CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO BRUNO SILVA QUIRINO INOVAÇÃO SOCIAL E NEGÓCIOS SOCIAIS: Um estudo de caso do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma instituição financeira Belo Horizonte 2014 BRUNO SILVA QUIRINO INOVAÇÃO SOCIAL E NEGÓCIOS SOCIAIS: Um estudo de caso do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma instituição financeira Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA, como requisito parcial para a qualificação e obtenção do título de Mestre em Administração Linha de pesquisa: Inovação, Empresariais e Competitividade Redes Área de concentração: Inovação e Dinâmica Organizacional Orientador: Prof. Dr. Rivadavia Drummond de Alvarenga Neto BELO HORIZONTE 2014 C. Q8i Quirino, Bruno Silva Inovação social e negócios sociais: um estudo de caso do programa minha casa, minha vida em uma instituição financeira. / Bruno Silva Quirino. – 2014. 182f. Orientador: Prof. Dr. Rivadavia C. Drummond de Alvarenga Neto Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2014. Programa de Mestrado Profissional em Administração. Bibliografia f. 161-167. 1. Desenvolvimento social. 2. Habitação popular. I. Alvarenga Neto, Rivadávia Correa Drummond de. II. Centro Universitário UNA. III. Título. CDU: 658 Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras Centro Universitário UNA Mestrado Profissional em Administração Dissertação intitulada “Inovação Social e Negócios Sociais: um estudo de caso do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma instituição financeira”, de autoria do mestrando Bruno Silva Quirino, apresentada à banca examinadora constituída pelos seguintes professores: _______________________________________________________ Prof. Dr. Rivadávia C Drummond de Alvarenga Neto – Orientador _______________________________________________________ Profa. Dra. Íris Barbosa Goulart – Centro Universitário UNA _______________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Baroni – PUC Minas Belo Horizonte, 2014 Dedicatória Este trabalho é dedicado às pessoas que sofrem os inúmeros males causados pela pobreza, ao tempo em que crio a esperança de que seja fonte de inspiração para o desenvolvimento de muitos negócios sociais. Agradecimentos Meu pai, Divalde, que sempre fez questão de encher a casa de livros para as crianças se habituarem a esse convívio tão importante para minha formação; Minha mãe, Jane, que ouvia minhas tentativas de leitura de revistas, andando atrás dela enquanto arrumava a casa; Minhas irmãs e irmão, a quem pretendo sempre orgulhar e servir; Minha mulher, Larissa, que me inspira na vida e que teve tanta paciência com minha dedicação a estes estudos... Meus amigos, pelo respeito à negligência que precisei oferecer-lhes durante o período da pesquisa. Ao Professor Rivadávia, responsável por me fazer acreditar muito mais na dedicação, nos estudos e na transpiração acadêmica. Epígrafe “As pessoas pobres são pessoas bonsai. Não há nada de errado com suas sementes, mas a sociedade nunca lhes deu a base adequada a partir da qual pudessem crescer.” (Muhammad Yunus) RESUMO A pesquisa, desenvolvida sob a forma qualitativa, com finalidade descritiva, foi executada por meio de um estudo de caso cujo objeto é o “Programa Minha Casa, Minha Vida”. O objetivo principal é investigar o modelo de negócios do Programa sob a ótica dos conceitos de inovação social e negócios sociais. Definiu-se a proposição teórica de modelo de negócios conceituada por Muhammad Yunus para a técnica de comparação de padrões. A coleta de dados se deu através de entrevistas semi-estruturadas, pesquisa documental e observação direta. Três categorias de análise foram definidas, com base nos objetivos específicos: i) conceitos, legislação, métricas e resultados do Programa; ii) modelo de negócios do Programa; iii) equação de lucro financeiro e equação de lucro social. Os dados coletados foram submetidos a processos de redução, exibição em displays e, por fim, verificação. A principal conclusão foi que o Programa Minha Casa Minha Vida, embora ofereça diversos e significativos resultados financeiros e sociais, não pode ser caracterizado como um modelo de negócios social, conforme o padrão adotado pela pesquisa. Palavras-chave: inovação, inovação social, modelos de negócios, modelos de negócios sociais, Programa Minha Casa Minha Vida, resultados sociais ABSTRACT This research, developed by a qualitative form and with a descriptive purpose, was made via case study. The object of its study is the Brazilian Government Program “Minha Casa Minha Vida”. The main target is to analyze the Program under concepts of social innovation and social business. The Muhammad Yunus’s social business model concept was defined as theoretical proposition to compare with the Program. Data were collected by semi-structured interviews, documentary research and direct observation. Three analysis categories were defined based on specific objectives, which are: i) concept, legislation, metrics, and results of the Program; ii) Program business model; iii) financial equation and social profit equation. Collected data was submitted to processes of reduction, display, and verification. The main conclusion was that the Program “Minha Casa Minha Vida”, although offers large and significant social profits, can’t be characterized as a social business according to the Muhammad Yunus’s model. Keywords: inovation, social inovation, business model, social business model, Program Minha Casa Minha Vida, social profits Siglas e abreviaturas ABECIP Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança BB Banco do Brasil BNH Banco Nacional da Habitação CEF Caixa Econômica Federal CEO Chief Executive Officer CLT Consolidação das Leis do Trabalho EUA Estados Unidos da América FAR Fundo de Arrendamento Residencial FDS Fundo de Desenvolvimento Social FGHAB Fundo Garantidor da Habitação Popular FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FIES Financiamento Estudantil IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDE International Development Enterprises IDH Índice de Desenvolvimento Humano IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG Organizações Não-Governamentais ONU Organização das Nações Unidas PAC Programa de Aceleração do Crescimento P&D Pesquisa e Desenvolvimento PIS Programa de Integração Social PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNHR Programa Nacional de Habitação Rural PNHU Programa Nacional de Habitação Urbana ROI Retorno Sobre o Investimento RSC Responsabilidade Social Corporativa SAC Sistema de Amortização Constante SFH Sistema Financeiro da Habitação SROI Retorno Social Sobre o Investimento UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância Lista de Quadros QUADRO 1 – Fontes de Inovação ........................................................... 32 QUADRO 2 – Inovação e Inovação Social ............................................... 48 QUADRO 3 – Empreendimentos Sociais e Negócios Convencionais ...... 56 QUADRO 4 – Modelos de Negócios Convencionais e Modelos de Negócios Sociais ...................................................................................................... 62 QUADRO 5 – Fontes de evidências ......................................................... 75 QUADRO 6 – Entrevistas Semi-Estruturadas .......................................... 80 QUADRO 7 – Análise de Dados – Modelo de Miles & Huberman............ 85 QUADRO 8 – Objetivos/resultados esperados pelo PMCMV................... 96 QUADRO 9 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 1 ................ 97 QUADRO 10 – Produtos e Público-alvo do PMCMV ................................ 123 QUADRO 11 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 2 .............. 124 QUADRO 12 – Recursos do PMCMV ...................................................... 129 QUADRO 13 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 3 .............. 149 QUADRO 14 – PMCMV x Modelo de Negócios Sociais .......................... 157 Lista de ilustrações FIGURA 1 – As seis alavancas da inovação ............................................ 37 FIGURA 2 – Negócios sociais x negócios com finalidade lucrativa x organizações sem fins lucrativos .............................................................. 59 FIGURA 3 – Índice SROI ......................................................................... 68 GRÁFICO 1 – Distribuição da renda das famílias na Faixa 1................... 111 Lista de tabelas TABELA 1 – Déficit habitacional no Brasil – 2007/2012 ........................... 138 TABELA 2 – Total unidades habitacionais PMCMV (até 30/06/2014) ...... 139 TABELA 3 – Unidades entregues por faixa .............................................. 139 TABELA 4 – Entregas por perfil de renda e por região ............................ 140 TABELA 5 – Estoque de contratos de crédito imobiliário ......................... 140 TABELA 6 – Média anual de financiamentos imobiliários no Brasil ......... 140 TABELA 7 – Satisfação das famílias com o PMCMV ............................... 144 TABELA 8 – Satisfação das famílias (região Nordeste) .......................... 145 TABELA 9 – Satisfação da famílias por tipo de moradia .......................... 145 TABELA 10 – Impacto em emprego/renda/materiais de construção ........ 146 TABELA 11 – Impacto do PMCMV na produção de imóveis no Brasil ..... 147 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17 1.1 Problema de Pesquisa ...................................................................................................... 20 1.2 Objetivos da Pesquisa ...................................................................................................... 24 1.2.1 Objetivo geral: ............................................................................................................. 24 1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................................. 24 1.3 Justificativa ......................................................................................................................... 25 1.4 Estrutura do Texto ............................................................................................................. 27 2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................ 29 2.1 Inovação ......................................................................................................................... 29 2.1.1 Conceitos e Importância ....................................................................................... 29 2.1.2 Processo de Produção da Inovação.................................................................... 31 2.1.3 Inovação na interface entre Tecnologia e Modelo de Negócios ..................... 35 2.2 Modelos de Negócios .................................................................................................... 40 2.2.1 Conceitos, desenvolvimento histórico e posicionamento na Teoria Econômica ......................................................................................................................... 40 2.2.2 Modelos de negócios e estratégia ....................................................................... 43 2.2.3 Dinamismo do Modelo de Negócios .................................................................... 44 2.3 Inovação Social e Modelos de Negócios Sociais .................................................... 46 2.3.1 Construção teórica: de empreendimentos sociais a modelos de negócios sociais................................................................................................................................. 47 2.3.2 Mensuração de impacto ........................................................................................ 64 3 METODOLOGIA .................................................................................................................... 71 3.1 Caracterização da pesquisa ......................................................................................... 71 3.2 Coleta de dados ............................................................................................................. 73 3.3 Categorias de análise ................................................................................................... 76 3.4 Técnicas de interpretação e análise de dados.......................................................... 76 4 CONTEXTO DE PESQUISA ............................................................................................... 79 4.1 A instituição – FINANX.................................................................................................. 85 5 ANÁLISE DE DADOS........................................................................................................... 87 5.1 Categoria de Análise 1: Conceito, legislação, métricas e resultados do PMCMV ................................................................................................................................................. 88 5.2 Categoria de Análise 2: Modelo de negócios do PMCMV: proposta de valor, público-alvo, constelação de valor, custos e receitas..................................................... 98 5.3 Categoria de Análise 3: Equação de lucro financeiro e equação de lucro social ............................................................................................................................................... 124 6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 150 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 160 APÊNDICE A – Protocolo de Estudo de Caso .................................................................. 167 APÊNDICE B – Práticas de Negócios Sociais .................................................................. 171 APÊNDICE C – Exemplo da Matriz de análise de dados brutos .................................... 171 APÊNDICE D – Relação de documentos analisados ....................................................... 178 ANEXO A – Modelo Canvas ................................................................................................. 181 17 1 INTRODUÇÃO O capitalismo estabeleceu-se como sistema mais comum na economia de todo o mundo. Gates (2008) afirma que essa doutrina tornou melhor a vida de bilhões de pessoas, ao mesmo tempo em que deixou para trás outros tantos bilhões. A afirmação ganha contornos visíveis a partir da confrontação da projeção da população do planeta para 2050 – 10 bilhões de pessoas – (ONU, 2013) com o percentual de pobres. Mantendo-se a mesma proporção apresentada por Polak e Warwick (2013) ao tempo de sua obra, em que havia no mundo 2,7 bilhões de pobres de um total de 7,2 bilhões de habitantes, em 2050 haverá 3,8 bilhões de pessoas submetidas à pobreza. Esses autores adotam o conceito de pobreza com relação à renda, incluindo na condição aqueles que vivem com US$ 2 ou menos por dia. O tamanho do problema é destacado quando se observa, em análise dos dados do United States Census Bureau (2014) que os considerados pobres em 2013 e a população total do planeta em 1955 contavam-se em números equivalentes, aproximadamente 2,7 bilhões de pessoas. Além do fator econômico, podem-se citar outros elementos caracterizadores da condição de pobreza, entre os quais encontram-se os seguintes: desemprego; barreiras em virtude de raça, etnia ou religião; falta de água; desnutrição; falta de cuidados médicos; educação precária; deficiências na moradia (POLAK & WARWICK, 2013); impossibilidade de adquirir bens de primeira necessidade como fogões; problemas de saúde causados por condições de vida precárias (BRUGMANN & PRAHALAD, 2007); dificuldade de acesso ao crédito bancário; falta de acesso à tecnologia; desnutrição infantil (YUNUS, 2010); problemas de segurança e infraestrutura urbana (ASHOKA, 2014). É fato que as condições de vida, em geral, melhoraram nos últimos 100 anos, conforme se pode constatar pela análise de quesitos múltiplos como os apontados por Gates (2008): alta da expectativa de vida, consolidação de regimes democráticos, maior participação popular nas eleições, abertura para liberdade de expressão do pensamento e expansão da liberdade econômica 18 para mais camadas da população, dentre outros. No campo das melhorias específicas para as camadas de renda mais baixa, Bornstein e Davis (2010) acrescentam o surgimento das organizações de microfinanças, das escolas e bibliotecas rurais, inovações em saúde e fortalecimento dos defensores de direitos humanos. Tais avanços, porém, não atingiram todas as pessoas. Uma grande massa permanece à margem da evolução. Entre os problemas sociais de países em desenvolvimento destaca-se, em consonância aos objetivos deste trabalho, o déficit habitacional. A privação de moradia digna pode disparar outras mazelas, como flagelos de saúde e educação. Quem habita um local cujas condições são precárias está exposto a doenças, violência, intempéries naturais e, consequentemente, fica incapacitado de buscar qualificação profissional e educacional, tendo seu desenvolvimento obstruído. No Brasil, o déficit habitacional é definido pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013), abrangendo as seguintes condições: 1 – Domicílios precários: moradias rústicas ou improvisadas; 2 – Coabitação: famílias que convivem numa mesma habitação e têm intenção de se mudar ou famílias residentes em cômodos; 3 – Excedente de aluguel: famílias que comprometem mais de 30% da renda com pagamento do aluguel; 4 – Adensamento excessivo: moradias com mais de 3 moradores por cômodo. O conceito de déficit habitacional guia as políticas públicas voltadas para a moradia, servindo como orientador das decisões voltadas para solução dos problemas que envolvem o tema (IPEA 2013). Ações para reduzir esse problema no Brasil remontam a muitos anos. Em 1964, a Lei no 4.380 unificou as políticas habitacionais no âmbito federal, definindo objetivos/metas e a estrutura de um mecanismo completo, o Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Essa mesma lei criou o Banco Nacional da Habitação – BNH, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda cujo objetivo era promover financiamentos à produção de empreendimentos habitacionais (CAIXA, 2012). 19 Conforme proposto pela Caixa (2012), Programas como o BNH foram atingidos por crises econômicas e financeiras que os tornaram pouco efetivos. Instabilidade econômica e inflação descontrolada a partir da década de 70 do século XX desequilibraram os financiamentos concedidos no âmbito do SFH. Regras relativas ao sistema, especialmente envolvendo a correção monetária do saldo devedor dos contratos foram seguidamente alteradas, gerando uma situação de desequilíbrio tal que levou ao fim do BNH. O Banco foi extinto em 1986, pelo Decreto-Lei 2.291/86 (CAIXA, 2012). O papel da economia nos resultados insuficientes do período entre 1980 e 1990 é ressaltado em trabalho da FGV (2007), que atribui parte das deficiências do sistema à crise econômica do referido período, elevação das taxas de juros, alta inflação e queda do poder aquisitivo dos mutuários. Todos esses fatores causadores de instabilidade econômica, aliados a fraquezas internas do SFH, desaguaram num significativo indicador: em 2003, o volume de crédito concedido pelo sistema atendia apenas 10% da demanda habitacional, contra 70% nos anos 1980 (FGV, 2007). Ainda a respeito dos solavancos econômicos que interferiram na política de habitação, a ABECIP – Associação Brasileira das Entidades de Crédito e Poupança – afirma que a crise do petróleo e a alta da dívida externa brasileira ao final dos anos 1970 causaram uma disparada da inflação, tendo como conseqüência grande quantidade de ações judiciais visando adequar o valor das prestações à evolução do salário dos mutuários. O principal efeito dessas ações foi a incompatibilização do índice de correção das prestações e dos saldos devedores dos contratos, gerando desequilíbrio (ABECIP, 2014). A análise dessas informações permite concluir que os fatores evidenciados pela ABECIP (2014), Caixa (2012) e FGV (2007) contribuíram para impedir a solução do problema habitacional no Brasil. Ainda de acordo com a Caixa (2012), após a crise do final dos anos 1970, ocorreu um fenômeno chamado “favelização dos centros urbanos”, que consistiu na ocupação irregular de espaços urbanos. Esse processo – cujos efeitos persistiam ao tempo do desenvolvimento deste trabalho – foi devido, em parte, à referida crise econômica somada à ausência de uma política habitacional bem-sucedida e ao alto custo do solo urbano. Resta claro, portanto, que a questão habitacional persiste como uma das mais graves a serem enfrentadas pelo País. Outra 20 importante característica demográfica do Brasil é a predominância da população urbana, cuja representação chegou a 84,36% do total em 2010 (IBGE, 2010), dado que reforça a necessidade de um eficiente programa habitacional. Embora estudos do IPEA apontem redução no déficit habitacional no Brasil entre os anos de 2007 e 2011, o dado mais recente desse indicador apontava demanda de 5,4 milhões de domicílios (IPEA, 2013). A classe média brasileira – população com renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.019 – ganhou, entre 2002 e 2012, 35 milhões de pessoas oriundas das classes inferiores, conforme é possível confirmar-se em Brasil (2012). O citado estudo aponta crescimento de 50,6% no rendimento das famílias pertencentes à classe média brasileira entre os anos de 2001 e 2011 (BRASIL, 2012), de onde se reconhece aumento na quantidade de potenciais consumidores. Foi sob esse contexto histórico que, por meio da Medida Provisória 459/2009, posteriormente convertida na lei 11.977/2009, o Governo Federal brasileiro criou o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) para enfrentamento da questão habitacional. Segundo a referida legislação, a finalidade do PMCMV é “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais” (Lei 11.977, 2009, art. 1º). Trata-se de um programa com objetivo de construir 3 milhões de novas moradias, refletindo diretamente na vida das famílias beneficiadas e de toda a cadeia produtiva da construção civil (Lei 11.977, 2009). A partir desses ambiciosos objetivos, definidos na legislação pertinente, observa-se que o PMCMV, bem como seus componentes e sua mecânica de funcionamento, merecem maior atenção dos pesquisadores. Tal assertiva será discutida neste trabalho, sendo necessário anteriormente o aprofundamento na problemática ora proposta, o que será feito a seguir. 1.1 Problema de Pesquisa Até a década de 70 do século passado, predominava a assertiva de que caberia exclusivamente ao Poder Público solucionar problemas sociais e ambientais. Mazelas sociais, a exemplo do déficit habitacional, eram consideradas responsabilidade exclusiva dos governos. Reinava o pensamento 21 consagrado pelo economista Milton Friedman, segundo o qual empresas foram constituídas para produzir lucro, ficando a cargo dos governos o cuidado com questões sócio-ambientais e a vigilância aos excessos cometidos pelo setor privado (EGGERS & MACMILLAN, 2013). Polak e Warwick (2013) defendem a ideia de que somente negócios podem acabar com a pobreza, porque as demais formas de auxílio são superficiais e efêmeras. Filantropia, por exemplo, é útil em situações de emergência. No entanto, a simples doação de dinheiro não atinge o núcleo do problema e, portanto, não o resolve. Asseveram esses autores que, no mundo inteiro, é comum que ações governamentais apresentem horizonte de curto prazo, visto que ocupantes de cargos eletivos costumeiramente não se preocupam com o tempo posterior ao seu mandato. Governantes sofrem pressão para criar soluções imediatas que, no mais das vezes, não são as mais efetivas (POLAK & WARWICK, 2013). O caráter de curto prazo das ações governamentais também é tratado por Bornstein e Davis (2010), que, a seguir, incluem os doadores individuais no rol das pessoas que não visam resultados sustentáveis num prazo estendido. Disso resulta o seguinte problema: peregrinar em busca de indivíduos ricos dispostos a doar dinheiro para um negócio é penoso, custa caro e consome muito tempo (BORNSTEIN & DAVIS, 2010; YUNUS, 2010). Ainda questionando o modelo tradicional de solução pública, Polak e Warwick (2013) indicam que outros interesses permeiam a decisão de investimento dos governos. Para ilustrar, citam a ajuda internacional dos Estados Unidos aos países pobres. Em 2010, os Estados Unidos da América – EUA – doaram US$ 4,75 bilhões para seus dois principais beneficiários – Israel e Egito. Desse total, 86% foram destinados a auxílio militar. A se considerar que os EUA tenham grande capacidade financeira, o fato de a maior parte das doações não ser revertida para programas de combate à pobreza indica a incapacidade dos governos de nações ricas em produzir soluções no âmbito social. Corroborando as idéias de Polak e Warwick (2013), Eggers e Macmillan (2013) submetem a teoria chamada solution economy (economia de solução, tradução nossa), segundo a qual o setor privado assume parte das responsabilidades que antes eram exclusivas dos governos. Seu trabalho confirma a incapacidade do Poder Público em resolver – sozinho – os mais 22 graves problemas sociais. Sobre a participação do mundo dos negócios no alívio ao sofrimento humano, os autores sugerem: Quando grandes problemas sociais são vistos não como caridade mas como oportunidades de mercado, as ações de negócios são feitas em maior escala e têm maior visibilidade no longo prazo. (EGGERS e MACMILLAN, 2013, p. 34, tradução do autor). Uma nova estrutura de negócios que envolva a integração de sociedade civil, governos e grandes corporações é necessária para atender a um mercado inexplorado que Prahalad & Hart (2002) chamam de “base da pirâmide”. A busca pelo perfeito entendimento de como poder público e iniciativa privada enfrentam os problemas relacionados à pobreza necessitará, para efeitos deste trabalho, da compreensão do conceito de modelos de negócios. Tratar-se-á com detalhes sobre esse fenômeno no segundo capítulo do referencial teórico, não sendo dispensados breves comentários preliminares. Modelos de negócios referem-se à lógica da empresa, a forma como ela funciona e cria valor para as pessoas e organizações que fazem parte de sua cadeia de relacionamento (CASADESUS-MASANELL & RICART, 2010). Cada modelo representa a foto de um momento da empresa e inclui seus recursos e competências, sua estrutura organizacional – fornecedores, clientes, concorrentes, órgãos reguladores e outros – e a oferta que se traz ao mercado, denominada proposta de valor (DEMIL & LECOCQ, 2010). Conforme será demonstrado ao longo deste trabalho, a partir da entrada do setor privado no esforço de busca por soluções para os problemas gerados pela pobreza, surgiu na literatura um subtipo do conceito modelo de negócios. Nomeados modelos de negócios sociais, são parecidos com empreendimentos tradicionais, carregando a diferença de possuírem como propósito principal a geração de resultados sociais e não lucros financeiros (YUNUS, 2010). Modelos de negócios sociais estão de tal forma próximos aos convencionais que Bornstein e Davis (2010) apostam que a grande jogada da inovação a partir da segunda década do século XXI sairá da interseção entre os dois setores. Iniciativas de negócios que vão além da simples Responsabilidade Social Corporativa – RSC – e da filantropia são vistos como oportunidades tanto para grandes empresas aumentarem seus mercados quando para atingir 23 resultados no campo social, aliviando efeitos da pobreza (THOMPSON & MACMILLAN, 2010; YUNUS, 2010). É nesse contexto que se apresenta a literatura de inovação social, um tipo independente e distinto de inovação, que pretende realizar uma nova combinação de fatores para atingir objetivos relacionados ao benefício público (HOWALDT & SCHWARZ, 2010). Ocorre que a maioria dos estudos sobre inovação social analisam emprendimentos desenvolvidos por Organizações Não Governamentais – ONGs – e não modelos de organizações empresariais, como propõe esta pesquisa. No Brasil ainda se contam em pequeno número os modelos de efetiva participação do segmento empresarial na busca por resultados sociais. Chama a atenção o lançamento, em 2009, do PMCMV, para enfrentamento do déficit habitacional. O modelo do programa envolve a participação do Poder Público em parceria com instituições financeiras, construtoras, imobiliárias e outros atores. Encontra-se no Contexto de Pesquisa deste trabalho uma descrição mais detalhada de seu funcionamento, devendo-se adiantar que sua proposta previa a construção de 3 milhões de novas moradias entre 2009 e 2014. A literatura contemporânea de inovação social, conforme restará demonstrado neste trabalho, estuda atualmente diversos modelos de negócios sociais em que grandes empresas atuam ao lado do Poder Público em busca de dois tipos de resultados na temática denominada “inovação social” e “modelos de negócios sociais”: retorno financeiro e retorno social. Porém, não se encontram estudos aprofundados sobre o PMCMV em relação às mesmas temáticas. Busca realizada em junho de 2014 nos acervos das Revistas RAC – Revista de Administração Contemporânea, BAR – Brazilian Administration Review, RAC Eletrônica e ao portal de periódicos científicos Spell utilizando-se como palavras-chave os termos que definem o PMCMV não encontrou resultados. Buscando-se por “inovação social”, surgem trabalhos voltados exclusivamente para o setor sem fins lucrativos. Conforme visto, no Brasil há exígua pesquisa acerca de tais temas e até mesmo na literatura internacional não existem exemplos brasileiros representativos de tal modalidade, forma ou tipo de inovação. Assim, torna-se oportuno pesquisar um caso brasileiro nas perspectivas duplas de inovação social e modelos de negócios sociais e confrontá-lo com a fronteira da geração concomitante de lucro empresarial e lucro social. Existe uma lacuna teórica entre 24 os estudos de modelos de negócios sociais, os graves problemas decorrentes da pobreza e as parcerias entre organizações e o Estado Brasileiro. Destarte, este trabalho se aprofundará no estudo dos conceitos de inovação, modelos de negócios e modelos de negócios sociais, para extrair o conhecimento necessário à resposta da pergunta de pesquisa que se propõe, qual seja: O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma instituição financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de negócio social, conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social? 1.2 Objetivos da Pesquisa Para responder à pergunta proposta, o presente trabalho tem os seguintes objetivos: 1.2.1 Objetivo geral: Investigar, descrever e analisar o modelo de negócios do “Programa Minha Casa, Minha Vida” executado por uma instituição financeira federal com base nos conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social e negócio social. 1.2.2 Objetivos específicos a) Investigar, descrever e analisar o conceito, objetivos, métricas e resultados do PMCMV; b) Examinar e detalhar a proposta de valor que envolve produtos/serviços, clientes e demais stakeholders do PMCMV e a constelação de valor (redes interna e externa); 25 c) Investigar e analisar a equação de lucro financeiro – receitas/custos e recuperação do capital – e a equação de lucro social, conforme modelo de Yunus et al. (2010);1 1.3 Justificativa A busca de resultados financeiros que agradem aos acionistas ainda é o principal objetivo da maioria das organizações, porém é crescente o número de empresas que desenvolvem negócios sociais (YUNUS et al., 2010). Esses empreendimentos ocorrem diretamente ou via parcerias com ONGs e Governos de países em desenvolvimento. Embora existam experiências relativamente antigas como o Grameen Bank (Banco do Vilarejo), fundado em 1976 (YUNUS, 2010), apenas na primeira década do século XXI o tema negócios sociais ganhou notoriedade na literatura especializada. Como todos os campos emergentes de pesquisa, não possui fronteira lógica definida, acabando misturados em outras disciplinas (MAIR & MARTI, 2004). Para Weber (2008), o conceito de negócios sociais ainda não atingiu completo reconhecimento, mas já é uma realidade. Yunus et al. (2010) entendem ser necessário o aprofundamento no duplo campo de pesquisa e experimentação de modelos de negócios sociais, dado que muitas questões permanecem sem solução. A conferência desses autores permite concluir que, sob o ponto de vista do mundo acadêmico, é importante o aprofundamento no tema, seja via pesquisa e/ou experimentos. Para a academia brasileira, especialmente, o assunto reclama maior atenção, visto que, ao se pesquisar a literatura de inovação social, encontram-se poucas referências nacionais. O curso de Mestrado Profissional em Administração de que este trabalho é requisito está conectado com o tema proposto, pois um de seus eixos centrais é exatamente a Inovação. Há um crescente interesse da academia pelo tema, posto que atrai a atenção do mundo dos negócios. A pobreza é elemento contrário à produção, dentro do raciocínio de que sem renda não há consumo. Se existem 2,7 bilhões de pessoas à margem do consumo, conforme já citado anteriormente, e a se 1 Ver QUADRO 4 26 considerar a informação de Polak e Warwick (2013) de que 50% do poder de compra nos países em desenvolvimento reside na base da pirâmide, parece claro o interesse do meio corporativo em voltar seus olhos para tal direção. A espécie de inovação a ser estudada possui requisitos para conquistar o interesse acadêmico por representar ferramenta capaz de construir a conexão entre governos e sociedade civil na divisão de responsabilidades pela mudança social, como se depreende de Yunus (2010). Se uma empresa tradicional não sobrevive sem inovação (DAVILA et al., 2006), é possível que a inovação social seja igualmente importante. Polak e Warwick (2013) afirmam que nenhuma empresa irá sobreviver se ignorar as mudanças e deixar de apostar num mercado com quase três bilhões de possíveis clientes, embora tal indicação esteja sujeita a questionamentos. O estudo dos modelos de negócios sociais ganha relevância à medida que as práticas se proliferam pelo mundo. Nas palavras de Bornstein e Davis (2010): Empreendimentos sociais estão surgindo tão rapidamente e em tantas direções que serão necessários numerosos livros para que se dê tratamento adequado. (BORNSTEIN e DAVIS, 2010, p. 100, tradução do autor). O pesquisador deste trabalho se entusiasmou com o tema por múltiplas razões. O programa objeto do estudo é executado, entre outras, pela instituição em que o autor trabalha desde 2001, situação que torna a matéria ainda mais instigante aos seus olhos. A partir do início do Mestrado Profissional em Administração, o autor passou a ter contato com conceitos que ainda não experimentara estudar. O estudo sobre inovação em geral, negócios sociais, as características de tais modelos de negócios e os exemplos de aplicação prática ao redor do mundo incentivaram a curiosidade da pesquisa. Para a instituição em análise, a pesquisa é importante porque permitirá esclarecer a configuração do PMCMV e revelar se é possível promover melhoria na qualidade de vida da população e ainda assim gerar lucros financeiros em um mesmo modelo de negócios. O correto enquadramento científico do PMCMV permitirá à instituição fortalecer a atuação no mesmo. Categorizar o PMCMV como filantrópico, inovação na base da pirâmide, transferência de benefícios do Governo Federal ou negócio social permitirá a redução de eventuais 27 contestações e exaltações inspiradas por adversidades político-ideológicas, tornando-o peça classificada cientificamente. As ambiciosas metas do PMCMV, definidas em seus estatutos legais, de construir 3 milhões de novas moradias no período de 2009 a 2014 reveste de relevância o objeto do estudo, especialmente em se considerando o déficit habitacional brasileiro de 5,4 milhões de domicílios (IPEA, 2013). Quanto aos procedimentos metodológicos deste trabalho e a partir do desenho de pesquisa supracitado, trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com finalidade descritiva. O meio empregado será o estudo de caso, o que permitirá uma análise profunda do objeto de estudo, o PMCMV. Empregarse-ão principalmente os procedimentos de levantamento bibliográfico, análise documental, entrevistas semi-estruturadas e observação direta. A metodologia completa será detalhada em capítulo próprio. 1.4 Estrutura do Texto A presente dissertação está organizada em cinco partes. Na parte introdutória são apresentados a problemática, a pergunta de pesquisa, os objetivos gerais e específicos, a justificativa e menções à metodologia a ser aplicada. A segunda parte constitui o Referencial Teórico dividido em três capítulos. O primeiro capítulo trata de inovação. São feitas análises dos conceitos e importância da inovação, processos de produção e sobre a inovação na interface entre a tecnologia e o modelo de negócios. No segundo capítulo serão estudados os conceitos de modelos de negócios. O terceiro capítulo apresentará os modelos de negócios sociais, tratando dos pontos em comum e das diferenças com relação aos empreendimentos convencionais, bem como descreverá a importância da mensuração e os indicadores de resultados sociais. Na terceira parte são apresentados os procedimentos metodológicos a serem aplicados na pesquisa, descrevendo os principais conceitos e propostas da metodologia. Será, ainda, descrito o contexto em que se realizará a pesquisa, ou seja, a instituição e o programa objeto do estudo. A quarta parte – análise e discussão de resultados – será composta da análise detalhada do modelo de negócios do PMCMV, suas características, proposta de valor, constelação de 28 valor, equação de lucro financeiro e equação de lucro social. Por fim, a quinta parte – conclusões –pretende responder à pergunta de pesquisa, ressaltando eventuais lacunas deixadas pelo estudo e recomendando o aprofundamento em determinadas questões. 29 2 REFERENCIAL TEÓRICO O Referencial Teórico aborda os seguintes temas: Inovação, considerando seus conceitos e importância, processo de produção e a dupla abordagem da inovação na tecnologia e no modelo de negócios; Modelos de Negócios, trazendo seus conceitos, a diferença com relação à ideia de estratégia e seu dinamismo; por fim, trata do subtipo nomeado Modelos de Negócios Sociais. 2.1 Inovação 2.1.1 Conceitos e Importância Neste capítulo, será submetida à análise a temática inovação, cujos contornos são tangentes ao escopo principal do trabalho. Pretende-se iniciar com conceitos trazidos por autores especializados e tratar da importância da inovação para o mundo empresarial em geral. Em sequência, serão apresentadas linhas gerais de como produzir inovação, explicando-se adicionalmente o processo de tentativa-e-erro. Por fim, será exposta a inovação como agente influenciador não somente da tecnologia, mas também do Modelo de Negócios, de forma a atingir-se o entendimento de que estes também são afetados pelas mudanças, ao contrário do que supõe o senso comum. Inovação é tema recorrente no cotidiano do mundo corporativo. É possível constatar que as empresas que alcançam maior sucesso em termos de dinamismo e rentabilidade são as mais inovadoras, aquelas que criam novos mercados, diversamente de permanecer brigando em setores altamente concorridos (TIGRE, 2006). Corroborando Alvarenga Neto (2012) em sua definição como “tarefa ingrata” a de conceituar inovação, é farta a literatura a respeito, de onde se extraem conceitos vários, como os apresentados nos parágrafos a seguir. Um conceito que remete à prática das organizações, portanto de fácil reconhecimento, é o de Teece (2010), para quem a inovação ocorre quando se modifica a forma de como a empresa vai a mercado. 