MINISTÉRIO DA SAÚDE
ATENÇÃO E CUIDADO: a experiência brasileira 2005-2010
ATENÇÃO
E CUIDADO:
a experiência brasileira
2005-2010
Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde
www.saude.gov.br/bvs
1ª edição • 1ª reimpressão
Brasília – DF
2014
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência
ATENÇÃO E
CUIDADO:
a experiência brasileira
2005-2010
1ª edição • 1ª reimpressão
Brasília – DF
2014
2014 Ministério da Saúde.
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A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde:
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Tiragem: 1ª edição – 1ª reimpressão – 2014 – 2.000 exemplares
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Ficha catalográfica
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência.
Doença falciforme : atenção e cuidado: a experiência brasileira : 2005-2010 / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência. – 1. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.
80 p.: il.
ISBN 978-85-334-2068-7
1. Doença falciforme. 2. Anemia falciforme. 3. Saúde pública. 4. Política pública. 5. Sistema Único de Saúde. I. Título.
CDU 616.155.135
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2014/0411
:: Títulos para indexação ::
Em inglês: Sickle cell disease: attention and care: Brazil’s experience: 2005-2010
Em espanhol: Enfermedad de células falciformes: atención y cuidado: a experiência brasileira: 2005-2010
Sumário
Prefácio..................................................................................................................... 4
Introdução................................................................................................................ 7
Origem e características da doença falciforme (DF)......................... 11
Relatos científicos e pioneirismo brasileiro......................................... 15
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN)............................ 22
A luta do Movimento Negro.......................................................................... 25
Quando os pleitos viram realidade........................................................... 28
O amadurecimento das políticas................................................................ 29
A questão do sangue: segurança e qualidade..................................... 30
Um ministério atento aos afrodescendentes....................................... 34
Assessoria técnica em DF............................................................................. 35
A importância do diagnóstico precoce.................................................... 37
Inovações tecnológicas no SUS.................................................................. 39
O pioneirismo dos hemocentros................................................................ 41
Luta incessante.................................................................................................. 43
Traço falciforme, esporte e vida militar................................................. 45
A força da qualificação dos trabalhadores do SUS............................ 48
Grupo de assessoramento: criação e atuação.................................... 50
Em busca do conhecimento internacional............................................ 52
Referências em favor da DF......................................................................... 59
Mobilização dos usuários.............................................................................. 61
A cooperação técnica Brasil-África.......................................................... 64
Referências.......................................................................................................... 65
Anexo...................................................................................................................... 71
Centro de Referências em DF .................................................................... 75
4
Prefácio
A Política Nacional de Atenção Integral às
Pessoas com Doença Falciforme é desenvolvida pela Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados (CGSH), vinculada à
Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), que
faz parte, por sua vez, do Departamento de
Atenção Hospitalar e de Urgência (DAHU)
do Ministério da Saúde (MS). Desde a publicação da Portaria MS/GM nº 1.391, de
16 de agosto de 2005, a CGSH iniciou um
intenso trabalho no propósito de implementar as linhas básicas de atenção às
pessoas com doença falciforme (DF). Era,
sem dúvida, um grande desafio. A equipe, que começara a trabalhar em 2004,
empenhou-se em avançar no processo,
apesar de toda a complexidade do trabalho, que não se limitava ao espaço interno
do MS, embora nesse âmbito também demandasse muita dedicação. Pela própria
dimensão da política e das características
do seu objeto, demandava inúmeros deslocamentos a várias partes do País, no
propósito de viabilizar alianças envolvendo todos os estados da Federação: além
da União, havia que buscar o concurso, a
adesão à iniciativa, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.
A primeira providência foi garantir recursos alocados na CGSH para aplicação
exclusiva na implementação das linhas de
atuação, a começar pelo planejamento e
execução de um programa de capacitação
multidisciplinar realmente à altura de pôr
em prática a política, a fim de que ela decolasse. Eram muitos os óbices a serem
superados ou, pelo menos atenuados, a
começar por um sério complicador: a invisibilidade da DF, seja em termos mais
amplos, nacionais, seja no próprio âmbito dos trabalhadores do Sistema Único de
Saúde (SUS), o instrumento por excelência apto a oferecer a atenção e o cuidado
exigido por uma doença genética e hereditária, envolvendo um grupo social que requer especial desvelo por parte do Estado
brasileiro, com o qual o País tem uma dívida histórica, cujo resgate vem ocorrendo:
o dos afrodescendentes.
O próprio público-alvo da política dispunha de informação muito superficial
sobre a DF, e essa carência precisava ser
suprida com dedicação e competência.
Era essencial que esse segmento fosse
adequadamente informado sobre a natureza do problema que o aflige e quanto à
forma de buscar a assistência necessária
para tratar as suas intercorrências, no
propósito de aprimorar a própria qualidade de vida. Disseminar a política tinha,
portanto, o propósito de formar consciência quanto ao uso adequado dos recursos postos à disposição, assim como, em
decorrência, manter vigilância quanto à
sua adequada aplicação.
Os resultados a que se propõe uma
iniciativa desse porte dependem, em
grande parte, da vigilância dos usuários
quanto à qualidade do trabalho desenvolvido. O exercício do controle social, como
preconiza o SUS, é uma das formas mais
eficazes para a continuidade com qualidade de uma política pública, qualquer
que seja, em especial aquela que se volte
para a promoção da saúde. A informação
de qualidade é fundamental para a prevenção de intercorrências – que podem
ser graves e levar ao óbito. Havia, pois,
a necessidade de aglutinar pessoas, e
também de produzir textos explicativos
e didáticos com subsídios consistentes
para informá-las a respeito da DF, sobre
a política e os serviços disponíveis para
atendê-las. Além do mais, impunha-se
incluir todos os procedimentos e cuidados no âmbito do SUS, oficializando os
protocolos e alocando os recursos financeiros referentes. Sem isso, não seria
possível definir a linha de cuidado para
os estados e municípios e organizar as
redes de atenção.
Nesse sentido, um dos grandes trunfos, além de todos os recursos de comunicação oral e escritas possíveis, com que
se contou para incrementar tal política,
foi o incentivo à criação das associações
estaduais de pessoas com DF. De início,
de forma incipiente, elas acabaram crescendo em número e fortalecendo-se, a
ponto de viabilizar o surgimento de uma
Federação Nacional de Associações de
Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal).
Essa entidade participa ativamente do
processo e atende a uma das determinações do SUS, que é a do usuário como o
centro da linha de cuidado.
A soma de todas essas iniciativas propiciou a expansão do trabalho. Os espaços
na execução da política foram e continuam
sendo ganhos paulatinamente. Houve
sempre a preocupação de não se descuidar de nenhum aspecto, inclusive em um
que se afigura essencial: a aproximação
dos grandes centros de pesquisa, no propósito de trazer para o SUS os avanços
no tratamento da DF, em um tempo que
a ciência e a tecnologia caminham com
grande celeridade. Esses avanços têm
sido buscados em todos os centros de
referência na matéria existentes mundo
afora, principalmente nos Estados Unidos da América (EUA). Essa postura trouxe ganhos inestimáveis, e evidencia a sintonia do MS com os novos tempos. Isso
vem ajudando, efetivamente, a aprimorar
o modelo que o País adotou para abordar
essa questão, em estrito respeito às leis
brasileiras, que conferem primazia aos
direitos humanos. Segundo esse modelo,
o tratamento ideal da DF tem que se pautar, essencialmente, na atenção integral,
no cuidado e na inclusão social.
Coordenação-Geral de
Sangue e Hemoderivados
5
Introdução
Esta publicação propõe-se a registrar o processo
de estruturação, no Brasil, de uma política pública de âmbito nacional, voltada para a atenção e cuidado de uma doença
com presença significativa em todas as regiões do País. Ela
surgiu em tempos imemoriais, no continente africano, muitos
e muitos anos antes da diáspora forçada desse povo, obrigado
a trasladar-se de suas pátrias para ser usado em trabalho escravo em países estranhos, de cujas sociedades se tornaram
um dos pilares, como aconteceu no Brasil.
