas em espaço duplo); Relatos de pesquisa – investigações originais de alta qualidade, baseadas em dados empíricos, recorrendo à metodologia quantitativa e/ou à qualitativa. Importante que haja uma discussão crítica dos resultados e que seja explicitada a contribuição para a produção do conhecimento. Nesse caso, é necessário conter introdução, método, resultados, discussão e conclusões (preferencialmente de 20 a 25 laudas em espaço duplo); Relatos de experiência profissional – relatos de experiência profissional de interesse e relevância para as diferentes práticas do AT (preferencialmente de 15 a 20 laudas em espaço duplo). Tabelas, gráficos e imagens (em formato JPEG) devem constar no corpo de texto. Todos os endereços de páginas na Internet (URLs), incluídas no texto (Ex.: http://www.aat.org.br) devem estar ativas e prontas para clicar. Sobre a Revista 173 Notas e referências bibliográficas Notas: Deverão constar no final do texto. Desta forma deve-se fazer a opção NOTAS DE FIM e NÃO Notas de rodapé. Artigos e capítulos de livros Fazer referência bibliográfica na seguinte ordem: autor, título do artigo/capítulo, nome do autor do livro, título do livro (em itálico), subtítulo (sem itálico), edição, local de publicação (cidade), editora, data de publicação, volume, capítulo, páginas (inicial e final), série ou coleção. Exemplos: Autor do capítulo e do livro BARRETTO, Kleber Duarte. Onde se adentra no campo da transicionalidade e se discute a participação da pessoa do terapeuta no trabalho clínico. In: . Ética e Técnica no Acompanhamento Terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. 3ª edição. São Paulo: UNIMARCO e Edições Sobornost, 2005. Autor somente do artigo ou capítulo TORRE, Daniela Della. Clariceando o acompanhamento terapêutico. In: Antúnez, A. E. A. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: casos clínicos e teorias. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2011. v. 1. 216 p. 3. Artigos publicados em periódico científico Indicar: autor do artigo, título do artigo: subtítulo do artigo, título da revista (em itálico), local de publicação (cidade), título do fascículo se houver (suplemento ou número especial), volume, número, páginas (inicial e final), mês e ano. Exemplo: SAFRA, Gilberto. Placement: modelo clínico para o acompanhamento terapêutico. Psychê, São Paulo, v.10 n.18, p. 13-20. São Paulo set. 2006. 4. Citações no corpo do texto – Referências Bibliográficas As citações, quando forem literais, devem ser precisas, grafadas em itálico e entre “aspas”. No corpo do texto deve constar o sobrenome do autor, seguido da data e páginas da publicação. Ex.: (Chaui, 2004, p. 170). Nas Referências Bibliográficas, o sobrenome do autor citado deve ser posto em ordem alfabética (em maiúsculas), prenome, título do livro (em itálico), subtítulo (sem itálico), edição, local da publicação (cidade), editora, ano de publicação, volume, série ou coleção (entre parênteses).Exemplo: Instruções aos Autores 174 ANTÚNEZ, A. E. A. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: casos clínicos e teorias. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2011. v. 1. 216 p. 5. Dissertações e Teses As referências de Tese de Doutorado ou Dissertação de Mestrado devem conter: nome do autor, título (em itálico), subtítulo (sem itálico), data, número de páginas ou volumes, categoria (grau e área de concentração), identificação da instituição, local, data de publicação. Exemplo: CHAUI-BERLINCK, Luciana. Andarilhos do bem: os caminhos do acompanhamento terapêutico. 2011. 173p. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo, 2011. POSSANI, Tania. A experiência de ‘sentir com’ (Einfühlung) no acompanhamento terapêutico: a clínica do Acontecimento. 2010. 108p. Dissertação (Mestrado) – USP, São Paulo, 2011. Nota importante: caso necessite de um guia mais completo favor consultar Diretrizes para apresentação de dissertações e teses da USP: documento eletrônico e impresso (Cadernos de Estudos 9, 2004) http://www.teses.usp.br/info/diretrizesfinal.pdf Envio de manuscritos Os artigos devem ser inéditos, e seus originais serão submetidos a exame pela comissão editorial. Os originais não serão devolvidos. O fluxo de artigos que chegam à revista da AAT é o seguinte: 1) avaliação preliminar pela comissão editorial; 2) encaminhamento para dois pareceristas; 3) encaminhamento do parecer para a comissão editorial para decisão final; 4) informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de reformulações (nesse caso, é definido um prazo de 30 dias, findo o qual o artigo é desconsiderado, caso o autor não o reformule); 5) para os aprovados, encaminhamento para a revisão de português, sendo que poderão ser efetuadas modificações na forma do texto, mantendo o conteúdo; 6) após revisão, encaminhamento para composição e diagramação; 7) publicação. Os artigos devem ser remetidos para: Associação de Acompanhamento Terapêutico (AAT) Eletronicamente pelo: [email protected]. Visite: www.aat.org.br. Sobre a Revista 175