Pró-Reitoria de Graduação Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS ELABORADOS PELO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL – CEREVS. Autora: Maria Aparecida de Oliveira Gaspio Orientador: Luciana de Castro Álvares Brasília-DF 2014 2013 MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA GASPIO O ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS ELABORADOS PELO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL – CEREVS. Artigo apresentado ao Curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília (UCB), como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciana de Castro Álvares Brasília 2014 Artigo de autoria de Maria Aparecida de Oliveira Gaspio, intitulado “O ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS ELABORADOS PELO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL – CEREVS’’, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, em 11 de Junho de 2014, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada: _______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Luciana de Castro Álvares Orientadora Curso Serviço Social – UCB _______________________________________________ Prof.ª Msc. Karina Aparecida Figueiredo Banca Examinadora Curso Serviço Social – UCB _______________________________________________ Prof.ª Esp. Erci Ribeiro Moura Banca Examinadora Curso Serviço Social – UCB Brasília 2014 Dedico este trabalho de Conclusão de Curso ao meu Deus que me proporcionou fé, força e coragem para acreditar e continuar, não deixando que o desânimo interferisse em minha caminhada acadêmica. Dedico também ao meu esposo presente em todos os momentos, sempre confiando e acreditando em mim e no meu potencial. Aos meus queridos filhos e netos e minha querida mãe que são fonte de amor e alegria para minha vida e a minha formação. AGRADECIMENTO Este é um momento especial para agradecer a Deus por me fortalecer nos momentos mais difíceis, no processo da minha formação e por acreditar que tudo daria certo. Um momento especial para dizer muito obrigado às pessoas que fizeram parte de minha vida ao longo dessa história acadêmica e pessoal, que me apoiaram, ajudaram e permitiram que este trabalho pudesse ser realizado. Agradeço em especial a minha mãezinha, uma pessoa importantíssima para esta realização, que me compreendeu e aceitou a minha ausência, falta de tempo para visitá-la e ficar ao seu lado. Também agradeço as três pessoas importantes que sempre acreditaram em mim: meu esposo, companheiro e grande incentivador, obrigado por tudo que fez e faz por mim, principalmente nos momento em que me encontrava ansiosa, angustiada devido à tensão para a elaboração desse artigo, sempre me deu apoio, carinho e ajuda, motivando-me a acreditar que tudo daria certo; Aos meus filhos, Daniela e Rafael que estiveram presente, me apoiando e dando forças, fortalecendome com carinho e amor nos momentos em que eu mais precisava, sempre acreditando no meu potencial e na construção desse desafio na minha vida; E com carinho agradeço a Deus a existência dos meus três netos, Felipe, Hugo e Cauã, que são a fonte de minhas alegrias. A você Jayne dos Anjos, não poderia deixar de te agradecer, pois você é uma pessoa muito especial e querida, colega de trabalho, amiga e incentivadora que me fez acreditar que tudo era possível e que iria conseguir, “era só dar o primeiro passo”, lembro-me com carinho destas palavras que foram importantes para eu iniciar meus estudos acadêmicos. Agradeço a todo o corpo docente da Universidade Católica, o qual fez parte para minha formação acadêmica, em especial a minha professora e orientadora Luciana Álvares, que com seu conhecimento e sua formação de Doutorado, me possibilitou a elaboração e em especial a conclusão do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Com carinho agradeço as Assistentes Sociais Cecy Alcântara e Viviane Faleiros do CEREVS, que com especial dedicação e seu trabalho TeóricoMetodológico e prático me forneceu dados estatísticos elaborados por esta seção da 1ª Vara da Infância e Juventude- TJDFT. Agradeço a toda a minha família e amigos que fizeram parte da minha vida nos momentos felizes e difíceis, mais que estavam sempre presentes para me ajudar e me apoiar na construção do meu sonho. O mundo é perigoso não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que veem e deixam o mal ser feito. (Albert Einstein) 6 O ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS ELABORADOS PELO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA A PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL – CEREVS. MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA GASPIO Resumo: A violência sexual vivenciada por criança e adolescente é um fenômeno caracterizado como complexo, que envolve vários aspectos, sociais, psicológicos e legais, exigindo maior atenção e proteção por parte das autoridades e da sociedade em geral a este público infanto-juvenil. Este estudo busca identificar se ocorrem outras formas de violência associadas ao abuso sexual. Para isso, foram usados os dados estatísticos elaborados pelo CEREVS nos anos de 2009 e 2011, referentes aos atendimentos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa realizada por meio de levantamento bibliográfico e documental. Como resultado verificou-se que os dados analisados estão em consonância com a literatura especializada e que o abuso sexual intrafamiliar, perpetrado no contexto doméstico contra criança e adolescente, está associado a outros tipos de violências, causando a este público Infanto-Juvenil consequências psicológicas, físicas e sociais. Palavras-chave: Crianças. Adolescentes. Violência sexual. 1 INTRODUÇÃO A violência sexual intrafamiliar contra criança e adolescente é um problema social relevante, pois é considerado como um problema de saúde, sendo um fenômeno que aflige e causa vários danos, sociais, morais e de saúde à vítima. É um fenômeno que está presente na história da sociedade por longa data. O abuso sexual intrafamiliar contra criança e adolescente geralmente ocorre no seio da família, em ambiente privado, praticado na maioria das vezes por pessoas próximas e de confiança da criança ou do adolescente, com grau de parentesco, podendo ser pais, padrastos, irmãos, tios. É marcado pelo domínio do mais forte sobre o mais fraco, com as mais diversas formas de poder e nas diferentes esferas da sociedade. As crianças e adolescentes vítimas dessa prática de violência sexual sofrem com as consequências e maus-tratos dos adultos sobre elas. É notório que mesmo com as mudanças de paradigma e a mobilização da sociedade brasileira, com a evolução dos princípios morais e legais em defesa das crianças e adolescentes, os casos de abuso sexual contra criança e adolescente não deixaram de existir, sendo ainda hoje um fenômeno universal que atinge todas as idades e classes sociais, etnias, religiões e culturas, envolvendo também a questão de gênero, causando dano e sofrimento físico, sexual e emocional à vítima e a todo grupo familiar. O abuso sexual contra crianças e adolescentes é de natureza complexa, pois implica na violação dos direitos e tabus sociais envolvendo todos os membros 7 familiares, devido seu caráter coercitivo e manipulador, utilizando-se do silêncio, do poder e da dominação para se perpetuar no contexto familiar. Dessa forma, dentro da complexidade que a violência sexual se apresenta, o objetivo deste trabalho foi identificar as ocorrências de outras formas de violência à criança e adolescente que foram vítimas de abuso sexual. Para alcançar os objetivos foram analisados os dados estatísticos das demandas atendidas pelo Centro de Referência para a Proteção Integral da Criança e Adolescente – CEREVS no ano de 2009 e 2011. O interesse por este tema se deu através de estudos e debates, jornais, palestras, leituras bibliográficas e participações em seminários sobre o tema Criança e Adolescente – Seminário 20 Anos do ECA, realizados na Câmara dos Deputados. A metodologia utilizada foram as pesquisas quali-quantitativa, bibliográfica e documental. Em discussão encontrada em Minayo (2011) observa-se que a pesquisa quali-quantitativa pode ser entendida