30 Na concepção de Drucker (1998), inovação é “o esforço para criar mudanças propositais num potencial ambiente econômico ou social” (DRUCKER, 1998, p. 3). Tigre (2006) chama a atenção para o costumeiro equívoco entre os conceitos de inovação e produto novo, no que é acompanhado por Alvarenga Neto (2012), que alerta para a habitual confusão entre as ideias de inovação, criatividade e invenção. Para Tigre (2006), um lançamento só poderá ser chamado de inovador se alcançar escala comercial. A simples criação de um produto com características diferentes daqueles já existentes não necessariamente caracteriza inovação. As novidades incapazes de se difundir amplamente no mercado serão classificadas como mera invenção. Neste mesmo sentido, Davila et al. (2006) afirmam que criatividade e cultura criativa não são fundamentos primordiais da inovação, uma vez que produzir ideias constitui a parte fácil do processo. A dificuldade está em selecionar e implementar as boas criações. Por fim, Davila et al. (2006) descrevem inovação como um processo de gestão que requer ferramentas específicas, regras e disciplina. Inovação é aquilo que produz mudanças fundamentais para a sobrevivência da organização. Postos os conceitos, avista-se o momento de clarificar a importância da inovação no ambiente organizacional e sua fixação como diferencial competitivo. Assim o faz Porter (2001), para quem a distinção necessária está em avançar ao mercado de uma maneira diferente da clássica, sendo que o lançamento de produtos convencionais com métodos costumeiros já não garante vantagem competitiva. Davila et al. (2006) asseveram que inovação é elemento-chave para o crescimento, fator crítico sem o qual as empresas param, os competidores as ultrapassam e, por fim, as empresa morrem. Useem, apud Davila et al. (2006), confirma essa assertiva ao dizer que “inovação é questão de sobrevivência”2. Davila et al. (2006) usam a mesma expressão, “questão de sobrevivência”, para dizer que, sem inovação, a empresa será extinta. Prosseguem declarando que, quanto a isso, não há dúvidas, restando apenas incerto quando tal fato terá lugar. 2 USEEM, J. 3M + General Eletric = ?.Fortune Magazine, EUA, 12 de agosto de 2002. Disponível em: http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2002/08/12/327038/index.htm, acessado em 12/04/2014 31 Deixar de inovar é tão dramático para uma empresa que Teece (2010) reconhece a absoluta necessidade de mudança por conta própria, antes que a companhia seja impelida por forças externas, como aconteceu com os bancos de investimento nos Estados Unidos após a crise de 2008. Corroborando os já citados autores, Kanter (2006) ressalta a proeminência das ações inovadoras ao determinar que “inovação envolve ideias que criam o futuro” (KANTER, 2006, p. 12, tradução nossa). Dessa declaração é possível depreender que não há futuro para companhias pouco ou nada inovadoras. Afirmar que comportamento inovador seja vital para o sucesso empresarial encontra apoio em Drucker (1998). Para esse autor, ninguém mais precisa ser convencido da importância da inovação. Pacificado tal entendimento, há que se investigar o “como” fazer, que constitui responsabilidade de todos os executivos e função específica de todos os empreendimentos, sejam eles negócios existentes, instituições públicas ou um novo negócio iniciado na cozinha de uma família. 2.1.2 Processo de Produção da Inovação Antes, porém, de tratar-se da execução em si, mostra-se indispensável investigar a partir de onde a organização enxerga oportunidades de inovar. Drucker (1998) afirma que inovação é, em regra, fruto de um processo consciente, uma busca por oportunidades que surgem em determinadas situações produzidas por “fontes de inovação”. Exceção que confirma a regra encontra-se na eventualidade, em situações nas quais a inovação nasce de um processo não estruturado, como num lampejo de genialidade. O autor apresenta sete fontes que criam tais ensejos para os inovadores, sendo quatro internas à organização e três externas, representadas no QUADRO 1. 32 QUADRO 1 Fontes de Inovação Oportunidade Exemplos Localização Sucessos e fracassos inesperados: situações não planejadas pela empresa, mas para as quais os gestores permanecem atentos e desenvolvem negócios a partir da ocorrência A máquina de calcular da IBM (1930) não Interna conquistou o mercado-alvo (bancário), mas encontrou outras aplicações e levou a empresa ao domínio da indústria de computadores nos 50 anos seguintes. Incongruências (desconexões entre lógicas de processo, realidades econômicas, ou expectativas/resultados Surgimento dos containers na indústria cargueira Interna naval, que quanto mais crescia, menos lucros produzia, devido ao tempo dos navios parado nos portos. Necessidades de processo A “mídia” é resultado de 2 inovações dos anos Interna 1890: a produção expressa e em alto volume de jornais (Linotipo de Mergenthaler) e a venda de publicidade (New York Times e New York World). Mudanças industriais e de Indústria de cuidados com a saúde nos EUA, nos Interna mercado: criam muitas anos 1980/1990 se espalhou em clínicas privadas oportunidades de inovação. ao longo do país inteiro Comum quando a indústria cresce rapidamente. Perigosa para empresas estabelecidas. Mudanças demográficas: Japoneses perceberam, nos anos 1970, a redução Externa normalmente negligenciadas da natalidade e a melhoria do nível de educação pelos gestores dos jovens. Portanto, faltaria mão-de-obra pesada no futuro. Investiram em robótica e se tornaram líderes neste setor Mudanças na percepção (copo meio cheio ou meio vazio). Mudanças que não alteram os fatos, mas sim seu significado (podem ocorrer muito rapidamente) A qualidade da saúde dos norte-americanos Externa melhorou muito nos anos 1970/1980, incentivando as pessoas a desejarem “a vida eterna”. Isso gerou oportunidades para surgimento de revistas especializadas em saúde, comida saudável, academias, equipamentos de ginástica etc. Novos conhecimentos: são as estrelas da inovação, a primeira imagem que as pessoas visualizam quando pensam no tema Criação do sistema bancário moderno por JP Externa Morgan (EUA) e Georg Siemens (Alemanha), indústria da computação, indústria da eletricidade, aviação ... Fonte: adaptado de DRUCKER (1998) 33 As oportunidades surgidas por meio das fontes propostas por Drucker (1998) despertam a necessidade de um processo sistemático, intencional, que envolva observação, questionamentos e audição, cujo produto é a inovação. Tigre (2006) confirma o caráter processual e sistemático ao definir que a inovação é conseqüência de uma combinação de várias fontes, internas e externas à empresa, partindo das atividades de P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, passando pela aquisição de conhecimento codificado – livros, manuais, softwares – e chegando à aquisição de licenças e tecnologia embutida em equipamentos. Conhecimento parece ser etapa do processo, visto que Tigre (2006) destaca a importância da inovação realizada por meio da informação e do conhecimento, de modo a agregar valor à estrutura produtiva. Explica que o desenvolvimento não advém somente da expansão econômica, mas também é conseqüência direta de investimentos em educação, tecnologia e inovação. Conhecimento e informação são igualmente ressaltados por Alvarenga Neto (2005) como elementos fundamentais no ambiente organizacional, visto consistirem em “únicos fatores capazes de fortalecer as competências essenciais das organizações e contribuir para a consolidação de vantagens competitivas sustentáveis” (ALVARENGA NETO, 2005, p. 19). Ainda com respeito à íntima relação entre conhecimento e inovação, toma-se emprestado o alerta de Choo (1996) sobre o fato de que ter uma visão antecipada dos movimentos do mercado constitui vantagem competitiva, do que se conclui que inovar não deve ser um ato inconsciente, mas uma ação direcionada. Para Choo (1996), alterações relevantes no ambiente irão determinar os momentos em que a empresa deve agir, tomando uma decisão racional. Tais alterações podem ser identificadas a partir de sinais enviados pelo ambiente externo, cabendo às organizações tratarem esses indícios para transformá-los em conhecimento. Por sua vez, conhecimento será material para a tomada de decisão dos gestores. Nas palavras do autor, “o novo conhecimento é aplicado ao desenho de novos produtos e serviços, aprimoramento das ofertas existentes e melhoria do processo organizacional” (CHOO, 1996 p. 330). Despertada a necessidade de mudança e geradas as oportunidades pelas fontes internas e externas, o “como fazer” da inovação, conforme Drucker (1998), é similar à execução de qualquer outro empreendimento. Requer muito 34 mais trabalho do que genialidade – trabalho duro, focado, intencionalmente planejado. O procedimento é simplificado por Davila et al. (2006) quando afiançam que, para se produzir inovação não é necessário uma revolução dentro da empresa, mas sim a construção de um processo sólido de gestão e organização, que faça as coisas acontecerem. Refere-se a um trabalho intencional, focado nos atributos de uma empresa inovadora, sob uma gestão preparada para enfrentar as barreiras internas e externas e baseado no binômio tentativa-erro. Necessário reforçar que inovação não acontece num passe de mágica, consoante afiançam Davila et al. (2006) ao incluí-la como parte integral da mentalidade de negócios da corporação. Além de ser reconhecida como elemento crucial da competitividade, a inovação depende de incentivos para florescer. Tigre (2006) ressalta o papel decisivo de um ambiente favorável ao fenômeno inovador: A geração e apropriação de inovações, entretanto, é um processo complexo que depende não apenas das qualificações e dos recursos técnico-financeiros detidos pela firma, mas também do ambiente institucional no qual está inserida e do poder de negociação com fornecedores e clientes. (TIGRE, 2006, p. VIII ). Preparar o terreno para promover a inovação nas organizações é condição para seu desenvolvimento. Legislação, apoio político e localização geográfica que facilitem conexões entre os participantes de uma cadeia produtiva fazem parte da seleção de itens a se considerar quando se fala em inovação (PORTER, 2001). Países capazes de promover um ambiente fértil para inovação o fazem através de políticas inspiradas pelo conhecimento das características de uma empresa inovadora e dos fatores sistêmicos que podem influenciar o fenômeno (OCDE, 1997). Uma vez compreendido que a inovação surge de determinadas fontes, depende de trabalho árduo e só se desenvolve num ambiente favorável, além de estar relacionada ao conhecimento, faz-se importante considerar que resultados somente serão alcançados quando o pretenso inovador se lança a campo para observar, perguntar e ouvir (DRUCKER, 1998). Cabe a abertura de breves parêntesis para lembrar fala atribuída ao político mineiro Benedito Valadares, 35 sobre a importância de prestar atenção ao que os outros dizem: “Estou rouco de tanto ouvir” (BENEDITO VALADARES, 2014). A inovação será conseqüência de operações diferentes do negócio existente, numa lógica de tentativa e erro (MCGRATH & MACMILLAN, 1995). Chesbrough (2010) sugere a criação de experimentos em menor escala, para simular o lançamento de uma novidade. Tais experimentos devem ser fiéis à realidade para acumular conhecimento sobre possíveis falhas antes do lançamento definitivo. Para esse autor, falha não é sinônimo de erro. A primeira faz parte do processo normal de experimentação e é útil para o aprendizado. O segundo aparece apenas em experimentos mal desenhados. McGrath (2010), da mesma forma, defende que, diante da impossibilidade de previsão do futuro para o lançamento de novos produtos, o melhor caminho é a experimentação de baixo custo inicial. Consiste em um grande erro aplicar altos volumes de recursos numa ideia embrionária, mesmo que seja promissora. Melhor seria iniciar com aporte menor de recursos até que a novidade se provasse viável, por meio dos testes. Essa autora separa a abordagem convencional – que mede o sucesso da inovação pela taxa de acerto das projeções do futuro– da abordagem dirigida à descoberta – surgida uma nova ideia, ela deve passar por testes de validação. Bornstein e Davis (2010) confirmam a necessidade de se suportar falhas num processo de inovação, concluindo que cometer erros que ajudem a aprender é o caminho para produzir ideias melhores. Bons exemplos de inovação “indesejada” são as descobertas do Raio X e da penicilina. Os pesquisadores buscavam outras coisas e só chegaram aos resultados surpreendentes a partir de observação, experimentação e ajustes. 2.1.3 Inovação na interface entre Tecnologia e Modelo de Negócios Ao finalizar a análise da temática inovação, consonante à atenção principal deste trabalho, há que se retornar aos conceitos do objeto de estudo para identificar-se uma modalidade que recebe, segundo Alvarenga Neto (2012), pouquíssimo valor da academia. Refere-se à inovação que acontece no modelo de negócio. 36 Popularmente difundida é a definição de inovação tecnológica que, de acordo com a OCDE (1997), se dá com a implantação de um novo produto com características aprimoradas para oferecer ao consumidor serviços novos ou mais sofisticados. Essa visão é ilustrada por Davila et al. (2006), que descrevem a primeira imagem que vem à mente das pessoas quando se fala em inovação: uma sala onde técnicos e engenheiros estão concentrados, trabalhando para construir a próxima e espetacular tecnologia que irá revolucionar o mundo. Disso se infere que, popularmente, o termo “inovação”, sem complemento, está associado a novidades tecnológicas. É bastante simples enxergar novas tecnologias em produtos como chips de computador, equipamentos eletrônicos, fábricas, ao passo que se mostra complexo identificar a inovação contida em uma refeição italiana, em uma apresentação artística ou em uma caixa de sabão em pó (OCDE, 1997). Davila et al. (2006) afirmam tratar-se de um equívoco a imediata conexão entre o termo “inovação” e o avanço tecnológico, uma vez que se pode influenciar tanto aspectos da tecnologia quanto do modelo de negócios. Destacam em seu trabalho a relevância de não se prender apenas à inovação tecnológica. Em suas palavras, “desenvolver novos modelos de negócios e novas estratégias é tão importante [quanto desenvolver novas tecnologias] – às vezes, mais” (DAVILA et al., 2006, p. XVI, tradução nossa). Encontram-se fartamente na literatura e no cotidiano exemplos vencedores de inovações que nada alteraram a tecnologia e, ainda assim, mudaram a direção da indústria inteira. É o caso da Apple com o iTunes, inovação que atingiu apenas o modelo de comercialização de músicas, sem criar uma nova tecnologia (ALVARENGA NETO, 2012; DAVILA et al., 2006; JOHNSON et al., 2008). Grande sucesso obteve a Dell Computadores com a substituição de seu sistema de vendas através de representantes para venda direta ao consumidor, sem envolver novas tecnologias (DAVILA et al., 2006). Por sua vez, Teece (2010) menciona a empresa aérea Southwest Airlines, que recorreu à inovação no modelo de negócios para conquistar significativa redução de custos. Seu modelo, apelidado “sem frescuras”, se baseia nos seguintes aspectos: utilização de um único tipo de aeronave, venda direta aos clientes, uso de aeroportos periféricos, cobrança por serviço de bordo. 37 Alvarenga Neto (2012) defende o mesmo ponto de vista, apontando a limitação da fixação na inovação em tecnologia e sugerindo estudos ampliados para abranger tanto o aspecto tecnológico quanto o modelo de negócio, com uso das seis alavancas da inovação propostas por Davila et al. (2006). Conforme se verifica na FIG. 1, o modelo prevê três alavancas no campo tecnológico e três no modelo de negócios, as quais serão conceituadas e exemplificadas nos parágrafos a seguir. Figura 1: As seis alavancas da inovação. Fonte: adaptado de Davila et al. (2006), p. 31 Alavancas da tecnologia: Inovações nos produtos e serviços são as mais visíveis ao cliente. Configuram a representação mental da palavra “inovação” para a maioria das pessoas. São as estrelas populares. Podem ser novidades inseridas em produtos já existentes ou mesmo a criação de um produto completamente novo. Os consumidores aguardam por esta modalidade. Podem ser novos recursos em aparelhos de telefone, uma nova droga revolucionária na indústria farmacêutica, o próximo modelo de tablet. Bem menos perceptíveis ao primeiro olhar são as inovações em tecnologias de processos, geralmente feitas para redução de custos. Envolvem tecnologias de processamento de alimentos, fabricação de automóveis, refino de petróleo, geração de energia e outros. São especialmente importantes nas indústrias de commodities, onde o produto de todos os concorrentes é praticamente idêntico. Tecnologias capacitantes estão em uma alavanca indireta, não fixada ao produto/serviço. Muito pouco claras aos olhos do cliente, são utilizadas para melhoria da estratégia, auxiliando na tomada de decisões e na gestão financeira. 38 Um exemplo é a tecnologia da informação que, ao ser aprimorada, permite execução mais eficiente e veloz da estratégia. Alavancas do Modelo de Negócios: Inovações na proposta de valor significam novos produtos ou ampliação da oferta do produto existente. Trata-se do caso da mudança significativa no campo de atuação da IBM, que voltou seu foco para a prestação de serviços, reduzindo a produção de equipamentos. A alavanca cadeia de suprimentos inclui inovações pouco visíveis para os clientes, que ocorrem no campo da distribuição do valor. Estão nos bastidores e, geralmente, não provocam a comoção habitual do lançamento de um produto revolucionário. Exemplo: parceria da Microsoft com desenvolvedores de jogos para o console Xbox. Novos segmentos de clientes-alvo podem ser definidos, visando melhor desempenho da organização. Inovar nesta alavanca representa direcionamento dos esforços para outros clientes, como na história do desenvolvimento das barras de cereal que, a princípio, eram voltadas para atletas profissionais. Posteriormente, a indústria encontrou novos nichos de mercado, especialmente pessoas preocupadas com a boa forma física. A análise da literatura feita neste capítulo conduz à conclusão de que inovação é capital necessário para gerar e manter vantagem competitiva (PORTER, 2001), sendo consequência não da casualidade (DAVILA et al., 2006), mas de um processo direcionado para este fim, num ambiente propício (TIGRE, 2006), a partir de determinadas fontes (DRUCKER, 1998). A busca pela inovação deve se pautar na experimentação com projetos de menor porte, para proteger a empresa dos riscos de um lançamento dispendioso (MCGRATH, 2010). O conceito de inovação adotado para este trabalho é o de geração de valor como interface entre a tecnologia e o modelo de negócio, de acordo com as ferramentas propostas por Davila et al. (2006). Uma vez investigados os conceitos, importância, fontes, processo, ambiente necessário para seu florescimento e as alavancas da inovação – sobretudo aquelas que influenciam algo além da tecnologia – passa-se a 39 discorrer sobre o que há de mais contemporâneo na literatura de modelos de negócios. 40 2.2 Modelos de Negócios Para os objetivos a que se propõe este trabalho, o estudo dos modelos de negócios é fundamental, pois é introdutório à análise de um subtipo destes, quais sejam, os modelos de negócios sociais. Inicia-se o capítulo com conceitos pesquisados na literatura especializada. A seguir, disserta-se a respeito da história desses modelos e seu posicionamento dentro da Teoria Econômica. A importância para as organizações, distinção com relação a estratégia, execução e dinamismo dos modelos de negócios completam esta parte do estudo. 2.2.1 Conceitos, desenvolvimento histórico e posicionamento na Teoria Econômica Um dos conceitos de modelos de negócios encontrados na literatura contemporânea é o de Teece (2010), segundo o qual se trata da maneira como a empresa vai a mercado, tendo em sua essência a forma como a empresa entrega valor, convence os clientes a pagarem pelo valor e transforma parte destes pagamentos em lucro. Consideravelmente similar é a definição de Osterwalder (2010): um modelo de negócios descreve a lógica como uma organização cria, entrega e captura valor. Magretta (2002) compara modelos de negócios à narração da história de como a empresa trabalha ou, analogicamente, à narração de como a empresa cria, entrega e captura valor. Osterwalder (2010) propõe um framework nomeado Canvas (ANEXO A), que permite análise do modelo de negócios de uma empresa considerando-se nove blocos, quais sejam: segmentos de clientes (quem é o público-alvo?); proposta de valor (quais necessidades do cliente são atendidas pela oferta?); canais de comunicação; relacionamento com o cliente; fluxo de receitas; recursos-chave (físicos, intelectuais, humanos, financeiros); atividades-chave; parceiros-chave (alianças, joint ventures, rede de fornecedores); estrutura de custos. Já Zott e Amit (2010) tratam modelos de negócios como um sistema de atividades praticadas pela empresa e seus parceiros, complementado por um modelo de receitas cujo objetivo final é similar aos anteriormente citados neste 41 capítulo, qual seja: produzir e capturar valor. Conceito análogo é proposto por Itami e Nishino (2010), que oferecem na composição do modelo de negócios um sistema de atividades – trabalho de produção e entrega – e um modelo lucrativo – padrão de como a empresa captura valor. Sua concepção pode ser ilustrada pelo modelo de negócios do Google, onde é possível identificar o sistema de atividades no software de buscas – o qual confere ao usuário informações imediatas em grande volume – e o modelo lucrativo na venda de publicidade comercial associada às buscas dos usuários (ITAMI & NISHINO, 2010). Relevante conceito é o de Baden-Fuller e Morgan (2010): modelos de negócios são um local para investigação científica, sendo utilizados como receita para gestores criativos. Os autores os comparam a uma receita gastronômica. Visto sob o ponto de vista da culinária, modelos de negócios podem resultar em diversos pratos de inovação, a partir da combinação de seus ingredientes: recursos, capacidades, produtos, clientes, tecnologia, mercados. Essa última analogia também é descrita por Sabatier et al. (2010), para quem os modelos devem ser descritos de maneira concisa, de forma que possam ser replicáveis como uma receita de bolo. Ao se pesquisar a literatura especializada em modelos de negócios, estudos a respeito são encontrados com maior fartura na esteira do intenso desenvolvimento tecnológico e da comunicação ocorrido a partir dos anos 1990. A definição dessa data para origem dos estudos de tal temática encontra amparo em Magretta (2002), que aponta a referida expressão como uma das mais destacadas buzzwords – palavras da moda – do período rotulado “boom da internet” – final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Teece (2010) reconhece a mesma origem do termo, dizendo que este ganhou relevância a partir da primeira década dos anos 2000, devido à emergência do conhecimento da Internet, do comércio eletrônico e da reestruturação do sistema financeiro mundial. O surgimento dos modelos de negócios apenas na transição dos séculos XX para XXI explica-se pela complexidade que envolvia a elaboração de uma proposta como esta em tempos deficientes de avançada tecnologia. A simplificação veio com a introdução dos computadores pessoais e das planilhas eletrônicas, fato que permitiu o planejamento de modelos de negócios que, anteriormente, eram gerados acidentalmente (MAGRETTA, 2002). 42 O referido período de nascimento do conceito ora tratado coincide com os meteóricos surgimento e fracasso das empresas “ponto com”, organizações sem fundamentos, sem proposta de valor, sem estratégia e nem mesmo clientesalvo, cujo único propósito era auferir lucros com uma tecnologia baseada na Internet (MAGRETTA, 2002). A coincidência temporal levou à associação entre modelos de negócios e empresas “ponto com”, gerando motivo para desconfiança. A autora absolve o conceito ora em estudo, definindo como culpados aqueles que o distorceram e dele fizeram mau uso, ao mesmo tempo que insiste na sua importância para qualquer empreendimento de sucesso atual. Nesse sentido, Teece (2010) aparentemente confirma o engano de tal correlação direta quando diz que todos os empreendimentos, de maneira implícita ou explícita, utilizam um modelo de negócios próprio. Seguindo a mesma linha, Casadesus-Masanell e Ricart (2010) salientam que toda empresa tem um modelo de negócios, pois todas tomam decisões cujas conseqüências determinam a lógica de seu funcionamento. O caráter recente da questão se reflete na baixa difusão do assunto pela academia, assertiva validada por Baden-Fuller e Morgan (2010), cujo trabalho aponta uma lacuna nas escolas especializadas, que raramente possuem modelos de negócios como centro de suas pesquisas. Esses autores consideram tal brecha uma contradição, visto que o objeto ignorado pelas escolas de negócio ganha vida no mundo organizacional, faz parte do dia-a-dia de gestores, consultores, comentaristas na TV e rádio. Teece (2010) reforça as críticas, afirmando que modelos de negócios não têm lugar junto à teoria econômica, uma vez que os estudos econômicos não fundamentam o referido conceito. Insiste que a teoria econômica não vê problema a ser resolvido por tais modelos, pois segundo ela o mercado absorverá automaticamente o produto lançado, se ele for vendido a um preço razoável que garanta lucro para a empresa. O entendimento de Teece (2010) é de que os estudos econômicos enxergam apenas um mercado ideal que não existe na vida real. Entretanto, a realidade é o campo em que se desenvolvem os modelos de negócios. Em um mercado onde não houvesse concorrência, como uma economia planejada, em que o Estado define a produção, modelos de negócios seriam desnecessários e, portanto, a Academia não precisaria se 43 preocupar com este assunto. Eles são úteis em mercados onde há competição (TEECE, 2010). Em que pese tais fraquezas na fundamentação teórica, esse conceito deve estar presente na estratégia das empresas (TEECE, 2010). O autor expõe freqüentes fracassos de inovações tecnológicas causados por desatenção ao modelo de negócios. Traz o exemplo de Thomas Edison, que não conseguiu tornar viáveis comercialmente a maioria de seus inventos. Teece (2010) destaca, ainda, que o melhor entendimento do modelo de negócios leva a empresa a compreender o comportamento do mercado, resultando em vantagem competitiva. Johnson et al. (2008) concluem que a razão da dificuldade de transformar inovações em lucros é o raso conhecimento das empresas com relação a seus próprios modelos de negócios. 2.2.2 Modelos de negócios e estratégia Além da citada ausência na Teoria Econômica, os conceitos de modelos de negócios são habitualmente confundidos com os de estratégia. Diante da proposição deste trabalho em esclarecer o entendimento sobre a temática em estudo, considera-se útil desfazer o nó que envolve ambas as proposições. Regularmente, ao serem perguntadas sobre estratégia, as pessoas confundem tal matéria com modelo de negócios, embora este último seja mais restrito que aquela (BADEN-FULLER & MORGAN, 2010). Estratégia de uma empresa se refere ao caminho em que se combinam atividades sobrepostas para atingir diferentes clientes e mercados, enquanto modelos de negócios são um dos elementos da estratégia (SABATIER et al, 2010). Tanto são assim diferentes em amplitude que Casadesus-Masanell e Ricart (2010) definem estratégia como a escolha do modelo de negócios com o qual a empresa irá atuar. Numa analogia com máquinas, esses autores usam a indústria automobilística: o desenho e a fabricação do carro são a estratégia, enquanto o carro é o modelo de negócios. Ao tratar de estratégia e modelos de negócios, Teece (2010) conclui que atrelar ambos é fundamental como proteção às vantagens competitivas surgidas do desenho do modelo. 44 Estabelecida a distinção entre estratégia e modelos de negócios, passase à análise do dinamismo destes últimos. 2.2.3 Dinamismo do Modelo de Negócios Com objetivo de se identificar a boa qualidade de um modelo de negócios, propõe-se a sugestão de Magretta (2002). Segundo os estudos dessa autora, a organização alcançará sucesso se seu modelo for aprovado no “teste dos números”. Resultará bem-sucedido o modelo que extrair bons números de uma história que faça sentido. A fim de ilustrar, cita a varejista californiana Webvan, cujo modelo de negócios consistia na venda e entrega de produtos de supermercado na casa dos consumidores. O primeiro olhar fazia crer que a história agradaria, afinal é coerente supor que fazer compras no conforto de casa seja atrativo. Porém, a Webvan não passou no teste dos números: o custo excedente para receber compras do dia-a-dia em casa não convenceu os clientes e a empresa faliu em 2001. Se modelos de negócios são fundamentais para toda organização, conforme se depreende da leitura dos parágrafos anteriores, é simples compreender que a criação de um modelo representa o primeiro passo para o sucesso. Porém, alerta Teece (2010), meramente criar um modelo de boa qualidade não garantirá o sucesso, pois se as características inovadoras forem fáceis de copiar, em pouco tempo não mais representarão vantagem competitiva. Entre os mecanismos de defesa contra a cópia de ideias, Teece (2010) propõe que as empresas adotem a manutenção de um nível de obscuridade dos detalhes e a implementação de processos difíceis de se copiar. Adicionalmente às ações de proteção, a literatura ensina que o dinamismo é característica significativa de um modelo vitorioso. Alcançar e manter vantagens competitivas exige que o modelo seja dinâmico, constantemente revisto e atualizado em virtude das mudanças no ambiente interno e externo à organização, conforme é possível deduzir da leitura de Demil e Lococq (2010), reforçados nessa afirmação por Wirtz et al. (2010). 45 A empresa deve estar preparada para os riscos inerentes à necessária mudança, usando ferramentas como as advindas da “consistência dinâmica” proposta por Demil e Lecocq (2010). Consistência dinâmica representa a capacidade da empresa em manter um desempenho sustentável ao mesmo tempo em que altera seu modelo de negócios. Williamson (2010) explica que, para grandes empresas, mudar o modelo de negócios é difícil, caro e lento, mas destaca a importância de que alterações sejam feitas, oferecendo como exemplo as montadoras japonesas Honda e Toyota, que surgiram aparentemente do nada e superaram empresas então estabelecidas há 60 anos. Johnson et al. (2008) contribuem com a discussão sobre o dinamismo dos modelos das organizações, afirmando que “um segredo para manter um negócio próspero é reconhecer quando ele necessita de uma mudança fundamental” (JOHNSON et al., 2008, pg. 2, tradução nossa). Pesquisas desses autores apontam dados contraditórios quando se confronta a opinião dos empreendedores e suas efetivas realizações: Cerca de 50% dos executivos acreditam que a inovação no modelo de negócios será mais importante do que no produto/serviço. Quase a totalidade dos CEO concorda que seus modelos de negócios necessitam de ajustes. Somente 10% dos investimentos em inovação são direcionados aos modelos de negócios. O restante é voltado para tecnologia. A literatura parece deixar claro que inovar no modelo de negócios representa decisão estratégica das mais importantes em uma organização. Sob certas circunstâncias, até mesmo um novo modelo é necessário, conforme apontam Johnson et al. (2008) por meio do exemplo da criação de uma nova proposta em torno de uma antiga tecnologia, como fez a Apple com a distribuição de músicas via iTunes para rodar nos mesmos tocadores de MP3 já existentes. Importante que se responda a movimentos na base da concorrência e se afastem disruptores por via da recriação do modelo. Caso o veículo de baixíssimo custo criado pela Tata Motors venha a ser disruptor do mercado, a indústria automobilística terá que criar novos modelos de negócios para sobreviver. 46 Além de se defender da imitação combinando análise estratégica com análise do modelo de negócios (TEECE, 2010), ou recriando o próprio modelo (JOHNSON et al., 2008), faz-se importante manter o foco na observação do ambiente externo, que influencia o modelo de negócios tanto ou mais que a gestão da empresa (DEMIL e LECOCQ, 2010). Esses autores destacam o perigo de que o modelo se perca por fatores localizados fora do alcance do gestor, risco este minimizado na proposta de Teece (2010), para quem o modelo deve ser visto como solução provisória, estando pronto para ser substituído por outro em algum momento. A inteligência a respeito de modelos de negócios, conforme se depreende da literatura especializada tratada neste capítulo, é absolutamente necessária para a condução de uma organização rumo ao sucesso. Escassos estudos formais e falta de atenção para este aspecto da administração dificultam a viabilidade da inovação (BADEN-FULLER e MORGAN, 2010; TEECE, 2010). O gestor tem o desafio de promover a inovação não somente nos aspectos tecnológicos, mas também através das alavancas do modelo de negócios, o que originará vantagem competitiva (DAVILA et al., 2006). Se modelos de negócios estão presentes em todas as empresas (CASADESUS-MASANELL & RICART, 2010) e se um bom modelo é condição para a comercialização de uma boa tecnologia (TEECE, 2010), pode-se concluir pela importância capital da pesquisa nesse campo de estudos. Concluída a análise de modelos de negócios, será discutido na sequência um conceito originário deste, os modelos de negócios sociais, objetos ainda mais jovens na literatura e pontos centrais aos objetivos deste trabalho. 2.3 Inovação Social e Modelos de Negócios Sociais A terceira parte do Referencial Teórico aborda os modelos de negócios sociais que, conforme será demonstrado, visam um novo mercado de clientes – os pobres do mundo. Surgidos a partir do duplo entendimento de que as soluções para a pobreza trazem também oportunidades de negócios e de que o aumento da qualidade de vida das pessoas interessa a todos, os modelos de negócios 47 sociais complementam a atuação do Poder Público. São levantadas diversas formas de atuação do setor privado na solução de problemas sociais, além das semelhanças e diferenças entre modelos de negócios convencionais e sociais. Faz-se um caminho de construção teórica a partir do amplo conceito de empreendimento social até a estrita definição de negócios sociais, ponto em que se define o paradigma escolhido como base para este trabalho. A seguir, são analisados modelos de avaliação de resultados sociais, deixando para o Apêndice B um rol de práticas de negócios sociais em andamento no mundo. 2.3.1 Construção teórica: de empreendimentos sociais a modelos de negócios sociais Uma modalidade específica de inovação, nomeada “inovação social”, surgiu a partir dos primeiros anos do século XXI como importante discurso das instituições civis (HOWALDT & SCHWARZ, 2010). Segundo esses autores, quanto mais a sociedade, economia e cultura são transformadas por inovações técnicas, mais importantes se tornam as inovações sociais, consideradas essas como fatores decisivos para um crescimento sustentável, garantia de empregos e desenvolvimento de habilidades competitivas. Afirmam esses autores que a inovação social é compatível com a mudança de uma sociedade industrial para uma economia de conhecimento e serviços. Para Phills (2009), inovação social se dá com a introdução de soluções novas para um problema ou necessidade social, desde que sejam melhores do que as abordagens já existentes e desde que os benefícios criados sejam voltados para a sociedade como um tudo e não para pessoas individualmente consideradas. Inovações sociais são um componente das mudanças sociais não limitadas à ação dos governos, consistindo na criação de produtos, serviços e modelos com objetivo de atingir necessidades sociais, conforme Howaldt e Schwarz (2010). 