ACONSTRUÇÃO OCUPAÇÃO CIVIL ENGENHARIA/2010 598 ENGENHARIA de encostas Um exemplo da ausência de atendimento aos domínios de estudo PEDRO JOSÉ DA SILVA* MARIA APARECIDA FAUSTINO PIRES** O crescimento desordenado e acelerado dos aglomerados humanos, bem como a ausência de um planejamento adequado, apresenta como consequência direta, o surgimento de impactos ambientais adversos nas diferentes porções do meio ambiente, cuja leitura permite identificar a ocorrência de profundas modificações no uso e ocupação do solo. Os impactos ambientais decorrentes dessa intervenção humana podem ser identificados quando da ocupação de áreas ambientais críticas, abordando em específico à ocupação de terrenos de encostas. O objetivo deste trabalho é permitir às diversas parcelas da sociedade o acesso ao entendimento das diferenças existentes entre os movimentos de massas, como o ocorrido em Santa Catarina. O planejamento da pesquisa para o desenvolvimento do referido trabalho fundamenta-se no estudo descritivo e correlacional. O resultado desse estudo permite à sociedade entender as consequências das suas ações, o que em geral tem resultado numa situação que ameaça a existência de pessoas, seres ou coisas WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR ENGENHARIA TRANSPORTE ENGENHARIA A s cidades vêm sendo mais e mais requisitadas em sua infraestrutura. Uma estimativa quase alarmante nesse aspecto é da Organização das Nações Unidas, prevendo que no ano de 2050, serão 5 bilhões de pessoas morando nas cidades, contra os atuais 2,4 bilhões. A previsão é que 80% das populações urbanas viverão em cidades de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A principal questão que surge dentro deste cenário refere-se ao fato da necessidade de duplicar a capacidade das referidas cidades, sendo então capazes de suprir as necessidades básicas da sua futura população. No entanto o que se percebe na cidade de São Paulo (10,88 milhões de habitantes), a quinta maior cidade do mundo em termos de população – até o ano de 2007 com uma população na região metropolitana de 18,84 milhões de habitantes –, e em outros grandes municípios brasileiros, é um crescimento desordenado. São cidades como: Rio de Janeiro com 6,09 milhões de habitantes; Salvador, com 2,89 milhões; Brasília, com 2,45 milhões; Fortaleza, com 2,43 milhões; Belo Horizonte, com 2,41 milhões de habitantes; e, em específico, Itajaí (SC) com 169 927 habitantes. O crescimento desordenado e acelerado dos aglomerados humanos, bem como a ausência de um planejamento adequado, apresenta como consequências diretas: a ocupação de áreas ambientalmente críticas; o surgimento de impactos ambientais adversos, cuja leitura permite identificar a ocorrência de profundas modificações no uso e ocupação do solo. O cenário apresentado é exemplo do que vem acontecendo em Santa Catarina. Os diferentes meios de comunicação divulgaram ao longo de diversos dias consecutivos dos primeiros meses de 2009, a ocorrência dos mais diferentes impactos adversos no município de Itajaí (figuras 1 e 2). PARCELAMENTO DO SOLO – DISPOSIÇÕES A Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, alterada pela Lei nº 9.785, de 20 de janeiro de 1999, regula o parcelamento do solo, isto é, os loteamentos, que se constituem em um dos mais importantes instrumentos de ordenação do crescimento das cidades brasileiras e que protege o comprador de terrenos urbanos, dos loteamentos clandestinos, os quais trouxeram sérios prejuízos aos municípios e a população. O parcelamento e ocupação do solo podem ocorrer de diversas maneiras, com um maior ou menor impacto ambiental. Devem- se considerar as características naturais do meio ambiente, caso contrário ter-se-á gravíssimos problemas nas diferentes porções físicas do meio ambiente, em especial no solo e na água. A subdivisão das áreas não urbanizadas deverá atender as disposições da referida lei, de modo a não permitir o parcelamento do solo em áreas ambientalmente críticas. O melhor projeto de subdivisão de áreas não urbanizadas é aquele cuja distribuição das vias públicas e dos lotes considera: a topografia do terreno e os caminhos naturais de escoamento das águas, a preservação das áreas marginais aos recursos hídricos, a proteção das áreas de valor ecológico, e prevê lotes maiores e com menor ocupação para as áreas ambientais “críticas” (figura 3). De modo a atender ao exposto não será permitido o parcelamento do solo em: 1) Terrenos alagadiços e sujeitos as inundações, antes de serem tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas. 2) Terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, que não sejam previamente saneados. 