enquanto a combinação entre a estatística da pesquisa quantitativa com a busca de abordagem do mundo dos significados, enquanto parte da realidade não visível, interpretando tudo o que pode ser mensurado, classificado e analisado em números. A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base no material já elaborado, constituído principalmente por livros e artigos científicos (GIL, 2005). E a pesquisa documental assemelha-se muito a pesquisa bibliográfica. Ela se vale de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou ainda podem ser reelaborados de acordo os objetivos da pesquisa (Gil, 2005). O artigo foi dividido em 8 tópicos (contados desde introdução até as referências), considerando-se a sequencia abaixo: Iniciou-se com abordagem da família e sua organização na sociedade brasileira, sua evolução histórica e os arranjos que envolvem esta instituição na contemporaneidade; em sequência, enfatizou-se a violência contra criança e adolescente e suas tipificações; prosseguindo com a abordagem da particularidade do sobre o abuso sexual contra criança e adolescente; depois seguiu-se com o enfoque da sociedade e o Estado no processo de mobilização e enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente e por último o tópico do abuso sexual contra criança e adolescente a partir dos dados do CEREVS – 1ª VIJ e fechando com as considerações finais. 2 FAMÍLIA E SUA ORGANIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA A família em seu desenvolvimento ao longo da história sofreu grandes mudanças com a evolução e organização da sociedade. O presente estudo pretendeu inicialmente fazer uma análise da evolução e etapas em que se configurou e se estruturou as famílias brasileiras. A família em seu processo evolutivo se deparou com importantes impactos internos e mutações externas que marcaram sua história. A história da família brasileira aponta que no período colonial, por exemplo, o modelo patriarcal teve influência no processo de colonização no Brasil, representado pelo latifúndio, escravidão e uma economia agroexportadora. A historiografia assinala que o modelo patriarcal é baseado numa visão de sociedade dividida em senhores e escravos. Este modelo representa um núcleo econômico e todos os seus membros são subordinados ao patriarca. O modelo de família patriarcal foi tradicionalmente utilizado como parâmetro através do tempo e tem como referência o modelo senhorial e os clãs parentais. Era 8 definido como uma família numerosa, em que seus membros, além de um núcleo conjugal e seus filhos, também incluíam um grande número de criados, parentes, aderentes, agregados e escravos, onde todos eram submetidos ao poder absoluto do chefe do clã, que era ao mesmo tempo marido, pai, patriarca e senhor de engenho. Segundo a literatura o termo patriarcalismo designa a prática desse modelo como forma de vida própria ao patriarca, seus familiares e seus agregados. A família patriarcal configurava-se um modelo em que o homem representava o poder e o autoritarismo. A família burguesa no Brasil surgiu no período do século XIX com o advento do capitalismo, o qual ocasionou a urbanização e a industrialização. Neste período surgiram as máquinas industriais, tendo como consequência a diminuição da produção manual, ocasionando profundas transformações e mudanças na estrutura e no funcionamento das famílias. Guerra (1993) retrata que a partir do século XX, a família é restaurada em torno de sua função como unidade de consumo. A vida se torna privatizada, a família extensa cede importância à nuclear e, dentro do casamento, os papéis sexuais se tornam segregados. A mulher é objeto dessa transformação, cabendo-lhe a tarefa de transmitir culturas aos filhos através da educação, como também responsável pelos afazeres do lar e cuidar do cônjuge. O homem tinha como papel utilizar de sua força do trabalho para obter a subsistência familiar. Para Wagner (2005), tal configuração familiar começou a abrigar, aos poucos, a afetividade entre seus membros e a preocupar-se mais com o bem-estar das crianças. Em nossa sociedade ainda se pode ver essa força simbólica do modelo patriarcal e tradicional que marcaram a história da família brasileira, mesmo com o processo de transformação a que foi submetido às famílias na história da humanidade. Na atualidade percebe-se que existem famílias que conservam traços e conceitos que marcaram as famílias anteriores. Estas estruturas perpassaram a história da família e ainda evidenciam em seu contexto atual, influenciando a forma de ser e de se pensá-las na contemporaneidade. Mas, o que é pensar em família? Falar em família leva a uma reflexão de naturalização que a família foi construída na percepção de parentesco e da divisão de papéis de seus membros, sendo um grupo social concreto delimitado com sua representação cultural construída. No entanto, sabe-se que a família não é algo inerte na sociedade e modifica a sua estrutura segundo os aspectos sociais, culturais e históricos. A família em seu processo evolutivo se deparou com importantes impactos internos e mutações externas que marcaram sua história. (SARTI, 2011). Sarti (2011, p. 21) destaca que, a família, além de sofrer importantes abalos internos tem sido alvo de marcantes interferências externas. Estas dificultam sustentar a ideologia que associa a família à ideia de natureza, ao evidenciarem que os acontecimentos a ela ligados vão além de respostas biológica universais às necessidades humanas, mas configuram diferentes respostas sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres em contextos históricos específicos. Segundo Guerra (1993, p. 77), 9 a família é também um grupo social composto de indivíduos diferenciados por sexo e por idade, que se relacionam cotidianamente, gerando uma complexa e dinâmica trama de emoções; ela não é uma soma de indivíduos, mas um conjunto vivo, contraditório e cambiante de pessoas com sua própria individualidade e personalidade. Mioto (1997, p. 120) “considera que a família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos”. A família segundo essa autora “tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida” (IDEM, IBIDEM). É importante pensar que este espaço privado tem suas contradições, diferenças sociais, individualidade e autonomia de seus membros que são reflexos de condições históricas e culturais da evolução da família. Good (1964), assinala que a família, então, é constituída de indivíduos, mas ao mesmo tempo é parte integrante da trama social. Uma sociedade se organiza através das relações sociais dos seus atores, indivíduos que se interagem através de papeis sociais no qual assumem status sociais como pai, mãe, filho etc. Cada um desses atores exerce comportamentos e relações sociais distintas em seu meio social. Mioto (1997) enfatiza que a família brasileira hoje apresenta mudanças significativas em todos os seguimentos da população, mudanças essas decorrentes do processo de modernização da sociedade na segunda metade do século XX. Tal processo gerou um novo padrão demográfico na realidade brasileira. Esta autora elenca algumas configurações da família dos anos 90 de acordo com o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio-IBGE, 1994). 