48 QUADRO 2 – Inovação e Inovação Social Inovação + Introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços Novidade, melhoria de performance, magnitude, implementação Aspectos = Inovação Social Sociais Necessidades ou problemas sociais; Valor social; Balanço entre criação e captura de valor público Fonte: elaborado pelo autor com base na Lei 10.973/2004; Phills (2009); Howaldt e Schwarz (2010) As necessidades sociais são aquelas que atingem grande número de pessoas. Considera-se elevado o percentual da população mundial que nunca recebeu atenção das grandes corporações, especialmente nos países em desenvolvimento, que abrigam a maior parte dos 4 bilhões de pessoas constituintes da base da pirâmide social (PRAHALAD & HART, 2002). Para esses autores, reside nessa faixa populacional um grande potencial econômico que poderia ser explorado por modelos de negócios especificamente desenvolvidos. Os quatro bilhões de pessoas cuja renda anual per capita é inferior a US$1.500, constituintes da base da pirâmide proposta por Prahalad e Hart (2002) não são classificados como pobres por tais autores, embora estejam situados à margem do consumo. Um corte maior, oferecido por Polak e Warwick (2013), vai além, para definir como pobres as pessoas que vivem com renda de US$2 ou menos por dia. Estima-se que em 2013 existiam 2,7 bilhões de pessoas nessa condição – número equivalente ao total da população mundial em 1950 – , dos quais 1 bilhão viviam com menos de US$ 1 por dia (POLAK & WARWICK, 2013). Representativa quantia expõe a magnitude do problema social nominado pobreza e, simultaneamente, a enorme oportunidade para se fazer negócios, uma vez que tais pessoas se encontram praticamente fora do mercado consumidor. Embora não se encontre farta literatura, alguns autores defendem que as grandes corporações criem negócios especialmente destinados a esse 49 público, entre os quais podem-se citar: Bornstein e Davis (2010), Eggers e MacMillan (2013), Gates (2008), Polak e Warwick (2013), Thompson e MacMillan (2010). Raciocínio similar encontra-se em Prahalad e Hart (2002), que assinalam o poder de compra da base da pirâmide, ilustrando-o com o exemplo de um iceberg, em que a ponta representa a economia que aparece nos números oficiais e a base, oculta sob as águas, equivale à economia informal dos países pobres. O cuidado com os problemas de natureza social produzidos pela pobreza sempre foi dedicado ao Poder Público que, de acordo com Eggers e Macmillan (2013), falhou por não conseguir apresentar soluções definitivas. Esses autores discorrem sobre o fato histórico da responsabilização dos governos pelo cuidado com saúde, educação, segurança e a obrigação de combater a pobreza. Na sequência, decretam o fracasso do Estado em solucionar, sozinho, tais mazelas. Sucessivas barreiras como crises econômicas forçaram a recorrente adoção de posturas austeras pelos governos, levando-os a reduzir investimentos destinados ao enfrentamento das adversidades sociais. Eggers e Macmillan (2013) informam que a recessão nos EUA e na Europa a partir de 2008 causou fechamento de escolas, bibliotecas e hospitais. Ainda segundo esses autores, o governo não é mais o único ator na luta contra problemas sociais. Embora não seja o mais eficiente guerreiro em tal batalha, a responsabilidade pelas soluções cabe ao Estado (BORNSTEIN & DAVIS, 2010). Ocorre que a sociedade está passando, desde o início dos anos 2000, por um momento de alteração da estrutura atual, formatada de cima para baixo para um modelo em que o Poder Público é apenas mais um elemento entre os outros na batalha contra a miséria. As deficiências do setor público em erradicar a pobreza passam, segundo Polak e Warwick (2013), pelo fato de que suas políticas são feitas por meios oblíquos e não diretamente para os pobres. Para eles, constitui um erro das nações ricas a doação de recursos para terceiros realizarem ações sociais, uma vez que haveria maior eficiência em trabalhos executados de modo direto. Exatamente sob tal conjuntura surge o debate sobre a inserção do setor privado no empenho em erradicar o sofrimento humano. Embora a busca por lucros para o acionista ainda seja o principal foco no mundo corporativo, é crescente o número de grandes empresas preocupadas com a RSC – 50 responsabilidade social corporativa (YUNUS et al., 2010). Na concepção destes autores, a RSC propõe um tripé para avaliação das companhias: benefícios financeiros, sociais e ambientais. Ressalvam, porém, que, em regra, a avaliação da qualidade da empresa se prende ao aspecto financeiro. É essa a linha do balanço que atrai atenção dos analistas, comentaristas de negócios, instituições financeiras e investidores. Por conseguinte, RSC não resolve problemas no longo prazo porque, num momento de crise, a decisão das corporações é tomada na direção do braço lucrativo em detrimento das ações sociais. Na concepção de Yunus (2010), RSC abrange ações de empresas convencionais, com objetivo de prestar algum serviço comunitário, colhendo os frutos de uma reputação de empresa “cidadã, boa vizinha”. Ainda assim, a visão da participação dos segmentos da sociedade civil na busca de soluções é otimista para Eggers e Macmillan (2013), de cujo estudo extrai-se a informação de que, atualmente, a filantropia privada contribui com volume de recursos maior que de todos os governos. Na realidade, a literatura comprova que há algo muito maior que simplesmente doação de dinheiro. Temple (2013) apresenta a tendência de conexão entre os negócios convencionais e os empreendimentos sociais a partir da afirmação de que 48% destes últimos realizam algum tipo de transação com o setor privado. É uma convicção desse autor o fato de que as empresas, por seu lado, estão avançando das simples políticas de RSC para algum tipo de atividade social muito mais alinhada com seu negócio principal. Além de empresas com boas práticas de RSC, Eggers e Macmillan (2013) apresentam os wavemakers3. Esses são as pessoas, organizações com fins lucrativos e ONGs que pretendem revolucionar a abordagem a respeito dos desafios sociais. A atividade de tais organismos não está restrita ao plano teórico, conforme se conclui dos números expostos pelos citados autores: estima-se que existiam em 2013, nos EUA, mais de 650 mil empreendimentos sociais ativos, os quais podem ser legalmente reconhecidos. No mundo, essa espécie de empresa gerou mais de US$ 2,1 trilhões de receitas no ano de 2012. Bornstein e Davis (2010) indicam que a entrada do setor civil no empreendedorismo social veio a alterar o modelo centralizador e construído de 3 “Wavemaker”: sem tradução direta para o português. Em tradução livre, algo como “transformadores” 51 cima para baixo, característico do século XX. A nova forma de atuação é integrada – setores público e privado – e descentralizada para unir esforços em busca de soluções de longo prazo e de alcance profundo. Como mencionado nos parágrafos anteriores, a relativa incompetência estatal em deslindar os graves sofrimentos advindos da pobreza e, ainda, a afirmação que o setor privado se tornou ator ativo nessa luta, buscam-se na literatura especializada diferentes modalidades de atuação. Algumas delas serão descritas a seguir: Filantropia: ações geralmente individuais, em que pessoas físicas ou corporações dedicam elevados volumes de recursos para determinada causa. Seus aplicadores não exigem retorno do montante, mas colhem frutos indiretos, como uma boa reputação a partir da vinculação do ato ao seu nome (POLAK & WARWICH, 2013). Filantropos famosos: Bill Gates, Warren Buffet, Patrice Motsepe – homem mais rico da África do sul (EGGERS & MACMILLAN, 2013). Para Polack e Warwick (2013), ações filantrópicas são incapazes de enfrentar realmente a pobreza, pois são limitadas, descoordenadas e de baixa escala. Yunus (2010) reconhece o importante papel da filantropia, especialmente em momentos de emergência como catástrofes naturais, porém chama de insustentável um modelo que tenha necessidade permanente de busca por doações. Para Bornstein e Davis (2010), quem realiza esta espécie de doação costuma não considerar a performance do negócio beneficiário, gerando concentração em “organizações medíocres com uma marca forte” (BORNSTEIN & DAVIS, 2010, p. 49, tradução nossa). Atendimento à base da pirâmide: ações de grandes multinacionais em busca dos enormes e inexplorados mercados dos países em desenvolvimento, levando às pessoas produtos aos quais elas nunca haviam tido acesso (PRAHALAD & HART, 2002). O texto de Dahan et al. (2010) sugere que multinacionais façam parcerias com ONGs locais para facilitar a penetração nos novos mercados. Yunus et al. (2010) admitem que haja um reflexo social, porém não se trata do principal objetivo desta forma de atuação, fato que a mantém incompleta. Polak e Warwick (2013) consideram que o atendimento à base da pirâmide não soluciona problemas sociais, pois é voltado a classes relativamente mais abastadas da sociedade, não os realmente pobres – aqueles cuja renda diária seja de até US$ 2. 52 RSC: atividades das empresas com objetivo de amenizar o impacto social e ambiental de suas operações (PORTER & KRAMER, 2006). As principais críticas partem desses mesmos autores, para quem muitas companhias restringem a RSC à propaganda, sem efeitos práticos. Historicamente, a RSC surgiu como defesa a acusações de violações de direitos humanos, degradação do meio-ambiente e exploração do consumidor, sem efetiva preocupação com benefícios sócio-ambientais (PORTER & KRAMER, 2006). Yunus (2010) afirma que ações de RSC não superam o grau de pequenos benefícios para as comunidades locais, com o principal objetivo de forjar uma imagem de empresa cidadã, boa vizinha. Para ele, esta modalidade só é tolerada pelas organizações até o ponto em que não atrapalhe o lucro. É comum que RSC seja tratada de maneira descoordenada e sem profundidade, funcionando meramente como propaganda (PORTER & KRAMER, 2006). Ainda assim, podese dizer que sejam lucrativas para as corporações, conforme se depreende das conclusões de Griffin e Sun (2012), segundo as quais o valor das ações das companhias é influenciado, entre outros elementos, pela adoção voluntária de práticas de RSC. A pesquisa, realizada com 84 empresas durante 10 anos, evidencia forte relação entre a adoção das referidas políticas e o aumento do valor de mercado dessas companhias em 10 bilhões de dólares. Empreendimentos sociais: na definição de Haugh e Tracey4 (apud Mair e Marti, 2004), tratam-se de negócios que atendem um propósito social, combinando inovação, empreendedorismo e propósitos sociais. Para Mair e Marti (2004), empreendimento social é o resultado do empreendedorismo social, que por sua vez se refere a um processo para catalisar mudanças sociais e atingir necessidades sociais. Visão diferente apresentam Smith et al. (2010), que enxergam neste tipo de ação um paradoxo entre benefícios sociais e estratégias visando o lucro. Também em oposição, Yunus (2010) afirma que empreendimento social e empreendedorismo social encontram-se no rol de empresas voltadas para a maximização de lucros, gerando benefícios sociais apenas de maneira indireta. Importante frisar que o termo “empreendimentos sociais” é comumente empregado como sinônimo de “negócios sociais” por parte da literatura ora estudada. 4 HAUGH, H.; TRACEY, P.; The Role of Social Enterprise in Regional Development. Social Enterprise and Regional DevelopmentConference, Cambridge-MIT Institute, Universityof Cambridge, 2004. 53 Negócios sociais: espécie de ações que possuem como principal objetivo a luta contra o sofrimento causado pela pobreza. Para Yunus (2010), diferem completamente dos negócios tradicionais, de entidades sem fins lucrativos e de empreendimentos sociais. Em sua concepção, visam resolver problemas sociais por meio de métodos de negócios, entre eles a comercialização de produtos, mas não devem permitir a distribuição de dividendos aos acionistas. Nesse ponto discordam Bornstein e Davis (2010), Eggers e Macmillan (2013) e Polak e Warwick (2013), que posicionam a lucratividade como elemento-chave para atrair o necessário capital privado. Comini et al. (2012) diferem negócios sociais em perspectivas. Segundo eles, a escola europeia enxerga tensão na busca simultânea de resultados financeiros e sociais, ao tempo que entende que negócios sociais devem ser dirigidos por empresas cujo propósito principal seja a solução de graves problemas da humanidade, com reinvestimento total de eventuais lucros. Por outro lado, a perspectiva norte-americana defende que sejam catalisados por multinacionais, visem dupla linha de resultado – financeiro e social – e permitam a distribuição de dividendos aos investidores. Assim como outros autores, Bornstein e Davis (2010) utilizam o termo “empreendimento social” com um conceito muito próximo aos negócios sociais utilizados por Yunus (2010) e Yunus et al. (2010): uma organização que ataca problemas sociais através de um formato de negócios convencionais. A descrição de empreendimento social da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – parece abarcar alguns dos conceitos citados anteriormente neste capítulo, inclusive o de negócios sociais. Empreendimentos sociais são organizações (...) que buscam objetivos econômicos e sociais em um espírito empreendedor. (...) Tipicamente visam entregar serviços sociais (...) para comunidades em situação de desvantagem (...). Adicionalmente, empreendimentos sociais estão surgindo na provisão de serviços comunitários, inclusive nos campos educacional, cultural e ambiental (OCDE, 2006, p. 1). Encontram-se em OCDE (2006) elementos para identificar um empreendimento social, os quais são confirmados pela literatura analisada neste trabalho. A seguir, passa-se à análise de alguns: 54 Critérios econômicos: 1 – Comprometimento com a produção e venda de bens e serviços, diferentemente das organizações sem fins lucrativos tradicionais (OCDE, 2006). Comini et al. (2012) tratam de negócios sociais sob a perspectiva norteamericana, como negócios que levam bens e serviços a pessoas que, por razões econômicas, não tinham acesso a eles. 2 – Autonomia: são criados voluntariamente por grupos de pessoas e não pelo poder público. Portanto, são autônomos. Os acionistas têm direito de participar das decisões e de deixar o empreendimento quando bem entenderem. O fato de eventualmente receberem subvenções públicas ou doações privadas não tira o caráter autônomo dos empreendimentos sociais (OCDE, 2006). Yunus et al. (2010) parecem confirmar este critério ao descrever o empreendimento Grameen Danone. A multinacional espanhola criou um fundo especialmente voltado para essa experiência, desvinculado dos negócios tradicionais da empresa. Sob tal estruturação, os investidores que aderiram ao fundo o fizeram tendo conhecimento do especial direcionamento dos recursos. 3 – Risco econômico: a viabilidade econômica do empreendimento social depende das ações que são tomadas, das decisões e dos esforços de seus membros (OCDE, 2006). A teoria de Dahan et al (2010) atesta o critério ao afirmar que, embora o lucro não seja mandatário para uma ONG, manter as contas equilibradas é ponto importante para esse tipo de organização, visto que seu modelo de negócios está sujeito às mesmas forças e razões de mercado que as entidades com fins lucrativos. Se gestão de qualidade é fundamental para qualquer empresa, nos negócios sociais tem importância ainda maior, conforme assevera Weber (2008). Nesse ambiente, o desperdício significa não somente retirar do bolso do acionista, mas também da boca de pessoas famintas. Yunus (2010) relata que a Grameen Danone teve um início promissor com vendas crescentes no primeiro ano de atividade, 2007. Logo em seguida, ocorreram “fatores econômicos que ninguém previra” (YUNUS, 2010, p. 50), obrigando a empresa a promover alterações no modelo de negócios, buscar novos grupos de clientes e introduzir novos produtos. O negócio social sofria com a crise econômica mundial assim como um banco norte-americano, comprovando a similaridade dos modelos (YUNUS, 2010). 55 Critérios sociais: 1 – Empreendimentos sociais resultam da iniciativa de cidadãos pertencentes a uma comunidade ou um grupo que tem necessidades e objetivos comuns (OCDE, 2006). 2 – Princípio do “um membro, um voto”. Garantia de direito de participar da tomada de decisões a todos os membros, independente do capital que cada um tenha aportado (OCDE, 2006). Um dos modelos de negócios sociais apresentado por Yunus (2010) aprofunda tal princípio. Algumas das empresas sociais possuem como proprietários os próprios beneficiários de suas atividades. É o caso do Grameen Bank, cujos principais acionistas são os tomadores de microcrédito. 3 – Lucros: há organizações que proíbem distribuição de lucros, exigindo o total reinvestimento do superávit. Outras permitem distribuição de parte dos lucros, sendo estabelecida uma limitação. Em comum, ambas as correntes não admitem comportamento de maximização dos lucros (OCDE, 2006). O referido conflito está presente na leitura de Comini et al. (2012), Eggers e Macmillan (2013), Polak e Warwick (2013), Yunus (2010) e Yunus et al. (2010), já citados anteriormente neste capítulo. 4 – Objetivo explícito de beneficiar a comunidade (OCDE, 2006). Para Yunus (2010), o negócio social é dedicado à solução de problemas sociais, econômicos e ambientais e isso deve estar explícito em seus documentos de fundação, a fim de não deixar dúvidas. Considerando que negócios sociais constituem assunto relativamente recente, dada a presença na literatura apenas a partir dos anos 2000, surge natural curiosidade em compreender em que medida se igualam às atividades convencionais e a partir de que ponto se separam a constituir organismo independente, se é que isto acontece. Mair e Marti (2004) explicam que o empreendedorismo social pode assumir a forma de empresa com ou sem finalidades lucrativas. A natureza do problema a ser perseguido é o elemento decisivo para a opção por um ou outro formato, como se explica a seguir. Haverá maior chance de sucesso para uma indústria farmacêutica que desenvolva drogas contra doenças “negligenciadas” – aquelas que não interessam às grandes corporações – se não tiverem fins lucrativos, pois 56 receberão incentivos desinteressados em retorno. Sem a obrigação de responder lucrativamente, terão tempo para pesquisar. É o caso do IOWH – Institute for One World Health, farmacêutica norte-americana criada no ano 2000 com foco em doenças pouco atrativas economicamente, como a leishmaniose. Pelo lado oposto pode-se citar o grupo Grameen, de Bangladesh, cuja opção pela finalidade lucrativa do Grameen Bank permitiu que expandisse seus negócios para novos desafios, entre os quais a Grameen Telecon e a Grameen Energia. Mair e Marti (2004) sintetizam o pensamento na inexistência de conflito entre os modelos com e sem finalidade lucrativa, ressaltando a diferença na prioridade que se dá ao tipo de resultado esperado, o que pode ser melhor visualizado no QUADRO 3. QUADRO 3 Empreendimentos Sociais e Negócios Convencionais Empreendimentos sociais Negócios convencionais Finalidade principal: criar riqueza social Finalidade principal: gerar lucro financeiro Sub-produto: lucro financeiro Sub-produto: riqueza social Fonte: Elaborado pelo autor, com base em Mair e Marti (2004) Ainda a se estudar a convergência dos negócios convencionais e sociais, Polak e Warwick (2013) definem empreendimentos sociais como organizações cuja missão é visar problemas sociais, econômicos ou ambientais sentidos por um grande número de pessoas. Para esses autores, referido modelo de empreendimento pode ser concebido sob a forma lucrativa ou nãolucrativa, desde que os objetivos sociais sejam explícitos na missão da empresa e a busca por lucros apareça num aspecto secundário, porém importante para garantir o alcance de escala global. Incluem nessa classificação as Corporações B dos Estados Unidos – empresas que possuem autorização legal para oferecer baixo lucro aos acionistas em troca de benefícios sociais – e as Companhias de Interesse Comunitário no Reino Unido. Em conformidade com outros autores, Polak e Warwick (2013) trazem em diversas passagens de seu texto a afirmação de que impacto social e lucratividade não são mutuamente excludentes. Importante suscitar a opinião 57 contrária de Yunus (2010), para quem as Corporações B e as Companhias de Interesse Comunitário não se encaixam na definição de negócios sociais. O convívio dos citados dois mundos de negócios é analisado por Dahan et al. (2010), que estudam modelos de negócios construídos a partir de parcerias formadas por empresas multinacionais e ONGs em países em desenvolvimento. Grandes corporações, pretendendo avançar nos países em desenvolvimento, necessitam de parceiros conhecedores da realidade local, aptos a lhes abrirem as portas. Modelos de negócios construídos através dessas parcerias são baseados em capacidades complementares que, uma vez combinadas, resultam em vantagens para todos os envolvidos. Para as multinacionais, as seguintes: acesso a diferentes fontes de informação; identificação de mudanças no mercado; aceleração da penetração no mercado; legitimação junto aos consumidores, sociedade civil e governo; acesso à experiência local e sistemas de distribuição. Por sua vez, as grandes empresas oferecem os seguintes elementos à parceria: capital; tecnologia e capacidade gerencial; capacidade de produção em escala; legitimação com outros players do setor privado; poder de compra; força da marca com os consumidores Embora não classifiquem as parcerias como negócios sociais, o caráter mutuamente vantajoso guarda semelhança com aquele conceito. Dahan et al. (2010) acrescentam à definição de modelo de negócios dois novos elementos: a colaboração intersetorial – empresas com finalidades lucrativas e ONGs – e a criação de valor social. Nesse mesmo estudo tratam da necessidade de os negócios conduzidos pelas ONGs serem sustentáveis, embora sem obrigação de dar lucro. Alinhado a essas ideias encontra-se o pensamento de Bornstein e Davis (2010), segundo o qual a essência de parcerias entre empresas com finalidades lucrativas e empreendedores sociais é a complementariedade. Parcerias entre empresas que visam lucro e entidades sem fins lucrativos também são defendidas por Yunus et al. (2010), para quem tal tipo de trabalho conjunto segue a forma colaborativa, sendo altamente produtivo, uma vez que tais organizações não competem diretamente entre si. 58 O modelo de negócios proposto por Dahan et al. (2010) para uma ONG está sujeito às mesmas forças de mercado que um modelo tradicional, portanto seu sucesso estará condicionado à sustentabilidade financeira. A se falar na conexão dos setores, Brugmann e Prahalad (2007) dizem que o mercado livre obriga executivos e ativistas sociais a trabalharem juntos, desenvolvendo modelos de negócios que transformarão as organizações. Nesse ponto, há convergência com o pensamento de Yunus (2010), segundo o qual “negócios sociais estão sujeitos a muitos dos mesmos sinais, desafios e tensões que as empresas com fins lucrativos” (YUNUS, 2010, p. 43). Esse autor ressalta que, por operarem dentro de um mesmo sistema – o capitalismo – negócios sociais devem ir ao mercado com a eficácia de uma empresa comum, buscando as melhores maneiras para vender seus produtos a fim de cobrir os custos e, eventualmente, auferir lucros que servirão como combustível para sua expansão. Yunus et al. (2010) comparam os desenhos de modelos de negócios convencionais e de um modelo de negócios sociais. Os últimos possuem uma estrutura muito parecida com os primeiros, visto que não se enquadram na categoria de empresas de caridade, antes carregam os caracteres peculiares de um negócio. Para esses autores, a auto-sustentabilidade financeira deve ser característica de negócios sociais, a fim de se garantir o pagamento do investimento realizado, ponto em que diferem da filantropia. Devem receber aportes financeiros apenas no início e se desenvolver comercialmente a ponto de garantir a capitalização inicial e a manutenção da atividade. Modelos de negócios sociais, assim como os tradicionais, oferecem produtos e serviços, possuem clientes, visam mercados, têm estruturas de custos/receitas e canais de distribuição. Assim, possuem a mesma mentalidade e estão sujeitos às mesmas condições que os demais atores do capitalismo. Negócios sociais estão enquadrados no meio termo entre empresas com finalidade lucrativa e sem finalidade lucrativa (YUNUS et al., 2010). Em seu conceito, consistem em “uma companhia auto-sustentável que vende bens ou serviços e repõe o investimento de seus proprietários, mas cujo propósito principal é servir a sociedade e melhorar a vida dos pobres” (YUNUS et al., 2010, p. 309). 59 Yunus et al. (2010) comparam modelos de empresas com finalidades lucrativas, empresas sem finalidades lucrativas e os chamados negócios sociais. Na FIG. 2 encontra-se representada a tríplice noção, em que a maximização do lucro financeiro e do lucro social servem como base para enquadramento em cada um dos modelos: negócios com finalidade lucrativa buscam maximizar o lucro financeiro e recuperar o capital; organizações sem fins lucrativos visam maximizar o lucro social e não se preocupam em recuperar o investimento; negócios sociais objetivam máximo lucro social com recuperação do capital aportado. Figura 2: Negócios sociais x negócios com finalidade lucrativa x organizações sem fins lucrativos. Fonte: adaptado de Yunus et al. (2010) As semelhanças entre negócios tradicionais e sociais chega até a oferta de produtos. Polak e Warwick (2013) revelam uma percepção errada no senso comum, segundo a qual produtos para os pobres devem ser de baixa qualidade e ter aparência simples. Consumidores pobres não são diferentes dos demais; portanto, tornar produtos atrativos para os pobres envolve oferecer preço acessível combinado com bom funcionamento e aparência atrativa. Quem tem pouco dinheiro deve usá-lo para adquirir bens de qualidade, uma vez que não há margem para desperdício. Os autores sugerem os requisitos seguintes para se produzir com qualidade e baixo custo: eliminar penduricalhos – recursos que 60 a maioria das pessoas não usa –, usar matéria-prima local, produzir com partes permutáveis – que sejam utilizáveis em outras linhas de produtos –, criar um sistema de distribuição descentralizada. A percepção de que negócios sociais se desenvolvem sob a mesma lógica dos convencionais é compartilhada por Eggers e Macmillan (2013) quando defendem o entendimento de que a solução para os problemas sociais não está na caridade, uma vez que todo problema representa oportunidades de mercado. O pensamento é ratificado por Porter e Kramer (2006), que não enxergam razão para que os mundos dos negócios convencionais e dos negócios sociais sejam separados ou excludentes. Afirmam que todas as escolas de pensamento econômico compartilham uma mesma fraqueza, a de manter o foco no atrito entre negócios e a sociedade, quando na verdade estes dois campos são interdependentes. Defendem que as ações de RSC só se tornam efetivas quando fazem parte do negócio da empresa, quando estão diretamente ligadas ao coração da organização. É útil para o mundo corporativo que a sociedade seja saudável. Educação, saúde, igualdade de oportunidades preparam uma força de trabalho mais produtiva. Produtos seguros e boas condições de trabalho atraem clientes, reduzem o custo com acidentes. Em resumo, uma sociedade bem desenvolvida amplia as oportunidades de negócio. Ao mesmo tempo, a sociedade necessita de empresas de sucesso que irão gerar empregos, riqueza e permitir a melhoria de vida da população. No mesmo sentido, Thompson e MacMillan (2010) analisam melhorias na condição humana feitas através de modelos de negócios rentáveis. A conseqüência desse tipo de empreendimento é um círculo virtuoso, em que a geração de riqueza social produz redução no sofrimento humano. Produzir lucros com a inserção de um novo público no mercado consumidor incentiva mais empresas a participarem e, dessa forma, o círculo é reiniciado. Esse será um novo setor da economia, cuja linha de resultados esperados inclua lucros financeiros e melhorias na condição de vida humana (THOMPSON e MACMILLAN, 2010). O mundo corporativo passou a ser visto como importante fonte para atendimento às causas sociais, conforme Polak e Warwick (2013). Na opinião desses estudiosos, somente o poder dos negócios é capaz de promover mudança social em larga escala. Em sua visão, a população pobre será 61 importante fonte de negócios, desde que sejam desenvolvidos produtos especificamente para atendê-los. Atendê-los significa oferecer soluções para aflições que os atingem, tais como falta de água potável e energia, fome e desnutrição, fragilidades de saúde. Destacam que, nos países em desenvolvimento, 50% do poder de compra está na base da pirâmide. São ainda mais contundentes ao afirmar que nenhuma empresa hoje constituída irá sobreviver se não passar a atentar para o mercado potencial formado pelos bilhões de pobres espalhados pela Terra. A mesma necessidade é ressaltada por Williamson (2010), que prevê um futuro onde modelos de negócios só terão sucesso se estiverem preparados para atender a demanda dos países em desenvolvimento. Sob o ponto de vista das organizações e sua relação entre os dois tipos de negócios, Gates (2008) admite equívoco da Microsoft ao praticar anos de filantropia enquanto poderia ter utilizado aquilo que faz melhor – desenvolver softwares – para atingir resultados sociais. A fim de conduzir melhorias sociais, defende o uso das forças de mercado, especialmente a inovação. Em sua opinião, as empresas devem ir além da filantropia. A semelhança entre negócios convencionais e negócios sociais e a importância de os dois setores atuarem em conjunto parece comprovada pela literatura já apresentada neste estudo. Se ainda resta demonstrar a estrutura de ambos e definir seus pontos de aderência e cisão, Yunus et al. (2010) suprem tal lacuna. Inicialmente, os autores explicam a estrutura de um modelo de negócios, conforme se vê a seguir: Proposta de valor: inclui clientes e produtos/serviços. Responde à questão: “Quem são nossos clientes e o que oferecemos para eles?”. Constelação de valor: cadeia interna e cadeia externa de relacionamentos que incluem os fornecedores, a produção e distribuição da proposta de valor. Responde à questão: “Como entregamos a oferta aos clientes?”. Equação de lucro: formada pelas receitas de vendas, estrutura de custos e capital empregado. Responde como o valor é capturado através das receitas geradas pela proposta de valor, explica estrutura de custos e como o capital é aplicado. 62 Embora a estrutura dos modelos de negócios sociais seja similar, Yunus et al. (2010) apontam algumas diferenças. Ao acrescentar as desigualdades, os autores desenham a estrutura de modelos de negócios sociais adotada como base dos estudos desta pesquisa. A proposta de valor desses modelos é mais abrangente, deixando de ter foco exclusivo no cliente, passando a envolver todos os stakeholders – pessoas interessadas. Para os autores, o modelo poderia inclusive ser replicado nas empresas convencionais, a ponto de substituir-se a preocupação exclusiva com os acionistas para abranger todos os envolvidos. A segunda diferença citada por Yunus et al. (2010) está na equação de lucro. Enquanto nos modelos convencionais o lucro financeiro deve ser sempre maximizado, nos modelos de negócios sociais está prevista apenas a cobertura dos custos e a recuperação do capital. A terceira distinção se encontra na inclusão da equação de lucro social e ambiental, a qual é inexistente nos modelos comuns e prioritária nos modelos sociais. O QUADRO 4 ilustra as duas estruturas. Os modelos de negócios sociais delineados no referido quadro são aqueles em torno dos quais este trabalho será realizado e que embasam os objetivos específicos. QUADRO 4 Modelos de Negócios Convencionais e de Modelos de Negócios Sociais Modelos de Negócios Convencionais Modelos de Negócios Sociais Proposta de Valor Clientes, produtos/serviços Todos os stakeholders, produtos/serviços Constelação de Valor Redes interna e externa: fornecedores, produção, distribuição Equação de Lucro Receitas de vendas, estrutura de custos, capital empregado (maximização dos lucros) Equação de Lucro Inexistente Social/ambiental Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Yunus et al. (2010) Redes interna e externa: fornecedores, produção, distribuição Receitas de vendas, estrutura de custos, capital empregado (recuperação do capital e cobertura de custos) Benefícios sociais e ambientais, não medidos em unidades monetárias Assim como a estrutura dos modelos de negócios convencionais e dos sociais caminha em paralelo até determinado ponto, os caminhos a serem percorridos são parcialmente coincidentes. 63 Yunus et al. (2010) definem até onde se igualam e a partir de onde se separam os movimentos criadores de inovação e de inovação social. Sua teoria apresenta três estratégias comuns a ambos: desafiar a sabedoria estabelecida, firmar parcerias, fazer uso da experimentação. Em complemento, apenas para inovação social, são propostos os movimentos de envolver acionistas orientados para lucro social e a explicitação formal da busca por resultados sociais. Após a análise de farta literatura especializada, desenrola-se o entendimento de que a abordagem convencional, exclusivamente via Poder Público, não é a mais adequada para solucionar os problemas sociais. Abordagens costumeiras para acabar com a pobreza falharam largamente, pois foram incapazes de compreender que o jeito mais óbvio para combater a pobreza seria ajudar os pobres a ganhar mais dinheiro (POLAK & WARWICH, 2013). Tal ilação é confirmada por números trazidos pelos mesmos autores: no período aproximado de 1950 a 2010, os países ricos gastaram US$ 2,3 trilhões em auxílio, mas não acabaram com a pobreza. Também encontra eco em Thompson e MacMillan (2010), que identificam crescente descontentamento com o tratamento tradicional dos problemas sociais, gastando-se enormes volumes de recursos sem resultados efetivos. Polak e Warwick (2013) insistem que os pobres devem ser vistos como clientes, não como recipientes de caridade, da mesma maneira que Bornstein e Davis (2010) já proclamavam a mudança da visão desses de “beneficiários” para “consumidores”. Conclui-se, assim, que problemas sociais podem ser tratados por modelos muito parecidos com aqueles empregados nas empresas que visam lucros. É nesse ponto que entram os modelos de negócios sociais, com diversas vertentes já apresentadas neste capítulo. A partir da interpretação dos conceitos trazidos pela literatura contemporânea, já citados neste trabalho, adota-se uma adaptação do conceito de modelos de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010), caracterizado pelos seguintes atributos: a) Ser estruturado como um modelo de negócios, possuindo proposta de valor, cadeia de suprimentos, estrutura de custos e receitas (GATES, 2008; EGERS & MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK, 2013; YUNUS et al., 2010); 64 b) Manter uma estrutura de fornecedores, produção e distribuição voltada para benefícios sociais ao longo de toda a cadeia (YUNUS, 2010; YUNUS et al., 2010); c) Possuir como objetivo principal a geração de resultados no campo social. Caso permita distribuição de dividendos, essa não deve ser sua finalidade cardeal (COMINI et al., MAIR & MARTI, 2004; OCDE, 2006; YUNUS, 2010; YUNUS et al., 2010); d) Ser auto-sustentável financeiramente, exigindo aportes de recursos apenas nos seus momentos incipientes (DAHAN et al., 2010; EGGERS & MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK, 2013; YUNUS, 2010; YUNUS et al., 200). Caracterizados os modelos de negócios sociais, conflitados seus elementos com o setor convencional da economia, conhecidos os componentes que os diferenciam, passa-se a analisar a mensuração do impacto dos negócios sociais. 2.3.2 Mensuração de impacto A partir deste ponto serão analisadas a dificuldade e a importância de mensuração do impacto dos modelos de negócios sociais. Serão apresentados modelos de mensuração e, por fim, uma conclusão sobre o método que será adotado nesta pesquisa. O desafio das organizações que dirigem negócios sociais vai além do enfrentamento da pobreza e suas conseqüências, às quais está submetido mais de um terço da humanidade. Um dos enfrentamentos adicionais que pode-se perceber é a mensuração dos resultados sociais, assim apresentada por múltiplos autores especializados em inovação social, os quais serão estudados neste momento. Após os estudos referidos ao longo deste referencial teórico, parece clarificado que a produção de resultados configura característica que diferencia negócios sociais de outras atividades como RSC e filantropia. Assim, emerge a curiosidade de tratar-se da avaliação das conseqüências dessa espécie de modelos de negócios. 65 Uma vez que a inovação social já ganhou corpo no mundo dos negócios, até mesmo envolvendo grandes corporações, Trelstad (2008) sugere quais são os questionamentos a serem feitos com respeito a um negócio social: as pessoas estão tendo acesso à água limpa? A saúde delas melhorou? Os pobres estão deixando essa condição por meio de acesso a produtos especialmente desenvolvidos para eles? O autor ressalta que a avaliação permitirá que organizações como o Fundo Acumen, da qual ele faz parte, tenham certeza de que seu trabalho está sendo importante para a vida de milhões de pessoas a que servem. No mesmo estudo, Trelstad (2008) identifica dois tipos de retornos esperados dos negócios sociais: primeiro, os financeiros, incluindo projeção de fluxo de receitas e recuperação do capital emprestado acrescido de juros. A seguir, os não financeiros, de mais difícil mensuração, como a redução da incidência de malária num determinado programa de saúde. Emerson et al. (2000) defendem que valor social, assim entendido como o resultado produzido por empreendimentos sociais, devem ser mensurados, ao passo que questiona a aceitação de que não se pode assim proceder porque lucro social não tem, em regra, valia financeira. No entendimento desses autores, a medição é absolutamente necessária para se compreender o verdadeiro valor do trabalho que se realiza no setor econômico sem finalidade lucrativa. Considerando que um dos parâmetros utilizados na decisão de investimento é a viabilidade de retorno, Bornstein e Davis (2010), propõem que a ausência de mensuração tem por efeito o afastamento do investidor dos negócios sociais. Avaliação de resultados é decisiva na condução dos negócios, inclusive os sociais. Enquanto Trelstad (2008) afirma que medir aquilo que se gere é premissa para atingir bons resultados, Gates (2013), defende a mensuração como condição essencial para o desenvolvimento da inovação social. Essa só causará impacto a partir do encontro com seus beneficiários. Tal afirmação torna possível concluir pela validade de se conectar ações, resultados e pessoas que possam deles se favorecer. Em seu trabalho, Gates (2013) demonstra a conexão entre o estabelecimento de metas em programas sociais, sua efetiva avaliação e a sustentabilidade dos mesmos. Entre diversos outros exemplos, traz a história do programa de vacinação do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância – nos anos 1980, que deve parte de seu 66 sucesso à coleta de dados para avaliação do desempenho, abrindo caminho para mudanças de rota e ajustes. Mair e Marti (2004) classificam a avaliação do impacto como um dos maiores desafios dos empreendimentos sociais, considerando a extrema dificuldade em quantificar efeitos sócio-econômicos, ambientais e sociais. Bornstein e Davis (2010) confirmam o caráter desafiador do tema, propondo um questionamento sobre qual seria a fórmula para se avaliar efeitos de programas voltados para moldar comportamentos de crianças em seus relacionamentos na escola e comunidade. Mudanças comportamentais – na visão desses autores – podem despender anos antes que demonstrem efeitos. Eggers e Macmillan (2013) reforçam a ideia ao determinarem o choque da simplicidade em se quantificar o número de crianças na escola com a dificuldade em se aferir a qualidade do ensino. Yunus et al. (2010) dão atenção ao embaraço em avaliar resultados sociais, usando como exemplo os benefícios da melhoria da alimentação infantil, os quais serão percebidos somente depois de alguns anos. Pertence ao desafio da medição de resultados sociais o conflito da definição de peso maior ou menor para problemas diferentes. Bornstein e Davis (2010) destacam a complexidade da decisão do investidor social entre um programa que vise melhorias na educação infantil e outro na Universidade. É fato notório que investidores estão habituados a estimar oportunidades utilizando métodos matemáticos pelos quais quantificam possíveis ganhos durante e ao final do desenvolvimento do programa (BORNSTEIN & DAVIS, 2010). Esses autores afirmam que negócios sociais não podem ser medidos por fórmulas típicas do mercado tradicional. Um dos indicadores mais clássicos de negócios tradicionais, conforme os mesmos autores, é o ROI – retorno sobre o investimento -, que o glossário do Gartner (2013) assim define: ganho financeiro expresso como uma porcentagem dos fundos investidos para gerar aquele ganho. Conceito de ROI também é trazido pela Wikipedia (2014): relação entre a quantidade de dinheiro ganho ou perdido como resultado de um investimento e a quantidade de dinheiro investido. O orçamento aplicado, considerando receitas e despesas de um modelo de negócios social, frequentemente é considerado indicador de mensuração de 67 resultados. Assim o certificam Bornstein e Davis (2010), para em seguida apontar a fragilidade de tal medidor. O montante investido nem sempre garante uma avaliação precisa, visto que haverá distorção se o negócio em questão for de baixa qualidade. A medição de um programa ineficiente de melhoria do aprendizado de estudantes demonstraria a quantidade de horas desperdiçadas. No estudo desses autores encontram-se experiências em apuração de resultados sociais, sobre as quais se fazem breves comentários a seguir. Teach For America: organização cujo objetivo principal é melhorar a educação infantil nos EUA. Mensura seus resultados considerando o número de alunos que assumiram posições de liderança na educação pública. Ashoka: empreendimento social atuante em diversas áreas, desde eletricidade até microfinanças e cuidados com a saúde infantil. Avalia os resultados de suas ações a partir da quantidade de seguidores que conseguiram modificar os padrões estabelecidos em seus respectivos campos de atuação. Cinco anos depois do empreendimento lançado, a Ashoka avalia os critérios a seguir: se houve mudança nas políticas nacionais em virtude do projeto; se o projeto causou mudanças no campo de trabalho; se o projeto continua funcionando integralmente. Grameen Bank: instituição financeira especializada em microfinanças para os pobres, conforme já tratado neste trabalho. Sua principal unidade de medida é o percentual de tomadores de crédito que saíram da pobreza. Nessa avaliação, consideram-se aspectos objetivos – renda – e subjetivos, inclusive a opinião das pessoas a respeito da mudança de condição. Encontram-se no contexto dos negócios sociais uma série de modelos para medir aquilo que importa, expressão utilizada por Eggers e Macmillan (2013), cuja obra referencia o IRIS – Relatório de Impacto e Padrões de Investimento, idealizado por um grupo de organizações sociais formado pela Fundação Rockefeller, B. Lab, Fundo Acumen e outros. Utilizando um catálogo de métricas de avaliação de performance de organizações com propósito social, esse modelo pretende servir de referência para análise do “sucesso social, ambiental e financeiro, avaliar negócios e aumentar a credibilidade da indústria de investimento de impacto” (IRIS, 2014). Semelhante ao IRIS encontra-se o modelo PULSE, trazido por Kramer et al. (2009). Desenvolvido como plataforma eletrônica, produz avaliação de 68 resultados a partir de indicadores específicos do campo de atuação da empresa. Seus testes consideram métricas financeiras, sociais, operacionais e ambientais. Kramer et al. (2009) expõem um modelo utilizado por mais de 200 organizações no mundo, nominado Success Measures Data System – SMDS. Trata-se de um modelo flexível, baseado na internet, em que o empreendedor seleciona os ativos a serem considerados na análise. É abastecido por dados coletados manualmente ou de forma eletrônica. Fornece relatórios de resultados, testes qualitativos e quantitativos e diversas outras ferramentas. O custo de aquisição do sistema é considerado baixo pelos autores, cerca de US$ 2.500 por ano. Importante modelo de avaliação de resultados sociais é o Societal Return on Investment5 – SROI, desenvolvido com base na formulação inicial do pesquisador Jed Emerson, do Fundo Roberts de Desenvolvimento Empresarial, na Inglaterra (CABINET OFFICE, 2009). Prevê o preenchimento de um mapa de impacto em que são lançados dados das pessoas envolvidas, indicadores, insumos, resultados e outras informações. O resultado final é a razão entre o valor dos benefícios do empreendimento trazido ao tempo presente e o valor dos insumos despendidos, como representado na FIG. 3. SROI = Valor Presente dos Benefícios Valor dos insumos Figura 3 - Índice SROI. Fonte: adaptado de CABINET OFFICE, 2009. O desenvolvimento da análise SROI prevê seis estágios, a saber (CABINET OFFICE, 2009): 1 – Estabelecer o escopo e identificar stakeholders; 2 – Mapear os resultados; 3 – Monetizar os resultados; 4 – Estabelecer o impacto; 5 – Calcular o SROI; 6 – Produzir relatórios, utilizar e internalizar à organização. 