CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
BRUNO SILVA QUIRINO
INOVAÇÃO SOCIAL E NEGÓCIOS SOCIAIS:
Um estudo de caso do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma
instituição financeira
Belo Horizonte
2014
BRUNO SILVA QUIRINO
INOVAÇÃO SOCIAL E NEGÓCIOS SOCIAIS:
Um estudo de caso do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma
instituição financeira
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Profissional em Administração do
Centro Universitário UNA, como requisito
parcial para a qualificação e obtenção do
título de Mestre em Administração
Linha de pesquisa: Inovação,
Empresariais e Competitividade
Redes
Área de concentração: Inovação e Dinâmica
Organizacional
Orientador: Prof. Dr. Rivadavia
Drummond de Alvarenga Neto
BELO HORIZONTE
2014
C.
Q8i
Quirino, Bruno Silva
Inovação social e negócios sociais: um estudo de caso do programa
minha casa, minha vida em uma instituição financeira. / Bruno Silva
Quirino. – 2014.
182f.
Orientador: Prof. Dr. Rivadavia C. Drummond de Alvarenga Neto
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2014. Programa
de Mestrado Profissional em Administração.
Bibliografia f. 161-167.
1. Desenvolvimento social. 2. Habitação popular. I. Alvarenga Neto,
Rivadávia Correa Drummond de. II. Centro Universitário UNA. III.
Título.
CDU: 658
Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras
Centro Universitário UNA
Mestrado Profissional em Administração
Dissertação intitulada “Inovação Social e Negócios Sociais: um estudo de caso
do Programa Minha Casa, Minha Vida em uma instituição financeira”, de autoria
do mestrando Bruno Silva Quirino, apresentada à banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
_______________________________________________________
Prof. Dr. Rivadávia C Drummond de Alvarenga Neto – Orientador
_______________________________________________________
Profa. Dra. Íris Barbosa Goulart – Centro Universitário UNA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Baroni – PUC Minas
Belo Horizonte, 2014
Dedicatória
Este trabalho é dedicado às pessoas que sofrem os inúmeros males causados
pela pobreza, ao tempo em que crio a esperança de que seja fonte de
inspiração para o desenvolvimento de muitos negócios sociais.
Agradecimentos
Meu pai, Divalde, que sempre fez questão de encher a casa de livros para as
crianças se habituarem a esse convívio tão importante para minha formação;
Minha mãe, Jane, que ouvia minhas tentativas de leitura de revistas, andando
atrás dela enquanto arrumava a casa;
Minhas irmãs e irmão, a quem pretendo sempre orgulhar e servir;
Minha mulher, Larissa, que me inspira na vida e que teve tanta paciência com
minha dedicação a estes estudos...
Meus amigos, pelo respeito à negligência que precisei oferecer-lhes durante o
período da pesquisa.
Ao Professor Rivadávia, responsável por me fazer acreditar muito mais na
dedicação, nos estudos e na transpiração acadêmica.
Epígrafe
“As pessoas pobres são pessoas bonsai. Não há nada de errado
com suas sementes, mas a sociedade nunca lhes deu a base
adequada a partir da qual pudessem crescer.”
(Muhammad Yunus)
RESUMO
A pesquisa, desenvolvida sob a forma qualitativa, com finalidade descritiva, foi
executada por meio de um estudo de caso cujo objeto é o “Programa Minha
Casa, Minha Vida”. O objetivo principal é investigar o modelo de negócios do
Programa sob a ótica dos conceitos de inovação social e negócios sociais.
Definiu-se a proposição teórica de modelo de negócios conceituada por
Muhammad Yunus para a técnica de comparação de padrões. A coleta de dados
se deu através de entrevistas semi-estruturadas, pesquisa documental e
observação direta. Três categorias de análise foram definidas, com base nos
objetivos específicos: i) conceitos, legislação, métricas e resultados do
Programa; ii) modelo de negócios do Programa; iii) equação de lucro financeiro
e equação de lucro social. Os dados coletados foram submetidos a processos
de redução, exibição em displays e, por fim, verificação. A principal conclusão
foi que o Programa Minha Casa Minha Vida, embora ofereça diversos e
significativos resultados financeiros e sociais, não pode ser caracterizado como
um modelo de negócios social, conforme o padrão adotado pela pesquisa.
Palavras-chave: inovação, inovação social, modelos de negócios, modelos de
negócios sociais, Programa Minha Casa Minha Vida, resultados sociais
ABSTRACT
This research, developed by a qualitative form and with a descriptive purpose,
was made via case study. The object of its study is the Brazilian Government
Program “Minha Casa Minha Vida”. The main target is to analyze the Program
under concepts of social innovation and social business. The Muhammad
Yunus’s social business model concept was defined as theoretical proposition to
compare with the Program. Data were collected by semi-structured interviews,
documentary research and direct observation. Three analysis categories were
defined based on specific objectives, which are: i) concept, legislation, metrics,
and results of the Program; ii) Program business model; iii) financial equation and
social profit equation. Collected data was submitted to processes of reduction,
display, and verification. The main conclusion was that the Program “Minha Casa
Minha Vida”, although offers large and significant social profits, can’t be
characterized as a social business according to the Muhammad Yunus’s model.
Keywords: inovation, social inovation, business model, social business model,
Program Minha Casa Minha Vida, social profits
Siglas e abreviaturas
ABECIP
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança
BB
Banco do Brasil
BNH
Banco Nacional da Habitação
CEF
Caixa Econômica Federal
CEO
Chief Executive Officer
CLT
Consolidação das Leis do Trabalho
EUA
Estados Unidos da América
FAR
Fundo de Arrendamento Residencial
FDS
Fundo de Desenvolvimento Social
FGHAB
Fundo Garantidor da Habitação Popular
FGTS
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FIES
Financiamento Estudantil
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDE
International Development Enterprises
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
OCDE
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG
Organizações Não-Governamentais
ONU
Organização das Nações Unidas
PAC
Programa de Aceleração do Crescimento
P&D
Pesquisa e Desenvolvimento
PIS
Programa de Integração Social
PMCMV
Programa Minha Casa, Minha Vida
PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNHR
Programa Nacional de Habitação Rural
PNHU
Programa Nacional de Habitação Urbana
ROI
Retorno Sobre o Investimento
RSC
Responsabilidade Social Corporativa
SAC
Sistema de Amortização Constante
SFH
Sistema Financeiro da Habitação
SROI
Retorno Social Sobre o Investimento
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância
Lista de Quadros
QUADRO 1 – Fontes de Inovação ........................................................... 32
QUADRO 2 – Inovação e Inovação Social ............................................... 48
QUADRO 3 – Empreendimentos Sociais e Negócios Convencionais ...... 56
QUADRO 4 – Modelos de Negócios Convencionais e Modelos de Negócios
Sociais ...................................................................................................... 62
QUADRO 5 – Fontes de evidências ......................................................... 75
QUADRO 6 – Entrevistas Semi-Estruturadas .......................................... 80
QUADRO 7 – Análise de Dados – Modelo de Miles & Huberman............ 85
QUADRO 8 – Objetivos/resultados esperados pelo PMCMV................... 96
QUADRO 9 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 1 ................ 97
QUADRO 10 – Produtos e Público-alvo do PMCMV ................................ 123
QUADRO 11 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 2 .............. 124
QUADRO 12 – Recursos do PMCMV ...................................................... 129
QUADRO 13 – Principais Conclusões da Categoria Analítica 3 .............. 149
QUADRO 14 – PMCMV x Modelo de Negócios Sociais .......................... 157
Lista de ilustrações
FIGURA 1 – As seis alavancas da inovação ............................................ 37
FIGURA 2 – Negócios sociais x negócios com finalidade lucrativa x
organizações sem fins lucrativos .............................................................. 59
FIGURA 3 – Índice SROI ......................................................................... 68
GRÁFICO 1 – Distribuição da renda das famílias na Faixa 1................... 111
Lista de tabelas
TABELA 1 – Déficit habitacional no Brasil – 2007/2012 ........................... 138
TABELA 2 – Total unidades habitacionais PMCMV (até 30/06/2014) ...... 139
TABELA 3 – Unidades entregues por faixa .............................................. 139
TABELA 4 – Entregas por perfil de renda e por região ............................ 140
TABELA 5 – Estoque de contratos de crédito imobiliário ......................... 140
TABELA 6 – Média anual de financiamentos imobiliários no Brasil ......... 140
TABELA 7 – Satisfação das famílias com o PMCMV ............................... 144
TABELA 8 – Satisfação das famílias (região Nordeste) .......................... 145
TABELA 9 – Satisfação da famílias por tipo de moradia .......................... 145
TABELA 10 – Impacto em emprego/renda/materiais de construção ........ 146
TABELA 11 – Impacto do PMCMV na produção de imóveis no Brasil ..... 147
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17
1.1 Problema de Pesquisa ...................................................................................................... 20
1.2 Objetivos da Pesquisa ...................................................................................................... 24
1.2.1 Objetivo geral: ............................................................................................................. 24
1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................................. 24
1.3 Justificativa ......................................................................................................................... 25
1.4 Estrutura do Texto ............................................................................................................. 27
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................ 29
2.1 Inovação ......................................................................................................................... 29
2.1.1 Conceitos e Importância ....................................................................................... 29
2.1.2 Processo de Produção da Inovação.................................................................... 31
2.1.3 Inovação na interface entre Tecnologia e Modelo de Negócios ..................... 35
2.2 Modelos de Negócios .................................................................................................... 40
2.2.1 Conceitos, desenvolvimento histórico e posicionamento na Teoria
Econômica ......................................................................................................................... 40
2.2.2 Modelos de negócios e estratégia ....................................................................... 43
2.2.3 Dinamismo do Modelo de Negócios .................................................................... 44
2.3 Inovação Social e Modelos de Negócios Sociais .................................................... 46
2.3.1 Construção teórica: de empreendimentos sociais a modelos de negócios
sociais................................................................................................................................. 47
2.3.2 Mensuração de impacto ........................................................................................ 64
3 METODOLOGIA .................................................................................................................... 71
3.1 Caracterização da pesquisa ......................................................................................... 71
3.2 Coleta de dados ............................................................................................................. 73
3.3 Categorias de análise ................................................................................................... 76
3.4 Técnicas de interpretação e análise de dados.......................................................... 76
4 CONTEXTO DE PESQUISA ............................................................................................... 79
4.1 A instituição – FINANX.................................................................................................. 85
5 ANÁLISE DE DADOS........................................................................................................... 87
5.1 Categoria de Análise 1: Conceito, legislação, métricas e resultados do PMCMV
................................................................................................................................................. 88
5.2 Categoria de Análise 2: Modelo de negócios do PMCMV: proposta de valor,
público-alvo, constelação de valor, custos e receitas..................................................... 98
5.3 Categoria de Análise 3: Equação de lucro financeiro e equação de lucro social
............................................................................................................................................... 124
6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 150
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 160
APÊNDICE A – Protocolo de Estudo de Caso .................................................................. 167
APÊNDICE B – Práticas de Negócios Sociais .................................................................. 171
APÊNDICE C – Exemplo da Matriz de análise de dados brutos .................................... 171
APÊNDICE D – Relação de documentos analisados ....................................................... 178
ANEXO A – Modelo Canvas ................................................................................................. 181
17
1 INTRODUÇÃO
O capitalismo estabeleceu-se como sistema mais comum na economia
de todo o mundo. Gates (2008) afirma que essa doutrina tornou melhor a vida
de bilhões de pessoas, ao mesmo tempo em que deixou para trás outros tantos
bilhões. A afirmação ganha contornos visíveis a partir da confrontação da
projeção da população do planeta para 2050 – 10 bilhões de pessoas – (ONU,
2013) com o percentual de pobres. Mantendo-se a mesma proporção
apresentada por Polak e Warwick (2013) ao tempo de sua obra, em que havia
no mundo 2,7 bilhões de pobres de um total de 7,2 bilhões de habitantes, em
2050 haverá 3,8 bilhões de pessoas submetidas à pobreza.
Esses autores adotam o conceito de pobreza com relação à renda,
incluindo na condição aqueles que vivem com US$ 2 ou menos por dia. O
tamanho do problema é destacado quando se observa, em análise dos dados do
United States Census Bureau (2014) que os considerados pobres em 2013 e a
população total do planeta em 1955 contavam-se em números equivalentes,
aproximadamente 2,7 bilhões de pessoas.
Além
do
fator
econômico,
podem-se
citar
outros
elementos
caracterizadores da condição de pobreza, entre os quais encontram-se os
seguintes: desemprego; barreiras em virtude de raça, etnia ou religião; falta de
água; desnutrição; falta de cuidados médicos; educação precária; deficiências
na moradia (POLAK & WARWICK, 2013); impossibilidade de adquirir bens de
primeira necessidade como fogões; problemas de saúde causados por
condições de vida precárias (BRUGMANN & PRAHALAD, 2007); dificuldade de
acesso ao crédito bancário; falta de acesso à tecnologia; desnutrição infantil
(YUNUS, 2010); problemas de segurança e infraestrutura urbana (ASHOKA,
2014).
É fato que as condições de vida, em geral, melhoraram nos últimos 100
anos, conforme se pode constatar pela análise de quesitos múltiplos como os
apontados por Gates (2008): alta da expectativa de vida, consolidação de
regimes democráticos, maior participação popular nas eleições, abertura para
liberdade de expressão do pensamento e expansão da liberdade econômica
18
para mais camadas da população, dentre outros. No campo das melhorias
específicas para as camadas de renda mais baixa, Bornstein e Davis (2010)
acrescentam o surgimento das organizações de microfinanças, das escolas e
bibliotecas rurais, inovações em saúde e fortalecimento dos defensores de
direitos humanos. Tais avanços, porém, não atingiram todas as pessoas. Uma
grande massa permanece à margem da evolução.
Entre os problemas sociais de países em desenvolvimento destaca-se,
em consonância aos objetivos deste trabalho, o déficit habitacional. A privação
de moradia digna pode disparar outras mazelas, como flagelos de saúde e
educação. Quem habita um local cujas condições são precárias está exposto a
doenças, violência, intempéries naturais e, consequentemente, fica incapacitado
de buscar qualificação profissional e educacional, tendo seu desenvolvimento
obstruído.
No Brasil, o déficit habitacional é definido pelo IPEA – Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013), abrangendo as seguintes
condições:
1 – Domicílios precários: moradias rústicas ou improvisadas;
2 – Coabitação: famílias que convivem numa mesma habitação e têm
intenção de se mudar ou famílias residentes em cômodos;
3 – Excedente de aluguel: famílias que comprometem mais de 30% da
renda com pagamento do aluguel;
4 – Adensamento excessivo: moradias com mais de 3 moradores por
cômodo.
O conceito de déficit habitacional guia as políticas públicas voltadas para
a moradia, servindo como orientador das decisões voltadas para solução dos
problemas que envolvem o tema (IPEA 2013).
Ações para reduzir esse problema no Brasil remontam a muitos anos.
Em 1964, a Lei no 4.380 unificou as políticas habitacionais no âmbito federal,
definindo objetivos/metas e a estrutura de um mecanismo completo, o Sistema
Financeiro da Habitação – SFH. Essa mesma lei criou o Banco Nacional da
Habitação – BNH, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda cujo objetivo era
promover financiamentos à produção de empreendimentos habitacionais
(CAIXA, 2012).
19
Conforme proposto pela Caixa (2012), Programas como o BNH foram
atingidos por crises econômicas e financeiras que os tornaram pouco efetivos.
Instabilidade econômica e inflação descontrolada a partir da década de 70 do
século XX desequilibraram os financiamentos concedidos no âmbito do SFH.
Regras relativas ao sistema, especialmente envolvendo a correção monetária do
saldo devedor dos contratos foram seguidamente alteradas, gerando uma
situação de desequilíbrio tal que levou ao fim do BNH. O Banco foi extinto em
1986, pelo Decreto-Lei 2.291/86 (CAIXA, 2012).
O papel da economia nos resultados insuficientes do período entre 1980
e 1990 é ressaltado em trabalho da FGV (2007), que atribui parte das
deficiências do sistema à crise econômica do referido período, elevação das
taxas de juros, alta inflação e queda do poder aquisitivo dos mutuários. Todos
esses fatores causadores de instabilidade econômica, aliados a fraquezas
internas do SFH, desaguaram num significativo indicador: em 2003, o volume de
crédito concedido pelo sistema atendia apenas 10% da demanda habitacional,
contra 70% nos anos 1980 (FGV, 2007).
Ainda a respeito dos solavancos econômicos que interferiram na política
de habitação, a ABECIP – Associação Brasileira das Entidades de Crédito e
Poupança – afirma que a crise do petróleo e a alta da dívida externa brasileira
ao final dos anos 1970 causaram uma disparada da inflação, tendo como
conseqüência grande quantidade de ações judiciais visando adequar o valor das
prestações à evolução do salário dos mutuários. O principal efeito dessas ações
foi a incompatibilização do índice de correção das prestações e dos saldos
devedores dos contratos, gerando desequilíbrio (ABECIP, 2014).
A análise dessas informações permite concluir que os fatores
evidenciados pela ABECIP (2014), Caixa (2012) e FGV (2007) contribuíram para
impedir a solução do problema habitacional no Brasil.
Ainda
de
acordo
com a Caixa (2012), após a crise do final dos anos 1970, ocorreu um fenômeno
chamado “favelização dos centros urbanos”, que consistiu na ocupação irregular
de espaços urbanos. Esse processo – cujos efeitos persistiam ao tempo do
desenvolvimento deste trabalho –
foi devido, em parte, à referida crise
econômica somada à ausência de uma política habitacional bem-sucedida e ao
alto custo do solo urbano. Resta claro, portanto, que a questão habitacional
persiste como uma das mais graves a serem enfrentadas pelo País. Outra
20
importante característica demográfica do Brasil é a predominância da população
urbana, cuja representação chegou a 84,36% do total em 2010 (IBGE, 2010),
dado que reforça a necessidade de um eficiente programa habitacional.
Embora estudos do IPEA apontem redução no déficit habitacional no
Brasil entre os anos de 2007 e 2011, o dado mais recente desse indicador
apontava demanda de 5,4 milhões de domicílios (IPEA, 2013).
A classe média brasileira – população com renda per capita mensal entre
R$ 291 e R$ 1.019 – ganhou, entre 2002 e 2012, 35 milhões de pessoas oriundas
das classes inferiores, conforme é possível confirmar-se em Brasil (2012). O
citado estudo aponta crescimento de 50,6% no rendimento das famílias
pertencentes à classe média brasileira entre os anos de 2001 e 2011 (BRASIL,
2012), de onde se reconhece aumento na quantidade de potenciais
consumidores.
Foi sob esse contexto histórico que, por meio da Medida Provisória
459/2009, posteriormente convertida na lei 11.977/2009, o Governo Federal
brasileiro criou o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) para
enfrentamento da questão habitacional. Segundo a referida legislação, a
finalidade do PMCMV é “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição
de novas unidades habitacionais” (Lei 11.977, 2009, art. 1º). Trata-se de um
programa com objetivo de construir 3 milhões de novas moradias, refletindo
diretamente na vida das famílias beneficiadas e de toda a cadeia produtiva da
construção civil (Lei 11.977, 2009).
A partir desses ambiciosos objetivos, definidos na legislação pertinente,
observa-se que o PMCMV, bem como seus componentes e sua mecânica de
funcionamento, merecem maior atenção dos pesquisadores. Tal assertiva será
discutida neste trabalho, sendo necessário anteriormente o aprofundamento na
problemática ora proposta, o que será feito a seguir.
1.1 Problema de Pesquisa
Até a década de 70 do século passado, predominava a assertiva de que
caberia exclusivamente ao Poder Público solucionar problemas sociais e
ambientais. Mazelas sociais, a exemplo do déficit habitacional, eram
consideradas responsabilidade exclusiva dos governos. Reinava o pensamento
21
consagrado pelo economista Milton Friedman, segundo o qual empresas foram
constituídas para produzir lucro, ficando a cargo dos governos o cuidado com
questões sócio-ambientais e a vigilância aos excessos cometidos pelo setor
privado (EGGERS & MACMILLAN, 2013).
Polak e Warwick (2013) defendem a ideia de que somente negócios
podem acabar com a pobreza, porque as demais formas de auxílio são
superficiais e efêmeras. Filantropia, por exemplo, é útil em situações de
emergência. No entanto, a simples doação de dinheiro não atinge o núcleo do
problema e, portanto, não o resolve.
Asseveram esses autores que, no mundo inteiro, é comum que ações
governamentais apresentem horizonte de curto prazo, visto que ocupantes de
cargos eletivos costumeiramente não se preocupam com o tempo posterior ao
seu mandato. Governantes sofrem pressão para criar soluções imediatas que,
no mais das vezes, não são as mais efetivas (POLAK & WARWICK, 2013).
O caráter de curto prazo das ações governamentais também é tratado
por Bornstein e Davis (2010), que, a seguir, incluem os doadores individuais no
rol das pessoas que não visam resultados sustentáveis num prazo estendido.
Disso resulta o seguinte problema: peregrinar em busca de indivíduos ricos
dispostos a doar dinheiro para um negócio é penoso, custa caro e consome
muito tempo (BORNSTEIN & DAVIS, 2010; YUNUS, 2010).
Ainda questionando o modelo tradicional de solução pública, Polak e
Warwick (2013) indicam que outros interesses permeiam a decisão de
investimento dos governos. Para ilustrar, citam a ajuda internacional dos Estados
Unidos aos países pobres. Em 2010, os Estados Unidos da América – EUA –
doaram US$ 4,75 bilhões para seus dois principais beneficiários – Israel e Egito.
Desse total, 86% foram destinados a auxílio militar. A se considerar que os EUA
tenham grande capacidade financeira, o fato de a maior parte das doações não
ser revertida para programas de combate à pobreza indica a incapacidade dos
governos de nações ricas em produzir soluções no âmbito social.
Corroborando as idéias de Polak e Warwick (2013), Eggers e Macmillan
(2013) submetem a teoria chamada solution economy (economia de solução,
tradução nossa), segundo a qual o setor privado assume parte das
responsabilidades que antes eram exclusivas dos governos. Seu trabalho
confirma a incapacidade do Poder Público em resolver – sozinho – os mais
22
graves problemas sociais. Sobre a participação do mundo dos negócios no alívio
ao sofrimento humano, os autores sugerem:
Quando grandes problemas sociais são vistos não como
caridade mas como oportunidades de mercado, as ações de
negócios são feitas em maior escala e têm maior visibilidade no
longo prazo. (EGGERS e MACMILLAN, 2013, p. 34, tradução do
autor).
Uma nova estrutura de negócios que envolva a integração de sociedade
civil, governos e grandes corporações é necessária para atender a um mercado
inexplorado que Prahalad & Hart (2002) chamam de “base da pirâmide”.
A busca pelo perfeito entendimento de como poder público e iniciativa
privada enfrentam os problemas relacionados à pobreza necessitará, para
efeitos deste trabalho, da compreensão do conceito de modelos de negócios.
Tratar-se-á com detalhes sobre esse fenômeno no segundo capítulo do
referencial teórico, não sendo dispensados breves comentários preliminares.
Modelos de negócios referem-se à lógica da empresa, a forma como ela
funciona e cria valor para as pessoas e organizações que fazem parte de sua
cadeia de relacionamento (CASADESUS-MASANELL & RICART, 2010). Cada
modelo representa a foto de um momento da empresa e inclui seus recursos e
competências,
sua
estrutura
organizacional
–
fornecedores,
clientes,
concorrentes, órgãos reguladores e outros – e a oferta que se traz ao mercado,
denominada proposta de valor (DEMIL & LECOCQ, 2010).
Conforme será demonstrado ao longo deste trabalho, a partir da entrada
do setor privado no esforço de busca por soluções para os problemas gerados
pela pobreza, surgiu na literatura um subtipo do conceito modelo de negócios.
Nomeados modelos de negócios sociais, são parecidos com empreendimentos
tradicionais, carregando a diferença de possuírem como propósito principal a
geração de resultados sociais e não lucros financeiros (YUNUS, 2010). Modelos
de negócios sociais estão de tal forma próximos aos convencionais que
Bornstein e Davis (2010) apostam que a grande jogada da inovação a partir da
segunda década do século XXI sairá da interseção entre os dois setores.
Iniciativas de negócios que vão além da simples Responsabilidade
Social Corporativa – RSC – e da filantropia são vistos como oportunidades tanto
para grandes empresas aumentarem seus mercados quando para atingir
23
resultados no campo social, aliviando efeitos da pobreza (THOMPSON &
MACMILLAN, 2010; YUNUS, 2010). É nesse contexto que se apresenta a
literatura de inovação social, um tipo independente e distinto de inovação, que
pretende realizar uma nova combinação de fatores para atingir objetivos
relacionados ao benefício público (HOWALDT & SCHWARZ, 2010). Ocorre que
a maioria dos estudos sobre inovação social analisam emprendimentos
desenvolvidos por Organizações Não Governamentais – ONGs – e não modelos
de organizações empresariais, como propõe esta pesquisa.
No Brasil ainda se contam em pequeno número os modelos de efetiva
participação do segmento empresarial na busca por resultados sociais. Chama
a atenção o lançamento, em 2009, do PMCMV, para enfrentamento do déficit
habitacional. O modelo do programa envolve a participação do Poder Público em
parceria com instituições financeiras, construtoras, imobiliárias e outros atores.
Encontra-se no Contexto de Pesquisa deste trabalho uma descrição mais
detalhada de seu funcionamento, devendo-se adiantar que sua proposta previa
a construção de 3 milhões de novas moradias entre 2009 e 2014.
A literatura contemporânea de inovação social, conforme restará
demonstrado neste trabalho, estuda atualmente diversos modelos de negócios
sociais em que grandes empresas atuam ao lado do Poder Público em busca de
dois tipos de resultados na temática denominada “inovação social” e “modelos
de negócios sociais”: retorno financeiro e retorno social. Porém, não se
encontram estudos aprofundados sobre o PMCMV em relação às mesmas
temáticas. Busca realizada em junho de 2014 nos acervos das Revistas RAC –
Revista de Administração Contemporânea, BAR – Brazilian Administration
Review, RAC Eletrônica e ao portal de periódicos científicos Spell utilizando-se
como palavras-chave os termos que definem o PMCMV não encontrou
resultados. Buscando-se por “inovação social”, surgem trabalhos voltados
exclusivamente para o setor sem fins lucrativos.
Conforme visto, no Brasil há exígua pesquisa acerca de tais temas e até
mesmo
na
literatura
internacional
não
existem
exemplos
brasileiros
representativos de tal modalidade, forma ou tipo de inovação. Assim, torna-se
oportuno pesquisar um caso brasileiro nas perspectivas duplas de inovação
social e modelos de negócios sociais e confrontá-lo com a fronteira da geração
concomitante de lucro empresarial e lucro social. Existe uma lacuna teórica entre
24
os estudos de modelos de negócios sociais, os graves problemas decorrentes
da pobreza e as parcerias entre organizações e o Estado Brasileiro.
Destarte, este trabalho se aprofundará no estudo dos conceitos de
inovação, modelos de negócios e modelos de negócios sociais, para extrair o
conhecimento necessário à resposta da pergunta de pesquisa que se propõe,
qual seja:
O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma
instituição financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de
negócio social, conforme os conceitos preconizados na literatura
contemporânea de inovação social?
1.2 Objetivos da Pesquisa
Para responder à pergunta proposta, o presente trabalho tem os
seguintes objetivos:
1.2.1 Objetivo geral:
Investigar, descrever e analisar o modelo de negócios do
“Programa Minha Casa, Minha Vida” executado por uma
instituição
financeira
federal
com
base
nos
conceitos
preconizados na literatura contemporânea de inovação social e
negócio social.
1.2.2 Objetivos específicos
a) Investigar, descrever e analisar o conceito, objetivos, métricas e
resultados do PMCMV;
b) Examinar
e
detalhar
a
proposta
de
valor
que
envolve
produtos/serviços, clientes e demais stakeholders do PMCMV e a
constelação de valor (redes interna e externa);
25
c) Investigar e analisar a equação de lucro financeiro – receitas/custos
e recuperação do capital – e a equação de lucro social, conforme
modelo de Yunus et al. (2010);1
1.3 Justificativa
A busca de resultados financeiros que agradem aos acionistas ainda é
o principal objetivo da maioria das organizações, porém é crescente o número
de empresas que desenvolvem negócios sociais (YUNUS et al., 2010). Esses
empreendimentos ocorrem diretamente ou via parcerias com ONGs e Governos
de países em desenvolvimento.
Embora existam experiências relativamente antigas como o Grameen
Bank (Banco do Vilarejo), fundado em 1976 (YUNUS, 2010), apenas na primeira
década do século XXI o tema negócios sociais ganhou notoriedade na literatura
especializada. Como todos os campos emergentes de pesquisa, não possui
fronteira lógica definida, acabando misturados em outras disciplinas (MAIR &
MARTI, 2004). Para Weber (2008), o conceito de negócios sociais ainda não
atingiu completo reconhecimento, mas já é uma realidade. Yunus et al. (2010)
entendem ser necessário o aprofundamento no duplo campo de pesquisa e
experimentação de modelos de negócios sociais, dado que muitas questões
permanecem sem solução. A conferência desses autores permite concluir que,
sob o ponto de vista do mundo acadêmico, é importante o aprofundamento no
tema, seja via pesquisa e/ou experimentos. Para a academia brasileira,
especialmente, o assunto reclama maior atenção, visto que, ao se pesquisar a
literatura de inovação social, encontram-se poucas referências nacionais. O
curso de Mestrado Profissional em Administração de que este trabalho é
requisito está conectado com o tema proposto, pois um de seus eixos centrais é
exatamente a Inovação.
Há um crescente interesse da academia pelo tema, posto que atrai a
atenção do mundo dos negócios. A pobreza é elemento contrário à produção,
dentro do raciocínio de que sem renda não há consumo. Se existem 2,7 bilhões
de pessoas à margem do consumo, conforme já citado anteriormente, e a se
1
Ver QUADRO 4
26
considerar a informação de Polak e Warwick (2013) de que 50% do poder de
compra nos países em desenvolvimento reside na base da pirâmide, parece
claro o interesse do meio corporativo em voltar seus olhos para tal direção.
A espécie de inovação a ser estudada possui requisitos para conquistar
o interesse acadêmico por representar ferramenta capaz de construir a conexão
entre governos e sociedade civil na divisão de responsabilidades pela mudança
social, como se depreende de Yunus (2010). Se uma empresa tradicional não
sobrevive sem inovação (DAVILA et al., 2006), é possível que a inovação social
seja igualmente importante. Polak e Warwick (2013) afirmam que nenhuma
empresa irá sobreviver se ignorar as mudanças e deixar de apostar num
mercado com quase três bilhões de possíveis clientes, embora tal indicação
esteja sujeita a questionamentos.
O estudo dos modelos de negócios sociais ganha relevância à medida
que as práticas se proliferam pelo mundo. Nas palavras de Bornstein e Davis
(2010):
Empreendimentos sociais estão surgindo tão rapidamente e em
tantas direções que serão necessários numerosos livros para
que se dê tratamento adequado. (BORNSTEIN e DAVIS, 2010,
p. 100, tradução do autor).
O pesquisador deste trabalho se entusiasmou com o tema por múltiplas
razões. O programa objeto do estudo é executado, entre outras, pela instituição
em que o autor trabalha desde 2001, situação que torna a matéria ainda mais
instigante aos seus olhos. A partir do início do Mestrado Profissional em
Administração, o autor passou a ter contato com conceitos que ainda não
experimentara estudar. O estudo sobre inovação em geral, negócios sociais, as
características de tais modelos de negócios e os exemplos de aplicação prática
ao redor do mundo incentivaram a curiosidade da pesquisa.
Para a instituição em análise, a pesquisa é importante porque permitirá
esclarecer a configuração do PMCMV e revelar se é possível promover melhoria
na qualidade de vida da população e ainda assim gerar lucros financeiros em um
mesmo modelo de negócios. O correto enquadramento científico do PMCMV
permitirá à instituição fortalecer a atuação no mesmo. Categorizar o PMCMV
como filantrópico, inovação na base da pirâmide, transferência de benefícios do
Governo Federal ou negócio social permitirá a redução de eventuais
27
contestações e exaltações inspiradas por adversidades político-ideológicas,
tornando-o peça classificada cientificamente.
As ambiciosas metas do PMCMV, definidas em seus estatutos legais, de
construir 3 milhões de novas moradias no período de 2009 a 2014 reveste de
relevância o objeto do estudo, especialmente em se considerando o déficit
habitacional brasileiro de 5,4 milhões de domicílios (IPEA, 2013).
Quanto aos procedimentos metodológicos deste trabalho e a partir do
desenho de pesquisa supracitado, trata-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa, com finalidade descritiva. O meio empregado será o estudo de caso,
o que permitirá uma análise profunda do objeto de estudo, o PMCMV. Empregarse-ão principalmente os procedimentos de levantamento bibliográfico, análise
documental, entrevistas semi-estruturadas e observação direta. A metodologia
completa será detalhada em capítulo próprio.
1.4 Estrutura do Texto
A presente dissertação está organizada em cinco partes. Na parte
introdutória são apresentados a problemática, a pergunta de pesquisa, os
objetivos gerais e específicos, a justificativa e menções à metodologia a ser
aplicada.
A segunda parte constitui o Referencial Teórico dividido em três
capítulos. O primeiro capítulo trata de inovação. São feitas análises dos
conceitos e importância da inovação, processos de produção e sobre a inovação
na interface entre a tecnologia e o modelo de negócios. No segundo capítulo
serão estudados os conceitos de modelos de negócios. O terceiro capítulo
apresentará os modelos de negócios sociais, tratando dos pontos em comum e
das diferenças com relação aos empreendimentos convencionais, bem como
descreverá a importância da mensuração e os indicadores de resultados sociais.
Na terceira parte são apresentados os procedimentos metodológicos a
serem aplicados na pesquisa, descrevendo os principais conceitos e propostas
da metodologia. Será, ainda, descrito o contexto em que se realizará a pesquisa,
ou seja, a instituição e o programa objeto do estudo. A quarta parte – análise e
discussão de resultados – será composta da análise detalhada do modelo de
negócios do PMCMV, suas características, proposta de valor, constelação de
28
valor, equação de lucro financeiro e equação de lucro social. Por fim, a quinta
parte – conclusões –pretende responder à pergunta de pesquisa, ressaltando
eventuais lacunas deixadas pelo estudo e recomendando o aprofundamento em
determinadas questões.
29
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O Referencial Teórico aborda os seguintes temas: Inovação,
considerando seus conceitos e importância, processo de produção e a dupla
abordagem da inovação na tecnologia e no modelo de negócios; Modelos de
Negócios, trazendo seus conceitos, a diferença com relação à ideia de estratégia
e seu dinamismo; por fim, trata do subtipo nomeado Modelos de Negócios
Sociais.
2.1 Inovação
2.1.1 Conceitos e Importância
Neste capítulo, será submetida à análise a temática inovação, cujos
contornos são tangentes ao escopo principal do trabalho. Pretende-se iniciar
com conceitos trazidos por autores especializados e tratar da importância da
inovação para o mundo empresarial em geral. Em sequência, serão
apresentadas linhas gerais de como produzir inovação, explicando-se
adicionalmente o processo de tentativa-e-erro. Por fim, será exposta a inovação
como agente influenciador não somente da tecnologia, mas também do Modelo
de Negócios, de forma a atingir-se o entendimento de que estes também são
afetados pelas mudanças, ao contrário do que supõe o senso comum.
Inovação é tema recorrente no cotidiano do mundo corporativo. É
possível constatar que as empresas que alcançam maior sucesso em termos de
dinamismo e rentabilidade são as mais inovadoras, aquelas que criam novos
mercados, diversamente de permanecer brigando em setores altamente
concorridos (TIGRE, 2006). Corroborando Alvarenga Neto (2012) em sua
definição como “tarefa ingrata” a de conceituar inovação, é farta a literatura a
respeito, de onde se extraem conceitos vários, como os apresentados nos
parágrafos a seguir.
Um conceito que remete à prática das organizações, portanto de fácil
reconhecimento, é o de Teece (2010), para quem a inovação ocorre quando se
modifica a forma de como a empresa vai a mercado.
30
Na concepção de Drucker (1998), inovação é “o esforço para criar
mudanças
propositais
num
potencial
ambiente
econômico
ou
social”
(DRUCKER, 1998, p. 3).
Tigre (2006) chama a atenção para o costumeiro equívoco entre os
conceitos de inovação e produto novo, no que é acompanhado por Alvarenga
Neto (2012), que alerta para a habitual confusão entre as ideias de inovação,
criatividade e invenção. Para Tigre (2006), um lançamento só poderá ser
chamado de inovador se alcançar escala comercial. A simples criação de um
produto
com
características
diferentes
daqueles
já
existentes
não
necessariamente caracteriza inovação. As novidades incapazes de se difundir
amplamente no mercado serão classificadas como mera invenção. Neste
mesmo sentido, Davila et al. (2006) afirmam que criatividade e cultura criativa
não são fundamentos primordiais da inovação, uma vez que produzir ideias
constitui a parte fácil do processo. A dificuldade está em selecionar e
implementar as boas criações.
Por fim, Davila et al. (2006) descrevem inovação como um processo de
gestão que requer ferramentas específicas, regras e disciplina. Inovação é aquilo
que produz mudanças fundamentais para a sobrevivência da organização.
Postos os conceitos, avista-se o momento de clarificar a importância da
inovação no ambiente organizacional e sua fixação como diferencial competitivo.
Assim o faz Porter (2001), para quem a distinção necessária está em avançar ao
mercado de uma maneira diferente da clássica, sendo que o lançamento de
produtos convencionais com métodos costumeiros já não garante vantagem
competitiva.
Davila et al. (2006) asseveram que inovação é elemento-chave para o
crescimento, fator crítico sem o qual as empresas param, os competidores as
ultrapassam e, por fim, as empresa morrem. Useem, apud Davila et al. (2006),
confirma essa assertiva ao dizer que “inovação é questão de sobrevivência”2.
Davila et al. (2006) usam a mesma expressão, “questão de sobrevivência”, para
dizer que, sem inovação, a empresa será extinta. Prosseguem declarando que,
quanto a isso, não há dúvidas, restando apenas incerto quando tal fato terá lugar.
2
USEEM, J. 3M + General Eletric = ?.Fortune Magazine, EUA, 12 de agosto de 2002. Disponível em:
http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2002/08/12/327038/index.htm, acessado
em 12/04/2014
31
Deixar de inovar é tão dramático para uma empresa que Teece (2010) reconhece
a absoluta necessidade de mudança por conta própria, antes que a companhia
seja impelida por forças externas, como aconteceu com os bancos de
investimento nos Estados Unidos após a crise de 2008. Corroborando os já
citados autores, Kanter (2006) ressalta a proeminência das ações inovadoras ao
determinar que “inovação envolve ideias que criam o futuro” (KANTER, 2006, p.