1Número de filhos reduzidos; 2Concentração da vida reprodutiva das mulheres nas idades mais jovens; 3Aumento da concepção em idade precoce; 4Aumento da co-habitação e da união consensual. Este aspecto tem como consequência o fato de a co-habitação não ser mais considerado como sinal de pobreza; 5Predomínio das famílias nucleares (pai, mãe, filhos); 6Aumento significativo das famílias monoparentais, com predominância das mulheres chefes da casa; 7Aumento das famílias recompostas. Este fato é consequência do aumento de separações e dos divórcios nos últimos anos; 8População proporcionalmente mais velha. A família contemporânea está ancorada na privacidade. O número de integrantes que compõe este modelo familiar foram limitados e seus espaços e relações afetivas sofreram transformações e restrições. Para Freitas (2011), pensar a família contemporânea significa ter como horizonte em que se vive, um mundo cada vez mais globalizado. A autora ainda acrescenta que as transformações demográficas constituem-se de um outro fator indispensável para pensar família hoje. A sociedade em seu processo de mutação ocasionou vários arranjos e rearranjos nas entidades familiares. Se partido dos pressupostos de que a sociedade está em constante mutação, ocasionada com o advento da globalização e 10 o avanço tecnológico, compreende-se também o motivo pelo qual a família é reflexo dessas mudanças. Freitas (2011, p.26) assinala que, a legislação sobre família mudou: o casamento não é mais o único mecanismo de reconhecimento legal das relações familiares. Nossa constituição prevê como famílias a comunidade formada por qualquer um dos cônjuges e seus descendentes (artigo 226). O reconhecimento se dá pela união formada pelo casamento, a união estável entre um homem e uma mulher, incluindo ainda a possibilidade da família monoparental. Hoje se tem as mais variadas formas e tipos de organização familiar. Hoje é formada por casais sem filhos, monoparentais chefiadas por mulheres, famílias extensas dividindo a mesma casa; outras são formadas por segundas uniões, nas quais pelo menos um dos cônjuges pode ser proveniente de separação e divórcios. Freitas (2011) acrescenta que o reconhecimento de casais composto por pessoas do mesmo sexo traz outro elemento inovador na definição de famílias modernas. Nesta análise percebe-se a multiplicidade da organização familiar contemporânea. Diante dessas mudanças, o contexto familiar gera novas relações de poder e inter-relações, com suas diversidades e dificuldades, a qual envolve seus membros pai, mãe e filhos. Na contemporaneidade ainda é permeada por um fator devastador que envolve as famílias brasileiras: A violência contra a criança e adolescente, nas suas mais variadas formas e casualidades. A violência sexual, as quais estão inseridas o abuso sexual intrafamiliar e a exploração sexual são fenômenos que permeiam as famílias brasileiras nas mais variadas classes sociais da atualidade. Este estudo não abordou a exploração sexual, pois o foco de abordagem é o abuso sexual intrafamiliar contra criança e o adolescente. 3 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE E SUAS TIPIFICAÇÕES A história nos aponta que a violência contra criança e adolescente é um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento. Segundo a literatura especializada é uma forma de relação social, estando atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. A literatura indica que violência é uma expressão que envolve padrões sociais, modo de vida, comportamentos atuais de uma sociedade em um determinado processo histórico e se expressa nas relações entre classes sociais, nas relações interpessoais e nas relações intersubjetivas. A violência é a negação dos valores universais presentes em uma sociedade, do direito à liberdade, da igualdade e da vida (ADORNO, 1988 apud GUERRA, 2011, p. 31). O objetivo deste trabalho foi adentrar nos conceitos e nas multifacetadas formas de violência contra criança e adolescente, aprofundando sobre o abuso sexual à criança e ao adolescente. A criança e adolescente vítima de violência se encontram em situação de risco pessoal e social, seja por transgressão ou omissão dos seus direitos básicos, por aqueles que deveriam proteger e cuidar: a família, a sociedade e o Estado. A violência doméstica presente em todas classes sociais é uma violência de natureza interpessoal. A criança ou adolescente sente-se coagido ao poder do adulto para satisfazer suas vontades num pacto de silêncio. 11 Guerra (2011, p.32) destaca que, a violência doméstica contra criança e adolescente representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado uma transgressão de poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratadas como sujeitos e pessoas peculiar de desenvolvimento. Segundo Guerra (2011), a violência doméstica se divide em cinco tipos: a física, psicológica, a negligência, a violência estrutural e a sexual. A violência física segundo Gelles (1979 apud Azevedo 2011, p. 35), é considerada como um ato executado com intenção, ou intenção percebida, de causar dano físico a outra pessoa. O dano físico pode ir desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa até o assassinato. A motivação para este ato pode ir desde uma preocupação com a segurança da criança (quando ela é espancada por ter ido para a rua) até uma hostilidade tão intensa que a morte da criança é desejada. Esta violência se manifesta de várias formas no ambiente privado ou público, no qual a criança e o adolescente no seu cotidiano são objetos de agressões por parte daqueles que deveriam cuidar e zelar do seu bem estar. Se expressa através de tapas, empurrões, socos, mordidas, queimaduras, cortes, amarras, dentre outros. Esta violência não só causa danos, mas também dor física. A violência psicológica tem em sua ação o poder de causar danos (BRASIL, 2001, p. 20). Esta violência se expressa com atitudes e condutas que ameaçam ou causam medo à criança e ao adolescente, sendo frustrações, ameaças verbais com conteúdo violento e emocional, rejeição, preconizando a humilhação pública através de apelidos depreciativos, negando à criança seu reconhecimento como sujeito de direito. Azevedo (2011) designa a violência psicológica como tortura psicológica que ocorre quando um adulto constantemente deprecia a criança, bloqueiando seus esforços de auto aceitação, causando-lhe grande sofrimento mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa representando formas de sofrimento psicológico. Já a negligência se caracteriza pela omissão ao prover as necessidades físicas e emocionais para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente, considerada como falhas de pais ou responsáveis no tocante à alimentação, no vestir adequadamente e no bem estar dos mesmos. Faleiros e Faleiros (2008, p. 33) consideram que, a negligência é um tipo de relação entre adultos e crianças ou adolescentes baseada na omissão, na rejeição, no descaso, na indiferença, no descompromisso, no desinteresse, na negação da existência. Dados estatísticos de serviços de proteção e assistência a crianças e adolescentes, disque-denúncia e SOS vêm revelando que a negligência é uma das formas de violência mais frequente. A violência estrutural é reflexo da sociedade capitalista neoliberal, que produz a desigualdade estrutural e o consumismo como ideologia, ocasionando desemprego, miséria e opressão à maioria da população que está mais vulnerável a este sistema opressor. Esta violência se relaciona e articula com outras violências Segundo Minayo (1994, p. 8), entende-se como violência estrutural 12 aquela que oferece um marco à violência do comportamento e se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionais da família como os sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos, classes, nações e indivíduos. Por fim, a violência sexual contra criança e adolescente, foco deste estudo, produz marcas profundas nas vidas e no cotidiano das vítimas. Para Azevedo e Guerra (2011, p. 33) a violência sexual se configura como todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adulto e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. A violência sexual contra criança e adolescente é um fenômeno complexo, que envolve vários aspectos: Político, econômico, social, entre outros, nas relações sociais e interpessoais e produz destruições nas vítimas, independentemente da idade, etnia, cor, religião ou gênero. De acordo com Faleiros (2000, p.17) A violência sexual contra crianças e adolescentes sempre se manifestou em todas as classes sociais de forma articulada ao nível de desenvolvimento civilizatório da sociedade, relacionando-se com a concepção de sexualidade humana, compreensão sobre as relações de gênero, posição da criança e o papel das famílias no interior das estruturas sociais e familiares. Desta forma, devemos entendê-la em seu contexto histórico, econômico, cultural e ético. A violência sexual se caracteriza como uma relação de poder que não faz parte da natureza humana, mas é cultural e se desenvolve e dissemina nas relações sociais, interpessoais e em todas as camadas