7
8
Essa doença tem um nome que remete, curiosamente, no idioma inglês – na
qual se expressaram os principais estudos científicos a respeito –, a um instrumento agrário: a foice (do inglês sickle),
que tem duplo sentido. Tanto pode estar
a serviço da semeadura, da vida, como
ser utilizada como uma arma ceifadora
do meio ambiente, da natureza, e muitas vezes da própria pessoa, identificada,
assim, com a desertificação e da morte.
Esta, na verdade, foi o que ela semeou,
nos milênios em que atacou, silenciosamente, enquanto esteve à margem da
ciência, as populações africanas, dizimando-as. Apesar disso, a foice da origem das descobertas dos seus mecanismos prevaleceu. Foi sob a designação de
“doença falciforme” que ela ficou conhecida, muito embora o conhecimento científico tenha contribuído para espalhar esperança, quando ontem não havia.
– pelo geneticista Jessé Accioly, na observação quase silenciosa da sua evolução em 21 famílias.
Hoje, a DF, cientificamente falando,
não é mais uma desconhecida. Pelo contrário, estudos de valor relevante forneceram o necessário suporte para a sua
adequada abordagem clínica, muito embora isso não tenha redundado em favor
da sua completa visibilidade por parte da
sociedade e mesmo das estruturas governamentais do Estado, mas os avanços merecem ser comemorados. O Brasil
também teve contribuição de valor entre
os cientistas que ajudaram a relatá-la,
graças às pesquisas realizadas na Bahia
– justamente o estado da Federação nacional onde ela ostenta maior incidência
No Brasil, a história que desaguou
em um modelo respeitável de abordagem
da DF tem muitos capítulos. Tudo começa
com a redemocratização do País e o instrumento que consolidou essa conquista:
a Constituição Federal de 1988, por meio
da qual o País optou, para a prestação de
serviços públicos de saúde, por um sistema de natureza única, universalista,
ao alcance de todas as pessoas. Cogerido pelas diversas instâncias da República – a União, os estados, os municípios
e o Distrito Federal –, esse sistema, na
prática, traduz-se em ações no âmbito do
Sistema Único de Saúde.
O resultado foi uma contribuição de
alto nível sobre o mecanismo de herança dessa mutação genética. A modéstia
do pesquisador levou a que, por longos
anos, seus estudos permanecessem
desconhecidos. Muito tempo depois, uma
colega e conterrânea, a médica Eliane S.
Azevedo, conseguiu, nos EUA, o reconhecimento desse esforço admirável (BOX
nº 1). Graças a isso, Jessé Accioly entrou
para o rol dos mais ilustres pesquisadores mundiais da DF. Internacionalmente,
ponto de partida dos relatos científicos
que ajudaram a elucidar os mistérios da
DF deu-se em 1910, graças ao pesquisador norte-americano James B. Herrick,
e floresceram nas décadas seguintes de
forma relevante.
É esse sistema de prestação de saúde
que oferece todas as possibilidades para
uma atenção de qualidade, como aquela
prevista na Política Nacional de Atenção
Integral às Pessoas com Doença Falciforme, que começou a ganhar formas efetivas, a partir de 2005, embora antes, não
há como negar, muitos passos valiosos,
embora isolados, tenham sido dados, com
maior ou menor êxito. Tais passos constituíram importantes conquistas políticas,
para as quais muito contribuiu, graças à
redemocratização, a intensa luta do Movimento Negro. E assim chegou-se ao estágio atual de tratamento da DF, que se
baseia no binômio atenção e cuidado.
Foi e tem sido uma verdadeira epopeia, que esta publicação procura sintetizar, registrando as questões teóricas
mais relevantes e descrevendo de que
forma o País chegou ao modelo de política pública hoje praticada no campo da DF,
alimentada com ricos subsídios oferecidos pela academia, pelos avanços sociais
e políticos, em particular em um aspecto
que tem tudo a ver com tais conquistas: a
coragem, a persistência e a coerência do
Movimento Negro, que jamais desistiu de
fazer valer seus direitos.
O propósito desta publicação, portanto, além de fazer história, é o de delimitar os espaços científicos e políticos que
já foram conquistados, nesse domínio, e
que não podem sofrer retrocessos. O futuro somente será garantido com a constante vigilância da sociedade civil. Uma
evidência da qualidade do modelo adotado, internamente, pelo Brasil, no tocante
à DF, pode até ser coonestado pelo respeito internacional que granjeou, a ponto de ele estar, hoje, sendo pleiteado por
países cujos povos têm identidades afins
com o brasileiro.
Sob a modalidade de cooperação internacional, o modelo brasileiro da atenção básica à DF está sendo solicitado
como base para serviços de saúde com
a mesma finalidade em países da África, da América Sul e do Caribe. É muito
lisonjeiro para o MS brasileiro – embora
se tenha muito claro que, nesse campo,
nada está pronto e acabado, até porque
a ciência não tem limites – ofertar esse
modelo a nações igualmente carentes,
nelas propiciando às pessoas com DF
uma forma de enfrentar positivamente
as dificuldades, alcançando melhor qualidade de vida.
9
10
Jessé Accioly, pioneiro nas pesquisas de DF no Brasil
Deve-se ao médico, pesquisador e professor baiano, Jessé Accioly, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FM/UFBA), a constatação da presença da DF no
Brasil e do seu mecanismo de herança genética. Ele chegou a essa descoberta observando
famílias de afrodescendentes, pois não dispunha de laboratório de pesquisa especificamente para esse fim. Seu feito data de 1947, e ocorreu simultaneamente à mesma descoberta
por parte de um cientista norte-americano, James V. Neel.
Accioly, acima de tudo, um pesquisador guiado pelo amor ao saber, com o compromisso
que, enquanto médico, tinha para com as pessoas que atendia em seu consultório. Mediante aguda capacidade de observação, constatou não apenas que a doença estava presente,
em doses fortes, no Brasil, como tinha de fato caráter hereditário: era herdada do pai e da
mãe. Publicou suas constatações, com ênfase de que o mecanismo da DF era autossômico
recessivo, em artigo na revista denominada Arquivos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, no ano de 1947. Autossomo traduz-se como aquilo que é próprio
do patrimônio genético da espécie. É recessivo quando latente, somente se manifestando
na ausência do gene contrário, ou seja, dominante. O professor Accioly vivia em Salvador,
onde havia poucos recursos para pesquisas; não era pesquisador profissional, mas estava
longe de ser um amador. Sabia inglês e tinha amplo conhecimento da obra de Mendel, por
exemplo. Apesar de publicada na revista da UFBA, sua pesquisa continuou anônima para os
grandes centros nacionais e internacionais.
Somente em 1969, a professora Eliane S. Azevedo, que cursava doutorado nos EUA, teve
condições de verificar feito semelhante do pesquisador norte-americano James V. Neel, da
Universidade de Wisconsin, Michigan, publicado na revista Science (1949). De volta ao Brasil, foi presenteada pelo professor Accioly com cópia do trabalho que publicara na revista
da UFBA. Em face disso, buscou pelo menos comprovar a simultaneidade dos feitos. Juntou
todos os documentos cabíveis e escreveu uma carta ao editor do American Journal of Human
Geneticis, dos EUA, que foi publicada em 1973, com grande repercussão. Com isso, a descoberta passou a ser citada, cientificamente, como de Neel e Accioly. Fez-se justiça, assim, ao
grande nome da medicina baiana e brasileira.
Fonte: Comentários sobre a Descoberta do Mecanismo da Anemia Falciforme, Eliane S. Avezedo,
Disponível em: <www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/view/1100/1056>. Acesso em: 30 mar. 2013.
Jessé
Accioly
Fonte: UFBA
James
V. Neel
Fonte: J. Hum. Gen.
1
Origem e
características
da DF
A DF é uma das enfermidades hereditárias e genéticas mais
comuns no mundo. Originária da África, resulta de uma mutação no gene que produz a hemoglobina A (HbA), de formato
arredondado, capaz de possibilitar a adequada oxigenação do
sangue que circula no corpo – garantidora, portanto, da vida.
Essa mutação origina outro tipo de hemoglobina, que assume
o formato de meia-lua ou de foice, o que dificulta a oxigenação
sanguínea, provocando inúmeras intercorrências.