12, tradução nossa). Dessa declaração é possível depreender que não há futuro
para companhias pouco ou nada inovadoras.
Afirmar que comportamento inovador seja vital para o sucesso
empresarial encontra apoio em Drucker (1998). Para esse autor, ninguém mais
precisa ser convencido da importância da inovação.
Pacificado tal entendimento, há que se investigar o “como” fazer, que
constitui responsabilidade de todos os executivos e função específica de todos
os empreendimentos, sejam eles negócios existentes, instituições públicas ou
um novo negócio iniciado na cozinha de uma família.
2.1.2 Processo de Produção da Inovação
Antes, porém, de tratar-se da execução em si, mostra-se indispensável
investigar a partir de onde a organização enxerga oportunidades de inovar.
Drucker (1998) afirma que inovação é, em regra, fruto de um processo
consciente, uma busca por oportunidades que surgem em determinadas
situações produzidas por “fontes de inovação”. Exceção que confirma a regra
encontra-se na eventualidade, em situações nas quais a inovação nasce de um
processo não estruturado, como num lampejo de genialidade. O autor apresenta
sete fontes que criam tais ensejos para os inovadores, sendo quatro internas à
organização e três externas, representadas no QUADRO 1.
32
QUADRO 1
Fontes de Inovação
Oportunidade
Exemplos
Localização
Sucessos
e
fracassos
inesperados: situações não
planejadas pela empresa, mas
para as quais os gestores
permanecem
atentos
e
desenvolvem negócios a partir
da ocorrência
A máquina de calcular da IBM (1930) não Interna
conquistou o mercado-alvo (bancário), mas
encontrou outras aplicações e levou a empresa ao
domínio da indústria de computadores nos 50 anos
seguintes.
Incongruências (desconexões
entre lógicas de processo,
realidades econômicas, ou
expectativas/resultados
Surgimento dos containers na indústria cargueira Interna
naval, que quanto mais crescia, menos lucros
produzia, devido ao tempo dos navios parado nos
portos.
Necessidades de processo
A “mídia” é resultado de 2 inovações dos anos Interna
1890: a produção expressa e em alto volume de
jornais (Linotipo de Mergenthaler) e a venda de
publicidade (New York Times e New York
World).
Mudanças industriais e de Indústria de cuidados com a saúde nos EUA, nos Interna
mercado:
criam
muitas anos 1980/1990 se espalhou em clínicas privadas
oportunidades de inovação. ao longo do país inteiro
Comum quando a indústria
cresce rapidamente. Perigosa
para empresas estabelecidas.
Mudanças
demográficas: Japoneses perceberam, nos anos 1970, a redução Externa
normalmente negligenciadas da natalidade e a melhoria do nível de educação
pelos gestores
dos jovens. Portanto, faltaria mão-de-obra pesada
no futuro. Investiram em robótica e se tornaram
líderes neste setor
Mudanças na percepção (copo
meio cheio ou meio vazio).
Mudanças que não alteram os
fatos, mas sim seu significado
(podem
ocorrer
muito
rapidamente)
A qualidade da saúde dos norte-americanos Externa
melhorou muito nos anos 1970/1980,
incentivando as pessoas a desejarem “a vida
eterna”. Isso gerou oportunidades para surgimento
de revistas especializadas em saúde, comida
saudável, academias, equipamentos de ginástica
etc.
Novos conhecimentos: são as
estrelas da inovação, a
primeira imagem que as
pessoas visualizam quando
pensam no tema
Criação do sistema bancário moderno por JP Externa
Morgan (EUA) e Georg Siemens (Alemanha),
indústria da computação, indústria da eletricidade,
aviação ...
Fonte: adaptado de DRUCKER (1998)
33
As oportunidades surgidas por meio das fontes propostas por Drucker
(1998) despertam a necessidade de um processo sistemático, intencional, que
envolva observação, questionamentos e audição, cujo produto é a inovação.
Tigre (2006) confirma o caráter processual e sistemático ao definir que a
inovação é conseqüência de uma combinação de várias fontes, internas e
externas à empresa, partindo das atividades de P&D – Pesquisa e
Desenvolvimento, passando pela aquisição de conhecimento codificado – livros,
manuais, softwares – e chegando à aquisição de licenças e tecnologia embutida
em equipamentos.
Conhecimento parece ser etapa do processo, visto que Tigre (2006)
destaca a importância da inovação realizada por meio da informação e do
conhecimento, de modo a agregar valor à estrutura produtiva. Explica que o
desenvolvimento não advém somente da expansão econômica, mas também é
conseqüência direta de investimentos em educação, tecnologia e inovação.
Conhecimento e informação são igualmente ressaltados por Alvarenga Neto
(2005) como elementos fundamentais no ambiente organizacional, visto
consistirem em “únicos fatores capazes de fortalecer as competências
essenciais das organizações e contribuir para a consolidação de vantagens
competitivas sustentáveis” (ALVARENGA NETO, 2005, p. 19).
Ainda com respeito à íntima relação entre conhecimento e inovação,
toma-se emprestado o alerta de Choo (1996) sobre o fato de que ter uma visão
antecipada dos movimentos do mercado constitui vantagem competitiva, do que
se conclui que inovar não deve ser um ato inconsciente, mas uma ação
direcionada. Para Choo (1996), alterações relevantes no ambiente irão
determinar os momentos em que a empresa deve agir, tomando uma decisão
racional. Tais alterações podem ser identificadas a partir de sinais enviados pelo
ambiente externo, cabendo às organizações tratarem esses indícios para
transformá-los em conhecimento. Por sua vez, conhecimento será material para
a tomada de decisão dos gestores. Nas palavras do autor, “o novo conhecimento
é aplicado ao desenho de novos produtos e serviços, aprimoramento das ofertas
existentes e melhoria do processo organizacional” (CHOO, 1996 p. 330).
Despertada a necessidade de mudança e geradas as oportunidades
pelas fontes internas e externas, o “como fazer” da inovação, conforme Drucker
(1998), é similar à execução de qualquer outro empreendimento. Requer muito
34
mais trabalho do que genialidade – trabalho duro, focado, intencionalmente
planejado. O procedimento é simplificado por Davila et al. (2006) quando
afiançam que, para se produzir inovação não é necessário uma revolução dentro
da empresa, mas sim a construção de um processo sólido de gestão e
organização, que faça as coisas acontecerem. Refere-se a um trabalho
intencional, focado nos atributos de uma empresa inovadora, sob uma gestão
preparada para enfrentar as barreiras internas e externas e baseado no binômio
tentativa-erro. Necessário reforçar que inovação não acontece num passe de
mágica, consoante afiançam Davila et al. (2006) ao incluí-la como parte integral
da mentalidade de negócios da corporação.
Além de ser reconhecida como elemento crucial da competitividade, a
inovação depende de incentivos para florescer. Tigre (2006) ressalta o papel
decisivo de um ambiente favorável ao fenômeno inovador:
A geração e apropriação de inovações, entretanto, é um
processo complexo que depende não apenas das qualificações
e dos recursos técnico-financeiros detidos pela firma, mas
também do ambiente institucional no qual está inserida e do
poder de negociação com fornecedores e clientes. (TIGRE,
2006, p. VIII ).
Preparar o terreno para promover a inovação nas organizações é
condição para seu desenvolvimento. Legislação, apoio político e localização
geográfica que facilitem conexões entre os participantes de uma cadeia
produtiva fazem parte da seleção de itens a se considerar quando se fala em
inovação (PORTER, 2001). Países capazes de promover um ambiente fértil para
inovação o fazem através de políticas inspiradas pelo conhecimento das
características de uma empresa inovadora e dos fatores sistêmicos que podem
influenciar o fenômeno (OCDE, 1997).
Uma vez compreendido que a inovação surge de determinadas fontes,
depende de trabalho árduo e só se desenvolve num ambiente favorável, além de
estar relacionada ao conhecimento, faz-se importante considerar que resultados
somente serão alcançados quando o pretenso inovador se lança a campo para
observar, perguntar e ouvir (DRUCKER, 1998). Cabe a abertura de breves
parêntesis para lembrar fala atribuída ao político mineiro Benedito Valadares,
35
sobre a importância de prestar atenção ao que os outros dizem: “Estou rouco de
tanto ouvir” (BENEDITO VALADARES, 2014).
A inovação será conseqüência de operações diferentes do negócio
existente, numa lógica de tentativa e erro (MCGRATH & MACMILLAN, 1995).
Chesbrough (2010) sugere a criação de experimentos em menor escala, para
simular o lançamento de uma novidade. Tais experimentos devem ser fiéis à
realidade para acumular conhecimento sobre possíveis falhas antes do
lançamento definitivo. Para esse autor, falha não é sinônimo de erro. A primeira
faz parte do processo normal de experimentação e é útil para o aprendizado. O
segundo aparece apenas em experimentos mal desenhados. McGrath (2010),
da mesma forma, defende que, diante da impossibilidade de previsão do futuro
para o lançamento de novos produtos, o melhor caminho é a experimentação de
baixo custo inicial. Consiste em um grande erro aplicar altos volumes de recursos
numa ideia embrionária, mesmo que seja promissora. Melhor seria iniciar com
aporte menor de recursos até que a novidade se provasse viável, por meio dos
testes.
Essa autora separa a abordagem convencional – que mede o sucesso
da inovação pela taxa de acerto das projeções do futuro– da abordagem dirigida
à descoberta – surgida uma nova ideia, ela deve passar por testes de validação.
Bornstein e Davis (2010) confirmam a necessidade de se suportar falhas num
processo de inovação, concluindo que cometer erros que ajudem a aprender é
o caminho para produzir ideias melhores. Bons exemplos de inovação
“indesejada” são as descobertas do Raio X e da penicilina. Os pesquisadores
buscavam outras coisas e só chegaram aos resultados surpreendentes a partir
de observação, experimentação e ajustes.
2.1.3 Inovação na interface entre Tecnologia e Modelo de Negócios
Ao finalizar a análise da temática inovação, consonante à atenção
principal deste trabalho, há que se retornar aos conceitos do objeto de estudo
para identificar-se uma modalidade que recebe, segundo Alvarenga Neto (2012),
pouquíssimo valor da academia. Refere-se à inovação que acontece no modelo
de negócio.
36
Popularmente difundida é a definição de inovação tecnológica que, de
acordo com a OCDE (1997), se dá com a implantação de um novo produto com
características aprimoradas para oferecer ao consumidor serviços novos ou mais
sofisticados. Essa visão é ilustrada por Davila et al. (2006), que descrevem a
primeira imagem que vem à mente das pessoas quando se fala em inovação:
uma sala onde técnicos e engenheiros estão concentrados, trabalhando para
construir a próxima e espetacular tecnologia que irá revolucionar o mundo. Disso
se infere que, popularmente, o termo “inovação”, sem complemento, está
associado a novidades tecnológicas. É bastante simples enxergar novas
tecnologias em produtos como chips de computador, equipamentos eletrônicos,
fábricas, ao passo que se mostra complexo identificar a inovação contida em
uma refeição italiana, em uma apresentação artística ou em uma caixa de sabão
em pó (OCDE, 1997).
Davila et al. (2006) afirmam tratar-se de um equívoco a imediata conexão
entre o termo “inovação” e o avanço tecnológico, uma vez que se pode
influenciar tanto aspectos da tecnologia quanto do modelo de negócios.
Destacam em seu trabalho a relevância de não se prender apenas à inovação
tecnológica. Em suas palavras, “desenvolver novos modelos de negócios e
novas estratégias é tão importante [quanto desenvolver novas tecnologias] – às
vezes, mais” (DAVILA et al., 2006, p. XVI, tradução nossa).
Encontram-se fartamente na literatura e no cotidiano exemplos
vencedores de inovações que nada alteraram a tecnologia e, ainda assim,
mudaram a direção da indústria inteira. É o caso da Apple com o iTunes,
inovação que atingiu apenas o modelo de comercialização de músicas, sem criar
uma nova tecnologia (ALVARENGA NETO, 2012; DAVILA et al., 2006;
JOHNSON et al., 2008). Grande sucesso obteve a Dell Computadores com a
substituição de seu sistema de vendas através de representantes para venda
direta ao consumidor, sem envolver novas tecnologias (DAVILA et al., 2006). Por
sua vez, Teece (2010) menciona a empresa aérea Southwest Airlines, que
recorreu à inovação no modelo de negócios para conquistar significativa redução
de custos. Seu modelo, apelidado “sem frescuras”, se baseia nos seguintes
aspectos: utilização de um único tipo de aeronave, venda direta aos clientes, uso
de aeroportos periféricos, cobrança por serviço de bordo.
37
Alvarenga Neto (2012) defende o mesmo ponto de vista, apontando a
limitação da fixação na inovação em tecnologia e sugerindo estudos ampliados
para abranger tanto o aspecto tecnológico quanto o modelo de negócio, com uso
das seis alavancas da inovação propostas por Davila et al. (2006). Conforme se
verifica na FIG. 1, o modelo prevê três alavancas no campo tecnológico e três
no modelo de negócios, as quais serão conceituadas e exemplificadas nos
parágrafos a seguir.
Figura 1: As seis alavancas da inovação. Fonte: adaptado de Davila et al. (2006), p. 31
Alavancas da tecnologia:
Inovações nos produtos e serviços são as mais visíveis ao cliente.
Configuram a representação mental da palavra “inovação” para a maioria das
pessoas. São as estrelas populares. Podem ser novidades inseridas em
produtos já existentes ou mesmo a criação de um produto completamente novo.
Os consumidores aguardam por esta modalidade. Podem ser novos recursos em
aparelhos de telefone, uma nova droga revolucionária na indústria farmacêutica,
o próximo modelo de tablet.
Bem menos perceptíveis ao primeiro olhar são as inovações em
tecnologias de processos, geralmente feitas para redução de custos. Envolvem
tecnologias de processamento de alimentos, fabricação de automóveis, refino de
petróleo, geração de energia e outros. São especialmente importantes nas
indústrias de commodities, onde o produto de todos os concorrentes é
praticamente idêntico.
Tecnologias capacitantes estão em uma alavanca indireta, não fixada ao
produto/serviço. Muito pouco claras aos olhos do cliente, são utilizadas para
melhoria da estratégia, auxiliando na tomada de decisões e na gestão financeira.
38
Um exemplo é a tecnologia da informação que, ao ser aprimorada, permite
execução mais eficiente e veloz da estratégia.
Alavancas do Modelo de Negócios:
Inovações na proposta de valor significam novos produtos ou ampliação
da oferta do produto existente. Trata-se do caso da mudança significativa no
campo de atuação da IBM, que voltou seu foco para a prestação de serviços,
reduzindo a produção de equipamentos.
A alavanca cadeia de suprimentos inclui inovações pouco visíveis para
os clientes, que ocorrem no campo da distribuição do valor. Estão nos bastidores
e, geralmente, não provocam a comoção habitual do lançamento de um produto
revolucionário. Exemplo: parceria da Microsoft com desenvolvedores de jogos
para o console Xbox.
Novos segmentos de clientes-alvo podem ser definidos, visando melhor
desempenho da organização. Inovar nesta alavanca representa direcionamento
dos esforços para outros clientes, como na história do desenvolvimento das
barras de cereal que, a princípio, eram voltadas para atletas profissionais.
Posteriormente, a indústria encontrou novos nichos de mercado, especialmente
pessoas preocupadas com a boa forma física.
A análise da literatura feita neste capítulo conduz à conclusão de que
inovação é capital necessário para gerar e manter vantagem competitiva
(PORTER, 2001), sendo consequência não da casualidade (DAVILA et al.,
2006), mas de um processo direcionado para este fim, num ambiente propício
(TIGRE, 2006), a partir de determinadas fontes (DRUCKER, 1998). A busca pela
inovação deve se pautar na experimentação com projetos de menor porte, para
proteger a empresa dos riscos de um lançamento dispendioso (MCGRATH,
2010).
O conceito de inovação adotado para este trabalho é o de geração de
valor como interface entre a tecnologia e o modelo de negócio, de acordo com
as ferramentas propostas por Davila et al. (2006).
Uma vez investigados os conceitos, importância, fontes, processo,
ambiente necessário para seu florescimento e as alavancas da inovação –
sobretudo aquelas que influenciam algo além da tecnologia – passa-se a
39
discorrer sobre o que há de mais contemporâneo na literatura de modelos de
negócios.
40
2.2 Modelos de Negócios
Para os objetivos a que se propõe este trabalho, o estudo dos modelos
de negócios é fundamental, pois é introdutório à análise de um subtipo destes,
quais sejam, os modelos de negócios sociais.
Inicia-se
o
capítulo
com
conceitos
pesquisados
na
literatura
especializada. A seguir, disserta-se a respeito da história desses modelos e seu
posicionamento dentro da Teoria Econômica. A importância para as
organizações, distinção com relação a estratégia, execução e dinamismo dos
modelos de negócios completam esta parte do estudo.
2.2.1 Conceitos, desenvolvimento histórico e posicionamento na Teoria
Econômica
Um dos conceitos de modelos de negócios encontrados na literatura
contemporânea é o de Teece (2010), segundo o qual se trata da maneira como
a empresa vai a mercado, tendo em sua essência a forma como a empresa
entrega valor, convence os clientes a pagarem pelo valor e transforma parte
destes pagamentos em lucro. Consideravelmente similar é a definição de
Osterwalder (2010): um modelo de negócios descreve a lógica como uma
organização cria, entrega e captura valor. Magretta (2002) compara modelos de
negócios à narração da história de como a empresa trabalha ou,
analogicamente, à narração de como a empresa cria, entrega e captura valor.
Osterwalder (2010) propõe um framework nomeado Canvas (ANEXO A),
que permite análise do modelo de negócios de uma empresa considerando-se
nove blocos, quais sejam: segmentos de clientes (quem é o público-alvo?);
proposta de valor (quais necessidades do cliente são atendidas pela oferta?);
canais de comunicação; relacionamento com o cliente; fluxo de receitas;
recursos-chave (físicos, intelectuais, humanos, financeiros); atividades-chave;
parceiros-chave (alianças, joint ventures, rede de fornecedores); estrutura de
custos.
Já Zott e Amit (2010) tratam modelos de negócios como um sistema de
atividades praticadas pela empresa e seus parceiros, complementado por um
modelo de receitas cujo objetivo final é similar aos anteriormente citados neste
41
capítulo, qual seja: produzir e capturar valor. Conceito análogo é proposto por
Itami e Nishino (2010), que oferecem na composição do modelo de negócios um
sistema de atividades – trabalho de produção e entrega – e um modelo lucrativo
– padrão de como a empresa captura valor. Sua concepção pode ser ilustrada
pelo modelo de negócios do Google, onde é possível identificar o sistema de
atividades no software de buscas – o qual confere ao usuário informações
imediatas em grande volume – e o modelo lucrativo na venda de publicidade
comercial associada às buscas dos usuários (ITAMI & NISHINO, 2010).
Relevante conceito é o de Baden-Fuller e Morgan (2010): modelos de
negócios são um local para investigação científica, sendo utilizados como receita
para gestores criativos. Os autores os comparam a uma receita gastronômica.
Visto sob o ponto de vista da culinária, modelos de negócios podem resultar em
diversos pratos de inovação, a partir da combinação de seus ingredientes:
recursos, capacidades, produtos, clientes, tecnologia, mercados. Essa última
analogia também é descrita por Sabatier et al. (2010), para quem os modelos
devem ser descritos de maneira concisa, de forma que possam ser replicáveis
como uma receita de bolo.
Ao se pesquisar a literatura especializada em modelos de negócios,
estudos a respeito são encontrados com maior fartura na esteira do intenso
desenvolvimento tecnológico e da comunicação ocorrido a partir dos anos 1990.
A definição dessa data para origem dos estudos de tal temática encontra amparo
em Magretta (2002), que aponta a referida expressão como uma das mais
destacadas buzzwords – palavras da moda – do período rotulado “boom da
internet” – final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Teece (2010) reconhece
a mesma origem do termo, dizendo que este ganhou relevância a partir da
primeira década dos anos 2000, devido à emergência do conhecimento da
Internet, do comércio eletrônico e da reestruturação do sistema financeiro
mundial.
O surgimento dos modelos de negócios apenas na transição dos séculos
XX para XXI explica-se pela complexidade que envolvia a elaboração de uma
proposta como esta em tempos deficientes de avançada tecnologia. A
simplificação veio com a introdução dos computadores pessoais e das planilhas
eletrônicas, fato que permitiu o planejamento de modelos de negócios que,
anteriormente, eram gerados acidentalmente (MAGRETTA, 2002).
42
O referido período de nascimento do conceito ora tratado coincide com
os meteóricos surgimento e fracasso das empresas “ponto com”, organizações
sem fundamentos, sem proposta de valor, sem estratégia e nem mesmo clientesalvo, cujo único propósito era auferir lucros com uma tecnologia baseada na
Internet (MAGRETTA, 2002). A coincidência temporal levou à associação entre
modelos de negócios e empresas “ponto com”, gerando motivo para
desconfiança. A autora absolve o conceito ora em estudo, definindo como
culpados aqueles que o distorceram e dele fizeram mau uso, ao mesmo tempo
que insiste na sua importância para qualquer empreendimento de sucesso atual.
Nesse sentido, Teece (2010) aparentemente confirma o engano de tal
correlação direta quando diz que todos os empreendimentos, de maneira
implícita ou explícita, utilizam um modelo de negócios próprio. Seguindo a
mesma linha, Casadesus-Masanell e Ricart (2010) salientam que toda empresa
tem um modelo de negócios, pois todas tomam decisões cujas conseqüências
determinam a lógica de seu funcionamento.
O caráter recente da questão se reflete na baixa difusão do assunto pela
academia, assertiva validada por Baden-Fuller e Morgan (2010), cujo trabalho
aponta uma lacuna nas escolas especializadas, que raramente possuem
modelos de negócios como centro de suas pesquisas. Esses autores
consideram tal brecha uma contradição, visto que o objeto ignorado pelas
escolas de negócio ganha vida no mundo organizacional, faz parte do dia-a-dia
de gestores, consultores, comentaristas na TV e rádio.
Teece (2010) reforça as críticas, afirmando que modelos de negócios
não têm lugar junto à teoria econômica, uma vez que os estudos econômicos
não fundamentam o referido conceito. Insiste que a teoria econômica não vê
problema a ser resolvido por tais modelos, pois segundo ela o mercado
absorverá automaticamente o produto lançado, se ele for vendido a um preço
razoável que garanta lucro para a empresa. O entendimento de Teece (2010) é
de que os estudos econômicos enxergam apenas um mercado ideal que não
existe na vida real. Entretanto, a realidade é o campo em que se desenvolvem
os modelos de negócios. Em um mercado onde não houvesse concorrência,
como uma economia planejada, em que o Estado define a produção, modelos
de negócios seriam desnecessários e, portanto, a Academia não precisaria se
43
preocupar com este assunto. Eles são úteis em mercados onde há competição
(TEECE, 2010).
Em que pese tais fraquezas na fundamentação teórica, esse conceito
deve estar presente na estratégia das empresas (TEECE, 2010). O autor expõe
freqüentes fracassos de inovações tecnológicas causados por desatenção ao
modelo de negócios. Traz o exemplo de Thomas Edison, que não conseguiu
tornar viáveis comercialmente a maioria de seus inventos. Teece (2010) destaca,
ainda, que o melhor entendimento do modelo de negócios leva a empresa a
compreender o comportamento do mercado, resultando em vantagem
competitiva. Johnson et al. (2008) concluem que a razão da dificuldade de
transformar inovações em lucros é o raso conhecimento das empresas com
relação a seus próprios modelos de negócios.
2.2.2 Modelos de negócios e estratégia
Além da citada ausência na Teoria Econômica, os conceitos de modelos
de negócios são habitualmente confundidos com os de estratégia. Diante da
proposição deste trabalho em esclarecer o entendimento sobre a temática em
estudo, considera-se útil desfazer o nó que envolve ambas as proposições.
Regularmente, ao serem perguntadas sobre estratégia, as pessoas confundem
tal matéria com modelo de negócios, embora este último seja mais restrito que
aquela (BADEN-FULLER & MORGAN, 2010).
Estratégia de uma empresa se refere ao caminho em que se combinam
atividades sobrepostas para atingir diferentes clientes e mercados, enquanto
modelos de negócios são um dos elementos da estratégia (SABATIER et al,
2010). Tanto são assim diferentes em amplitude que Casadesus-Masanell e
Ricart (2010) definem estratégia como a escolha do modelo de negócios com o
qual a empresa irá atuar. Numa analogia com máquinas, esses autores usam a
indústria automobilística: o desenho e a fabricação do carro são a estratégia,
enquanto o carro é o modelo de negócios.
Ao tratar de estratégia e modelos de negócios, Teece (2010) conclui que
atrelar ambos é fundamental como proteção às vantagens competitivas surgidas
do desenho do modelo.
44
Estabelecida a distinção entre estratégia e modelos de negócios, passase à análise do dinamismo destes últimos.
2.2.3 Dinamismo do Modelo de Negócios
Com objetivo de se identificar a boa qualidade de um modelo de
negócios, propõe-se a sugestão de Magretta (2002). Segundo os estudos dessa
autora, a organização alcançará sucesso se seu modelo for aprovado no “teste
dos números”. Resultará bem-sucedido o modelo que extrair bons números de
uma história que faça sentido.
A fim de ilustrar, cita a varejista californiana Webvan, cujo modelo de
negócios consistia na venda e entrega de produtos de supermercado na casa
dos consumidores. O primeiro olhar fazia crer que a história agradaria, afinal é
coerente supor que fazer compras no conforto de casa seja atrativo. Porém, a
Webvan não passou no teste dos números: o custo excedente para receber
compras do dia-a-dia em casa não convenceu os clientes e a empresa faliu em
2001.
Se modelos de negócios são fundamentais para toda organização,
conforme se depreende da leitura dos parágrafos anteriores, é simples
compreender que a criação de um modelo representa o primeiro passo para o
sucesso. Porém, alerta Teece (2010), meramente criar um modelo de boa
qualidade não garantirá o sucesso, pois se as características inovadoras forem
fáceis de copiar, em pouco tempo não mais representarão vantagem
competitiva. Entre os mecanismos de defesa contra a cópia de ideias, Teece
(2010) propõe que as empresas adotem a manutenção de um nível de
obscuridade dos detalhes e a implementação de processos difíceis de se copiar.
Adicionalmente às ações de proteção, a literatura ensina que o
dinamismo é característica significativa de um modelo vitorioso. Alcançar e
manter
vantagens competitivas
exige
que
o
modelo
seja
dinâmico,
constantemente revisto e atualizado em virtude das mudanças no ambiente
interno e externo à organização, conforme é possível deduzir da leitura de Demil
e Lococq (2010), reforçados nessa afirmação por Wirtz et al. (2010).
45
A empresa deve estar preparada para os riscos inerentes à necessária
mudança, usando ferramentas como as advindas da “consistência dinâmica”
proposta por Demil e Lecocq (2010). Consistência dinâmica representa a
capacidade da empresa em manter um desempenho sustentável ao mesmo
tempo em que altera seu modelo de negócios. Williamson (2010) explica que,
para grandes empresas, mudar o modelo de negócios é difícil, caro e lento, mas
destaca a importância de que alterações sejam feitas, oferecendo como exemplo
as montadoras japonesas Honda e Toyota, que surgiram aparentemente do
nada e superaram empresas então estabelecidas há 60 anos.
Johnson et al. (2008) contribuem com a discussão sobre o dinamismo
dos modelos das organizações, afirmando que “um segredo para manter um
negócio próspero é reconhecer quando ele necessita de uma mudança
fundamental” (JOHNSON et al., 2008, pg. 2, tradução nossa). Pesquisas desses
autores apontam dados contraditórios quando se confronta a opinião dos
empreendedores e suas efetivas realizações:

Cerca de 50% dos executivos acreditam que a inovação no
modelo de negócios será mais importante do que no
produto/serviço.

Quase a totalidade dos CEO concorda que seus modelos de
negócios necessitam de ajustes.

Somente 10% dos investimentos em inovação são direcionados
aos modelos de negócios. O restante é voltado para tecnologia.
A literatura parece deixar claro que inovar no modelo de negócios
representa decisão estratégica das mais importantes em uma organização.
Sob certas circunstâncias, até mesmo um novo modelo é necessário,
conforme apontam Johnson et al. (2008) por meio do exemplo da criação de uma
nova proposta em torno de uma antiga tecnologia, como fez a Apple com a
distribuição de músicas via iTunes para rodar nos mesmos tocadores de MP3 já
existentes. Importante que se responda a movimentos na base da concorrência
e se afastem disruptores por via da recriação do modelo. Caso o veículo de
baixíssimo custo criado pela Tata Motors venha a ser disruptor do mercado, a
indústria automobilística terá que criar novos modelos de negócios para
sobreviver.
46
Além de se defender da imitação combinando análise estratégica com
análise do modelo de negócios (TEECE, 2010), ou recriando o próprio modelo
(JOHNSON et al., 2008), faz-se importante manter o foco na observação do
ambiente externo, que influencia o modelo de negócios tanto ou mais que a
gestão da empresa (DEMIL e LECOCQ, 2010). Esses autores destacam o perigo
de que o modelo se perca por fatores localizados fora do alcance do gestor, risco
este minimizado na proposta de Teece (2010), para quem o modelo deve ser
visto como solução provisória, estando pronto para ser substituído por outro em
algum momento.
A inteligência a respeito de modelos de negócios, conforme se
depreende da literatura especializada tratada neste capítulo, é absolutamente
necessária para a condução de uma organização rumo ao sucesso. Escassos
estudos formais e falta de atenção para este aspecto da administração dificultam
a viabilidade da inovação (BADEN-FULLER e MORGAN, 2010; TEECE, 2010).
O gestor tem o desafio de promover a inovação não somente nos aspectos
tecnológicos, mas também através das alavancas do modelo de negócios, o que
originará vantagem competitiva (DAVILA et al., 2006).
Se modelos de negócios estão presentes em todas as empresas
(CASADESUS-MASANELL & RICART, 2010) e se um bom modelo é condição
para a comercialização de uma boa tecnologia (TEECE, 2010), pode-se concluir
pela importância capital da pesquisa nesse campo de estudos.
Concluída a análise de modelos de negócios, será discutido na
sequência um conceito originário deste, os modelos de negócios sociais, objetos
ainda mais jovens na literatura e pontos centrais aos objetivos deste trabalho.
2.3 Inovação Social e Modelos de Negócios Sociais
A terceira parte do Referencial Teórico aborda os modelos de negócios
sociais que, conforme será demonstrado, visam um novo mercado de clientes –
os pobres do mundo.
Surgidos a partir do duplo entendimento de que as soluções para a
pobreza trazem também oportunidades de negócios e de que o aumento da
qualidade de vida das pessoas interessa a todos, os modelos de negócios
47
sociais complementam a atuação do Poder Público. São levantadas diversas
formas de atuação do setor privado na solução de problemas sociais, além das
semelhanças e diferenças entre modelos de negócios convencionais e sociais.
Faz-se um caminho de construção teórica a partir do amplo conceito de
empreendimento social até a estrita definição de negócios sociais, ponto em que
se define o paradigma escolhido como base para este trabalho.
A seguir, são analisados modelos de avaliação de resultados sociais,
deixando para o Apêndice B um rol de práticas de negócios sociais em
andamento no mundo.
2.3.1 Construção teórica: de empreendimentos sociais a modelos de
negócios sociais
Uma modalidade específica de inovação, nomeada “inovação social”,
surgiu a partir dos primeiros anos do século XXI como importante discurso das
instituições civis (HOWALDT & SCHWARZ, 2010). Segundo esses autores,
quanto mais a sociedade, economia e cultura são transformadas por inovações
técnicas, mais importantes se tornam as inovações sociais, consideradas essas
como fatores decisivos para um crescimento sustentável, garantia de empregos
e desenvolvimento de habilidades competitivas. Afirmam esses autores que a
inovação social é compatível com a mudança de uma sociedade industrial para
uma economia de conhecimento e serviços.
Para Phills (2009), inovação social se dá com a introdução de soluções
novas para um problema ou necessidade social, desde que sejam melhores do
que as abordagens já existentes e desde que os benefícios criados sejam
voltados para a sociedade como um tudo e não para pessoas individualmente
consideradas.
Inovações sociais são um componente das mudanças sociais não
limitadas à ação dos governos, consistindo na criação de produtos, serviços e
modelos com objetivo de atingir necessidades sociais, conforme Howaldt e
Schwarz (2010).
48
QUADRO 2 – Inovação e Inovação Social
Inovação
+
Introdução de novidade ou
aperfeiçoamento no ambiente
produtivo ou social que resulte em
novos produtos, processos ou
serviços
Novidade, melhoria de performance,
magnitude, implementação
Aspectos =
Inovação Social
Sociais
Necessidades ou problemas sociais;
Valor social;
Balanço entre criação e captura de valor
público
Fonte: elaborado pelo autor com base na Lei 10.973/2004; Phills (2009); Howaldt e Schwarz
(2010)
As necessidades sociais são aquelas que atingem grande número de
pessoas. Considera-se elevado o percentual da população mundial que nunca
recebeu atenção das grandes corporações, especialmente nos países em
desenvolvimento, que abrigam a maior parte dos 4 bilhões de pessoas
constituintes da base da pirâmide social (PRAHALAD & HART, 2002). Para
esses autores, reside nessa faixa populacional um grande potencial econômico
que poderia ser explorado por modelos de negócios especificamente
desenvolvidos.
Os quatro bilhões de pessoas cuja renda anual per capita é inferior a
US$1.500, constituintes da base da pirâmide proposta por Prahalad e Hart
(2002) não são classificados como pobres por tais autores, embora estejam
situados à margem do consumo. Um corte maior, oferecido por Polak e Warwick
(2013), vai além, para definir como pobres as pessoas que vivem com renda de
US$2 ou menos por dia. Estima-se que em 2013 existiam 2,7 bilhões de pessoas
nessa condição – número equivalente ao total da população mundial em 1950 –
, dos quais 1 bilhão viviam com menos de US$ 1 por dia (POLAK & WARWICK,
2013). Representativa quantia expõe a magnitude do problema social nominado
pobreza e, simultaneamente, a enorme oportunidade para se fazer negócios,
uma vez que tais pessoas se encontram praticamente fora do mercado
consumidor.
Embora não se encontre farta literatura, alguns autores defendem que
as grandes corporações criem negócios especialmente destinados a esse
49
público, entre os quais podem-se citar: Bornstein e Davis (2010), Eggers e
MacMillan (2013), Gates (2008), Polak e Warwick (2013), Thompson e MacMillan
(2010). Raciocínio similar encontra-se em Prahalad e Hart (2002), que assinalam
o poder de compra da base da pirâmide, ilustrando-o com o exemplo de um
iceberg, em que a ponta representa a economia que aparece nos números
oficiais e a base, oculta sob as águas, equivale à economia informal dos países
pobres.
O cuidado com os problemas de natureza social produzidos pela
pobreza sempre foi dedicado ao Poder Público que, de acordo com Eggers e
Macmillan (2013), falhou por não conseguir apresentar soluções definitivas.
Esses autores discorrem sobre o fato histórico da responsabilização dos
governos pelo cuidado com saúde, educação, segurança e a obrigação de
combater a pobreza. Na sequência, decretam o fracasso do Estado em
solucionar, sozinho, tais mazelas. Sucessivas barreiras como crises econômicas
forçaram a recorrente adoção de posturas austeras pelos governos, levando-os
a reduzir investimentos destinados ao enfrentamento das adversidades sociais.
Eggers e Macmillan (2013) informam que a recessão nos EUA e na Europa a
partir de 2008 causou fechamento de escolas, bibliotecas e hospitais.
Ainda segundo esses autores, o governo não é mais o único ator na luta
contra problemas sociais. Embora não seja o mais eficiente guerreiro em tal
batalha, a responsabilidade pelas soluções cabe ao Estado (BORNSTEIN &
DAVIS, 2010). Ocorre que a sociedade está passando, desde o início dos anos
2000, por um momento de alteração da estrutura atual, formatada de cima para
baixo para um modelo em que o Poder Público é apenas mais um elemento entre
os outros na batalha contra a miséria.
As deficiências do setor público em erradicar a pobreza passam,
segundo Polak e Warwick (2013), pelo fato de que suas políticas são feitas por
meios oblíquos e não diretamente para os pobres. Para eles, constitui um erro
das nações ricas a doação de recursos para terceiros realizarem ações sociais,
uma vez que haveria maior eficiência em trabalhos executados de modo direto.
Exatamente sob tal conjuntura surge o debate sobre a inserção do setor
privado no empenho em erradicar o sofrimento humano. Embora a busca por
lucros para o acionista ainda seja o principal foco no mundo corporativo, é
crescente o número de grandes empresas preocupadas com a RSC –
50
responsabilidade social corporativa (YUNUS et al., 2010). Na concepção destes
autores, a RSC propõe um tripé para avaliação das companhias: benefícios
financeiros, sociais e ambientais. Ressalvam, porém, que, em regra, a avaliação
da qualidade da empresa se prende ao aspecto financeiro. É essa a linha do
balanço que atrai atenção dos analistas, comentaristas de negócios, instituições
financeiras e investidores. Por conseguinte, RSC não resolve problemas no
longo prazo porque, num momento de crise, a decisão das corporações é
tomada na direção do braço lucrativo em detrimento das ações sociais.
Na concepção de Yunus (2010), RSC abrange ações de empresas
convencionais, com objetivo de prestar algum serviço comunitário, colhendo os
frutos de uma reputação de empresa “cidadã, boa vizinha”.
Ainda assim, a visão da participação dos segmentos da sociedade civil
na busca de soluções é otimista para Eggers e Macmillan (2013), de cujo estudo
extrai-se a informação de que, atualmente, a filantropia privada contribui com
volume de recursos maior que de todos os governos.
Na realidade, a literatura comprova que há algo muito maior que
simplesmente doação de dinheiro. Temple (2013) apresenta a tendência de
conexão entre os negócios convencionais e os empreendimentos sociais a partir
da afirmação de que 48% destes últimos realizam algum tipo de transação com
o setor privado. É uma convicção desse autor o fato de que as empresas, por
seu lado, estão avançando das simples políticas de RSC para algum tipo de
atividade social muito mais alinhada com seu negócio principal.
Além de empresas com boas práticas de RSC, Eggers e Macmillan
(2013) apresentam os wavemakers3. Esses são as pessoas, organizações com
fins lucrativos e ONGs que pretendem revolucionar a abordagem a respeito dos
desafios sociais. A atividade de tais organismos não está restrita ao plano
teórico, conforme se conclui dos números expostos pelos citados autores:
estima-se que existiam em 2013, nos EUA, mais de 650 mil empreendimentos
sociais ativos, os quais podem ser legalmente reconhecidos. No mundo, essa
espécie de empresa gerou mais de US$ 2,1 trilhões de receitas no ano de 2012.