sociais. É um tabu em nossa sociedade, protegida pelo silêncio e laços familiares de tradições conservadoras. Faleiros e Faleiros (2008, p. 29) definem como uma relação violenta por ser desigual, estruturando-se num processo de dominação, através do qual o dominador, utilizando-se de coação e agressões, faz do dominado um objeto para seus “ganhos”. A relação violenta nega os direitos do dominado e desestrutura sua identidade. Nos últimos anos a violência sexual contra criança e adolescente tem adquirido visibilidade e passou a ser discutida em diversos setores de nossa sociedade. Também é considerada uma expressão que atinge várias camadas sociais independente de culturas, raças, religião, gêneros e etnias, podendo acontecer em diferentes lugares do mundo. Esta ação considerada como relação social está configurada na maneira como o ser humano produz e reproduz suas relações em sociedade. Faleiros (2005, p.111) destaca: Na manifestação da violência sexual estão implicadas tanto as dimensões do poder intrafamiliar, do contexto social e cultural como a dimensão do (ab) uso ou manifestação da sexualidade humana nessas relações. Expressão da violência física está inserida na lógica da obediência, de obrigar o outro a fazer aquilo que o mais forte determina. A violência expressa uma ameaça à integridade do outro, uma negação do outro, uma imposição de si e de seu poder ao outro. 13 A prática da violência sexual viola as regras sociais e os papéis familiares, desrespeitando o desenvolvimento emocional, físico e social da vítima. A criança e adolescente “vitimizado” pela violência sexual, sofre nas suas relações familiares ou extra-familiares, nos mais diversos contextos e fases de suas vidas, como será apresentado posteriormente. 4 O ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE – ASPECTOS PECULIARES QUE ENVOLVEM ESTA PROBLEMÁTICA NA ATUALIDADE O mundo globalizado e o avanço tecnológico trazem tendências na sociedade atual – a produção de pessoas cada vez mais individualizadas, menos humanizadas, vivendo uma política ideológica consumista, neoliberal, onde os valores e a dignidade humana são violentados, atingindo e trazendo prejuízos a crianças e adolescentes, na sua condição peculiar como pessoas em desenvolvimento. Este capítulo objetivou examinar o abuso sexual contra criança e adolescente no que tange sua definição e particularidade, sua natureza e as taxas de incidências. Para este estudo utilizou-se a definição de criança e adolescente nos termos da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e adolescente (ECA) art. 2º – que considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O abuso sexual contra criança e adolescente, violência que está presente na atualidade nos mais diversos contextos familiares, tem sido considerado um problema de saúde pública em vários países, inclusive no Brasil. As vítimas do abuso sexual são crianças e adolescentes de ambos os sexos, sendo um número maior de casos registrados com meninas. Segundo Sanderson (2005), o abuso sexual é de natureza social, tendo em vista que é influenciado de maneira intensa pela cultura e pelo tempo histórico. Esse autor define o abuso sexual como O envolvimento de criança e adolescentes em atividades sexuais com um adulto ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, em que haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto sexual para a gratificação das necessidades ou dos desejos, para a qual ela é incapaz de dar um consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder, ou de qualquer incapacidade mental ou física. (SANDERSON 2005, p.17). O autor destaca nesta definição elementos cruciais como: Diferença de idade entre o agressor e a vítima; a desigualdade na relação; a impossibilidade da criança se defender; o desejo sexual que é só do adulto e as relações violentas no âmbito social e familiar, que são elementos que estampam a situação da violência sexual contra criança e adolescente, tornando-os como objetos “coisificados” de prazer sexual. Para Sanderson (2005, p.17) incorporado a esta definição estão todos os tipos de encontro sexuais e comportamentos que abrangem aliciamento sexual, linguagem ou gestos sexualmente sugestivos, uso de pornografia, voyeuarismo, exibicionismo, carícias, masturbações e penetração com dedos ou pênis. Ela inclui quaisquer atos sexuais impostos à criança ou ao adolescente por qualquer pessoa dentro do âmbito da família, ou fora dela, que abuse de sua posição de poder e confiança. 14 A literatura aponta que o abuso sexual em crianças tem um imenso impacto tanto a curto como em longo prazo, pois não causam apenas danos no corpo, mas também na mente. Os estudos apontam que os impactos nas crianças e adolescentes ocasionados pelo abuso sexual, são influenciados pela idade na época do abuso, a duração e a frequência do abuso sexual, tipos de atos sexuais, o uso da força ou da violência, o relacionamento da criança com o abusador, a idade e o sexo do abusador e os efeitos da revelação. As modalidades quais se expressam o abuso sexual contra criança e adolescente são: intrafamiliar, extrafamiliar e o abuso sexual em instituições de atendimento à criança e ao adolescente. A violência do abuso sexual contra criança e adolescente pode ser intrafamiliar, quando ocorre no contexto privado, tendo caráter social por violar os direitos humanos básicos e a dignidade da criança e adolescente como sujeito de direito de decidir por sua sexualidade que ainda está em desenvolvimento. A diferença entre o abuso intrafamiliar e o extrafamiliar está na relação social. O primeiro ocorre com laços de parentescos (alguém da família) e o segundo se passa com vizinhos, amigos da família, educadores, responsáveis por lazer, etc. Ambos têm como características alguém que a criança conhece e confia. O abuso sexual em instituições de atendimento à criança e ao adolescente ocorre dentro das instituições governamentais e não governamentais encarregadas de prover, proteger, defender, cuidar deles e lhes aplicar medidas sócioeducativas e que dispensem atendimento psicossocial, educacional, saúde e outros espaços de socialização. (GUIA ESCOLAR, p. 37). O abuso sexual intrafamiliar é considerado como incestuoso quando ocorre o abuso de pai ou mãe contra filho, entre irmãos e outros familiares com laços de parentesco que possuem a interdição do matrimônio. Como destaca Faleiros (2011), em muitos casos, as pessoas que praticam o incesto mesmo sabendo de sua interdição, possuem uma visão peculiar a respeito da questão. Cohen (1993) define o incesto como um abuso sexual intrafamiliar com ou sem violência explícita, caracterizado pela estimulação sexual intencional por parte de algum dos membros do grupo que possui um vínculo parental pelo qual lhe é proibido o matrimônio. Portanto, as características do incesto são: o abuso sexual e o vínculo familiar. A literatura registra que a maior recorrência da prática do abuso sexual, acontece entre pai e filha, padrasto e enteada ou irmão e irmã. Geralmente o autor do abuso são pessoas que a criança ama e/ou confia. O abusador quase sempre possui uma relação de parentesco com a vítima e tem certo poder sobre ela, tanto do ponto de vista hierárquico e econômico (pai, mãe, padrasto), como do ponto de vista afetivo (avós, tios, primos e irmãos). O abuso sexual contra criança e adolescente é de natureza complexa, pois implica na violação dos direitos e tabus sociais. É um assunto perturbador, que causa desconforto em todos os membros familiares. Estudos revelam que em virtude da preponderância do caráter intrafamiliar, bem como pelo domínio e poder de coação do agressor sobre as vítimas, os casos que envolvem tais práticas, são pouco denunciados. Cohen (1993) acredita que o silêncio frente à sociedade ocorra por vários motivos: temor pela reação da própria família; para manter a aparência de “sagrada família”; por conivência entre as pessoas que sabem do fato e não o denunciam; por uma ideia de que nada pode ser feito para resolvê-lo; por ser um assunto de tabu; por não se saber o que fazer. 