É a denominada hemoglobina S (HbS), consoante inicial do termo inglês sickle, que se traduz em português por
“foice”. Por extensão, a designação doença segue a mesma
regra: falciforme. As origens da DF se perdem no tempo. A
mutação genética que originou a doença ocorreu há milhares
de anos no continente africano, e disseminou-se silenciosamente ao largo do conhecimento científico, que somente veio
a codificá-la e decifrá-la no início do século XX.
Antes de receber o interesse da comunidade científica,
a DF proliferou, multiplicando vítimas. Com o comércio escravo e êxodo forçado dos africanos, estendeu-se a outros
continentes, nos quais se alastrou nas populações de afrodescendentes. Registre-se, portanto, que o fato de ser uma
doença cuja história de longo tempo não significa que o seu
conhecimento, pelas próprias populações e pela comunidade científica, tenha a mesma idade. Muito pelo contrário, vale
insistir: esse conhecimento é bem mais recente; remonta ao
começo do século XX e resultou de pesquisas realizadas em
grandes centros do mundo ocidental, derivando nos primeiros relatos científicos a respeito.
11
12
As pesquisas que se fizeram a partir
desse sangue negro alterado foram, no
entanto, responsáveis por uma verdadeira revolução no âmbito da bioquímica, da
fisicoquímica, da genética e da biologia
molecular das proteínas. Ajudou, de forma significativa, a humanidade em geral,
a mudar a face do mundo, mas não possibilitou de imediato tornar melhor a vida
daqueles seres nos quais ele corre, conforme demonstra um cientista brasileiro,
o professor Paulo Naoum (BOX nº 2).
No Brasil, assim como no restante do
mundo, muito tempo se passou para que
a comunidade científica nacional despertasse para o estudo dessa modalidade de
mutação genética. Isso somente ocorreu
a partir da década de 1940, graças ao pioneirismo do professor Jessé Accioly, fato
ao qual já se referiu aqui. Essa defasagem entre pesquisa e prática médica retardou o processo de adoção de políticas
públicas para a DF, que somente surgiram e começam a produzir efeito no fim
do século XX e, em especial, no início de
século XXI. Nesse interregno, ao impulso
dos relatos científicos, é que foram brotando, embora com visível lentidão, medidas intermediárias de tratamento. Para
tanto, a luta do Movimento Negro foi de
importância crucial para a adoção da política pública hoje em processo.
O marco desse novo tempo foi a Constituição Federal de 1988, que consagrou
a igualdade racial e, no campo da saúde
pública, instituiu o SUS, nos artigos 196 a
200. Trata-se de duas conquistas extraordinárias, mas ainda havia o que fazer.
Embora o SUS contivesse na sua universalidade essa parcela da população, era
preciso que nele se inserisse, de forma
específica, todas as inovações tecnológicas de que hoje se dispõem para uma
atenção de qualidade, e assim melhor
atender às reivindicações dos usuários.
Isso aconteceu, em 2005, com a Política
Nacional de Atenção Integral às Pessoas
com Doença Falciforme e, em 2009, com
a Política Nacional de Atenção à Saúde da
População Negra.
Quatro anos depois, em 2010, surge
a Lei nº 12.288, que instituiu o Estatuto
da Igualdade Racial, precedido, nos anos
de 1990, pelo reconhecimento público da
existência de racismo no Brasil. Na verdade, estabelecidas as políticas e os instrumentos, começa outra luta que precisa se manter insistente e persistente:
a de ampliar o alcance da política de DF
no âmbito do SUS, sempre nos padrões
constitucionais estipulados para a prestação de serviços de saúde a cargo do Estado: universalidade, equidade, descentralização e participação social.
A propósito da DF, além da HbS, é preciso destacar que existem outras hemoglobinas mutantes, classificadas como
C, D, E etc. Quando essas hemoglobinas
mutantes fazem par com a HbS, está-se
diante de hemoglobinopatias genericamente denominadas de DF. As mais conhecidas são anemia falciforme (HbSS), a
S/Beta Talassemia (S/β Tal.), as doenças
SC (hemoglobina S com a hemoglobina
mutante C), SD (hemoglobina S com a hemoglobina mutante D), SE (hemoglobina
S com a hemoglobina mutante E), e ainda
existem outras mais raras. Apesar das
particularidades que distinguem cada
modalidade de DF, e dos variados graus
de gravidade que apresentam, todas elas
têm manifestações clínicas e hematológicas semelhantes e são tratadas com as
mesmas condutas.
A anemia falciforme (AF) ocorre em
função da presença da HbS em homozigose, que significa genes iguais (HbSS):
a criança recebe de cada um dos pais um
gene para hemoglobina S, denominação
que, conforme já foi aqui mencionado,
mas não é demais repetir, vem do inglês sickle (foice). A HbSS foi a primeira
DF identificada. Isso ocorreu quando se
desenvolveram pesquisas com pessoas
apresentando anemia profunda e outros
sintomas. Eis o motivo pelo qual, ao longo de muitos anos, foi utilizada para denominar genericamente o que hoje se conhece, com rigor científico, como doença
falciforme.
Tempos depois é que se identificaram sintomas semelhantes em pessoas
com o par formado pela HbS e outras
hemoglobinas mutantes como a C, D e
outras. Quando ocorre a presença de
apenas um gene para hemoglobina S,
combinado com outro para hemoglobina A, o padrão genético da pessoa é AS.
Em tal caso, os genes são diferentes
(heterozigose) com apenas um deles
para hemoglobina mutante S, não produzindo manifestações da DF. Classifica-se essa pessoa como portadora de
traço falciforme. Ela não precisa de tratamento, embora demande orientação
e informação genética, pois, no caso de,
em idade adulta, vier a eleger um parceiro também com traço, há a possibilidade de descendência com DF.
A mutação para hemoglobina S teve
origem no continente africano. As outras necessariamente não tiveram a
mesma origem. O fato é que a DF, vinda
da África, se espalhou para várias populações de outras partes do mundo.
Na atualidade, apresenta significativa
incidência, não apenas naquele continente, mas também em outras regiões do planeta, como nas Américas e
na Ásia. Ocorre igualmente na Europa,
no entorno do Mar Mediterrâneo, em
face da proximidade com a África. Também são expressivas as estatísticas de
ocorrência da doença em países como a
Arábia Saudita e a Índia.
13
14
A visão de um pesquisador
Sangue negro: redentor, mas não da sua própria raça / Paulo Nahoum*
A história da povoação do Brasil é rica em informações sobre etnia, cultura, saga, sofrimento... Mas nenhum sofrimento se compara à forma da introdução do negro africano em nosso
País. Foram tirados, sem compaixão, respeito e dignidade, de seus territórios de origem, e
submetidos à implacável e desumana escravidão. Destituídos de vínculos familiares impostos por seus algozes, foram separados os maridos de suas mulheres, os filhos de seus pais,
e misturados com outros de diferentes tribos, decorrendo daí a perda de suas identidades,
culturas e autoestima. Estigmatizados pela condição subjugada de escravidão tiranizada, os
negros brasileiros, descendentes de heroicas tribos e de reinos africanos, sofrem até hoje
as consequências de suas tristes histórias de cativeiro. Nesse contexto nebuloso de contínuas ofensas à sua dignidade, o negro brasileiro continua marginalizado e oprimido. Foi
justamente o negro africano que, ao padecer de uma enfermidade crônica e dolorosa, como
a doença falciforme, contribuiu com sua dor, com seu sangue e com sua morte precoce para
o conhecimento científico mais importante sobre a bioquímica, fisicoquímica, genética e biologia molecular das proteínas. A hemoglobina falciforme, ou HbS, que teve origem em pelo
menos três regiões da África, há quase 100 mil anos, deu ao negro uma das mais importantes fundamentações na história da ciência biológica. Milhares de estudos foram realizados
em laboratórios e hospitais de todo o mundo, e entre as mais importantes premiações sobre
doença falciforme figura o Prêmio Nobel de Química obtido por Linus Pauling, em 1954. Apesar de todo o progresso conseguido até o presente, os negros de todo o mundo, em especial
os negros brasileiros, não puderam se beneficiar das conquistas científicas e tecnológicas
obtidas com o seu próprio sangue. Nossas políticas sociais, pública e privada, não conseguiram resgatá-los à cidadania plena.