Bornstein e Davis (2010) indicam que a entrada do setor civil no
empreendedorismo social veio a alterar o modelo centralizador e construído de
3
“Wavemaker”: sem tradução direta para o português. Em tradução livre, algo como “transformadores”
51
cima para baixo, característico do século XX. A nova forma de atuação é
integrada – setores público e privado – e descentralizada para unir esforços em
busca de soluções de longo prazo e de alcance profundo.
Como mencionado nos parágrafos anteriores, a relativa incompetência
estatal em deslindar os graves sofrimentos advindos da pobreza e, ainda, a
afirmação que o setor privado se tornou ator ativo nessa luta, buscam-se na
literatura especializada diferentes modalidades de atuação. Algumas delas serão
descritas a seguir:
Filantropia: ações geralmente individuais, em que pessoas físicas ou
corporações dedicam elevados volumes de recursos para determinada causa.
Seus aplicadores não exigem retorno do montante, mas colhem frutos indiretos,
como uma boa reputação a partir da vinculação do ato ao seu nome (POLAK &
WARWICH, 2013). Filantropos famosos: Bill Gates, Warren Buffet, Patrice
Motsepe – homem mais rico da África do sul (EGGERS & MACMILLAN, 2013).
Para Polack e Warwick (2013), ações filantrópicas são incapazes de enfrentar
realmente a pobreza, pois são limitadas, descoordenadas e de baixa escala.
Yunus (2010) reconhece o importante papel da filantropia, especialmente em
momentos de emergência como catástrofes naturais, porém chama de
insustentável um modelo que tenha necessidade permanente de busca por
doações. Para Bornstein e Davis (2010), quem realiza esta espécie de doação
costuma não considerar a performance do negócio beneficiário, gerando
concentração em “organizações medíocres com uma marca forte” (BORNSTEIN
& DAVIS, 2010, p. 49, tradução nossa).
Atendimento à base da pirâmide: ações de grandes multinacionais em
busca dos enormes e inexplorados mercados dos países em desenvolvimento,
levando às pessoas produtos aos quais elas nunca haviam tido acesso
(PRAHALAD & HART, 2002). O texto de Dahan et al. (2010) sugere que
multinacionais façam parcerias com ONGs locais para facilitar a penetração nos
novos mercados. Yunus et al. (2010) admitem que haja um reflexo social, porém
não se trata do principal objetivo desta forma de atuação, fato que a mantém
incompleta. Polak e Warwick (2013) consideram que o atendimento à base da
pirâmide não soluciona problemas sociais, pois é voltado a classes relativamente
mais abastadas da sociedade, não os realmente pobres – aqueles cuja renda
diária seja de até US$ 2.
52
RSC: atividades das empresas com objetivo de amenizar o impacto
social e ambiental de suas operações (PORTER & KRAMER, 2006). As
principais críticas partem desses mesmos autores, para quem muitas
companhias restringem a RSC à propaganda, sem efeitos práticos.
Historicamente, a RSC surgiu como defesa a acusações de violações de direitos
humanos, degradação do meio-ambiente e exploração do consumidor, sem
efetiva preocupação com benefícios sócio-ambientais (PORTER & KRAMER,
2006). Yunus (2010) afirma que ações de RSC não superam o grau de pequenos
benefícios para as comunidades locais, com o principal objetivo de forjar uma
imagem de empresa cidadã, boa vizinha. Para ele, esta modalidade só é tolerada
pelas organizações até o ponto em que não atrapalhe o lucro. É comum que
RSC seja tratada de maneira descoordenada e sem profundidade, funcionando
meramente como propaganda (PORTER & KRAMER, 2006). Ainda assim, podese dizer que sejam lucrativas para as corporações, conforme se depreende das
conclusões de Griffin e Sun (2012), segundo as quais o valor das ações das
companhias é influenciado, entre outros elementos, pela adoção voluntária de
práticas de RSC. A pesquisa, realizada com 84 empresas durante 10 anos,
evidencia forte relação entre a adoção das referidas políticas e o aumento do
valor de mercado dessas companhias em 10 bilhões de dólares.
Empreendimentos sociais: na definição de Haugh e Tracey4 (apud Mair
e Marti, 2004), tratam-se de negócios que atendem um propósito social,
combinando inovação, empreendedorismo e propósitos sociais. Para Mair e
Marti (2004), empreendimento social é o resultado do empreendedorismo social,
que por sua vez se refere a um processo para catalisar mudanças sociais e
atingir necessidades sociais. Visão diferente apresentam Smith et al. (2010), que
enxergam neste tipo de ação um paradoxo entre benefícios sociais e estratégias
visando
o
lucro.
Também
em
oposição,
Yunus
(2010)
afirma
que
empreendimento social e empreendedorismo social encontram-se no rol de
empresas voltadas para a maximização de lucros, gerando benefícios sociais
apenas de maneira indireta. Importante frisar que o termo “empreendimentos
sociais” é comumente empregado como sinônimo de “negócios sociais” por parte
da literatura ora estudada.
4
HAUGH, H.; TRACEY, P.; The Role of Social Enterprise in Regional Development. Social Enterprise and
Regional DevelopmentConference, Cambridge-MIT Institute, Universityof Cambridge, 2004.
53
Negócios sociais: espécie de ações que possuem como principal
objetivo a luta contra o sofrimento causado pela pobreza. Para Yunus (2010),
diferem completamente dos negócios tradicionais, de entidades sem fins
lucrativos e de empreendimentos sociais. Em sua concepção, visam resolver
problemas sociais por meio de métodos de negócios, entre eles a
comercialização de produtos, mas não devem permitir a distribuição de
dividendos aos acionistas. Nesse ponto discordam Bornstein e Davis (2010),
Eggers e Macmillan (2013) e Polak e Warwick (2013), que posicionam a
lucratividade como elemento-chave para atrair o necessário capital privado.
Comini et al. (2012) diferem negócios sociais em perspectivas. Segundo eles, a
escola europeia enxerga tensão na busca simultânea de resultados financeiros
e sociais, ao tempo que entende que negócios sociais devem ser dirigidos por
empresas cujo propósito principal seja a solução de graves problemas da
humanidade, com reinvestimento total de eventuais lucros. Por outro lado, a
perspectiva norte-americana defende que sejam catalisados por multinacionais,
visem dupla linha de resultado – financeiro e social – e permitam a distribuição
de dividendos aos investidores.
Assim como outros autores, Bornstein e Davis (2010) utilizam o termo
“empreendimento social” com um conceito muito próximo aos negócios sociais
utilizados por Yunus (2010) e Yunus et al. (2010): uma organização que ataca
problemas sociais através de um formato de negócios convencionais.
A descrição de empreendimento social da OCDE – Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – parece abarcar alguns dos
conceitos citados anteriormente neste capítulo, inclusive o de negócios sociais.
Empreendimentos sociais são organizações (...) que buscam
objetivos econômicos e sociais em um espírito empreendedor.
(...) Tipicamente visam entregar serviços sociais (...) para
comunidades em situação de desvantagem (...). Adicionalmente,
empreendimentos sociais estão surgindo na provisão de
serviços comunitários, inclusive nos campos educacional,
cultural e ambiental (OCDE, 2006, p. 1).
Encontram-se em OCDE (2006) elementos para identificar um
empreendimento social, os quais são confirmados pela literatura analisada neste
trabalho. A seguir, passa-se à análise de alguns:
54
Critérios econômicos:
1 – Comprometimento com a produção e venda de bens e serviços,
diferentemente das organizações sem fins lucrativos tradicionais (OCDE, 2006).
Comini et al. (2012) tratam de negócios sociais sob a perspectiva norteamericana, como negócios que levam bens e serviços a pessoas que, por razões
econômicas, não tinham acesso a eles.
2 – Autonomia: são criados voluntariamente por grupos de pessoas e
não pelo poder público. Portanto, são autônomos. Os acionistas têm direito de
participar das decisões e de deixar o empreendimento quando bem entenderem.
O fato de eventualmente receberem subvenções públicas ou doações privadas
não tira o caráter autônomo dos empreendimentos sociais (OCDE, 2006). Yunus
et al. (2010) parecem confirmar este critério ao descrever o empreendimento
Grameen Danone. A multinacional espanhola criou um fundo especialmente
voltado para essa experiência, desvinculado dos negócios tradicionais da
empresa. Sob tal estruturação, os investidores que aderiram ao fundo o fizeram
tendo conhecimento do especial direcionamento dos recursos.
3 – Risco econômico: a viabilidade econômica do empreendimento
social depende das ações que são tomadas, das decisões e dos esforços de
seus membros (OCDE, 2006). A teoria de Dahan et al (2010) atesta o critério ao
afirmar que, embora o lucro não seja mandatário para uma ONG, manter as
contas equilibradas é ponto importante para esse tipo de organização, visto que
seu modelo de negócios está sujeito às mesmas forças e razões de mercado
que as entidades com fins lucrativos. Se gestão de qualidade é fundamental para
qualquer empresa, nos negócios sociais tem importância ainda maior, conforme
assevera Weber (2008). Nesse ambiente, o desperdício significa não somente
retirar do bolso do acionista, mas também da boca de pessoas famintas. Yunus
(2010) relata que a Grameen Danone teve um início promissor com vendas
crescentes no primeiro ano de atividade, 2007. Logo em seguida, ocorreram
“fatores econômicos que ninguém previra” (YUNUS, 2010, p. 50), obrigando a
empresa a promover alterações no modelo de negócios, buscar novos grupos
de clientes e introduzir novos produtos. O negócio social sofria com a crise
econômica mundial assim como um banco norte-americano, comprovando a
similaridade dos modelos (YUNUS, 2010).
55
Critérios sociais:
1 – Empreendimentos sociais resultam da iniciativa de cidadãos
pertencentes a uma comunidade ou um grupo que tem necessidades e objetivos
comuns (OCDE, 2006).
2 – Princípio do “um membro, um voto”. Garantia de direito de participar
da tomada de decisões a todos os membros, independente do capital que cada
um tenha aportado (OCDE, 2006). Um dos modelos de negócios sociais
apresentado por Yunus (2010) aprofunda tal princípio. Algumas das empresas
sociais possuem como proprietários os próprios beneficiários de suas atividades.
É o caso do Grameen Bank, cujos principais acionistas são os tomadores de
microcrédito.
3 – Lucros: há organizações que proíbem distribuição de lucros, exigindo
o total reinvestimento do superávit. Outras permitem distribuição de parte dos
lucros, sendo estabelecida uma limitação. Em comum, ambas as correntes não
admitem comportamento de maximização dos lucros (OCDE, 2006). O referido
conflito está presente na leitura de Comini et al. (2012), Eggers e Macmillan
(2013), Polak e Warwick (2013), Yunus (2010) e Yunus et al. (2010), já citados
anteriormente neste capítulo.
4 – Objetivo explícito de beneficiar a comunidade (OCDE, 2006). Para
Yunus (2010), o negócio social é dedicado à solução de problemas sociais,
econômicos e ambientais e isso deve estar explícito em seus documentos de
fundação, a fim de não deixar dúvidas.
Considerando que negócios sociais constituem assunto relativamente
recente, dada a presença na literatura apenas a partir dos anos 2000, surge
natural curiosidade em compreender em que medida se igualam às atividades
convencionais e a partir de que ponto se separam a constituir organismo
independente, se é que isto acontece.
Mair e Marti (2004) explicam que o empreendedorismo social pode
assumir a forma de empresa com ou sem finalidades lucrativas. A natureza do
problema a ser perseguido é o elemento decisivo para a opção por um ou outro
formato, como se explica a seguir.
Haverá maior chance de sucesso para uma indústria farmacêutica que
desenvolva drogas contra doenças “negligenciadas” – aquelas que não
interessam às grandes corporações – se não tiverem fins lucrativos, pois
56
receberão incentivos desinteressados em retorno. Sem a obrigação de
responder lucrativamente, terão tempo para pesquisar. É o caso do IOWH –
Institute for One World Health, farmacêutica norte-americana criada no ano 2000
com foco em doenças pouco atrativas economicamente, como a leishmaniose.
Pelo lado oposto pode-se citar o grupo Grameen, de Bangladesh, cuja
opção pela finalidade lucrativa do Grameen Bank permitiu que expandisse seus
negócios para novos desafios, entre os quais a Grameen Telecon e a Grameen
Energia. Mair e Marti (2004) sintetizam o pensamento na inexistência de conflito
entre os modelos com e sem finalidade lucrativa, ressaltando a diferença na
prioridade que se dá ao tipo de resultado esperado, o que pode ser melhor
visualizado no QUADRO 3.
QUADRO 3
Empreendimentos Sociais e Negócios Convencionais
Empreendimentos sociais
Negócios convencionais
Finalidade principal: criar riqueza social
Finalidade principal: gerar lucro financeiro
Sub-produto: lucro financeiro
Sub-produto: riqueza social
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em Mair e Marti (2004)
Ainda a se estudar a convergência dos negócios convencionais e
sociais, Polak e Warwick (2013) definem empreendimentos sociais como
organizações cuja missão é visar problemas sociais, econômicos ou ambientais
sentidos por um grande número de pessoas. Para esses autores, referido
modelo de empreendimento pode ser concebido sob a forma lucrativa ou nãolucrativa, desde que os objetivos sociais sejam explícitos na missão da empresa
e a busca por lucros apareça num aspecto secundário, porém importante para
garantir o alcance de escala global. Incluem nessa classificação as Corporações
B dos Estados Unidos – empresas que possuem autorização legal para oferecer
baixo lucro aos acionistas em troca de benefícios sociais – e as Companhias de
Interesse Comunitário no Reino Unido.
Em conformidade com outros autores, Polak e Warwick (2013) trazem
em diversas passagens de seu texto a afirmação de que impacto social e
lucratividade não são mutuamente excludentes. Importante suscitar a opinião
57
contrária de Yunus (2010), para quem as Corporações B e as Companhias de
Interesse Comunitário não se encaixam na definição de negócios sociais.
O convívio dos citados dois mundos de negócios é analisado por Dahan
et al. (2010), que estudam modelos de negócios construídos a partir de parcerias
formadas por empresas multinacionais e ONGs em países em desenvolvimento.
Grandes corporações, pretendendo avançar nos países em desenvolvimento,
necessitam de parceiros conhecedores da realidade local, aptos a lhes abrirem
as portas.
Modelos de negócios construídos através dessas parcerias são
baseados em capacidades complementares que, uma vez combinadas, resultam
em vantagens para todos os envolvidos. Para as multinacionais, as seguintes:
acesso a diferentes fontes de informação; identificação de mudanças no
mercado; aceleração da penetração no mercado; legitimação junto aos
consumidores, sociedade civil e governo; acesso à experiência local e sistemas
de distribuição.
Por sua vez, as grandes empresas oferecem os seguintes elementos à
parceria: capital; tecnologia e capacidade gerencial; capacidade de produção em
escala; legitimação com outros players do setor privado; poder de compra; força
da marca com os consumidores
Embora não classifiquem as parcerias como negócios sociais, o caráter
mutuamente vantajoso guarda semelhança com aquele conceito. Dahan et al.
(2010) acrescentam à definição de modelo de negócios dois novos elementos: a
colaboração intersetorial – empresas com finalidades lucrativas e ONGs – e a
criação de valor social. Nesse mesmo estudo tratam da necessidade de os
negócios conduzidos pelas ONGs serem sustentáveis, embora sem obrigação
de dar lucro. Alinhado a essas ideias encontra-se o pensamento de Bornstein e
Davis (2010), segundo o qual a essência de parcerias entre empresas com
finalidades lucrativas e empreendedores sociais é a complementariedade.
Parcerias entre empresas que visam lucro e entidades sem fins
lucrativos também são defendidas por Yunus et al. (2010), para quem tal tipo de
trabalho conjunto segue a forma colaborativa, sendo altamente produtivo, uma
vez que tais organizações não competem diretamente entre si.
58
O modelo de negócios proposto por Dahan et al. (2010) para uma ONG
está sujeito às mesmas forças de mercado que um modelo tradicional, portanto
seu sucesso estará condicionado à sustentabilidade financeira.
A se falar na conexão dos setores, Brugmann e Prahalad (2007) dizem
que o mercado livre obriga executivos e ativistas sociais a trabalharem juntos,
desenvolvendo modelos de negócios que transformarão as organizações. Nesse
ponto, há convergência com o pensamento de Yunus (2010), segundo o qual
“negócios sociais estão sujeitos a muitos dos mesmos sinais, desafios e tensões
que as empresas com fins lucrativos” (YUNUS, 2010, p. 43). Esse autor ressalta
que, por operarem dentro de um mesmo sistema – o capitalismo – negócios
sociais devem ir ao mercado com a eficácia de uma empresa comum, buscando
as melhores maneiras para vender seus produtos a fim de cobrir os custos e,
eventualmente, auferir lucros que servirão como combustível para sua
expansão.
Yunus et al. (2010) comparam os desenhos de modelos de negócios
convencionais e de um modelo de negócios sociais. Os últimos possuem uma
estrutura muito parecida com os primeiros, visto que não se enquadram na
categoria de empresas de caridade, antes carregam os caracteres peculiares de
um negócio.
Para esses autores, a auto-sustentabilidade financeira deve ser
característica de negócios sociais, a fim de se garantir o pagamento do
investimento realizado, ponto em que diferem da filantropia. Devem receber
aportes financeiros apenas no início e se desenvolver comercialmente a ponto
de garantir a capitalização inicial e a manutenção da atividade. Modelos de
negócios sociais, assim como os tradicionais, oferecem produtos e serviços,
possuem clientes, visam mercados, têm estruturas de custos/receitas e canais
de distribuição. Assim, possuem a mesma mentalidade e estão sujeitos às
mesmas condições que os demais atores do capitalismo.
Negócios sociais estão enquadrados no meio termo entre empresas com
finalidade lucrativa e sem finalidade lucrativa (YUNUS et al., 2010). Em seu
conceito, consistem em “uma companhia auto-sustentável que vende bens ou
serviços e repõe o investimento de seus proprietários, mas cujo propósito
principal é servir a sociedade e melhorar a vida dos pobres” (YUNUS et al., 2010,
p. 309).
59
Yunus et al. (2010) comparam modelos de empresas com finalidades
lucrativas, empresas sem finalidades lucrativas e os chamados negócios sociais.
Na FIG. 2 encontra-se representada a tríplice noção, em que a
maximização do lucro financeiro e do lucro social servem como base para
enquadramento em cada um dos modelos: negócios com finalidade lucrativa
buscam maximizar o lucro financeiro e recuperar o capital; organizações sem
fins lucrativos visam maximizar o lucro social e não se preocupam em recuperar
o investimento; negócios sociais objetivam máximo lucro social com recuperação
do capital aportado.
Figura 2: Negócios sociais x negócios com finalidade lucrativa x organizações sem
fins lucrativos. Fonte: adaptado de Yunus et al. (2010)
As semelhanças entre negócios tradicionais e sociais chega até a oferta
de produtos. Polak e Warwick (2013) revelam uma percepção errada no senso
comum, segundo a qual produtos para os pobres devem ser de baixa qualidade
e ter aparência simples. Consumidores pobres não são diferentes dos demais;
portanto, tornar produtos atrativos para os pobres envolve oferecer preço
acessível combinado com bom funcionamento e aparência atrativa. Quem tem
pouco dinheiro deve usá-lo para adquirir bens de qualidade, uma vez que não
há margem para desperdício. Os autores sugerem os requisitos seguintes para
se produzir com qualidade e baixo custo: eliminar penduricalhos – recursos que
60
a maioria das pessoas não usa –, usar matéria-prima local, produzir com partes
permutáveis – que sejam utilizáveis em outras linhas de produtos –, criar um
sistema de distribuição descentralizada.
A percepção de que negócios sociais se desenvolvem sob a mesma
lógica dos convencionais é compartilhada por Eggers e Macmillan (2013) quando
defendem o entendimento de que a solução para os problemas sociais não está
na caridade, uma vez que todo problema representa oportunidades de mercado.
O pensamento é ratificado por Porter e Kramer (2006), que não
enxergam razão para que os mundos dos negócios convencionais e dos
negócios sociais sejam separados ou excludentes. Afirmam que todas as
escolas de pensamento econômico compartilham uma mesma fraqueza, a de
manter o foco no atrito entre negócios e a sociedade, quando na verdade estes
dois campos são interdependentes.
Defendem que as ações de RSC só se tornam efetivas quando fazem
parte do negócio da empresa, quando estão diretamente ligadas ao coração da
organização. É útil para o mundo corporativo que a sociedade seja saudável.
Educação, saúde, igualdade de oportunidades preparam uma força de trabalho
mais produtiva. Produtos seguros e boas condições de trabalho atraem clientes,
reduzem o custo com acidentes.
Em resumo, uma sociedade bem desenvolvida amplia as oportunidades
de negócio. Ao mesmo tempo, a sociedade necessita de empresas de sucesso
que irão gerar empregos, riqueza e permitir a melhoria de vida da população. No
mesmo sentido, Thompson e MacMillan (2010) analisam melhorias na condição
humana feitas através de modelos de negócios rentáveis. A conseqüência desse
tipo de empreendimento é um círculo virtuoso, em que a geração de riqueza
social produz redução no sofrimento humano. Produzir lucros com a inserção de
um novo público no mercado consumidor incentiva mais empresas a
participarem e, dessa forma, o círculo é reiniciado. Esse será um novo setor da
economia, cuja linha de resultados esperados inclua lucros financeiros e
melhorias na condição de vida humana (THOMPSON e MACMILLAN, 2010).
O mundo corporativo passou a ser visto como importante fonte para
atendimento às causas sociais, conforme Polak e Warwick (2013). Na opinião
desses estudiosos, somente o poder dos negócios é capaz de promover
mudança social em larga escala. Em sua visão, a população pobre será
61
importante fonte de negócios, desde que sejam desenvolvidos produtos
especificamente para atendê-los. Atendê-los significa oferecer soluções para
aflições que os atingem, tais como falta de água potável e energia, fome e
desnutrição,
fragilidades
de
saúde.
Destacam
que,
nos
países
em
desenvolvimento, 50% do poder de compra está na base da pirâmide. São ainda
mais contundentes ao afirmar que nenhuma empresa hoje constituída irá
sobreviver se não passar a atentar para o mercado potencial formado pelos
bilhões de pobres espalhados pela Terra.
A mesma necessidade é ressaltada por Williamson (2010), que prevê
um futuro onde modelos de negócios só terão sucesso se estiverem preparados
para atender a demanda dos países em desenvolvimento.
Sob o ponto de vista das organizações e sua relação entre os dois tipos
de negócios, Gates (2008) admite equívoco da Microsoft ao praticar anos de
filantropia enquanto poderia ter utilizado aquilo que faz melhor – desenvolver
softwares – para atingir resultados sociais. A fim de conduzir melhorias sociais,
defende o uso das forças de mercado, especialmente a inovação. Em sua
opinião, as empresas devem ir além da filantropia.
A semelhança entre negócios convencionais e negócios sociais e a
importância de os dois setores atuarem em conjunto parece comprovada pela
literatura já apresentada neste estudo. Se ainda resta demonstrar a estrutura de
ambos e definir seus pontos de aderência e cisão, Yunus et al. (2010) suprem
tal lacuna. Inicialmente, os autores explicam a estrutura de um modelo de
negócios, conforme se vê a seguir:
Proposta de valor: inclui clientes e produtos/serviços. Responde à
questão: “Quem são nossos clientes e o que oferecemos para eles?”.
Constelação
de
valor:
cadeia
interna
e
cadeia
externa
de
relacionamentos que incluem os fornecedores, a produção e distribuição da
proposta de valor. Responde à questão: “Como entregamos a oferta aos
clientes?”.
Equação de lucro:
formada pelas receitas de vendas, estrutura de
custos e capital empregado. Responde como o valor é capturado através das
receitas geradas pela proposta de valor, explica estrutura de custos e como o
capital é aplicado.
62
Embora a estrutura dos modelos de negócios sociais seja similar, Yunus
et al. (2010) apontam algumas diferenças. Ao acrescentar as desigualdades, os
autores desenham a estrutura de modelos de negócios sociais adotada como
base dos estudos desta pesquisa.
A proposta de valor desses modelos é mais abrangente, deixando de ter
foco exclusivo no cliente, passando a envolver todos os stakeholders – pessoas
interessadas. Para os autores, o modelo poderia inclusive ser replicado nas
empresas convencionais, a ponto de substituir-se a preocupação exclusiva com
os acionistas para abranger todos os envolvidos.
A segunda diferença citada por Yunus et al. (2010) está na equação de
lucro. Enquanto nos modelos convencionais o lucro financeiro deve ser sempre
maximizado, nos modelos de negócios sociais está prevista apenas a cobertura
dos custos e a recuperação do capital.
A terceira distinção se encontra na inclusão da equação de lucro social
e ambiental, a qual é inexistente nos modelos comuns e prioritária nos modelos
sociais. O QUADRO 4 ilustra as duas estruturas. Os modelos de negócios sociais
delineados no referido quadro são aqueles em torno dos quais este trabalho será
realizado e que embasam os objetivos específicos.
QUADRO 4
Modelos de Negócios Convencionais e de Modelos de Negócios Sociais
Modelos de Negócios Convencionais
Modelos de Negócios Sociais
Proposta de Valor
Clientes, produtos/serviços
Todos os stakeholders,
produtos/serviços
Constelação de Valor
Redes interna e externa: fornecedores,
produção, distribuição
Equação de Lucro
Receitas de vendas, estrutura de custos,
capital empregado (maximização dos
lucros)
Equação de Lucro
Inexistente
Social/ambiental
Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Yunus et al. (2010)
Redes interna e externa:
fornecedores, produção,
distribuição
Receitas de vendas, estrutura de
custos, capital empregado
(recuperação do capital e
cobertura de custos)
Benefícios sociais e ambientais,
não medidos em unidades
monetárias
Assim como a estrutura dos modelos de negócios convencionais e dos
sociais caminha em paralelo até determinado ponto, os caminhos a serem
percorridos são parcialmente coincidentes.
63
Yunus et al. (2010) definem até onde se igualam e a partir de onde se
separam os movimentos criadores de inovação e de inovação social. Sua teoria
apresenta três estratégias comuns a ambos: desafiar a sabedoria estabelecida,
firmar parcerias, fazer uso da experimentação. Em complemento, apenas para
inovação social, são propostos os movimentos de envolver acionistas orientados
para lucro social e a explicitação formal da busca por resultados sociais.
Após a análise de farta literatura especializada, desenrola-se o
entendimento de que a abordagem convencional, exclusivamente via Poder
Público, não é a mais adequada para solucionar os problemas sociais.
Abordagens costumeiras para acabar com a pobreza falharam
largamente, pois foram incapazes de compreender que o jeito mais óbvio para
combater a pobreza seria ajudar os pobres a ganhar mais dinheiro (POLAK &
WARWICH, 2013).
Tal ilação é confirmada por números trazidos pelos mesmos autores: no
período aproximado de 1950 a 2010, os países ricos gastaram US$ 2,3 trilhões
em auxílio, mas não acabaram com a pobreza. Também encontra eco em
Thompson e MacMillan (2010), que identificam crescente descontentamento
com o tratamento tradicional dos problemas sociais, gastando-se enormes
volumes de recursos sem resultados efetivos. Polak e Warwick (2013) insistem
que os pobres devem ser vistos como clientes, não como recipientes de
caridade, da mesma maneira que Bornstein e Davis (2010) já proclamavam a
mudança da visão desses de “beneficiários” para “consumidores”.
Conclui-se, assim, que problemas sociais podem ser tratados por
modelos muito parecidos com aqueles empregados nas empresas que visam
lucros. É nesse ponto que entram os modelos de negócios sociais, com diversas
vertentes já apresentadas neste capítulo.
A partir da interpretação dos conceitos trazidos pela literatura
contemporânea, já citados neste trabalho, adota-se uma adaptação do conceito
de modelos de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010), caracterizado
pelos seguintes atributos:
a) Ser estruturado como um modelo de negócios, possuindo proposta
de valor, cadeia de suprimentos, estrutura de custos e receitas
(GATES, 2008; EGERS & MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK,
2013; YUNUS et al., 2010);
64
b) Manter uma estrutura de fornecedores, produção e distribuição
voltada para benefícios sociais ao longo de toda a cadeia (YUNUS,
2010; YUNUS et al., 2010);
c) Possuir como objetivo principal a geração de resultados no campo
social. Caso permita distribuição de dividendos, essa não deve ser
sua finalidade cardeal (COMINI et al., MAIR & MARTI, 2004; OCDE,
2006; YUNUS, 2010; YUNUS et al., 2010);
d) Ser auto-sustentável financeiramente, exigindo aportes de recursos
apenas nos seus momentos incipientes (DAHAN et al., 2010;
EGGERS & MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK, 2013;
YUNUS, 2010; YUNUS et al., 200).
Caracterizados os modelos de negócios sociais, conflitados seus
elementos com o setor convencional da economia, conhecidos os componentes
que os diferenciam, passa-se a analisar a mensuração do impacto dos negócios
sociais.
2.3.2 Mensuração de impacto
A partir deste ponto serão analisadas a dificuldade e a importância de
mensuração do impacto dos modelos de negócios sociais. Serão apresentados
modelos de mensuração e, por fim, uma conclusão sobre o método que será
adotado nesta pesquisa.
O desafio das organizações que dirigem negócios sociais vai além do
enfrentamento da pobreza e suas conseqüências, às quais está submetido mais
de um terço da humanidade. Um dos enfrentamentos adicionais que pode-se
perceber é a mensuração dos resultados sociais, assim apresentada por
múltiplos autores especializados em inovação social, os quais serão estudados
neste momento.
Após os estudos referidos ao longo deste referencial teórico, parece
clarificado que a produção de resultados configura característica que diferencia
negócios sociais de outras atividades como RSC e filantropia. Assim, emerge a
curiosidade de tratar-se da avaliação das conseqüências dessa espécie de
modelos de negócios.
65
Uma vez que a inovação social já ganhou corpo no mundo dos negócios,
até mesmo envolvendo grandes corporações, Trelstad (2008) sugere quais são
os questionamentos a serem feitos com respeito a um negócio social: as pessoas
estão tendo acesso à água limpa? A saúde delas melhorou? Os pobres estão
deixando essa condição por meio de acesso a produtos especialmente
desenvolvidos para eles? O autor ressalta que a avaliação permitirá que
organizações como o Fundo Acumen, da qual ele faz parte, tenham certeza de
que seu trabalho está sendo importante para a vida de milhões de pessoas a
que servem.
No mesmo estudo, Trelstad (2008) identifica dois tipos de retornos
esperados dos negócios sociais: primeiro, os financeiros, incluindo projeção de
fluxo de receitas e recuperação do capital emprestado acrescido de juros. A
seguir, os não financeiros, de mais difícil mensuração, como a redução da
incidência de malária num determinado programa de saúde.
Emerson et al. (2000) defendem que valor social, assim entendido como
o resultado produzido por empreendimentos sociais, devem ser mensurados, ao
passo que questiona a aceitação de que não se pode assim proceder porque
lucro social não tem, em regra, valia financeira. No entendimento desses autores,
a medição é absolutamente necessária para se compreender o verdadeiro valor
do trabalho que se realiza no setor econômico sem finalidade lucrativa.
Considerando que um dos parâmetros utilizados na decisão de investimento é a
viabilidade de retorno, Bornstein e Davis (2010), propõem que a ausência de
mensuração tem por efeito o afastamento do investidor dos negócios sociais.
Avaliação de resultados é decisiva na condução dos negócios, inclusive
os sociais. Enquanto Trelstad (2008) afirma que medir aquilo que se gere é
premissa para atingir bons resultados, Gates (2013), defende a mensuração
como condição essencial para o desenvolvimento da inovação social. Essa só
causará impacto a partir do encontro com seus beneficiários.
Tal afirmação torna possível concluir pela validade de se conectar ações,
resultados e pessoas que possam deles se favorecer. Em seu trabalho, Gates
(2013) demonstra a conexão entre o estabelecimento de metas em programas
sociais, sua efetiva avaliação e a sustentabilidade dos mesmos. Entre diversos
outros exemplos, traz a história do programa de vacinação do UNICEF – Fundo
das Nações Unidas para a Infância – nos anos 1980, que deve parte de seu
66
sucesso à coleta de dados para avaliação do desempenho, abrindo caminho
para mudanças de rota e ajustes.
Mair e Marti (2004) classificam a avaliação do impacto como um dos
maiores desafios dos empreendimentos sociais, considerando a extrema
dificuldade em quantificar efeitos sócio-econômicos, ambientais e sociais.
Bornstein e Davis (2010) confirmam o caráter desafiador do tema, propondo um
questionamento sobre qual seria a fórmula para se avaliar efeitos de programas
voltados para moldar comportamentos de crianças em seus relacionamentos na
escola e comunidade.
Mudanças comportamentais – na visão desses autores – podem
despender anos antes que demonstrem efeitos.
Eggers e Macmillan (2013) reforçam a ideia ao determinarem o choque
da simplicidade em se quantificar o número de crianças na escola com a
dificuldade em se aferir a qualidade do ensino. Yunus et al. (2010) dão atenção
ao embaraço em avaliar resultados sociais, usando como exemplo os benefícios
da melhoria da alimentação infantil, os quais serão percebidos somente depois
de alguns anos.
Pertence ao desafio da medição de resultados sociais o conflito da
definição de peso maior ou menor para problemas diferentes. Bornstein e Davis
(2010) destacam a complexidade da decisão do investidor social entre um
programa que vise melhorias na educação infantil e outro na Universidade.
É fato notório que investidores estão habituados a estimar oportunidades
utilizando métodos matemáticos pelos quais quantificam possíveis ganhos
durante e ao final do desenvolvimento do programa (BORNSTEIN & DAVIS,
2010). Esses autores afirmam que negócios sociais não podem ser medidos por
fórmulas típicas do mercado tradicional. Um dos indicadores mais clássicos de
negócios tradicionais, conforme os mesmos autores, é o ROI – retorno sobre o
investimento -, que o glossário do Gartner (2013) assim define: ganho financeiro
expresso como uma porcentagem dos fundos investidos para gerar aquele
ganho. Conceito de ROI também é trazido pela Wikipedia (2014): relação entre
a quantidade de dinheiro ganho ou perdido como resultado de um investimento
e a quantidade de dinheiro investido.
O orçamento aplicado, considerando receitas e despesas de um modelo
de negócios social, frequentemente é considerado indicador de mensuração de
67
resultados. Assim o certificam Bornstein e Davis (2010), para em seguida
apontar a fragilidade de tal medidor. O montante investido nem sempre garante
uma avaliação precisa, visto que haverá distorção se o negócio em questão for
de baixa qualidade. A medição de um programa ineficiente de melhoria do
aprendizado de estudantes demonstraria a quantidade de horas desperdiçadas.
No estudo desses autores encontram-se experiências em apuração de
resultados sociais, sobre as quais se fazem breves comentários a seguir.
Teach For America: organização cujo objetivo principal é melhorar a
educação infantil nos EUA. Mensura seus resultados considerando o número de
alunos que assumiram posições de liderança na educação pública.
Ashoka: empreendimento social atuante em diversas áreas, desde
eletricidade até microfinanças e cuidados com a saúde infantil.
Avalia os
resultados de suas ações a partir da quantidade de seguidores que conseguiram
modificar os padrões estabelecidos em seus respectivos campos de atuação.
Cinco anos depois do empreendimento lançado, a Ashoka avalia os critérios a
seguir: se houve mudança nas políticas nacionais em virtude do projeto; se o
projeto causou mudanças no campo de trabalho; se o projeto continua
funcionando integralmente.
Grameen Bank: instituição financeira especializada em microfinanças
para os pobres, conforme já tratado neste trabalho. Sua principal unidade de
medida é o percentual de tomadores de crédito que saíram da pobreza. Nessa
avaliação, consideram-se aspectos objetivos – renda – e subjetivos, inclusive a
opinião das pessoas a respeito da mudança de condição.
Encontram-se no contexto dos negócios sociais uma série de modelos
para medir aquilo que importa, expressão utilizada por Eggers e Macmillan
(2013), cuja obra referencia o IRIS – Relatório de Impacto e Padrões de
Investimento, idealizado por um grupo de organizações sociais formado pela
Fundação Rockefeller, B. Lab, Fundo Acumen e outros. Utilizando um catálogo
de métricas de avaliação de performance de organizações com propósito social,
esse modelo pretende servir de referência para análise do “sucesso social,
ambiental e financeiro, avaliar negócios e aumentar a credibilidade da indústria
de investimento de impacto” (IRIS, 2014).
Semelhante ao IRIS encontra-se o modelo PULSE, trazido por Kramer
et al. (2009). Desenvolvido como plataforma eletrônica, produz avaliação de
68
resultados a partir de indicadores específicos do campo de atuação da empresa.
Seus testes consideram métricas financeiras, sociais, operacionais e ambientais.
Kramer et al. (2009) expõem um modelo utilizado por mais de 200
organizações no mundo, nominado Success Measures Data System – SMDS.
Trata-se de um modelo flexível, baseado na internet, em que o empreendedor
seleciona os ativos a serem considerados na análise. É abastecido por dados
coletados manualmente ou de forma eletrônica. Fornece relatórios de resultados,
testes qualitativos e quantitativos e diversas outras ferramentas. O custo de
aquisição do sistema é considerado baixo pelos autores, cerca de US$ 2.500 por
ano.
Importante modelo de avaliação de resultados sociais é o Societal
Return on Investment5 – SROI, desenvolvido com base na formulação inicial do
pesquisador Jed Emerson, do Fundo Roberts de Desenvolvimento Empresarial,
na Inglaterra (CABINET OFFICE, 2009). Prevê o preenchimento de um mapa de
impacto em que são lançados dados das pessoas envolvidas, indicadores,
insumos, resultados e outras informações. O resultado final é a razão entre o
valor dos benefícios do empreendimento trazido ao tempo presente e o valor dos
insumos despendidos, como representado na FIG. 3.
SROI =
Valor Presente dos Benefícios
Valor dos insumos
Figura 3 - Índice SROI. Fonte: adaptado de CABINET OFFICE, 2009.
O desenvolvimento da análise SROI prevê seis estágios, a saber
(CABINET OFFICE, 2009): 1 – Estabelecer o escopo e identificar stakeholders;
2 – Mapear os resultados; 3 – Monetizar os resultados; 4 – Estabelecer o
impacto; 5 – Calcular o SROI; 6 – Produzir relatórios, utilizar e internalizar à
organização.
5
“Societal Return on Investment”: Retorno social sobre o investimento. Tradução do autor.
69
Embora estejam sendo desenvolvidos modelos e aplicativos com
finalidade de se apurar os resultados sociais, todos ainda se encontram num
estágio preliminar (YUNUS et al., 2010).