15 Hamon (1997, p. 178) pontua que o segredo da relação incestuosa encerra várias peculiaridades: a) É um segredo que implica a violação da lei num triplo nível simbólico, moral e social (jurídico); b) É um segredo forçosamente partilhado, pois uma revelação sexual implica por definição duas pessoas; c) É um segredo partilhado, mas impingido por um dos protagonistas, a saber, o pai, com relações sexuais impostas pela violência ou não. A criança ou adolescente vítima do abuso sexual se sente coagida, regada pelo medo e as ameaças do abusador, culpando-a das possíveis consequências que a família tende a sofrer com a revelação. Estudos apontam que o abuso sexual pode produzir vários tipos de comportamento na vítima abusada, que carrega consigo a culpa por ter participado de experiências abusivas e medo das consequências da revelação dentro da família, temendo o castigo, o descrédito, mantendo a omissão do abuso de forma consciente. Sanderson (2005, p. 237), salienta o poder que o abusador tem sobre a criança para silenciá-la: “mesmo conseguindo o silêncio por meio de ameaças de violência e/ou de morte, ou envolvendo a criança em atividades criminosas, o mais comum é que esse silêncio seja alcançado por meio da manipulação da realidade e de suas emoções”. Outras situações para manter o segredo do abuso sexual no seio da família implicam na relação da vítima com abusador que caracteriza por vínculo afetivo e um forte apego pelo abusador, que é uma pessoa da família que ama e confia. Estes fatores possibilitam a não revelação e o silêncio levando estas vítimas do abuso sexual intrafamiliar a negarem ou omitirem o sofrimento vivenciado. As crianças e adolescentes em situação de abuso sexual se deparam com várias mudanças e prejuízos em suas vidas. A revelação da violência sexual muda às condições de sobrevivência, a relação social. A condição financeira se altera quando o agressor é o provedor (pai), pois é submetido ao sistema de justiça e afastado do grupo familiar. A literatura aponta que essa situação é um paradoxo, pois após a denúncia e o afastamento da pessoa que se constituía um perigo para a segurança da criança, a família pode ampliar uma situação de vulnerabilidade. Segundo Faleiros e Faleiros (2001), as famílias as quais perpetram o abuso sexual assumem posição de negação e silêncio, mantidos por familiares, amigos, vizinhos, comunidades, profissionais e outros, que a encobertam, desqualificando revelações verbais e não verbais das vítimas, negando evidências e sinais, em nome de fidelidades, interesses de diversas ordens, além de medo, sigilos profissionais e de justiça. O abuso sexual é permeado de efeitos e manipulações, produzindo várias consequências, pois envolve todos os membros familiares. Estudos mostram que a criança e o adolescente vítima do abuso sexual tem dificuldades em seu cotidiano de se relacionar com as pessoas, comportamento sexual inadequado com brinquedos e objetos, são isoladas e retraídas, são silenciosas e cheias de segredos, tem mudanças de personalidades, apresenta sinas físicos, como dor e feridas sem explicação nos genitais, vergonha, alto nível de ansiedade, tristeza profunda, agressividade, instabilidade emocional, confusão de sentimento em relação à figura agressora (medo e ódio), regressão no desenvolvimento escolar, envolvimento com drogas e dependência do álcool, culpa, medo, constrangimento, 16 afastamento do convívio social, raiva, hostilidade e falta de poder, etc. (SANDERSON, 2005). Consideram-se fatores de riscos em situação de abuso sexual - Famílias baseadas numa distribuição desigual de autoridade e poder, conforme papéis de gênero, sociais ou sexuais, idade, etc., atribuídos a seus membros. - Famílias cujas relações são centradas em papéis e funções rigidamente definidos - famílias em que não há nenhuma diferenciação de papéis, levando ao apagamento de limites entre seus membros. - famílias com nível de tensão permanente, que se manifesta através da dificuldade de diálogo e descontrole da agressividade. - famílias com estrutura de funcionamento fechada, onde não há abertura para contatos externos, levando a padrões repetitivos de conduta. - famílias que se encontram em situação de crise, perdas (separação do casal, desemprego, morte, migração e outros). - baixo nível de desenvolvimento da autonomia dos membros da família - presença de um modelo familiar violento na história de origem das pessoas envolvidas (maus-tratos, abuso na infância e abandono). - maior incidência de abuso de drogas - história de antecedentes criminais ou uso de armas. - comprometimento psicológico/psiquiátrico dos indivíduos - dependência econômica/emocional e baixa autoestima da parte de alguns de seus membros, levando à impotência e/ou fracasso em lidar com a situação de violência. (BRASIL, 2001, p. 23). 5 A SOCIEDADE E O ESTADO NO PROCESSO DE MOBILIZAÇÃO E ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE O objetivo desse capítulo foi identificar a mobilização da sociedade e do Estado na implementação dos direitos da criança e do adolescente no Brasil no que confere ao enfrentamento e combate à violência sexual contra criança e adolescente. A literatura mostra que para a afirmação do Direito do Menor dois episódios internacionais foram fundamentais: O Congresso Internacional de Menores, em Paris em 29 de junho a 01 de julho de 1911 e a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, que foi adotada pela Liga das Nações em 1924, constituindo-se o primeiro instrumento internacional que reconhecia o Direito da Criança. No Brasil a Lei 4.242 de 05 de janeiro de 1921 em seu art. 3º, autorizava o governo a organizar o “serviço de assistência infância abandonada e delinquente”. O Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927 estabelecia o primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como código de Mello Mattos, que consolidou as leis de assistência e proteção aos menores. Instrumento de proteção e vigilância da infância e adolescência, vítima da omissão e transgressão da família, em seus direitos básicos. A visão que se tinha do Menor se concebia em abandonado ou delinquência, objeto de vigilância da autoridade pública, competência do juiz. Estudos indicam que em 1943 foi formada uma comissão revisora do código de menores, criando o Departamento Nacional da Criança. A intenção era criar um Código de Menores com caráter social. A década de 1940 foi marcada pelo processo de macha pelos Direitos Humanos, destacando-se em 1948 a Declaração dos Direitos do Homem – ONU. Em 1958 a ONU cria a Declaração dos Direitos da 17 Criança, ratificada pelo Brasil, que constituiu um marco fundamental para o ordenamento jurídico internacional relativo aos direitos da criança, evoluiu na década de 1980 para a formulação da Doutrina da Proteção Integral a criança e adolescente. A Lei 6.697 de 10 de outubro de 1979 estabelece o novo Código de Menores, consagrando a Doutrina da Situação Irregular, tendo como caráter tutelar da legislação a ideia de criminalização da pobreza. Este código de 1979 se destinava as crianças e adolescentes considerados em situação irregular, era um instrumento de controle social da infância e da adolescência vítima da omissão e transgressão da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. Essa doutrina não fazia distinção entre “menor” abandonado e delinquente, pois na condição de “menores” em situação irregular enquadravam-se tanto os infratores quanto os abandonados. E ocorria nessa época violações de direitos a esse público, a criminalização da pobreza e a judicialização da questão social na ótica do Direito do Menor. Os avanços da abertura política no Brasil nos anos de 1980 foram marcados com vários movimentos de diferentes seguimentos para denunciar as violações de direitos que eram cometidas contra as crianças e adolescentes. Este avanço político através de movimento da sociedade civil questionava o tratamento dado às crianças em situação irregular e as frequentes internações determinadas pelos Juizados de menores. Estas denúncias eram a forma de dar visibilidade à problemática que crianças pobres não tinham sequer direito à infância. O período que antecedeu a Constituição Federação de 1988 (CF/88), denominada “Constituição Cidadã”, promulgada