Fonte: Arquivo pessoal.
*Artigo especial para esta publicação. O autor é professor
titular da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp),
onde se graduou em Biomedicina (Unesp-Botucatu). Especializou-se em bioquímica das proteínas no IVIC (Venezuela).
Doutor pela Unesp, com pós-doutorado nas universidades
de Cambridge (Inglaterra) e de Roma (Itália). Foi assessor
da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do MS do Brasil.
Ex-pesquisador do CNPq e da OMS em hemoglobinopatias,
com mais de cem trabalhos científicos publicados.
Paulo Nahoum
2
Relatos científicos
e pioneirismo
brasileiro
O primeiro relato científico sobre a anemia falciforme, hoje conhecida como doença falciforme, ocorreu em 1910. Seu autor
foi o cientista norte-americano James B. Herrick (1861-1954),
que identificou células vermelhas em formato de foice – diferentes, portanto, do formato da hemoglobina AA –, em um
estudante da Universidade de Granada, uma ilha da América
Central. Em 1923, um pediatra também norte-americano, Virgil
Preston Sydenstricker (1889-1964), avançou nas pesquisas e
demonstrou que a doença afetava igualmente os dois sexos.
Além disso, estabeleceu que era típica da população negra.
Contabilizam-se, desde então, vários os relatos científicos
sobre a DF ocorridos em nível internacional (BOX nº 3), merecendo análise atenta de todos os envolvidos com a questão. O
Brasil, com já se referiu, também se insere entre esses pesquisadores, por obra e graça do médico baiano Jessé Accioly,
que chegou à mesma descoberta, e até com certa antecedência que o norte-americano James Van Gundia Neel (19152000), embora esse reconhecimento internacional tenha-se
dado a posteriori.
Há que reconhecer, portanto, o fato de os EUA haverem-se
realmente notabilizado no âmbito da pesquisa em DF, que se
ampliou, sem dúvida, anos depois, com os progressos alcançados no que tange à genética, que estuda as formas como
se transmitem as características biológicas de geração para
geração. No Brasil, os estudos e pesquisas sobre o tema,
assim como a adoção de métodos e políticas de tratamento,
caminharam com maior lentidão. Isso não significa que os
pesquisadores nacionais não se tenham dedicado à matéria.
15
16
Esta publicação enumera alguns nomes
que se têm voltado, no País, ao aprofundamento dessa questão.
No início, as pesquisas, no Brasil, ficaram restritas ao âmbito universitário.
Entre elas, destacam-se as realizadas
pelos professores Paulo Nahoum, já referido, e Fernando Costa, pesquisador
da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), em São Paulo. As pesquisas realizadas por esses especialistas
influenciaram o interesse de outros estudiosos a respeito, assim como ofereceu subsídios ao Movimento Negro para
fortalecer as reivindicações no campo
da DF, em busca de um padrão de tratamento na forma de maior atenção e cuidado, via políticas públicas.
Um passo decisivo para detectar e
tratar a DF – na época, genericamente
denominada AF – foi o Teste de Guthrie,
popularmente conhecido como Teste do
Pezinho, que tem a virtude de identificar
anomalias congênitas. O nome é uma
homenagem ao seu criador, o cientista
norte-americano Robert Guthrie (1916-
1995). Esse teste revelou-se de fato providencial. Tanto assim que, desde a década
de 1960, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) alertava a para a importância da
sua adoção como atitude preventiva de
doenças, e recomendou-a enfaticamente aos governos que o introduzissem em
suas políticas de saúde.
No Brasil, a introdução desse teste aconteceu em 1976, por iniciativa do
médico pediatra paulista Benjamin José
Schmidt (1931-2009), da Universidade
de São Paulo (USP). Essa iniciativa tornou-se possível graças a uma ONG bastante conhecida, a Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais (Apae), de São
Paulo, na qual ele atuava. A experiência
de Schmidt motivou o governo federal
a adotá-la como política pública, bem
mais tarde, no início da década de 1990.
Isso aconteceu quando era ministro da
Saúde o físico José Goldenberg, por intermédio da Portaria MS/GM nº 22, de 15
de janeiro de 1992. O Teste do Pezinho
estava assim oficializado, embora ainda
sem a abrangência diagnóstica que ostenta na atualidade.
3
100 anos do diagnóstico da DF
Publicações que contribuíram para a divulgação dos estudos
e pesquisas sobre a DF:
1910
1940
1946
1949
J. B.
Herrick
J. B. Herrick. Descreve em um jovem negro proveniente da ilha de
Granada que padecia de anemia hemolítica crônica com icterícia
(Arch. Int. Med. 6: 517-521, 1910).
I. J. Sherman. Descreve o fenômeno da falcização como um processo da desoxigenação dos eritrócitos dos doentes falcêmicos
(Bull. John’s Hopkins Hosp. 67: 309, 1940).
Fonte: J. Med. Hum.
E. Silvestroni e J. Bianco. Demonstram uma nova doença falciforme, a anemia microdrepanocítica ou HbS/talassemia beta (Hematológica 29: 445, 1946).
L. Pauling e cols. Descrevem a diferença de mobilidade eletroforética entre as hemoglobinas S e A. Sugere que a causa dessa diferença ocorre por troca de aminoácido. (Science 110: 543-548, 1949).
1949 J. V. Neel. Identifica cientificamente a herança genética da anemia falciforme.
(Science 110: 64-66, 1949).
1952
1953
1956
1957
K. Singer e S. Fisher. Descrevem que eritrócitos com HbSS contendo altas concentrações de Hb Fetal (>5%) sobreviviam maior tempo na circulação em relação aos
eritrócitos com HbSS com baixos níveis de Hb Fetal. (Blood 7: 1216-1226, 1952).
H. A. Itano. Demonstra a baixa solubilidade da HbS em relação à HbA em tampão
hipermolar. (Arch. Bioche. Biophys 47: 148-159, 1953).
V. M. Ingram. Identifica o peptídeo com a mutação que originou a HbS (globina beta-peptídeo 1) utilizando a técnica de fingerprint de peptídeos de globinas. (Nature
178: 792-794, 1956).
V. M. Ingram. Identifica a mutação na globina beta, posição 6 em que o ácido glutâmico é substituído pela valina. (Nature 180: 326-328, 1957).
1963 C. L. Conley e cols. Associam o efeito protetivo da Hb Fetal em eritrócitos com
HbSS em pessoas com anemia falciforme associada à persistência hereditária de
Hb Fetal. (Blood 21: 261-282, 1963).
1964
A. C. Allison. Sugere a possibilidade de que os portadores de traço falciforme são
mais resistentes à infecção pelo plasmodium da malária, supondo ser essa a razão
17
18
da alta prevalência do gene da HbS na África. (Cold Spring Harbor Symposia on
Quantitative Biology 29: 137-149, 1964).
1968
1968
1974
1975
1977
1978
1984
1984
1984
1989
R. Benesch e cols. – Demonstram a existência de uma molécula situada entre as
globinas beta que atua na regulação do oxigênio 0: 2,3 DPG. (Proc. Natl. Acad. Sci.
USA 59: 526-532, 1968).
J. F. Bertles e P. F. A. Milner – Identificam os eritrócitos irreversivelmente falcizados. (J. Clin. Invest. 47: 1731-1741, 1968).
R. M. Bookchin e R. L. Nagel. Confirmam que a falcização dos eritrócitos ocorre
quando o grau de saturação da HbS pelo oxigênio é menor que 65%. (Semin. Hemat. 11: 577-595, 1974).
B. C. Wishner e cols. Caracterizam a estrutura cristalizada da deoxi-HbS. (J. Mol.
Biol. 98: 179-194, 1975).
R. E. Benesch e cols. – Identificam os contatos intermoleculares que atuam na polimerização de HbS. (Nature 269: 772-775, 1977).
Y. W. Kan e A. M. Dozy – Aplicam pela primeira vez as técnicas de biologia molecular para o estudo do gene da globina beta e sua relação com a mutação da HbS.