Se considerarmos, conforme já apurado neste trabalho, que modelos de
negócios sociais tomaram corpo apenas a partir dos primeiros anos do século
XXI, torna-se simples compreender o caráter embrionário dos próprios
empreendimentos e, ainda mais, de fórmulas para aferir seu impacto. Assim, é
de se esperar que ainda não existam ferramentas prontas capazes de servir
como parâmetro para as inúmeras variações dos negócios sociais.
Tal conclusão é reforçada por Trelstad (2008), que considera todos os
modelos de avaliação de resultados sociais ainda incompletos, incapazes de
capturar a informação e processar os dados com clareza.
Chama a atenção declaração atribuída por Bornstein e Davis (2010) ao
físico Albert Einstein: “Nem tudo que conta pode ser contado e nem tudo que
pode ser contado conta” (BORNSTEIN e DAVIS, 2010, p. 62. Tradução nossa).
Esses mesmos autores indicam o especial caráter da avaliação de
resultados sociais, devendo ser considerados não somente a razão, mas incluir
aspectos emocionais, intangíveis. Citam o músico inglês Benjamin Zander, cujo
principal objetivo é levar ao público a descoberta da música clássica. Sua
avaliação de sucesso leva em consideração os olhares das pessoas que o
assistem pela primeira vez. A respeito desse ponto, Trelstad (2008) já defendera
um modelo que considerasse métricas quantitativas e qualitativas.
Ademais, ainda de acordo com Bornstein e Davis (2010), que método de
avaliação seria capaz de traduzir a alegria de uma criança que lê, pela primeira
vez na vida, um parágrafo de um livro?
Ao declarar sua própria incapacidade em mensurar os múltiplios
resultados do trabalho de empreendimentos sociais, Trelstad (2008) propõe a
existência de impactos imensuráveis. A partir de um programa que criasse cinco
mil empregos em um país pobre, por exemplo, efeitos sociais seriam irradiados
para incontáveis pessoas em numerosas situações de difícil identificação e não
apenas os beneficiários diretos.
A encerrar a presente discussão sobre sistemas de avaliação,
interessante trazer contribuição de Trelstad (2008), a relativizar a relevância da
monetização dos resultados sociais. Segundo esse autor, sua experiência de
70
trabalho no Fundo Acumen comprova que os doadores de recursos buscam
métricas simples, claras e, principalmente, fazem suas opções muito mais com
base nas histórias contadas a respeito do impacto de seus trabalhos do que em
relatórios financeiros, ainda que as histórias sejam preferencialmente
acompanhadas de dados.
Conforme melhor se descreve na Metodologia, nesta pesquisa não será
adotado integralmente nenhum dos referidos modelos, pelos motivos já expostos
de serem ainda incompletos e, ainda, pela complexidade de se avaliar o impacto
em mais de 2 milhões de famílias – avaliação que deverá ser feita ao longo dos
próximos anos. A fim de atender os objetivos deste trabalho, serão considerados
indicadores de déficit habitacional, quantidade de imóveis financiados, valor dos
imóveis financiados, quantidade de unidades construídas, número de pessoas
beneficiadas.
A fim de que se dê uma visão mais realística de como os modelos de
negócios sociais se desenvolvem ao redor do mundo, propõe-se no Apêndice B
a explanação a respeito de alguns deles, num relato abreviado que apresente as
principais características e identifique os elementos da pobreza que sejam objeto
de sua atuação. Não é objetivo desta pesquisa o detalhamento de cada um
desses modelos de negócios, atividade certamente imprescindível que deverá
ser realizada em outro trabalho cujo eixo seja especificamente destinado para
tal fim.
Neste ponto do trabalho está concluída a análise teórica de modelos de
negócios sociais com base em estudos de recente e especializada literatura.
Foram descritos conceitos vários, entre os quais aquele que norteará o estudo
de caso – modelo de negócios sociais de Yunus et al. (2010). Foi investigada
sua importância na solução de graves problemas sociais e analisada sua
conexão com o mundo dos negócios convencionais. Analisaram-se, também,
formas de mensuração de resultados sociais. Passa-se ao tratamento da
metodologia pela qual será realizada a pesquisa.
71
3 METODOLOGIA
3.1 Caracterização da pesquisa
O presente trabalho adotará a forma de pesquisa qualitativa, quanto à
abordagem. Segundo Godoy (1995, p. 58), a pesquisa qualitativa “envolve a
obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos
pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada.”
Embora apresente dados econômicos e financeiros, a essência da
pesquisa está nas características do PMCMV, com análise subjetiva dos
referidos dados. Assim, a abordagem qualitativa parece mais adequada, pois
conforme Vergara (2005), essa modalidade de pesquisa avalia a qualidade das
informações e a percepção dos atores sociais.
A fim de comparar as características do PMCMV com aquelas exigidas
por Yunus et al. (2010) para ser considerado um modelo de negócios social –
descritas no Referencial Teórico deste trabalho –, é necessário um olhar que
contenha subjetividade, mesmo quando se inclua no objeto dos estudos a
quantidade de financiamentos concedida ou as taxas de juros cobradas.
Segundo Richardson (1985), até mesmo em estudos quantitativos é possível um
olhar qualitativo. Esse autor afirma que o uso de critérios, categorias ou escalas
de atitudes são maneiras de se quantificar dados qualitativos.
Para Richardson (1985), abordar qualitativamente um problema tem
como conseqüência o entendimento da natureza dos fenômenos sociais. Ele
critica a excessiva quantificação das pesquisas, especialmente no campo das
Ciências Sociais, resultando em resultados pobres. O presente trabalho
pretende analisar a estrutura do PMCMV, especialmente para verificar se são
encontradas nele as características definidoras de um modelo de negócios
social. Portanto, o uso do método qualitativo é adequado. Assim se conclui com
base em uma das situações que Richardson (1985) aponta como exigentes de
estudos qualitativos: quando se pretenda utilizar dados qualitativos como
indicadores do funcionamento de estruturas sociais.
Quanto aos fins, o método empregado será a pesquisa descritiva.
Conforme Collis e Hussey (2005), essa modalidade de pesquisa descreve o
comportamento dos fenômenos, sendo usada para obter informações sobre as
72
características de uma determinada questão. Vai além da modalidade
exploratória, uma vez que avalia e descreve as características das questões
pertinentes.
A pesquisa qualitativa, sendo aquela em que o pesquisador vai a campo
para captar o fenômeno a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas
(GODOY, 1995), pode ser trabalhada por diferentes meios, entre eles a pesquisa
documental e o estudo de caso, ambos utilizados neste trabalho. Este último é
assim definido pelo autor:
O estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os
pesquisadores procuram responder às questões “como” e “por quê”
certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de
controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesses
é sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro
de algum contexto da vida real (GODOY, 1995, p.25).
No mesmo sentido está o entendimento de Yin (2010), para quem os
estudos de caso são apropriados quando presentes as questões “como” ou “por
quê”, quando o investigador possui pouco controle sobre os eventos e quando o
objeto é “um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real” (YIN, 2010, p.
22).
Triviños (1987) entende que o estudo de caso se desenvolve em uma
profunda análise sobre o objeto de pesquisa. Desenvolvendo o conceito, o autor
afirma que essa modalidade de investigação pode parecer, aos olhos do
pesquisador iniciante, simples. Com o avançar dos estudos e o consequente
aprofundamento no assunto, o estudo de caso se torna bastante complexo. No
presente trabalho, a opção por tal meio de pesquisa é justificada pela intenção
de analisar-se profundamente o objeto, de investigar-se o caso específico do
PMCMV.
Pelo entendimento do estudo de Triviños (1987), definiu-se que o
trabalho possuirá aspectos dos dois tipos de estudos de caso entre aqueles
propostos em sua obra, a saber:
a) Estudos de casos histórico-organizacionais: a unidade de estudo
pode ser uma escola, uma universidade ou um clube, por exemplo.
O pesquisador se concentra na vida da instituição, partindo do
conhecimento já existente sobre o objeto estudado (registrado em
documentos).
73
b) Estudos de casos observacionais: “categoria típica de pesquisa
qualitativa”, que utiliza como principal técnica a observação
participante. O foco do estudo não é a organização, mas um aspecto
dela, como o trabalho realizado em determinado setor, treinamentos,
reuniões etc.
3.2 Coleta de dados
Os principais procedimentos para a coleta dos dados que servirão de
base para responder à pergunta de pesquisa serão levantamento bibliográfico,
levantamento documental e entrevistas semi-estruturadas. Pode-se ainda fazer
uso da observação direta. Yin (2010) apresenta a pesquisa com uso de múltiplas
fontes de evidência como importante tática para reforçar a validação do
constructo durante a coleta de dados.
Pretende-se pesquisar bibliografia suficiente para responder dúvidas
levantadas nos objetivos específicos, tais como a literatura sobre negócios
sociais, modelos de negócios, déficit habitacional e especificamente sobre o
PMCMV.
O levantamento documental abrangerá a legislação referente ao sistema
habitacional no Brasil, balanços do PMCMV, planilhas. A opção pelo estudo
documental encontra respaldo em Alvarenga Neto (2005, p. 207), para quem “o
uso mais importante de documentos é corroborar e valorizar as evidências
oriundas de outras fontes”. Neste trabalho, os documentos serão fontes
importantes para verificar se as características do PMCMV são compatíveis com
os elementos caracterizadores dos modelos de negócios sociais, especialmente
aqueles assim definidos por Yunus et al. (2010).
A técnica de entrevista semi-estruturada, segundo Triviños (1987), é um
dos principais meios disponíveis para que o investigador realize a coleta de
dados. Sua importância para a pesquisa reside na característica de valorizar o
investigador ao mesmo tempo em que concede liberdade ao informante,
estimulando sua espontaneidade. A entrevista semi-estruturada é feita com base
em um roteiro prévio, com perguntas básicas a respeito do assunto em estudo.
74
Para esta pesquisa, serão entrevistados os seguintes gestores da
instituição diretamente envolvidos com o PMCMV, pertencentes à rede interna
da Constelação de Valor: o vice-presidente de Habitação, o diretor da área
responsável pelo PMCMV, o superintendente nacional responsável pelo
Programa, um Gerente Regional do setor da Construção Civil e dois gerentes de
agências. Serão entrevistados integrantes da rede externa da Constelação de
Valor, quais sejam: dois Prefeitos Municipais e dois proprietários de empresas
da construção civil parceiros da instituição no PMCMV. Adicionalmente, serão
entrevistadas duas famílias beneficiárias do PMCMV, com questionamentos
diferentes dos demais.
A observação direta, técnica que se realiza mediante visita ao local onde
os
fenômenos
acontecem,
também
será
importante
para
responder
questionamentos necessários às análises das categorias selecionadas.
Segundo Alvarenga Neto (2005, p. 209), “visitas de campo geram ricas
oportunidades para observações diretas sobre comportamentos ou condições
ambientais relevantes.” Essa técnica permitirá ao pesquisador, no estudo deste
caso, vivenciar presencialmente o ambiente em que o PMCMV se realiza. O
pesquisador no campo terá oportunidade de checar a suposta melhoria da
qualidade de vida gerada pelo objeto do estudo.
O QUADRO 5 apresenta uma comparação entre os instrumentos de
coleta selecionados para esta pesquisa.
75
QUADRO 5
Fontes de evidências
Fonte de Evidências
Pontos fortes
Pontos fracos
Documentação
- Estável – pode ser revista
- Recuperabilidade: pode ser
difícil de se encontrar
- Discreta - não foi criada
em conseqüência do estudo
de caso
- exata – contém nomes,
referências e detalhes exatos
de um evento;
- ampla cobertura – longo
período de tempo, muitos
eventos e muitos ambientes
Observações diretas
- realidade: tratam de
acontecimentos em tempo
real
- contextuais: tratam do
contexto do evento
- Seletividade parcial: a coleção
pode ser incompleta
- Parcialidade: reflete eventual
parcialidade do autor
- Dificuldade de acesso: pode ser
negado acesso às fontes
- consomem muito tempo
- seletividade: é difícil haver uma
ampla cobertura, salvo com
grande número de observadores
- reflexibilidade: o evento pode
ocorrer de forma diferente porque
está sendo observado
- custo: horas necessárias pelos
observadores humanos
Entrevistas
- direcionadas: focam
diretamente o tópico do
estudo de caso
- Parcialidade: questões mal
elaboradas
- Parcialidade das respostas
- perceptivas: fornecem
inferências causais
percebidas
- Incorreções devido a falhas de
memória do entrevistado
- reflexibilidade: o entrevistado dá
ao entrevistador a resposta que ele
quer ouvir
Fonte: adaptado de YIN (2010)
76
3.3 Categorias de análise
Definiram-se três categorias de análise para nortear a pesquisa.
Categorias de análise são, em pesquisa qualitativa, o equivalente às variáveis
da pesquisa quantitativa (ALVARENGA NETO et al., 2006). A categorização que,
no conceito desses autores, engloba elementos inter-relacionados, tem como
propósito auxiliar o entendimento do estudo de caso. Determinar as categorias
a seguir oferecidas tem o mesmo objetivo daquele encontrado nas palavras de
Alvarenga Neto et al. (2006), qual seja: não se perder de vista os objetivos do
trabalho.
Com base no Referencial Teórico, foram propostas as seguintes
categorias de análise:
1 – Conceito, legislação, métricas e resultados do PMCMV;
2 – Modelo de negócios do PMCMV: proposta de valor, público-alvo,
demais stakeholders; , constelação de valor (canais, fornecedores, rede interna
e externa), custos e receitas;
3 – Equação de lucro financeiro (custos/receitas/recuperação do capital)
e equação de lucro social (resultados sociais advindos do PMCMV).
Definidas as categorias de análise, formatou-se um Protocolo de Estudo
de Caso (APÊNDICE A), documento que propõe os questionamentos que serão
discutidos ao longo da pesquisa, através dos múltiplos instrumentos de coleta.
3.4 Técnicas de interpretação e análise de dados
Um dos pontos cruciais da pesquisa a ser efetuada é a identificação de
resultados oriundos dos negócios sociais. Conforme tratado no terceiro capítulo
do Referencial Teórico, entende-se que ainda não existe um método
considerado padrão para análise de resultados não financeiros. Lucro social
inclui aspectos racionais e emocionais (BORNSTEIN & DAVIS, 2010), estes
últimos de difícil apuração.
O modelo SROI, descrito no Referencial, se mostra interessante,
possivelmente suficiente para analisar os efeitos do PMCMV e afirmar um índice
77
de resultados sociais dele advindo. Ocorre que a complexidade do PMCMV,
envolvendo mais de três milhões de famílias espalhadas pelo Brasil inteiro, além
das centenas de empresas de construção civil e outros stakeholders, obriga à
definição de um limite para este trabalho.
Para percorrer os estágios do SROI seria necessário muito mais tempo
do que o disponível para o cumprimento dos requisitos do presente Mestrado
Profissional em Administração.
Uma pesquisa mais detalhada exigirá a observação do PMCMV ao longo
de alguns anos, a fim de se incluírem os dados subjetivos, como a percepção
das famílias atendidas acerca dos benefícios recebidos, em conformidade com
a teoria de Yunus et al. (2010) aplicada aos casos do Grupo Grameen. Isso
exigirá outro trabalho, além do presente.
Obter retorno dos próprios beneficiários também é designado por Eggers
e Macmillan (2013) como maneira de apuração dos resultados sociais. Diante da
proposta de extensão do corrente trabalho, porém, não se considera a
abordagem a uma amostragem segura dos mais de três milhões de famílias
atendidas pelo PMCMV.
Para os objetivos a que se propõe este trabalho, não se adotará
integralmente nenhum dos modelos de mensuração de impacto ora em
construção pela literatura especializada em negócios sociais, já estudados no
Referencial Teórico.
Tal atividade deverá ser trabalhada em novas pesquisas. Nesta, serão
selecionados indicadores de déficit habitacional, quantidade de imóveis
financiados, valor dos imóveis financiados, quantidade de unidades construídas,
número de pessoas beneficiadas. Todos esses elementos são considerados no
catálogo de métricas do modelo IRIS – já estudado no Referencial Teórico (IRIS,
2014). O diagnóstico apresentado a partir da resposta a essas questões será
capaz de demonstrar a presença ou ausência de resultados sociais oriundos do
PMCMV.
A fim de se analisarem os dados coletados com base no Protocolo de
Estudo de Caso, adota-se neste trabalho o modelo de Miles e Huberman (MILES
& HUBERMAN, 1984, apud ALVARENGA NETO, 2005), que é proposto em três
etapas:
78
I
–
redução
de
dados:
seleção,
concentração,
simplificação,
sumarização e transformação dos dados brutos que aparecem nas anotações
da pesquisa de campo.
II – exibição de dados (display): montagem organizada de informações
que permitam tomada de ações e conclusões.
III – verificação de dados: conclusões com base em inferências a partir
de evidências ou premissas.
Definidos os procedimentos pelos quais se desenvolverá a pesquisa –
instrumentos de coleta de dados, categorias de análise e modelo de análise de
dados – sintetiza-se a conexão da metodologia com o todo do trabalho da forma
que se explana a seguir.
O corrente trabalho se propõe a responder determinada pergunta de
pesquisa da forma proposta em seu objetivo geral. Este se desdobra em
objetivos específicos dos quais derivam as três categorias de análise –
agrupamento de ideias para sintetizar a interpretação dos dados (ALVARENGA
NETO et al., 2006) –, as quais encontram amparo nos capítulos do Referencial
Teórico. Os especificados métodos de pesquisa conduzirão a busca e análise
dos dados que, por fim, resultarão nas conclusões, onde se pretende ter
respondido à pergunta de pesquisa.
79
4 CONTEXTO DE PESQUISA
A escolha da análise do PMCMV sob a ótica de uma das instituições
financeiras que o opera se deu por critérios de conveniência para o pesquisador
e, sobretudo, porque a referida instituição concentra em torno de 90% da
atividade realizada desde o início do Programa, em 2009.
Embora o PMCMV seja gerido pelo Ministério das Cidades, foi possível
observar-se que a instituição em que se realizou o estudo executa não somente
o trabalho no âmbito operacional, mas também ações de gestão, como por
exemplo, a administração dos recursos destinados à subvenção. Observou-se,
ainda, que alguns dos principais executivos responsáveis pelo Programa no
Ministério das Cidades são funcionários cedidos pela empresa.
Assim, analisar o PMCMV pela execução da instituição financeira
escolhida significa enxergá-lo de uma maneira integral, envolvendo todos os
stakeholders e a rede de parceiros.
A despeito de o pesquisador ter facilidades de acesso à empresa, sendo
ela própria patrocinadora do curso, houve alguns contratempos durante a
realização da pesquisa. Embora o projeto já houvesse sido analisado e aprovado
pelas áreas de recursos humanos que patrocinam o Mestrado do pesquisador,
alguns desencontros poderiam ter comprometido a realização do estudo.
No dia 16 de junho de 2014, após a fase de qualificação do trabalho, a
pesquisa foi autorizada pela Diretoria responsável, desde que não fosse
“mencionada a ‘instituição’ no trabalho e nem que as informações induzissem a
tal. No dia 16 de julho, nova mensagem, dessa vez da Vice Presidência,
desautorizou a pesquisa, inclusive cancelando as entrevistas que já haviam sido
marcadas com alguns executivos.
Após novos contatos, finalmente no dia 17 de julho de 2014 a Diretoria
e a Vice Presidência voltaram a autorizar a pesquisa, reiterando a ressalva de
não se utilizar o nome da instituição. As entrevistas foram novamente
confirmadas. Foi necessária uma revisão do trabalho para excluir menções ao
nome da instituição, garantindo-se o respeito ao contrato de confidencialidade.
Reafirmando o firme compromisso em cumprir o acordo de não exposição do
nome da instituição, parece não ser possível garantir que a mesma não será
80
identificada pelo leitor, até mesmo por sua notoriedade na execução do PMCMV,
fato que se encontra totalmente fora do controle do pesquisador.
Ao todo, foram realizadas 12 entrevistas semi-estruturadas (QUADRO
6), orientadas pelo Protocolo de Estudo de Caso (Apêndice A), desenvolvido
conforme anteriormente descrito no capítulo referente à Metodologia. Procurouse incluir, nas entrevistas, colaboradores e/ou participantes dos âmbitos
estratégico, tático e operacional do PMCMV, além de representantes da Cadeia
de Valor, tais como: proprietários de empresas da construção civil e
representantes do Poder Público. Embora não previsto inicialmente, foram
ouvidas
famílias
pertencentes
ao
público-alvo,
fato
que
enriqueceu
substancialmente o entendimento sobre resultados não mensuráveis e permitiu
o exercício da observação direta nos conjuntos habitacionais.
Os nomes e cargos dos entrevistados foram omitidos e substituídos por
Códigos de acordo com o nível hierárquico na empresa ou a posição no modelo
de negócios do PMCMV (QUADRO 6).
QUADRO 6
Entrevistas Semi-Estruturadas
Entrevistado
Cargo
Posição
C1
Empresário da Construção Civil
Constelação de Valor
C2
Prefeito Municipal
Constelação de Valor
C3
Empresário da Construção Civil
Constelação de Valor
C4
Prefeito Municipal
Constelação de Valor
E1
Diretora do PMCMV
Nível Estratégico
E2
Vice-Presidente da Instituição Financeira
Nível Estratégico
E3
Superintendente Nacional
Nível Estratégico
O1
Gerente Geral
Nível Operacional
O2
Gerente Geral
Nível Operacional
P1
Beneficiário
Público-alvo
P2
Beneficiário
Público-alvo
T1
Gerente Regional
Nível Tático
Fonte: elaborado pelo autor.
81
As entrevistas totalizaram 300 minutos de gravação e 96 páginas de
transcrição. Cabem alguns comentários sobre fatos ocorridos durante essa
etapa da pesquisa, a seguir.
Foram agendadas para a sede da empresa, em Brasília, entrevistas com
o primeiro e o segundo executivos responsáveis pela área de habitação. Apesar
de ter sido agendado o horário, confirmado via
email (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 57) o segundo executivo não recebeu
o pesquisador, que pôde confirmar sua presença ao vê-lo em sua mesa de
trabalho. Houve pedido de desculpas por parte da secretaria, informando que o
executivo estaria com sua agenda tomada naquela manhã. Entende-se que o
fato foi perfeitamente normal, diante da tumultuada agenda dos executivos da
alta administração de grandes empresas. Conclui-se que não houve prejuízo,
visto que foi possível entrevistar o primeiro executivo e também o terceiro.
Importante ressaltar ainda que, através de contatos realizados pela diretoria da
empresa, foi realizada entrevista com uma executiva do Ministério das Cidades,
naquela mesma data.
Outro fato a ser ressaltado ocorreu durante a entrevista de um dos
Prefeitos. Por ser membro do partido de oposição ao Governo Federal de então,
ele se mostrou bastante reticente durante a conversa, aparentemente com receio
de que seus comentários pudessem ser utilizados politicamente. Ainda que o
pesquisador tenha demonstrado e insistido no caráter exclusivamente
acadêmico do trabalho, ficou evidente o desconforto do Prefeito em oferecer sua
opinião sobre o PMCMV.
Em pelo menos outro encontro, o entrevistado se mostrou demasiado
apressado. Foi proposto a ele remarcar a data, porém houve insistência de sua
parte para que se fizesse a entrevista naquele momento. A conversa durou
apenas oito minutos e não foi possível extrair todo o conteúdo que o pesquisador
pretendia.
Excetuando-se tais pequenos desarranjos, os entrevistados em geral
mostraram-se solícitos, interessados e em alguns casos até mesmo
entusiasmados em falar a respeito do PMCMV e contribuir com a pesquisa
acadêmica.
82
O apoio da instituição, viabilizando agenda com alguns de seus
principais executivos em seu edifício sede e autorizando o uso de informações
sobre o PMCMV foi elemento-chave para o projeto (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 55). Necessário destacar a disponibilidade dos
entrevistados e seu conhecimento como itens fundamentais ao desenvolvimento
do estudo de caso.
Entrevistar duas famílias integrantes do público alvo enriqueceu a
pesquisa. Embora não tenha sido criada uma categoria especial no Protocolo de
Estudo de Caso, as perguntas direcionadas às famílias auxiliaram às conclusões
das categorias 2 (Modelo de negócios do PMCMV) e 3 (Equação de lucro
financeiro e equação de lucro social).
A fim de alcançar os resultados propostos, especialmente responder à
pergunta de pesquisa, utilizou-se da estratégia de múltiplas fontes de pesquisa.
Segundo Yin (2010), o uso de múltiplas fontes de evidência reforça a validade
do constructo ao longo da coleta de dados.
Considerando que a análise de dados passa pela coleta e categorização
de evidências para, a seguir, se extrair conclusões do exame, é importante a
definição de uma estratégia para auxiliar em referido processo.
Entre aquelas propostas por Yin (2010), foi definida para esta pesquisa
a estratégia analítica “contando com proposições teóricas”. Segundo tal
expediente, a análise considera uma proposição teórica em que os objetivos do
estudo de caso foram baseados. Assumir essa definição facilita e qualifica a
pesquisa e, consequentemente, aumenta a robustez das inferências e dos
conceitos alcançados.
Facilita na medida em que a proposição teórica faz com que o
pesquisador foque sua atenção em determinadas informações, desde a coleta
inicial dos dados. Assim procedendo, não haverá captação de dados
desnecessários e será preciso uma quantidade menor de reduções para concluir
a análise. Qualifica porque a análise é feita com base em certa proposição
teórica academicamente difundida e discutida, cujo constructo está maduro e
vigoroso.
A proposição teórica adotada como base de comparação neste trabalho
será o modelo de negócios sociais proposto por Yunus et al. (2010). Justifica-se
a adoção dessa proposta por ser relevante mundialmente, aparecendo em
83
citações dos principais autores de inovação social e, ainda, pelo reconhecido
sucesso dos empreendimentos montados sob tal formato. A concessão do
Prêmio Nobel em 2006 ao criador do modelo reforça sua relevância.
Adicionalmente, o processo de análise empregou a técnica analítica
“combinação de padrão”, assim definida por Yin (2010):
(...) compara um padrão baseado empiricamente com um
padrão previsto (...). Se os padrões coincidirem, os resultados
podem ajudar o estudo de caso a fortalecer sua validade interna
(YIN, 2010, p. 165).
O Protocolo de Estudo de Caso (Apêndice A) orienta todo o processo da
pesquisa e não somente as entrevistas. Conforme salienta Yin (2010), referido
instrumento difere do questionário, uma vez que seu direcionamento é para o
pesquisador. As questões do protocolo são formuladas para o investigador,
servindo como “lembretes relacionados com a informação que necessita ser
coletada e por quê” (YIN, 2010, p. 113). Sua principal finalidade é orientar o
pesquisador ao longo da coleta de dados, seja por meio de entrevistas,
documentos ou observação direta.
Dessa forma, considerando que o Protocolo orienta o pesquisador em
quaisquer que sejam suas fontes de evidência e instrumentos de coleta, a
pesquisa se baseou nessa ferramenta para conduzir as entrevistas, realizar a
observação direta e selecionar os documentos.
A coleta dos documentos foi feita através de contatos com a instituição
financeira, solicitações via e-SIC – Sistema Eletrônico do Serviço de Informação
ao Cidadão – e buscas na internet.
Ponto importante a se destacar é o uso do e-SIC, sistema criado para
atender exigências da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, 2011). Diversas
solicitações foram feitas às instituições financeiras operadoras do PMCMV e ao
Ministério das Cidades. Todas foram prontamente atendidas em um prazo de até
três dias úteis.
Outra característica interessante da pesquisa é a prevalência de
documentos localizados na internet. Foi tomado o cuidado de consultar fontes
oficiais, extraindo-se documentos confiáveis. Toda a legislação referente ao
PMCMV, demonstrativos financeiros da instituição, balanços do PMCMV e do
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – são exemplos de documentos
84
oficiais encontrados na internet. A rede mundial de computadores oferece
vantagens como celeridade – documentos localizados imediatamente -,
confiabilidade – é possível verificar a veracidade das informações diretamente
junto às fontes oficiais – e atualização das informações.
Como já descrito no capítulo Metodologia, utilizou-se o modelo de Miles
e Huberman (MILES & HUBERMAN, 1984, apud ALVARENGA NETO, 2005)
para a análise dos dados, adotando-se os procedimentos seguintes: redução dos
dados; exibição dos dados e verificação dos dados (Quadro 7).
O procedimento de redução consistiu na seleção, estudo e descarte de
documentos, tendo se dado em duas etapas. Na primeira etapa, cada documento
foi analisado individualmente e organizado por categoria. Nesse momento foi
possível observar que muitos auxiliariam as respostas em mais de uma das
categorias. Alguns, até em todas as três. Houve redução de 406 páginas. A
segunda etapa consistiu na análise de cada categoria e os documentos a ela
vinculados. Nesse procedimento, houve descartes e também busca de novas
informações, novos documentos para acrescentar ou substituir outros
anteriormente coletados. Foram descartadas mais 658 páginas. Em seguida, foi
montado o display, uma matriz de análise de dados brutos (Apêndice C). Para
cada categoria de análise foi criada uma matriz, sendo que todas traziam os
questionamentos do Protocolo de Estudo de Caso. Esse procedimento também
consumiu duas etapas.
No primeiro ciclo do display, foram incluídos nas matrizes os bullet
points, anotações manuais feitas durante as entrevistas. No segundo ciclo, foram
inseridos dados extraídos dos documentos e da transcrição das entrevistas, de
maneira a buscar respostas para cada uma das perguntas do Protocolo.
A terceira etapa tratou da verificação dos dados. Analisaram-se as
categorias detalhadamente, registrando-se no relatório as observações que
poderiam levar às respostas. A seguir, uma nova leitura das anotações manuais,
das matrizes de análise de dados e dos registros do relatório conduziu à
conclusão de cada questionamento.
85
QUADRO 7
Análise de Dados – Modelo de Miles & Huberman
Procedimento e Resultados
Redução de dados
Etapa 1: Análise a partir dos documentos.
Redução de 406 páginas.
Resultado: 1.419 páginas
Etapa 2: Análise dos documentos a partir
das categorias.
Redução de 658 páginas.
Resultado: 761 páginas
Display de dados
Etapa 1: Inclusão dos bullet points nas
matrizes de análise de dados brutos
Criação de 4 matrizes: uma para
cada categoria e uma para
assuntos introdutórios
Etapa 2: inclusão de informações dos
documentos e das transcrições das
entrevistas nas matrizes
Preenchimento das matrizes com
dados dos documentos. Total: 29
páginas
Verificação de dados
Análise das informações lançadas nas
matrizes.
Respostas descritas no Relatório
do Estudo de Caso
Releitura das informações
Conclusões
Fonte: elaborado pelo autor
4.1 A instituição – FINANX
O Protocolo de Estudo de Caso incluiu um bloco introdutório, cujas
questões foram elaboradas para permitir melhor conhecimento da principal
organização executora do Programa Minha Casa Minha Vida. Conhecer a
empresa sob a ótica da qual se faz o estudo de caso do PMCMV é importante
tanto para compreender melhor o fenômeno ora observado quanto para
identificar características que possam, ao final, apontar resposta para a pergunta
de pesquisa.
A instituição analisada é empresa controlada pelo Estado Brasileiro.
Essa característica a coloca sob interessante paradoxo. Por um lado, é
organização pública, cujos principais dirigentes são nomeados pelo Presidente
86
da República e cujos empregados são admitidos por concurso público.
Juridicamente, possui natureza privada, o que a posiciona como competidora em
iguais condições com demais organizações do altamente concorrido mercado
bancário.
É integrante do Sistema Financeiro Nacional e está sujeita às regras
impostas às demais instituições financeiras, inclusive fiscalização do Banco
Central, depósito compulsório, determinações do Acordo de Basileia, dentre
outras. Além de parceira do Estado Brasileiro, a organização é uma instituição
financeira similar às demais. Disputa mercados, possui base de clientes, faz uso
de estratégias de marketing, oferece produtos e serviços da área comercial, tais
como: contas correntes, depósitos a prazo, crédito pessoal, seguros e
previdência.
A análise dos demonstrativos de resultados da instituição expressa que
houve lucro crescente em todos os últimos anos: 2011, 2012, 2013. A leitura do
balanço da empresa permite constatar que a organização captura valor no
campo tradicional dos negócios, uma vez que aufere lucros em operações de
intermediação financeira, prestação de serviços, cobrança de tarifas bancárias e
outros. Em que pese ser lucrativa, seu Estatuto aponta que a referida empresa
pública também presta uma série de serviços com características sociais, tais
como: prestar serviços delegados pelo Governo Federal; atuar como agente
financeiro de habitação e saneamento; conceder empréstimos e financiamentos
de natureza social.
A instituição é uma das operadoras autorizadas do PMCMV que,
conforme restará demonstrado ao longo da pesquisa, constitui um programa sob
gestão da União.
A realização da pesquisa foi autorizada pela instituição, ressalvando o
sigilo da identificação da mesma. Dessa forma, não será citado o nome da
organização nem dos dirigentes entrevistados. Em substituição, será utilizado o
nome FINANX ao longo da pesquisa. Os nomes dos entrevistados também não
serão informados e seus cargos foram substituídos por códigos (assim como os
demais entrevistados, conforme QUADRO 6).
Concluídas as ponderações a respeito do procedimento e do contexto
da pesquisa, passa-se à análise dos dados nos capítulos seguintes.
87
5 ANÁLISE DE DADOS
Após os procedimentos de coleta, classificação, redução e exibição,
deu-se início à verificação dos dados. Neste ponto é importante reiterar o
compromisso do uso das múltiplas fontes de evidências para reforço da validade
das conclusões.
O expediente verificatório seguiu a ordem do Protocolo de Estudo de
Caso, ferramenta desenvolvida com base nas categorias de análise. Essas, por
sua vez, são derivadas dos objetivos específicos – desdobramentos do objetivo
geral –, os quais, uma vez atingidos, permitirão uma conclusão que responda à
Pergunta de Pesquisa:
O Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma instituição
financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de negócio social,
conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação
social?
Cada
categoria
é
apresentada
sequencialmente
em
capítulos
específicos. As questões introdutórias do Protocolo subsidiaram as informações
a respeito da FINANX apresentadas no capítulo anterior. As entrevistas
realizadas com famílias beneficiárias, embora não constituam categoria própria,
foram aproveitadas em todas as demais, especialmente nas de número 2 e 3.
Após a análise de cada questão do Protocolo, são expressas conclusões. O
sexto capítulo deste trabalho apresentará a conclusão e considerações finais,
abrangendo a pesquisa como um todo.
88
5.1 Categoria de Análise 1: Conceito, legislação, métricas e resultados do
PMCMV
A categoria de análise número 1 objetivou investigar as informações
iniciais a respeito do PMCMV: definir um conceito, identificar a legislação que o
criou e regulamentou e dados preambulares a respeito de suas métricas e
resultados.
A fim de analisar esta categoria, o Protocolo de Estudo de Caso propôs
quatro questionamentos, os quais serviram como roteiro na investigação.
Buscou-se ter uma visão geral do PMCMV. Interessa compreender se
seus principais propósitos estão voltados para aspectos financeiros ou para
aliviar problemas advindos da pobreza, conforme preconiza a literatura de
negócios sociais (Yunus, 2010; Yunus et al, 2010; Comini et al., 2012; Polack e
Warwick, 2013). Nesse mesmo sentido, os resultados esperados indicarão quais
as prioridades do PMCMV sob a ótica da instituição que o executa.
A questão relativa à legislação que criou e regulamentou o PMCMV
encontrou as seguintes respostas:
Lei 11.977/09: resultado da conversão da Medida Provisória nº
459/2009, que criou o PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 14)
Portaria Interministerial 395/11: dispõe sobre o PNHR –
Programa Nacional de Habitação Rural, subprograma do
PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
19)
Portaria 561/11 do Ministério da Fazenda: define a remuneração
das instituições financeiras pelas atividades no âmbito do PNHU
– Programa Nacional de Habitação Urbana, subprograma do
PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
20)
Portaria Interministerial 409/2011: dispõe sobre operações de
crédito com recursos do FGTS no âmbito do PNHU, integrante
do PMCMV. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 21)
Decreto 7.499/2011: Regulamenta o PMCMV. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28)
Resolução 702/12 do Conselho Curador do FGTS: estabelece
diretrizes sobre propostas orçamentárias do FGTS. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24)
89
Portaria 168/2013 do Ministério das Cidades: dispõe sobre
aquisição e alienação dos imóveis com recursos do FAR, no
âmbito do PNHU, integrante do PMCMV. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22)
Portaria 363/2013 do Ministério das Cidades: dispõe sobre
aquisição e alienação dos imóveis com recursos do FAR, no
âmbito do PNHU, integrante do PMCMV, em municípios com
população inferior a 50.000 habitantes. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 23)
Lei 12.868/2013: dispõe sobre o financiamento de bens de
consumo duráveis para beneficiários do PMCMV. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 15)
Portaria 595/13 do Ministério das Cidades: dispõe sobre os
critérios de seleção dos beneficiários do PMCMV. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32)
Quanto à definição do PMCMV, as fontes oficiais (legislação e
publicações das instituições operadoras) trazem o seguinte:
(...) é um programa de governo que tem transformado o sonho
da casa própria em realidade para muitas famílias brasileiras.
Em geral, o Programa acontece em parceria com estados,
municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 47)
Iniciativa criada pelo Governo Federal com o objetivo de diminuir
o déficit habitacional (...).(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice
D, Documento 48)
Em sua definição legal, encontra-se a estrutura em que se desdobra o
PMCMV:
Compreende os seguintes programas: Programa Nacional de
Habitação Urbana; Programa Nacional de Habitação Rural
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
O conceito observado pelos entrevistados demonstra a vinculação entre
a atividade de financiar habitação com a solução de problemas sociais. Ao serem
questionados sobre qual a definição do PMCMV, entrevistados fizeram as
seguintes ponderações:
Política pública/social de alcance extremo. (E2)
Um programa essencial, de natureza social com conseqüências
econômicas (C2).
90
Soma entre social e privado, em que o capital privado viabiliza o
ganho social (C4).
Identifica-se na fala da maioria dos entrevistados uma percepção
positiva com relação ao PMCMV, o que pode ser confirmado pelos termos a
seguir:
Maior e melhor programa habitacional (O1).
Divisor de águas no mercado imobiliário (T1).
Programa altamente exitoso (E3).
Muito correto, muito bom no geral (C1).
Essencial (C2).
Constatou-se, portanto, através da pesquisa documental e das
entrevistas, que o PMCMV consiste num programa de governo, também
podendo ser considerado política pública com direcionamento social, criado para
reduzir o déficit habitacional brasileiro através de dois subprogramas: Habitação
Urbana e Habitação Rural.