em 05 de outubro de 1988, foi muito importante e determinante no tocante as mudanças de paradigmas na área da garantia de direitos das crianças e adolescentes. Esta constituição introduziu em seu texto à Doutrina de Proteção Integral dos direitos da criança e do adolescente com absoluta prioridade. Estudos revelam que o Brasil foi o primeiro país a adequar sua legislação com a Doutrina de Proteção Integral, preconizada pela ONU através da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 preconiza a importância ao enfrentamento a toda forma de violência contra criança e adolescente no qual estabelece: Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069 de 13/07/1990) é um instrumento que materializou e regulamentou a Doutrina de Proteção Integral. Um dos pontos fundamentais deste Estatuto é que ele rompe com os paradigmas do Código de Menores de 1979 da Doutrina de Situação Irregular, criando condições dignas e liberdade de expressão e de direito para as crianças e adolescentes. O seu artigo 3º preconiza o Direito da Proteção Integral a criança e adolescente e a efetivação dos direitos fundamentais que passam a ser de toda a infância e adolescência e não apenas dos que se encontram em situação irregular. Na década de 1990 a violência sexual começou a ter expressão política, sendo uma luta nacional e internacional na busca e efetivação dos direitos humanos 18 conforme preconizados na Constituição Federal Brasileira de 1998. Santos e Ippolito (2004, p. 11) pontuam: Foi nessa mesma década que se assegurou juridicamente à infância brasileira a condição de sujeito de direito, ao mesmo tempo em que se desvelou a dificuldade de garantir um ambiente justo e protetor para um desenvolvimento integral e integrado. No contexto histórico-social de violência endêmica, no qual se insere a violência sexual, prevalece uma cultura de dominação e de discriminação social, econômica, de gênero e de raça. O novo paradigma de uma sociedade de direito rompe com padrões antigos, exige a construção de uma nova cultura de proteção e respeito aos direitos humanos da criança e do adolescente, implica tecer relações de trocas afetivas e de aprendizagem, coibir abusos, enfrentar ameaças, proteger os vulneráveis e as testemunhas e responsabilizar os agressores. No início do ano 1991 o Brasil aprova a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que representou significativos avanços para o enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente. Em 2000 cria-se o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil. Este plano foi construído através de muitas lutas e um amplo processo de mobilização social. O encontro nacional realizado em Natal-RN, em 2000, foi fundamental para a elaboração desse Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Infanto-Juvenil. Com a criação do Plano Nacional o Brasil vivencia grandes avanços importantes no reconhecimento e enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente. Segundo Santos (2004, p. 99), o Plano foi apresentado, discutido, e aprovado na Assembleia Ordinária do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA, em 12 de julho de 2000. A partir desse momento, tornaram-se diretrizes de enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente no âmbito das políticas públicas e sociais. A criação do Plano Nacional proporcionou ao Brasil grandes e importantes avanços no reconhecimento e enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente. O plano serviu como referência para organizações não governamentais, especialmente no âmbito da mobilização social e do monitoramento de políticas na perspectiva de formulação e efetiva implementação de ações nesta área por parte das esferas estatais. (CONANDA, 2013). O Plano Nacional tem como embasamento fundamental o Estatuto da Criança e do Adolescente e também como diretriz os princípios da proteção integral da criança e adolescente, da sua condição de sujeito de direito e de pessoa em desenvolvimento como também a prioridade absoluta da criança e adolescente. Estudos nos mostram que o Plano Nacional em 2000, tornou-se referência e ofereceu uma síntese metodológica para a estruturação de políticas, programas e serviços para o enfrentamento à violência sexual, a partir de seis eixos estratégicos: Análise da Situação, Mobilização e Articulação, Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção, Protagonismo Infanto-juvenil. Em 2008, o Brasil sediou o III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Este Congresso possibilitou várias discussões que alertaram sobre a necessidade de atualização e revisão do Plano Nacional, principalmente no que diz respeito ao aparecimento de novas formas de 19 violência sexual. Em 2010, o Brasil produziu o Plano Decenal de Direitos Humanos de Criança e Adolescente, no âmbito do Conanda. O Plano Nacional em seu processo de revisão teve como coordenadores do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, a Coordenação do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Secretaria de Direitos Humanos/PR. Nesta perspectiva, houve um amplo e detalhado processo de mobilização e debates devido às várias diversidades das regiões brasileiras. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescente, segundo o CONANDA, tem interface direta com as diretrizes do Plano Decenal dos Direitos de Criança e Adolescentes. Destacando-se as seguintes diretrizes: Eixo 1 - Promoção dos Direitos de criança e Adolescente; Eixo 2 Proteção e Defesa dos Direitos; Eixo 3 – Protagonismo e Participação de Criança e Adolescente; Eixo 4 – Gestão da Política Nacional dos Direitos Humanos de Criança e Adolescentes. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Criança e Adolescente tornou-se referência e ofereceu uma síntese metodológica para a estruturação de políticas, programas e serviços para o enfrentamento à violência sexual, estabelecendo seis eixos: Análise da Situação – conhecer o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes por meio de diagnósticos, levantamento de dados, pesquisas. Mobilização e Articulação – fortalecer as articulações nacionais, regionais e locais de combate e pela eliminação da violência sexual; envolve redes, fóruns, comissões, conselhos e etc. Defesa e Responsabilização – atualizar a legislação sobre crimes sexuais, combater a impunidade, disponibilizar serviços de notificação e responsabilização qualificados. Atendimento - garantir o atendimento especializado, e em rede, às crianças e aos adolescentes em situação de violência sexual e às suas famílias, realizado por profissionais especializados e capacitados. Prevenção - assegurar ações preventivas contra a violência sexual. Ações de educação, sensibilização e de autodefesa. Protagonismo Infanto-juvenil – promover a participação ativa de crianças e adolescentes pela defesa de seus direitos e na execução de políticas de proteção de seus direitos. (COMITÊ NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES et al., 2013, p. 8-9). A política de enfrentamento e combate à violência no Brasil obteve alguns avanços com a mobilização e pressão de alguns seguimentos da sociedade civil. Mas ainda são grandes os desafios para profissionais do Estado e da Sociedade em geral para combater a prática da violência sexual contra criança e adolescente. Embora os direitos humanos fundamentais das crianças e dos adolescentes estejam definidos em declarações universais, acordos internacionais e legislações nacionais, no Brasil, verifica-se que esses direitos estão longe de serem garantidos (FALEIROS E FALEIROS, 2001). Mesmo com as políticas de enfrentamento vigentes percebe-se dificuldades na proteção e prevenção da violência sexual praticada contra crianças e adolescentes. Entre elas aponta-se a contribuição de Faleiros e Faleiros (2001), que aborda que o combate e o desmonte da violência sexual implicam a 20 responsabilização legal dos abusadores, a denúncia, a instauração do devido processo e julgamento. Para o autor a legislação vigente é limitada e desatualizada quanto aos crimes de violência sexual contra criança e adolescente, como também há uma lentidão na justiça. A sociedade age com tolerância