5 “Societal Return on Investment”: Retorno social sobre o investimento. Tradução do autor. 69 Embora estejam sendo desenvolvidos modelos e aplicativos com finalidade de se apurar os resultados sociais, todos ainda se encontram num estágio preliminar (YUNUS et al., 2010). Se considerarmos, conforme já apurado neste trabalho, que modelos de negócios sociais tomaram corpo apenas a partir dos primeiros anos do século XXI, torna-se simples compreender o caráter embrionário dos próprios empreendimentos e, ainda mais, de fórmulas para aferir seu impacto. Assim, é de se esperar que ainda não existam ferramentas prontas capazes de servir como parâmetro para as inúmeras variações dos negócios sociais. Tal conclusão é reforçada por Trelstad (2008), que considera todos os modelos de avaliação de resultados sociais ainda incompletos, incapazes de capturar a informação e processar os dados com clareza. Chama a atenção declaração atribuída por Bornstein e Davis (2010) ao físico Albert Einstein: “Nem tudo que conta pode ser contado e nem tudo que pode ser contado conta” (BORNSTEIN e DAVIS, 2010, p. 62. Tradução nossa). Esses mesmos autores indicam o especial caráter da avaliação de resultados sociais, devendo ser considerados não somente a razão, mas incluir aspectos emocionais, intangíveis. Citam o músico inglês Benjamin Zander, cujo principal objetivo é levar ao público a descoberta da música clássica. Sua avaliação de sucesso leva em consideração os olhares das pessoas que o assistem pela primeira vez. A respeito desse ponto, Trelstad (2008) já defendera um modelo que considerasse métricas quantitativas e qualitativas. Ademais, ainda de acordo com Bornstein e Davis (2010), que método de avaliação seria capaz de traduzir a alegria de uma criança que lê, pela primeira vez na vida, um parágrafo de um livro? Ao declarar sua própria incapacidade em mensurar os múltiplios resultados do trabalho de empreendimentos sociais, Trelstad (2008) propõe a existência de impactos imensuráveis. A partir de um programa que criasse cinco mil empregos em um país pobre, por exemplo, efeitos sociais seriam irradiados para incontáveis pessoas em numerosas situações de difícil identificação e não apenas os beneficiários diretos. A encerrar a presente discussão sobre sistemas de avaliação, interessante trazer contribuição de Trelstad (2008), a relativizar a relevância da monetização dos resultados sociais. Segundo esse autor, sua experiência de 70 trabalho no Fundo Acumen comprova que os doadores de recursos buscam métricas simples, claras e, principalmente, fazem suas opções muito mais com base nas histórias contadas a respeito do impacto de seus trabalhos do que em relatórios financeiros, ainda que as histórias sejam preferencialmente acompanhadas de dados. Conforme melhor se descreve na Metodologia, nesta pesquisa não será adotado integralmente nenhum dos referidos modelos, pelos motivos já expostos de serem ainda incompletos e, ainda, pela complexidade de se avaliar o impacto em mais de 2 milhões de famílias – avaliação que deverá ser feita ao longo dos próximos anos. A fim de atender os objetivos deste trabalho, serão considerados indicadores de déficit habitacional, quantidade de imóveis financiados, valor dos imóveis financiados, quantidade de unidades construídas, número de pessoas beneficiadas. A fim de que se dê uma visão mais realística de como os modelos de negócios sociais se desenvolvem ao redor do mundo, propõe-se no Apêndice B a explanação a respeito de alguns deles, num relato abreviado que apresente as principais características e identifique os elementos da pobreza que sejam objeto de sua atuação. Não é objetivo desta pesquisa o detalhamento de cada um desses modelos de negócios, atividade certamente imprescindível que deverá ser realizada em outro trabalho cujo eixo seja especificamente destinado para tal fim. Neste ponto do trabalho está concluída a análise teórica de modelos de negócios sociais com base em estudos de recente e especializada literatura. Foram descritos conceitos vários, entre os quais aquele que norteará o estudo de caso – modelo de negócios sociais de Yunus et al. (2010). Foi investigada sua importância na solução de graves problemas sociais e analisada sua conexão com o mundo dos negócios convencionais. Analisaram-se, também, formas de mensuração de resultados sociais. Passa-se ao tratamento da metodologia pela qual será realizada a pesquisa. 71 3 METODOLOGIA 3.1 Caracterização da pesquisa O presente trabalho adotará a forma de pesquisa qualitativa, quanto à abordagem. Segundo Godoy (1995, p. 58), a pesquisa qualitativa “envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada.” Embora apresente dados econômicos e financeiros, a essência da pesquisa está nas características do PMCMV, com análise subjetiva dos referidos dados. Assim, a abordagem qualitativa parece mais adequada, pois conforme Vergara (2005), essa modalidade de pesquisa avalia a qualidade das informações e a percepção dos atores sociais. A fim de comparar as características do PMCMV com aquelas exigidas por Yunus et al. (2010) para ser considerado um modelo de negócios social – descritas no Referencial Teórico deste trabalho –, é necessário um olhar que contenha subjetividade, mesmo quando se inclua no objeto dos estudos a quantidade de financiamentos concedida ou as taxas de juros cobradas. Segundo Richardson (1985), até mesmo em estudos quantitativos é possível um olhar qualitativo. Esse autor afirma que o uso de critérios, categorias ou escalas de atitudes são maneiras de se quantificar dados qualitativos. Para Richardson (1985), abordar qualitativamente um problema tem como conseqüência o entendimento da natureza dos fenômenos sociais. Ele critica a excessiva quantificação das pesquisas, especialmente no campo das Ciências Sociais, resultando em resultados pobres. O presente trabalho pretende analisar a estrutura do PMCMV, especialmente para verificar se são encontradas nele as características definidoras de um modelo de negócios social. Portanto, o uso do método qualitativo é adequado. Assim se conclui com base em uma das situações que Richardson (1985) aponta como exigentes de estudos qualitativos: quando se pretenda utilizar dados qualitativos como indicadores do funcionamento de estruturas sociais. Quanto aos fins, o método empregado será a pesquisa descritiva. Conforme Collis e Hussey (2005), essa modalidade de pesquisa descreve o comportamento dos fenômenos, sendo usada para obter informações sobre as 72 características de uma determinada questão. Vai além da modalidade exploratória, uma vez que avalia e descreve as características das questões pertinentes. A pesquisa qualitativa, sendo aquela em que o pesquisador vai a campo para captar o fenômeno a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas (GODOY, 1995), pode ser trabalhada por diferentes meios, entre eles a pesquisa documental e o estudo de caso, ambos utilizados neste trabalho. Este último é assim definido pelo autor: O estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os pesquisadores procuram responder às questões “como” e “por quê” certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesses é sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de algum contexto da vida real (GODOY, 1995, p.25). No mesmo sentido está o entendimento de Yin (2010), para quem os estudos de caso são apropriados quando presentes as questões “como” ou “por quê”, quando o investigador possui pouco controle sobre os eventos e quando o objeto é “um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real” (YIN, 2010, p. 22). Triviños (1987) entende que o estudo de caso se desenvolve em uma profunda análise sobre o objeto de pesquisa. Desenvolvendo o conceito, o autor afirma que essa modalidade de investigação pode parecer, aos olhos do pesquisador iniciante, simples. Com o avançar dos estudos e o consequente aprofundamento no assunto, o estudo de caso se torna bastante complexo. No presente trabalho, a opção por tal meio de pesquisa é justificada pela intenção de analisar-se profundamente o objeto, de investigar-se o caso específico do PMCMV. Pelo entendimento do estudo de Triviños (1987), definiu-se que o trabalho possuirá aspectos dos dois tipos de estudos de caso entre aqueles propostos em sua obra, a saber: a) Estudos de casos histórico-organizacionais: a unidade de estudo pode ser uma escola, uma universidade ou um clube, por exemplo. O pesquisador se concentra na vida da instituição, partindo do conhecimento já existente sobre o objeto estudado (registrado em documentos). 73 b) Estudos de casos observacionais: “categoria típica de pesquisa qualitativa”, que utiliza como principal técnica a observação participante. O foco do estudo não é a organização, mas um aspecto dela, como o trabalho realizado em determinado setor, treinamentos, reuniões etc. 3.2 Coleta de dados Os principais procedimentos para a coleta dos dados que servirão de base para responder à pergunta de pesquisa serão levantamento bibliográfico, levantamento documental e entrevistas semi-estruturadas. Pode-se ainda fazer uso da observação direta. Yin (2010) apresenta a pesquisa com uso de múltiplas fontes de evidência como importante tática para reforçar a validação do constructo durante a coleta de dados. Pretende-se pesquisar bibliografia suficiente para responder dúvidas levantadas nos objetivos específicos, tais como a literatura sobre negócios sociais, modelos de negócios, déficit habitacional e especificamente sobre o PMCMV. O levantamento documental abrangerá a legislação referente ao sistema habitacional no Brasil, balanços do PMCMV, planilhas. A opção pelo estudo documental encontra respaldo em Alvarenga Neto (2005, p. 207), para quem “o uso mais importante de documentos é corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes”. Neste trabalho, os documentos serão fontes importantes para verificar se as características do PMCMV são compatíveis com os elementos caracterizadores dos modelos de negócios sociais, especialmente aqueles assim definidos por Yunus et al. (2010). A técnica de entrevista semi-estruturada, segundo Triviños (1987), é um dos principais meios disponíveis para que o investigador realize a coleta de dados. Sua importância para a pesquisa reside na característica de valorizar o investigador ao mesmo tempo em que concede liberdade ao informante, estimulando sua espontaneidade. A entrevista semi-estruturada é feita com base em um roteiro prévio, com perguntas básicas a respeito do assunto em estudo. 74 Para esta pesquisa, serão entrevistados os seguintes gestores da instituição diretamente envolvidos com o PMCMV, pertencentes à rede interna da Constelação de Valor: o vice-presidente de Habitação, o diretor da área responsável pelo PMCMV, o superintendente nacional responsável pelo Programa, um Gerente Regional do setor da Construção Civil e dois gerentes de agências. Serão entrevistados integrantes da rede externa da Constelação de Valor, quais sejam: dois Prefeitos Municipais e dois proprietários de empresas da construção civil parceiros da instituição no PMCMV. Adicionalmente, serão entrevistadas duas famílias beneficiárias do PMCMV, com questionamentos diferentes dos demais. A observação direta, técnica que se realiza mediante visita ao local onde os fenômenos acontecem, também será importante para responder questionamentos necessários às análises das categorias selecionadas. Segundo Alvarenga Neto (2005, p. 209), “visitas de campo geram ricas oportunidades para observações diretas sobre comportamentos ou condições ambientais relevantes.” Essa técnica permitirá ao pesquisador, no estudo deste caso, vivenciar presencialmente o ambiente em que o PMCMV se realiza. O pesquisador no campo terá oportunidade de checar a suposta melhoria da qualidade de vida gerada pelo objeto do estudo. O QUADRO 5 apresenta uma comparação entre os instrumentos de coleta selecionados para esta pesquisa. 75 QUADRO 5 Fontes de evidências Fonte de Evidências Pontos fortes Pontos fracos Documentação - Estável – pode ser revista - Recuperabilidade: pode ser difícil de se encontrar - Discreta - não foi criada em conseqüência do estudo de caso - exata – contém nomes, referências e detalhes exatos de um evento; - ampla cobertura – longo período de tempo, muitos eventos e muitos ambientes Observações diretas - realidade: tratam de acontecimentos em tempo real - contextuais: tratam do contexto do evento - Seletividade parcial: a coleção pode ser incompleta - Parcialidade: reflete eventual parcialidade do autor - Dificuldade de acesso: pode ser negado acesso às fontes - consomem muito tempo - seletividade: é difícil haver uma ampla cobertura, salvo com grande número de observadores - reflexibilidade: o evento pode ocorrer de forma diferente porque está sendo observado - custo: horas necessárias pelos observadores humanos Entrevistas - direcionadas: focam diretamente o tópico do estudo de caso - Parcialidade: questões mal elaboradas - Parcialidade das respostas - perceptivas: fornecem inferências causais percebidas - Incorreções devido a falhas de memória do entrevistado - reflexibilidade: o entrevistado dá ao entrevistador a resposta que ele quer ouvir Fonte: adaptado de YIN (2010) 76 3.3 Categorias de análise Definiram-se três categorias de análise para nortear a pesquisa. Categorias de análise são, em pesquisa qualitativa, o equivalente às variáveis da pesquisa quantitativa (ALVARENGA NETO et al., 2006). A categorização que, no conceito desses autores, engloba elementos inter-relacionados, tem como propósito auxiliar o entendimento do estudo de caso. Determinar as categorias a seguir oferecidas tem o mesmo objetivo daquele encontrado nas palavras de Alvarenga Neto et al. (2006), qual seja: não se perder de vista os objetivos do trabalho. Com base no Referencial Teórico, foram propostas as seguintes categorias de análise: 1 – Conceito, legislação, métricas e resultados do PMCMV; 2 – Modelo de negócios do PMCMV: proposta de valor, público-alvo, demais stakeholders; , constelação de valor (canais, fornecedores, rede interna e externa), custos e receitas; 3 – Equação de lucro financeiro (custos/receitas/recuperação do capital) e equação de lucro social (resultados sociais advindos do PMCMV). Definidas as categorias de análise, formatou-se um Protocolo de Estudo de Caso (APÊNDICE A), documento que propõe os questionamentos que serão discutidos ao longo da pesquisa, através dos múltiplos instrumentos de coleta. 3.4 Técnicas de interpretação e análise de dados Um dos pontos cruciais da pesquisa a ser efetuada é a identificação de resultados oriundos dos negócios sociais. Conforme tratado no terceiro capítulo do Referencial Teórico, entende-se que ainda não existe um método considerado padrão para análise de resultados não financeiros. Lucro social inclui aspectos racionais e emocionais (BORNSTEIN & DAVIS, 2010), estes últimos de difícil apuração. O modelo SROI, descrito no Referencial, se mostra interessante, possivelmente suficiente para analisar os efeitos do PMCMV e afirmar um índice 77 de resultados sociais dele advindo. Ocorre que a complexidade do PMCMV, envolvendo mais de três milhões de famílias espalhadas pelo Brasil inteiro, além das centenas de empresas de construção civil e outros stakeholders, obriga à definição de um limite para este trabalho. Para percorrer os estágios do SROI seria necessário muito mais tempo do que o disponível para o cumprimento dos requisitos do presente Mestrado Profissional em Administração. Uma pesquisa mais detalhada exigirá a observação do PMCMV ao longo de alguns anos, a fim de se incluírem os dados subjetivos, como a percepção das famílias atendidas acerca dos benefícios recebidos, em conformidade com a teoria de Yunus et al. (2010) aplicada aos casos do Grupo Grameen. Isso exigirá outro trabalho, além do presente. Obter retorno dos próprios beneficiários também é designado por Eggers e Macmillan (2013) como maneira de apuração dos resultados sociais. Diante da proposta de extensão do corrente trabalho, porém, não se considera a abordagem a uma amostragem segura dos mais de três milhões de famílias atendidas pelo PMCMV. Para os objetivos a que se propõe este trabalho, não se adotará integralmente nenhum dos modelos de mensuração de impacto ora em construção pela literatura especializada em negócios sociais, já estudados no Referencial Teórico. Tal atividade deverá ser trabalhada em novas pesquisas. Nesta, serão selecionados indicadores de déficit habitacional, quantidade de imóveis financiados, valor dos imóveis financiados, quantidade de unidades construídas, número de pessoas beneficiadas. Todos esses elementos são considerados no catálogo de métricas do modelo IRIS – já estudado no Referencial Teórico (IRIS, 2014). O diagnóstico apresentado a partir da resposta a essas questões será capaz de demonstrar a presença ou ausência de resultados sociais oriundos do PMCMV. A fim de se analisarem os dados coletados com base no Protocolo de Estudo de Caso, adota-se neste trabalho o modelo de Miles e Huberman (MILES & HUBERMAN, 1984, apud ALVARENGA NETO, 2005), que é proposto em três etapas: 78 I – redução de dados: seleção, concentração, simplificação, sumarização e transformação dos dados brutos que aparecem nas anotações da pesquisa de campo. II – exibição de dados (display): montagem organizada de informações que permitam tomada de ações e conclusões. III – verificação de dados: conclusões com base em inferências a partir de evidências ou premissas. Definidos os procedimentos pelos quais se desenvolverá a pesquisa – instrumentos de coleta de dados, categorias de análise e modelo de análise de dados – sintetiza-se a conexão da metodologia com o todo do trabalho da forma que se explana a seguir. O corrente trabalho se propõe a responder determinada pergunta de pesquisa da forma proposta em seu objetivo geral. Este se desdobra em objetivos específicos dos quais derivam as três categorias de análise – agrupamento de ideias para sintetizar a interpretação dos dados (ALVARENGA NETO et al., 2006) –, as quais encontram amparo nos capítulos do Referencial Teórico. Os especificados métodos de pesquisa conduzirão a busca e análise dos dados que, por fim, resultarão nas conclusões, onde se pretende ter respondido à pergunta de pesquisa. 79 4 CONTEXTO DE PESQUISA A escolha da análise do PMCMV sob a ótica de uma das instituições financeiras que o opera se deu por critérios de conveniência para o pesquisador e, sobretudo, porque a referida instituição concentra em torno de 90% da atividade realizada desde o início do Programa, em 2009. Embora o PMCMV seja gerido pelo Ministério das Cidades, foi possível observar-se que a instituição em que se realizou o estudo executa não somente o trabalho no âmbito operacional, mas também ações de gestão, como por exemplo, a administração dos recursos destinados à subvenção. Observou-se, ainda, que alguns dos principais executivos responsáveis pelo Programa no Ministério das Cidades são funcionários cedidos pela empresa. Assim, analisar o PMCMV pela execução da instituição financeira escolhida significa enxergá-lo de uma maneira integral, envolvendo todos os stakeholders e a rede de parceiros. A despeito de o pesquisador ter facilidades de acesso à empresa, sendo ela própria patrocinadora do curso, houve alguns contratempos durante a realização da pesquisa. Embora o projeto já houvesse sido analisado e aprovado pelas áreas de recursos humanos que patrocinam o Mestrado do pesquisador, alguns desencontros poderiam ter comprometido a realização do estudo. No dia 16 de junho de 2014, após a fase de qualificação do trabalho, a pesquisa foi autorizada pela Diretoria responsável, desde que não fosse “mencionada a ‘instituição’ no trabalho e nem que as informações induzissem a tal. No dia 16 de julho, nova mensagem, dessa vez da Vice Presidência, desautorizou a pesquisa, inclusive cancelando as entrevistas que já haviam sido marcadas com alguns executivos. Após novos contatos, finalmente no dia 17 de julho de 2014 a Diretoria e a Vice Presidência voltaram a autorizar a pesquisa, reiterando a ressalva de não se utilizar o nome da instituição. As entrevistas foram novamente confirmadas. Foi necessária uma revisão do trabalho para excluir menções ao nome da instituição, garantindo-se o respeito ao contrato de confidencialidade. Reafirmando o firme compromisso em cumprir o acordo de não exposição do nome da instituição, parece não ser possível garantir que a mesma não será 80 identificada pelo leitor, até mesmo por sua notoriedade na execução do PMCMV, fato que se encontra totalmente fora do controle do pesquisador. Ao todo, foram realizadas 12 entrevistas semi-estruturadas (QUADRO 6), orientadas pelo Protocolo de Estudo de Caso (Apêndice A), desenvolvido conforme anteriormente descrito no capítulo referente à Metodologia. Procurouse incluir, nas entrevistas, colaboradores e/ou participantes dos âmbitos estratégico, tático e operacional do PMCMV, além de representantes da Cadeia de Valor, tais como: proprietários de empresas da construção civil e representantes do Poder Público. Embora não previsto inicialmente, foram ouvidas famílias pertencentes ao público-alvo, fato que enriqueceu substancialmente o entendimento sobre resultados não mensuráveis e permitiu o exercício da observação direta nos conjuntos habitacionais. Os nomes e cargos dos entrevistados foram omitidos e substituídos por Códigos de acordo com o nível hierárquico na empresa ou a posição no modelo de negócios do PMCMV (QUADRO 6). QUADRO 6 Entrevistas Semi-Estruturadas Entrevistado Cargo Posição C1 Empresário da Construção Civil Constelação de Valor C2 Prefeito Municipal Constelação de Valor C3 Empresário da Construção Civil Constelação de Valor C4 Prefeito Municipal Constelação de Valor E1 Diretora do PMCMV Nível Estratégico E2 Vice-Presidente da Instituição Financeira Nível Estratégico E3 Superintendente Nacional Nível Estratégico O1 Gerente Geral Nível Operacional O2 Gerente Geral Nível Operacional P1 Beneficiário Público-alvo P2 Beneficiário Público-alvo T1 Gerente Regional Nível Tático Fonte: elaborado pelo autor. 81 As entrevistas totalizaram 300 minutos de gravação e 96 páginas de transcrição. Cabem alguns comentários sobre fatos ocorridos durante essa etapa da pesquisa, a seguir. Foram agendadas para a sede da empresa, em Brasília, entrevistas com o primeiro e o segundo executivos responsáveis pela área de habitação. Apesar de ter sido agendado o horário, confirmado via email (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 57) o segundo executivo não recebeu o pesquisador, que pôde confirmar sua presença ao vê-lo em sua mesa de trabalho. Houve pedido de desculpas por parte da secretaria, informando que o executivo estaria com sua agenda tomada naquela manhã. Entende-se que o fato foi perfeitamente normal, diante da tumultuada agenda dos executivos da alta administração de grandes empresas. Conclui-se que não houve prejuízo, visto que foi possível entrevistar o primeiro executivo e também o terceiro. Importante ressaltar ainda que, através de contatos realizados pela diretoria da empresa, foi realizada entrevista com uma executiva do Ministério das Cidades, naquela mesma data. Outro fato a ser ressaltado ocorreu durante a entrevista de um dos Prefeitos. Por ser membro do partido de oposição ao Governo Federal de então, ele se mostrou bastante reticente durante a conversa, aparentemente com receio de que seus comentários pudessem ser utilizados politicamente. Ainda que o pesquisador tenha demonstrado e insistido no caráter exclusivamente acadêmico do trabalho, ficou evidente o desconforto do Prefeito em oferecer sua opinião sobre o PMCMV. Em pelo menos outro encontro, o entrevistado se mostrou demasiado apressado. Foi proposto a ele remarcar a data, porém houve insistência de sua parte para que se fizesse a entrevista naquele momento. A conversa durou apenas oito minutos e não foi possível extrair todo o conteúdo que o pesquisador pretendia. Excetuando-se tais pequenos desarranjos, os entrevistados em geral mostraram-se solícitos, interessados e em alguns casos até mesmo entusiasmados em falar a respeito do PMCMV e contribuir com a pesquisa acadêmica. 82 O apoio da instituição, viabilizando agenda com alguns de seus principais executivos em seu edifício sede e autorizando o uso de informações sobre o PMCMV foi elemento-chave para o projeto (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 55). Necessário destacar a disponibilidade dos entrevistados e seu conhecimento como itens fundamentais ao desenvolvimento do estudo de caso. Entrevistar duas famílias integrantes do público alvo enriqueceu a pesquisa. Embora não tenha sido criada uma categoria especial no Protocolo de Estudo de Caso, as perguntas direcionadas às famílias auxiliaram às conclusões das categorias 2 (Modelo de negócios do PMCMV) e 3 (Equação de lucro financeiro e equação de lucro social). A fim de alcançar os resultados propostos, especialmente responder à pergunta de pesquisa, utilizou-se da estratégia de múltiplas fontes de pesquisa. Segundo Yin (2010), o uso de múltiplas fontes de evidência reforça a validade do constructo ao longo da coleta de dados. Considerando que a análise de dados passa pela coleta e categorização de evidências para, a seguir, se extrair conclusões do exame, é importante a definição de uma estratégia para auxiliar em referido processo. Entre aquelas propostas por Yin (2010), foi definida para esta pesquisa a estratégia analítica “contando com proposições teóricas”. Segundo tal expediente, a análise considera uma proposição teórica em que os objetivos do estudo de caso foram baseados. Assumir essa definição facilita e qualifica a pesquisa e, consequentemente, aumenta a robustez das inferências e dos conceitos alcançados. Facilita na medida em que a proposição teórica faz com que o pesquisador foque sua atenção em determinadas informações, desde a coleta inicial dos dados. Assim procedendo, não haverá captação de dados desnecessários e será preciso uma quantidade menor de reduções para concluir a análise. Qualifica porque a análise é feita com base em certa proposição teórica academicamente difundida e discutida, cujo constructo está maduro e vigoroso. A proposição teórica adotada como base de comparação neste trabalho será o modelo de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010). Justifica-se a adoção dessa proposta por ser relevante mundialmente, aparecendo em 83 citações dos principais autores de inovação social e, ainda, pelo reconhecido sucesso dos empreendimentos montados sob tal formato. A concessão do Prêmio Nobel em 2006 ao criador do modelo reforça sua relevância. Adicionalmente, o processo de análise empregou a técnica analítica “combinação de padrão”, assim definida por Yin (2010): (...) compara um padrão baseado empiricamente com um padrão previsto (...). Se os padrões coincidirem, os resultados podem ajudar o estudo de caso a fortalecer sua validade interna (YIN, 2010, p. 165). O Protocolo de Estudo de Caso (Apêndice A) orienta todo o processo da pesquisa e não somente as entrevistas. Conforme salienta Yin (2010), referido instrumento difere do questionário, uma vez que seu direcionamento é para o pesquisador. As questões do protocolo são formuladas para o investigador, servindo como “lembretes relacionados com a informação que necessita ser coletada e por quê” (YIN, 2010, p. 113). Sua principal finalidade é orientar o pesquisador ao longo da coleta de dados, seja por meio de entrevistas, documentos ou observação direta. Dessa forma, considerando que o Protocolo orienta o pesquisador em quaisquer que sejam suas fontes de evidência e instrumentos de coleta, a pesquisa se baseou nessa ferramenta para conduzir as entrevistas, realizar a observação direta e selecionar os documentos. A coleta dos documentos foi feita através de contatos com a instituição financeira, solicitações via e-SIC – Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão – e buscas na internet. Ponto importante a se destacar é o uso do e-SIC, sistema criado para atender exigências da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, 2011). Diversas solicitações foram feitas às instituições financeiras operadoras do PMCMV e ao Ministério das Cidades. Todas foram prontamente atendidas em um prazo de até três dias úteis. Outra característica interessante da pesquisa é a prevalência de documentos localizados na internet. Foi tomado o cuidado de consultar fontes oficiais, extraindo-se documentos confiáveis. Toda a legislação referente ao PMCMV, demonstrativos financeiros da instituição, balanços do PMCMV e do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – são exemplos de documentos 84 oficiais encontrados na internet. A rede mundial de computadores oferece vantagens como celeridade – documentos localizados imediatamente -, confiabilidade – é possível verificar a veracidade das informações diretamente junto às fontes oficiais – e atualização das informações. Como já descrito no capítulo Metodologia, utilizou-se o modelo de Miles e Huberman (MILES & HUBERMAN, 1984, apud ALVARENGA NETO, 2005) para a análise dos dados, adotando-se os procedimentos seguintes: redução dos dados; exibição dos dados e verificação dos dados (Quadro 7). O procedimento de redução consistiu na seleção, estudo e descarte de documentos, tendo se dado em duas etapas. Na primeira etapa, cada documento foi analisado individualmente e organizado por categoria. Nesse momento foi possível observar que muitos auxiliariam as respostas em mais de uma das categorias. Alguns, até em todas as três. Houve redução de 406 páginas. A segunda etapa consistiu na análise de cada categoria e os documentos a ela vinculados. Nesse procedimento, houve descartes e também busca de novas informações, novos documentos para acrescentar ou substituir outros anteriormente coletados. Foram descartadas mais 658 páginas. Em seguida, foi montado o display, uma matriz de análise de dados brutos (Apêndice C). Para cada categoria de análise foi criada uma matriz, sendo que todas traziam os questionamentos do Protocolo de Estudo de Caso. Esse procedimento também consumiu duas etapas. No primeiro ciclo do display, foram incluídos nas matrizes os bullet points, anotações manuais feitas durante as entrevistas. No segundo ciclo, foram inseridos dados extraídos dos documentos e da transcrição das entrevistas, de maneira a buscar respostas para cada uma das perguntas do Protocolo. A terceira etapa tratou da verificação dos dados. Analisaram-se as categorias detalhadamente, registrando-se no relatório as observações que poderiam levar às respostas. A seguir, uma nova leitura das anotações manuais, das matrizes de análise de dados e dos registros do relatório conduziu à conclusão de cada questionamento. 85 QUADRO 7 Análise de Dados – Modelo de Miles & Huberman Procedimento e Resultados Redução de dados Etapa 1: Análise a partir dos documentos. Redução de 406 páginas. Resultado: 1.419 páginas Etapa 2: Análise dos documentos a partir das categorias. Redução de 658 páginas. Resultado: 761 páginas Display de dados Etapa 1: Inclusão dos bullet points nas matrizes de análise de dados brutos Criação de 4 matrizes: uma para cada categoria e uma para assuntos introdutórios Etapa 2: inclusão de informações dos documentos e das transcrições das entrevistas nas matrizes Preenchimento das matrizes com dados dos documentos. Total: 29 páginas Verificação de dados Análise das informações lançadas nas matrizes. Respostas descritas no Relatório do Estudo de Caso Releitura das informações Conclusões Fonte: elaborado pelo autor 4.1 A instituição – FINANX O Protocolo de Estudo de Caso incluiu um bloco introdutório, cujas questões foram elaboradas para permitir melhor conhecimento da principal organização executora do Programa Minha Casa Minha Vida. Conhecer a empresa sob a ótica da qual se faz o estudo de caso do PMCMV é importante tanto para compreender melhor o fenômeno ora observado quanto para identificar características que possam, ao final, apontar resposta para a pergunta de pesquisa. A instituição analisada é empresa controlada pelo Estado Brasileiro. Essa característica a coloca sob interessante paradoxo. Por um lado, é organização pública, cujos principais dirigentes são nomeados pelo Presidente 86 da República e cujos empregados são admitidos por concurso público. Juridicamente, possui natureza privada, o que a posiciona como competidora em iguais condições com demais organizações do altamente concorrido mercado bancário. É integrante do Sistema Financeiro Nacional e está sujeita às regras impostas às demais instituições financeiras, inclusive fiscalização do Banco Central, depósito compulsório, determinações do Acordo de Basileia, dentre outras. Além de parceira do Estado Brasileiro, a organização é uma instituição financeira similar às demais. Disputa mercados, possui base de clientes, faz uso de estratégias de marketing, oferece produtos e serviços da área comercial, tais como: contas correntes, depósitos a prazo, crédito pessoal, seguros e previdência. A análise dos demonstrativos de resultados da instituição expressa que houve lucro crescente em todos os últimos anos: 2011, 2012, 2013. A leitura do balanço da empresa permite constatar que a organização captura valor no campo tradicional dos negócios, uma vez que aufere lucros em operações de intermediação financeira, prestação de serviços, cobrança de tarifas bancárias e outros. Em que pese ser lucrativa, seu Estatuto aponta que a referida empresa pública também presta uma série de serviços com características sociais, tais como: prestar serviços delegados pelo Governo Federal; atuar como agente financeiro de habitação e saneamento; conceder empréstimos e financiamentos de natureza social. A instituição é uma das operadoras autorizadas do PMCMV que, conforme restará demonstrado ao longo da pesquisa, constitui um programa sob gestão da União. A realização da pesquisa foi autorizada pela instituição, ressalvando o sigilo da identificação da mesma. Dessa forma, não será citado o nome da organização nem dos dirigentes entrevistados. Em substituição, será utilizado o nome FINANX ao longo da pesquisa. Os nomes dos entrevistados também não serão informados e seus cargos foram substituídos por códigos (assim como os demais entrevistados, conforme QUADRO 6). Concluídas as ponderações a respeito do procedimento e do contexto da pesquisa, passa-se à análise dos dados nos capítulos seguintes. 87 5 ANÁLISE DE DADOS Após os procedimentos de coleta, classificação, redução e exibição, deu-se início à verificação dos dados. Neste ponto é importante reiterar o compromisso do uso das múltiplas fontes de evidências para reforço da validade das conclusões. O expediente verificatório seguiu a ordem do Protocolo de Estudo de Caso, ferramenta desenvolvida com base nas categorias de análise. Essas, por sua vez, são derivadas dos objetivos específicos – desdobramentos do objetivo geral –, os quais, uma vez atingidos, permitirão uma conclusão que responda à Pergunta de Pesquisa: O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma instituição financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de negócio social, conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social? Cada categoria é apresentada sequencialmente em capítulos específicos. As questões introdutórias do Protocolo subsidiaram as informações a respeito da FINANX apresentadas no capítulo anterior. As entrevistas realizadas com famílias beneficiárias, embora não constituam categoria própria, foram aproveitadas em todas as demais, especialmente nas de número 2 e 3. Após a análise de cada questão do Protocolo, são expressas conclusões. O sexto capítulo deste trabalho apresentará a conclusão e considerações finais, abrangendo a pesquisa como um todo. 88 5.1 Categoria de Análise 1: Conceito, legislação, métricas e resultados do PMCMV A categoria de análise número 1 objetivou investigar as informações iniciais a respeito do PMCMV: definir um conceito, identificar a legislação que o criou e regulamentou e dados preambulares a respeito de suas métricas e resultados. A fim de analisar esta categoria, o Protocolo de Estudo de Caso propôs quatro questionamentos, os quais serviram como roteiro na investigação. Buscou-se ter uma visão geral do PMCMV. Interessa compreender se seus principais propósitos estão voltados para aspectos financeiros ou para aliviar problemas advindos da pobreza, conforme preconiza a literatura de negócios sociais (Yunus, 2010; Yunus et al, 2010; Comini et al., 2012; Polack e Warwick, 2013). Nesse mesmo sentido, os resultados esperados indicarão quais as prioridades do PMCMV sob a ótica da instituição que o executa. A questão relativa à legislação que criou e regulamentou o PMCMV encontrou as seguintes respostas: Lei 11.977/09: resultado da conversão da Medida Provisória nº 459/2009, que criou o PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) Portaria Interministerial 395/11: dispõe sobre o PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural, subprograma do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 19) Portaria 561/11 do Ministério da Fazenda: define a remuneração das instituições financeiras pelas atividades no âmbito do PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana, subprograma do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 20) Portaria Interministerial 409/2011: dispõe sobre operações de crédito com recursos do FGTS no âmbito do PNHU, integrante do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 21) Decreto 7.499/2011: Regulamenta o PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28) Resolução 702/12 do Conselho Curador do FGTS: estabelece diretrizes sobre propostas orçamentárias do FGTS. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24) 89 Portaria 168/2013 do Ministério das Cidades: dispõe sobre aquisição e alienação dos imóveis com recursos do FAR, no âmbito do PNHU, integrante do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22) Portaria 363/2013 do Ministério das Cidades: dispõe sobre aquisição e alienação dos imóveis com recursos do FAR, no âmbito do PNHU, integrante do PMCMV, em municípios com população inferior a 50.000 habitantes. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 23) Lei 12.868/2013: dispõe sobre o financiamento de bens de consumo duráveis para beneficiários do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 15) Portaria 595/13 do Ministério das Cidades: dispõe sobre os critérios de seleção dos beneficiários do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32) Quanto à definição do PMCMV, as fontes oficiais (legislação e publicações das instituições operadoras) trazem o seguinte: (...) é um programa de governo que tem transformado o sonho da casa própria em realidade para muitas famílias brasileiras. Em geral, o Programa acontece em parceria com estados, municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 47) Iniciativa criada pelo Governo Federal com o objetivo de diminuir o déficit habitacional (...).(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 48) Em sua definição legal, encontra-se a estrutura em que se desdobra o PMCMV: Compreende os seguintes programas: Programa Nacional de Habitação Urbana; Programa Nacional de Habitação Rural (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). O conceito observado pelos entrevistados demonstra a vinculação entre a atividade de financiar habitação com a solução de problemas sociais. Ao serem questionados sobre qual a definição do PMCMV, entrevistados fizeram as seguintes ponderações: Política pública/social de alcance extremo. (E2) Um programa essencial, de natureza social com conseqüências econômicas (C2). 90 Soma entre social e privado, em que o capital privado viabiliza o ganho social (C4). Identifica-se na fala da maioria dos entrevistados uma percepção positiva com relação ao PMCMV, o que pode ser confirmado pelos termos a seguir: Maior e melhor programa habitacional (O1). Divisor de águas no mercado imobiliário (T1). Programa altamente exitoso (E3). Muito correto, muito bom no geral (C1). Essencial (C2). Constatou-se, portanto, através da pesquisa documental e das entrevistas, que o PMCMV consiste num programa de governo, também podendo ser considerado política pública com direcionamento social, criado para reduzir o déficit habitacional brasileiro através de dois subprogramas: Habitação Urbana e Habitação Rural. A respeito dos objetivos, alguns são explicitados na legislação, tais como: Criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais para famílias com renda de até R$ 4.650,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Posteriormente, o limite máximo de renda foi estendido para R$5.400,00, (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24). Promover a produção, aquisição, requalificação e reforma de (...) unidades habitacionais (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias; provisão habitacional em consonância com os planos diretores municipais; criação de novos postos de trabalho diretos e indiretos, especialmente por meio da cadeia produtiva da construção civil; promoção de condições de acessibilidade (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). O pesquisador, como funcionário da FINANX, pode observar, no seu diaa-dia, que a instituição estabelece, internamente, metas de contratação de unidades habitacionais – exemplo: 5 mil unidades para determinada região no 91 ano –, fato que parece confirmar que um dos objetivos do PMCMV é a redução do déficit habitacional. Como observador, o pesquisador identificou preocupação da instituição com a qualidade, ao orientar seus empregados para o pronto atendimento das demandas registradas na ferramenta “De Olho na Qualidade”. Tal instrumento consiste num canal entre a FINANX e as famílias beneficiárias do programa, por meio de um número de telefone que pode ser acionado gratuitamente para tratar de questões relativas à qualidade do imóvel. No cotidiano como empregado da FINANX, o observador identificou que a alta gestão exige das áreas táticas e operacionais a certificação de que o Trabalho Técnico Social é realizado junto às famílias. Esse trabalho envolve ações de educação voltadas para a cidadania e o convívio dos moradores dos novos conjuntos, visando qualidade de vida e sustentabilidade dos empreendimentos (E3 e observação direta). Os objetivos a seguir foram citados pelos entrevistados: Reduzir déficit habitacional nas classes mais baixas (T1); Reduzir déficit habitacional(O1); Reduzir o déficit habitacional; urbanização dos municípios(C4); Reduzir o déficit habitacional (E2); Redução do déficit habitacional na baixa renda (E1); Dar casa a quem precisa (C3); Produzir moradias (E3). Interessante aspecto foi apontado em algumas entrevistas e confirmado até mesmo pela legislação: o econômico. O lançamento do PMCMV se deu em 2009, ano que o mundo passava por “profunda crise econômica”, nas palavras do entrevistado E2. Algumas fontes de evidência apontam para a preocupação do PMCMV em interferir na atividade econômica e no nível de emprego do Brasil. Os objetivos de reação à crise econômica mundial foram assim citados: Crescimento do PIB, emprego, renda(...) (T1); 92 Estimular a economia através da construção civil (C4); Responder à crise econômica (E2); Geração de emprego e renda, movimentar a economia (E3); Mover a economia (C1); Responder à crise econômica – foco em emprego na construção civil (E1). (...) criação de novos postos de trabalho diretos e indiretos, especialmente por meio da cadeia produtiva da construção civil (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Metas sociais, não quantificáveis, aparecem nas falas dos entrevistados e nos documentos: Compromisso com a sociedade (O2); Dar às famílias condições de sair da situação de pobreza (C2); Objetiva que as pessoas subam (...) degraus em qualidade de vida (E3); Tirar as pessoas da pobreza, progresso social (C2); Grande alcance social; suprir um hiato (O1). DIRETRIZES GERAIS a) promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas; (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Um dos entrevistados do nível operacional (O2), apontou o interesse da FINANX em lucrar financeiramente, incluindo o aspecto comercial como um dos objetivos. Ela tem objetivo enquanto braço direito do Governo Federal nas políticas públicas e tem objetivo um compromisso com a sociedade (...). E ela tem os objetivos comerciais também, que ela atinge quando fideliza esses clientes que nos procuram, transformando esses clientes em clientes. (O2) Há convergência de entrevistados, documentação e observação direta no sentido de que o PMCMV possui como principais objetivos a redução do déficit habitacional, geração de emprego e renda por meio de mecanismos de 93 incentivo à produção e comercialização de novas unidades habitacionais para famílias de baixa renda não proprietárias. A meta é de produzir 3,75 milhões de novas moradias (E2). Objetivos de redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida das famílias também foram citados nas entrevistas e podem ser distinguidos nos parâmetros legais (elevados subsídios, foco em baixa renda etc.). Art. 82-B. O PMCMV (...) tem como meta promover a produção, aquisição, requalificação e reforma de dois milhões de unidades habitacionais, a partir de 1º de dezembro de 2010 até 31 de dezembro de 2014. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Quanto ao questionamento a respeito dos resultados esperados, também é possível classificá-los como quantificáveis e não quantificáveis. Os primeiros incluem os números de novos imóveis que o PMCMV pretende entregar. Os outros abrangem resultados sociais e reflexos na vida das pessoas e das comunidades. Em termos de quantidade, a legislação original não definiu meta. A partir dezembro de 2010 foi estabelecida como meta a produção de 2 milhões de unidades habitacionais desde então até dezembro de 2014. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – Metas e resultados 2009/2014 Meta até 2014: 3,75 milhões Contratadas até novembro 2013: 3 milhões de unidades Entregues até novembro 2013: 1,4 milhão de unidades (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 37) Interessante afirmação foi feita por um entrevistado do nível estratégico do Programa, demonstrando que a meta do PMCMV está mais voltada para combate ao crescimento da demanda habitacional do que ao próprio déficit: Hoje em dia nós estamos muito mais voltadas para o incremento. (...) pra que nos nossos programas, a gente esteja conseguindo combater parte, não totalmente (...) o incremento, a demanda por habitação futura. A gente se prepara com oferta de moradia pra uma demanda futura. Claro, sem desmerecer, obviamente, o déficit existente, lógico. (E1). 94 Quanto aos resultados esperados pelo PMCMV, de maneira similar aos objetivos, é possível encontrar retornos similares a negócios convencionais e outros que indicam resultados sociais. Alguns entrevistados repetiram, para a questão “resultados esperados”, aquilo que disseram para “objetivos do PMCMV”. Entre os resultados típicos de negócios convencionais, destacam-se os seguintes elementos: 3,7 milhões de novas moradias (T1); Agregar negócios para a instituição financeira (O1); Injeção de recursos financeiros no mercado (C2); Crescimento da economia (E3). Resultados sociais, assim considerados aqueles que não pertencem ao mundo dos negócios convencionais, são citados em abundância: Geração de emprego, melhoria na qualidade de vida (O1); Melhorar a situação das crianças; redução da criminalidade; qualidade de vida; dignidade; desenvolver habilidade das pessoas conviverem socialmente (C2). Retirada de famílias de áreas de preservação ambiental e áreas invadidas (C4); Promoção da melhoria da qualidade de vida; provisão habitacional garantindo sustentabilidade social, econômica e ambiental (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). A produção de novas moradias, aqui classificada como resultado convencional – do ponto de vista da cadeia da construção civil – , também pode ser considerada resultado social, uma vez que o foco do PMCMV são famílias de baixa renda que não possuem casa própria. A maior parte dos recursos que movimentam o PMCMV vem de duas fontes: FGTS e Orçamento Geral da União – OGU. PMCMV – TOTAL – 30/06/2014 Subsídios OGU: R$ 83.535.219.519,00 Subsídios FGTS: R$ 22.848.336.230,00 95 Financiamentos FGTS: R$ 112.153.857.247,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39). Conclui-se, após trianguladas informações coletadas nas entrevistas, documentos e observação do pesquisador, que o PMCMV foi criado por Lei Federal para diminuir o déficit habitacional do Brasil, com meta de contratar 3,75 milhões de novas moradias até o fim de 2014. Possui, explicitamente, objetivos sociais. Suas principais metas estão relacionadas à produção de novas moradias para famílias não proprietárias. Objetivos de impacto na economia nacional e ganhos para as instituições financeiras operadoras são apresentados como secundários. O QUADRO 8 demonstra uma série de objetivos e resultados do PMCMV, alguns típicos de negócios convencionais, outros de negócios sociais. O QUADRO 9 apresenta resumo das conclusões desta categoria. 96 QUADRO 8 Objetivos/Resultados esperados pelo PMCMV Convencionais Sociais Criar mecanismos de incentivo à Dar às famílias condições de sair da produção e aquisição de novas situação de pobreza unidades habitacionais 3,75 milhões de novas moradias 3,75 milhões de novas moradias; Progresso social Agregar negócios para a instituição Reduzir o déficit habitacional financeira; Injeção de recursos financeiros no Crescimento do PIB, emprego, renda mercado Promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias Crescimento da economia Responder à crise econômica Criação de novos postos de trabalho diretos e indiretos Interesse comercial das instituições Geração de emprego, melhoria na financeiras qualidade de vida Melhorar a situação das crianças; redução da criminalidade; qualidade de vida; dignidade; desenvolver habilidade das pessoas conviverem socialmente Retirada de famílias de áreas de preservação ambiental e áreas invadidas Promoção da melhoria da qualidade de vida; provisão habitacional com sustentabilidade social, econômica e ambiental Ascensão das pessoas qualidade de vida Fonte: elaborado pelo autor à melhor 97 QUADRO 9 Principais conclusões da Categoria Analítica 1 Conceito Política pública Programa habitacional Programa de governo PNHU e PNHR Objetivos Incentivar produção habitacional Promover qualidade de vida Redução do déficit habitacional Enfrentar crise econômica Política social Metas sociais Privado + social Legislação Lei 11.977/09 Portaria 395/11 Portaria 561/11 MFAZ Resultados esperados 3,75 milhões de novas moradias Suprir a demanda habitacional Novos postos de trabalho Portaria 409/11 Decreto 7.499/11 Resolução 702/12 CCFGTS Portaria 168/13 MCIDAD Portaria 363/13 MCIDAD Lei 12.868/13 Portaria 595/13 MCIDAD Fonte: elaborado pelo autor Cumprida a proposta de analisar conceito, legislação, métricas e resultados, prosseguir-se-á para a categoria de análise 2, que trata do modelo de negócios do PMCMV, examinando-se sua proposta de valor, público-alvo, constelação de valor, custos e receitas. 98 5.2 Categoria de Análise 2: Modelo de negócios do PMCMV: proposta de valor, público-alvo, constelação de valor, custos e receitas A segunda categoria de análise pretendeu investigar e analisar o modelo de negócios do PMCMV. Pretendeu-se descobrir se o Programa possui um modelo de negócios com proposta de valor (o que entrega para o cliente), público-alvo, constelação de valor (rede de parceiros) e estrutura de custos e receitas. A presente categoria visou extrair importantes informações para a pesquisa, visto que os modelos de negócios sociais devem ter, a princípio, características de uma empresa clássica: atuação no mercado oferecendo produtos, busca de clientes, disputa por mercados, manutenção de estrutura de custos/receitas e canais de distribuição (YUNUS et al., 2010). Procurou-se compreender se os produtos foram inovadores, se visaram um novo mercado e se foram desenvolvidos especialmente para os indivíduos integrantes de tal mercado. Para Phills (2009), inovação social se dá com a introdução de soluções novas para um problema ou necessidade social, desde que sejam melhores do que as abordagens já existentes. Daí a necessidade de compreender se há um caráter inovador intrínseco aos produtos do PMCMV. Quanto ao público que pretende atingir, buscou-se descobrir se as pessoas são consideradas clientes de um produto ou beneficiários de um programa social. Solucionar tal dúvida é fundamental para responder à pergunta de pesquisa, uma vez que o conceito de negócios sociais prevê que as pessoas sejam vistas e tratadas como verdadeiros clientes. A fim de cumprir tais objetivos, o Protocolo de Estudo de Caso definiu sete questionamentos na segunda categoria de análise, passando por todos os elementos de um modelo de negócios e buscando identificar sinais de inovação social. O primeiro elemento de modelo de negócios analisado foi o relativo aos produtos. Sobre os produtos oferecidos pelo PMCMV, a legislação apresenta dois sub-programas, um para a área urbana e outro para área rural. O Programa Minha Casa Minha Vida (...) compreende os seguintes subprogramas: PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana 99 PNHR – Programa nacional de Habitação Rural. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14); No âmbito do PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural, há divisão por grupos de faixa de renda, existindo uma linha sem financiamento, com subvenção paga pela União e outras duas faixas de financiamento com recursos do FGTS: I - Grupo 1: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta não ultrapasse R$ 15.000,00; II - Grupo 2: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta seja superior a R$ 15.000,00 e inferior ou igual a R$ 30.000,00; e III - Grupo 3: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta seja superior a R$ 30.000,00 e inferior ou igual a R$ 60.000,00 (...) Os beneficiários integrantes do Grupo 1 serão atendidos sem a constituição de operação de financiamento (...) (...) A subvenção econômica do PNHR será paga, à vista e em espécie, integralmente ao Gestor Operacional do programa, a partir da contratação da operação entre os Agentes Financeiros e os beneficiários (...) 2. Os beneficiários integrantes dos Grupos 2 e 3 serão atendidos a partir da constituição de operação de financiamento, lastreada nos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (...)(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 19). Pelo fato de o PNHR não se tratar do foco do estudo de caso, além de representar proporcionalmente apenas uma pequena parte do PMCMV, esta pesquisa se ocupará preponderantemente do PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana, em que se distinguem duas modalidades de atividade, conforme a faixa de renda das famílias a que pretende atender. Bom, ele está estratificado em principalmente na renda e também valores de financiamentos e subsídios especificados por locais. Na renda, temos o faixa i para quem tem até R1.600,00, totalmente bancado por recursos do OGU, que aporta os recursos no FAR.(...) [faixa ii e iii] É um outro produto. Esse aí já é um financiamento mais com regras de mercado, mas ele tem uma diferenciação. (...) está previsto diferenciais de subsídios que vão decrescendo para quem ganha até R$ 3.275,00, você tem o FGC, q é o fundo garantidor e você tem também uma taxa de juros reduzida, que vai no faixa ii até R$3.275,00 e faixa iii até R$4.500,00. Notadamente, faixa i por ser indicação do poder público, e não haver análise cadastral (...),ele é um programa diferenciado. Os 100 outros já tem a questão cadastral da pessoa para ter acesso a esse programa, tanto de renda quanto de idoneidade cadastral. Então, é um programa guarda-chuva e aí na área urbana se resuma a esses três aí: faixa i, ii e iii. (T1) A chamada faixa i do PMCMV não prevê financiamento nem análise cadastral ou comprovação da capacidade de pagamento. É promovida com recursos do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, por meio de subvenções. A contrapartida dos beneficiários é oferecida por prestações limitadas. A integralização de cotas do FAR (...), tem por objetivo a aquisição e requalificação de imóveis destinados à alienação para famílias com renda mensal de até mil e seiscentos reais, por meio de operações realizadas por instituições financeiras oficiais federais (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22); As operações realizadas com recursos provenientes da integralização de cotas no FAR (...) beneficiarão famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00 e ocorrerão na forma de regulamento estabelecido por ato conjunto dos Ministérios das Cidades, da Fazenda, e do Planejamento, Orçamento e Gestão, observadas as seguintes condições: I - exigência de participação financeira dos beneficiários, sob a forma de prestações mensais; II - quitação da operação, em casos de morte ou invalidez permanente do beneficiário, sem cobrança de contribuição do beneficiário; e III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28) A subvenção econômica será concedida nas prestações do financiamento, ao longo de cento e vinte meses; A quitação antecipada do financiamento implicará o pagamento do valor da dívida contratual do imóvel, sem a subvenção econômica conferida na forma deste artigo Não se admite transferência inter vivos de imóveis sem a respectiva quitação. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28) Os beneficiários das operações realizadas com recursos provenientes da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS assumirão responsabilidade contratual pelo pagamento de cento e vinte prestações mensais, correspondentes a cinco por cento da renda bruta familiar mensal, com valor mínimo fixado em vinte e cinco reais. (PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28) A legislação procura garantir que a subvenção seja oferecida apenas uma vez para cada beneficiário e imóvel, tanto na faixa i quanto na faixa ii: 101 A subvenção econômica a que se refere o inciso I do caput do art. 2º será concedida exclusivamente a mutuários com renda familiar mensal de até R$ 3.275,00 (três mil, duzentos e setenta e cinco reais), uma única vez por imóvel e por beneficiário. (PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28) As faixas ii e iii do PMCMV atingem até o valor de R$ 5.400,00 de renda, sendo que se tratam de operações de financiamento com análise cadastral e de capacidade de pagamento, porém com condições especiais. Na faixa ii e iii, ele é uma operação similar às operações que nós já fazíamos anteriormente. (...) Porque a inadimplência do faixa ii e iii é risco do banco. Então ela é uma operação de mercado, em que o Estado participa dela facilitando o acesso de quem tá comprando, dando um subsídio para que ele possa comprar um imóvel que a renda dele não permitia comprar numa situação diferente. Mas tirando essa questão importante do subsídio pro comprador, o financiamento tem as mesmas regras de um financiamento comercial. (E2) [faixa ii é] um outro produto que já não é subsídio direto, porque são recursos do FGTS, cuja renda é superior (...) e o recurso sim, são do FGTS, via financiamento. (O2) Faixa de R$1.600,00 a R$ 3.275,00 é a faixa ii, neste aí o governo aporta um subsídio (...) que é um complemento. E o faixa iii que vai de R$ 3.275,00 a R$ 5.000,00, hoje o único diferencial dele é o fundo garantidor, que é um seguro mais barato do que se fosse em um financiamento. (E3) A subvenção econômica (...) será concedida exclusivamente a mutuários com renda familiar mensal de até R$ 3.275,00 (três mil, duzentos e setenta e cinco reais), uma única vez por imóvel e por beneficiário e será cumulativa com os descontos habitacionais concedidos nas operações de financiamento. (PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28). Através da observação direta, identificou-se que, na faixa i, as contratações são feitas de maneira coletiva. Nas faixas ii e iii, podem se dar por empreendimentos coletivos ou individualmente numa relação simples de comprador e vendedor, com intervenção do banco financiador. As linhas de crédito e de subvenção são consideradas produtos oferecidos pelo PMCMV. As próprias unidades habitacionais, igualmente, são apresentadas na legislação e nas entrevistas como produtos. 102 No âmbito do FAR, os imóveis são padronizados e os valores máximos estabelecidos conforme a localidade do imóvel, variando entre R$ 57 mil e R$ 76 mil (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 22, 29 e 30). Os valores máximos de aquisição (...) poderão compreender os custos de aquisição do terreno, edificação, equipamentos de uso comum, tributos, despesas de legalização, trabalho social e execução de infraestrutura (...). Contemplam, ainda, os custos do sistema de aquecimento solar nas edificações unifamiliares. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Com relação aos financiamentos do FGTS, o valor máximo de imóvel é de R$ 90 mil, podendo ser majorado conforme a região do País: R$ 115 mil: imóveis situados em municípios com mais de 50 mil habitantes. R$ 145 mil: imóveis situados em municípios com mais de 250 mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas. R$ 170 mil: imóveis situados em municípios com pelo menos 1 milhão de habitantes ou capitais estaduais. R$ 190 mil: imóveis situados no Distrito Federal ou em municípios integrantes das regiões metropolitanas dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24) Alinhados ao que apresenta a documentação, os entrevistados informam sua visão com relação ao que consideram ser os produtos do PMCMV: Moradia (E2, E3); Financiamentos estratificados por renda (T1); Comercialização de imóveis via financiamento (O1); Habitação (C2); Uma linha individual e uma coletiva (O2); Faixa I: limites estabelecidos pelo Ministério das Cidades e o Faixa II, que tem que vender o imóvel(C3). 103 Notável que tal pergunta tenha recebido respostas que, a exemplo dos objetivos e resultados esperados, são vinculadas a aspectos sociais, conforme as seguintes: Bancarização, responsabilidade coletiva (E2); Infraestrutura e equipamentos sociais como escolas, postos de saúde etc.(E1); Equipamentos de aquecimento solar, impacto na saúde, valorização da mulher (C2); Mais do que habitação simplesmente: moradia, infraestrutura, equipamentos comunitários (E1). teto, Ainda relativamente à proposta de valor do PMCMV, questionou-se a respeito das necessidades dos clientes-alvo, dos valores criados para a sociedade. Infere-se da pesquisa documental que o déficit e a demanda habitacional são necessidades importantes a que o PMCMV atinge diretamente. O déficit habitacional em 2012 era de 5,2 milhões de domicílios, nesses números considerados: Domicílios precários: 870,56 mil; Coabitação: 1.757 mil; Excedente de aluguel: 2.293 mil; Adensamento excessivo: 510,19 mil. Demanda habitacional prevista até 2023: 27 milhões de unidades habitacionais, sendo 62% dela concentrada na faixa de renda de até R$ 1.200,00 (incluída no público-alvo do PMCMV). (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 46) Os entrevistados destacaram necessidades sociais similares àquelas apontadas pelos documentos e adicionaram aspirações indiretamente ligadas à moradia, como: Sonho da casa própria (...), segurança do imóvel (O1); Condição básica para a família, a casa (C3); 104 Realização do sonho do cliente, casa própria com condição digna (O2); Não se preocupa só com moradia, mas também com infraestrutura, água, transporte...”(E1). As respostas a esse questionamento reforçam aquelas encontradas quando se tratou dos objetivos e dos resultados esperados pelo PMCMV, na primeira categoria analítica. Ao considerar negócios realizados por grandes corporações para atender aos pobres do mundo, autores defendem que os produtos sejam desenhados especificamente para aquele público (GATES, 2008; THOMPSON & MACMILLAN, 2010; BORNSTEIN & DAVIS, 2010; EGGERS & MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK, 2013). Nesse ponto, parece haver convergência de opiniões da maioria dos entrevistados, entendendo eles que a linha de subvenção para famílias que ganham até R$ 1.600,00 por mês (chamada Faixa i do PMCMV) foi desenvolvida especialmente para tal público. Quanto às linhas de financiamento com subsídios, alguns entendem que sim, outros entendem que não. O Faixa ii se assemelha ao produto que já existia antes, que era a carta de crédito Associativa. Só que não tinha esses benefícios da taxa de juros reduzida, não tinha o benefício do Fundo Garantidor de Créditos e também não tinha o benefício do subsídio (...). Notadamente, Faixa i, por ser indicação do poder público e não haver análise cadastral (...), ele é um programa diferenciado (T1). (...) pode até ter tido iniciativas no passado (...). Mas eram situações absolutamente diferentes, formas diferentes de fazer. Então, eu diria que não existia, foi uma coisa nova, diferente (...). Desenhados especificamente para isso, quer dizer, a tipologia mínima que você tem (...), a infraestrutura (...). Não é uma situação que a gente tinha no passado em outras experiências (...). E o número que ele atingiu também é sem precedentes. (E2). Foram feitos de fato para atender ao público do PMCMV (O1); Especificamente para esse público-alvo (C4); Eu acho que atende sim [Faixa i ]. O Faixa ii eu tenho algumas dúvidas (...), a impressão que eu tenho (...) é que o Faixa ii é um programa que beneficia mais as construtoras que a sociedade (C2). 105 A documentação parece oferecer respostas que esclareçam a questão. A própria Lei que criou o PMCMV apresenta separadamente produtos por faixa de renda, conforme já descrito neste capítulo (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). A legislação “desenha” o produto, exigindo especificações técnicas mínimas, infraestrutura e outros itens: ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA O projeto do empreendimento observará especificação técnica mínima disponível para consulta no endereço eletrônico do Ministério das Cidades (www.cidades.gov.br). O projeto de empreendimento composto por edificações unifamiliares deverá contemplar sistema de aquecimento solar individual. O empreendimento deverá ser dotado de infraestrutura urbana básica: vias de acesso e de circulação pavimentadas, drenagem pluvial, calçadas, guias e sarjetas, rede de energia elétrica e iluminação pública, rede para abastecimento de água potável, soluções para o esgotamento sanitário e coleta de lixo. As redes de energia elétrica e iluminação pública, abastecimento de água potável e as soluções para o esgotamento sanitário, deverão estar operantes até a data de entrega do empreendimento. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22) Os projetos de unidades a serem comercializados na Faixa i possuem especificações mínimas de dimensões dos cômodos, características gerais (área útil, pé direito, cobertura, revestimento, portas, janelas, paredes, pisos, pinturas, louças e metais, instalações elétricas, infraestrutura, acessibilidade) definidas legalmente (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 29 e 30). Todas as residências passaram a ser entregues com revestimento (pisos) a partir de julho de 2011, data em que tal condição foi acrescentada às especificações técnicas dos imóveis. Merece destaque o fato de que as unidades já entregues quando do estabelecimento dessa exigência foram incluídas no projeto, tendo o PMCMV instalado revestimento em todas as moradias sem custo para o beneficiário (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22 e observação direta). Os projetos de empreendimentos das operações contratadas até o dia 8 de julho de 2011 (...), poderão ser objeto de acréscimo 106 de revestimento cerâmico de piso nas áreas privativas da unidade habitacional e nas áreas de uso comum nos casos de edificações multifamiliares. (PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 22). A legislação tributária foi alterada especificamente para o PMCMV. Foi criado regime especial de tributação para construção de unidades habitacionais contratadas no âmbito do PMCMV, mais favorável às construtoras, na forma de incentivo fiscal: Instrução Normativa RFB nº 1435: Dispõe sobre os regimes especiais de pagamento unificado de tributos aplicáveis às incorporações imobiliárias, às construções de unidades habitacionais contratadas no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e às construções ou reformas de estabelecimentos de educação infantil (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 31). DO REGIME ESPECIAL APLICÁVEL ÀS CONSTRUÇÕES NO ÂMBITO DO PMCMV: Até 31 de dezembro de 2014, a empresa construtora contratada para construir unidades habitacionais no âmbito do PMCMV, de que trata a Lei nº 11.977, de 2009, fica autorizada, em caráter opcional, a efetuar o pagamento unificado de tributos equivalente a 1% (um por cento) da receita mensal auferida pelo contrato de construção. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 31). Pode-se citar como exclusividade do PMCMV, ainda, o desenvolvimento de uma linha de financiamento de bens de consumo duráveis para os beneficiários do PMCMV. Criada por lei e chamada “Minha Casa Melhor”, a linha de crédito é oferecida por uma das instituições financeiras operadoras, com recursos da União, com destinação específica para aquisição de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos, para permitir que a família equipe a nova residência. É voltada exclusivamente para os beneficiários do PMCMV. O objetivo é que a família equipe a nova residência. LEI 12.868/13 (...) para dispor sobre o financiamento de bens de consumo duráveis a beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) Os recursos captados (...) na forma do caput poderão ser destinados ao financiamento de bens de consumo duráveis, 107 inclusive bens de tecnologia assistiva, para as pessoas físicas do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV (...). O Conselho Monetário Nacional definirá os bens de consumo duráveis e de tecnologia assistiva (...), seus valores máximos de aquisição e os termos e as condições do financiamento. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 09). O próprio público-alvo parece entender que os produtos do PMCMV são diferentes dos anteriores e que foram desenvolvidos para atendê-los. No financiamento normal, acho que não teria condições de comprar. Prestação de R$ 500,00, eu não ia dar conta sozinha. (P1) Tentei várias vezes, tentei muito [financiar imóvel antes do PMCMV]. Fiquei até frustrada com isso. Porque não dá! [para financiar nas linhas anteriores] Não dá pelo seguinte: a gente, como se diz, é pobre. A gente ganha salário, e então com esse salário eu tinha que pagar aluguel, eu tinha que dar assistência meu filho na escola, roupa, alimentação, remédio, tudo isso. Então com o salário que a gente ganha, como que a gente vai juntar aí vinte mil, trinta mil para dar de entrada para depois continuar uma prestação? Então não dá. (P2) Referente ao caráter inovador, a maioria dos entrevistados confirma a presença de tal característica nos produtos do PMCMV, embora alguns deles, ao serem instados a explicar o porquê de assim entenderem, não o souberam explicar. Possivelmente isso se deve ao desconhecimento do conceito de inovação. Ainda que os entrevistados não sejam detentores do conhecimento acadêmico referente à inovação e inovação social, é possível extrair de suas falas noções que demonstram que os produtos do PMCMV são inovadores. Recorrendo aos estudos propostos por Davila et al. (2006), foram encontrados aspectos inovadores na tecnologia e, especialmente, no modelo de negócios do PMCMV. A seguir, apresentam-se as inovações identificadas por alavanca, conforme o citado modelo de Davila et al. (2006), a partir da estratégia de triangulação de fontes de evidências. Proposta de valor (inovação no modelo de negócios): Os produtos anteriores tinham problemas de financiamento que não ocorrem no PMCMV - resíduos a pagar após o fim do prazo do contrato, escolha de famílias que não tinham necessidade etc. (C2). 108 Não existia tamanha abrangência (T1). Foi uma coisa nova, precedentes. (E2). diferente, atingiu números sem Grande incremento orçamentário. (E1). Soma de variáveis inovadoras: desoneração tributária, subsídio, critérios sociais, juros subsidiados. (C4). Os contratos e registros efetivados no âmbito do PMCMV serão formalizados, preferencialmente, em nome da mulher. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser observados os seguintes requisitos: (...) Prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do orçamento geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido. Os emolumentos devidos pelos atos de abertura de matrícula, registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de construção, instituição de condomínio, averbação da carta de “habite-se” e demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV serão reduzidos em: I - 75% (setenta e cinco por cento) para os empreendimentos do FAR e do FDS; II - 50% (cinquenta por cento) para os atos relacionados aos demais empreendimentos do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Serão assegurados no PMCMV: I – condições de acessibilidade a todas as áreas públicas e de uso comum; II – disponibilidade de unidades adaptáveis ao uso por pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida e idosos (...) III – condições de sustentabilidade das construções; IV – uso de novas tecnologias construtivas. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). DIRETRIZES GERAIS (...) f) execução de trabalho social, entendido como um conjunto de ações inclusivas, de caráter socioeducativo, voltadas para o fortalecimento da autonomia das famílias, sua inclusão produtiva 109 e a participação cidadã, contribuindo para a sustentabilidade dos empreendimentos habitacionais (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Programa De Olho na Qualidade: um conjunto de ações que têm como objetivo a garantia do atendimento e da qualidade do atendimento e dos imóveis entregues por um dos maiores programas habitacionais do mundo, o Minha Casa Minha Vida. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 26). Cliente-alvo (inovação no modelo de negócios): Atingiu um novo mercado. (T1) O público do PMCMV estava fora do mercado. (C3) No financiamento normal, acho que não teria condições de comprar. Prestação de R$ 500,00 eu não ia dar conta sozinha. (P1) Entrevistado P2, antes do PMCMV, tentou financiar várias vezes sem sucesso em virtude da entrada. “Como que a gente vai juntar 20 mil pra dar de entrada?” (P2). Criação de Faixas de clientes por renda (Faixa i, Faixa ii e Faixa iii), com benefícios de subsídios, subvenções e taxas de juros diferentes, sendo que para as camadas mais baixas as vantagens são maiores (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). O foco do PMCMV com relação do público que pretende alcançar está alinhado à previsão de demanda habitacional futura. Até 2023, 62% da demanda estará concentrada nas rendas de até R$1.200,00. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 10). Cadeia de suprimentos (inovação no modelo de negócios): Desoneração tributária para as construtoras (C4). “As construtoras modificaram sua forma de atuar” (C3). “Houve uma mudança na indústria da construção.” (E3) Criação de uma estrutura interna voltada para o PMCMV, incluindo Superintendências Nacionais específicas, Gerências em Superintendências Regionais, plataformas regionais para operacionalização dos contratos etc. (OBSERVAÇÃO DIRETA) Produto (inovação tecnológica): Criação de produtos específicos para cada faixa de renda (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). 110 Definição de subsídios/subvenções e juros diferenciados por faixa de renda (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) Produtos não existiam antes, nessa formatação. (O1) Criação de um Fundo Garantidor de Crédito para cobrir desemprego, morte, invalidez e danos ao imóvel; estabelecimento dos subsídios; redução nas taxas de juros. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 14, 21, 22, 24). Subsídios diretos e juros subsidiados. (C3) Melhoria na qualidade dos produtos. “Antes, as casas eram entregues com chão batido, na lama. Hoje tem exigência de piso, aquecedor solar, infraestrutura completa”. (C1) Produtos com especificações técnicas mínimas definidas em lei. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Estabelecimento de exigências com relação ao empreendimento: pavimentação, drenagem pluvial, energia elétrica, água, esgoto, coleta de lixo, equipamentos públicos de educação, saúde assistência social, segurança (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Determinação da colocação de revestimento (pisos) em todas as residências. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). Uma das características dos empreendimentos inovadores é a busca de novos mercados (TIGRE, 2006). Análise documental apresenta dado que parece demonstrar que o PMCMV atingiu um novo mercado. Média anual de financiamentos imobiliários no Brasil: Entre 1974 e 2008: 238.753 Entre 2009 e 2013: (período do PMCMV): 1.008.720. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 25). A participação do público-alvo do PMCMV no total de financiamentos concedidos no Brasil aumentou de 25,5% em 2004 para 33,8% em 2013 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 41) Prezando pela análise de múltiplas fontes, encontraram-se nas entrevistas referências ao surgimento de um mercado até então não atendido: Não tínhamos esse programa com essa abrangência (T1). 111 Atingiu números sem precedentes (E2). O público do PMCMV estava fora do mercado (C3). A própria simulação de um financiamento convencional demonstra que as subvenções tornaram possível o acesso de quem não teria capacidade financeira. A prestação para financiamento de R$60 mil custaria, sem subsídios, R$792,05, (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 49), o que excluiria grande parte do público do PMCMV, uma vez que 1,61 milhão das unidades contratadas foram para famílias com renda de até R$1.600,00. Com renda máxima de R$ 1.600,00, nenhuma dessas famílias teria capacidade de pagamento para R$792,05. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39). GRÁFICO 1 – Distribuição da renda das famílias na Faixa 1 Fonte: Pesquisa Documental, Apêndice D, Documento 36. Cerca de 50% das entregas ao Faixa I foram para famílias com renda de R$601,00 a R$1.000,00. Renda de R$ 600,01 num financiamento normal permitira capacidade de pagamento de cerca R$180,00, suficiente para financiar menos de R$20 mil. 112 Pode-se afirmar, portanto, que há um mercado novo atendido pelo PMCMV. Além dos exemplos acima, pode-se considerar ainda a situação de famílias com renda abaixo de R$601,00 e até totalmente sem renda que, por falta de capacidade de pagamento de uma prestação, estavam alijadas da possibilidade de aquisição de um imóvel para viver. Conclui-se que o PMCMV possui uma proposta de valor a entregar para a sociedade e que seus produtos são diferentes conforme o público que pretendem atender. Os produtos oferecem características exclusivas, criadas para permitir e facilitar o acesso do público-alvo. Há elementos que indicam inovação nas alavancas tecnológica e modelo de negócios. Percebe-se, pelas informações dos entrevistados, pela análise documental e observação direta, que a proposta de valor do PMCMV traz características novas, que até então não existiam no mercado imobiliário. Condições e exigências estabelecidas a partir do lançamento do programa e exclusivamente para seus clientes/beneficiários denotam uma proposta de valor diferenciada, voltada para garantir boa qualidade da unidade habitacional e melhoria de vida das pessoas. O próximo componente de um modelo de negócios tratado foi o cliente, ou público-alvo que ele pretende atender. Nesta pesquisa, investigou-se o elemento sob dois aspectos. O primeiro visou identificar se o PMCMV possui, de fato, um público-alvo que pretenda atingir. O segundo aspecto teve por meta observar se tal público é considerado cliente de um produto ou destinatário de um benefício público. Foi possível constatar que a legislação criadora e regulamentadora do PMCMV define claramente o público-alvo. Começa por explicitar o conceito de família adotado pelo programa: Unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos que contribuem para o seu rendimento ou têm suas despesas por ela atendidas e abrange todas as espécies reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se nestas a família unipessoal (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14). 113 Público do produto Faixa i (recursos do FAR): A integralização de cotas no FAR (...), tem por objetivo a aquisição e requalificação de imóveis destinados à alienação para famílias com renda mensal de até mil e seiscentos reais (...)(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). A indicação dos candidatos se dará a partir da aplicação dos critérios de priorização e procedimentos de seleção definidos nesta Portaria. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32). Contratação realizada coletivamente (OBSERVAÇÃO DIRETA). Público dos produtos Faixas ii e iii (recursos FGTS): I - Pessoas físicas: definidas como famílias com renda familiar mensal limitada a R$ 4.300,00, admitida sua elevação até R$ 5.400,00 (...) em municípios integrantes de regiões metropolitanas ou equivalentes, municípios-sede de capitais estaduais, ou municípios com população igual ou superior a 250.000 (duzentos e cinquenta mil) habitantes (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24) No faixa ii e iii eles se caracterizam pelo financiamento habitacional. (...) a pessoa toma um financiamento habitacional, (...) ele se endivida normalmente, as instituições analisam a capacidade dela de pagar e o PMCMV entra subsidiando uma parcela do imóvel. Então o imóvel custa 100 mil, você ta em Brasília, você vai ganhar 23 mil de subvenção. (E1) Contratos feitos coletivamente ou individualmente. Contratação segue as regras de mercado, inclusive oferta e demanda (OBSERVAÇÃO DIRETA) A construtora é que busca os clientes (C3). O público Faixa i não segue as regras de mercado, ou seja, quem escolhe o comprador não é o vendedor e vice-versa. O negócio de construção e transação do imóvel segue procedimento especial previsto na legislação. A escolha dos candidatos é feita pelo Poder Público local: A indicação dos candidatos se dará a partir da aplicação dos critérios de priorização e procedimentos de seleção definidos nesta Portaria. (...) São considerados critérios nacionais de priorização, conforme o disposto na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009: a) famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas; b) famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e c) famílias de que façam parte pessoas com deficiência. (...) 114 De forma a complementar os critérios nacionais, Distrito Federal, estados, municípios e entidades organizadoras poderão estabelecer até três critérios adicionais de priorização. (...) O processo seletivo nortear-se-á pelo objetivo de priorização ao atendimento de candidatos que se enquadrem no maior número de critérios nacionais e adicionais. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32) Geograficamente, estabeleceu-se a abrangência do PMCMV: ÁREA DE ATUAÇÃO As operações de aquisição de imóveis serão implementadas nas capitais estaduais e respectivas regiões metropolitanas, quando existentes, nas regiões metropolitanas de Campinas/SP e Baixada Santista/SP, nos municípios limítrofes à Teresina/PI e que pertençam à respectiva Região Integrada de Desenvolvimento - RIDE, no Distrito Federal e nos municípios com população igual ou superior a 50.000 (cinquenta mil) habitantes. Poderão, ainda, ser implementadas operações de aquisição de imóveis nos municípios com população entre vinte e cinqüenta mil habitantes, desde que: a)possuam população urbana igual ou superior a setenta por cento de sua população total; b) apresentem taxa de crescimento populacional, entre os anos 2000 e 2010, superior à taxa verificada no respectivo Estado; e c) apresentem taxa de crescimento populacional, entre os anos 2007 e 2010, superior a cinco por cento. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). PARTICIPANTES E ATRIBUIÇÕES: (...) DISTRITO FEDERAL, ESTADOS E MUNICÍPIOS (...) que aderirem ao Programa: a) firmar Termo de Adesão ao PMCMV, disponibilizado no sítio eletrônico (www.cidades.gov.br), assumindo, no mínimo, as seguintes atribuições (...).(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) Até abril de 2014, cerca de 4.420 municípios e 18 Unidades da Federação haviam firmado termo de adesão do PMCMV (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 17). A se considerar que o público-alvo seja maior do que a oferta do PMCMV, há previsão de que serão atendidos os candidatos que se enquadrem na maior quantidade de critérios definidos, utilizando-se a forma de sorteio como modalidade de desempate. O último ato da seleção é a checagem de dados pela FINANX, para certificar-se de que as famílias não receberam, anteriormente, subsídios habitacionais. 115 O ente público responsável pela seleção deverá encaminhar a relação dos candidatos a beneficiários selecionados para conhecimento dos conselhos distrital, municipal ou estadual de habitação ou de assistência social antes da apresentação da relação às instituições financeiras ou agentes financeiros. O processo seletivo será finalizado pela validação, por parte da [FINANX], das informações prestadas pelos candidatos junto a outros cadastros de administração de órgãos ou entidades do Governo Federal, conforme disposto no item 8 desta Portaria, e deverá ser precedida da inclusão ou atualização dos dados dos candidatos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32). A contratação nas faixas ii e iii segue o fluxo de uma compra e venda típica de mercado, seguida de financiamento pelas instituições financeiras (OBSERVAÇÃO DIRETA). Após cinco anos de execução do PMCMV, verifica-se que cerca de 50% do público atendido encontra-se no lapso de renda entre R$ 601,00 e R$ 1.000,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, APÊNDICE D, DOCUMENTO 36). Quanto ao PNHR, segmento do PMCMV que atende a área rural, seu público inclui agricultores familiares divididos em três grupos: Serão beneficiários do PNHR os agricultores familiares e trabalhadores rurais assim qualificados: I - Grupo 1: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta não ultrapasse R$ 15.000,00 (quinze mil reais); II - Grupo 2: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta seja superior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e inferior ou igual a R$ 30.000,00 (trinta mil reais); e III - Grupo 3: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja renda familiar anual bruta seja superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e inferior ou igual a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 19). A percepção dos entrevistados com relação ao questionamento do público-alvo, mais uma vez na pesquisa, é voltada em maior grau para aspectos sociais do que para o ponto de vista demográfico, embora renda e critérios legais de seleção também sejam citados. Destacam-se os seguintes termos utilizados pelos entrevistados para o questionamento a respeito do público-alvo: Público sem capacidade de compra; pessoas de baixíssima renda e nível de fragilidade social extrema (E2). 116 Trabalhadores com renda baixa, pequenos empresários (T1). Duas faixas distintas: Faixa i, estava fora do mercado, podem até não ter renda nenhuma. Faixa ii: demanda de mercado, nova classe média. Pessoas que não tem condições de comprar o imóvel de outra forma (O1). Pessoas que não comprariam essas casas. Mercado novo. Pessoas que estavam abandonadas (C2). As entrevistas realizadas com as duas famílias beneficiadas trouxeram um dado curioso. Ambas demonstraram não ter tido conhecimento dos critérios legais pelos quais elas mesmas foram selecionadas, parecendo considerar que a escolha se deu exclusivamente através de um sorteio entre os inscritos. “Aí eu fiz a inscrição, aí teve (...) o sorteio. Aí eu nem fui porque estava com visita na época, aí o pessoal falou: ‘eu vi o seu nome!’ Aí minha colega foi e me falou: ‘oh, eu vi seu nome lá na prefeitura’. Aí eu fiquei louca, eu fui lá, vi. Realmente o meu nome estava lá”(P1). “(...) e eu fiz minha inscrição e fui sorteada. Participei do sorteio que teve lá no Parque de Exposições. Eles estavam sorteando lá e o meu nome saiu”(P2). O segundo enfoque da pesquisa com relação ao público-alvo é o questionamento – cujo esclarecimento se mostra essencial para atender ao objetivo geral – relativo à classificação das famílias usuárias do PMCMV na natureza de clientes compradores de um produto ou de beneficiárias de um programa social ou de Governo. Yunus (2010), Yunus et al. (2010), Borsntein e Davis (2010), Eggers e MacMillan (2013), Polak e Warwick (2013) afirmam que negócios sociais se guiam pela mesma lógica de uma empresa convencional. Portanto, seu públicoalvo deve ser composto de clientes. Na mesma linha, Polak e Warwick (2013) defendem que os pobres devem ser vistos como clientes e não como “recipientes de caridade”, assim como Borstein e Davis (2010) propõem que sejam tratados como “consumidores”, ao invés de “beneficiários”. A pesquisa documental, que incluiu toda a legislação pertinente ao PMCMV, não encontrou pontos em que as famílias fossem citadas direta ou 117 indiretamente como “clientes”, especialmente quando referentes ao público da chamada Faixa i – rendas de até R$ 1.600,00. Os documentos D14 e D22 – peças fundamentais do programa – trazem, respectivamente, 27 e 38 citações dos termos “beneficiadas, beneficiários ou benefício” e nenhuma citação de “produto”, “cliente” ou “venda”. A seguir, amostra de informações coletadas na pesquisa documental: Portaria “dispõe sobre os parâmetros de priorização e sobre o processo de seleção dos beneficiários do PMCMV” (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32). A lei criadora do PMCMV menciona, em diversos pontos, os termos “beneficiário” e correlatos: Concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional; (...) para indicação dos beneficiários do PMCMV...; (...) os parâmetros de priorização e enquadramento dos beneficiários do PMCMV; (...) o poder aquisitivo da população a ser beneficiada. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) O documento D22 traz, em diversos pontos, os termos ora tratados, como nos exemplos a seguir: Promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas; (...) processo de seleção dos beneficiários; (...) participação financeira dos beneficiários; (...) alienar e ceder aos beneficiários do Programa os imóveis produzidos; (...) trabalho social junto aos beneficiários. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22) Extraiu-se das entrevistas um duplo entendimento do tema. Sem pretender adiantar as conclusões, parece claro que as pessoas ouvidas dividem 118 o público entre beneficiários de um programa social ou governamental (famílias da Faixa i) e clientes de um produto (Faixas ii e iii). Não são clientes. Banco não tem ousadia como o Grameen Bank (C2). Público do Faixa i é tratado mais como beneficiário do que como cliente. (...) Os demais são clientes, pois consomem outros produtos – cartão de crédito, cheque especial, seguros, aplicações financeiras(O2). Todos são clientes, embora no Faixa i não haja negócios de maior volume (O1). Faixa i: beneficiários, mas também clientes com potencial de consumo baixo. Faixa ii, tratados normalmente como clientes, com cadastro e análise de renda (T1). No Faixa i, quem define o cliente não é o banco. Nas faixas de renda mais alta, o cliente é interessante para o mercado (E2). No Faixa i, são beneficiários. “A gente trata eles como beneficiários”(E1). Faixas ii e iii: inegavelmente, clientes. Todo cidadão é cliente, mas no Faixa i não há muitos negócios, está mais voltado para benefício (E3). Faixa de 0 a 3 salários pode ser visto como beneficiário. As demais faixas, um mutuário (C4). Faixa i (...), subsídio explícito. Eu costumo falar que não é uma doação porque não pode. (...) As prestações variam entre R$300,00 / R$350,00 no papel. Quando você aplica o subsídio, elas caem para R$25,00 a R$80,00. É praticamente uma doação. (O1) O fato de que, no Faixa i, os contratantes são escolhidos pelo Poder Público com base em critérios legais e não definidos por livre acordo de mercado, faz com que se incline por sua classificação como beneficiários. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32). Um entrevistado pertencente à Constelação de Valor, proprietário de uma construtora, os vê como beneficiários, inclusive os da Faixa ii. Ilustra o suposto pensamento das pessoas com a frase seguinte: A gente ouve muito isso, embora seja faixa ii, a gente ouve aí: “a casinha que a Dilma me deu”. A gente ouve muito (C1). 119 Já outro entrevistado da constelação de valor entende que são clientes: A construtora os vê como clientes. Tem pós-venda, supervisão de qualidade... (C3). No mesmo sentido da maioria, as duas famílias entrevistadas se veem da seguinte forma: Benefício. Dívida não, benefício (P1). Ganhei um benefício, com certeza (P2). Considerando os termos utilizados pela legislação, além da percepção dos entrevistados e a própria observação direta do pesquisador, conclui-se que o público-alvo do PMCMV é dividido em beneficiários de um programa de governo (Faixa i) e clientes de um produto (Faixas ii e iii). As famílias da Faixa ii, ainda, podem ser chamadas de clientes com condições especiais, visto que têm acesso a subsídios diretos aplicados na compra do imóvel, conforme se verifica na Categoria de Análise 3. Faixa i e Faixa ii são mercados que não existiriam sem os subsídios. O alto volume de subsídios, estudado na Categoria 3, demonstra que não se tratam de clientes, pelo menos quando se considera o significado convencional do termo, pois na maioria dos casos não se paga integralmente o valor do imóvel e as negociações não são típicas de mercado. O próximo componente a ser verificado para confirmação da existência ou não de um modelo de negócios é a constelação de valor, que inclui as redes interna e externa, fornecedores, produção e distribuição. A pesquisa documental apresenta uma cadeia completa, que começa com o nível estratégico, responsável pela definição das regras do PMCMV, e vai até o operacional, em que as unidades habitacionais são entregues às famílias. No meio disso, estão as empresas da construção civil, o Poder Público, as instituições financeiras (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). A seguir, o papel de cada ator, expresso na legislação: 120 Ministério das Cidades: estabelecer regras e condições, definir padrão das moradias, fixar a remuneração das instituições, estabelecer critérios de seleção dos beneficiários ... Instituições financeiras oficiais federais: atuar como agentes executores; adquirir as unidades habitacionais em nome do FAR; analisar viabilidade técnica e jurídica dos projetos; contratar a execução das obras e serviços; alienar e ceder os imóveis aos beneficiários. Poder Público local (Distrito Federal, UF, municípios): executar a seleção dos beneficiários; executar o Trabalho Social; instalar/ampliar equipamentos e serviços públicos; facilitar a execução dos projetos. Construtoras: apresentar projetos de empreendimentos; executar os projetos contratados; guardar os imóveis por 60 dias após a conclusão das unidades. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22) A União também tem papel importante nessa rede. Cabe a ela: Integralizar cotas do FAR (prover recursos para os subsídios); realizar oferta pública para empreendimentos em municípios com menos de 50 mil habitantes; participar do FGHab – Fundo Garantidor da Habitação; conceder subvenção diretamente aos contratos e subsídios para equilíbrio financeiro da operação (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). Fica instituído o Comitê de Acompanhamento do Programa Minha Casa, Minha Vida - CAPMCMV, com a finalidade de acompanhar e avaliar as atividades do Programa. § 1o O CAPMCMV será integrado por um representante titular e um suplente dos seguintes órgãos: I - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável pela sua coordenação e por oferecer os meios necessários ao seu funcionamento; II - Casa Civil da Presidência da República; III - Ministério das Cidades; e IV - Ministério da Fazenda. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). Quanto aos entrevistados, alguns parecem um pouco confusos com relação ao papel de cada ator da cadeia, demonstrando maior conhecimento das atividades em que estão diretamente envolvidos. Os entrevistados do nível estratégico possuem uma compreensão mais ampla de toda a cadeia. Internamente, a instituição objeto desta análise mantém uma estrutura completa para trabalhar o PMCMV. Há órgãos que estão localizados no edifício sede da empresa, em Brasília – Superintendências Nacionais. Espalhadas pelo 121 país, a FINANX possui Gerências Regionais de Habitação, que concentram as atividades de engenharia e Superintendências Regionais de Negócios, que realizam a contratação (OBSERVAÇÃO DIRETA). O Ministério é o gestor, (...) Hoje o próprio balanço está conosco ainda, ou seja, a [FINANX] atua muito afinada com o Ministério e até se confundem em determinados momentos, mas o Ministério é o gestor (...). Aqui na [FINANX] nós temos a nossa área que é a [Superintendência Nacional do PMCMV] que coordena a faixas i, ii, iii, nós temos a [outra Superintendência Nacional] que cuida dos movimentos sociais, entidades de habitação rural e urbanas e nós temos também a [terceira Superintendência Nacional] que é a gestora do FAR. (...) daí nós interagimos com todas as áreas. Interagimos com as [Gerências Regionais de Habitação], que é a parte de engenharia, interagimos com as Superintendências Regionais na parte de contratação, interagimos com todas as vicespresidências que tem referência a isso. (E3) Nós, para executar, contratamos as construtoras que atuam lá. Nós também diretamente interagimos com os municípios que é quem muitas vezes doa as áreas, (...) atua como processos de facilitação muito grande em termos de isentar impostos, de IPTU, enfim... e outras vezes ele atua como mero espectador, porque a própria empresa já prospecta uma área(...) O papel de indicar as pessoas que vão residir nesses imóveis é do município, ele que faz o processo de escolha, seleção, baseado nos critérios que ele aprovou lá na cidade.(E3) Por meio da observação direta, o pesquisador identificou que cada Superintendência Regional possui um Gerente Regional responsável pela área de Construção Civil, sendo que uma de suas principais atividades é realizar negociações com as construtoras e operacionalizar, com sua equipe, os contratos que darão origem aos empreendimentos do PMCMV. O trabalho desse Gerente Regional é feito em conjunto com a já citada Gerência Regional de Habitação, sendo essa uma área técnica, composta essencialmente por engenheiros. Há uma Gerência específica para tratar dos empreendimentos da Faixa i, localizada nas capitais estaduais. O pesquisador identificou, ainda, que as agências da FINANX atuam diretamente na concessão de financiamentos nas modalidades Faixas ii e iii. Em tais casos, o cliente não passa pelo Poder Público local, contratando diretamente com a instituição financeira e o vendedor/construtor do imóvel. A atividade das agências bancárias no Faixa i é 122 muito menor, sendo quase todo o trabalho executado pelas Superintendências Regionais, Gerência Regional de Habitação, Gerência Regional de Alienação (centralizada na capital dos Estados) e Poder Público (OBSERVAÇÃO DIRETA). Outros atores citados nas entrevistas são: Correspondentes Bancários (O1) Departamento jurídico, entidades organizadoras, cooperativas, sindicatos (O2) Movimentos sociais (E2). O entrevistado C4, prefeito de uma cidade com aproximadamente 220 mil habitantes, enxerga o papel do Município como um “facilitador”. Ele afirma que criou um Decreto apelidado “fura-fila”, para que os projetos do PMCMV tenham atendimento prioritário em todos os protocolos da Prefeitura. Além disso, foi promovida isenção fiscal do ISS – Imposto Sobre Serviços (C4). A confirmação da existência de uma Constelação de Valor no PMCMV – envolvendo desde o Ministério das Cidades (gestor do programa), a FINANX com suas diversas áreas internas e parceiros externos – fecha o conjunto de elementos, permitindo a conclusão de que o PMCMV possui um modelo de negócios. Há, porém, que se fazer importante destaque com relação ao públicoalvo. A conclusão possível pela análise dos dados é de que o público do PMCMV não é composto por “clientes de um produto”, mas sim por “beneficiários de um programa social”. O tratamento legal, a percepção dos entrevistados, a forma de seleção dos clientes, a incompatibilidade entre o crédito tomado e as prestações pagas – especialmente na Faixa i – demonstram não existir uma relação convencional de empresa / cliente no mercado do PMCMV. As famílias que contratam nas Faixas ii e iii do PMCMV estão mais próximas de clientes do que beneficiários, uma vez que nesses produtos há livre escolha entre o comprador e o vendedor/construtor do imóvel. Ainda assim, na Faixa ii pode-se dizer que existe um tratamento especial, com subvenção direta para reduzir o valor do imóvel para o comprador e taxas de juros reduzidas. A subvenção pública é que permite a existência do negócio, o que conduz à 123 conclusão de que esse público também não é formado por clientes, pelo menos não no significado convencional do termo. Encerra-se o presente capítulo com um resumo dos produtos e públicoalvo do PMCMV (QUADRO 10) e síntese das conclusões da segunda categoria analítica (QUADRO 11). Finalizado o estudo de seu modelo de negócios, iniciarse-á a análise da dupla modalidade de lucro oriundo do PMCMV, considerandose os resultados financeiros e sociais. QUADRO 10 Produtos e Público-alvo do PMCMV Produto Características Público-alvo Faixa i Subvenção concedida nas prestações do financiamento. Paga-se prestação de 5% da renda. Não há avaliação de capacidade de pagamento. Não há financiamento. Selecionados pelo Poder Público. Famílias com renda de R$0,00 a R$ 1.600,00, que não tenham imóvel próprio nem tenham sido beneficiárias de outros programas habitacionais Faixa ii Financiamento com avaliação de capacidade de pagamento. Subsídio direto para pagamento de parte do imóvel, redução das prestações e indireto para redução da taxa de juros. FGhab. Contratam livremente com os bancos e os vendedores dos imóveis. Famílias com renda de até R$3.275,00. O direito é concedido uma única vez por beneficiário e por imóvel Faixa iii Financiamento com avaliação Famílias com renda de até de capacidade de pagamento. R$5.400,00 FGhab e juros baixos. Contratam livremente com os bancos e os vendedores dos imóveis. Fonte: elaborado pelo autor 124 QUADRO 11 Principais conclusões da Categoria Analítica 2 Proposta de Valor Público-alvo Constelação de valor PNHU e PNHR Linha de financiamento (FGTS) e Linha de repasse de recursos públicos (FAR) Novos mercados Definido por lei Dividido em 3 faixas de renda Faixa i: beneficiários de programa social Rede interna: Superintendências Nacionais e Regionais, agências, departamento jurídico, correspondentes... Produtos inovadores e Faixas ii e iii: mais próximos de Rede externa: União, desenhados para o público- clientes Ministério das Cidades, Poder alvo Público Local, Construtoras... Fonte: elaborado pelo autor 5.3 Categoria de Análise 3: Equação de lucro financeiro e equação de lucro social A terceira categoria de análise objetivou identificar características do PMCMV relativas a resultados, a fim de confrontá-las com o modelo de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010) e adaptado pelo pesquisador com base em outros autores. Negócios sociais atuam sob a lógica de negócios convencionais (BORNSTEIN & DAVIS, 2010). Para Yunus et al. (2010), devem ser autosustentáveis financeiramente e garantir o retorno do investimento. O modelo desses autores prevê aportes financeiros apenas no início, pois a operação deve se tornar rentável. A necessidade de obtenção permanente de recursos por doadores ou investidores inviabiliza a perpetuação do negócio. Yunus et al. (2010) incluem, em sua construção teórica do modelo, os resultados sociais, além dos financeiros. Conforme já visto no Referencial Teórico deste trabalho, o propósito principal de um negócio social é o retorno social, a melhoria de vida dos pobres (YUNUS et al., 2010; POLAK & WARWICK, 2013). Nove questionamentos do Protocolo de Estudo de caso orientaram a análise da terceira categoria. Tratando dos aportes de recursos públicos, identificaram-se os seguintes aportes iniciais: 125 Art. 4º Fica a União autorizada a conceder subvenção econômica no âmbito do PNHU até o montante de R$ 2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais). (...) Art. 11. Fica a União autorizada a conceder subvenção econômica no âmbito do PNHR até o montante de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais). (...) Art. 17. Fica a União autorizada a transferir recursos para o Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, até o limite de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), e para o Fundo de Desenvolvimento Social - FDS, até o limite de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais). Art. 18. Fica a União autorizada a participar, até o limite de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), de Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHab. (...) Art. 31. Fica a União autorizada a conceder subvenção econômica ao BNDES, sob a modalidade de equalização de taxas de juros e outros encargos financeiros, especificamente nas operações de financiamento de linha especial para infraestrutura em projetos de habitação popular. § 1º O volume de recursos utilizado para a linha de que dispõe o caput deste artigo não pode superar R$ 5.000.000.000,00 (cinco bilhões de reais). Além da destinação inicial de recursos, identificou-se que há contribuição constante, durante toda a execução do PMCMV. A cada contratação, existe aporte de recursos do FAR ou FGTS. O documento 39 demonstra que os principais fundings (origens) dos recursos são o FGTS e a União. Entrevista documentada sob o número 33 prevê que o investimento total para o período compreendido entre 2009 e dezembro de 2014 será de R$234 bilhões (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 33). Art. 2º Para a execução do PMCMV, a União, observada a disponibilidade orçamentária e financeira: I - concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional; II - participará do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, mediante integralização de cotas e transferirá recursos ao Fundo de Desenvolvimento Social – FDS (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). Os subsídios variam em natureza, finalidade e origem, conforme se trate do produto Faixa i ou Faixas ii e iii do PMCMV. Exige-se que os destinatários de 126 tais recursos não tenham recebido anteriormente benefícios públicos para habitação. I - a subvenção econômica será concedida nas prestações do financiamento, ao longo de cento e vinte meses; II - a quitação antecipada do financiamento implicará o pagamento do valor da dívida contratual do imóvel, sem a subvenção econômica conferida na forma deste artigo; (...) É vedada a concessão de subvenções econômicas lastreadas nos recursos do FAR ou FDS a beneficiário que tenha recebido benefício de natureza habitacional oriundo de recursos orçamentários da União, do FAR, do FDS ou de descontos habitacionais concedidos com recursos do FGTS (...). (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). A concessão de subvenção econômica, nas operações de que trata o inciso III do caput do art. 2º, beneficiará famílias com renda bruta mensal limitada a R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). Art. 6o A subvenção econômica de que trata o inciso I do art. 2o será concedida no ato da contratação da operação de financiamento, com o objetivo de: I - facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel residencial; ou II – complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamento (...) § 1º A subvenção econômica de que trata o caput será concedida exclusivamente a mutuários com renda familiar mensal de até R$ 2.790,00 (...) [posteriormente atualizada para R$ 3.275,00] (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) Ponto interessante a se observar é que, no caso do Faixa i, a subvenção pode atingir quase a totalidade do valor do imóvel. Considere-se, por exemplo, um imóvel destinado ao PMCMV, Faixa i, na Capital do Estado de Minas Gerais, cujo valor máximo é de R$ 65.000,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22). Famílias que ganham R$ 1.000,00 pagarão 120 prestações de no máximo 5% da renda (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14), ou seja, R$ 50,00. Ao fim do período, os pagamentos totalizarão R$ 6.000,00, ficando o restante a cargo da subvenção. A prestação mínima definida pela legislação é R$ 25,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14) 127 Considerando-se famílias ainda mais pobres e até mesmo aquelas que não possuem renda alguma, o custo final será de R$3.000,00 para o imóvel de R$65.000,00, visto que a prestação mínima é de R$ 25,00. Os produtos das faixas ii e iii – operações de financiamento – também recebem aportes de recursos constantes. Art. 26. Os descontos a serem concedidos nos financiamentos a pessoas físicas destinam-se à redução no valor das prestações ou ao pagamento de parte da aquisição ou construção do imóvel. Art. 27. Serão beneficiárias de descontos as pessoas físicas com renda familiar mensal limitada a R$ 3.275,00 (três mil, duzentos e setenta e cinco reais) (...) Art. 28. Os descontos serão calculados e concedidos observadas as seguintes diretrizes, sem prejuízo daquelas específicas dos programas de aplicação a que se vinculem os respectivos contratos de financiamento: II - incentivo à produção ou à aquisição de imóveis novos, passíveis de enquadramento no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) (...) IV - concessão, uma única vez a cada beneficiário, excetuados os casos de financiamentos anteriores destinados, exclusivamente, à aquisição de material de construção, cabendo aos Agentes Financeiros alimentar cadastro que permita tal controle, na forma regulamentada pelo Agente Operador; V - acesso à moradia adequada para os segmentos populacionais de menor renda; VI - aplicação dos recursos onerosos destinados ao financiamento habitacional, por intermédio do desconto para fins de redução da prestação. Art. 29. O desconto para fins de redução no valor das prestações é representado pela cobertura da remuneração dos Agentes Financeiros, equivalente ao somatório dos valores a seguir discriminados, e será limitado a 75% (setenta e cinco por cento) do valor do saldo devedor inicial da operação de financiamento ou R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) por contrato de financiamento. (...) § 1º O diferencial de juros (...), será coberto pelo FGTS nas seguintes condições: I - integralmente, (...) a pessoas físicas com renda familiar mensal limitada a R$ 2.455,00; e II - limitado a 1,16% (...) a pessoas físicas com renda familiar mensal situada no intervalo compreendido entre R$ 2.455,01 e R$ 3.275,00 (...) Art. 30. O desconto para fins de pagamento de parte da aquisição ou construção do imóvel será calculado e concedido (...) observados, no mínimo, os seguintes parâmetros: I - valor individual limitado a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); 128 II - renda do beneficiário, de forma inversamente proporcional ao desconto a ser concedido, garantindo-se o maior valor de desconto de que trata o inciso I a famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais); III - localização do imóvel (...); e IV - modalidade operacional do Programa de Aplicação a que esteja vinculado o contrato de financiamento (...). (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24). PMCMV – TOTAL – 30/06/2014 Subsídios OGU: R$ 83.535.219.519,00 Subsídios FGTS: R$ 22.848.336.230,00 Financiamentos FGTS: R$ 112.153.857.247,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39). A finalidade das subvenções aplicadas pelo FAR e pelo FGTS encontra fundamento na legislação criadora do PMCMV: 5º A subvenção econômica de que trata o art. 4º será concedida (...)com o objetivo de complementar: a) a capacidade financeira do proponente para pagamento do preço do imóvel residencial; b) o valor necessário a assegurar o equilíbrio econômicofinanceiro das operações de financiamento realizadas pelas instituições financeiras ou agentes financeiros do Sistema Financeiro da Habitação (...). Neste ponto da pesquisa, as entrevistas não trouxeram contribuições comparáveis à pesquisa documental. Todos os entrevistados possuem noção de que existe aporte de recursos públicos ao longo do PMCMV, porém a maioria não pôde especificar a natureza, origem e volumes. Neste ponto, a contribuição mais valiosa veio de um entrevistado do nível estratégico: O faixa ii você tem o custo do funding, a taxa de juros que o cliente paga mas, como a taxa de juros em alguns casos é similar ao custo do funding, aí você tem aquilo que se chama subsídio de equilíbrio. É um subsídio (...), que permite à operação ser adequada para a instituição financeira mesmo que a taxa de juros ativa e passiva seja a mesma. Então entra o subsídio. Ou seja, o cliente paga 6%, mas o banco recebe 7,16% por exemplo. Esse 1,16% é o tal do subsídiocomplemento. No faixa iii, o seu ganho é exatamente a diferença do spread. O custo do seu funding do FGTS e a taxa que o cliente paga. (E2) 129 Para o entrevistado O1, existe colocação de dinheiro público no Faixa i, embora não soubesse determinar valores e condições. Coloca [recursos públicos]. (...) a Faixa I é recurso do FAR, é recurso do OGU. Mesmo a faixa ii, onde tem subsídio do FGTS, depende muito da entrada de recursos, que não é público, que é do FGTS pra o subsídio. Mas faixa i é subsídio explícito, ele não é financiamento. (O1) Então, vamos nos ater aqui àquilo que não tem retorno, que é o subsídio (...). Olha, ele hoje não é pequeno. Para aquelas pessoas que fazem o financiamento no faixa ii e faixa iii, esse subsídio chega aí entre 8 e 9 bilhões de reais por ano. (...) Pro outro, ele chega às vezes a 20 bilhões em cada um desses anos, que é pras pessoas de baixo poder aquisitivo. (E2) QUADRO 12 Recursos do PMCMV – até 30/06/2014 Objetivo Funding Valor concedido Público Subsídio para aquisição de imóveis Orçamento da União R$ 76,82 bilhões Faixa i (renda até R$1.600,00 e rural) Subsídio para aquisição de imóveis Orçamento da União R$ 6,71 bilhões Faixa ii (renda até R$3.275,00) Desconto para pagamento de parte do imóvel / Equilíbrio financeiro dos contratos FGTS R$ 22,85 bilhões Faixa ii Financiamentos FGTS R$ 112,1 bilhões Faixas ii e iii (até R$5.400,00) Fonte: elaborado pelo autor, com base no documento 39 Procurou-se investigar se eventual retirada dos subsídios comprometeria o andamento do PMCMV. O modelo de negócios sociais de Yunus (2010) e Yunus et al. (2010) prevê que o empreendimento não receba aportes durante logo período, devendo ele próprio se pagar. Conforme simulação realizada por meio da tabela SAC – Sistema de Amortização Constante -, o financiamento de um imóvel de R$ 60 mil em 120 meses (característico do Faixa i do PMCMV), com taxa de juros equivalente à poupança, custaria mensalmente R$792,05 se não houvesse os subsídios (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 49). 