(Proc. Natl. Acad. Sci. USA 75: 5671-5675, 1978).
S. E. Antonarakis e cols. – Sugerem que a origem da mutação que deu origem à
AS aconteceu por meio de mutações recorrentes, ou por conversão de genes ou
ambos. (Proc. Natl. Acad. Sci. USA 81: 853-856, 1984).
J. Pagnier e cols. – Demonstram evidências de que a mutação que deu origem à
HbS ocorreu em várias regiões da África (origem multicêntrica). (Proc. Natl. Acad.
Sci. USA 81: 1771-1773, 1984).
F. L. Johnson e cols. – Primeiro relato de transplante de medula óssea em uma
pessoa com anemia falciforme. (New England J. of Med. 311: 780-783, 1984).
D. Labie e cols. – Demonstram evidências de que a mutação que deu origem à HbS
na Índia foi unicêntrica. (Human Biology 61: 479-491, 1989).
1991 R. F. Rieder e cols. – Associam os diferentes haplótipos (Benin, Bantu, Senegal,
Cameroon, Arab-Indian e Atípicos) com a expressão clínica de doentes com anemia
falciforme. (Am. J. Hematol. 36: 184-189, 1991).
2000
M. J. Blouin e cols. – Fizeram as primeiras correções do gene beta S da anemia
falciforme utilizando modelos biológicos (camundongos transgênicos). (Nature
Medicine 6: 177-182, 2000).
2001
2004
E. N. Anionwv e K. Atkin. Publicam o livro The politics of sickle cell and thalassaemia,
com o objetivo de apresentar modelos sobre boas práticas e planejamento dos serviços clínicos e científicos que trabalham com essas duas doenças. (Open University Press, Philadelphia and Buckingham, 2001).
A. Salas e cols. Estudaram amostras do DNA mitocondrial de ancestrais das populações africanas cujos descendentes vivem no Brasil e Europa. Concluíram que
cerca de 59% dos negros do Brasil têm sua ancestralidade proveniente da África
Centro-Ocidental (Angola, Congo, Zaire e República Centro Africana), 32% são proveniente da África Centro-Ocidental (Nigéria, Gana, Ivory, Libéria, Senegal e Guiné), 6% de Moçambique, e 3% de outras regiões. (Am. J. Genet 74: 522-524, 2004).
Fonte: Academia de Ciência e Tecnologia.
Disponível em: <http//www.ciencianews.com.br>.
Acesso em: 23 mar. 2013.
19
20
Linha do tempo
Panorama geral da DF no Brasil:
1910
Círculos muito restritos da medicina do País tomam conhecimento, em 1910, do
primeiro relato científico da DF nos EUA, feito por cientista norte-americano.
1947
O geneticista baiano Jessé Accioly
identifica a DF na Bahia, ao mesmo
tempo que o fazia o pesquisador James V. Neel. /
Desde a descoberta científica da DF, durante mais
de 40 anos, especialistas, pesquisadores e militantes do Movimento Negro alertam para
a possível alta incidência da doença no
Brasil. / Introdução do Teste do Pezinho
na Apae-SP. / A OMS estimava em 2.500
o número de nascidos vivos com a DF
no Brasil.
1985
Surgem as primeiras associações de pessoas com DF.
1995
A passeata Zumbi dos Palmares em Brasília coloca a DF como uma das principais reivindicações do
Movimento Negro. / Criação do Programa de Anemia Falciforme (PAF).
2001
Inclusão da DF no Programa Nacional de Triagem Neonatal
(PNTN). / Os números da triagem confirmam a incidência de 1:1.000 dos
nascidos vivos com a doença no País. / O controle social floresceu com a criação de associações estaduais de pessoas com DF, que resultou numa federação nacional, a Fenafal. / Como preconiza o SUS, usuário da política de DF fica no centro da linha de cuidado.
2004
Acontece o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra, no qual a DF
aparece como importante reivindicação. / O tratamento das hemoglobinopatias
deixam de ser uma atividade da Anvisa, passando ao âmbito do MS. / Surge a CGSH no
DAE/SAS/MS.
2005
Realiza-se, em Brasília, a Marcha Zumbi+10, na qual o Movimento Negro
reivindicou o cumprimento das promessas de campanha presidencial e surgiu
o primeiro fato importante em favor das pessoas com a doença: uma política pública de atenção
e cuidado para a DF. / Tal fato resultou da Portaria MS/GM nº 1.391, de 16 de agosto de 2005.
/ A política logo começa a ser posta em prática com cursos de capacitação, para especializar
profissionais de formação multidisciplinar e vencer a barreira do racismo institucionalizado no
âmbito do próprio SUS, de modo a promover a visibilidade da doença e das pessoas com DF. / A
DF ganha, a partir daí, grande visibilidade interna. / Prosperam instituições consideradas referência no seu tratamento; em Minas Gerais, a triagem neonatal, com o Nupad; o Hemorio, o Hemocentro de Ribeirão Preto, o núcleo de atenção básica em Salvador e Recife, e muitos outros. /
Na UFBA, o MS valoriza o serviço de terapia celular no tratamento de úlceras e lesões ósseas,
muito importante, sobretudo, para as regiões Norte e Nordeste. / São Paulo é um ponto de
referência no transplante de medula óssea para DF.
2006
O Brasil inicia o trabalho de cooperação técnica internacional
com países da África e de outras partes do mundo.
2007
Acontece o IV Simpósio Internacional de Hemoglobinopatias no Rio
de Janeiro, já sob a responsabilidade do MS,
em parceria com o Hemorio, que produz o
Consenso Brasileiro sobre Atividades Esportivas e Militares e Herança Falciforme
no Brasil. Fica assim oficializado: “TRAÇO
FALCIFORME NÃO É DOENÇA”. / Em Belo
Horizonte, em parceria com o Nupad/UFMG,
realizou-se o Fórum Mineiro de Políticas Públicas. Pela primeira vez, usuários, técnicos,
especialistas, e o Movimento Negro, discutiram
com os ministérios da Educação, Trabalho e Previdência Social, os principais pontos de inclusão social para as pessoas com DF. Nesse Fórum, com apoio
do MS, foram criados grupos de trabalho dos usuários
para atuarem junto a esses ministérios.
2009
O Brasil participa do Encontro de Pesquisadores, o
Global Sickle Cells Disease Network (GSCDN), em
Cotonou, no Benim, África. Realiza-se, no mesmo ano, o V Simpósio
Brasileiro de DF, em Belo Horizonte, Minas Gerais, junto com o Encontro Pan-Americano de Doença Falciforme-Opas/OMS, o mais importante
evento que tratou da atenção e cuidado da DF no Brasil, pela presença maciça
de pesquisadores internacionais. Em parceria com a prefeitura de Camaçari, BA, o MS
realiza o Primeiro Encontro Nacional de Atenção Básica
2010
O MS participa, em Nova York, EUA, da solenidade de oficialização pela ONU do Dia Internacional da Conscientização sobre Doença Falciforme (19 de junho). / Comemoração dos 100 anos
do primeiro relato científico da DF, mediante a realização de vídeo conferência nacional, com a participação de todos os estados e associações de usuários.
Fonte: www.sxc.hu/ Amanda Kline.
21
22
Programa
Nacional de Triagem
Neonatal (PNTN)
A portaria introdutória do Teste do Pezinho, referida anteriormente, vigoraria até 2001, quando foi substituída por outra, a
de nº 822, de 6 de junho de 2001 – sendo ministro da Saúde o
economista José Serra –, que instituiu o PNTN já com maior
alcance de diagnósticos, incluindo as hemoglobinopatias, e
entre elas a DF, ainda popularmente conhecida apenas como
AF. Esta, no entanto, conforme já se afirmou aqui, não designa
essa doença genética em sua totalidade, pois ela engloba outras ocorrências. Inicialmente, apenas 12 estados da Federação aderiram ao PNTN. Na época, chefiava a SAS/MS o médico
Renilson Rehem de Souza. Este e a geneticista Helena Pimentel, originários da Bahia, sempre questionaram a inexistência
de um sistema de triagem neonatal que também incluísse a
DF, em função das evidências, demonstradas na própria unidade da Federação de que são provenientes, de que o Brasil
convivia, em estágio avançado, com tal problema.