e a impunidade dificulta a responsabilização dos culpados e isso contribui para a violação dos direitos da criança e adolescente. Quanto ao Direito Penal, em maio de 2014, o Brasil deu mais um passo decisivo para o enfrentamento do Abuso sexual e exploração sexual contra criança e adolescente, quando caracteriza como crime hediondo toda forma de abuso sexual e exploração sexual, segundo Borges (2014, p. 1). Faleiros e Faleiros (2001) sinalizam que o abuso sexual perpetrado contra criança e adolescente é uma transgressão da lei, uma violação de direitos e da cidadania, um crime, pelo qual o autor deve ser julgado e responder socialmente perante a justiça. As políticas de enfrentamento estão alcançando marco legal para a condenação pelo crime do abuso sexual e exploração cometidos pelo agressor, caracterizando-se como hediondo. Segundo a criminologia estes são entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão à sociedade e não comportam favorecimento como fiança, graça e anistia. Esse entendimento é importante na luta contra as atrocidades cometidas contra as crianças e adolescentes. A sociedade e o Estado tem como responsabilidade denunciar esta prática que destrói vidas e famílias, combatendo a violência sexual, no sentido que, no momento que houver a situação de suspeita, acionar uma das instituições que atuam na investigação, diagnóstico, enfrentamento e atendimento à vítima e suas famílias: Conselhos Tutelares, Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), Promotoria de Justiça de defesa da Infância e da Juventude (PJDIJ), 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ªVIJ) , Disque 100 ou 156. 6 O ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE A PARTIR DOS DADOS DO CEREVS – 1ª VIJ-TJDFT A Vara da Infância e da Juventude, com jurisdição em todo o Distrito Federal, tem como instrumento norteador de seu trabalho o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Por meio de suas equipes administrativa, jurídica e técnica, a Vara da Infância e Juventude/DF, promove a resolução de conflitos e a regularização de situações que envolvam os interesses infanto-juvenis, buscando também parcerias com entidades diversas, a fim de possibilitar o atendimento mais completo e humano de seus usuários. Dentre os aparatos que compõem a Vara da Infância e Juventude, destaca-se o Centro de Referência para Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual – CEREVS, cujos dados estatísticos de atendimento serviram para subsidiar esta pesquisa. O CEREVS tem como objetivo principal realizar estudos psicossociais com as famílias cujas crianças ou adolescentes encontram-se em situação de risco e/ou tiveram o direito ao desenvolvimento sexual saudável, à liberdade e à dignidade violados por terem sido vítimas de abuso sexual. Os estudos são feitos por meio de 21 atendimentos que objetivam ampliar a compreensão de cada caso em particular, promover pequenas intervenções para mudanças no ciclo da violência e, ao final, oferecer subsídios ao Magistrado para uma intervenção que vise à proteção integral das crianças e adolescentes vítimas. O CEREVS dispõe-se a promover a articulação das instituições que compõem a rede de atenção à criança e ao adolescente, governamentais ou da sociedade civil, realizando um trabalho de parceria para a vinculação das famílias aos serviços que possam garantir que crianças, adolescentes e familiares que tenham seus direitos violados possam ser resgatados bem como favorecer as condições de proteção das famílias. O CEREVS não atende demanda espontânea, só faz estudos e atendimentos mediante determinação judicial. A fim de conseguir alcançar o objetivo deste estudo, foi enviado um ofício para o Juiz da 1ª VIJ, solicitando a autorização para acesso aos dados estatísticos elaborados pelo CEREVS. Após a autorização judicial, realizou-se um encontro com a assistente social do CEREVS, ocasião em que foi apresentado o objetivo da pesquisa, e posteriormente, fornecidos os dados estatísticos que fundamentam este estudo. A pesquisa realizada foi quali-quantitativa feita por meio de análises de dados e documentos. O estudo aponta que a violência sexual se apresenta numa dinâmica complexa, pois envolvem laços consanguíneos, aspectos psicológicos, sociais e legais. Observou-se que no ano de 2009 foram realizados 123 atendimentos pelo CEREVS e no ano de 2011, 46 atendimentos. O perfil dos casos estudados e apresentados verificou-se que em relação ao sexo da vítima: Tabela 1 - Gênero da Vítima 2009. Ano de 2009 Masculino Ano de 2009 Feminino TOTAL FREQUÊNCIA 35 138 173 % 20% 80% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Tabela 2 - Gênero da Vítima 2011. Ano de 2011 Masculino Ano de 2011 Feminino TOTAL FREQUENCIA 7 39 46 % 15% 85% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). Os dados de atendimentos do CEREVS, tanto em 2009 quanto em 2011, demonstram que a maioria das vítimas de abuso sexual são do sexo feminino. As tabelas abaixo apresentam natureza da violência. Tabela 3 - Natureza da Violência – 2009. Extrafamiliar Intrafamiliar Exploração Sex. Comercial TOTAL 22 42 130 1 173 24% 75% 1% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Tabela 4 - Natureza da Violência – 2011. Extrafamiliar 6 13% Exploração Sex. Comercial 0 0% Intrafamiliar 40 87% TOTAL 46 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). Estes dados demonstram que a maior ocorrência do abuso sexual é na modalidade intrafamiliar. A literatura aponta que o abuso sexual intrafamiliar ocorre em maior amplitude. Nesta modalidade de abuso a vítima possui grau de confiança e afinidade com o abusador, pois ele ocorre nas relações com laços consanguíneos, afetivos e de confiança (pai, irmão, padrasto, entre outros) tendo caráter social por violar os direitos humanos básicos e a dignidade da criança e adolescente. Em relação as consequências da violência sexual para a vítima, os dados apontados pelo CEREVES apontam: Tabela 5 - Consequências da Violência Sexual – 2009. Não foram observadas Sem Interaciona Desenvolviment Consequência informaçã l o Sexual s o TOTA L Físic a Emociona l 29 135 46 6 16 2 234 12% 58% 20% 3% 7% 1% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Física Tabela 6 - Consequências da Violência Sexual – 2009. Não foram Desenvolvimento observadas Emocional Interacional Sexual Consequências TOTAL 8 41 18 11 5 83 10% 49% 22% 13% 6% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). As análises dos dados de 2009 e 2011 demonstram a prevalência das consequências decorrentes da violência sexual para as vítimas é de ordem emocional sexual. Verificou-se também que ocorrem outras consequências para as vítimas de abuso sexual, tais como: dificuldade de se relacionar socialmente (interacional) e consequências físicas e no desenvolvimento sexual. Em uma porcentagem mínima das vítimas de abuso sexual não foram observadas consequências pela equipe do CEREVS. 23 Concernente ao item outras violências associadas à violência sexual, segue tabelas: Tabela 7 - Outras violências associadas à violência sexual – 2009. Física 61 23% Psicológica 88 33% Negligência 40 15% Institucional 7 3% Socioeconômica 25 9% Sem Viol. Associada 39 15% Sem informação 4 2% TOTAL 264 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Tabela 8 - Outras violências associadas à violência sexual – 2011. Física 14 17% Socioeconômica 10 12% Psicológica 35 42% Sem Viol. Associada 8 10% Negligência 12 14% Institucional 4 5% TOTAL 83 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). O estudo mostra a presença de outras violências associadas à violência sexual: A psicológica que se apresenta em primeiro lugar, isso evidencia o que foi explicitado na literatura especializada; o medo, a vergonha, a ansiedade, a falta de poder, raiva, hostilidade, impotência, agressividade e a violência física vem segundo lugar. Também foram observadas a ocorrência de negligência, violência socioeconômica e violência institucional. Um número minoritário de vítimas de abuso sexual não tiveram outras violências associadas, sendo 15% das vítimas em 2009 e 10% em 2011. Os dados demonstram então, que a maior parte dos abusos sexuais ocorridos são acompanhados por outras formas de violência. Sobre a recorrência do abuso sexual, apresentaram-se os dados abaixo: Tabela 9 – Recorrência do Abuso Sexual, dados de 2009. Episódio único 51 29% Episódio Eventual (2 a 3 vezes) 22 12% Episódio recorrente (mais de três vezes) 100 57% TOTAL 24 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). 