A respeito dos objetivos, alguns são explicitados na legislação, tais
como:
Criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas
unidades habitacionais para famílias com renda de até R$
4.650,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
14). Posteriormente, o limite máximo de renda foi estendido para
R$5.400,00, (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 24).
Promover a produção, aquisição, requalificação e reforma de (...)
unidades habitacionais (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice
D, Documento 14).
Promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias;
provisão habitacional em consonância com os planos diretores
municipais; criação de novos postos de trabalho diretos e
indiretos, especialmente por meio da cadeia produtiva da
construção civil; promoção de condições de acessibilidade
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
O pesquisador, como funcionário da FINANX, pode observar, no seu diaa-dia, que a instituição estabelece, internamente, metas de contratação de
unidades habitacionais – exemplo: 5 mil unidades para determinada região no
91
ano –, fato que parece confirmar que um dos objetivos do PMCMV é a redução
do déficit habitacional.
Como observador, o pesquisador identificou preocupação da instituição
com a qualidade, ao orientar seus empregados para o pronto atendimento das
demandas registradas na ferramenta “De Olho na Qualidade”. Tal instrumento
consiste num canal entre a FINANX e as famílias beneficiárias do programa, por
meio de um número de telefone que pode ser acionado gratuitamente para tratar
de questões relativas à qualidade do imóvel.
No cotidiano como empregado da FINANX, o observador identificou que
a alta gestão exige das áreas táticas e operacionais a certificação de que o
Trabalho Técnico Social é realizado junto às famílias. Esse trabalho envolve
ações de educação voltadas para a cidadania e o convívio dos moradores dos
novos
conjuntos,
visando
qualidade
de
vida
e
sustentabilidade
dos
empreendimentos (E3 e observação direta).
Os objetivos a seguir foram citados pelos entrevistados:
Reduzir déficit habitacional nas classes mais baixas (T1);
Reduzir déficit habitacional(O1);
Reduzir o déficit habitacional; urbanização dos municípios(C4);
Reduzir o déficit habitacional (E2);
Redução do déficit habitacional na baixa renda (E1);
Dar casa a quem precisa (C3);
Produzir moradias (E3).
Interessante aspecto foi apontado em algumas entrevistas e confirmado
até mesmo pela legislação: o econômico. O lançamento do PMCMV se deu em
2009, ano que o mundo passava por “profunda crise econômica”, nas palavras
do entrevistado E2.
Algumas fontes de evidência apontam para a preocupação do PMCMV
em interferir na atividade econômica e no nível de emprego do Brasil. Os
objetivos de reação à crise econômica mundial foram assim citados:
Crescimento do PIB, emprego, renda(...) (T1);
92
Estimular a economia através da construção civil (C4);
Responder à crise econômica (E2);
Geração de emprego e renda, movimentar a economia (E3);
Mover a economia (C1);
Responder à crise econômica – foco em emprego na construção
civil (E1).
(...) criação de novos postos de trabalho diretos e indiretos,
especialmente por meio da cadeia produtiva da construção civil
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
Metas sociais, não quantificáveis, aparecem nas falas dos entrevistados
e nos documentos:
Compromisso com a sociedade (O2);
Dar às famílias condições de sair da situação de pobreza (C2);
Objetiva que as pessoas subam (...) degraus em qualidade de
vida (E3);
Tirar as pessoas da pobreza, progresso social (C2);
Grande alcance social; suprir um hiato (O1).
DIRETRIZES GERAIS
a) promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias
beneficiadas; (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 22).
Um dos entrevistados do nível operacional (O2), apontou o interesse da
FINANX em lucrar financeiramente, incluindo o aspecto comercial como um dos
objetivos.
Ela tem objetivo enquanto braço direito do Governo Federal nas
políticas públicas e tem objetivo um compromisso com a
sociedade (...). E ela tem os objetivos comerciais também, que
ela atinge quando fideliza esses clientes que nos procuram,
transformando esses clientes em clientes. (O2)
Há convergência de entrevistados, documentação e observação direta
no sentido de que o PMCMV possui como principais objetivos a redução do
déficit habitacional, geração de emprego e renda por meio de mecanismos de
93
incentivo à produção e comercialização de novas unidades habitacionais para
famílias de baixa renda não proprietárias.
A meta é de produzir 3,75 milhões de novas moradias (E2). Objetivos de
redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida das famílias também foram
citados nas entrevistas e podem ser distinguidos nos parâmetros legais
(elevados subsídios, foco em baixa renda etc.).
Art. 82-B. O PMCMV (...) tem como meta promover a produção,
aquisição, requalificação e reforma de dois milhões de unidades
habitacionais, a partir de 1º de dezembro de 2010 até 31 de
dezembro de 2014.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
Quanto
ao
questionamento
a
respeito
dos
resultados esperados, também é possível classificá-los como quantificáveis e
não quantificáveis. Os primeiros incluem os números de novos imóveis que o
PMCMV pretende entregar. Os outros abrangem resultados sociais e reflexos na
vida das pessoas e das comunidades.
Em termos de quantidade, a legislação original não definiu meta. A partir
dezembro de 2010 foi estabelecida como meta a produção de 2 milhões de
unidades habitacionais desde então até dezembro de 2014.
PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – Metas e resultados
2009/2014
Meta até 2014: 3,75 milhões
Contratadas até novembro 2013: 3 milhões de unidades
Entregues até novembro 2013: 1,4 milhão de unidades
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 37)
Interessante afirmação foi feita por um entrevistado do nível estratégico
do Programa, demonstrando que a meta do PMCMV está mais voltada para
combate ao crescimento da demanda habitacional do que ao próprio déficit:
Hoje em dia nós estamos muito mais voltadas para o incremento.
(...) pra que nos nossos programas, a gente esteja conseguindo
combater parte, não totalmente (...) o incremento, a demanda
por habitação futura. A gente se prepara com oferta de moradia
pra uma demanda futura. Claro, sem desmerecer, obviamente,
o déficit existente, lógico. (E1).
94
Quanto aos resultados esperados pelo PMCMV, de maneira similar aos
objetivos, é possível encontrar retornos similares a negócios convencionais e
outros que indicam resultados sociais. Alguns entrevistados repetiram, para a
questão “resultados esperados”, aquilo que disseram para “objetivos do
PMCMV”.
Entre os resultados típicos de negócios convencionais, destacam-se os
seguintes elementos:
3,7 milhões de novas moradias (T1);
Agregar negócios para a instituição financeira (O1);
Injeção de recursos financeiros no mercado (C2);
Crescimento da economia (E3).
Resultados sociais, assim considerados aqueles que não pertencem ao
mundo dos negócios convencionais, são citados em abundância:
Geração de emprego, melhoria na qualidade de vida (O1);
Melhorar a situação das crianças; redução da criminalidade;
qualidade de vida; dignidade; desenvolver habilidade das
pessoas conviverem socialmente (C2).
Retirada de famílias de áreas de preservação ambiental e áreas
invadidas (C4);
Promoção da melhoria da qualidade de vida; provisão
habitacional garantindo sustentabilidade social, econômica e
ambiental
(PESQUISA
DOCUMENTAL,
Apêndice
D,
Documento 22).
A produção de novas moradias, aqui classificada como resultado
convencional – do ponto de vista da cadeia da construção civil – , também pode
ser considerada resultado social, uma vez que o foco do PMCMV são famílias
de baixa renda que não possuem casa própria.
A maior parte dos recursos que movimentam o PMCMV vem de duas
fontes: FGTS e Orçamento Geral da União – OGU.
PMCMV – TOTAL – 30/06/2014
Subsídios OGU: R$ 83.535.219.519,00
Subsídios FGTS: R$ 22.848.336.230,00
95
Financiamentos FGTS: R$ 112.153.857.247,00 (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39).
Conclui-se, após trianguladas informações coletadas nas entrevistas,
documentos e observação do pesquisador, que o PMCMV foi criado por Lei
Federal para diminuir o déficit habitacional do Brasil, com meta de contratar 3,75
milhões de novas moradias até o fim de 2014. Possui, explicitamente, objetivos
sociais. Suas principais metas estão relacionadas à produção de novas moradias
para famílias não proprietárias. Objetivos de impacto na economia nacional e
ganhos para as instituições financeiras operadoras são apresentados como
secundários.
O QUADRO 8 demonstra uma série de objetivos e resultados do
PMCMV, alguns típicos de negócios convencionais, outros de negócios sociais.
O QUADRO 9 apresenta resumo das conclusões desta categoria.
96
QUADRO 8
Objetivos/Resultados esperados pelo PMCMV
Convencionais
Sociais
Criar mecanismos de incentivo à Dar às famílias condições de sair da
produção e aquisição de novas situação de pobreza
unidades habitacionais
3,75 milhões de novas moradias
3,75 milhões de novas moradias;
Progresso social
Agregar negócios para a instituição
Reduzir o déficit habitacional
financeira;
Injeção de recursos financeiros no Crescimento do PIB, emprego, renda
mercado
Promoção da melhoria da qualidade de
vida das famílias
Crescimento da economia
Responder à crise econômica
Criação de novos postos de trabalho
diretos e indiretos
Interesse comercial das instituições
Geração de emprego, melhoria na
financeiras
qualidade de vida
Melhorar a situação das crianças;
redução da criminalidade; qualidade de
vida; dignidade; desenvolver habilidade
das pessoas conviverem socialmente
Retirada de famílias de áreas de
preservação ambiental e áreas invadidas
Promoção da melhoria da qualidade de
vida; provisão habitacional com
sustentabilidade social, econômica e
ambiental
Ascensão das pessoas
qualidade de vida
Fonte: elaborado pelo autor
à
melhor
97
QUADRO 9
Principais conclusões da Categoria Analítica 1
Conceito
Política pública
Programa habitacional
Programa de governo
PNHU e PNHR
Objetivos
Incentivar produção
habitacional
Promover qualidade
de vida
Redução do déficit
habitacional
Enfrentar
crise
econômica
Política social
Metas sociais
Privado + social
Legislação
Lei 11.977/09
Portaria 395/11
Portaria 561/11 MFAZ
Resultados esperados
3,75 milhões de novas
moradias
Suprir
a
demanda
habitacional
Novos
postos
de
trabalho
Portaria 409/11
Decreto 7.499/11
Resolução
702/12
CCFGTS
Portaria 168/13 MCIDAD
Portaria 363/13 MCIDAD
Lei 12.868/13
Portaria 595/13 MCIDAD
Fonte: elaborado pelo autor
Cumprida a proposta de analisar conceito, legislação, métricas e
resultados, prosseguir-se-á para a categoria de análise 2, que trata do modelo
de negócios do PMCMV, examinando-se sua proposta de valor, público-alvo,
constelação de valor, custos e receitas.
98
5.2 Categoria de Análise 2: Modelo de negócios do PMCMV: proposta de
valor, público-alvo, constelação de valor, custos e receitas
A segunda categoria de análise pretendeu investigar e analisar o modelo
de negócios do PMCMV. Pretendeu-se descobrir se o Programa possui um
modelo de negócios com proposta de valor (o que entrega para o cliente),
público-alvo, constelação de valor (rede de parceiros) e estrutura de custos e
receitas.
A presente categoria visou extrair importantes informações para a
pesquisa, visto que os modelos de negócios sociais devem ter, a princípio,
características de uma empresa clássica: atuação no mercado oferecendo
produtos, busca de clientes, disputa por mercados, manutenção de estrutura de
custos/receitas e canais de distribuição (YUNUS et al., 2010).
Procurou-se compreender se os produtos foram inovadores, se visaram
um novo mercado e se foram desenvolvidos especialmente para os indivíduos
integrantes de tal mercado. Para Phills (2009), inovação social se dá com a
introdução de soluções novas para um problema ou necessidade social, desde
que sejam melhores do que as abordagens já existentes. Daí a necessidade de
compreender se há um caráter inovador intrínseco aos produtos do PMCMV.
Quanto ao público que pretende atingir, buscou-se descobrir se as
pessoas são consideradas clientes de um produto ou beneficiários de um
programa social. Solucionar tal dúvida é fundamental para responder à pergunta
de pesquisa, uma vez que o conceito de negócios sociais prevê que as pessoas
sejam vistas e tratadas como verdadeiros clientes.
A fim de cumprir tais objetivos, o Protocolo de Estudo de Caso definiu
sete questionamentos na segunda categoria de análise, passando por todos os
elementos de um modelo de negócios e buscando identificar sinais de inovação
social.
O primeiro elemento de modelo de negócios analisado foi o relativo aos
produtos. Sobre os produtos oferecidos pelo PMCMV, a legislação apresenta
dois sub-programas, um para a área urbana e outro para área rural.
O Programa Minha Casa Minha Vida (...) compreende os
seguintes subprogramas:
PNHU – Programa Nacional de Habitação Urbana
99
PNHR – Programa nacional de Habitação Rural.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14);
No âmbito do PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural, há divisão
por grupos de faixa de renda, existindo uma linha sem financiamento, com
subvenção paga pela União e outras duas faixas de financiamento com recursos
do FGTS:
I - Grupo 1: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta não ultrapasse R$ 15.000,00;
II - Grupo 2: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta seja superior a R$ 15.000,00 e inferior
ou igual a R$ 30.000,00; e
III - Grupo 3: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta seja superior a R$ 30.000,00 e inferior
ou igual a R$ 60.000,00 (...)
Os beneficiários integrantes do Grupo 1 serão atendidos sem a
constituição de operação de financiamento (...)
(...)
A subvenção econômica do PNHR será paga, à vista e em
espécie, integralmente ao Gestor Operacional do programa, a
partir da contratação da operação entre os Agentes Financeiros
e os beneficiários (...)
2. Os beneficiários integrantes dos Grupos 2 e 3 serão atendidos
a partir da constituição de operação de financiamento, lastreada
nos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS (...)(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
19).
Pelo fato de o PNHR não se tratar do foco do estudo de caso, além de
representar proporcionalmente apenas uma pequena parte do PMCMV, esta
pesquisa se ocupará preponderantemente do PNHU – Programa Nacional de
Habitação Urbana, em que se distinguem duas modalidades de atividade,
conforme a faixa de renda das famílias a que pretende atender.
Bom, ele está estratificado em principalmente na renda e
também valores de financiamentos e subsídios especificados
por locais. Na renda, temos o faixa i para quem tem até
R1.600,00, totalmente bancado por recursos do OGU, que
aporta os recursos no FAR.(...)
[faixa ii e iii] É um outro produto. Esse aí já é um financiamento
mais com regras de mercado, mas ele tem uma diferenciação.
(...) está previsto diferenciais de subsídios que vão decrescendo
para quem ganha até R$ 3.275,00, você tem o FGC, q é o fundo
garantidor e você tem também uma taxa de juros reduzida, que
vai no faixa ii até R$3.275,00 e faixa iii até R$4.500,00.
Notadamente, faixa i por ser indicação do poder público, e não
haver análise cadastral (...),ele é um programa diferenciado. Os
100
outros já tem a questão cadastral da pessoa para ter acesso a
esse programa, tanto de renda quanto de idoneidade cadastral.
Então, é um programa guarda-chuva e aí na área urbana se
resuma a esses três aí: faixa i, ii e iii. (T1)
A chamada faixa i do PMCMV não prevê financiamento nem análise
cadastral ou comprovação da capacidade de pagamento. É promovida com
recursos do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, por meio de
subvenções. A contrapartida dos beneficiários é oferecida por prestações
limitadas.
A integralização de cotas do FAR (...), tem por objetivo a
aquisição e requalificação de imóveis destinados à alienação
para famílias com renda mensal de até mil e seiscentos reais,
por meio de operações realizadas por instituições financeiras
oficiais federais (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 22);
As operações realizadas com recursos provenientes da
integralização de cotas no FAR (...) beneficiarão famílias com
renda mensal de até R$ 1.600,00 e ocorrerão na forma de
regulamento estabelecido por ato conjunto dos Ministérios das
Cidades, da Fazenda, e do Planejamento, Orçamento e Gestão,
observadas as seguintes condições:
I - exigência de participação financeira dos beneficiários, sob a
forma de prestações mensais;
II - quitação da operação, em casos de morte ou invalidez
permanente do beneficiário, sem cobrança de contribuição do
beneficiário; e
III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de
contribuição do beneficiário.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28)
A subvenção econômica será concedida nas prestações do
financiamento, ao longo de cento e vinte meses;
A quitação antecipada do financiamento implicará o pagamento
do valor da dívida contratual do imóvel, sem a subvenção
econômica conferida na forma deste artigo
Não se admite transferência inter vivos de imóveis sem a
respectiva quitação. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 28)
Os beneficiários das operações realizadas com recursos
provenientes da integralização de cotas no FAR e recursos
transferidos ao FDS assumirão responsabilidade contratual pelo
pagamento de cento e vinte prestações mensais,
correspondentes a cinco por cento da renda bruta familiar
mensal, com valor mínimo fixado em vinte e cinco reais.
(PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28)
A legislação procura garantir que a subvenção seja oferecida apenas
uma vez para cada beneficiário e imóvel, tanto na faixa i quanto na faixa ii:
101
A subvenção econômica a que se refere o inciso I do caput do
art. 2º será concedida exclusivamente a mutuários com renda
familiar mensal de até R$ 3.275,00 (três mil, duzentos e setenta
e cinco reais), uma única vez por imóvel e por beneficiário.
(PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28)
As faixas ii e iii do PMCMV atingem até o valor de R$ 5.400,00 de renda,
sendo que se tratam de operações de financiamento com análise cadastral e de
capacidade de pagamento, porém com condições especiais.
Na faixa ii e iii, ele é uma operação similar às operações que nós
já fazíamos anteriormente. (...) Porque a inadimplência do faixa
ii e iii é risco do banco. Então ela é uma operação de mercado,
em que o Estado participa dela facilitando o acesso de quem tá
comprando, dando um subsídio para que ele possa comprar um
imóvel que a renda dele não permitia comprar numa situação
diferente. Mas tirando essa questão importante do subsídio pro
comprador, o financiamento tem as mesmas regras de um
financiamento comercial. (E2)
[faixa ii é] um outro produto que já não é subsídio direto, porque
são recursos do FGTS, cuja renda é superior (...) e o recurso
sim, são do FGTS, via financiamento. (O2)
Faixa de R$1.600,00 a R$ 3.275,00 é a faixa ii, neste aí o
governo aporta um subsídio (...) que é um complemento. E o
faixa iii que vai de R$ 3.275,00 a R$ 5.000,00, hoje o único
diferencial dele é o fundo garantidor, que é um seguro mais
barato do que se fosse em um financiamento. (E3)
A subvenção econômica (...) será concedida exclusivamente a
mutuários com renda familiar mensal de até R$ 3.275,00 (três
mil, duzentos e setenta e cinco reais), uma única vez por imóvel
e por beneficiário e será cumulativa com os descontos
habitacionais concedidos nas operações de financiamento.
(PESQUISA DOCUMENTO, Apêndice D, Documento 28).
Através da observação direta, identificou-se que, na faixa i, as
contratações são feitas de maneira coletiva. Nas faixas ii e iii, podem se dar por
empreendimentos coletivos ou individualmente numa relação simples de
comprador e vendedor, com intervenção do banco financiador.
As linhas de crédito e de subvenção são consideradas produtos
oferecidos pelo PMCMV. As próprias unidades habitacionais, igualmente, são
apresentadas na legislação e nas entrevistas como produtos.
102
No âmbito do FAR, os imóveis são padronizados e os valores máximos
estabelecidos conforme a localidade do imóvel, variando entre R$ 57 mil e R$
76 mil (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 22, 29 e 30).
Os valores máximos de aquisição (...) poderão compreender os
custos de aquisição do terreno, edificação, equipamentos de uso
comum, tributos, despesas de legalização, trabalho social e
execução de infraestrutura (...). Contemplam, ainda, os custos
do sistema de aquecimento solar nas edificações unifamiliares.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
Com relação aos financiamentos do FGTS, o valor máximo de imóvel é
de R$ 90 mil, podendo ser majorado conforme a região do País:
R$ 115 mil: imóveis situados em municípios com mais de 50 mil
habitantes.
R$ 145 mil: imóveis situados em municípios com mais de 250
mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas.
R$ 170 mil: imóveis situados em municípios com pelo menos 1
milhão de habitantes ou capitais estaduais.
R$ 190 mil: imóveis situados no Distrito Federal ou em
municípios integrantes das regiões metropolitanas dos estados
do Rio de Janeiro e São Paulo.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24)
Alinhados ao que apresenta a documentação, os entrevistados informam
sua visão com relação ao que consideram ser os produtos do PMCMV:
Moradia (E2, E3);
Financiamentos estratificados por renda (T1);
Comercialização de imóveis via financiamento (O1);
Habitação (C2);
Uma linha individual e uma coletiva (O2);
Faixa I: limites estabelecidos pelo Ministério das Cidades e o
Faixa II, que tem que vender o imóvel(C3).
103
Notável que tal pergunta tenha recebido respostas que, a exemplo dos
objetivos e resultados esperados, são vinculadas a aspectos sociais, conforme
as seguintes:
Bancarização, responsabilidade coletiva (E2);
Infraestrutura e equipamentos sociais como escolas, postos de
saúde etc.(E1);
Equipamentos de aquecimento solar, impacto na saúde,
valorização da mulher (C2);
Mais do que habitação simplesmente: moradia,
infraestrutura, equipamentos comunitários (E1).
teto,
Ainda relativamente à proposta de valor do PMCMV, questionou-se a
respeito das necessidades dos clientes-alvo, dos valores criados para a
sociedade. Infere-se da pesquisa documental que o déficit e a demanda
habitacional são necessidades importantes a que o PMCMV atinge diretamente.
O déficit habitacional em 2012 era de 5,2 milhões de domicílios, nesses
números considerados:
Domicílios precários: 870,56 mil;
Coabitação: 1.757 mil;
Excedente de aluguel: 2.293 mil;
Adensamento excessivo: 510,19 mil.
Demanda habitacional prevista até 2023: 27 milhões de
unidades habitacionais, sendo 62% dela concentrada na faixa
de renda de até R$ 1.200,00 (incluída no público-alvo do
PMCMV).
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 46)
Os entrevistados destacaram necessidades sociais similares àquelas
apontadas pelos documentos e adicionaram aspirações indiretamente ligadas à
moradia, como:
Sonho da casa própria (...), segurança do imóvel (O1);
Condição básica para a família, a casa (C3);
104
Realização do sonho do cliente, casa própria com condição
digna (O2);
Não se preocupa só com moradia, mas também com
infraestrutura, água, transporte...”(E1).
As respostas a esse questionamento reforçam aquelas encontradas
quando se tratou dos objetivos e dos resultados esperados pelo PMCMV, na
primeira categoria analítica.
Ao considerar negócios realizados por grandes corporações para
atender aos pobres do mundo, autores defendem que os produtos sejam
desenhados
especificamente
para
aquele
público
(GATES,
2008;
THOMPSON & MACMILLAN, 2010; BORNSTEIN & DAVIS, 2010; EGGERS &
MACMILLAN, 2013; POLAK & WARWICK, 2013). Nesse ponto, parece haver
convergência de opiniões da maioria dos entrevistados, entendendo eles que a
linha de subvenção para famílias que ganham até R$ 1.600,00 por mês
(chamada Faixa i do PMCMV) foi desenvolvida especialmente para tal público.
Quanto às linhas de financiamento com subsídios, alguns entendem que sim,
outros entendem que não.
O Faixa ii se assemelha ao produto que já existia antes, que era
a carta de crédito Associativa. Só que não tinha esses benefícios
da taxa de juros reduzida, não tinha o benefício do Fundo
Garantidor de Créditos e também não tinha o benefício do
subsídio (...). Notadamente, Faixa i, por ser indicação do poder
público e não haver análise cadastral (...), ele é um programa
diferenciado (T1).
(...) pode até ter tido iniciativas no passado (...). Mas eram
situações absolutamente diferentes, formas diferentes de fazer.
Então, eu diria que não existia, foi uma coisa nova, diferente (...).
Desenhados especificamente para isso, quer dizer, a tipologia
mínima que você tem (...), a infraestrutura (...). Não é uma
situação que a gente tinha no passado em outras experiências
(...). E o número que ele atingiu também é sem precedentes.
(E2).
Foram feitos de fato para atender ao público do PMCMV (O1);
Especificamente para esse público-alvo (C4);
Eu acho que atende sim [Faixa i ]. O Faixa ii eu tenho algumas
dúvidas (...), a impressão que eu tenho (...) é que o Faixa ii é um
programa que beneficia mais as construtoras que a sociedade
(C2).
105
A documentação parece oferecer respostas que esclareçam a questão.
A própria Lei que criou o PMCMV apresenta separadamente produtos por faixa
de renda, conforme já descrito neste capítulo (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 14).
A legislação “desenha” o produto, exigindo especificações técnicas
mínimas, infraestrutura e outros itens:
ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA
O projeto do empreendimento observará especificação técnica
mínima disponível para consulta no endereço eletrônico do
Ministério das Cidades (www.cidades.gov.br).
O projeto de empreendimento composto por edificações
unifamiliares deverá contemplar sistema de aquecimento solar
individual.
O empreendimento deverá ser dotado de infraestrutura urbana
básica: vias de acesso e de circulação pavimentadas, drenagem
pluvial, calçadas, guias e sarjetas, rede de energia elétrica e
iluminação pública, rede para abastecimento de água potável,
soluções para o esgotamento sanitário e coleta de lixo.
As redes de energia elétrica e iluminação pública, abastecimento
de água potável e as soluções para o esgotamento sanitário,
deverão estar operantes até a data de entrega do
empreendimento. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 22)
Os projetos de unidades a serem comercializados na Faixa i possuem
especificações mínimas de dimensões dos cômodos, características gerais (área
útil, pé direito, cobertura, revestimento, portas, janelas, paredes, pisos, pinturas,
louças e metais, instalações elétricas, infraestrutura, acessibilidade) definidas
legalmente (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 29 e 30).
Todas as residências passaram a ser entregues com revestimento
(pisos) a partir de julho de 2011, data em que tal condição foi acrescentada às
especificações técnicas dos imóveis. Merece destaque o fato de que as unidades
já entregues quando do estabelecimento dessa exigência foram incluídas no
projeto, tendo o PMCMV instalado revestimento em todas as moradias sem custo
para o beneficiário (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22 e
observação direta).
Os projetos de empreendimentos das operações contratadas até
o dia 8 de julho de 2011 (...), poderão ser objeto de acréscimo
106
de revestimento cerâmico de piso nas áreas privativas da
unidade habitacional e nas áreas de uso comum nos casos de
edificações multifamiliares. (PESQUISA DOCUMENTO,
Apêndice D, Documento 22).
A legislação tributária foi alterada especificamente para o PMCMV. Foi
criado regime especial de tributação para construção de unidades habitacionais
contratadas no âmbito do PMCMV, mais favorável às construtoras, na forma de
incentivo fiscal:
Instrução Normativa RFB nº 1435: Dispõe sobre os regimes
especiais de pagamento unificado de tributos aplicáveis às
incorporações imobiliárias, às construções de unidades
habitacionais contratadas no âmbito do Programa Minha Casa,
Minha Vida (PMCMV) e às construções ou reformas de
estabelecimentos
de
educação
infantil
(PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 31).
DO REGIME ESPECIAL APLICÁVEL ÀS CONSTRUÇÕES NO
ÂMBITO DO PMCMV:
Até 31 de dezembro de 2014, a empresa construtora contratada
para construir unidades habitacionais no âmbito do PMCMV, de
que trata a Lei nº 11.977, de 2009, fica autorizada, em caráter
opcional, a efetuar o pagamento unificado de tributos
equivalente a 1% (um por cento) da receita mensal auferida pelo
contrato de construção. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice
D, Documento 31).
Pode-se citar como exclusividade do PMCMV, ainda, o desenvolvimento
de uma linha de financiamento de bens de consumo duráveis para os
beneficiários do PMCMV. Criada por lei e chamada “Minha Casa Melhor”, a linha
de crédito é oferecida por uma das instituições financeiras operadoras, com
recursos da União, com destinação específica para aquisição de móveis,
eletrodomésticos e eletrônicos, para permitir que a família equipe a nova
residência. É voltada exclusivamente para os beneficiários do PMCMV. O
objetivo é que a família equipe a nova residência.
LEI 12.868/13
(...) para dispor sobre o financiamento de bens de consumo
duráveis a beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida
(PMCMV)
Os recursos captados (...) na forma do caput poderão ser
destinados ao financiamento de bens de consumo duráveis,
107
inclusive bens de tecnologia assistiva, para as pessoas físicas
do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV (...).
O Conselho Monetário Nacional definirá os bens de consumo
duráveis e de tecnologia assistiva (...), seus valores máximos de
aquisição e os termos e as condições do financiamento.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 09).
O próprio público-alvo parece entender que os produtos do PMCMV são
diferentes dos anteriores e que foram desenvolvidos para atendê-los.
No financiamento normal, acho que não teria condições de
comprar. Prestação de R$ 500,00, eu não ia dar conta sozinha.
(P1)
Tentei várias vezes, tentei muito [financiar imóvel antes do
PMCMV]. Fiquei até frustrada com isso. Porque não dá! [para
financiar nas linhas anteriores] Não dá pelo seguinte: a gente,
como se diz, é pobre. A gente ganha salário, e então com esse
salário eu tinha que pagar aluguel, eu tinha que dar assistência
meu filho na escola, roupa, alimentação, remédio, tudo isso.
Então com o salário que a gente ganha, como que a gente vai
juntar aí vinte mil, trinta mil para dar de entrada para depois
continuar uma prestação? Então não dá. (P2)
Referente ao caráter inovador, a maioria dos entrevistados confirma a
presença de tal característica nos produtos do PMCMV, embora alguns deles,
ao serem instados a explicar o porquê de assim entenderem, não o souberam
explicar. Possivelmente isso se deve ao desconhecimento do conceito de
inovação.
Ainda que os entrevistados não sejam detentores do conhecimento
acadêmico referente à inovação e inovação social, é possível extrair de suas
falas noções que demonstram que os produtos do PMCMV são inovadores.
Recorrendo aos estudos propostos por Davila et al. (2006), foram
encontrados aspectos inovadores na tecnologia e, especialmente, no modelo de
negócios do PMCMV. A seguir, apresentam-se as inovações identificadas por
alavanca, conforme o citado modelo de Davila et al. (2006), a partir da estratégia
de triangulação de fontes de evidências.
Proposta de valor (inovação no modelo de negócios):
Os produtos anteriores tinham problemas de financiamento que
não ocorrem no PMCMV - resíduos a pagar após o fim do prazo
do contrato, escolha de famílias que não tinham necessidade
etc. (C2).
108
Não existia tamanha abrangência (T1).
Foi uma coisa nova,
precedentes. (E2).
diferente,
atingiu
números
sem
Grande incremento orçamentário. (E1).
Soma de variáveis inovadoras: desoneração tributária, subsídio,
critérios sociais, juros subsidiados. (C4).
Os contratos e registros efetivados no âmbito do PMCMV serão
formalizados, preferencialmente, em nome da mulher.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser
observados os seguintes requisitos:
(...)
Prioridade de atendimento às famílias com mulheres
responsáveis pela unidade familiar (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 14).
Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou
divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito
do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável,
com subvenções oriundas de recursos do orçamento geral da
União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher
ou a ela transferido.
Os emolumentos devidos pelos atos de abertura de matrícula,
registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de
construção, instituição de condomínio, averbação da carta de
“habite-se” e demais atos referentes à construção de
empreendimentos no âmbito do PMCMV serão reduzidos em: I
- 75% (setenta e cinco por cento) para os empreendimentos do
FAR e do FDS;
II - 50% (cinquenta por cento) para os atos relacionados aos
demais
empreendimentos
do
PMCMV.
(PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
Serão assegurados no PMCMV:
I – condições de acessibilidade a todas as áreas públicas e de
uso comum;
II – disponibilidade de unidades adaptáveis ao uso por pessoas
com deficiência, com mobilidade reduzida e idosos (...)
III – condições de sustentabilidade das construções;
IV – uso de novas tecnologias construtivas. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
DIRETRIZES GERAIS
(...)
f) execução de trabalho social, entendido como um conjunto de
ações inclusivas, de caráter socioeducativo, voltadas para o
fortalecimento da autonomia das famílias, sua inclusão produtiva
109
e a participação cidadã, contribuindo para a sustentabilidade dos
empreendimentos habitacionais (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 22).
Programa De Olho na Qualidade: um conjunto de ações que têm
como objetivo a garantia do atendimento e da qualidade do
atendimento e dos imóveis entregues por um dos maiores
programas habitacionais do mundo, o Minha Casa Minha Vida.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 26).
Cliente-alvo (inovação no modelo de negócios):
Atingiu um novo mercado. (T1)
O público do PMCMV estava fora do mercado. (C3)
No financiamento normal, acho que não teria condições de
comprar. Prestação de R$ 500,00 eu não ia dar conta sozinha.
(P1)
Entrevistado P2, antes do PMCMV, tentou financiar várias vezes
sem sucesso em virtude da entrada. “Como que a gente vai
juntar 20 mil pra dar de entrada?” (P2).
Criação de Faixas de clientes por renda (Faixa i, Faixa ii e Faixa
iii), com benefícios de subsídios, subvenções e taxas de juros
diferentes, sendo que para as camadas mais baixas as
vantagens são maiores (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice
D, Documento 14).
O foco do PMCMV com relação do público que pretende
alcançar está alinhado à previsão de demanda habitacional
futura. Até 2023, 62% da demanda estará concentrada nas
rendas de até R$1.200,00. (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 10).
Cadeia de suprimentos (inovação no modelo de negócios):
Desoneração tributária para as construtoras (C4).
“As construtoras modificaram sua forma de atuar” (C3).
“Houve uma mudança na indústria da construção.” (E3)
Criação de uma estrutura interna voltada para o PMCMV,
incluindo Superintendências Nacionais específicas, Gerências
em Superintendências Regionais, plataformas regionais para
operacionalização dos contratos etc. (OBSERVAÇÃO DIRETA)
Produto (inovação tecnológica):
Criação de produtos específicos para cada faixa de renda
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14).
110
Definição de subsídios/subvenções e juros diferenciados por
faixa de renda (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 14)
Produtos não existiam antes, nessa formatação. (O1)
Criação de um Fundo Garantidor de Crédito para cobrir
desemprego, morte, invalidez e danos ao imóvel;
estabelecimento dos subsídios; redução nas taxas de juros.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 14, 21,
22, 24).
Subsídios diretos e juros subsidiados. (C3)
Melhoria na qualidade dos produtos. “Antes, as casas eram
entregues com chão batido, na lama. Hoje tem exigência de piso,
aquecedor solar, infraestrutura completa”. (C1)
Produtos com especificações técnicas mínimas definidas em lei.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
Estabelecimento
de
exigências
com
relação
ao
empreendimento: pavimentação, drenagem pluvial, energia
elétrica, água, esgoto, coleta de lixo, equipamentos públicos de
educação, saúde assistência social, segurança (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
Determinação da colocação de revestimento (pisos) em todas as
residências. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 14).
Uma das características dos empreendimentos inovadores é a busca de
novos mercados (TIGRE, 2006). Análise documental apresenta dado que
parece demonstrar que o PMCMV atingiu um novo mercado.
Média anual de financiamentos imobiliários no Brasil:
Entre 1974 e 2008: 238.753
Entre 2009 e 2013: (período do PMCMV): 1.008.720.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 25).
A participação do público-alvo do PMCMV no total de
financiamentos concedidos no Brasil aumentou de 25,5% em
2004 para 33,8% em 2013 (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 41)
Prezando pela análise de múltiplas fontes, encontraram-se nas
entrevistas referências ao surgimento de um mercado até então não atendido:
Não tínhamos esse programa com essa abrangência (T1).
111
Atingiu números sem precedentes (E2).
O público do PMCMV estava fora do mercado (C3).
A própria simulação de um financiamento convencional demonstra que
as subvenções tornaram possível o acesso de quem não teria capacidade
financeira. A prestação para financiamento de R$60 mil custaria, sem subsídios,
R$792,05, (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 49), o que
excluiria grande parte do público do PMCMV, uma vez que 1,61 milhão das
unidades contratadas foram para famílias com renda de até R$1.600,00. Com
renda máxima de R$ 1.600,00, nenhuma dessas famílias teria capacidade de
pagamento para R$792,05.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 39).
GRÁFICO 1 – Distribuição da renda das famílias na Faixa 1
Fonte: Pesquisa Documental, Apêndice D, Documento 36.
Cerca de 50% das entregas ao Faixa I foram para famílias com renda de
R$601,00 a R$1.000,00. Renda de R$ 600,01 num financiamento normal
permitira capacidade de pagamento de cerca R$180,00, suficiente para financiar
menos de R$20 mil.
112
Pode-se afirmar, portanto, que há um mercado novo atendido pelo
PMCMV. Além dos exemplos acima, pode-se considerar ainda a situação de
famílias com renda abaixo de R$601,00 e até totalmente sem renda que, por
falta de capacidade de pagamento de uma prestação, estavam alijadas da
possibilidade de aquisição de um imóvel para viver.
Conclui-se que o PMCMV possui uma proposta de valor a entregar para
a sociedade e que seus produtos são diferentes conforme o público que
pretendem atender.
Os produtos oferecem características exclusivas, criadas para permitir e
facilitar o acesso do público-alvo. Há elementos que indicam inovação nas
alavancas tecnológica e modelo de negócios. Percebe-se, pelas informações
dos entrevistados, pela análise documental e observação direta, que a proposta
de valor do PMCMV traz características novas, que até então não existiam no
mercado imobiliário. Condições e exigências estabelecidas a partir do
lançamento do programa e exclusivamente para seus clientes/beneficiários
denotam uma proposta de valor diferenciada, voltada para garantir boa
qualidade da unidade habitacional e melhoria de vida das pessoas.
O próximo componente de um modelo de negócios tratado foi o cliente,
ou público-alvo que ele pretende atender. Nesta pesquisa, investigou-se o
elemento sob dois aspectos. O primeiro visou identificar se o PMCMV possui, de
fato, um público-alvo que pretenda atingir. O segundo aspecto teve por meta
observar se tal público é considerado cliente de um produto ou destinatário de
um benefício público.
Foi possível constatar que a legislação criadora e regulamentadora do
PMCMV define claramente o público-alvo. Começa por explicitar o conceito de
família adotado pelo programa:
Unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos que
contribuem para o seu rendimento ou têm suas despesas por ela
atendidas e abrange todas as espécies reconhecidas pelo
ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se nestas a família
unipessoal (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 14).
113
Público do produto Faixa i (recursos do FAR): A integralização
de cotas no FAR (...), tem por objetivo a aquisição e
requalificação de imóveis destinados à alienação para famílias
com renda mensal de até mil e seiscentos reais (...)(PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
A indicação dos candidatos se dará a partir da aplicação dos
critérios de priorização e procedimentos de seleção definidos
nesta Portaria. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 32).