130 Considerando que a capacidade máxima de pagamento é de 30% da renda mensal, apenas famílias com renda de no mínimo R$2.640,00 seriam aprovadas para tal financiamento. Se 46% das contratações foram feitas para famílias com renda de até R$1.600,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39), pode-se entender que a exclusão das subvenções comprometeria a existência do PMCMV, pelo menos na proporção que já alcançara até 30/06/2014. Os entrevistados do nível estratégico da FINANX concordam que o fim do subsídio significaria o encerramento do PMCMV. Se não houvesse esse programa e o subsídio, não existiria essa operação, então não existiria esse mercado. (E2) Não [existiria mais o programa] porque a grande maioria, vamos dizer do Faixa i... oitenta por cento deles tem renda até oitocentos reais. Oitocentos reais você vai conseguir, se tu colocar a capacidade de pagamento, o cara pagaria R$ 200,00/R$ 250,00 de prestação. Com R$ 250,00 ele conseguia pegar aí, vamos dizer... um financiamento R$ 20.000,00. Não compra nada, né? (E3) Para os integrantes da constelação de valor, não parece tão claro que o PMCMV seria interrompido com o fim dos subsídios. Eu acho que ia ser um baque na construção de baixa renda. Se terminasse de uma hora pra outra, seria um baque na construção de baixa renda. Principalmente nessa que a gente atua. Eu acho que o subsídio... to dizendo to Faixa ii, Faixa i não. Faixa i você tem espaço pra diminuir subsídio. Porque hoje ele chega a 95%. É exagerado. Uma pessoa pagar aí 25,00 por mês numa casa. A pessoa pode pagar 100,00 fácil, fácil numa casa. Passar a dar valor aí. Ter um tratamento diferenciado aí. Então, ele é exagerado (C3). Outros entrevistados entendem que o PMCMV não existiria na mesma proporção atual. Não na mesma proporção. Sem dúvida nenhuma não. (...) Sem dúvida nenhuma, muito menor. Porque é... Uma vez vi uma pesquisa das Casas Bahia, que a cada R$ 10,00 que ela sobe na prestação de um produto, ela exclui um milhão de consumidores, então a prestação de casa é mais ou menos assim. (...) você vai subir R$ 100,00 numa prestação, o cara não consegue. Tem famílias que por causa de R$ 30,00, são excluídas do programa. (C1) 131 Ele seria possível, mas teria um escopo muito menor, teria uma abrangência muito menor. Atingiria uma clientela bem menor. (C2) Com isso, conclui-se que o PMCMV recebeu aportes iniciais da União, por meio do FAR. Identificou-se que o Programa necessita de investimentos constantes. Cada contrato realizado prevê incentivos financeiros oriundos do FAR e do FGTS, com as seguintes finalidades: pagamento de parte do valor do imóvel; redução da taxa de juros; equilíbrio financeiro da operação; subvenção para contratos da Faixa i. Conclui-se, adicionalmente, que eventual retirada dos subsídios inviabilizaria o PMCMV em sua forma atual, uma vez que 49% do total de recursos aportados é de subvenções que não preveem retorno. Ademais, a modalidade Faixa i, que significa aproximadamente metade das entregas do PMCMV, é mantida quase que totalmente por subsídios, com previsão de retorno muito inferior ao valor do investimento. A maior parte dos negócios da faixa ii também não seria viável sem os subsídios. Questão fundamental para a pesquisa é a auto-sustentabilidade do modelo de negócios. Não foi encontrada nos documentos qualquer previsão de retorno dos subsídios aos cofres da União ou do FGTS, exceto nos casos de quitação antecipada dos contratos. A quitação antecipada do financiamento implicará o pagamento do valor da dívida contratual do imóvel, sem a subvenção econômica conferida na forma deste artigo (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28). Os entrevistados, inclusive do mais alto nível da estratégia do PMCMV, confirmam não haver expectativa de retorno integral do investimento. Na realidade, você tem uma boa parte do PMCMV que é subsídio e tem uma outra parte que as pessoas pagam, que é financiamento normal. Então, vamos nos ater aqui àquilo que não tem retorno, que é o subsídio que tá colocado no PMCMV. (...)Então, eu estou falando de alguma coisa entre 20 e 30 bilhões de reais por ano de subsídio. De dinheiro que foi e que não tem a necessidade de retornar. (E2) 132 Sobre o questionamento a respeito de eventual previsão de recuperação do investimento público: “O subsídio não. Subsídio não”. (E3). O que se recebe de volta no Faixa i são as prestações, que não são suficientes para cobrir os aportes públicos. Se você pegar, a grande maioria é R$ 25,00. Vinte e cinco reais vezes 120 meses dá R$ 3.000,00. Ele vai devolver ao longo dos 10 anos, três mil reais e ele recebe um imóvel de R$ 65.000,00, ou seja, em torno de 96% do valor do imóvel é subsidiado. (E3) O PMCMV FAR, não vai voltar o valor todo, porque se a pessoa paga uma prestação simbólica de R$80,00 (...), então retorna até 15% do investimento. Já os recursos do FGTS, os recursos do subsídio, não é retornado. O que é retornado é o recurso do FGTS que é emprestado na forma de financiamento. (O2) Há uma aparente confusão para alguns entrevistados com relação às subvenções concedidas na modalidade Faixa ii. Tanto o entrevistado T1 quanto O1 acreditam que os subsídios concedidos pelo FGTS serão pagos ao longo das prestações. Tal afirmação, porém, é contestada pelo entrevistado E1. [subsídio FGTS] Tem retorno, exatamente. Inclusive o subsídio. (T1) [subsídio FGTS] Ele sim. Inclusive, o subsídio que o FGTS dá, o cálculo matemático pela taxa de juros ele retorna ao longo do financiamento. (O1) Não [há retorno]. Você tem 2 situações. O FGTS... ele tem, do financiamento propriamente dito, ele tem um retorno normal, né? Mas ele pode, aquele subsídio do faixa ii, especialmente do faixa ii, que hoje pode chegar a 25 mil, uma parte dele, alguma coisa em torno de quatro quintos, aproximadamente, é do FGTS e um quinto é do tesouro, do OGU. Aquela faixa i, 100% é do OGU (E1). Considera-se, com base nas análises acima, que o PMCMV não é autosustentável, uma vez que as subvenções da União e do FGTS não são retornadas aos cofres de origem. A condição negativa de auto-sustentabilidade é consolidada pela constância dos investimentos, sem os quais o PMCMV possivelmente não existiria. 133 O questionamento a respeito da obtenção de receitas pela FINANX em virtude da operação do PMCMV resultou em respostas afirmativas. Sob o ponto de vista da FINANX, há fontes de receita através da execução do PMCMV, tanto pela diferença entre o custo de captação e os juros cobrados dos tomadores de crédito quanto por meio de tarifas. Como o custo da captação dos recursos junto ao FGTS é próximo das taxas de juros cobradas nos contratos de financiamento das Faixas ii e iii, estabeleceu-se o subsídio indireto (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24), que aumenta a rentabilidade da operação, tornando-a interessante para a FINANX. Art. 32. Nas operações de empréstimo vinculadas aos recursos alocados à área orçamentária de Habitação Popular, a taxa nominal de juros é fixada em 6% (seis por cento) ao ano, excetuados (...) casos, onde será aplicada a taxa nominal de 5% (cinco por cento) ao ano. (...) Art. 37. O diferencial de juros será cobrado acrescido às taxas nominais, (...) nos seguintes valores: I - até 2,16% ao ano, nas operações de financiamento com pessoas físicas, excetuadas aquelas que contemplem famílias com renda bruta mensal situada no intervalo de R$ 3.275,01 a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), inclusive, cujo diferencial de juros fica limitado a 1,16% (um inteiro e dezesseis décimos por cento) ano; (...) Art. 38. Exclusivamente nas operações com pessoas físicas, será cobrado valor máximo de R$ 25,00 referente à taxa de administração. - taxa de administração, de que trata o art. 38, paga à vista, descontada à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC). Art. 39. A título de taxa de acompanhamento da operação, nas operações de financiamentos a pessoas físicas, ficam os Agentes Financeiros autorizados a cobrar valor correspondente até 1,5% (um e meio por cento) do valor do financiamento (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24) As operações na Faixa i não são feitas com financiamento. Não há, portanto, spread bancário. As atividades das instituições financeiras são remuneradas pelo FAR. O termo encontrado na legislação é “cobertura de custos”. Estão previstas as seguintes receitas: Análise e contratação do projeto e acompanhamento de obra: R$16,09 por operação com beneficiário final, mensalmente por até 18 meses; 134 Originação do contrato: R$197,06 por alienação da unidade habitacional; Administração e cobrança: R$15,63 mensais por até 120 meses, por operação. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 20). Art. 5º A [FINANX] receberá, mensalmente, a título de remuneração pelas atividades de gestão operacional, importância correspondente a 0,5% (cinco décimos por cento) de cada parcela das subvenções repassadas. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 21). Embora nem todos saibam citar exatamente em que atividades a instituição é remunerada, os entrevistados compreendem que, no Faixa i, existe pagamento por parte do FAR e, no Faixa ii, existe o ganho na diferença entre o custo de captação e a receita com o financiamento – spread – , além do subsídio indireto, para equilíbrio econômico-financeiro: No CCFGTS eu já tinha visto [remuneração], no FAR provavelmente também tem, porque a [FINANX] tem um custo com esse produto e não é justo que assuma a operacionalização sem ser remunerada. (O2) Eu entendo que é inviável se não tiver uma remuneração por contrato. Nós temos custo de manutenção do contrato. Então deve existir ... não sei te precisar o que está sendo pago como tarifa. (O1) Nós recebemos um valor definido (...), então para cada contrato no ato da contratação eu recebo uma remuneração por isso e recebo também uma tarifa de acompanhamento de obra (...), acompanhamento e a entrega. Existem tarifas definidas para cada uma dessas modalidades (...). (E3) No faixa ii e faixa iii existem assim: nós estamos concedendo um financiamento, então da parte do financiamento eu recebo a remuneração como qualquer outro financiamento, a taxa de juros. A diferença é o spread que eu recebo do custo. E também eu recebo um complemento de subsídio, um valor justamente pelo diferencial da taxa de juros. (E3) Você tem uma tarifa, no caso da faixa i, pela prestação do serviço, porque aí você não tem spread (...). Você tem uma receita de prestação de serviços, que ela é adequada pra cobertura dos custos. (...) E você tem, nas outras operações, faixas ii e iii, você tem spread normal. Você tem uma operação de financiamento, onde você tem o custo do funding que é do FGTS, você tem a taxa de juros que o cliente paga e você tem... (...) O faixa ii você tem o custo do funding, a taxa de juros que o 135 cliente paga mas, como a taxa de juros em alguns casos é similar ao custo do funding, aí você tem aquilo que se chama subsídio de equilíbrio. É um subsídio que é dado, que permite à operação ser adequada pra instituição financeira mesmo que a taxa de juros ativa e passiva seja a mesma. Então entra o subsídio. Ou seja, o cliente paga 6%, mas o banco recebe 7,16% por exemplo. Esse 1,16% é o tal do subsídio-complemento. (E2) O entrevistado E3 entende que as receitas auferidas pela FINANX não são relevantes. A instituição não tem lucro expressivo com esse negócio (E3). Acho que tanto a [FINANX] quanto [outro banco] se posicionam comercialmente , nada de diferente porque do outro lado é o governo. Ela põe o preço dela. As precificações dela são extremamente detalhadas, de rede... e tudo que ela vai gastar, é tudo bem pormenorizado. (E1) Para os entrevistados, a instituição financeira captura valor indiretamente, ao passar a atender um mercado ao qual não teria acesso se não fosse executora do PMCMV: [nas faixas ii e iii] traz uma possibilidade de, a partir da contratação do financiamento do PMCMV, de um relacionamento bancário bastante proveitoso pra todo mundo. (...) pro banco também, que pega um cliente que está numa curva de ascensão social e vai conviver com ele por 20, 30 anos e num relacionamento que vai além do financiamento habitacional, com outros produtos bancários... uma conta, outros produtos que essas pessoas passam a consumir de uma maneira mais natural. (E2) Você faz outros negócios com esses clientes ao longo dos anos, como qualquer outro, então isso é favorável...(...) Você acaba atraindo um público que, naturalmente ele não viria (E3). Pela observação direta, o pesquisador identificou que a beneficiária P1 não possui outros produtos contratados com a FINANX, além do contrato do PMCMV e de uma caderneta de poupança anterior. A beneficiária P2, que também é da faixa i, tomou crédito junto à FINANX para comprar material de construção e construir o muro e a varanda da casa. Pra faixa ii (...) você ganha com esse cliente. Ele tem potencial pra vários produtos. Você pensa bem, uma família com 5 mil de renda, nos interessa muito. Você pode desenvolver um IC – índice de comercialização – de 4 ou 5 [produtos] (O1) 136 (...) tem objetivos comerciais também, que ela atinge quando fideliza esses clientes que nos procuram, transformando esses clientes em clientes. (O2) Constatou-se, pelo depoimento de vários dos entrevistados, a comercialização de outros produtos pela FINANX para os usuários do PMCMV. Entendeu-se, pela análise da questão relativa às receitas, que o PMCMV não possui rentabilidade própria, mas gera receitas diretas e indiretas para as instituições operadoras: subsídio para equilíbrio financeiro dos contratos, tarifas por serviços prestados, acréscimo da base de clientes e outros. A destinação de eventual lucro financeiro num empreendimento constitui elemento importante para o estudo dos negócios sociais. Porém, tanto a análise documental quanto as entrevistas não apresentaram dados suficientes para confirmar de que forma seria utilizado o lucro, se existente, das operações do PMCMV. Os dados até aqui apresentados, comprovando que não se espera retorno dos recursos aportados, conduzem ao entendimento de que o PMCMV, por si só, não prevê dividendos. Entretanto, parece possível afirmar que a FINANX pode lucrar com a execução. As referências à destinação de eventual lucro da empresa são as seguintes: Após a absorção de eventuais prejuízos acumulados e deduzida a provisão para imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, o Conselho de Administração fixará a destinação dos resultados, observados os limites e as condições exigidos por lei, a saber: I - cinco por cento para constituição da reserva legal, destinada a assegurar a integridade do capital, até que ela alcance vinte por cento do capital social; II - reservas de lucros a realizar; III - reservas para contingências; IV - reserva de incentivos fiscais; V - vinte e cinco por cento, no mínimo, do lucro líquido ajustado, para o pagamento de dividendos e de juros sobre capital próprio; VI - reserva de retenção de lucros; e VII - reservas estatutárias, assim consideradas: (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 02). Autor: Esse resultado financeiro, quando ele acontece, essa diferença no spred ou essa remuneração pelo serviço prestado, (...), ele não tem balanço separado não? E3: Não. 137 Autor: Ele entra no lucro da [FINANX] normal? E3: Isso. Portanto, eventuais lucros obtidos pela FINANX não seriam obrigatoriamente reinvestidos no próprio PMCMV. Assim, entendeu-se que a questão, enfrentada pelas múltiplas fontes de evidência, não obteve respostas conclusivas, tendendo a parecer que eventual lucro financeiro não seria necessariamente aplicado novamente no PMCMV. Yunus et al. (2010) afirma que os negócios clássicos e os sociais fazem uso de três estratégias comuns: desafiar sabedoria estabelecida, firmar parcerias, experimentação. Duas outras estratégias seriam específicas dos negócios sociais: possuir acionistas orientados para o lucro social e formalmente buscar resultados sociais. Passa-se, agora, a examinar a questão relativa à equação de lucro social. O déficit habitacional, conforme anteriormente tratado no Referencial Teórico, envolve as habitações precárias, coabitação familiar, excedente de aluguel e adensamento excessivo.6 No Brasil, segundo a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, o déficit habitacional foi mitigado em 6,23% entre os anos de 2007 e 2012. No mesmo período, a quantidade de domicílios progrediu 12,66%. Entende-se, assim, que a redução do déficit é dificultada pelo aumento da demanda habitacional (TAB 1). Interessante notar que a proporção déficit/número de domicílios regrediu de 10,0% para 8,53%, uma queda de 14,70% entre 2007 e 2012. Considerando déficit/número de domicílios, a queda é bem maior que a do próprio déficit nominal, que foi de 6,23% no mesmo período (TAB 1). 6 Ver conceito de déficit habitacional na Introdução deste trabalho 138 TABELA 1 Déficit Habitacional no Brasil – 2007 a 2012 2007 2008 2009 2011 2012 Número domicílios 55.918.038 57.709.161 58.684.603 61.470.054 62.996.532 Déficit habitacional 5.593.191 5.191.565 5.703.003 5.409.210 5.244.525 10,00% 9,00% 9,72% 8,80% 8,53% Estimativas relativas Déficit / domicílios Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D46 O trabalho desenvolvido demonstra que o crescimento da Demanda Habitacional é influenciado por fatores demográficos. A concentração populacional nos grandes centros urbanos, a redução do número de integrantes das famílias e o envelhecimento da população são fenômenos que têm ampliado a necessidade de moradias. (...) As transformações sociais ocorridas ao longo do tempo ocasionaram mudanças no tamanho das famílias e na quantidade de habitantes por domicílio. Na década de 70, a média de habitantes por domicílio equivalia a 5,28. Mantido este padrão, seriam necessários 36.324 mil domicílios para uma população de 191.795 mil em 2009. Considerando os 58.646 mil domicílios apropriados na PNAD 2009, haveria um saldo de 22.321mil que atenderia à Demanda Habitacional de 9.297 mil e restaria um superávit de 13.024 unidades habitacionais. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 10). Até 30/06/2014 havia sido contratado o total de 3.499.640 novas unidades habitacionais pelo PMCMV (85,75% desse total foi contratado pela FINANX). Dessas, 2.009.768 unidades já estavam com a construção concluída e 1.749.573 já haviam sido entregues, conforme verifica-se na TAB 2. 139 TABELA 2 Total Unidades Habitacionais PMCMV (até 30/06/2014) Contratadas Entregues Total PMCMV 3.499.640 1.749.573 Faixa i 1.619.400 552.644 Faixa ii 1.441.404 1.040.570 Faixa iii 438.836 156.359 Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D8 TABELA 3 Unidades entregues por Faixa por ano (até 30/06/2014) 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Total Faixa i 67 9.340 113.132 174.803 163.297 92.005 552.644 Faixa ii 66.375 233.875 177.211 202.858 259.884 100.367 1.040.570 Faixa iii 10.506 35.881 16.862 22.459 58.085 12.566 156.359 Total/ano 76.948 279.096 307.205 400.120 481.266 204.938 1.749.573 Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D8 Considerando 1.020 municípios analisados em documento da FINANX, foi contratado 1,2 milhão moradias no Faixa i, até 31/07/2014, valor que representa 41,86% do déficit urbano então apresentado (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 41). Merece atenção o dado demonstrado na TAB 4, onde se percebe que 53,4% das unidades entregues foram para famílias com renda de até R$1.600,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 08). É notável resultado social o fato de que está na região Nordeste a maior quantidade de entregas para as rendas mais baixas, totalizando 450 mil para um déficit habitacional de 1,61 milhões de domicílios (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 46). 140 TABELA 4 Entregas por Perfil de Renda e por Região (PMCMV Faixas i, ii e iii) De R$ 1.600,01 a R$ De R$ 3.100,01 a R$ Até R$ 1.600,00 3.100,00 5.000,00 Total BRASIL 934.344 734.350 80.879 1.749.573 CENTROOESTE 90.839 107.780 9.308 207.927 NORDESTE 326.720 110.772 12.906 450.398 NORTE 63.339 16.938 3.278 83.555 SUDESTE 273.749 289.113 41.307 604.169 SUL 179.697 209.747 14.080 403.524 Região Fonte: Balanço do PMCMV (D8) Outro resultado social identificado é o expressivo aumento da carteira de crédito imobiliário da FINANX, tanto em volume quanto em prazo médio, durante o período do PMCMV e a elevação da média anual de contratações. TABELA 5 Estoque de contratos de crédito imobiliário Estoque Data referência (quantidade de Prazo médio da Estoque (R$) carteira contratos) Novembro/08 2,5 milhões 57,7 bilhões 130 meses Junho/14 4,7 milhões 314,99 bilhões 258 meses Fonte: FINANX (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 41) TABELA 6 Média anual de contratos de financiamentos imobiliários no Brasil Data referência Média anual (quantidade de contratos) 1974 a 2008 238.753 2009 a 2013 1.008.720 Fonte: FINANX (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 25) 141 A linha de crédito “Minha Casa Melhor” pode ser considerada resultado social porque oferece às famílias beneficiárias do PMCMV crédito a baixo custo para aquisição de eletrodomésticos, eletrônicos e móveis. (...)o Governo Federal lançou o Programa Minha Casa Melhor, que financia, com juros subsidiados, a compra de móveis e eletrodomésticos para beneficiários do Minha Casa, Minha Vida. Após receber sua moradia, mais de 428 mil famílias já foram beneficiadas com recursos que somam mais de R$ 2,13 bilhões, garantindo mais conforto e qualidade de vida (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 09). O que é o Programa Minha Casa Melhor? É um Programa que permite que aqueles que conquistaram sua casa própria pelo Programa Minha Casa Minha Vida possam adquirir móveis e eletrodomésticos necessários para seu conforto, bem estar. Quem tem direito de participar? Todos que compraram suas casas pelo Programa Minha Casa Minha Vida e que estejam com as prestações em dia. Quais as condições da linha de financiamento? (...) valor máximo de até R$ 5 mil. (...) O financiamento terá prazo máximo de até 48 meses, com Taxa de Juros única: 5% ao ano. Quais produtos estão disponíveis para compra? Refrigerador R$ 1.090,00 Fogão R$ 599,00 Micro-ondas R$ 350,00 Lavadora de roupa automática R$ 1.100,00 TV Digital R$ 1.400,00 Computador (...) com acesso à internet R$ 1.150,00 Tablet (...) R$ 800,00 Guarda-Roupa R$ 700,00 Cama: R$ 500,00 Cama de solteiro R$ 400,00 Mesa com Cadeiras R$ 400,00 Sofá R$ 600,00 Estante ou rack R$ 350,00 Móveis para cozinha R$ 600,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 52). Os entrevistados, ao serem questionados sobre eventuais lucros sociais alcançados com o PMCMV, ofereceram respostas diversas, que variam de conseqüências visíveis a efeitos relativos ao sentimento dos beneficiários. Melhorias urbanísticas e relativas à educação e saúde foram apontadas pelos entrevistados seguintes: 142 Ordenamento para as cidades: acesso, abastecimento de água, planejamento urbano, escolas, creches. (T1) Melhoria da qualidade do bairro e dos bairros vizinhos (linhas de ônibus, saneamento, água, luz). (O2) Ambiente que proporcione atendimento a todas as necessidades de um ser humano. Influencia novo padrão da cidade (pavimentação, etc.). (E3) Ambiente mais adequado para a família viver. Acesso a água, energia elétrica, serviço de saúde, aquecedor solar. (C2) “Aqui já asfaltou tudo, calçou as linhas de ônibus tudo, esse bairro aqui era tudo barro”. (P1) “A casa foi entregue sem piso. Depois o banco veio aqui e colocou o piso.” (P2) Melhores condições de vida foram citadas pelos entrevistados a seguir: Melhoria da condição de compra das famílias. Inclusão bancária. (O1) Melhoria na alimentação, vestimenta, acesso à internet. (P1) Acesso a serviços que não existiam antes. Capacidade de poupança, consumo, gastos com educação dos filhos. Bancarização. Avanço em relação à convivência social e responsabilidade coletiva. (E2) Resultados do trabalho técnico social: gestão financeira, questões condominiais, ambientais, tratamento do lixo. (E1) Influência na saúde criminalidade. (E3) (água, saneamento). Redução da Aumento na capacidade de investimento das famílias. Qualidade da educação (sobram recursos para aula de inglês, judô...). (C4) Manutenção das crianças por mais tempo na escola, redução da criminalidade e violência social. Ambiente limpo e pavimentado ajuda a reduzir incidência de doenças infantis. Menor adensamento reduz proliferação de doenças. (...) [antes do PMCMV] “moravam assim, três, quatro famílias numa casa de vinte e cinco metros quadrados.” (C2) Durante a visita às famílias, o pesquisador pôde observar demonstrações de elevado orgulho das pessoas por serem proprietárias de um imóvel. Ambas insistiam para mostrar a casa, o quintal, as melhorias realizadas (coberta, área de churrasco). 143 Outros resultados, que são relacionados à sensação das famílias após aquisição da casa própria, foram apontados de maneira enfática pelos entrevistados. Ganho social absurdo. “impacto social violento”. Ajuda a reduzir a pobreza. Dignidade, inclusão social. Ganho social imensurável. Segurança financeira e segurança social. (O1) Dignidade para as famílias. (T1) Tranquilidade. (P2) Resgate de cidadania e dignidade. (O2) A pessoa sai do “patamar de miserabilidade para o patamar de ser proprietário”. (E2) Efeito do patrimônio: “Agora eu tenho um imóvel, eu sou dona”. (E1) Saída do anonimato (a pessoa passa a ter um endereço), cidadania. A pessoa passa “a existir no mundo”. Influência na auto-estima, melhoria da qualidade de vida. (E3) Segurança para as famílias. (C4) Dignidade para as pessoas. (C2) Neste ponto, torna-se indispensável trazer citações das duas famílias beneficiárias entrevistadas, com relação às mudanças ocorridas em sua vida após o PMCMV, que podem ser consideradas resultados sociais. Ao serem questionadas sobre modificações ocorridas em sua vida após adquirir o imóvel, as famílias entrevistadas responderam: Tudo. Sossego. Igual... ele [marido] tem problema de saúde, de coluna. Tinha mês que ele falava que não dava pra fazer pro aluguel. E ficava aquela ‘brigaiada’, aquela ‘cachorrada’. (...) então, foi uma benção. (P1) (...) agora, com uma prestação dessas, a gente até (...) veste melhor, come melhor (...). Questão de vestir, agora eu dou as coisas pra ela [filha], internet ela tem aqui. (P1) Quando eu mudei pra cá, eu comprei meus móveis tudo de novo, eu reformei meus móveis. Porque a casa que eu morava era de madeira e cai muito caruncho, então ele [caruncho] comeu o guarda roupa da minha filha, comeu o meu, e aquilo ali foi me desanimando. (P1) 144 Eu dou conta de fazer mais um churrasquinho final de semana. (...). Vai melhorando a cada dia que passa. (P1) Nós fizemos melhoria, colocamos pia. Se você quiser ir lá fora eu te mostro. (P1) Mudou bastante coisa (...). É uma coisa que, assim... me tranqüiliza muito, que eu coloco minha cabeça no travesseiro e durmo tranqüila, principalmente a questão do meu filho, porque a gente pensa muito em filho. E se eu morrer amanhã, depois, meu filho está seguro. Pelo menos onde morar ele tem. (P2) A gente valoriza muito isso aqui, pelo que eu acabei de te falar, porque se não fosse dessa forma, não teria, e se estivesse morando onde eu morava, o meu aluguel lá já estava R$600,00, então quer dizer, quase metade do meu salário. (P2) A satisfação dos beneficiários, que pode ser considerada resultado social do PMCMV, foi aferida em pesquisa analisada neste trabalho (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 36). Instados a apontar nota de 1 a 10 para quatro itens, as famílias deram nota média de 8,35, como se verifica na TAB 7. TABELA 7 Satisfação das famílias com o PMCMV Critério Nota Custo com prestação 7,9 Aumento de bem estar 8,6 Satisfação com a moradia 8,8 Satisfação com o entorno 8,1 Fonte: elaborado pelo autor, com base no Documento 36 Os Estados da região nordeste do Brasil, onde está o maior déficit habitacional e os mais baixos indicadores sociais, são os que concederam maiores notas. A satisfação média na região foi assim demonstrada: 145 TABELA 8 Satisfação das famílias (Região Nordeste) Critério Nota Maranhão 9,6 Piauí 9,3 Ceará 8,8 Rio Grande do Norte 9,3 Paraíba 9,2 Pernambuco 9,3 Sergipe/Alagoas 9,3 Fonte: elaborado pelo autor, com base no Documento 36 Outros documentos analisados (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 34 e 35) oferecem dados a respeito de resultados do PMCMV. Embora não tratem especificamente do Programa, tais documentos se referem à relação entre o “capital residencial e a qualidade de vida”, sendo capital residencial a propriedade de um imóvel para moradia. A casa própria, segundo informações dos documentos, influencia a sensação de satisfação com a vida, que pode ser considerada um tipo de resultado social. Os dados estão expressos na TAB. 9. TABELA 9 Satisfação das famílias por tipo de moradia Grau de satisfação com a vida Tipo de Moradia (de 0 a 10) Cedida 6,33 Alugada 6,62 Própria (pagando) 6,85 Própria (quitada) 6,93 Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 34 e 35 146 A análise da satisfação das pessoas com suas moradias demonstra elevada variação entre o período anterior ao PMCMV e após sua criação. Houve decréscimo de 54,67% no nível de insatisfação. Satisfação com moradia – Condições de moradia – famílias Boas/satisfatórias: 84,89% em 2002/03 e 93,15% em 2013 Ruins: 15,11% em 2002/03 e 6,85% em 2013. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 34 E 35). Outros impactos do PMCMV são identificados a partir de uma pesquisa específica. Segundo referido trabalho, apresentado em entrevista e consultado em vídeo, a cada R$ 1 milhão investido pelo PMCMV, são gerados 32 postos de trabalho diretos e R$744 mil de renda adicional. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 33) A Tabela 10 demonstra o efeito do PMCMV com relação à geração de empregos, geração de renda e compras de materiais de construção por ano, desde 2009. TABELA 10 Impacto do PMCMV em emprego/renda/materiais de construção Compras de material de Empregos Renda gerada no ano gerados no ano (R$ milhões) 2009 158.710 4.527,14 2.490,73 2010 804.249 21.411,83 12.621,53 2011 1.108.298 24.878,99 17.393,13 2012 1.260.655 30.052,54 22.162,66 2013 1.273.071 29.753,46 22.380,93 Referência construção no ano (R$ milhões) Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 33 e 37 Impacto do PMCMV no total de moradias existentes no Brasil: evoluiu de 0,3% em 2009 para 1,7% em 2013. Participação do PMCMV na produção anual de moradias no Brasil: Em 2009 significou 5%. Em 2013, 32,1% 147 Impacto da produção do PMCMV em relação ao estoque do seu público-alvo: 7,5% em 2009 e 48% em 2013. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 33 e 37) TABELA 11 Impacto do PMCMV na produção de imóveis no Brasil Referência Impacto no total de moradias Produção anual do Produção do PCMV em PMCMV / produção relação ao estoque de total de moradias moradias do público-alvo 2009 0,3% 5,0% 7,5% 2010 1,0% 17,9% 26,7% 2011 1,0% 18,4% 27,5% 2012 1,5% 27,0% 40,3% 2013 1,7% 32,1% 48,0% Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 33 e 37 Assim, pode-se afirmar que o PMCMV é responsável por aproximadamente metade das novas unidades habitacionais adquiridas pelo seu público-alvo (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 33 E 37). Considera-se, portanto, que o PMCMV produz diversos impactos sociais, desde participação na redução do déficit e, especialmente, da demanda habitacional, até a felicidade das famílias. Foi demonstrada crescente participação do PMCMV no mercado imobiliário, sobretudo quando se considera o público-alvo de baixa renda. A simulação de um financiamento convencional em comparação com os valores cobrados dos beneficiários do PMCMV mostra evidente indício do impacto social (PESQUISA DOCUMENTAL, APÊNDICE D, DOCUMENTO 49). Entre os objetivos do PMCMV, está formalmente, o atingimento de resultados sociais. Observou-se alinhamento dos objetivos do PMCMV com a missão da FINANX: Atuar na promoção da cidadania e do desenvolvimento sustentável do País, como instituição financeira, agente de políticas públicas e parceira estratégica do Estado brasileiro (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 51). 148 Quando questionados se a FINANX ou o Governo utilizam algum modelo ou métrica para avaliar os resultados sociais do PMCMV, os entrevistados convergiram no sentido de respostas negativas, ao mesmo tempo em que afirmaram a crença na existência dos resultados. Olha, eu acho que já tem os indicadores que são indicadores padrão. IDH... eu acho que esse programa, ele atinge esses indicadores. O governo tem conhecimento dos impactos. Eu não conheço um estudo nesse sentido não [medidor de impacto social].. Mas é tão claro isso [os resultados socais], que eu estive num dos conjuntos do FAR, 356 unidades (...). A primeira visita que eu fiz lá, (...)nós passamos por uma estrada (...), chão batido e chegamos no terreno. Não tinha nada ali (...). A segunda vez que eu fui lá, a prefeitura já tinha interferido no processo. Toda a periferia foi beneficiada com asfaltamento. Já cheguei com asfalto até a porta do empreendimento, as 356 casas acabando de ser erguidas. E lugar que, historicamente, nunca teve linha de ônibus, sendo implantada linha de coletivo. (...) Então além do empreendimento, 356 famílias beneficiadas, que tão indo pra um lugar com água, luz, saneamento, tudo certinho, toda a periferia do empreendimento foi beneficiada. (O2) Especificamente com relação ao PMCMV eu não tenho conhecimento... (T1) Pelo governo federal eu não sei se é medido, pela [FINANX] (...) nós vamos avaliar a freqüência escolar, nós vamos avaliar o atendimento nas unidades básicas de saúde, os programas de saúde da família, nós vamos avaliar a violência para aquela faixa de renda comparada com outras situações de habitação mais tradicionais, nós podemos avaliar de um modo geral todos os indicadores de saúde (C2) [indicador] do próprio PMCMV não. Você tem os indicadores (...) de quantidade de unidades contratadas versus o déficit habitacional daquele município. (...) Tem município que você já contratou metade do déficit. Tem lugar que você já contratou 10% do déficit, tem lugar que contratou 70% do déficit(...) E outra coisa que é um indicador importante é (...) a quantidade, todas essas 3 milhões de famílias... (E2) É um programa novo, ele está em construção, muitas vezes é até difícil de mensurar esse reflexo de imediato, você tem assim; além da movimentação da economia como um todo, (...) mas em média para cada unidade, são 3,6 a 4 pessoas por apartamento. Se você olhar empregos diretos, isso que a gente estava olhando, da praticamente 0,8 por unidade, quase 1 emprego por unidade, isso direto. (E3) 149 A pesquisa documental não resultou na detecção de qualquer indicador, modelo ou métrica criados ou adaptados para avaliação dos resultados do PMCMV. Os documentos mostraram diversos resultados diretos e indiretos do PMCMV, embora não se refiram a um modelo de mensuração como, por exemplo, seria o SROI, estudado no capítulo da Metodologia deste trabalho. Conclui-se que não foi adotado um indicador de mensuração dos resultados sociais pelo Governo Federal ou pelas instituições financeiras operadoras do PMCMV. Apurou-se a percepção de vários entrevistados, além da observação direta de duas famílias beneficiárias. Verificou-se que foi realizada pesquisa por órgão oficial, o IPEA, para aferição de resultados sociais do Programa sem que isso se configure um indicador oficial e regular de tais efeitos. Desempenhado o exame das três categorias de análise propostas, passar-se-á às conclusões extraídas ao longo da pesquisa, onde se pretende responder à pergunta da pesquisa. QUADRO 13 Principais conclusões da Categoria Analítica 3 Aporte de Recursos Lucro Financeiro Inicial: R$25 bilhões Para o PMCMV, diretamente, não existe Previsto até dez/14: Receitas da FINANX: subsídio R$234 bilhões indireto, spread, tarifas por prestação de serviços. Não há autosustentabilidade Receitas indiretas: acesso a novos mercados para venda de produtos Não há previsão de Não há obrigatoriedade de recuperação dos reinvestimento de eventuais investimentos lucros A retirada dos aportes comprometaria a continuidade do PMCMV Fonte: elaborado pelo autor Lucro Social Acesso à moradia (contratação de 3,49 milhões de novas moradias) Expressiva participação do PMCMV na produção imobiliária no Brasil Maior participação dos pobres nas linhas de financiamento habitacional Substancial aumento da média anual de contratos de crédito imobiliário Crédito de baixo custo para aquisição de bens duráveis Melhorias urbanísticas Melhoria na condição de vida Bancarização, geração de emprego, geração de renda Dignidade, tranqüilidade, segurança Aumento da satisfação com a vida Não se usa indicador para medir impacto social do PMCMV 150 6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa visou investigar, descrever e analisar o modelo de negócios do Programa Minha Casa Minha Vida, executado por uma instituição financeira, tendo como base os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social e negócios sociais. O estudo de caso foi conduzido com a finalidade de, por meio da comparação da estrutura do PMCMV com um padrão adaptado da teoria de Yunus et al. (2010), compreender se pode ser considerado um modelo de negócios social. Para tanto, desdobrou-se o objetivo geral em três específicos, a partir dos quais estabeleceram-se as categorias de análise, a fim de responder-se à pergunta: o Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma instituição financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de negócio social, conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social? A proposta do trabalho não pretendeu esgotar todas as análises possíveis nem mesmo dissecar o PMCMV, uma vez que a grandiosidade de seus números torna tal tarefa impossível para uma única pesquisa. Estudos futuros serão imprescindíveis para uma melhor compreensão do Programa e seus efeitos. Cada categoria de análise trouxe certo número de questionamentos – descritos no Protocolo de Estudo de Caso –, que serviram de guia ao pesquisador durante o exame das diversas evidências coletadas. Ressalta-se que a riqueza do procedimento deste estudo de caso supera os próprios resultados do mesmo. Conhecer a magnitude de um programa que já atende diretamente mais de 3 milhões de famílias produz um dote de conhecimentos que certamente não serão totalmente explorados na atual apresentação. Ao mesmo tempo, estimula o pesquisador a se preparar para novos trabalhos mais complexos sobre a mesma temática. Entre as percepções captadas pelo pesquisador, talvez a mais marcante tenha sido o franco entusiasmo das famílias pobres com sua vida após a aquisição da casa própria. O orgulho das pessoas em mostrar a casa, as melhorias realizadas e dizer que hoje se alimentam melhor porque estão 151 independentes de um aluguel oneroso desperta no pesquisador grande interesse por compreender melhor esse fenômeno, numa pesquisa futura. Introdutoriamente, foi analisada a principal instituição executora do PMCMV. A análise das características da FINANX conduziu à conclusão de que a empresa, embora seja controlada pelo Estado Brasileiro e tenha explicitamente objetivos sociais, também captura valor no campo tradicional dos negócios, é lucrativa e atua em um mercado bastante concorrido. Negócios sociais são conduzidos por empresas do campo tradicional de negócios. A verificação da primeira categoria de análise permitiu concluir que o PMCMV se trata de um programa de governo com direcionamento social, cujo gestor é o Ministério das Cidades, executado por instituições financeiras – especialmente a FINANX –, dividido em duas áreas de atuação: urbana e rural. Há ampla legislação federal que o criou e regulamentou, estabelecendo limites, objetivos, áreas de atuação, critérios de seleção dos beneficiários e diversas outras informações. Uma característica importante dos negócios sociais foi encontrada: o PMCMV possui objetivos sociais explícitos nos documentos legais, confirmados pela prática dos entrevistados e outros implícitos. Entre eles, a redução do déficit habitacional na baixa renda, geração de emprego e renda, redução da pobreza, melhoria da qualidade de vida das famílias, redução da criminalidade; favorecimento à dignidade das famílias; retirada das famílias de áreas de risco e de preservação ambiental. A segunda categoria pretendeu investigar se o PMCMV possui um modelo de negócios, além de identificar a eventual existência elementos de um negócio social, tais como: caráter inovador dos produtos, desenho específico dos produtos para o público-alvo e o tratamento dessas pessoas como clientes. Inicialmente, foi possível verificar que o PMCMV apresenta um modelo de negócios, conforme cada elemento a seguir descrito: Está presente uma proposta de valor, com produtos detalhadamente previstos na legislação. As necessidades a que os produtos visam atender estão claramente definidas, conforme as seguintes observações: 152 o Os produtos podem ser considerados inovadores, tanto na alavanca tecnológica quanto no modelo de negócios. Inovou-se ao oferecer uma proposta de valor diferente do que existia até então; buscou-se um novo mercado, oferecendo produtos para clientes que anteriormente não eram atendidos por nenhuma organização. o A oferta parece ter sido desenhada especificamente para o seu público-alvo, uma vez que seus padrões, taxas de juros, subvenções, critérios para escolha dos usuários e cuidado com o entorno dos empreendimentos imobiliários indicam preocupação para que o cliente se torne capaz de adquirir os produtos e esses o atendam com qualidade. o Inovou-se, ainda, no sentido de incentivar o setor da construção civil a participar do PMCMV, especialmente criando condições por meio de incentivos fiscais e com a promoção da emergência de um mercado inexistente. o Na alavanca tecnológica, há inovação exatamente nos produtos, modelados especialmente para famílias que não possuíam capacidade de pagamento para financiar a casa própria. Criaram-se exigências técnicas, métricas e de qualidade para a construção das unidades habitacionais e de todo o empreendimento e seu entorno. Foi confirmada a existência de um público-alvo do PMCMV, embora seus membros não possam ser chamados de clientes, pelo menos não como “clientes convencionais”, assim considerados aqueles inseridos numa lógica de mercado em que vigora a lei da oferta e da procura e que se submetem a avaliação de cadastro para tomarem crédito. Atente-se para as ponderações seguintes: o A pesquisa encaminhou à conclusão de que o público da Faixa i é beneficiário de um programa social, pois não é sequer escolhido pelos vendedores e pelos financiadores dos imóveis, mas sim pelo Poder Público. O fato de não passarem por avaliação de capacidade de pagamento ou 153 de cadastro confirma que não são clientes “convencionais”, embora de alguma forma sejam consumidores de produtos. o O público da Faixa ii, embora tenha uma relação mais próxima de mercado com a FINANX e os vendedores dos imóveis, não pode ser considerado cliente convencional. Afinal, a contratação só é possível em virtude dos subsídios públicos oferecidos pelo PMCMV para redução do valor da compra e dos juros reduzidos. O público da Faixa iii é o que mais se aproxima da concepção de clientes, pois nesse estrato social não existe o subsídio direto ao comprador, mas apenas o indireto, para viabilizar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Considerando que as Faixas i e ii representam 87,46% da quantidade de unidades habitacionais contratadas no Programa, é possível concluir que a maior parte do públicoalvo não é formada por clientes, mas por beneficiários de um programa social. Os estudos apresentados no Referencial Teórico afirmam que negócios sociais devem se guiar pela mesma lógica de empresas convencionais, inclusive possuindo clientes, buscando mercados, enfrentando concorrência. Se o público do PMCMV não é tratado como cliente, mas como beneficiário, essa característica do modelo de negócios mostra-se incompatível com o modelo de Yunus et al. (2010). Confirmou-se a existência de uma constelação de valor ligada do PMCMV. Internamente, fazem parte as diversas áreas da FINANX envolvidas com a execução do Programa, quais sejam: Superintendências Nacionais, Gerências Regionais, agências bancárias, áreas de engenharia e departamento jurídico. Externamente, o Ministério das Cidades, Poder Público local (distrito federal, estados e municípios), empresas da construção civil, correspondentes bancários. 