Foram esses pioneiros, aos quais se juntaram a bióloga
paulista Tânia Marini e a médica gaúcha Paula Vargas, que
assumiram a responsabilidade de criar um programa de triagem neonatal com esse foco, ou seja, o de diagnosticar a DF
entre os recém-nascidos. A adoção da medida foi, portanto,
um progresso significativo: o Estado dava o primeiro passo no
caminho de identificar precocemente crianças com essa doença genética. Em termos de tratamento, considerando-se
a importância da prevenção de agravos – quando mais cedo
iniciá-lo, tanto melhor.
Sem sombra de dúvida, esse modo de cuidar muito colabora para deter o avanço das intercorrências, minimizando, dentro do possível, seus efeitos maléficos. Com isso,
garante-se à pessoa com DF maior qualidade de vida. Vale citar a experiência
de um estado da Federação onde mais
se avançou no diagnóstico precoce da
DF por meio da triagem neonatal: Minas
Gerais. Essa conquista deve-se ao trabalho do médico e professor José Nélio
Januário, criador e diretor do Núcleo de
Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) – um organismo vinculado à
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG)
que, desde os seus inícios, empreendeu esforço pioneiro e revolucionário
no campo do diagnóstico precoce da DF
no Brasil. O padrão de excelência alcançado pelo Nupad, na aplicação da
triagem neonatal, é indiscutível. Além
do mais, o estado em questão criou
em 2005, em parceria com o MS, um
suporte da maior qualidade e importância em relação à DF: o Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias
(Cehmob) (BOX nº 4).
23
24
O Nupad e o Cehmob
Órgão complementar da UFMG, o Nupad foi criado em
1993, marco de uma história de incontáveis êxitos, inclusive no
tocante à política pública de atenção e cuidado da DF. A instituição foi pioneira, no Brasil, na adoção em escala pública da triagem neonatal, desde a sua
criação. O Nupad realiza a triagem neonatal, no Estado de Minas Gerais, de diversas doenças
a partir dos dados epidemiológicos. Sua atuação no âmbito da medicina preventiva é notável,
com reconhecimento nacional e internacional. Atua no apoio diagnóstico, realizando ações
de pesquisa, extensão e ensino, com aplicação preventiva e integral em doenças genéticas e
infecciosas, sobretudo no período neonatal.
Dessa forma, contribui para a prática de políticas públicas interinstitucionais de saúde.
Executor do Programa Estadual de Triagem Neonatal (PETN), da SES/MG, o Nupad conta
com um laboratório no diagnóstico de várias doenças, incluindo as hemoglobinopatias. Desde 1997, dispõe de um Laboratório de Genética e Biologia Molecular, responsável pela introdução, na rede pública, de técnicas avançadas de análises moleculares e citogenéticas.
O Centro de Educação e Apoio Social do Nupad (Ceaps), do Nupad, teve como base o
projeto para criação do Cehmob. Fruto de uma parceria com a CGSH desde 2005, esse centro
é uma estratégia para apoiar o Estado de Minas Gerais na atenção em DF, possibilitando
organizar e dar continuidade às ações sociais, assistenciais e de apoio iniciadas pelo diagnóstico das crianças. O Cehmob é um espaço onde as crianças diagnosticadas pelo PETN são
acolhidas com seus familiares para dar seguimento aos procedimentos de diagnóstico com
informação e orientação familiar. As famílias vêm de todo o estado, por meios próprios ou
pelo apoio a tratamento fora do domicílio (TFD) de seus municípios e, se utilizarem a rodoviária, são recebidos por condução própria do Cehmob.
O espaço do Cehmob tem condições de manter por
todo um dia e um pouco mais, se necessário, a família
a ser atendida. Com uma estrutura para capacitação a
distância e atendimento por telefone durante 24 horas (call center), atende a profissionais
de saúde, usuários e a população em geral com informações e orientações sobre DF. Realiza
também capacitação na capital e a distância, em todo o Estado de Minas Gerais. Os projetos
do Nupad e do Cehmob são considerados exemplares, e foram estruturados pelo médico e
professor José Nélio Januário, e são os parceiros mais importantes do MS na implementação da política nacional de DF.
4
A luta do
Movimento
Negro
Todos os esforços visando ao reconhecimento da existência no
Brasil da DF e o seu adequado tratamento, por meio de política
pública de saúde, têm vinculação direta com a luta do Movimento
Negro em prol da valorização da sua identidade e do reconhecimento do papel preponderante que os africanos e seus descendentes tiveram na construção da nacionalidade. Isso ajudou o Estado brasileiro a iniciar um trabalho de resgate da grande dívida
social do País para com esse segmento da nacionalidade. Foram
muitas décadas de lutas, desde antes da Lei Áurea, em 1888, que
jogou uma pedra de cal na prática nefanda da escravidão, mas não
foi acompanhado de outras ações visando à inserção dos libertos
na realidade que eles próprios ajudaram a estruturar.
A outorga à população negra de seus direitos foi muito lenta,
o que só fez ampliar a dívida da nação para com ela. Movimentos
de inserção mais efetivos são bem recentes, e não foram doados,
mas conquistados pela luta permanente dos afrodescendentes por
fazer valer os direitos que lhes cabem no contexto brasileiro, um
contexto bastante perturbado na árdua construção da República. O
processo ganhou mais corpo, mais efetividade, depois da redemocratização do País, com a Constituição Federal de 1988, que igualou os cidadãos em matéria de direitos humanos e dogmáticos. A
Constituição foi um salto, mas ainda era preciso regulamentar os
seus dispositivos, por meio de leis complementares.
Há muito ainda a ser feito; por isso a luta continua necessária. Na conquista de espaço no âmbito da saúde, um primeiro passo foi o Programa de Anemia Falciforme (PAF), em
grande parte decorrente da realização em Brasília, em 20 de
novembro de 1995, da Marcha Zumbi, comemorativa dos 300
25
26
anos do assassinato do líder do Quilombo dos Palmares, em Pernambuco: uma
data que, desde 1971, já havia sido transformada em Dia Nacional da Consciência
Negra. Na prática, o PAF não teve os resultados esperados, mas abriu caminho
para medidas mais avançadas que viriam
a seguir. O mesmo governo que tomou a
iniciativa do PAF também chegou a criar,
naquele ano, o Grupo Ministerial para a
Valorização da População Negra. E teve
a coragem de reconhecer, oficialmente, a
existência de racismo no Brasil.
Pode-se dizer que o PAF, embora
sem os impactos práticos que se pretendiam, foi uma espécie de anúncio de um
futuro há muito esperado, que somente
seria delineado, mais efetivamente, a
partir de 2003. Vale mencionar que contribuiu para a realização do já mencionado Workshop Interagencial da Saúde da
População Negra, em Brasília (dezembro de 2002), que contou com os selos
do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O
evento resultou no documento Política
Nacional de Saúde da População Negra:
Uma Questão de Equidade, no qual se
propôs a formação de uma política nacional que contemplasse a saúde dessa
camada da população brasileira.
Foi nesse documento que descreveram os grupos de doenças que mais incidem sobre essa população, servindo
de alerta para sensibilizar o MS e ou-
tros órgãos públicos no sentido de levar
a cabo uma atuação consequente a respeito. Também ressaltou a importância
da produção de conhecimento científico
nesse campo e de se criarem meios e
modos para capacitar profissionais à
altura de lidar com a questão. E ainda levou o MS a editar uma publicação
importante: o Manual de Doenças mais
Importantes, por Razões Étnicas, na
População Brasileira Afrodescendente.
Realçou, portanto, as doenças de maior
prevalência na população negra, cujo
conhecimento é crucial na edificação de
uma política pública de saúde de atenção e cuidado. Tudo isso, é evidente,
resultou da insistente mobilização do
Movimento Negro.