Contratação realizada coletivamente (OBSERVAÇÃO DIRETA).
Público dos produtos Faixas ii e iii (recursos FGTS): I - Pessoas
físicas: definidas como famílias com renda familiar mensal
limitada a R$ 4.300,00, admitida sua elevação até R$ 5.400,00
(...) em municípios integrantes de regiões metropolitanas ou
equivalentes, municípios-sede de capitais estaduais, ou
municípios com população igual ou superior a 250.000
(duzentos e cinquenta mil) habitantes (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24)
No faixa ii e iii eles se caracterizam pelo financiamento
habitacional. (...) a pessoa toma um financiamento habitacional,
(...) ele se endivida normalmente, as instituições analisam a
capacidade dela de pagar e o PMCMV entra subsidiando uma
parcela do imóvel. Então o imóvel custa 100 mil, você ta em
Brasília, você vai ganhar 23 mil de subvenção. (E1)
Contratos feitos coletivamente ou individualmente. Contratação
segue as regras de mercado, inclusive oferta e demanda
(OBSERVAÇÃO DIRETA)
A construtora é que busca os clientes (C3).
O público Faixa i não segue as regras de mercado, ou seja, quem
escolhe o comprador não é o vendedor e vice-versa. O negócio de construção e
transação do imóvel segue procedimento especial previsto na legislação. A
escolha dos candidatos é feita pelo Poder Público local:
A indicação dos candidatos se dará a partir da aplicação dos
critérios de priorização e procedimentos de seleção definidos
nesta Portaria.
(...)
São considerados critérios nacionais de priorização, conforme o
disposto na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009:
a) famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que
tenham sido desabrigadas;
b) famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e
c) famílias de que façam parte pessoas com deficiência.
(...)
114
De forma a complementar os critérios nacionais, Distrito Federal,
estados, municípios e entidades organizadoras poderão
estabelecer até três critérios adicionais de priorização.
(...)
O processo seletivo nortear-se-á pelo objetivo de priorização ao
atendimento de candidatos que se enquadrem no maior número
de critérios nacionais e adicionais. (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 32)
Geograficamente, estabeleceu-se a abrangência do PMCMV:
ÁREA DE ATUAÇÃO
As operações de aquisição de imóveis serão implementadas nas
capitais estaduais e respectivas regiões metropolitanas, quando
existentes, nas regiões metropolitanas de Campinas/SP e
Baixada Santista/SP, nos municípios limítrofes à Teresina/PI e
que pertençam à respectiva Região Integrada de
Desenvolvimento - RIDE, no Distrito Federal e nos municípios
com população igual ou superior a 50.000 (cinquenta mil)
habitantes.
Poderão, ainda, ser implementadas operações de aquisição de
imóveis nos municípios com população entre vinte e cinqüenta
mil habitantes, desde que:
a)possuam população urbana igual ou superior a setenta por
cento de sua população total;
b) apresentem taxa de crescimento populacional, entre os anos
2000 e 2010, superior à taxa verificada no respectivo Estado; e
c) apresentem taxa de crescimento populacional, entre os anos
2007 e 2010, superior a cinco por cento. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
PARTICIPANTES E ATRIBUIÇÕES:
(...)
DISTRITO FEDERAL, ESTADOS E MUNICÍPIOS (...) que
aderirem ao Programa:
a) firmar Termo de Adesão ao PMCMV, disponibilizado no sítio
eletrônico (www.cidades.gov.br), assumindo, no mínimo, as
seguintes
atribuições
(...).(PESQUISA
DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 14)
Até abril de 2014, cerca de 4.420 municípios e 18 Unidades da
Federação haviam firmado termo de adesão do PMCMV
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 17).
A se considerar que o público-alvo seja maior do que a oferta do
PMCMV, há previsão de que serão atendidos os candidatos que se enquadrem
na maior quantidade de critérios definidos, utilizando-se a forma de sorteio como
modalidade de desempate. O último ato da seleção é a checagem de dados pela
FINANX, para certificar-se de que as famílias não receberam, anteriormente,
subsídios habitacionais.
115
O ente público responsável pela seleção deverá encaminhar a
relação dos candidatos a beneficiários selecionados para
conhecimento dos conselhos distrital, municipal ou estadual de
habitação ou de assistência social antes da apresentação da
relação às instituições financeiras ou agentes financeiros.
O processo seletivo será finalizado pela validação, por parte da
[FINANX], das informações prestadas pelos candidatos junto a
outros cadastros de administração de órgãos ou entidades do
Governo Federal, conforme disposto no item 8 desta Portaria, e
deverá ser precedida da inclusão ou atualização dos dados dos
candidatos no Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CadÚnico). (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 32).
A contratação nas faixas ii e iii segue o fluxo de uma compra e
venda típica de mercado, seguida de financiamento pelas
instituições financeiras (OBSERVAÇÃO DIRETA).
Após cinco anos de execução do PMCMV, verifica-se que cerca
de 50% do público atendido encontra-se no lapso de renda entre
R$ 601,00 e R$ 1.000,00 (PESQUISA DOCUMENTAL,
APÊNDICE D, DOCUMENTO 36).
Quanto ao PNHR, segmento do PMCMV que atende a área rural, seu
público inclui agricultores familiares divididos em três grupos:
Serão beneficiários do PNHR os agricultores familiares e
trabalhadores rurais assim qualificados:
I - Grupo 1: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta não ultrapasse R$ 15.000,00 (quinze
mil reais);
II - Grupo 2: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta seja superior a R$ 15.000,00 (quinze
mil reais) e inferior ou igual a R$ 30.000,00 (trinta mil reais); e
III - Grupo 3: agricultores familiares e trabalhadores rurais cuja
renda familiar anual bruta seja superior a R$ 30.000,00 (trinta mil
reais) e inferior ou igual a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 19).
A percepção dos entrevistados com relação ao questionamento do
público-alvo, mais uma vez na pesquisa, é voltada em maior grau para aspectos
sociais do que para o ponto de vista demográfico, embora renda e critérios legais
de seleção também sejam citados. Destacam-se os seguintes termos utilizados
pelos entrevistados para o questionamento a respeito do público-alvo:
Público sem capacidade de compra; pessoas de baixíssima
renda e nível de fragilidade social extrema (E2).
116
Trabalhadores com renda baixa, pequenos empresários (T1).
Duas faixas distintas: Faixa i, estava fora do mercado, podem
até não ter renda nenhuma. Faixa ii: demanda de mercado, nova
classe média. Pessoas que não tem condições de comprar o
imóvel de outra forma (O1).
Pessoas que não comprariam essas casas. Mercado novo.
Pessoas que estavam abandonadas (C2).
As entrevistas realizadas com as duas famílias beneficiadas trouxeram
um dado curioso. Ambas demonstraram não ter tido conhecimento dos critérios
legais pelos quais elas mesmas foram selecionadas, parecendo considerar que
a escolha se deu exclusivamente através de um sorteio entre os inscritos.
“Aí eu fiz a inscrição, aí teve (...) o sorteio. Aí eu nem fui porque
estava com visita na época, aí o pessoal falou: ‘eu vi o seu
nome!’ Aí minha colega foi e me falou: ‘oh, eu vi seu nome lá na
prefeitura’. Aí eu fiquei louca, eu fui lá, vi. Realmente o meu
nome estava lá”(P1).
“(...) e eu fiz minha inscrição e fui sorteada. Participei do sorteio
que teve lá no Parque de Exposições. Eles estavam sorteando
lá e o meu nome saiu”(P2).
O segundo enfoque da pesquisa com relação ao público-alvo é o
questionamento – cujo esclarecimento se mostra essencial para atender ao
objetivo geral – relativo à classificação das famílias usuárias do PMCMV na
natureza de clientes compradores de um produto ou de beneficiárias de um
programa social ou de Governo.
Yunus (2010), Yunus et al. (2010), Borsntein e Davis (2010), Eggers e
MacMillan (2013), Polak e Warwick (2013) afirmam que negócios sociais se
guiam pela mesma lógica de uma empresa convencional. Portanto, seu públicoalvo deve ser composto de clientes.
Na mesma linha, Polak e Warwick (2013) defendem que os pobres
devem ser vistos como clientes e não como “recipientes de caridade”, assim
como
Borstein
e Davis
(2010) propõem
que
sejam
tratados como
“consumidores”, ao invés de “beneficiários”.
A pesquisa documental, que incluiu toda a legislação pertinente ao
PMCMV, não encontrou pontos em que as famílias fossem citadas direta ou
117
indiretamente como “clientes”, especialmente quando referentes ao público da
chamada Faixa i – rendas de até R$ 1.600,00. Os documentos D14 e D22 –
peças fundamentais do programa – trazem, respectivamente, 27 e 38 citações
dos termos “beneficiadas, beneficiários ou benefício” e nenhuma citação de
“produto”, “cliente” ou “venda”.
A seguir, amostra de informações coletadas na pesquisa documental:
Portaria “dispõe sobre os parâmetros de priorização e sobre o
processo de seleção dos beneficiários do PMCMV” (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32).
A lei criadora do PMCMV menciona, em diversos pontos, os termos
“beneficiário” e correlatos:
Concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física
no ato da contratação de financiamento habitacional;
(...) para indicação dos beneficiários do PMCMV...;
(...) os parâmetros de priorização e enquadramento dos
beneficiários do PMCMV;
(...) o poder aquisitivo da população a ser beneficiada.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14)
O documento D22 traz, em diversos pontos, os termos ora tratados,
como nos exemplos a seguir:
Promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias
beneficiadas;
(...) processo de seleção dos beneficiários;
(...) participação financeira dos beneficiários;
(...) alienar e ceder aos beneficiários do Programa os imóveis
produzidos;
(...) trabalho social junto aos beneficiários.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22)
Extraiu-se das entrevistas um duplo entendimento do tema. Sem
pretender adiantar as conclusões, parece claro que as pessoas ouvidas dividem
118
o público entre beneficiários de um programa social ou governamental (famílias
da Faixa i) e clientes de um produto (Faixas ii e iii).
Não são clientes. Banco não tem ousadia como o Grameen Bank
(C2).
Público do Faixa i é tratado mais como beneficiário do que como
cliente. (...) Os demais são clientes, pois consomem outros
produtos – cartão de crédito, cheque especial, seguros,
aplicações financeiras(O2).
Todos são clientes, embora no Faixa i não haja negócios de
maior volume (O1).
Faixa i: beneficiários, mas também clientes com potencial de
consumo baixo. Faixa ii, tratados normalmente como clientes,
com cadastro e análise de renda (T1).
No Faixa i, quem define o cliente não é o banco. Nas faixas de
renda mais alta, o cliente é interessante para o mercado (E2).
No Faixa i, são beneficiários. “A gente trata eles como
beneficiários”(E1).
Faixas ii e iii: inegavelmente, clientes. Todo cidadão é cliente,
mas no Faixa i não há muitos negócios, está mais voltado para
benefício (E3).
Faixa de 0 a 3 salários pode ser visto como beneficiário. As
demais faixas, um mutuário (C4).
Faixa i (...), subsídio explícito. Eu costumo falar que não é uma
doação porque não pode. (...) As prestações variam entre
R$300,00 / R$350,00 no papel. Quando você aplica o subsídio,
elas caem para R$25,00 a R$80,00. É praticamente uma
doação. (O1)
O fato de que, no Faixa i, os contratantes são escolhidos pelo Poder
Público com base em critérios legais e não definidos por livre acordo de mercado,
faz com que se incline por sua classificação como beneficiários. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 32).
Um entrevistado pertencente à Constelação de Valor, proprietário de
uma construtora, os vê como beneficiários, inclusive os da Faixa ii. Ilustra o
suposto pensamento das pessoas com a frase seguinte:
A gente ouve muito isso, embora seja faixa ii, a gente ouve aí: “a
casinha que a Dilma me deu”. A gente ouve muito (C1).
119
Já outro entrevistado da constelação de valor entende que são clientes:
A construtora os vê como clientes. Tem pós-venda, supervisão
de qualidade... (C3).
No mesmo sentido da maioria, as duas famílias entrevistadas se veem
da seguinte forma:
Benefício. Dívida não, benefício (P1).
Ganhei um benefício, com certeza (P2).
Considerando os termos utilizados pela legislação, além da percepção
dos entrevistados e a própria observação direta do pesquisador, conclui-se que
o público-alvo do PMCMV é dividido em beneficiários de um programa de
governo (Faixa i) e clientes de um produto (Faixas ii e iii). As famílias da Faixa ii,
ainda, podem ser chamadas de clientes com condições especiais, visto que têm
acesso a subsídios diretos aplicados na compra do imóvel, conforme se verifica
na Categoria de Análise 3. Faixa i e Faixa ii são mercados que não existiriam
sem os subsídios.
O alto volume de subsídios, estudado na Categoria 3, demonstra que
não se tratam de clientes, pelo menos quando se considera o significado
convencional do termo, pois na maioria dos casos não se paga integralmente o
valor do imóvel e as negociações não são típicas de mercado.
O próximo componente a ser verificado para confirmação da existência
ou não de um modelo de negócios é a constelação de valor, que inclui as redes
interna e externa, fornecedores, produção e distribuição.
A pesquisa documental apresenta uma cadeia completa, que começa
com o nível estratégico, responsável pela definição das regras do PMCMV, e vai
até o operacional, em que as unidades habitacionais são entregues às famílias.
No meio disso, estão as empresas da construção civil, o Poder Público, as
instituições financeiras (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22).
A seguir, o papel de cada ator, expresso na legislação:
120
Ministério das Cidades: estabelecer regras e condições, definir
padrão das moradias, fixar a remuneração das instituições,
estabelecer critérios de seleção dos beneficiários ...
Instituições financeiras oficiais federais: atuar como agentes
executores; adquirir as unidades habitacionais em nome do
FAR; analisar viabilidade técnica e jurídica dos projetos;
contratar a execução das obras e serviços; alienar e ceder os
imóveis aos beneficiários.
Poder Público local (Distrito Federal, UF, municípios): executar
a seleção dos beneficiários; executar o Trabalho Social;
instalar/ampliar equipamentos e serviços públicos; facilitar a
execução dos projetos.
Construtoras: apresentar projetos de empreendimentos;
executar os projetos contratados; guardar os imóveis por 60 dias
após a conclusão das unidades.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 22)
A União também tem papel importante nessa rede. Cabe a ela:
Integralizar cotas do FAR (prover recursos para os subsídios);
realizar oferta pública para empreendimentos em municípios
com menos de 50 mil habitantes; participar do FGHab – Fundo
Garantidor da Habitação; conceder subvenção diretamente aos
contratos e subsídios para equilíbrio financeiro da operação
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28).
Fica instituído o Comitê de Acompanhamento do Programa
Minha Casa, Minha Vida - CAPMCMV, com a finalidade de
acompanhar e avaliar as atividades do Programa.
§ 1o O CAPMCMV será integrado por um representante titular
e um suplente dos seguintes órgãos:
I - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
responsável pela sua coordenação e por oferecer os meios
necessários ao seu funcionamento; II - Casa Civil da Presidência
da República; III - Ministério das Cidades; e IV - Ministério da
Fazenda. (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
28).
Quanto aos entrevistados, alguns parecem um pouco confusos com
relação ao papel de cada ator da cadeia, demonstrando maior conhecimento das
atividades em que estão diretamente envolvidos. Os entrevistados do nível
estratégico possuem uma compreensão mais ampla de toda a cadeia.
Internamente, a instituição objeto desta análise mantém uma estrutura
completa para trabalhar o PMCMV. Há órgãos que estão localizados no edifício
sede da empresa, em Brasília – Superintendências Nacionais. Espalhadas pelo
121
país, a FINANX possui Gerências Regionais de Habitação, que concentram as
atividades de engenharia e Superintendências Regionais de Negócios, que
realizam a contratação (OBSERVAÇÃO DIRETA).
O Ministério é o gestor, (...) Hoje o próprio balanço está conosco
ainda, ou seja, a [FINANX] atua muito afinada com o Ministério
e até se confundem em determinados momentos, mas o
Ministério é o gestor (...). Aqui na [FINANX] nós temos a nossa
área que é a [Superintendência Nacional do PMCMV] que
coordena a faixas i, ii, iii, nós temos a [outra Superintendência
Nacional] que cuida dos movimentos sociais, entidades de
habitação rural e urbanas e nós temos também a [terceira
Superintendência Nacional] que é a gestora do FAR.
(...) daí nós interagimos com todas as áreas. Interagimos com as
[Gerências Regionais de Habitação], que é a parte de
engenharia, interagimos com as Superintendências Regionais
na parte de contratação, interagimos com todas as vicespresidências que tem referência a isso. (E3)
Nós, para executar, contratamos as construtoras que atuam lá.
Nós também diretamente interagimos com os municípios que é
quem muitas vezes doa as áreas, (...) atua como processos de
facilitação muito grande em termos de isentar impostos, de
IPTU, enfim... e outras vezes ele atua como mero espectador,
porque a própria empresa já prospecta uma área(...)
O papel de indicar as pessoas que vão residir nesses imóveis é
do município, ele que faz o processo de escolha, seleção,
baseado nos critérios que ele aprovou lá na cidade.(E3)
Por meio da observação direta, o pesquisador identificou que cada
Superintendência Regional possui um Gerente Regional responsável pela área
de Construção Civil, sendo que uma de suas principais atividades é realizar
negociações com as construtoras e operacionalizar, com sua equipe, os
contratos que darão origem aos empreendimentos do PMCMV. O trabalho desse
Gerente Regional é feito em conjunto com a já citada Gerência Regional de
Habitação, sendo essa uma área técnica, composta essencialmente por
engenheiros.
Há uma Gerência específica para tratar dos empreendimentos da Faixa
i, localizada nas capitais estaduais. O pesquisador identificou, ainda, que as
agências da FINANX atuam diretamente na concessão de financiamentos nas
modalidades Faixas ii e iii. Em tais casos, o cliente não passa pelo Poder Público
local,
contratando
diretamente
com
a
instituição
financeira
e
o
vendedor/construtor do imóvel. A atividade das agências bancárias no Faixa i é
122
muito menor, sendo quase todo o trabalho executado pelas Superintendências
Regionais, Gerência Regional de Habitação, Gerência Regional de Alienação
(centralizada na capital dos Estados) e Poder Público (OBSERVAÇÃO DIRETA).
Outros atores citados nas entrevistas são:
Correspondentes Bancários (O1)
Departamento jurídico, entidades organizadoras, cooperativas,
sindicatos (O2)
Movimentos sociais (E2).
O entrevistado C4, prefeito de uma cidade com aproximadamente 220
mil habitantes, enxerga o papel do Município como um “facilitador”. Ele afirma
que criou um Decreto apelidado “fura-fila”, para que os projetos do PMCMV
tenham atendimento prioritário em todos os protocolos da Prefeitura. Além disso,
foi promovida isenção fiscal do ISS – Imposto Sobre Serviços (C4).
A confirmação da existência de uma Constelação de Valor no PMCMV –
envolvendo desde o Ministério das Cidades (gestor do programa), a FINANX
com suas diversas áreas internas e parceiros externos – fecha o conjunto de
elementos, permitindo a conclusão de que o PMCMV possui um modelo de
negócios.
Há, porém, que se fazer importante destaque com relação ao públicoalvo. A conclusão possível pela análise dos dados é de que o público do PMCMV
não é composto por “clientes de um produto”, mas sim por “beneficiários de um
programa social”. O tratamento legal, a percepção dos entrevistados, a forma de
seleção dos clientes, a incompatibilidade entre o crédito tomado e as prestações
pagas – especialmente na Faixa i – demonstram não existir uma relação
convencional de empresa / cliente no mercado do PMCMV.
As famílias que contratam nas Faixas ii e iii do PMCMV estão mais
próximas de clientes do que beneficiários, uma vez que nesses produtos há livre
escolha entre o comprador e o vendedor/construtor do imóvel. Ainda assim, na
Faixa ii pode-se dizer que existe um tratamento especial, com subvenção direta
para reduzir o valor do imóvel para o comprador e taxas de juros reduzidas. A
subvenção pública é que permite a existência do negócio, o que conduz à
123
conclusão de que esse público também não é formado por clientes, pelo menos
não no significado convencional do termo.
Encerra-se o presente capítulo com um resumo dos produtos e públicoalvo do PMCMV (QUADRO 10) e síntese das conclusões da segunda categoria
analítica (QUADRO 11). Finalizado o estudo de seu modelo de negócios, iniciarse-á a análise da dupla modalidade de lucro oriundo do PMCMV, considerandose os resultados financeiros e sociais.
QUADRO 10
Produtos e Público-alvo do PMCMV
Produto
Características
Público-alvo
Faixa i
Subvenção
concedida
nas
prestações do financiamento.
Paga-se prestação de 5% da
renda. Não há avaliação de
capacidade de pagamento. Não
há financiamento. Selecionados
pelo Poder Público.
Famílias com renda de
R$0,00 a R$ 1.600,00, que
não tenham imóvel próprio
nem
tenham
sido
beneficiárias de outros
programas habitacionais
Faixa ii
Financiamento com avaliação
de capacidade de pagamento.
Subsídio direto para pagamento
de parte do imóvel, redução das
prestações e indireto para
redução da taxa de juros.
FGhab. Contratam livremente
com os bancos e os vendedores
dos imóveis.
Famílias com renda de até
R$3.275,00. O direito é
concedido uma única vez
por beneficiário e por imóvel
Faixa iii
Financiamento com avaliação Famílias com renda de até
de capacidade de pagamento. R$5.400,00
FGhab
e
juros
baixos.
Contratam livremente com os
bancos e os vendedores dos
imóveis.
Fonte: elaborado pelo autor
124
QUADRO 11
Principais conclusões da Categoria Analítica 2
Proposta de Valor
Público-alvo
Constelação de valor
PNHU e PNHR
Linha de financiamento
(FGTS) e Linha de repasse
de recursos públicos (FAR)
Novos mercados
Definido por lei
Dividido em 3 faixas de renda
Faixa i: beneficiários de programa
social
Rede
interna:
Superintendências Nacionais e
Regionais,
agências,
departamento
jurídico,
correspondentes...
Produtos inovadores e Faixas ii e iii: mais próximos de Rede
externa:
União,
desenhados para o público- clientes
Ministério das Cidades, Poder
alvo
Público Local, Construtoras...
Fonte: elaborado pelo autor
5.3 Categoria de Análise 3: Equação de lucro financeiro e equação de lucro
social
A terceira categoria de análise objetivou identificar características do
PMCMV relativas a resultados, a fim de confrontá-las com o modelo de negócios
sociais proposto por Yunus et al. (2010) e adaptado pelo pesquisador com base
em outros autores.
Negócios sociais atuam sob a lógica de negócios convencionais
(BORNSTEIN & DAVIS, 2010). Para Yunus et al. (2010), devem ser autosustentáveis financeiramente e garantir o retorno do investimento. O modelo
desses autores prevê aportes financeiros apenas no início, pois a operação deve
se tornar rentável. A necessidade de obtenção permanente de recursos por
doadores ou investidores inviabiliza a perpetuação do negócio.
Yunus et al. (2010) incluem, em sua construção teórica do modelo, os
resultados sociais, além dos financeiros. Conforme já visto no Referencial
Teórico deste trabalho, o propósito principal de um negócio social é o retorno
social, a melhoria de vida dos pobres (YUNUS et al., 2010; POLAK & WARWICK,
2013).
Nove questionamentos do Protocolo de Estudo de caso orientaram a
análise da terceira categoria.
Tratando dos aportes de recursos públicos, identificaram-se os
seguintes aportes iniciais:
125
Art. 4º Fica a União autorizada a conceder subvenção
econômica no âmbito do PNHU até o montante de R$
2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais).
(...)
Art. 11. Fica a União autorizada a conceder subvenção
econômica no âmbito do PNHR até o montante de R$
500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais).
(...)
Art. 17. Fica a União autorizada a transferir recursos para o
Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, até o limite de R$
15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), e para o Fundo de
Desenvolvimento Social - FDS, até o limite de R$
500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais).
Art. 18. Fica a União autorizada a participar, até o limite de R$
2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), de Fundo Garantidor
da Habitação Popular – FGHab.
(...)
Art. 31. Fica a União autorizada a conceder subvenção
econômica ao BNDES, sob a modalidade de equalização de
taxas de juros e outros encargos financeiros, especificamente
nas operações de financiamento de linha especial para infraestrutura em projetos de habitação popular.
§ 1º O volume de recursos utilizado para a linha de que dispõe
o caput deste artigo não pode superar R$ 5.000.000.000,00
(cinco bilhões de reais).
Além da destinação inicial de recursos, identificou-se que há
contribuição constante, durante toda a execução do PMCMV. A cada
contratação, existe aporte de recursos do FAR ou FGTS. O documento 39
demonstra que os principais fundings (origens) dos recursos são o FGTS e a
União. Entrevista documentada sob o número 33 prevê que o investimento total
para o período compreendido entre 2009 e dezembro de 2014 será de R$234
bilhões (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 33).
Art. 2º Para a execução do PMCMV, a União, observada a
disponibilidade orçamentária e financeira:
I - concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa
física no ato da contratação de financiamento habitacional;
II - participará do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR,
mediante integralização de cotas e transferirá recursos ao Fundo
de Desenvolvimento Social – FDS
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28).
Os subsídios variam em natureza, finalidade e origem, conforme se trate
do produto Faixa i ou Faixas ii e iii do PMCMV. Exige-se que os destinatários de
126
tais recursos não tenham recebido anteriormente benefícios públicos para
habitação.
I - a subvenção econômica será concedida nas prestações do
financiamento, ao longo de cento e vinte meses;
II - a quitação antecipada do financiamento implicará o
pagamento do valor da dívida contratual do imóvel, sem a
subvenção econômica conferida na forma deste artigo;
(...)
É vedada a concessão de subvenções econômicas lastreadas
nos recursos do FAR ou FDS a beneficiário que tenha recebido
benefício de natureza habitacional oriundo de recursos
orçamentários da União, do FAR, do FDS ou de descontos
habitacionais concedidos com recursos do FGTS (...).
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28).
A concessão de subvenção econômica, nas operações de que
trata o inciso III do caput do art. 2º, beneficiará famílias com
renda bruta mensal limitada a R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos
reais) (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
28).
Art. 6o A subvenção econômica de que trata o inciso I do art. 2o
será concedida no ato da contratação da operação de
financiamento, com o objetivo de:
I - facilitar a aquisição, produção e requalificação do imóvel
residencial; ou
II – complementar o valor necessário a assegurar o equilíbrio
econômico-financeiro das operações de financiamento (...)
§ 1º A subvenção econômica de que trata o caput será
concedida exclusivamente a mutuários com renda familiar
mensal de até R$ 2.790,00 (...) [posteriormente atualizada para
R$ 3.275,00]
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14)
Ponto interessante a se observar é que, no caso do Faixa i, a subvenção
pode atingir quase a totalidade do valor do imóvel. Considere-se, por exemplo,
um imóvel destinado ao PMCMV, Faixa i, na Capital do Estado de Minas Gerais,
cujo valor máximo é de R$ 65.000,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento 22). Famílias que ganham R$ 1.000,00 pagarão 120 prestações de
no máximo 5% da renda (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento
14), ou seja, R$ 50,00. Ao fim do período, os pagamentos totalizarão R$
6.000,00, ficando o restante a cargo da subvenção.
A prestação mínima definida pela legislação é R$ 25,00
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 14)
127
Considerando-se famílias ainda mais pobres e até mesmo aquelas que
não possuem renda alguma, o custo final será de R$3.000,00 para o imóvel de
R$65.000,00, visto que a prestação mínima é de R$ 25,00.
Os produtos das faixas ii e iii – operações de financiamento – também
recebem aportes de recursos constantes.
Art. 26. Os descontos a serem concedidos nos financiamentos a
pessoas físicas destinam-se à redução no valor das prestações
ou ao pagamento de parte da aquisição ou construção do imóvel.
Art. 27. Serão beneficiárias de descontos as pessoas físicas com
renda familiar mensal limitada a R$ 3.275,00 (três mil, duzentos
e setenta e cinco reais)
(...)
Art. 28. Os descontos serão calculados e concedidos
observadas as seguintes diretrizes, sem prejuízo daquelas
específicas dos programas de aplicação a que se vinculem os
respectivos contratos de financiamento:
II - incentivo à produção ou à aquisição de imóveis novos,
passíveis de enquadramento no Programa Minha Casa, Minha
Vida (PMCMV)
(...)
IV - concessão, uma única vez a cada beneficiário, excetuados
os casos de financiamentos anteriores destinados,
exclusivamente, à aquisição de material de construção, cabendo
aos Agentes Financeiros alimentar cadastro que permita tal
controle, na forma regulamentada pelo Agente Operador;
V - acesso à moradia adequada para os segmentos
populacionais de menor renda;
VI - aplicação dos recursos onerosos destinados ao
financiamento habitacional, por intermédio do desconto para fins
de redução da prestação.
Art. 29. O desconto para fins de redução no valor das prestações
é representado pela cobertura da remuneração dos Agentes
Financeiros, equivalente ao somatório dos valores a seguir
discriminados, e será limitado a 75% (setenta e cinco por cento)
do valor do saldo devedor inicial da operação de financiamento
ou R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) por contrato de
financiamento.
(...)
§ 1º O diferencial de juros (...), será coberto pelo FGTS nas
seguintes condições:
I - integralmente, (...) a pessoas físicas com renda familiar
mensal limitada a R$ 2.455,00; e
II - limitado a 1,16% (...) a pessoas físicas com renda familiar
mensal situada no intervalo compreendido entre R$ 2.455,01 e
R$ 3.275,00
(...)
Art. 30. O desconto para fins de pagamento de parte da
aquisição ou construção do imóvel será calculado e concedido
(...) observados, no mínimo, os seguintes parâmetros:
I - valor individual limitado a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil
reais);
128
II - renda do beneficiário, de forma inversamente proporcional ao
desconto a ser concedido, garantindo-se o maior valor de
desconto de que trata o inciso I a famílias com renda mensal
bruta de até R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais);
III - localização do imóvel (...); e
IV - modalidade operacional do Programa de Aplicação a que
esteja vinculado o contrato de financiamento (...).
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24).
PMCMV – TOTAL – 30/06/2014
Subsídios OGU: R$ 83.535.219.519,00
Subsídios FGTS: R$ 22.848.336.230,00
Financiamentos FGTS: R$ 112.153.857.247,00 (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 39).
A finalidade das subvenções aplicadas pelo FAR e pelo FGTS encontra
fundamento na legislação criadora do PMCMV:
5º A subvenção econômica de que trata o art. 4º será concedida
(...)com o objetivo de complementar:
a) a capacidade financeira do proponente para pagamento do
preço do imóvel residencial;
b) o valor necessário a assegurar o equilíbrio
econômicofinanceiro das operações de financiamento
realizadas pelas instituições financeiras ou agentes financeiros
do Sistema Financeiro da Habitação (...).
Neste ponto da pesquisa, as entrevistas não trouxeram contribuições
comparáveis à pesquisa documental. Todos os entrevistados possuem noção de
que existe aporte de recursos públicos ao longo do PMCMV, porém a maioria
não pôde especificar a natureza, origem e volumes. Neste ponto, a contribuição
mais valiosa veio de um entrevistado do nível estratégico:
O faixa ii você tem o custo do funding, a taxa de juros que o
cliente paga mas, como a taxa de juros em alguns casos é
similar ao custo do funding, aí você tem aquilo que se chama
subsídio de equilíbrio. É um subsídio (...), que permite à
operação ser adequada para a instituição financeira mesmo que
a taxa de juros ativa e passiva seja a mesma.
Então entra o subsídio. Ou seja, o cliente paga 6%, mas o banco
recebe 7,16% por exemplo. Esse 1,16% é o tal do subsídiocomplemento.
No faixa iii, o seu ganho é exatamente a diferença do spread. O
custo do seu funding do FGTS e a taxa que o cliente paga. (E2)
129
Para o entrevistado O1, existe colocação de dinheiro público no Faixa i,
embora não soubesse determinar valores e condições.
Coloca [recursos públicos]. (...) a Faixa I é recurso do FAR, é
recurso do OGU. Mesmo a faixa ii, onde tem subsídio do FGTS,
depende muito da entrada de recursos, que não é público, que
é do FGTS pra o subsídio. Mas faixa i é subsídio explícito, ele
não é financiamento. (O1)
Então, vamos nos ater aqui àquilo que não tem retorno, que é o
subsídio (...). Olha, ele hoje não é pequeno. Para aquelas
pessoas que fazem o financiamento no faixa ii e faixa iii, esse
subsídio chega aí entre 8 e 9 bilhões de reais por ano. (...) Pro
outro, ele chega às vezes a 20 bilhões em cada um desses anos,
que é pras pessoas de baixo poder aquisitivo. (E2)
QUADRO 12
Recursos do PMCMV – até 30/06/2014
Objetivo
Funding
Valor concedido
Público
Subsídio para aquisição de imóveis
Orçamento
da União
R$ 76,82 bilhões
Faixa i (renda até
R$1.600,00 e rural)
Subsídio para aquisição de imóveis
Orçamento
da União
R$ 6,71 bilhões
Faixa ii (renda até
R$3.275,00)
Desconto para pagamento de parte
do imóvel / Equilíbrio financeiro
dos contratos
FGTS
R$ 22,85 bilhões
Faixa ii
Financiamentos
FGTS
R$ 112,1 bilhões
Faixas ii e iii (até
R$5.400,00)
Fonte: elaborado pelo autor, com base no documento 39
Procurou-se
investigar
se
eventual
retirada
dos
subsídios
comprometeria o andamento do PMCMV. O modelo de negócios sociais de
Yunus (2010) e Yunus et al. (2010) prevê que o empreendimento não receba
aportes durante logo período, devendo ele próprio se pagar.
Conforme simulação realizada por meio da tabela SAC – Sistema de
Amortização Constante -, o financiamento de um imóvel de R$ 60 mil em 120
meses (característico do Faixa i do PMCMV), com taxa de juros equivalente à
poupança, custaria mensalmente R$792,05 se não houvesse os subsídios
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 49).
130
Considerando que a capacidade máxima de pagamento é de 30% da
renda mensal, apenas famílias com renda de no mínimo R$2.640,00 seriam
aprovadas para tal financiamento. Se 46% das contratações foram feitas para
famílias com renda de até R$1.600,00 (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documento
39),
pode-se
entender
que
a
exclusão
das
subvenções
comprometeria a existência do PMCMV, pelo menos na proporção que já
alcançara até 30/06/2014.
Os entrevistados do nível estratégico da FINANX concordam que o fim
do subsídio significaria o encerramento do PMCMV.
Se não houvesse esse programa e o subsídio, não existiria essa
operação, então não existiria esse mercado. (E2)
Não [existiria mais o programa] porque a grande maioria, vamos
dizer do Faixa i... oitenta por cento deles tem renda até
oitocentos reais. Oitocentos reais você vai conseguir, se tu
colocar a capacidade de pagamento, o cara pagaria R$
200,00/R$ 250,00 de prestação. Com R$ 250,00 ele conseguia
pegar aí, vamos dizer... um financiamento R$ 20.000,00. Não
compra nada, né? (E3)
Para os integrantes da constelação de valor, não parece tão claro que o
PMCMV seria interrompido com o fim dos subsídios.
Eu acho que ia ser um baque na construção de baixa renda. Se
terminasse de uma hora pra outra, seria um baque na
construção de baixa renda. Principalmente nessa que a gente
atua. Eu acho que o subsídio... to dizendo to Faixa ii, Faixa i não.
Faixa i você tem espaço pra diminuir subsídio. Porque hoje ele
chega a 95%. É exagerado. Uma pessoa pagar aí 25,00 por mês
numa casa. A pessoa pode pagar 100,00 fácil, fácil numa casa.
Passar a dar valor aí. Ter um tratamento diferenciado aí. Então,
ele é exagerado (C3).
Outros entrevistados entendem que o PMCMV não existiria na mesma
proporção atual.
Não na mesma proporção. Sem dúvida nenhuma não.
(...) Sem dúvida nenhuma, muito menor. Porque é... Uma vez vi
uma pesquisa das Casas Bahia, que a cada R$ 10,00 que ela
sobe na prestação de um produto, ela exclui um milhão de
consumidores, então a prestação de casa é mais ou menos
assim. (...) você vai subir R$ 100,00 numa prestação, o cara não
consegue. Tem famílias que por causa de R$ 30,00, são
excluídas do programa. (C1)
131
Ele seria possível, mas teria um escopo muito menor, teria uma
abrangência muito menor. Atingiria uma clientela bem menor.
(C2)
Com isso, conclui-se que o PMCMV recebeu aportes iniciais da União,
por meio do FAR. Identificou-se que o Programa necessita de investimentos
constantes. Cada contrato realizado prevê incentivos financeiros oriundos do
FAR e do FGTS, com as seguintes finalidades: pagamento de parte do valor do
imóvel; redução da taxa de juros; equilíbrio financeiro da operação; subvenção
para contratos da Faixa i.
Conclui-se, adicionalmente, que eventual retirada dos subsídios
inviabilizaria o PMCMV em sua forma atual, uma vez que 49% do total de
recursos aportados é de subvenções que não preveem retorno. Ademais, a
modalidade Faixa i, que significa aproximadamente metade das entregas do
PMCMV, é mantida quase que totalmente por subsídios, com previsão de retorno
muito inferior ao valor do investimento. A maior parte dos negócios da faixa ii
também não seria viável sem os subsídios.
Questão fundamental para a pesquisa é a auto-sustentabilidade do
modelo de negócios. Não foi encontrada nos documentos qualquer previsão de
retorno dos subsídios aos cofres da União ou do FGTS, exceto nos casos de
quitação antecipada dos contratos.
A quitação antecipada do financiamento implicará o pagamento
do valor da dívida contratual do imóvel, sem a subvenção
econômica conferida na forma deste artigo (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 28).
Os entrevistados, inclusive do mais alto nível da estratégia do PMCMV,
confirmam não haver expectativa de retorno integral do investimento.
Na realidade, você tem uma boa parte do PMCMV que é
subsídio e tem uma outra parte que as pessoas pagam, que é
financiamento normal. Então, vamos nos ater aqui àquilo que
não tem retorno, que é o subsídio que tá colocado no PMCMV.
(...)Então, eu estou falando de alguma coisa entre 20 e 30
bilhões de reais por ano de subsídio. De dinheiro que foi e que
não tem a necessidade de retornar. (E2)
132
Sobre o questionamento a respeito de eventual previsão de recuperação
do investimento público: “O subsídio não. Subsídio não”. (E3). O que se recebe
de volta no Faixa i são as prestações, que não são suficientes para cobrir os
aportes públicos.