24 Tabela 10 – Recorrência do Abuso Sexual, dados de 2011. Episódio único Episódio Eventual (2 a 3 vezes) Episódio recorrente (mais de três vezes) TOTAL 13 8 25 46 28% 17% 54% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). Os dados demonstram a dificuldade de se romper com o abuso sexual, sendo que a maior parte das vítimas estão inseridas na categoria de episódio recorrentes, ou seja, foram abusadas sexualmente por mais de três vezes. Sobre o local em que foi perpetrada a violência sexual tem-se a prevalência da residência da vítima, conforme as tabelas a seguir: Tabela 11 - Local em que foi perpetrada a violência sexual, dados de 2009. Res da vítima Res de outros familiares Res do Autor Local Público 82 40 20 10 47% 23% 12% Sem Informação 4 2% 6% Abrigo 6 3% Escola 7 4% Outros Locais 4 2% TOTAL 173 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Tabela 12 - Local em que foi perpetrada a violência sexual, dados de 2011. Res da vítima Res de outros familiares Res do Autor Local Público Abrigo TOTAL 30 6 11 1 1 49 61% 12% 22% 2% 2% 100% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). Os números apontam que as maior parte dos abusos sexuais ocorrem no lar da criança. A literatura especializada aponta que a violência sexual no contexto familiar ocorre com um número maior de casos. Tal constatação sugere a necessidade de se desconstruir o mito de que a família é somente um espaço de aconchego, de amor e de proteção. E revela que o seio familiar pode ser um espaço de risco onde acontece em grande escala a violência sexual. Em relação ao vínculo do autor da violência sexual com a criança e adolescente, segue os dados abaixo: Tabela 13 - Vínculo do Autor da Violência Sexual com a Criança e/ou Adolescente, dados de 2009. 25 Irmão Pai Padrastr o 39 24,07 % 30 18,52 % Primo Tio Mã e Avó s Outros familiar es Conhecid os e amigos família 5 3 8 0 4 5 21 3,09 % 1,85 % 4,94 % 0 % 8,7 % 3,09% 12,96% Sem Vínculo 18 11,11 % (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2009). Tabela 14 - Vínculo do Autor da Violência Sexual com a Criança e/ou Adolescente, dados de 2011. Outros Conhecidos Sem Padra Irmão Primo Tio Mãe Avó familiar e amigos Víncul Pai stro s es família o 10 11 1 7 3 1 4 4 3 2 21,74 23,91 2,17% 15,22 6,52 2,17% 8,7% % % % % 8,7% 3,65% 4,35% (Fonte: 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF - 1ª VIJ/DF Centro de Referência em Violência Sexual – CEREVS. Dados Consolidados - Ano 2011). Em 2009, sobre o vínculo com o autor da violência sexual com a criança e adolescente, verificou-se que o pai apresentou número maior como autor da violência sexual, sendo o padrasto o segundo maior entre os abusadores. Em 2011, verificou-se que o padrasto apresentou número maior como autor da violência, vindo em seguida o pai como segundo autor da violência. Os dados demonstram a prevalência da violência sexual realizada por pessoas com vínculo de parentesco com a criança e adolescente, o que coaduna com a literatura estudada. Outro fator importante que os estudos apontam e foram implicados na pesquisa é que a residência se apresenta como o primeiro lugar que mais ocorreu a violência sexual, e segundo a residência do autor e em terceiro a residência de outros familiares. Os dados de 2009 também apontam a porcentagem de abusos sexuais que foram cometidos pelo namorado da mãe, 2, 47% (representando 4 casos) do total de atendimentos e também pelo namorado da criança e do adolescente, 11, 73% (representando 19 casos), categorias que não aparecem nos dados de 2011. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O abuso sexual é fenômeno social e de saúde perpetrado contra criança e adolescente independente de classe, de etnia,cultura e religião e apresenta nas mais variadas formas de violências, causando danos devastadores a este público infanto-juvenil. A partir dos dados estatísticos de 2009 e 2011, elaborados pela 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal- CEREVS verificou-se que a violência sexual, analisada os dados estão em consonância com a literatura especializada. A maioria dos estudos indica que o abuso sexual a crianças e adolescentes vem associado a outras violências, ocasionando impacto de várias maneiras e muitas vezes prejudiciais ao desenvolvimento físico, emocional e mental, sendo este impacto ainda maior quando o relacionamento é próximo a criança ou adolescente 26 que tenha vínculo consanguíneo ou não (pai, Irmão, padrasto), quebrando os laços afetivos ou não, transformando em ódio/amor ou repúdio nesta relação. A criança em sua condição peculiar de desenvolvimento, segundo o ECA, se depara com risco em seu seio familiar, onde deveria ser um espaço de proteção, guarda, aconchego, educação, e amor, pode ser um espaço inseguro, com violências sexuais, “maus-tratos”, onde se promove a desconfiança e a descrença por aqueles que são do seu convívio e fazem parte de sua história. Neste sentido, o combate ao abuso sexual intrafamiliar deve ser de dimensão coletiva abrangendo toda a sociedade e o Estado, pois muitas vezes este último possui uma dificuldade especial em atuar no espaço privado do lar, por questões jurídicas associadas a fatores culturais e históricos da formação cultural brasileira. Os dados que puderam ser vistos nas tabelas reforçam esta afirmativa e demonstraram o quão sensível, contundente e urgente é o assunto, tanto pelas consequências para as vítimas que entram em cena quanto para os abusadores, enquanto sujeitos que precisam de acompanhamento psicossocial; e para a sociedade em geral, pela característica das informações. Neste contexto, urge a importância da denúncia daqueles que presenciarem ou suspeitarem dessas violações bem como aparece o papel do Assistente Social enquanto aquele que pode adentrar neste espaço através das visitas domiciliares, por exemplo, além de ser indicado no trabalho do empoderamento dessas vítimas e informação de seus direitos e demais trabalhos com famílias, sempre na perspectiva de direitos, visando o melhor em termos de cidadania e protagonismo para as crianças e adolescentes. Diante dessa problemática da violência sexual contra criança e adolescente e as demandas existente, o Assistente Social com seu conhecimento teóricometodológico e prático, exerce um papel fundamental no atendimento, prevenção e combate à todas as formas de violências sexuais contra criança e adolescente, procurando no seu exercício profissional, embasamento no que esta preconizado no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Criança e Adolescente (PNEVSCA), além de ter como fundamento o seu Código de Ética Profissional de 1993. THE INTRAFAMILY SEXUAL ABUSE: A STUDY BASED ON THE DATA PREPARED BY REFERENCE CENTER FOR INTEGRAL PROTECTION OF CHILDREN AND TEENAGERS IN A SITUATION OF SEXUAL VIOLENCE CEREVS. Abstract: Sexual violence experienced by children and adolescents, is a phenomenon characterized as complex, involving several aspects, social, psychological and legal, requiring greater care and protection from the authorities and society in general to this juvenile population. This study aims to identify whether they occur other forms of violence associated with sexual abuse. For this, the statistical data compiled by CEREVS the years 2009 and 2011, relating to the attendance of children and adolescents victims of sexual abuse were used. This is a bibliographic, document and quantitative research. As a result it was found that the data analyzed are consistent with the literature, that the intra-family sexual abuse, perpetrated in the domestic context against children and adolescents, is associated with other types of 27 violence, causing this public Children and Youth psychological consequences, physical and social. Keywords: Children. Teens. 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