3) Terrenos com declividade igual ou superior a 30%, salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes. Figura 1 - Localização do município de Itajaí – Santa Catarina fonte: arquivo do autor, 2009 Figura 2 - Vista aérea do município de Itajaí – Santa Catarina fonte: arquivo do autor, 2009 WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR CYAN AMARELO MAGENTA PRETO ENGENHARIA/2010 598 CONSTRUÇÃO CIVIL ENGENHARIA CONSTRUÇÃO CIVIL ENGENHARIA TRANSPORTE ENGENHARIA/2010 598 de vale, mas também das encostas, exaustivamente, divulgado pela mídia faz-se necessário definir uma formulação e implantação de medidas e procedimentos, técnicos e administrativos que tem por finalidade prevenir, controlar ou reduzir os riscos existentes, decorrentes da ocupação de áreas ambientalmente críticas, de tal modo que está ocupação, fora dos limites das leis, venha a ocorrer dentro de requisitos de segurança considerados toleráveis, até que se restabeleça aquilo que define a lei. Figura 3 - Ocupação de área ambientalmente crítica – faixa de proteção de um curso d’água fonte: arquivo do autor, 2009 4) Terreno onde as condições geológicas não aconselham edificação. 5) Área de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis até a sua correção. AVALIAÇÃO DE RISCO EM ÁREAS AMBIENTALMENTE CRÍTICAS Entende-se por “risco” a possibilidade da ocorrência de uma situação que ameaça a existência de uma pessoa, ser ou coisa, ou ainda uma ou mais condições de uma variável com potencial para causar danos. Em síntese, risco é a possibilidade da ocorrência de um perigo. A equação a seguir indica modelo matemático que expressa quantitativamente o risco. R = p. c Onde: p = probabilidade de ocorrência de um evento indesejado (p), em geral p é baixo, mas as consequências de ocorrência desse evento indesejado são altas; c = consequências geradas pela ocorrência de um perigo. A avaliação de risco compreende a utilização de metodologias de caráter experimental e ou matemático para a determinação dos valores dos riscos impostos à população exposta por uma instalação ou atividade industrial. A identificação do conteúdo apresentado permite-nos identificar na porção biogeofísica do meio ambiente de Santa Catarina a possibilidade de ocorrência de perigo. GERENCIAMENTO DE RISCO Num cenário de ocupação, não só de um fundo WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR ANÁLISE DE RISCO EM ÁREAS AMBIENTALMENTE CRÍTICAS A análise de risco deve ser entendida como a identificação, e avaliação de elementos que se encontra em um espaço confinado, como por exemplo, uma instalação em uma unidade industrial e/ou em um elemento que não se encontra confinado, com, por exemplo, o recurso solo, que causam situações potencialmente perigosas. Na análise de risco, procede-se o estudo a partir dos “níveis de risco”, a saber: (1) riscos não toleráveis; (2) riscos gerenciáveis; (3) riscos negligíveis. Os riscos toleráveis podem se “transformar” em riscos gerenciáveis através das leis. A avaliação qualitativa dos riscos, normalmente encontra-se baseada nas seguintes categorias de riscos: (a) desprezível; (b) marginal ou limítrofe; (c) crítico; (d) catastrófico. Critérios de aceitabilidade Deverão ser entendidos como aqueles que servem de base para comparação, julgamento, apreciação e aceite do risco ambiental, sendo eles: I) Risco social – representa o risco para uma população sujeita aos possíveis danos na zona de influência de um determinado acidente (figura 4). II) Risco individual – representa o risco a que um indivíduo é exposto. Não deve ser aumentado significativamente pela atividade humana (industrial ou de serviço) criada por terceiros, a menos de uma explícita