Também não se pode negar, no contexto dessa luta, o papel desempenhado
pelas mulheres negras. Capitaneadas
por uma entidade importante, a Associação das Mulheres Brasileiras (AMB),
elas realmente trabalharam com afinco
em prol do reconhecimento dos direitos
dos afrodescendentes. A atuação da AMB
foi muito influenciada pela IV Conferência
Mundial da Mulher, realizada em Pequim,
na China, em 1995, embora esse ativismo
tivesse emergido desde os anos de 1980.
Um aspecto a ser considerado com destaque está no fato de que, depois da Conferência de 1995, a luta das mulheres em
geral – e não somente das mulheres negras – passou também a levar em conta
não apenas as diferenças de gênero, mas
também as de raça.
Toda essa atuação das mulheres e dos homens negros no Brasil foi, em síntese,
do maior significado para as conquistas que iriam se efetivar. Uma dessas vitórias,
com toda a certeza, foi a criação, ainda no ano da sua posse, em 2003, da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com status de ministério, para
a qual foi designada Matilde Ribeiro, militante do Movimento Negro.
Outro instrumento de impacto no fortalecimento da luta do Movimento Negro, no
Brasil, foi a realização, em novembro de 2001, em Durban, na África do Sul, da Conferência Mundial da ONU Contra o Racismo. A repercussão internacional do evento
foi de fato extraordinária, e não deixaria de ressoar no Brasil. Chamou a atenção para
os problemas cruciais enfrentados pela África e realçou, ao mesmo tempo, aqueles
enfrentados pelas populações negras, em outras partes do mundo, em consequência
do terrível legado da escravidão.
27
28
Quando os
pleitos viram
realidade
O impacto da Conferência de Durban não poderia deixar de ser
relevante no Brasil, onde existe enorme população de afrodescendentes – toda ela ainda fazendo parte dos segmentos
sociais de maior risco. Isso é sobejamente evidenciado pelos
dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS)
do MS. A Conferência de Durban acendeu ainda mais o olhar
brasileiro para as desigualdades enfrentadas por parcela tão
significativa da vida nacional, contribuindo para que essa temática fosse vivamente realçada nas eleições majoritárias de
2002. Reforçou a sua inclusão nos debates e nos programas
de governo dos candidatos à presidência da República.
Naquele contexto, todos os postulantes ao cargo foram auscultados pelas lideranças negras quanto ao seu interesse pela
matéria. Essas lideranças realizaram um trabalho decisivo no
sentido de comprometer os candidatos, em suas plataformas,
com as postulações do Movimento. Logo após eleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu um passo decisivo criando a Seppir, que, em 2004, realizou em parceria com o MS o
Seminário Nacional da População Negra, a respeito do qual já
se referiu aqui. Nesse evento, de indiscutível valor, debateram-se questões como o racismo, aspectos específicos da saúde e
políticas destinadas às doenças ligadas a etnias. Um termo de
compromisso já havia sido assinado entre a Seppir e o MS, em
2003, reconhecendo que, para alcançar o princípio de igualdade previsto no SUS, havia que se trabalhar a equidade, ponto
fundamental para atenuar as vulnerabilidades de segmentos
da população, os quais, embora numericamente majoritários,
ainda carecem de efetiva inserção socioeconômica.
Eis que surge, em 2004, o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, ao qual competiria atuar no sentido da efetivação do termo de compromisso firmado, em 2003, pelo MS e a
Seppir. Esse comitê original tinha um problema: não contemplava a participação de representantes da sociedade civil. Para
suprir tamanha lacuna foi criado um novo comitê, por meio da
Portaria MS/GM nº 1.678, de 13 de agosto de 2004, no propósito
de conferir maior equidade na atenção à saúde da população
negra. Essa foi uma conquista do seminário, o qual reuniu basicamente profissionais do campo da saúde pública: gestores de
saúde, trabalhadores da saúde, militantes da saúde, sociedade
civil organizada, pesquisadores acadêmicos etc.
O amadurecimento
das políticas
O Seminário Seppir-MS de 2004 abordou questões relevantes
que permeiam a saúde da população de afrodescendentes no
Brasil e, por isso, deveriam merecer tratamento à altura por
parte das políticas públicas: mortalidade infantil, causas externas de morte (como homicídio), doenças crônicas degenerativas (hipertensão), doenças cardiovasculares, mortalidade
materna, neoplasias (diversos tipos de câncer), doenças sexualmente transmissíveis, doenças mentais e DF.
Algumas estratégias também foram sugeridas para
abordagem dessa problemática, sob a coordenação do Comitê Técnico antes referido, buscando também, nesse sentido, o apoio das secretarias estaduais e municipais de Saúde: financiamento e divulgação de pesquisas nesse campo;
maior participação do Movimento Negro na elaboração de
políticas públicas dirigidas à população negra; implementação do quesito cor nos documentos de saúde; reconhecimento da contribuição dos terreiros de candomblé no tratamento de doenças. Em síntese, indicava-se que o Plano
29
30
Nacional de Saúde (PNS) deveria incorporar diretrizes específicas para a população afrodescendente.
Em 2004, foi criado um projeto-piloto, por meio da Portaria
MS/GM nº 2.695, de 23 de dezembro de 2004, que acabou não
tendo êxito, por não atender às reivindicações adequadas a um
programa ou política nacional para a DF. Em 1º de julho de 2005,
esse projeto foi substituído pela Portaria MS/GM nº 1.018, assinada pelo então ministro da Saúde, Humberto Costa, que estabeleceu o Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com
Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. A terminologia
correta – Doença Falciforme – passa, a partir de então, a ser adotada, em caráter oficial. Finalmente, em 16 de agosto de 2005, a
Portaria MS/GM nº 1.391, no âmbito do SUS, cria a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e
outras Hemoglobinopatias, na gestão do ministro Saraiva Felipe.
A questão do
sangue: segurança
e qualidade
No tratamento das pessoas com DF, as transfusões sanguíneas podem estar bastantes presentes. Afinal, em determinadas
situações, essas transfusões são decisivas para evitar o óbito.
Cabe destacar que as políticas atinentes ao sangue, antes de
2004, centralizavam-se na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de
1999, tendo a seguinte missão: “Proteger e promover a saúde
da população garantindo a segurança sanitária de produtos e
serviços e participando da construção de seu acesso”.
Trata-se de uma instituição da maior importância no tocante à vigilância da saúde e à sua adequada proteção. A Anvisa
não tem, porém, como escopo, dar atenção direta à saúde, na
forma de atenção e cuidado. Em função disso, as hemoglobinopatias e as coagulopatias, postas na sua alçada, antes de 2004,
ficaram inteiramente deslocadas no que se refere à atenção
direta. É bem verdade que, sob esse regime, profissionais altamente categorizados – como a então diretora adjunta da Anvisa, a médica Beatriz MacDowell Soares, assim como os médicos mineiros Roger Nascimento (BOX nº 5), e José Antônio
Vilaça, tudo fizeram no sentido de suprirem, da melhor forma
possível, essa necessidade.
O fato é que, pela sua própria natureza,
como ficou evidenciado, não competia à Anvisa o cuidado dessas doenças. No entanto,
em uma demonstração de grande empenho, a Agência chegou mesmo a publicar
um livro, em 2002, que constitui um ato de
pioneirismo. O título – Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes
– dá ideia da sua importância. Além disso,
também teve a iniciativa de publicar a Portaria nº 872, de 30 de setembro de 2000,
que estabelecia o uso de hidroxiureia no
tratamento da DF. Na verdade, o fato de a
política de sangue haver sido subordinada à Anvisa tem a ver com a questão da
aids, que afetou, de forma especial, as
pessoas com hemofilia. A entidade continua responsável pelo aspecto de vigilância e segurança
do sangue, mas a questão da atenção básica às hemoglobinopatias e coagulopatias, assim como a coordenação-geral dos
hemocentros – partes fundamentais desse processo –, voltou
ao MS, em 2004.
Fonte: Internet free.
31
32
Uma conquista nossa
A doença falciforme no Brasil / Roger Williams Nascimento*
Hoje temos o nosso Programa de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme.