Se você pegar, a grande maioria é R$ 25,00. Vinte e cinco reais
vezes 120 meses dá R$ 3.000,00. Ele vai devolver ao longo dos
10 anos, três mil reais e ele recebe um imóvel de R$ 65.000,00,
ou seja, em torno de 96% do valor do imóvel é subsidiado. (E3)
O PMCMV FAR, não vai voltar o valor todo, porque se a pessoa
paga uma prestação simbólica de R$80,00 (...), então retorna
até 15% do investimento. Já os recursos do FGTS, os recursos
do subsídio, não é retornado. O que é retornado é o recurso do
FGTS que é emprestado na forma de financiamento. (O2)
Há uma aparente confusão para alguns entrevistados com relação às
subvenções concedidas na modalidade Faixa ii. Tanto o entrevistado T1 quanto
O1 acreditam que os subsídios concedidos pelo FGTS serão pagos ao longo das
prestações. Tal afirmação, porém, é contestada pelo entrevistado E1.
[subsídio FGTS] Tem retorno, exatamente. Inclusive o subsídio.
(T1)
[subsídio FGTS] Ele sim. Inclusive, o subsídio que o FGTS dá, o
cálculo matemático pela taxa de juros ele retorna ao longo do
financiamento. (O1)
Não [há retorno]. Você tem 2 situações. O FGTS... ele tem, do
financiamento propriamente dito, ele tem um retorno normal, né?
Mas ele pode, aquele subsídio do faixa ii, especialmente do faixa
ii, que hoje pode chegar a 25 mil, uma parte dele, alguma coisa
em torno de quatro quintos, aproximadamente, é do FGTS e um
quinto é do tesouro, do OGU. Aquela faixa i, 100% é do OGU
(E1).
Considera-se, com base nas análises acima, que o PMCMV não é autosustentável, uma vez que as subvenções da União e do FGTS não são
retornadas aos cofres de origem. A condição negativa de auto-sustentabilidade
é consolidada pela constância dos investimentos, sem os quais o PMCMV
possivelmente não existiria.
133
O questionamento a respeito da obtenção de receitas pela FINANX em
virtude da operação do PMCMV resultou em respostas afirmativas. Sob o ponto
de vista da FINANX, há fontes de receita através da execução do PMCMV, tanto
pela diferença entre o custo de captação e os juros cobrados dos tomadores de
crédito quanto por meio de tarifas. Como o custo da captação dos recursos junto
ao FGTS é próximo das taxas de juros cobradas nos contratos de financiamento
das
Faixas
ii
e
iii,
estabeleceu-se
o
subsídio
indireto
(PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24), que aumenta a rentabilidade da
operação, tornando-a interessante para a FINANX.
Art. 32. Nas operações de empréstimo vinculadas aos recursos
alocados à área orçamentária de Habitação Popular, a taxa
nominal de juros é fixada em 6% (seis por cento) ao ano,
excetuados (...) casos, onde será aplicada a taxa nominal de 5%
(cinco por cento) ao ano.
(...)
Art. 37. O diferencial de juros será cobrado acrescido às taxas
nominais, (...) nos seguintes valores:
I - até 2,16% ao ano, nas operações de financiamento com
pessoas físicas, excetuadas aquelas que contemplem famílias
com renda bruta mensal situada no intervalo de R$ 3.275,01 a
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), inclusive, cujo diferencial de juros
fica limitado a 1,16% (um inteiro e dezesseis décimos por cento)
ano;
(...)
Art. 38. Exclusivamente nas operações com pessoas físicas,
será cobrado valor máximo de R$ 25,00 referente à taxa de
administração.
- taxa de administração, de que trata o art. 38, paga à vista,
descontada à taxa referencial do Sistema Especial de
Liquidação e Custódia (SELIC).
Art. 39. A título de taxa de acompanhamento da operação, nas
operações de financiamentos a pessoas físicas, ficam os
Agentes Financeiros autorizados a cobrar valor correspondente
até 1,5% (um e meio por cento) do valor do financiamento
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 24)
As operações na Faixa i não são feitas com financiamento. Não há,
portanto, spread bancário. As atividades das instituições financeiras são
remuneradas pelo FAR. O termo encontrado na legislação é “cobertura de
custos”. Estão previstas as seguintes receitas:
Análise e contratação do projeto e acompanhamento de obra:
R$16,09 por operação com beneficiário final, mensalmente por
até 18 meses;
134
Originação do contrato: R$197,06 por alienação da unidade
habitacional;
Administração e cobrança: R$15,63 mensais por até 120 meses,
por operação.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 20).
Art. 5º A [FINANX] receberá, mensalmente, a título de
remuneração pelas atividades de gestão operacional,
importância correspondente a 0,5% (cinco décimos por cento)
de cada parcela das subvenções repassadas. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 21).
Embora nem todos saibam citar exatamente em que atividades a
instituição é remunerada, os entrevistados compreendem que, no Faixa i, existe
pagamento por parte do FAR e, no Faixa ii, existe o ganho na diferença entre o
custo de captação e a receita com o financiamento – spread – , além do subsídio
indireto, para equilíbrio econômico-financeiro:
No CCFGTS eu já tinha visto [remuneração], no FAR
provavelmente também tem, porque a [FINANX] tem um custo
com esse produto e não é justo que assuma a operacionalização
sem ser remunerada. (O2)
Eu entendo que é inviável se não tiver uma remuneração por
contrato. Nós temos custo de manutenção do contrato. Então
deve existir ... não sei te precisar o que está sendo pago como
tarifa. (O1)
Nós recebemos um valor definido (...), então para cada contrato
no ato da contratação eu recebo uma remuneração por isso e
recebo também uma tarifa de acompanhamento de obra (...),
acompanhamento e a entrega. Existem tarifas definidas para
cada uma dessas modalidades (...). (E3)
No faixa ii e faixa iii existem assim: nós estamos concedendo um
financiamento, então da parte do financiamento eu recebo a
remuneração como qualquer outro financiamento, a taxa de
juros. A diferença é o spread que eu recebo do custo. E também
eu recebo um complemento de subsídio, um valor justamente
pelo diferencial da taxa de juros. (E3)
Você tem uma tarifa, no caso da faixa i, pela prestação do
serviço, porque aí você não tem spread (...). Você tem uma
receita de prestação de serviços, que ela é adequada pra
cobertura dos custos. (...) E você tem, nas outras operações,
faixas ii e iii, você tem spread normal. Você tem uma operação
de financiamento, onde você tem o custo do funding que é do
FGTS, você tem a taxa de juros que o cliente paga e você tem...
(...) O faixa ii você tem o custo do funding, a taxa de juros que o
135
cliente paga mas, como a taxa de juros em alguns casos é
similar ao custo do funding, aí você tem aquilo que se chama
subsídio de equilíbrio. É um subsídio que é dado, que permite à
operação ser adequada pra instituição financeira mesmo que a
taxa de juros ativa e passiva seja a mesma. Então entra o
subsídio. Ou seja, o cliente paga 6%, mas o banco recebe 7,16%
por exemplo. Esse 1,16% é o tal do subsídio-complemento. (E2)
O entrevistado E3 entende que as receitas auferidas pela FINANX não
são relevantes.
A instituição não tem lucro expressivo com esse negócio (E3).
Acho que tanto a [FINANX] quanto [outro banco] se posicionam
comercialmente , nada de diferente porque do outro lado é o
governo. Ela põe o preço dela. As precificações dela são
extremamente detalhadas, de rede... e tudo que ela vai gastar,
é tudo bem pormenorizado. (E1)
Para
os
entrevistados,
a
instituição
financeira
captura
valor
indiretamente, ao passar a atender um mercado ao qual não teria acesso se não
fosse executora do PMCMV:
[nas faixas ii e iii] traz uma possibilidade de, a partir da
contratação do financiamento do PMCMV, de um
relacionamento bancário bastante proveitoso pra todo mundo.
(...) pro banco também, que pega um cliente que está numa
curva de ascensão social e vai conviver com ele por 20, 30 anos
e num relacionamento que vai além do financiamento
habitacional, com outros produtos bancários... uma conta, outros
produtos que essas pessoas passam a consumir de uma
maneira mais natural. (E2)
Você faz outros negócios com esses clientes ao longo dos anos,
como qualquer outro, então isso é favorável...(...) Você acaba
atraindo um público que, naturalmente ele não viria (E3).
Pela observação direta, o pesquisador identificou que a
beneficiária P1 não possui outros produtos contratados com a
FINANX, além do contrato do PMCMV e de uma caderneta de
poupança anterior. A beneficiária P2, que também é da faixa i,
tomou crédito junto à FINANX para comprar material de
construção e construir o muro e a varanda da casa.
Pra faixa ii (...) você ganha com esse cliente. Ele tem potencial
pra vários produtos. Você pensa bem, uma família com 5 mil de
renda, nos interessa muito. Você pode desenvolver um IC –
índice de comercialização – de 4 ou 5 [produtos] (O1)
136
(...) tem objetivos comerciais também, que ela atinge quando
fideliza esses clientes que nos procuram, transformando esses
clientes em clientes. (O2)
Constatou-se, pelo depoimento de vários dos entrevistados, a
comercialização de outros produtos pela FINANX para os usuários do PMCMV.
Entendeu-se, pela análise da questão relativa às receitas, que o PMCMV não
possui rentabilidade própria, mas gera receitas diretas e indiretas para as
instituições operadoras: subsídio para equilíbrio financeiro dos contratos, tarifas
por serviços prestados, acréscimo da base de clientes e outros.
A destinação de eventual lucro financeiro num empreendimento
constitui elemento importante para o estudo dos negócios sociais. Porém, tanto
a análise documental quanto as entrevistas não apresentaram dados suficientes
para confirmar de que forma seria utilizado o lucro, se existente, das operações
do PMCMV.
Os dados até aqui apresentados, comprovando que não se espera
retorno dos recursos aportados, conduzem ao entendimento de que o PMCMV,
por si só, não prevê dividendos. Entretanto, parece possível afirmar que a
FINANX pode lucrar com a execução. As referências à destinação de eventual
lucro da empresa são as seguintes:
Após a absorção de eventuais prejuízos acumulados e deduzida
a provisão para imposto de renda e contribuição social sobre o
lucro líquido, o Conselho de Administração fixará a destinação
dos resultados, observados os limites e as condições exigidos
por lei, a saber:
I - cinco por cento para constituição da reserva legal, destinada
a assegurar a integridade do capital, até que ela alcance vinte
por cento do capital social;
II - reservas de lucros a realizar;
III - reservas para contingências;
IV - reserva de incentivos fiscais;
V - vinte e cinco por cento, no mínimo, do lucro líquido ajustado,
para o pagamento de dividendos e de juros sobre capital próprio;
VI - reserva de retenção de lucros; e
VII - reservas estatutárias, assim consideradas:
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 02).
Autor: Esse resultado financeiro, quando ele acontece, essa
diferença no spred ou essa remuneração pelo serviço prestado,
(...), ele não tem balanço separado não?
E3: Não.
137
Autor: Ele entra no lucro da [FINANX] normal?
E3: Isso.
Portanto,
eventuais
lucros
obtidos
pela
FINANX
não
seriam
obrigatoriamente reinvestidos no próprio PMCMV. Assim, entendeu-se que a
questão, enfrentada pelas múltiplas fontes de evidência, não obteve respostas
conclusivas, tendendo a parecer que eventual lucro financeiro não seria
necessariamente aplicado novamente no PMCMV.
Yunus et al. (2010) afirma que os negócios clássicos e os sociais fazem
uso de três estratégias comuns: desafiar sabedoria estabelecida, firmar
parcerias, experimentação. Duas outras estratégias seriam específicas dos
negócios sociais: possuir acionistas orientados para o lucro social e formalmente
buscar resultados sociais. Passa-se, agora, a examinar a questão relativa à
equação de lucro social.
O déficit habitacional, conforme anteriormente tratado no Referencial
Teórico, envolve as habitações precárias, coabitação familiar, excedente de
aluguel e adensamento excessivo.6 No Brasil, segundo a PNAD – Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística –, o déficit habitacional foi mitigado em 6,23% entre
os anos de 2007 e 2012. No mesmo período, a quantidade de domicílios
progrediu 12,66%. Entende-se, assim, que a redução do déficit é dificultada pelo
aumento da demanda habitacional (TAB 1).
Interessante notar que a proporção déficit/número de domicílios regrediu
de 10,0% para 8,53%, uma queda de 14,70% entre 2007 e 2012. Considerando
déficit/número de domicílios, a queda é bem maior que a do próprio déficit
nominal, que foi de 6,23% no mesmo período (TAB 1).
6
Ver conceito de déficit habitacional na Introdução deste trabalho
138
TABELA 1
Déficit Habitacional no Brasil – 2007 a 2012
2007
2008
2009
2011
2012
Número domicílios
55.918.038
57.709.161
58.684.603
61.470.054
62.996.532
Déficit habitacional
5.593.191
5.191.565
5.703.003
5.409.210
5.244.525
10,00%
9,00%
9,72%
8,80%
8,53%
Estimativas relativas
Déficit / domicílios
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D46
O trabalho desenvolvido demonstra que o crescimento da
Demanda Habitacional é influenciado por fatores demográficos.
A concentração populacional nos grandes centros urbanos, a
redução do número de integrantes das famílias e o
envelhecimento da população são fenômenos que têm ampliado
a necessidade de moradias. (...)
As transformações sociais ocorridas ao longo do tempo
ocasionaram mudanças no tamanho das famílias e na
quantidade de habitantes por domicílio. Na década de 70, a
média de habitantes por domicílio equivalia a 5,28. Mantido este
padrão, seriam necessários 36.324 mil domicílios para uma
população de 191.795 mil em 2009. Considerando os 58.646 mil
domicílios apropriados na PNAD 2009, haveria um saldo de
22.321mil que atenderia à Demanda Habitacional de 9.297 mil e
restaria um superávit de 13.024 unidades habitacionais.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 10).
Até 30/06/2014 havia sido contratado o total de 3.499.640 novas
unidades habitacionais pelo PMCMV (85,75% desse total foi contratado pela
FINANX). Dessas, 2.009.768 unidades já estavam com a construção concluída
e 1.749.573 já haviam sido entregues, conforme verifica-se na TAB 2.
139
TABELA 2
Total Unidades Habitacionais PMCMV (até 30/06/2014)
Contratadas
Entregues
Total PMCMV
3.499.640
1.749.573
Faixa i
1.619.400
552.644
Faixa ii
1.441.404
1.040.570
Faixa iii
438.836
156.359
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D8
TABELA 3
Unidades entregues por Faixa por ano (até 30/06/2014)
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Total
Faixa i
67
9.340
113.132
174.803
163.297
92.005
552.644
Faixa ii
66.375
233.875
177.211
202.858
259.884
100.367
1.040.570
Faixa iii
10.506
35.881
16.862
22.459
58.085
12.566
156.359
Total/ano
76.948
279.096
307.205
400.120
481.266
204.938
1.749.573
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em D8
Considerando 1.020 municípios analisados em documento da FINANX,
foi contratado 1,2 milhão moradias no Faixa i, até 31/07/2014, valor que
representa 41,86% do déficit urbano então apresentado
(PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 41).
Merece atenção o dado demonstrado na TAB 4, onde se percebe que
53,4% das unidades entregues foram para famílias com renda de até R$1.600,00
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 08). É notável resultado social
o fato de que está na região Nordeste a maior quantidade de entregas para as
rendas mais baixas, totalizando 450 mil para um déficit habitacional de 1,61
milhões de domicílios (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 46).
140
TABELA 4
Entregas por Perfil de Renda e por Região (PMCMV Faixas i, ii e iii)
De R$ 1.600,01 a R$
De R$ 3.100,01 a R$
Até R$ 1.600,00
3.100,00
5.000,00
Total
BRASIL
934.344
734.350
80.879
1.749.573
CENTROOESTE
90.839
107.780
9.308
207.927
NORDESTE
326.720
110.772
12.906
450.398
NORTE
63.339
16.938
3.278
83.555
SUDESTE
273.749
289.113
41.307
604.169
SUL
179.697
209.747
14.080
403.524
Região
Fonte: Balanço do PMCMV (D8)
Outro resultado social identificado é o expressivo aumento da carteira de
crédito imobiliário da FINANX, tanto em volume quanto em prazo médio, durante
o período do PMCMV e a elevação da média anual de contratações.
TABELA 5
Estoque de contratos de crédito imobiliário
Estoque
Data
referência
(quantidade de
Prazo médio da
Estoque (R$)
carteira
contratos)
Novembro/08
2,5 milhões
57,7 bilhões
130 meses
Junho/14
4,7 milhões
314,99 bilhões
258 meses
Fonte: FINANX (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 41)
TABELA 6
Média anual de contratos de financiamentos imobiliários no Brasil
Data referência
Média anual (quantidade de contratos)
1974 a 2008
238.753
2009 a 2013
1.008.720
Fonte: FINANX (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 25)
141
A linha de crédito “Minha Casa Melhor” pode ser considerada resultado
social porque oferece às famílias beneficiárias do PMCMV crédito a baixo custo
para aquisição de eletrodomésticos, eletrônicos e móveis.
(...)o Governo Federal lançou o Programa Minha Casa Melhor,
que financia, com juros subsidiados, a compra de móveis e
eletrodomésticos para beneficiários do Minha Casa, Minha Vida.
Após receber sua moradia, mais de 428 mil famílias já foram
beneficiadas com recursos que somam mais de R$ 2,13 bilhões,
garantindo mais conforto e qualidade de vida (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 09).
O que é o Programa Minha Casa Melhor?
É um Programa que permite que aqueles que conquistaram sua
casa própria pelo Programa Minha Casa Minha Vida possam
adquirir móveis e eletrodomésticos necessários para seu
conforto, bem estar.
Quem tem direito de participar?
Todos que compraram suas casas pelo Programa Minha Casa
Minha Vida e que estejam com as prestações em dia.
Quais as condições da linha de financiamento?
(...) valor máximo de até R$ 5 mil. (...) O financiamento terá prazo
máximo de até 48 meses, com Taxa de Juros única: 5% ao ano.
Quais produtos estão disponíveis para compra?
Refrigerador R$
1.090,00
Fogão
R$ 599,00
Micro-ondas
R$ 350,00
Lavadora de roupa automática
R$ 1.100,00
TV Digital
R$ 1.400,00
Computador (...) com acesso à internet R$ 1.150,00
Tablet (...)
R$ 800,00
Guarda-Roupa
R$ 700,00
Cama:
R$ 500,00
Cama de solteiro
R$ 400,00
Mesa com Cadeiras
R$ 400,00
Sofá
R$ 600,00
Estante ou rack
R$ 350,00
Móveis para cozinha
R$ 600,00
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 52).
Os entrevistados, ao serem questionados sobre eventuais lucros sociais
alcançados com o PMCMV, ofereceram respostas diversas, que variam de
conseqüências visíveis a efeitos relativos ao sentimento dos beneficiários.
Melhorias urbanísticas e relativas à educação e saúde foram apontadas
pelos entrevistados seguintes:
142
Ordenamento para as cidades: acesso, abastecimento de água,
planejamento urbano, escolas, creches. (T1)
Melhoria da qualidade do bairro e dos bairros vizinhos (linhas de
ônibus, saneamento, água, luz). (O2)
Ambiente que proporcione atendimento a todas as necessidades
de um ser humano. Influencia novo padrão da cidade
(pavimentação, etc.). (E3)
Ambiente mais adequado para a família viver. Acesso a água,
energia elétrica, serviço de saúde, aquecedor solar. (C2)
“Aqui já asfaltou tudo, calçou as linhas de ônibus tudo, esse
bairro aqui era tudo barro”. (P1)
“A casa foi entregue sem piso. Depois o banco veio aqui e
colocou o piso.” (P2)
Melhores condições de vida foram citadas pelos entrevistados a seguir:
Melhoria da condição de compra das famílias. Inclusão bancária.
(O1)
Melhoria na alimentação, vestimenta, acesso à internet. (P1)
Acesso a serviços que não existiam antes. Capacidade de
poupança, consumo, gastos com educação dos filhos.
Bancarização. Avanço em relação à convivência social e
responsabilidade coletiva. (E2)
Resultados do trabalho técnico social: gestão financeira,
questões condominiais, ambientais, tratamento do lixo. (E1)
Influência na saúde
criminalidade. (E3)
(água,
saneamento).
Redução
da
Aumento na capacidade de investimento das famílias. Qualidade
da educação (sobram recursos para aula de inglês, judô...). (C4)
Manutenção das crianças por mais tempo na escola, redução da
criminalidade e violência social. Ambiente limpo e pavimentado
ajuda a reduzir incidência de doenças infantis. Menor
adensamento reduz proliferação de doenças. (...) [antes do
PMCMV] “moravam assim, três, quatro famílias numa casa de
vinte e cinco metros quadrados.” (C2)
Durante
a
visita
às
famílias,
o
pesquisador
pôde
observar
demonstrações de elevado orgulho das pessoas por serem proprietárias de um
imóvel. Ambas insistiam para mostrar a casa, o quintal, as melhorias realizadas
(coberta, área de churrasco).
143
Outros resultados, que são relacionados à sensação das famílias após
aquisição da casa própria, foram apontados de maneira enfática pelos
entrevistados.
Ganho social absurdo. “impacto social violento”. Ajuda a reduzir
a pobreza. Dignidade, inclusão social. Ganho social
imensurável. Segurança financeira e segurança social. (O1)
Dignidade para as famílias. (T1)
Tranquilidade. (P2)
Resgate de cidadania e dignidade. (O2)
A pessoa sai do “patamar de miserabilidade para o patamar de
ser proprietário”. (E2)
Efeito do patrimônio: “Agora eu tenho um imóvel, eu sou dona”.
(E1)
Saída do anonimato (a pessoa passa a ter um endereço),
cidadania. A pessoa passa “a existir no mundo”. Influência na
auto-estima, melhoria da qualidade de vida. (E3)
Segurança para as famílias. (C4)
Dignidade para as pessoas. (C2)
Neste ponto, torna-se indispensável trazer citações das duas famílias
beneficiárias entrevistadas, com relação às mudanças ocorridas em sua vida
após o PMCMV, que podem ser consideradas resultados sociais. Ao serem
questionadas sobre modificações ocorridas em sua vida após adquirir o imóvel,
as famílias entrevistadas responderam:
Tudo. Sossego. Igual... ele [marido] tem problema de saúde, de
coluna. Tinha mês que ele falava que não dava pra fazer pro
aluguel. E ficava aquela ‘brigaiada’, aquela ‘cachorrada’. (...)
então, foi uma benção. (P1)
(...) agora, com uma prestação dessas, a gente até (...) veste
melhor, come melhor (...). Questão de vestir, agora eu dou as
coisas pra ela [filha], internet ela tem aqui. (P1)
Quando eu mudei pra cá, eu comprei meus móveis tudo de novo,
eu reformei meus móveis. Porque a casa que eu morava era de
madeira e cai muito caruncho, então ele [caruncho] comeu o
guarda roupa da minha filha, comeu o meu, e aquilo ali foi me
desanimando. (P1)
144
Eu dou conta de fazer mais um churrasquinho final de semana.
(...). Vai melhorando a cada dia que passa. (P1)
Nós fizemos melhoria, colocamos pia. Se você quiser ir lá fora
eu te mostro. (P1)
Mudou bastante coisa (...). É uma coisa que, assim... me
tranqüiliza muito, que eu coloco minha cabeça no travesseiro e
durmo tranqüila, principalmente a questão do meu filho, porque
a gente pensa muito em filho. E se eu morrer amanhã, depois,
meu filho está seguro. Pelo menos onde morar ele tem. (P2)
A gente valoriza muito isso aqui, pelo que eu acabei de te falar,
porque se não fosse dessa forma, não teria, e se estivesse
morando onde eu morava, o meu aluguel lá já estava R$600,00,
então quer dizer, quase metade do meu salário. (P2)
A satisfação dos beneficiários, que pode ser considerada resultado
social do PMCMV, foi aferida em pesquisa analisada neste trabalho (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 36). Instados a apontar nota de 1 a 10 para
quatro itens, as famílias deram nota média de 8,35, como se verifica na TAB 7.
TABELA 7
Satisfação das famílias com o PMCMV
Critério
Nota
Custo com prestação
7,9
Aumento de bem estar
8,6
Satisfação com a moradia
8,8
Satisfação com o entorno
8,1
Fonte: elaborado pelo autor, com base no Documento 36
Os Estados da região nordeste do Brasil, onde está o maior déficit
habitacional e os mais baixos indicadores sociais, são os que concederam
maiores notas. A satisfação média na região foi assim demonstrada:
145
TABELA 8
Satisfação das famílias (Região Nordeste)
Critério
Nota
Maranhão
9,6
Piauí
9,3
Ceará
8,8
Rio Grande do Norte
9,3
Paraíba
9,2
Pernambuco
9,3
Sergipe/Alagoas
9,3
Fonte: elaborado pelo autor, com base no Documento 36
Outros documentos analisados (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D,
Documentos 34 e 35) oferecem dados a respeito de resultados do PMCMV.
Embora não tratem especificamente do Programa, tais documentos se referem
à relação entre o “capital residencial e a qualidade de vida”, sendo capital
residencial a propriedade de um imóvel para moradia. A casa própria, segundo
informações dos documentos, influencia a sensação de satisfação com a vida,
que pode ser considerada um tipo de resultado social. Os dados estão expressos
na TAB. 9.
TABELA 9
Satisfação das famílias por tipo de moradia
Grau de satisfação com a vida
Tipo de Moradia
(de 0 a 10)
Cedida
6,33
Alugada
6,62
Própria (pagando)
6,85
Própria (quitada)
6,93
Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 34 e 35
146
A análise da satisfação das pessoas com suas moradias demonstra
elevada variação entre o período anterior ao PMCMV e após sua criação. Houve
decréscimo de 54,67% no nível de insatisfação.
Satisfação com moradia – Condições de moradia – famílias
Boas/satisfatórias: 84,89% em 2002/03 e 93,15% em 2013
Ruins: 15,11% em 2002/03 e 6,85% em 2013. (PESQUISA
DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 34 E 35).
Outros impactos do PMCMV são identificados a partir de uma pesquisa
específica. Segundo referido trabalho, apresentado em entrevista e consultado
em vídeo, a cada R$ 1 milhão investido pelo PMCMV, são gerados 32 postos de
trabalho diretos e R$744 mil de renda adicional. (PESQUISA DOCUMENTAL,
Apêndice D, Documento 33)
A Tabela 10 demonstra o efeito do PMCMV com relação à geração de
empregos, geração de renda e compras de materiais de construção por ano,
desde 2009.
TABELA 10
Impacto do PMCMV em emprego/renda/materiais de construção
Compras de material de
Empregos
Renda gerada no ano
gerados no ano
(R$ milhões)
2009
158.710
4.527,14
2.490,73
2010
804.249
21.411,83
12.621,53
2011
1.108.298
24.878,99
17.393,13
2012
1.260.655
30.052,54
22.162,66
2013
1.273.071
29.753,46
22.380,93
Referência
construção no ano (R$
milhões)
Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 33 e 37
Impacto do PMCMV no total de moradias existentes no Brasil:
evoluiu de 0,3% em 2009 para 1,7% em 2013.
Participação do PMCMV na produção anual de moradias no
Brasil:
Em 2009 significou 5%. Em 2013, 32,1%
147
Impacto da produção do PMCMV em relação ao estoque do seu
público-alvo:
7,5% em 2009 e 48% em 2013.
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 33 e 37)
TABELA 11
Impacto do PMCMV na produção de imóveis no Brasil
Referência
Impacto no total
de moradias
Produção anual do
Produção do PCMV em
PMCMV / produção
relação ao estoque de
total de moradias
moradias do público-alvo
2009
0,3%
5,0%
7,5%
2010
1,0%
17,9%
26,7%
2011
1,0%
18,4%
27,5%
2012
1,5%
27,0%
40,3%
2013
1,7%
32,1%
48,0%
Fonte: elaborado pelo autor, com base nos Documentos 33 e 37
Assim,
pode-se
afirmar
que
o
PMCMV
é
responsável
por
aproximadamente metade das novas unidades habitacionais adquiridas pelo seu
público-alvo (PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documentos 33 E 37).
Considera-se, portanto, que o PMCMV produz diversos impactos
sociais, desde participação na redução do déficit e, especialmente, da demanda
habitacional, até a felicidade das famílias. Foi demonstrada crescente
participação do PMCMV no mercado imobiliário, sobretudo quando se considera
o público-alvo de baixa renda. A simulação de um financiamento convencional
em comparação com os valores cobrados dos beneficiários do PMCMV mostra
evidente indício do impacto social (PESQUISA DOCUMENTAL, APÊNDICE D,
DOCUMENTO 49).
Entre os objetivos do PMCMV, está formalmente, o atingimento de
resultados sociais. Observou-se alinhamento dos objetivos do PMCMV com a
missão da FINANX:
Atuar na promoção da cidadania e do desenvolvimento
sustentável do País, como instituição financeira, agente de
políticas públicas e parceira estratégica do Estado brasileiro
(PESQUISA DOCUMENTAL, Apêndice D, Documento 51).
148
Quando questionados se a FINANX ou o Governo utilizam algum modelo
ou métrica para avaliar os resultados sociais do PMCMV, os entrevistados
convergiram no sentido de respostas negativas, ao mesmo tempo em que
afirmaram a crença na existência dos resultados.
Olha, eu acho que já tem os indicadores que são indicadores
padrão. IDH... eu acho que esse programa, ele atinge esses
indicadores. O governo tem conhecimento dos impactos.
Eu não conheço um estudo nesse sentido não [medidor de
impacto social]..
Mas é tão claro isso [os resultados socais], que eu estive num
dos conjuntos do FAR, 356 unidades (...). A primeira visita que
eu fiz lá, (...)nós passamos por uma estrada (...), chão batido e
chegamos no terreno. Não tinha nada ali (...). A segunda vez que
eu fui lá, a prefeitura já tinha interferido no processo. Toda a
periferia foi beneficiada com asfaltamento. Já cheguei com
asfalto até a porta do empreendimento, as 356 casas acabando
de ser erguidas. E lugar que, historicamente, nunca teve linha
de ônibus, sendo implantada linha de coletivo. (...) Então além
do empreendimento, 356 famílias beneficiadas, que tão indo pra
um lugar com água, luz, saneamento, tudo certinho, toda a
periferia do empreendimento foi beneficiada. (O2)
Especificamente com relação ao PMCMV eu não tenho
conhecimento... (T1)
Pelo governo federal eu não sei se é medido, pela [FINANX] (...)
nós vamos avaliar a freqüência escolar, nós vamos avaliar o
atendimento nas unidades básicas de saúde, os programas de
saúde da família, nós vamos avaliar a violência para aquela faixa
de renda comparada com outras situações de habitação mais
tradicionais, nós podemos avaliar de um modo geral todos os
indicadores de saúde (C2)
[indicador] do próprio PMCMV não. Você tem os indicadores (...)
de quantidade de unidades contratadas versus o déficit
habitacional daquele município. (...) Tem município que você já
contratou metade do déficit. Tem lugar que você já contratou
10% do déficit, tem lugar que contratou 70% do déficit(...) E outra
coisa que é um indicador importante é (...) a quantidade, todas
essas 3 milhões de famílias... (E2)
É um programa novo, ele está em construção, muitas vezes é
até difícil de mensurar esse reflexo de imediato, você tem assim;
além da movimentação da economia como um todo, (...) mas em
média para cada unidade, são 3,6 a 4 pessoas por apartamento.
Se você olhar empregos diretos, isso que a gente estava
olhando, da praticamente 0,8 por unidade, quase 1 emprego por
unidade, isso direto. (E3)
149
A pesquisa documental não resultou na detecção de qualquer indicador,
modelo ou métrica criados ou adaptados para avaliação dos resultados do
PMCMV.
Os documentos mostraram diversos resultados diretos e indiretos do
PMCMV, embora não se refiram a um modelo de mensuração como, por
exemplo, seria o SROI, estudado no capítulo da Metodologia deste trabalho.
Conclui-se que não foi adotado um indicador de mensuração dos
resultados sociais pelo Governo Federal ou pelas instituições financeiras
operadoras do PMCMV. Apurou-se a percepção de vários entrevistados, além
da observação direta de duas famílias beneficiárias. Verificou-se que foi
realizada pesquisa por órgão oficial, o IPEA, para aferição de resultados sociais
do Programa sem que isso se configure um indicador oficial e regular de tais
efeitos.
Desempenhado o exame das três categorias de análise propostas,
passar-se-á às conclusões extraídas ao longo da pesquisa, onde se pretende
responder à pergunta da pesquisa.
QUADRO 13
Principais conclusões da Categoria Analítica 3
Aporte de Recursos
Lucro Financeiro
Inicial: R$25 bilhões Para o PMCMV, diretamente,
não existe
Previsto até dez/14: Receitas da FINANX: subsídio
R$234 bilhões
indireto, spread, tarifas por
prestação de serviços.
Não
há
autosustentabilidade
Receitas indiretas: acesso a
novos mercados para venda de
produtos
Não há previsão de Não há obrigatoriedade de
recuperação
dos reinvestimento de eventuais
investimentos
lucros
A
retirada
dos
aportes
comprometaria
a
continuidade
do
PMCMV
Fonte: elaborado pelo autor
Lucro Social
Acesso à moradia (contratação de 3,49
milhões de novas moradias)
Expressiva participação do PMCMV na
produção imobiliária no Brasil
Maior participação dos pobres nas linhas
de financiamento habitacional
Substancial aumento da média anual de
contratos de crédito imobiliário
Crédito de baixo custo para aquisição de
bens duráveis
Melhorias urbanísticas
Melhoria na condição de vida
Bancarização, geração de emprego,
geração de renda
Dignidade, tranqüilidade, segurança
Aumento da satisfação com a vida
Não se usa indicador para medir impacto
social do PMCMV
150
6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa visou investigar, descrever e analisar o modelo de
negócios do Programa Minha Casa Minha Vida, executado por uma instituição
financeira, tendo como base os conceitos preconizados na literatura
contemporânea de inovação social e negócios sociais.
O estudo de caso foi conduzido com a finalidade de, por meio da
comparação da estrutura do PMCMV com um padrão adaptado da teoria de
Yunus et al. (2010), compreender se pode ser considerado um modelo de
negócios social.
Para tanto, desdobrou-se o objetivo geral em três específicos, a partir
dos quais estabeleceram-se as categorias de análise, a fim de responder-se à
pergunta: o Programa “Minha Casa, Minha Vida”, executado por uma instituição
financeira federal, pode ser caracterizado como um modelo de negócio social,
conforme os conceitos preconizados na literatura contemporânea de inovação
social?
A proposta do trabalho não pretendeu esgotar todas as análises
possíveis nem mesmo dissecar o PMCMV, uma vez que a grandiosidade de seus
números torna tal tarefa impossível para uma única pesquisa. Estudos futuros
serão imprescindíveis para uma melhor compreensão do Programa e seus
efeitos.
Cada categoria de análise trouxe certo número de questionamentos –
descritos no Protocolo de Estudo de Caso –, que serviram de guia ao
pesquisador durante o exame das diversas evidências coletadas.
Ressalta-se que a riqueza do procedimento deste estudo de caso supera
os próprios resultados do mesmo. Conhecer a magnitude de um programa que
já atende diretamente mais de 3 milhões de famílias produz um dote de
conhecimentos que certamente não serão totalmente explorados na atual
apresentação. Ao mesmo tempo, estimula o pesquisador a se preparar para
novos trabalhos mais complexos sobre a mesma temática.
Entre as percepções captadas pelo pesquisador, talvez a mais marcante
tenha sido o franco entusiasmo das famílias pobres com sua vida após a
aquisição da casa própria. O orgulho das pessoas em mostrar a casa, as
melhorias realizadas e dizer que hoje se alimentam melhor porque estão
151
independentes de um aluguel oneroso desperta no pesquisador grande interesse
por compreender melhor esse fenômeno, numa pesquisa futura.
Introdutoriamente, foi analisada a principal instituição executora do
PMCMV. A análise das características da FINANX conduziu à conclusão de que
a empresa, embora seja controlada pelo Estado Brasileiro e tenha explicitamente
objetivos sociais, também captura valor no campo tradicional dos negócios, é
lucrativa e atua em um mercado bastante concorrido. Negócios sociais são
conduzidos por empresas do campo tradicional de negócios.
A verificação da primeira categoria de análise permitiu concluir que o
PMCMV se trata de um programa de governo com direcionamento social, cujo
gestor é o Ministério das Cidades, executado por instituições financeiras –
especialmente a FINANX –, dividido em duas áreas de atuação: urbana e rural.
Há ampla legislação federal que o criou e regulamentou, estabelecendo
limites, objetivos, áreas de atuação, critérios de seleção dos beneficiários e
diversas outras informações.
Uma característica importante dos negócios sociais foi encontrada: o
PMCMV possui objetivos sociais explícitos nos documentos legais,
confirmados pela prática dos entrevistados e outros implícitos. Entre eles, a
redução do déficit habitacional na baixa renda, geração de emprego e renda,
redução da pobreza, melhoria da qualidade de vida das famílias, redução da
criminalidade; favorecimento à dignidade das famílias; retirada das famílias de
áreas de risco e de preservação ambiental.
A segunda categoria pretendeu investigar se o PMCMV possui um
modelo de negócios, além de identificar a eventual existência elementos de um
negócio social, tais como: caráter inovador dos produtos, desenho específico dos
produtos para o público-alvo e o tratamento dessas pessoas como clientes.
Inicialmente, foi possível verificar que o PMCMV apresenta um modelo
de negócios, conforme cada elemento a seguir descrito:

Está
presente
uma
proposta
de
valor,
com
produtos
detalhadamente previstos na legislação. As necessidades a que
os produtos visam atender estão claramente definidas, conforme
as seguintes observações:
152
o Os produtos podem ser considerados inovadores, tanto na
alavanca tecnológica quanto no modelo de negócios.
Inovou-se ao oferecer uma proposta de valor diferente do
que existia até então; buscou-se um novo mercado,
oferecendo produtos para clientes que anteriormente não
eram atendidos por nenhuma organização.
o A oferta parece ter sido desenhada especificamente para
o seu público-alvo, uma vez que seus padrões, taxas de
juros, subvenções, critérios para escolha dos usuários e
cuidado com o entorno dos empreendimentos imobiliários
indicam preocupação para que o cliente se torne capaz de
adquirir os produtos e esses o atendam com qualidade.
o Inovou-se, ainda, no sentido de incentivar o setor da
construção civil a participar do PMCMV, especialmente
criando condições por meio de incentivos fiscais e com a
promoção da emergência de um mercado inexistente.
o Na alavanca tecnológica, há inovação exatamente nos
produtos, modelados especialmente para famílias que não
possuíam capacidade de pagamento para financiar a casa
própria. Criaram-se exigências técnicas, métricas e de
qualidade para a construção das unidades habitacionais e
de todo o empreendimento e seu entorno.