e consistente aceitação da mesma. Figura 4 - Análise de risco – risco social fonte: arquivo do autor, 2009 Figura 5 - Uso e ocupação desordenada do solo – consequências fonte: arquivo do autor, 2009 OCUPAÇÃO DE TERRENOS DE ENCOSTAS A ocupação de terrenos de encosta é acompanhada do desmatamento, de alteração no escoamento natural das águas, de movimentos de terra e no aumento da permeabilidade do solo, fatores que contribuem para a ocorrência do perigo. A melhor forma de controlar a ocupação de encostas é através da definição de densidades populacionais, as quais devem diminuir, à medida que a declividade do terreno cresce. As densidades são alcançadas através da fixação dos tamanhos mínimos dos lotes e da taxa de ocupação permitida para os mesmos. Os regulamentos de controle dos movimentos de terra, de erosão e de drenagem são dispositivos complementares na preservação de encostas (figura 5). MOVIMENTOS DE MASSAS EM ENCOSTAS São ilimitadas as possibilidades de adoção de enfoques na análise do fenômeno o que se traduz em uma enorme proliferação de sistemas classificatórios. Nesse trabalho adotaremos a Classificação de Magalhães Freire, pois se verifica a aderência da referida classificação, no que diz respeito à combinação ou síntese dos aspectos naturalísticos ou geológicos e, a atuação de diferentes agentes, com o fenômeno ocorrido em Santa Catarina. Segundo Guido e Nieble (1984) os movimentos coletivos de solo e rocha, atendendo à Classificação de Magalhães Freire, são: a) Escoamentos – correspondem a uma deformação, ou movimento contínuo com ou sem superfície definida de movimentação. Estão classificados, segundo as características de movimento, em dois tipos, a saber: corrida (escoamento fluído-viscoso) e rastejo ou reptação (escoamento plástico). Em síntese, nos escoamentos não há destaque de massa. ESCORREGAMENTOS EM ENCOSTAS DE SANTA CATARINA Adota-se nesse trabalho a definição de taludes ou encostas naturais como sendo as superfícies inclinadas de maciços terrosos, rochosos ou mistos (rocha e solo), originados por processos geológicos e geomorfológicos diversos. As principais modificações a que as encostas encontram-se submetidas são devidas a ações antropogênicas, tais como: cortes e desmatamentos, entre outros. O fator humano ao atuar nas encostas naturais reflete a expansão das áreas urbanas (figura 6 ), tendo como o aumento na frequência de movimentos coletivos de solos e rochas, genericamente chamados de escorregamentos. Sobre um enfoque mais técnico e menos genérico, os escorregamentos ocorridos são do tipo: (a) rotacionais: pois ocorrem em encostas íngremes, possuindo uma extensão relativamente limitada; translacionais: pois ocorrem ao longo de superfícies planas e, a massa escorrega de forma tabular; movimento de curta duração, velocidade elevada e grande poder de destruição. Em uma prévia ao material fotográfico que registrou os escorregamentos, é possível verificar os movimentos de massas em encostas mais abatidas e mais extensas, o que caracteriza os escorregamentos translacionais. AGENTES E CAUSAS DE MOVIMENTOS DE MASSAS Os movimentos de massas têm a sua origem em agentes e causas. Entender a diferença entre agente e causa, permite um melhor entendimento do movimento de massas; sendo assim, entende-se por causa o modo de atuação de um determinado agente, ou em outras palavras, um agente pode se expressar por meio de uma ou mais causas (Guido; Nieble, 1984). A diferenciação apresentada permite a apresentação da classificação dos agentes e causas, a saber: 1) Agentes (a) Agentes predisponentes – conjunto de carac- Figura 6 - Expansão urbana – uso e ocupação de encostas fonte: arquivo do autor, 2009 terísticas intrínsecas, função apenas de condições naturais, nelas não atuando sob qualquer forma a ação do homem. São eles: geológico (litológicos, estruturais, geomorfológicos); geométrico; ambiental. (b) Agentes efetivos – conjunto de elementos responsáveis pelo desencadeamento do movimento de massas, nele incluindo a ação do homem. São eles: preparatórios (pluviosidade, erosão pela água ou vento, congelamento e degelo, variações térmicas, dissolução química, percolação d’água, ação antrópica); defragratórios (chuva intensa, fusão do gelo e da neve, vibrações, ações antrópicas). 