154 A terceira categoria apurou dados da equação de lucro financeiro e equação de lucro social. Verificou-se que o programa recebeu aportes iniciais e permanece obtendo investimentos tanto da União quanto do FGTS em todos os contratos celebrados. Relativo aos subsídios concedidos, não há expectativa de retorno. Considerando a expressividade desses valores (R$106,3 bilhões do total de R$218,48 bilhões, ou 49% do total do investimento, sendo o restante financiamento, conforme QUADRO 12), é possível concluir pela negativa da auto-sustentabilidade financeira do PMCMV. Outro elemento que aponta pela inexistência do caráter auto-sustentável é a dependência do aporte constante dos subsídios, a partir da verificação de que, sem tais subvenções, o PMCMV não existiria. Não há geração de lucro financeiro para o próprio Programa. Por outro lado, as instituições financeiras operadoras, inclusive a FINANX, obtêm receitas diretas (spread bancário, tarifas por prestação de serviços) e indiretas (comercialização de produtos de portfólio convencional para um público ao qual tem acesso por ser executora do PMCMV). A análise das evidências através das múltiplas fontes não conduziu à conclusões no que se refere a destinação de eventual lucro gerado pelo PMCMV. Anteriormente, este trabalho concluiu que o PMCMV não produz lucros em si, porém igualmente restou comprovado que as instituições operadoras são remuneradas pelos serviços prestados e lucram com o spread nos contratos das Faixas ii e iii. Legalmente, a FINANX não teria obrigação de reinvestir, no PMCMV, os lucros oriundos do mesmo. Isso contraria o modelo de Yunus et al. (2010), que prevê a reaplicação de qualquer dividendo, sem distribuição para acionistas ou destinação para outras áreas. Quanto ao lucro social, foi atestada sua existência em diversos campos: redução do déficit/demanda imobiliária da baixa renda; melhorias urbanísticas; acesso à água, energia, aquecimento 155 solar; inclusão bancária; melhoria da qualidade de vida; redução de problemas de saúde; diminuição da criminalidade; dignidade, tranqüilidade, cidadania e segurança social para as famílias; satisfação com a vida; geração de emprego e renda. Constatou-se a inexistência de instrumentos para medição dos resultados sociais ou indicadores próprios para o PMCMV. Uma pesquisa realizada pelo IPEA é o mais qualificado estudo encontrado sobre efeitos não mensuráveis do PMCMV, mas não constitui um indicador regular, de apuração periódica. Ao longo da análise dos dados, possíveis conclusões foram se desenhando na mente do pesquisador, sendo que algumas delas acabaram desmentidas por dados posteriormente verificados. A certo tempo do estudo, tendia-se a acreditar que a pergunta da pesquisa teria dupla resposta: sim, tratase de um modelo de negócios sociais no que se refere à Faixa ii e não, não é modelo negócios sociais quanto à Faixa i. Investigadas todas as questões do Protocolo de Estudo de Caso, distribuídas pelas três categorias analíticas, chega-se à conclusão final. Considere-se o modelo de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010), já apresentado anteriormente neste trabalho e repetido a seguir: o Proposta de valor: produtos/serviços voltados para o cliente e todos os demais stakeholders. Verificou-se que o PMCMV possui uma proposta de valor especialmente voltada para seu públicoalvo e que atinge a constelação de valor e toda a sociedade. Confirmou-se que a FINANX, executora do PMCMV, é uma grande empresa que atua no mercado convencional de negócios. Identificou-se, porém, que os usuários do PMCMV não são considerados clientes de produtos, mas sim receptores de benefícios sociais. o Constelação de valor: identificou-se a existência de uma rede interna e externa estruturada desde a estratégia até a entrega da proposta de valor. o Equação de lucro financeiro: o modelo usado como base exige que não haja distribuição de dividendos para acionistas, devendo 156 todo o lucro ser reinvestido na operação. Poucas foram as referências encontradas, não se podendo afirmar que eventual resultado financeiro seria reinvestido no PMCMV, condição obrigatória para ser considerado negócio social, segundo o modelo adotado. o Equação de lucro social: ponto fundamental para caracterização de negócios sociais. Confirmou-se a produção de resultados sociais pelo PMCMV, embora não exista um indicador específico para medi-los. Considerando as estratégias específicas do modelo de negócios sociais, quais sejam “acionistas orientados para lucro social e explicitação formal da busca por resultados sociais”, conclui-se que estão presentes no modelo do PMCMV. Embora não exista a figura técnica do acionista, uma vez que não há mercado de ações envolvido, os investidores do PMCMV são a própria União e o FGTS, que participam com interesse social. A explicitação dos objetivos sociais é comprovada pela legislação, pelas entrevistas e pela observação direta. O Quadro 14 apresenta comparação do modelo previsto com o PMCMV. 157 QUADRO 14 PMCMV x Modelo de Negócios Sociais de Yunus et al. (2010 Elemento do Modelo de Negócios do Há convergência com Modelo de PMCMV Yunus et al. (2010)? Proposta de Valor Parcialmente. Diverge na classificação do usuário como “beneficiário” Constelação de Valor Sim. Equação de Lucro Financeiro Não. Falta obrigação de reinvestimento dos lucros. Não há auto-sustentabilidade Equação de Lucro Social Sim Acionistas voltados para o resultado social Sim Objetivos sociais explícitos Fonte: elaborado pelo autor Sim A técnica da “combinação de padrão”, proposta por Yin (2010), foi aplicada para se comparar o fenômeno PMCMV com o padrão previsto, qual seja, o modelo de negócios sociais de Yunus et al. (2010). Verificados os dados e alcançadas as conclusões para cada questionamento pertencente às categorias de análise, é possível responder à pergunta de pesquisa. Confrontados o modelo de negócios do PMCMV com o modelo tomado como base, qual seja, o de Yunus et al. (2010), identificou-se convergência parcial relativamente ao elemento proposta de valor. Existe oferta de um produto inovador, criado especialmente para o público-alvo. Há divergência na classificação do usuário que, conforme verificado anteriormente, não pode ser identificado como “cliente”. O elemento constelação de valor mostrou-se convergente com o padrão. Com relação à equação de lucro financeiro, não há identidade, visto que no PMCMV inexiste obrigatoriedade de reinvestimento de de eventuais lucros e falta o caráter de auto-sustentabilidade, ambos considerados fundamentais na proposta de Yunus et al. (2010). Com relação à equação de lucro social, os modelos são convergentes, inclusive quando se trata da existência de acionistas voltados para o resultado social e de objetivos sociais explícitos. 158 Assim, pode-se afirmar que o Programa Minha Casa, Minha Vida, executado por uma instituição financeira federal, não pode ser caracterizado como um modelo de negócio social, conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação social. Embora os sistemas sejam similares na maioria dos elementos, algumas características fundamentais dos negócios sociais não foram identificadas no PMCMV. Mas há elementos indicativos de que o Programa possa ser aperfeiçoado nesse sentido. Toda política pública precisa de tempo para maturação, sendo fundamental implementar e melhorar, inclusive utilizando-se no campo social a experimentação típica dos mais qualificados modelos de negócios convencionais (MCGRATH & MACMILLAN, 1995; CHESBROUGH, 2010; MCGRATH, 2010). A relação reflexa direta entre modelos de negócios sociais e convencionais se confirma na necessidade, em ambos, de avaliação e melhoria contínua. No caso da inovação social, a própria pressão da sociedade e até dos beneficiários diretos obriga à melhoria. Em que pese não ser considerado um negócio social, conforme a teoria de Yunus et al. (2010), em diversos aspectos o PMCMV se aproxima do modelo desse e de outros autores. O problema enfrentado atinge grande número de pessoas e sua solução produz reflexos não somente no déficit e na demanda habitacionais, mas também em diversos outros aspectos da vida das famílias envolvidas. O impacto social é relevante. Após a análise dos dados, restou comprovada a existência de significativo impacto social do PMCMV na condição de vida das famílias, como se apresentou no capítulo próprio. Ficou comprovado o interesse econômico causado pelo Programa, atraindo empresas da construção civil e produzindo riqueza, emprego e renda. Adicionalmente, a análise permite concluir que o PMCMV introduziu soluções novas para problemas e necessidades sociais, em conformidade com a definição de Phills (2009) para inovação social. Apresenta-se como grande desafio para a sustentabilidade do PMCMV que sejam mantidos os subsídios que garantem sua efetividade e amplitude. Considerando a teoria de negócios sociais, poder-se-ia sugerir a preparação de um cenário em que o poder público se retirasse gradativamente, sendo substituído por investidores sociais. A modificação da forma de atuação 159 permitiria que o investidor recuperasse seu capital após determinado período, o que eliminaria a dependência de recursos públicos ou doações, tornando o PMCMV auto-sustentável, fortalecendo sua continuidade. O formato atual embute elevado risco de, a qualquer momento, serem suspensos os subsídios da União e do FGTS, comprometendo a própria existência do PMCMV. A presente pesquisa sofreu limitações diversas. Possivelmente a principal insuficiência consistiu na inexistência de métricas e indicadores para avaliação dos resultados sociais. A ausência de dados financeiros sobre a receita da FINANX com a operação do PMCMV é elemento de relativo destaque. Além disso, pode-se citar como fragilidade da pesquisa a inviabilidade de tempo e recursos para um estudo amplo das famílias atendidas pelo PMCMV. O próprio fato de tratar-se de um programa jovem ao tempo do estudo é causa da dificuldade em apurar-se o lucro social. Sugerem-se estudos futuros para avaliar mais profundamente os resultados sociais, especialmente aqueles percebidos diretamente pelas famílias beneficiárias. Tal trabalho deve ser estendido para diversas regiões do Brasil e realizado durante um período mais longo, para observar-se a influência do PMCMV na vida das famílias. Importante, da mesma forma, que outras pesquisas considerem maneiras de substituição das subvenções sem retorno por investimentos sociais e mecanismos que tornem o PMCMV independente do aporte constante de dinheiro dos governos ou de doadores, adquirindo o caráter de autosustentabilidade. 160 REFERÊNCIAS ABECIP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO E POUPANÇA. Crédito Imobiliário: o SFH. Disponível em: http://www.abecip.org.br/m3.asp?cod_pagina=453&submenu=sim&cod_pai=429&cod _pai2=453#. Acesso em 01/05/2014. ALVARENGA NETO, R. C. D. 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Considerando referida orientação, o Protocolo ora proposto servirá como orientação ao pesquisador para percorrer o objeto de estudo por via dos vários instrumentos de coleta selecionados. Assim, para cada questionamento aqui definido serão buscadas respostas por via de análise documental, análise bibliográfica, observação direta e entrevistas. Ainda segundo Yin (2010), o protocolo de estudo de caso traz questões que o investigador deverá ter em mente durante a coleta de dados. As questões são formuladas para o investigador, não para o entrevistado. Mais uma vez, portanto, deve-se afirmar que as questões ora colocadas não formam um questionário, mas funcionarão como um guia ao pesquisador. O presente protocolo foi elaborado com base nas categorias de análise definidas a partir dos objetivos específicos. As questões foram organizadas em quatro blocos, sendo o primeiro introdutório e os seguintes correspondentes a cada categoria de análise. Os questionamentos a seguir orientarão o pesquisador não somente durante as entrevistas, mas também nos procedimentos de análise documental e observação direta. As indagações durante as entrevistas também serão formuladas a partir deste protocolo, embora possam e devam ser selecionadas e modificadas conforme a pessoa entrevistada e o contexto. Bloco Introdutório 1. Quais são as principais características da instituição pesquisada? (natureza jurídica, propósitos, estratégia etc.) 2. A instituição pesquisada participa de um mercado onde há ampla concorrência? Bloco I – Conceitos, legislação, métricas e resultados do PMCMV 168 3. Como se define o PMCMV? Follow up: conceito fundamental, fundamentos do programa. 4. Quais são os objetivos do PMCMV? 5. Que resultados são esperados com o PMCMV? 6. Qual é a legislação que define e regulamenta o PMCMV? Bloco II – Modelo de negócios do PMCMV: Proposta de valor, público-alvo, constelação de valor, custos e receitas 7. Que produtos/serviços são oferecidos pelo PMCMV aos seus clientes? Follow up: avaliar a proposta de valor e o cliente-alvo. Que valor é criado para a sociedade? 8. A que necessidades dos clientes-alvo o PMCMV atende? Follow up: que valores são criados para a sociedade? O que o PMCMV entrega para a sociedade? 9. Os produtos do PMCMV foram desenhados especialmente para o públicoalvo? 10. Os produtos/serviços foram inovadores ao tempo de seu lançamento? Follow up: considerar as alavancas de inovação na tecnologia e no modelo de negócios. Havia similares no mercado? Em que inovaram? 11. Quem são os clientes-alvo do PMCMV? Follow up: Que mercados foram buscados? Havia concorrência nestes mercados? Como se chega a esses clientes? 12. Com relação ao público alvo, são beneficiários de um programa ou clientes de um produto? 13. Além dos clientes, que outros atores internos e externos estão envolvidos com o PMCMV? Follow up: áreas meio e áreas fim da instituição (engenharia, análise de risco, gestão do PMCMV, agências, plataformas de concessão de crédito imobliário), parceiros externos (Poder Público, correspondentes, construtoras...) Questionar como eles organizados. Bloco III – Equação de lucro financeiro e equação de lucro social estão 169 14. Qual foi o custo inicial no PMCMV? Follow up: de onde vieram tais recursos? 15. Existe aporte constante de recursos públicos no PMCMV? Follow up: Qual a origem desses recursos? 16. Se verdadeira a questão anterior, caso retirados os aportes constantes, o PMCMV permaneceria em andamento? 17. Há previsão de ressarcimento dos aportes de recursos iniciais e dos periódicos? 18. Quais as receitas obtidas através do PMCMV? 19. Caso haja superávit financeiro, qual sua destinação? 20. A instituição oferece outros produtos/serviços de seu portfólio para os clientes? Follow up: essas receitas indiretas são significativas? O público do PMCMV pode ser considerado um novo mercado para a instituição? 21. Além dos resultados financeiros, que espécie de lucro social é alcançada com o PMCMV? Follow up: além da solução do problema de moradia, que outros resultados sociais acontecem: redução da pobreza, acesso a melhores condições sanitárias, saúde, educação? Num momento de crise, a instituição prioriza resultado financeiro ou social? 22. A instituição ou o Governo utilizam algum modelo ou métrica para avaliar os resultados sociais do PMCMV? Follow up: São qualitativos ou quantitativos? Como se aplica a mensuração? Quais os resultados já apurados? Bloco Especial – Famílias Beneficiárias 1. Como foi sua seleção para o PMCMV? Follow up: como soube do PMCMV? 2. Você participou do Programa Técnico Social executado pela instituição financeira e pelo município? 3. O que mudou em sua vida após a aquisição da casa? Como era sua casa anterior? O que mudou no seu trabalho, o que mudou com relação aos filhos? 4. Você teria condições de comprar uma casa sem o PMCMV? As condições do PMCMV são boas? Você se preocupa em pagar? 170 5. Você já tinha conta bancária antes do PMCMV? Tem agora? Tem mais algum produto do banco? Informações preliminares: o texto a seguir será utilizado durante a coleta de dados para apresentação aos entrevistados, a fim de criar um clima de confiança que facilite a interação. Você está participando de uma pesquisa acadêmica que faz parte de uma dissertação para o Programa de Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA. O objetivo da pesquisa é investigar, descrever e analisar o modelo de negócios do Programa Minha Casa Minha Vida executado por uma instituição financeira. O interesse da pesquisa abrange exclusivamente a operação do PMCMV, desde o complexo normativo que o criou até a métrica de seus resultados, recaindo também sobre a cadeia de fornecedores, beneficiários e demais stakeholders. Não são interesse da pesquisa quaisquer outras áreas ou práticas da empresa. Foi negociado com a alta administração o uso das informações, inclusive as questões relativas a sigilo do nome da empresa e dos entrevistados. É importante deixar claro que as informações prestadas serão utilizadas exclusivamente para os fins a que se propõe o presente trabalho. Tais medidas são necessárias para o estabelecimento de uma relação ética, profissional e transparente. Os resultados produzidos por este trabalho serão disponibilizados em primeira mão para a organização e você terá acesso a uma cópia, caso solicite. A gravação da entrevista jamais será apresentada em público, conforme contrato de sigilo, servindo apenas para subsidiar a transcrição das respostas. Agradeço a cordialidade em oferecer seu tempo para colaborar com a pesquisa universitária brasileira! (adaptado de ALVARENGA NETO, 2005). 171 APÊNDICE C – Exemplo da Matriz de análise de dados brutos Categoria 1: Conceitos, legislação, métricas e resultados do PMCMV Siglário: Instrumento de coleta ES: Entrevista semi- estruturada APÊNDICE B – Práticas de Negócios Sociais 7 Programa/Projeto Objetivo Modelo de negócios Resultados Banglhadeshi Grameen Bank7 Fornecer crédito de pequena monta e a baixo custo para pessoas pobres que objetivem empreender. Instituição financeira cujos acionistas são os próprios mutuários e o governo de Bangladesh. Capta depósitos e oferece crédito a um público de baixa renda sem exigência de comprovação de renda e apresentação de garantias. Reinveste todos os lucros auferidos, não havendo distribuição de dividendos. Atingiu, em 2014, total de 8,62 milhões de membros. Entre seus mutuários, 68% deixaram a condição de miséria. Distribuiu US$ 15,2 bilhões em empréstimos até abril de 2014, com adimplência de 97,28%. A instituição e seu fundador foram laureados com o Prêmio Nobel da Paz em 2006, por seus esforços contra a pobreza. Fonte:Yunus (2010); Yunus et al. (2010), Grameen (2014). Grameen Danone Oferecer um produto alimentício a baixo custo e fácil acesso para suprir necessidades nutricionais das crianças pobres de Bangladesh (iogurte ShoktiDoi). A produção do iogurte com ingredientes locais para redução de custo. Fábrica de pequeno porte, para minimização do risco, evitar necessidade de armazéns refrigerados e simplificar o problema de pessoal. Uso de baixa tecnologia e de mão-deobra local não especializada. Desenvolvida uma rede Alcançou, em dezembro de 2010, total de 821 “Grameen ladies” distribuindo o iogurte e cerca de 400 microfazendeiros na rede de fornecedores. Estudos do GAIN – “Global Alliance for ImprovedNutrition”8 – indicam, preliminarmente, que o ShoktiDoi traz melhorias significativas no aprendizado e concentração das crianças. Fonte:Yunus (2010), Yunus et al. (2010), Grameen Grameen: vila ou aldeia, no idioma Bengali Aliança Global pela Melhoria da Nutrição, tradução nossa 8 172 local de fornecedores. Danone (2010), GAIN Distribuição no modelo (2011), Danone (2011). porta a porta. Grameen Phone 9 Permitir que moradores pobres das vilas de Banglhadesh tenham acesso à comunicação via telefone celular. Em 1996, 80 mil vilas naquele país não tinham serviço telefônico. Parceria do Grupo Grameen com a companhia de telecomunicações Telenor, da Noruega. Serviço baseado no aluguel de um aparelho de telefone móvel por alguns minutos para quem não tem condições de financeiras de adquirir o equipamento.. A Grameen Phone se tornou uma das maiores pagadoras de impostos de Bangladesh. O volume de receitas da empresa em 2013 foi de US$ 96,6 bilhões – resultado financeiro. Em 2005, tinha 8 milhões de usuários, tendo chegado a 20 milhões em 2008 – resultado social. Fonte:Yunus et al. (2010) Sistema deB Facilitar a irrigação “Treadle irrigação de áreas de plantio, Pump” permitindo que haja colheita de produtos de boa qualidade durante todo o ano, inclusive nos períodos de seca. Voltado para pequenos agricultores de baixa renda, que não podem adquirir modernos sistemas de irrigação. Equipamento manufaturado localmente a custo extremamente baixo (US$25) Movido por um pedal, a bomba é acionada por propulsão humana, sendo capaz de bombear água a partir de até 7 metros de profundidade. Estratégias de marketing especialmente desenhadas para as populações rurais – teatro, filmes apresentados em locais públicos e exibição de funcionamento do equipamento. Considerado uma das histórias de maior sucesso em termos de redução do sofrimento das pessoas pobres. Promoveu aumento de renda entre os pequenos fazendeiros pobres de Bangladesh equivalente a US$ 130 milhões por ano. A área irrigada por métodos de micro-irrigação como o “TreadlePump” aumentou globalmente cerca de 6 vezes ao longo dos vinte anos anteriores a 2013. Fonte:Polak e Warwich (2013), IDE (2013). “Wharton Social Criado para 9 Wealth Program” solucionar o problema da desnutrição da população do noroeste da Zâmbia após a baixa das Sistema para calcular a mistura ideal para produzir ração mais barata e nutritiva para a criação de galinhas. Previa a criação de uma rede de distribuição regional, contrário de Causou redução do preço médio e aumentou qualidade da alimentação animal entre 2003 e 2009, beneficiando criadores das aves e os consumidores. Replicado em estados vizinhos. Ao tempo do estudo ora apresentado Programa Wharton de Riqueza Social, tradução nossa. 173 cotações do uma rede ampla para cobre levar grandes comerciantes. miséria e fome às famílias dos mineiros locais. havia negociações para outros países. Fonte:Thompson e Macmillan (2010). PD: Pesquisa Documental OD: Observação Direta Fonte de Evidência E(n): entrevistado pertencente ao nível Estratégico T(n): entrevistado pertencente ao nível Tático O(n): entrevistado pertencente ao nível Operacional C (n): entrevistado pertencente à Constelação de Valor P (n): entrevistado pertencente ao Público-Alvo D(n): documento Questão do protocolo 3 - Como se define o PMCMV? Instrumento Fonte de de coleta Evidência Observações ES O1 Maior e melhor programa habitacional; abrangência completa; critérios claros; programa espetacular ES O2 “Quase” a única forma da classe média e baixa adquirir um imóvel ES C4 Programa inteligente; soma entre social e privado; o capital privado viabiliza o ganho social ES E2 Política pública/social de alcance extremo. Primeiro programa que buscou responder às principais questões do déficit habitacional ES T1 Divisor de águas no mercado imobiliário. Programa inédito. ES E1 Programa destinado a priorizar famílias de baixa renda. Não se fala em doação, toda a política nacional de habitação quer que a pessoa pague pelo bem 174 ES E3 Programa altamente exitoso ES C3 Uma boa ideia em termos de habitação popular. ES C1 Um programa muito correto, muito bom no geral ES C2 Um programa essencial, de natureza social com conseqüências econômicas PD D14 Compreende os seguintes subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana; Programa Nacional de Habitação Rural. No PNHU, implantará empreendimentos em terrenos urbanos, adequados ambientalmente, com infraestrutura básica, compromisso do poder público local para instalação de equipamentos relacionados à educação, saúde, lazer e transporte. PD D47 O Minha Casa Minha Vida é um programa de governo que tem transformado o sonho da casa própria em realidade para muitas famílias brasileiras. Em geral, o Programa acontece em parceria com estados, municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos. PD D48 Iniciativa criada pelo Governo Federal com o objetivo de diminuir o déficit habitacional, mediante a construção de 2 milhões de novas moradias populares até 2015 na zona urbana, com recursos do FGTS e taxa diferenciada. Questão do protocolo 4 - Quais são os objetivos do PMCMV? Instrumento Fonte de de coleta Evidência Observações ES T1 Reduzir déficit habitacional nas classes mais baixas. Desenvolvimento econômico, crescimento do PIB. Emprego, renda e habitação ES O1 Reduzir déficit habitacional; alcance social do Faixa I. Suprir um hiato 175 ES O2 Levar moradia e reduzir o déficit habitacional. Para a instituição, objetivos comerciais e compromisso com a sociedade ES C4 Reduzir o déficit habitacional, estimular a economia através da construção civil, urbanização dos municípios ES C2 Condições de tirar as pessoas da pobreza; progresso social; preocupações sociais. ES E2 Responder à crise econômica; reduzir o déficit habitacional ES E3 Geração de emprego/renda, movimentar a economia e produzir moradias. Objetiva que as pessoas subam 1,2,3 degraus em qualidade de vida ES E1 Responder à crise econômica – foco em emprego (construção civil); redução do déficit habitacional na baixa renda ES C3 Dar a casa a quem precisa, atingir o público-alvo ES C1 O objetivo da construtora é ganhar dinheiro. Do Programa, mover a economia ES C2 Dar às famílias condições de sair da situação de pobreza PD D14 Promover a produção,aquisição, requalificação e reforma de 2 milhões de unidades habitacionais, entre 1/10/2010 a 31/12/2014, sendo no mínimo 220 mil para empreendimentos do FAR. (art. 82-B) PD D14 Criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais para famílias com renda de até R$ 4.650,00 (depois atualizado para 5.400,00). Questão do protocolo 5 – Que resultados são esperados com o PMCMV? Instrumento Fonte de de coleta Evidência Observações 176 ES T1 3,7 milhões de novas moradias, incluindo zona rural ES O1 Moradias, geração de emprego, melhoria na qualidade de vida, melhoria da economia local, agregar negócios para a Instituição Financeira ES C2 Melhorar situação das crianças; redução da criminalidade; qualidade de vida; dignidade; injeção de recursos financeiros no mercado; condições para a pessoa conseguir um emprego, desenvolver habilidade das pessoas conviverem socialmente; emprego e renda. Mais palpável: redução do déficit habitacional ES E1 Incremento da oferta para suprir demanda por habitação sem “desmerecer” o déficit ES E3 Crescimento da economia e redução do déficit habitacional ES C4 Tirar famílias de áreas de preservação ambiental e invadidas (efeito ambiental); efeito urbano paisagístico; melhoria da infraestrutura do município; redução do déficit habitacional PD D22 Promoção da melhoria da qualidade de vida; provisão habitacional (com sustentabilidade social, econômica e ambiental); criação de novos postos de trabalho; atendimento às diretrizes do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat (materiais de construção em conformidade com as normas técnicas); PD D22 Contratação de 860 mil unidades habitacionais até 31/12/2014, com recursos do FAR, distribuídas por U.F. de acordo com estimativa de déficit habitacional. PD D33 Meta do PMCMV: 3,75 milhões de unidades até 31/12/2014. Questão do protocolo 6 – Qual é a legislação que define e regulamenta o PMCMV? 177 Instrumento Fonte de de coleta Evidência Observações PD Lei 11.977/09; Portaria Interministerial 395/11; Portaria Ministério da Fazenda 561/11; Portaria Ministério das Cidades 595/13; Portaria Interministerial 409/11; Portaria Ministério das Cidades 168/13; Portaria Ministério das Cidades 363/13; Resolução Conselho Curador FGTS 702/12; Lei 12.868/13; Decreto 7.499/11 Diversas 178 APÊNDICE D – Relação de documentos analisados 1. Decreto 6.473/2008. Estatuto da Caixa Econômica Federal. Adobe Acrobat. 2. Decreto 7.973/2013. Estatuto da Caixa Econômica Federal. Adobe Acrobat. 3. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2013. Adobe Acrobat. 4. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2012. Adobe Acrobat. 5. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2011. Adobe Acrobat. 6. Decreto-Lei 759/1969. Autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa pública Caixa Econômica Federal e dá outras providências. Adobe Acrobat. 7. Diário Oficial da União, 17/07/2013, seção 1, p. 91. 8. Balanço Minha Casa Minha Vida, 30/06/2014. 9. Balanço PAC 2. 9º Balanço – 2011/2014. Adobe Acrobat. 10. Demanda Habitacional no Brasil. Caixa Econômica Federal, 2012. 11. Cartilha Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 12. Empreendimentos Contratados FAR – analítico. Posição 24/07/2014. 13. Contratações Programa Minha Casa Minha Vida – total por instituição em valores e unidades habitacionais. 14. Lei 11.977/2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida. Microsoft Word. 15. Lei 12.868/2013. dispõe sobre o financiamento de bens de consumo duráveis a beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida. Microsoft Word. 16. Medida provisória 459/2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, depois convertida na lei 11.977/2009. Microsoft Word. 17. Extrato Termo de Adesão dos Municípios até 07/04/2014. Ministério das Cidades. Adobe Acrobat. 18. Nota Técnica IPEA. Estimativas do déficit habitacional brasileiro (20072011) por municípios (2010). Maio de 2013. Adobe Acrobat. 19. Portaria Interministerial 395/2011. Dispõe sobre o Programa Nacional de Habitação Rural, integrante do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 20. Portaria 561/2011, Ministério da Fazenda. Define a remuneração da CEF pelas atividades exercidas no PNHU, subprograma do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 21. Portaria Interministerial 409/2011. Dispõe sobre as operações de crédito com recursos do FGTS contratadas no âmbito do PNHU, integrante do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 22. Portaria 168, Ministério das Cidades. Dispõe sobre as diretrizes Gerais para aquisição e alienação de imóveis com recursos do FAR, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 23. Portaria 363/2013, Ministério das Cidades. Dispõe sobre as diretrizes gerais para aquisição e alienação de imóveis com recursos do FAR, no 179 âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida em municípios com população inferior a 50.000 habitantes. Adobe Acrobat. 24. Resolução 702/2012, Conselho Curador do FGTS. 25. O Cenário Macroeconômico do País e o Mercado Imobiliário. Apresentação CAIXA / SINDUSCON PARANÁ. Apresentação Powerpoint. 26. De Olho na Qualidade. Minha Casa Minha Vida, Momento Atual – Ciclo de Qualidade. Adobe Acrobat. 27. Programa De Olho na Qualidade do Minha Casa Minha Vida recebeu mais de 200 mil ligações em um ano. Notícia disponível em http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Default.aspx?newsID =523 28. Decreto 7.499/2011. Regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida. Microsoft Word. 29. PMCMV Especificações Mínimas – Apartamento/Casa sobreposta/sobrado, de acordo com item 7.1 do anexo I da Portaria 168/2013. Adobe Acrobat. 30. PMCMV Especificações Mínimas – Casa de acordo com item 7.1 do anexo I da Portaria 168/2013. Adobe Acrobat. 31. Instrução Normativa RFB 1435/2013. Condições tributárias especiais do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 32. Portaria Ministério das Cidades 595/2013. Dispõe sobre o processo de seleção dos beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat. 33. Coletiva: Casa Própria, Capital Imobiliário e Qualidade da Moradia. Entrevista IPEA – Marcelo Néri e Agnaldo Ribeiro. Vídeo em arquivo MP4 e também disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=articl e&id=20597&catid=22&Itemid=2 34. Casa Própria: capital residencial & qualidade de vida. Marcelo Néri. Apresentação. Adobe Acrobat. 35. Casa Própria: capital residencial & qualidade de vida. Sumário Executivo. Marcelo Néri. Apresentação. Adobe Acrobat. 36. Pesquisa com beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida. Ministério das Cidades. IPEA. 2013. Adobe Acrobat. 37. Programa Minha Casa Minha Vida Avanços Socioeconômicos. Ministério das Cidades. Secretaria de Assuntos Estratégicos. 2013. Adobe Acrobat. 38. Unidades habitacionais contratadas, entregues e valores. Base de dados: 26/06/2014. Planilha Excel. 39. Ministério das Cidades. Unidades habitacionais contratadas por instituição, por Faixa, incluindo valor de subsídio e concessão FGTS. Base de dados: 30/06/2014. Planilha Excel. 40. Evolução mensal subsídio FGTS – 2013 a 2014. Microsoft Word. 41. Dados diversos: quantidade e valores de unidades habitacionais contratadas e entregues; perfil do mutuário; contratos em fase de amortização; comparativo 2008 e 2014 de volume de créditos concedidos. Microsoft Word. 42. Instituições Financeiras em funcionamento. Banco Central, agosto 2014. Microsoft Excel. 180 43. Concentração, concorrência e rentabilidade no setor bancário brasileiro. Tendências Consultoria, 2010. Adobre Acrobat. 44. Foto Residencial Copacabana. 45. Foto Residencial Vila das Roseiras – Divinópolis MG. Jornal G37. 46. Nota Técnica IPEA 2007-2012. Ipea, novembro 2013. Adobe Acrobat. 47. Minha Casa Minha Vida Site de Internet: http://www.caixa.gov.br/novo_habitacao/minha-casa-minhavida/index.asp 48. Cartilha Minha Casa Minha Vida. Banco do Brasil, 2012. Adobe Acrobat. 49. Simulação Tabela SAC. Planilha do Microsoft Excel. 50. Missão e Valores: http://www14.caixa.gov.br/portal/acaixa/home/a_vida_pede_mais_que_um_banco/ missao_visao_valores 51. Site de internet: http://www14.caixa.gov.br/portal/acaixa/home/a_vida_pede_mais_que_um_banco/ missao_visao_valores Consultado em 21/09/2014 52. Site de internet: https://minhacasamelhor.com.br. Consultado em 28/09/2014 53. Email: agendamento das entrevistas com executivos da FINANX. Recebido em 14/07/2014. 54. Email: agendamento de entrevista com o Ministério das Cidades. Recebido em 17/07/2014. 55. Email: autorização para a pesquisa, pela FINANX. Recebido em 16/06/2014. 56. Email: cancelamento de autorização para a pesquisa, pela FINANX. Recebido em 16/07/2014. 57. Email: calendário com remarcação das entrevistas com executivos da FINANX. Recebido em 17/07/2014. 58. Email: primeira marcação das entrevistas com executivos da FINANX. Recebido em 15/07/2014. 59. Medida Provisória 459/2009, versão original. Documento Microsoft Word. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2009/medidaprovisoria-45925-marco-2009-587252-publicacaooriginal-110936-pe.html. Acessado em 23/10/2014. 181 ANEXO A – Modelo Canvas Fonte: adaptado de Osterwalder (2010 ), p. 44