Foi confirmada a existência de um público-alvo do PMCMV,
embora seus membros não possam ser chamados de clientes,
pelo
menos
não
como
“clientes
convencionais”,
assim
considerados aqueles inseridos numa lógica de mercado em que
vigora a lei da oferta e da procura e que se submetem a avaliação
de
cadastro
para
tomarem
crédito.
Atente-se
para
as
ponderações seguintes:
o A pesquisa encaminhou à conclusão de que o público da
Faixa i é beneficiário de um programa social, pois não é
sequer escolhido pelos vendedores e pelos financiadores
dos imóveis, mas sim pelo Poder Público. O fato de não
passarem por avaliação de capacidade de pagamento ou
153
de cadastro confirma que não são clientes “convencionais”,
embora de alguma forma sejam consumidores de
produtos.
o O público da Faixa ii, embora tenha uma relação mais
próxima de mercado com a FINANX e os vendedores dos
imóveis, não pode ser considerado cliente convencional.
Afinal, a contratação só é possível em virtude dos
subsídios públicos oferecidos pelo PMCMV para redução
do valor da compra e dos juros reduzidos. O público da
Faixa iii é o que mais se aproxima da concepção de
clientes, pois nesse estrato social não existe o subsídio
direto ao comprador, mas apenas o indireto, para viabilizar
o
equilíbrio
econômico-financeiro
do
contrato.
Considerando que as Faixas i e ii representam 87,46% da
quantidade de unidades habitacionais contratadas no
Programa, é possível concluir que a maior parte do públicoalvo não é formada por clientes, mas por beneficiários de
um programa social. Os estudos apresentados no
Referencial Teórico afirmam que negócios sociais devem
se guiar pela mesma lógica de empresas convencionais,
inclusive
possuindo
clientes,
buscando
mercados,
enfrentando concorrência. Se o público do PMCMV não é
tratado como cliente, mas como beneficiário, essa
característica
do
modelo
de
negócios
mostra-se
incompatível com o modelo de Yunus et al. (2010).

Confirmou-se a existência de uma constelação de valor ligada
do PMCMV. Internamente, fazem parte as diversas áreas da
FINANX envolvidas com a execução do Programa, quais sejam:
Superintendências Nacionais, Gerências Regionais, agências
bancárias, áreas de engenharia e departamento jurídico.
Externamente, o Ministério das Cidades, Poder Público local
(distrito federal, estados e municípios), empresas da construção
civil, correspondentes bancários.
154
A terceira categoria apurou dados da equação de lucro financeiro e
equação de lucro social.

Verificou-se que o programa recebeu aportes iniciais e
permanece obtendo investimentos tanto da União quanto do
FGTS em todos os contratos celebrados. Relativo aos subsídios
concedidos, não há expectativa de retorno. Considerando a
expressividade desses valores (R$106,3 bilhões do total de
R$218,48 bilhões, ou 49% do total do investimento, sendo o
restante financiamento, conforme QUADRO 12), é possível
concluir pela negativa da auto-sustentabilidade financeira do
PMCMV. Outro elemento que aponta pela inexistência do caráter
auto-sustentável é a dependência do aporte constante dos
subsídios, a partir da verificação de que, sem tais subvenções, o
PMCMV não existiria.

Não há geração de lucro financeiro para o próprio Programa.
Por outro lado, as instituições financeiras operadoras, inclusive a
FINANX, obtêm receitas diretas (spread bancário, tarifas por
prestação de serviços) e indiretas (comercialização de produtos
de portfólio convencional para um público ao qual tem acesso por
ser executora do PMCMV).

A análise das evidências através das múltiplas fontes não
conduziu à conclusões no que se refere a destinação de eventual
lucro gerado pelo PMCMV. Anteriormente, este trabalho concluiu
que o PMCMV não produz lucros em si, porém igualmente restou
comprovado que as instituições operadoras são remuneradas
pelos serviços prestados e lucram com o spread nos contratos
das Faixas ii e iii. Legalmente, a FINANX não teria obrigação de
reinvestir, no PMCMV, os lucros oriundos do mesmo. Isso
contraria o modelo de Yunus et al. (2010), que prevê a
reaplicação de qualquer dividendo, sem distribuição para
acionistas ou destinação para outras áreas.

Quanto ao lucro social, foi atestada sua existência em diversos
campos: redução do déficit/demanda imobiliária da baixa renda;
melhorias urbanísticas; acesso à água, energia, aquecimento
155
solar; inclusão bancária; melhoria da qualidade de vida; redução
de problemas de saúde; diminuição da criminalidade; dignidade,
tranqüilidade, cidadania e segurança social para as famílias;
satisfação com a vida; geração de emprego e renda.

Constatou-se a inexistência de instrumentos para medição dos
resultados sociais ou indicadores próprios para o PMCMV. Uma
pesquisa realizada pelo IPEA é o mais qualificado estudo
encontrado sobre efeitos não mensuráveis do PMCMV, mas não
constitui um indicador regular, de apuração periódica.
Ao longo da análise dos dados, possíveis conclusões foram se
desenhando na mente do pesquisador, sendo que algumas delas acabaram
desmentidas por dados posteriormente verificados. A certo tempo do estudo,
tendia-se a acreditar que a pergunta da pesquisa teria dupla resposta: sim, tratase de um modelo de negócios sociais no que se refere à Faixa ii e não, não é
modelo negócios sociais quanto à Faixa i.
Investigadas todas as questões do Protocolo de Estudo de Caso,
distribuídas pelas três categorias analíticas, chega-se à conclusão final.
Considere-se o modelo de negócios sociais proposto por Yunus et al.
(2010), já apresentado anteriormente neste trabalho e repetido a seguir:
o Proposta de valor: produtos/serviços voltados para o cliente e
todos os demais stakeholders. Verificou-se que o PMCMV possui
uma proposta de valor especialmente voltada para seu públicoalvo e que atinge a constelação de valor e toda a sociedade.
Confirmou-se que a FINANX, executora do PMCMV, é uma
grande empresa que atua no mercado convencional de negócios.
Identificou-se, porém, que os usuários do PMCMV não são
considerados clientes de produtos, mas sim receptores de
benefícios sociais.
o Constelação de valor: identificou-se a existência de uma rede
interna e externa estruturada desde a estratégia até a entrega da
proposta de valor.
o Equação de lucro financeiro: o modelo usado como base exige
que não haja distribuição de dividendos para acionistas, devendo
156
todo o lucro ser reinvestido na operação. Poucas foram as
referências encontradas, não se podendo afirmar que eventual
resultado financeiro seria reinvestido no PMCMV, condição
obrigatória para ser considerado negócio social, segundo o
modelo adotado.
o Equação de lucro social: ponto fundamental para caracterização
de negócios sociais. Confirmou-se a produção de resultados
sociais pelo PMCMV, embora não exista um indicador específico
para medi-los.
Considerando as estratégias específicas do modelo de negócios sociais,
quais sejam “acionistas orientados para lucro social e explicitação formal da
busca por resultados sociais”, conclui-se que estão presentes no modelo do
PMCMV. Embora não exista a figura técnica do acionista, uma vez que não há
mercado de ações envolvido, os investidores do PMCMV são a própria União e
o FGTS, que participam com interesse social. A explicitação dos objetivos sociais
é comprovada pela legislação, pelas entrevistas e pela observação direta.
O Quadro 14 apresenta comparação do modelo previsto com o PMCMV.
157
QUADRO 14
PMCMV x Modelo de Negócios Sociais de Yunus et al. (2010
Elemento do Modelo de Negócios do
Há convergência com Modelo de
PMCMV
Yunus et al. (2010)?
Proposta de Valor
Parcialmente. Diverge na classificação
do usuário como “beneficiário”
Constelação de Valor
Sim.
Equação de Lucro Financeiro
Não. Falta obrigação de reinvestimento
dos lucros. Não há auto-sustentabilidade
Equação de Lucro Social
Sim
Acionistas voltados para o resultado
social
Sim
Objetivos sociais explícitos
Fonte: elaborado pelo autor
Sim
A técnica da “combinação de padrão”, proposta por Yin (2010), foi
aplicada para se comparar o fenômeno PMCMV com o padrão previsto, qual
seja, o modelo de negócios sociais de Yunus et al. (2010). Verificados os dados
e alcançadas as conclusões para cada questionamento pertencente às
categorias de análise, é possível responder à pergunta de pesquisa.
Confrontados o modelo de negócios do PMCMV com o modelo tomado
como base, qual seja, o de Yunus et al. (2010), identificou-se convergência
parcial relativamente ao elemento proposta de valor. Existe oferta de um produto
inovador, criado especialmente para o público-alvo. Há divergência na
classificação do usuário que, conforme verificado anteriormente, não pode ser
identificado como “cliente”. O elemento constelação de valor mostrou-se
convergente com o padrão. Com relação à equação de lucro financeiro, não há
identidade, visto que no PMCMV inexiste obrigatoriedade de reinvestimento de
de eventuais lucros e falta o caráter de auto-sustentabilidade, ambos
considerados fundamentais na proposta de Yunus et al. (2010). Com relação à
equação de lucro social, os modelos são convergentes, inclusive quando se trata
da existência de acionistas voltados para o resultado social e de objetivos sociais
explícitos.
158
Assim, pode-se afirmar que o Programa Minha Casa, Minha Vida,
executado por uma instituição financeira federal, não pode ser caracterizado
como um modelo de negócio social, conforme os conceitos preconizados na
literatura contemporânea de inovação social. Embora os sistemas sejam
similares na maioria dos elementos, algumas características fundamentais dos
negócios sociais não foram identificadas no PMCMV. Mas há elementos
indicativos de que o Programa possa ser aperfeiçoado nesse sentido. Toda
política pública precisa de tempo para maturação, sendo fundamental
implementar
e
melhorar,
inclusive
utilizando-se
no
campo
social
a
experimentação típica dos mais qualificados modelos de negócios convencionais
(MCGRATH & MACMILLAN, 1995; CHESBROUGH, 2010; MCGRATH, 2010). A
relação reflexa direta entre modelos de negócios sociais e convencionais se
confirma na necessidade, em ambos, de avaliação e melhoria contínua. No caso
da inovação social, a própria pressão da sociedade e até dos beneficiários
diretos obriga à melhoria.
Em que pese não ser considerado um negócio social, conforme a teoria
de Yunus et al. (2010), em diversos aspectos o PMCMV se aproxima do modelo
desse e de outros autores. O problema enfrentado atinge grande número de
pessoas e sua solução produz reflexos não somente no déficit e na demanda
habitacionais, mas também em diversos outros aspectos da vida das famílias
envolvidas.
O impacto social é relevante. Após a análise dos dados, restou
comprovada a existência de significativo impacto social do PMCMV na condição
de vida das famílias, como se apresentou no capítulo próprio. Ficou comprovado
o interesse econômico causado pelo Programa, atraindo empresas da
construção civil e produzindo riqueza, emprego e renda.
Adicionalmente, a análise permite concluir que o PMCMV introduziu
soluções novas para problemas e necessidades sociais, em conformidade com
a definição de Phills (2009) para inovação social.
Apresenta-se como grande desafio para a sustentabilidade do PMCMV
que sejam mantidos os subsídios que garantem sua efetividade e amplitude.
Considerando a teoria de negócios sociais, poder-se-ia sugerir a
preparação de um cenário em que o poder público se retirasse gradativamente,
sendo substituído por investidores sociais. A modificação da forma de atuação
159
permitiria que o investidor recuperasse seu capital após determinado período, o
que eliminaria a dependência de recursos públicos ou doações, tornando o
PMCMV auto-sustentável, fortalecendo sua continuidade. O formato atual
embute elevado risco de, a qualquer momento, serem suspensos os subsídios
da União e do FGTS, comprometendo a própria existência do PMCMV.
A presente pesquisa sofreu limitações diversas. Possivelmente a
principal insuficiência consistiu na inexistência de métricas e indicadores para
avaliação dos resultados sociais. A ausência de dados financeiros sobre a
receita da FINANX com a operação do PMCMV é elemento de relativo destaque.
Além disso, pode-se citar como fragilidade da pesquisa a inviabilidade de tempo
e recursos para um estudo amplo das famílias atendidas pelo PMCMV. O próprio
fato de tratar-se de um programa jovem ao tempo do estudo é causa da
dificuldade em apurar-se o lucro social.
Sugerem-se estudos futuros para avaliar mais profundamente os
resultados sociais, especialmente aqueles percebidos diretamente pelas famílias
beneficiárias. Tal trabalho deve ser estendido para diversas regiões do Brasil e
realizado durante um período mais longo, para observar-se a influência do
PMCMV na vida das famílias.
Importante, da mesma forma, que outras pesquisas considerem
maneiras de substituição das subvenções sem retorno por investimentos sociais
e mecanismos que tornem o PMCMV independente do aporte constante de
dinheiro dos governos ou de doadores, adquirindo o caráter de autosustentabilidade.
160
REFERÊNCIAS
ABECIP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DE CRÉDITO
IMOBILIÁRIO E POUPANÇA. Crédito Imobiliário: o SFH. Disponível em:
http://www.abecip.org.br/m3.asp?cod_pagina=453&submenu=sim&cod_pai=429&cod
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167
APÊNDICE A – Protocolo de Estudo de Caso
Adota-se o Protocolo de Estudo de Caso com base na proposta de
Yin (2010). Conforme esse autor, o protocolo não é um questionário, visto que
mais amplo em conteúdo e voltado para um público diferente. Esse instrumento
“se destina a orientar o investigador na realização da coleta de dados de um
caso único” (Yin, 2010, p. 106).
Considerando referida orientação, o Protocolo ora proposto servirá
como orientação ao pesquisador para percorrer o objeto de estudo por via dos
vários instrumentos de coleta selecionados. Assim, para cada questionamento
aqui definido serão buscadas respostas por via de análise documental, análise
bibliográfica, observação direta e entrevistas.
Ainda segundo Yin (2010), o protocolo de estudo de caso traz
questões que o investigador deverá ter em mente durante a coleta de dados. As
questões são formuladas para o investigador, não para o entrevistado. Mais uma
vez, portanto, deve-se afirmar que as questões ora colocadas não formam um
questionário, mas funcionarão como um guia ao pesquisador.
O presente protocolo foi elaborado com base nas categorias de
análise definidas a partir dos objetivos específicos. As questões foram
organizadas em quatro blocos, sendo o primeiro introdutório e os seguintes
correspondentes a cada categoria de análise.
Os questionamentos a seguir orientarão o pesquisador não somente
durante as entrevistas, mas também nos procedimentos de análise documental
e observação direta. As indagações durante as entrevistas também serão
formuladas a partir deste protocolo, embora possam e devam ser selecionadas
e modificadas conforme a pessoa entrevistada e o contexto.
Bloco Introdutório
1. Quais são as principais características da instituição pesquisada?
(natureza jurídica, propósitos, estratégia etc.)
2. A instituição pesquisada participa de um mercado onde há ampla
concorrência?
Bloco I – Conceitos, legislação, métricas e resultados do PMCMV
168
3. Como se define o PMCMV? Follow up: conceito fundamental,
fundamentos do programa.
4. Quais são os objetivos do PMCMV?
5. Que resultados são esperados com o PMCMV?
6. Qual é a legislação que define e regulamenta o PMCMV?
Bloco II – Modelo de negócios do PMCMV: Proposta de valor, público-alvo,
constelação de valor, custos e receitas
7. Que produtos/serviços são oferecidos pelo PMCMV aos seus clientes?
Follow up: avaliar a proposta de valor e o cliente-alvo. Que valor é criado
para a sociedade?
8. A que necessidades dos clientes-alvo o PMCMV atende? Follow up: que
valores são criados para a sociedade? O que o PMCMV entrega para a
sociedade?
9. Os produtos do PMCMV foram desenhados especialmente para o públicoalvo?
10. Os produtos/serviços foram inovadores ao tempo de seu lançamento?
Follow up: considerar as alavancas de inovação na tecnologia e no
modelo de negócios. Havia similares no mercado? Em que inovaram?
11. Quem são os clientes-alvo do PMCMV? Follow up: Que mercados foram
buscados? Havia concorrência nestes mercados? Como se chega a
esses clientes?
12. Com relação ao público alvo, são beneficiários de um programa ou
clientes de um produto?
13. Além dos clientes, que outros atores internos e externos estão envolvidos
com o PMCMV? Follow up: áreas meio e áreas fim da instituição
(engenharia, análise de risco, gestão do PMCMV, agências, plataformas
de concessão de crédito imobliário), parceiros externos (Poder Público,
correspondentes,
construtoras...)
Questionar
como
eles
organizados.
Bloco III – Equação de lucro financeiro e equação de lucro social
estão
169
14. Qual foi o custo inicial no PMCMV? Follow up: de onde vieram tais
recursos?
15. Existe aporte constante de recursos públicos no PMCMV? Follow up: Qual
a origem desses recursos?
16. Se verdadeira a questão anterior, caso retirados os aportes constantes, o
PMCMV permaneceria em andamento?
17. Há previsão de ressarcimento dos aportes de recursos iniciais e dos
periódicos?
18. Quais as receitas obtidas através do PMCMV?
19. Caso haja superávit financeiro, qual sua destinação?
20. A instituição oferece outros produtos/serviços de seu portfólio para os
clientes? Follow up: essas receitas indiretas são significativas? O público
do PMCMV pode ser considerado um novo mercado para a instituição?
21. Além dos resultados financeiros, que espécie de lucro social é alcançada
com o PMCMV? Follow up: além da solução do problema de moradia, que
outros resultados sociais acontecem: redução da pobreza, acesso a
melhores condições sanitárias, saúde, educação? Num momento de
crise, a instituição prioriza resultado financeiro ou social?
22. A instituição ou o Governo utilizam algum modelo ou métrica para avaliar
os resultados sociais do PMCMV? Follow up: São qualitativos ou
quantitativos? Como se aplica a mensuração? Quais os resultados já
apurados?
Bloco Especial – Famílias Beneficiárias
1. Como foi sua seleção para o PMCMV? Follow up: como soube do
PMCMV?
2. Você participou do Programa Técnico Social executado pela instituição
financeira e pelo município?
3. O que mudou em sua vida após a aquisição da casa? Como era sua casa
anterior? O que mudou no seu trabalho, o que mudou com relação aos
filhos?
4. Você teria condições de comprar uma casa sem o PMCMV? As condições
do PMCMV são boas? Você se preocupa em pagar?
170
5. Você já tinha conta bancária antes do PMCMV? Tem agora? Tem mais
algum produto do banco?
Informações preliminares: o texto a seguir será utilizado durante a
coleta de dados para apresentação aos entrevistados, a fim de criar um clima de
confiança que facilite a interação.
Você está participando de uma pesquisa acadêmica que faz parte de uma
dissertação para o Programa de Mestrado Profissional em Administração do
Centro Universitário UNA. O objetivo da pesquisa é investigar, descrever e
analisar o modelo de negócios do Programa Minha Casa Minha Vida executado
por uma instituição financeira. O interesse da pesquisa abrange exclusivamente
a operação do PMCMV, desde o complexo normativo que o criou até a métrica
de seus resultados, recaindo também sobre a cadeia de fornecedores,
beneficiários e demais stakeholders. Não são interesse da pesquisa quaisquer
outras áreas ou práticas da empresa. Foi negociado com a alta administração o
uso das informações, inclusive as questões relativas a sigilo do nome da
empresa e dos entrevistados. É importante deixar claro que as informações
prestadas serão utilizadas exclusivamente para os fins a que se propõe o
presente trabalho. Tais medidas são necessárias para o estabelecimento de uma
relação ética, profissional e transparente. Os resultados produzidos por este
trabalho serão disponibilizados em primeira mão para a organização e você terá
acesso a uma cópia, caso solicite. A gravação da entrevista jamais será
apresentada em público, conforme contrato de sigilo, servindo apenas para
subsidiar a transcrição das respostas. Agradeço a cordialidade em oferecer seu
tempo para colaborar com a pesquisa universitária brasileira! (adaptado de
ALVARENGA NETO, 2005).
171
APÊNDICE C – Exemplo da Matriz de análise de dados brutos
Categoria 1: Conceitos, legislação, métricas e resultados do PMCMV
Siglário:
Instrumento de coleta
ES: Entrevista semi- estruturada
APÊNDICE B – Práticas de Negócios Sociais
7
Programa/Projeto
Objetivo
Modelo de negócios
Resultados
Banglhadeshi
Grameen Bank7
Fornecer crédito
de
pequena
monta e a baixo
custo
para
pessoas pobres
que
objetivem
empreender.
Instituição
financeira
cujos acionistas são os
próprios mutuários e o
governo de Bangladesh.
Capta
depósitos
e
oferece crédito a um
público de baixa renda
sem
exigência
de
comprovação de renda e
apresentação
de
garantias.
Reinveste
todos
os
lucros
auferidos, não havendo
distribuição
de
dividendos.
Atingiu, em 2014, total de
8,62 milhões de membros.
Entre seus mutuários, 68%
deixaram a condição de
miséria. Distribuiu US$
15,2
bilhões
em
empréstimos até abril de
2014, com adimplência de
97,28%. A instituição e seu
fundador foram laureados
com o Prêmio Nobel da Paz
em 2006, por seus esforços
contra a pobreza.
Fonte:Yunus (2010); Yunus
et al. (2010), Grameen
(2014).
Grameen Danone
Oferecer
um
produto
alimentício
a
baixo custo e fácil
acesso para suprir
necessidades
nutricionais das
crianças pobres
de
Bangladesh
(iogurte
ShoktiDoi).
A produção do iogurte
com ingredientes locais
para redução de custo.
Fábrica de pequeno
porte, para minimização
do
risco,
evitar
necessidade
de
armazéns refrigerados e
simplificar o problema
de pessoal. Uso de baixa
tecnologia e de mão-deobra
local
não
especializada.
Desenvolvida uma rede
Alcançou, em dezembro de
2010, total de 821
“Grameen
ladies”
distribuindo o iogurte e
cerca
de
400
microfazendeiros na rede
de fornecedores. Estudos
do GAIN – “Global Alliance
for ImprovedNutrition”8 –
indicam, preliminarmente,
que o ShoktiDoi traz
melhorias significativas no
aprendizado
e
concentração das crianças.
Fonte:Yunus (2010), Yunus
et al. (2010), Grameen
Grameen: vila ou aldeia, no idioma Bengali
Aliança Global pela Melhoria da Nutrição, tradução nossa
8
172
local de fornecedores. Danone (2010), GAIN
Distribuição no modelo (2011), Danone (2011).
porta a porta.
Grameen Phone
9
Permitir
que
moradores
pobres das vilas
de Banglhadesh
tenham acesso à
comunicação via
telefone celular.
Em 1996, 80 mil
vilas naquele país
não
tinham
serviço
telefônico.
Parceria do Grupo
Grameen
com
a
companhia
de
telecomunicações
Telenor, da Noruega.
Serviço baseado no
aluguel de um aparelho
de telefone móvel por
alguns minutos para
quem
não
tem
condições de financeiras
de
adquirir
o
equipamento..
A Grameen Phone se
tornou uma das maiores
pagadoras de impostos de
Bangladesh. O volume de
receitas da empresa em
2013 foi de US$ 96,6
bilhões
–
resultado
financeiro. Em 2005, tinha
8 milhões de usuários,
tendo chegado a 20
milhões em 2008 –
resultado social.
Fonte:Yunus et al. (2010)
Sistema
deB Facilitar
a
irrigação “Treadle irrigação de áreas
de
plantio,
Pump”
permitindo que
haja colheita de
produtos de boa
qualidade
durante todo o
ano, inclusive nos
períodos de seca.
Voltado
para
pequenos
agricultores de
baixa renda, que
não
podem
adquirir
modernos
sistemas
de
irrigação.
Equipamento
manufaturado
localmente a custo
extremamente
baixo
(US$25) Movido por um
pedal, a bomba é
acionada por propulsão
humana, sendo capaz de
bombear água a partir
de até 7 metros de
profundidade.
Estratégias
de
marketing
especialmente
desenhadas para as
populações rurais –
teatro,
filmes
apresentados em locais
públicos e exibição de
funcionamento
do
equipamento.
Considerado uma das
histórias de maior sucesso
em termos de redução do
sofrimento das pessoas
pobres.
Promoveu
aumento de renda entre os
pequenos
fazendeiros
pobres de Bangladesh
equivalente a US$ 130
milhões por ano. A área
irrigada por métodos de
micro-irrigação como o
“TreadlePump” aumentou
globalmente cerca de 6
vezes ao longo dos vinte
anos anteriores a 2013.
Fonte:Polak e Warwich
(2013), IDE (2013).
“Wharton Social Criado
para
9
Wealth Program” solucionar
o
problema
da
desnutrição da
população
do
noroeste
da
Zâmbia após a
baixa
das
Sistema para calcular a
mistura
ideal
para
produzir ração mais
barata e nutritiva para a
criação de galinhas.
Previa a criação de uma
rede de distribuição
regional, contrário de
Causou redução do preço
médio
e
aumentou
qualidade da alimentação
animal entre 2003 e 2009,
beneficiando criadores das
aves e os consumidores.
Replicado em estados
vizinhos. Ao tempo do
estudo ora apresentado
Programa Wharton de Riqueza Social, tradução nossa.
173
cotações
do uma rede ampla para
cobre
levar grandes comerciantes.
miséria e fome às
famílias
dos
mineiros locais.
havia negociações para
outros
países.
Fonte:Thompson
e
Macmillan (2010).
PD: Pesquisa Documental
OD: Observação Direta
Fonte de Evidência
E(n): entrevistado pertencente ao nível Estratégico
T(n): entrevistado pertencente ao nível Tático
O(n): entrevistado pertencente ao nível Operacional
C (n): entrevistado pertencente à Constelação de Valor
P (n): entrevistado pertencente ao Público-Alvo
D(n): documento
Questão do protocolo
3 - Como se define o PMCMV?
Instrumento Fonte de
de coleta
Evidência
Observações
ES
O1
Maior e melhor programa habitacional; abrangência
completa; critérios claros; programa espetacular
ES
O2
“Quase” a única forma da classe média e baixa adquirir
um imóvel
ES
C4
Programa inteligente; soma entre social e privado; o
capital privado viabiliza o ganho social
ES
E2
Política pública/social de alcance extremo. Primeiro
programa que buscou responder às principais questões
do déficit habitacional
ES
T1
Divisor de águas no mercado imobiliário. Programa
inédito.
ES
E1
Programa destinado a priorizar famílias de baixa renda.
Não se fala em doação, toda a política nacional de
habitação quer que a pessoa pague pelo bem
174
ES
E3
Programa altamente exitoso
ES
C3
Uma boa ideia em termos de habitação popular.
ES
C1
Um programa muito correto, muito bom no geral
ES
C2
Um programa essencial, de natureza social com
conseqüências econômicas
PD
D14
Compreende os seguintes subprogramas: Programa
Nacional de Habitação Urbana; Programa Nacional de
Habitação Rural. No PNHU, implantará
empreendimentos em terrenos urbanos, adequados
ambientalmente, com infraestrutura básica,
compromisso do poder público local para instalação de
equipamentos relacionados à educação, saúde, lazer e
transporte.
PD
D47
O Minha Casa Minha Vida é um programa de governo
que tem transformado o sonho da casa própria em
realidade para muitas famílias brasileiras. Em geral, o
Programa acontece em parceria com estados,
municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos.
PD
D48
Iniciativa criada pelo Governo Federal com o objetivo
de diminuir o déficit habitacional, mediante a
construção de 2 milhões de novas moradias populares
até 2015 na zona urbana, com recursos do FGTS e taxa
diferenciada.
Questão do protocolo
4 - Quais são os objetivos do PMCMV?
Instrumento Fonte de
de coleta
Evidência
Observações
ES
T1
Reduzir déficit habitacional nas classes mais baixas.
Desenvolvimento econômico, crescimento do PIB.
Emprego, renda e habitação
ES
O1
Reduzir déficit habitacional; alcance social do Faixa I.
Suprir um hiato
175
ES
O2
Levar moradia e reduzir o déficit habitacional. Para a
instituição, objetivos comerciais e compromisso com a
sociedade
ES
C4
Reduzir o déficit habitacional, estimular a economia
através da construção civil, urbanização dos municípios
ES
C2
Condições de tirar as pessoas da pobreza; progresso
social; preocupações sociais.
ES
E2
Responder à crise econômica; reduzir o déficit
habitacional
ES
E3
Geração de emprego/renda, movimentar a economia e
produzir moradias. Objetiva que as pessoas subam
1,2,3 degraus em qualidade de vida
ES
E1
Responder à crise econômica – foco em emprego
(construção civil); redução do déficit habitacional na
baixa renda
ES
C3
Dar a casa a quem precisa, atingir o público-alvo
ES
C1
O objetivo da construtora é ganhar dinheiro. Do
Programa, mover a economia
ES
C2
Dar às famílias condições de sair da situação de
pobreza
PD
D14
Promover a produção,aquisição, requalificação e
reforma de 2 milhões de unidades habitacionais, entre
1/10/2010 a 31/12/2014, sendo no mínimo 220 mil
para empreendimentos do FAR. (art. 82-B)
PD
D14
Criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição
de novas unidades habitacionais para famílias com
renda de até R$ 4.650,00 (depois atualizado para
5.400,00).
Questão do protocolo
5 – Que resultados são esperados com o PMCMV?
Instrumento Fonte de
de coleta
Evidência
Observações
176
ES
T1
3,7 milhões de novas moradias, incluindo zona rural
ES
O1
Moradias, geração de emprego, melhoria na qualidade
de vida, melhoria da economia local, agregar negócios
para a Instituição Financeira
ES
C2
Melhorar situação das crianças; redução da
criminalidade; qualidade de vida; dignidade; injeção de
recursos financeiros no mercado; condições para a
pessoa conseguir um emprego, desenvolver habilidade
das pessoas conviverem socialmente; emprego e
renda. Mais palpável: redução do déficit habitacional
ES
E1
Incremento da oferta para suprir demanda por
habitação sem “desmerecer” o déficit
ES
E3
Crescimento da economia e redução do déficit
habitacional
ES
C4
Tirar famílias de áreas de preservação ambiental e
invadidas (efeito ambiental); efeito urbano
paisagístico; melhoria da infraestrutura do município;
redução do déficit habitacional
PD
D22
Promoção da melhoria da qualidade de vida; provisão
habitacional (com sustentabilidade social, econômica e
ambiental); criação de novos postos de trabalho;
atendimento às diretrizes do Programa Brasileiro de
Qualidade e Produtividade do Habitat (materiais de
construção em conformidade com as normas técnicas);
PD
D22
Contratação de 860 mil unidades habitacionais até
31/12/2014, com recursos do FAR, distribuídas por U.F.
de acordo com estimativa de déficit habitacional.
PD
D33
Meta do PMCMV: 3,75 milhões de unidades até
31/12/2014.
Questão do protocolo
6 – Qual é a legislação que define e regulamenta o
PMCMV?
177
Instrumento Fonte de
de coleta
Evidência
Observações
PD
Lei 11.977/09; Portaria Interministerial 395/11;
Portaria Ministério da Fazenda 561/11; Portaria
Ministério das Cidades 595/13; Portaria
Interministerial 409/11; Portaria Ministério das
Cidades 168/13; Portaria Ministério das Cidades
363/13; Resolução Conselho Curador FGTS 702/12; Lei
12.868/13; Decreto 7.499/11
Diversas
178
APÊNDICE D – Relação de documentos analisados
1. Decreto 6.473/2008. Estatuto da Caixa Econômica Federal. Adobe
Acrobat.
2. Decreto 7.973/2013. Estatuto da Caixa Econômica Federal. Adobe
Acrobat.
3. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2013. Adobe
Acrobat.
4. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2012. Adobe
Acrobat.
5. Demonstração do Resultado Caixa Econômica Federal, 2011. Adobe
Acrobat.
6. Decreto-Lei 759/1969. Autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa
pública Caixa Econômica Federal e dá outras providências. Adobe
Acrobat.
7. Diário Oficial da União, 17/07/2013, seção 1, p. 91.
8. Balanço Minha Casa Minha Vida, 30/06/2014.
9. Balanço PAC 2. 9º Balanço – 2011/2014. Adobe Acrobat.
10. Demanda Habitacional no Brasil. Caixa Econômica Federal, 2012.
11. Cartilha Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat.
12. Empreendimentos Contratados FAR – analítico. Posição 24/07/2014.
13. Contratações Programa Minha Casa Minha Vida – total por instituição em
valores e unidades habitacionais.
14. Lei 11.977/2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida.
Microsoft Word.
15. Lei 12.868/2013. dispõe sobre o financiamento de bens de consumo
duráveis a beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida. Microsoft
Word.
16. Medida provisória 459/2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha
Vida, depois convertida na lei 11.977/2009. Microsoft Word.
17. Extrato Termo de Adesão dos Municípios até 07/04/2014. Ministério das
Cidades. Adobe Acrobat.
18. Nota Técnica IPEA. Estimativas do déficit habitacional brasileiro (20072011) por municípios (2010). Maio de 2013. Adobe Acrobat.
19. Portaria Interministerial 395/2011. Dispõe sobre o Programa Nacional de
Habitação Rural, integrante do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe
Acrobat.
20. Portaria 561/2011, Ministério da Fazenda. Define a remuneração da CEF
pelas atividades exercidas no PNHU, subprograma do Programa Minha
Casa Minha Vida. Adobe Acrobat.
21. Portaria Interministerial 409/2011. Dispõe sobre as operações de crédito
com recursos do FGTS contratadas no âmbito do PNHU, integrante do
Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat.
22. Portaria 168, Ministério das Cidades. Dispõe sobre as diretrizes Gerais
para aquisição e alienação de imóveis com recursos do FAR, no âmbito
do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat.
23. Portaria 363/2013, Ministério das Cidades. Dispõe sobre as diretrizes
gerais para aquisição e alienação de imóveis com recursos do FAR, no
179
âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida em municípios com
população inferior a 50.000 habitantes. Adobe Acrobat.
24. Resolução 702/2012, Conselho Curador do FGTS.
25. O Cenário Macroeconômico do País e o Mercado Imobiliário.
Apresentação CAIXA / SINDUSCON PARANÁ. Apresentação
Powerpoint.
26. De Olho na Qualidade. Minha Casa Minha Vida, Momento Atual – Ciclo
de Qualidade. Adobe Acrobat.
27. Programa De Olho na Qualidade do Minha Casa Minha Vida recebeu mais
de 200 mil ligações em um ano. Notícia disponível em
http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Default.aspx?newsID
=523
28. Decreto 7.499/2011. Regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida.
Microsoft Word.
29. PMCMV
Especificações
Mínimas
–
Apartamento/Casa
sobreposta/sobrado, de acordo com item 7.1 do anexo I da Portaria
168/2013. Adobe Acrobat.
30. PMCMV Especificações Mínimas – Casa de acordo com item 7.1 do
anexo I da Portaria 168/2013. Adobe Acrobat.
31. Instrução Normativa RFB 1435/2013. Condições tributárias especiais do
Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe Acrobat.
32. Portaria Ministério das Cidades 595/2013. Dispõe sobre o processo de
seleção dos beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida. Adobe
Acrobat.
33. Coletiva: Casa Própria, Capital Imobiliário e Qualidade da Moradia.
Entrevista IPEA – Marcelo Néri e Agnaldo Ribeiro. Vídeo em arquivo MP4
e
também
disponível
em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=articl
e&id=20597&catid=22&Itemid=2
34. Casa Própria: capital residencial & qualidade de vida. Marcelo Néri.
Apresentação. Adobe Acrobat.
35. Casa Própria: capital residencial & qualidade de vida. Sumário Executivo.
Marcelo Néri. Apresentação. Adobe Acrobat.
36. Pesquisa com beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida.
Ministério das Cidades. IPEA. 2013. Adobe Acrobat.
37. Programa Minha Casa Minha Vida Avanços Socioeconômicos. Ministério
das Cidades. Secretaria de Assuntos Estratégicos. 2013. Adobe Acrobat.
38. Unidades habitacionais contratadas, entregues e valores. Base de dados:
26/06/2014. Planilha Excel.
39. Ministério das Cidades. Unidades habitacionais contratadas por
instituição, por Faixa, incluindo valor de subsídio e concessão FGTS.
Base de dados: 30/06/2014. Planilha Excel.
40. Evolução mensal subsídio FGTS – 2013 a 2014. Microsoft Word.
41. Dados diversos: quantidade e valores de unidades habitacionais
contratadas e entregues; perfil do mutuário; contratos em fase de
amortização; comparativo 2008 e 2014 de volume de créditos concedidos.
Microsoft Word.
42. Instituições Financeiras em funcionamento. Banco Central, agosto 2014.
Microsoft Excel.
180
43. Concentração, concorrência e rentabilidade no setor bancário brasileiro.
Tendências Consultoria, 2010. Adobre Acrobat.
44. Foto Residencial Copacabana.
45. Foto Residencial Vila das Roseiras – Divinópolis MG. Jornal G37.
46. Nota Técnica IPEA 2007-2012. Ipea, novembro 2013. Adobe Acrobat.
47. Minha
Casa
Minha
Vida
Site
de
Internet:
http://www.caixa.gov.br/novo_habitacao/minha-casa-minhavida/index.asp
48. Cartilha Minha Casa Minha Vida. Banco do Brasil, 2012. Adobe Acrobat.
49. Simulação Tabela SAC. Planilha do Microsoft Excel.
50. Missão
e
Valores:
http://www14.caixa.gov.br/portal/acaixa/home/a_vida_pede_mais_que_um_banco/
missao_visao_valores
51. Site
de
internet:
http://www14.caixa.gov.br/portal/acaixa/home/a_vida_pede_mais_que_um_banco/
missao_visao_valores Consultado em 21/09/2014
52. Site de internet: https://minhacasamelhor.com.br. Consultado em
28/09/2014
53. Email: agendamento das entrevistas com executivos da FINANX.
Recebido em 14/07/2014.
54. Email: agendamento de entrevista com o Ministério das Cidades.
Recebido em 17/07/2014.
55. Email: autorização para a pesquisa, pela FINANX. Recebido em
16/06/2014.
56. Email: cancelamento de autorização para a pesquisa, pela FINANX.
Recebido em 16/07/2014.
57. Email: calendário com remarcação das entrevistas com executivos da
FINANX. Recebido em 17/07/2014.
58. Email: primeira marcação das entrevistas com executivos da FINANX.
Recebido em 15/07/2014.
59. Medida Provisória 459/2009, versão original. Documento Microsoft Word.
Disponível
em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2009/medidaprovisoria-45925-marco-2009-587252-publicacaooriginal-110936-pe.html.
Acessado
em 23/10/2014.
181
ANEXO A – Modelo Canvas
Fonte: adaptado de Osterwalder (2010 ), p. 44
Download

QUIRINO, Bruno Silva. INOVAÇÃO SOCIAL E NEGÓCIOS SOCIAIS