2) Causas (a) Internas – diminuição da resistência pelo intemperismo. (b) Intermediária – aumento da pressão neutra por percolação, subida N.A., rebaixamento rápido do N.A. (c) Externo – sobrecargas e vibrações. CONCLUSÃO A ocupação desordenada do solo traduz a omissão histórica do poder público no sentido de proteger e coibir a presença humana seja aquela referente à habitação ou a indústria, em áreas especiais, isto é, áreas ambientais críticas, com o intuito de impedir o surgimento e a proliferação de áreas de risco, bem como evitar a degradação do meio ambiente. Atualmente existe a necessidade de se entender que a degradação do meio ambiente ocorre devido ao fato de não se respeitar as suas limitações dentro dos domínios econômico, físico e social. O atendimento aos domínios apresentados constitui-se em parâmetros que deverão nortear estudos futuros, permitindo identificar o bom ou o mau uso do solo. Cabe ressaltar que o entendimento e o atendimento às limitações do meio ambiente urbano não será conseguido apenas com legislações específicas, pois as mesmas têm se mostrado ineficazes e anacrônicas para enfrentar com determinação e em sua totalidade tão grave problema. Acredita-se que a resolução do problema terá início quando diversas parcelas da sociedade entenderem que o padrão de qualidade de vida de um povo está associado diretamente ao atendimento daquelas limitações. * Pedro José da Silva é pesquisador colaborador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP) – Centro de Química e Meio Ambiente – CQMA, professor titular doutor da Faculdade de Engenharia Civil da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, professor da Escola de Engenharia Civil do Instituto Mauá de Tecnologia – MAUÁ. E-mail: [email protected] ** Maria Aparecida Faustino Pires é supervisora do pós-doutorado, gerente do Centro de Química e Meio Ambiente – CQMA / Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP) E-mail: [email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BRASIL - Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. [2] BRASIL - Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999. Altera o Decreto Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (Desapropriação por utilidade pública) e as Leis nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros públicos) e 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Parcelamento do solo urbano). [3] GUIDO, G.; NIEBLE, C.M. - Estabilidade de taludes naturais e de escavação. 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1984. 194p. [4] MOTA, S. - Preservação e conservação de recursos hídricos. 2.ed. Rio de Janeiro: ABES, 1995. 187p. [5] SERRANO, N. Deslizamentos em Angra dos Reis (RJ) matam ao menos 30 pessoas. Estado de S. Paulo, São Paulo, 01 de jan. 2010. Notícias. [6] SILVA, P.J.; AROMA, W.; SILVA, F.C.; SILVA JÚNIOR, S.I. - “A proteção de áreas especiais e a consequente redução das áreas de risco” In Anais do Safety, Health and Environmental Word Congress – SHEWC’2007, Santos/SP, Julho 2007. [7] SILVA, P.J., SILVA, F.C., SILVA JÚNIOR, S.I. “Análise de risco aplicado à indústria da construção civil” In Anais do Environmental and Health Word Congress – SHEWC’2006, Santos/SP, Julho 2006. [8] SILVA, P. J. Apostila/Fichário. Planejamento Urbano III. São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.2007. WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR CYAN AMARELO MAGENTA PRETO ENGENHARIA/2010 598 b) Escorregamentos – correspondem a um deslocamento finito ao longo de superfície definida de deslizamento, preexistente ou de neoformação; classificam-se também em dois tipos, segundo haja predomínio de rotação – escorregamentos rotacionais – ou de translação – escoamentos translacionais; quando ocorrem a combinação entre rotação e translação o escorregamento é dito composto. c) Subsidências – correspondem a um deslocamento finito, ou deformação contínua, de direção essencialmente vertical; encontram-se classificados em três tipos, a saber: subsidência propriamente dita; recalque; e, finalmente, os desabamentos.