Como foi que chegamos aqui? E o que temos pela frente? Este é um breve relato de como foi
organizado dentro do MS o serviço que articula as ações do programa. Nos últimos 40 anos,
houve iniciativas localizadas para melhorar as condições de vida das pessoas com doença
falciforme que são, em sua maioria, negras. Ao reconhecer essa associação entre doença
falciforme e a população afrodescendente, percebemos como diversas barreiras são impostas em todos os níveis num contexto histórico mundial estruturado pelo racismo. Esses
desafios incluem desde o baixo investimento global em pesquisa sobre a doença, até a formação incompleta de profissionais em todas as áreas, ao abordar superficialmente um tema
dessa magnitude. Nesse sentido, a trajetória para instituir esse programa é parte da luta
histórica de desconstrução do racismo no Brasil.
A Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, em 1995,
tornou visível, em nível nacional, a demanda para implantar no SUS o Programa de Anemia
Falciforme (PAF). Em 1996, seguindo recomendação do Grupo de Trabalho Interministerial
para Valorização da População Negra, o PAF é instalado no MS. A anemia falciforme era vista
como problema a ser tratado por profissionais e serviços especializados em doenças do sangue. O PAF ficou, então, sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados, que desenvolveu um cadastro nacional de pessoas com a doença, criou protocolos
clínicos e incluiu novos tratamentos, e acompanhou o planejamento do Programa Nacional
de Triagem Neonatal.
A Política Nacional de Sangue foi escolhida como Meta Mobilizadora Nacional para o
setor saúde do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. De 1998 a 2003, o enfoque
dos 12 projetos era aumentar a qualidade e segurança em todas as etapas de preparação
e uso de sangue, para evitar, por exemplo, transmissão da aids por meio de transfusão. Os
programas de atenção à hemofilia, à talassemia, e à anemia falciforme não faziam parte
da meta, mas ainda assim foram transferidos do MS para a recém-criada Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde a Coordenação da Meta Mobilizadora iria desfrutar de
mais agilidade e autonomia para desenvolver suas ações. A mobilização em torno da melhoria do sangue beneficiou toda a sociedade de forma geral, e particularmente impulsionou
componentes do programa de hemofilia e ações para talassemia. Não se viu igual efeito
sobre o PAF. Não houve nenhum impulso na organização da gestão central para atender às
necessidades específicas das pessoas com doença falciforme. Contar apenas com profissionais bem-intencionados não bastava.
Durante essa estagnação (ou mesmo retrocesso), intensificaram-se as reivindicações ao
governo federal para o PAF ‘sair do papel’. As barreiras a serem superadas foram tratadas
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como um problema técnico, mas no fundo eram de natureza política e ética. As pessoas com
doença falciforme, suas famílias e comunidades enfrentam discriminação racial. E o racismo
institucional perpetua as desigualdades ao ignorar o impacto desses determinantes sociais.
Ações afirmativas no SUS e nas demais políticas públicas eram necessárias para implantar
o PAF em todas as suas dimensões. A Federação Nacional das Associações de Pessoas com
Doenças Falciformes foi constituída, a Saúde da População Negra entrou na agenda do MS, e
a Promoção da Igualdade Racial começou a ser considerada no planejamento federal. É nesse novo contexto que pela primeira vez o Plano Plurianual de 2004-2007 destinou recursos
para a gestão central do PAF que, antes sem nenhum orçamento, passou a dispor de cinco
milhões de reais por ano.
Ao fim da Mobilização Nacional, a área do Sangue, então fortalecida, reorganizou-se gradativamente a partir de 2004 em três áreas independentes: uma permaneceu na Anvisa,
outra formou a Hemobrás, e outra retornou para a Secretaria de Atenção à Saúde do MS.
Nessa transição, o PAF foi finalmente incluído no quadro de pessoal e a primeira consultora
temporária foi contratada. Com apoio dos segmentos de usuários, trabalhadores e gestores
do SUS, e com sua experiência de implantação e gestão do PAF em nível estadual, tomou
posse (em cargo de direção cedido pela Anvisa) a primeira servidora de carreira nomeada
para atuar exclusivamente no PAF, a médica Joice Aragão de Jesus.
Mesmo no auge do investimento na Política Nacional de Sangue, o PAF não recebeu o
impulso necessário para se estruturar; foi deixado para trás. A adoção de práticas e ações
afirmativas na gestão do SUS permitiu que a coordenação nacional do PAF se tornasse realidade, ao garantir as condições estruturais mínimas para seu funcionamento, a um custo
abaixo da média. A existência dessa coordenação, cumprindo seu papel estratégico como
uma componente-chave da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença
Falciforme, hoje articula ações e lidera uma rede de solidariedade global. Certamente, poderíamos ter chegado aqui por outros meios, mas foi com ações afirmativas que nosso programa se tornou uma conquista nossa. E assim avançaremos, porque com justiça e igualdade a doença falciforme não mais será motivo de exclusão, e o acesso universal à saúde com
integralidade e equidade será concretizado.
Fonte: Arquivo pessoal.
* Artigo especial para esta publicação. O autor é médico e prestou assessoria ao Programa Nacional de Hemoglobinopatias Hereditárias, na Anvisa, de outubro de 2001 a julho de 2004, em
suplementação às suas atribuições no Programa Nacional de
Doação Voluntária de Sangue e no Programa de Capacitação de
Recursos Humanos em Hemoterapia. A inspiração que levou o
autor a se interessar pela DF partiu do estímulo do médico hematologista Ivan Angulo de Lucena, que trabalhava, na mesma
época, na Anvisa, na Meta Mobilizadora do Sangue.
Roger Williams Nascimento
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Um ministério
atento aos
afrodescendentes
Em julho de 2005, tomou posse como ministro da Saúde o
então deputado federal por Minas Gerais José Saraiva Felipe. Esse fato constitui um marco positivo na política do MS
tada para os afrodescendentes. Ela ganhou mais espaço de
tratamento, o que se deve, certamente, ao fato de o novo ministro haver sido professor de Medicina Preventiva na UFMG,
havendo ocupado, também, o posto de secretário da Saúde do
governo de Minas Gerais.
Foi nessa condição que Saraiva Felipe, por instância do professor José Nélio Januário, do Nupad, incluiu o Teste do Pezinho na política de saúde pública mineira. A Fundação Centro
de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas)
continuou a receber todas as crianças dignosticadas com DF,
que foi reforçada mais tarde pelo MS na criação do Cehmob/
UFMG, com o propósito de apoiar as famílias dos diagnosticados e capacitar os trabalhadores do SUS na atenção em DF.
Toda a bagagem acumulada na gestão da saúde em seu estado natal, Minas Gerais, foi de substancial importância nas
atitudes que Saraiva Felipe adotou no MS, com vistas à adoção
de uma política de atenção destinada às pessoas com DF, ao
publicar a Portaria nº 1.391, que estabeleceu, no âmbito do
SUS, as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral às
Pessoas com Doença Falciforme.
Logo após a posse de Saraiva Felipe no MS, Brasília assistiu, em 28 de novembro de 2005, à Marcha Zumbi+10, promovida pelo Movimento Negro para advogar pelos direitos dos afrodescendentes. O acontecimento demonstrou a disposição do
movimento de cobrar o compromisso assumido em campanha
pelo então presidente da República, de adotar medidas voltadas
para maior e melhor inserção dessa comunidade no contexto
nacional. Isso resultou em inúmeras mobilizações ministeriais
para atender da melhor forma possível a tais demandas.
Outro fato exponencial verificou-se em 13 de maio de 2009.
A data, não por acaso, coincidiu com as comemorações alusivas à Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, regente do
Império, que oficializou o fim da escravidão – um processo que
havia sido precedido por outras medidas parciais nessa direção. Há de se considerar que as leis, por si mesmas, não são
capazes de corrigir, na prática, as injustiças sociais. Pois bem,
esse fato registrado em 2009 – 120 anos depois da assinatura
da Lei Áurea – foi a edição e publicação da Portaria MS/GM nº
992, que instituiu a Política de Saúde Integral da População
Negra (PSIPN), sem dúvida uma conquista extraordinária. Validava, em pontos fundamentais, a luta secular dos afrodescendentes por seus direitos.
O escopo da PSIPN, aprovado pelo Conselho Nacional de
Saúde, foi o de reduzir as desigualdades étnicas e raciais. De
que forma? Mediante o combate ao racismo e à discriminação
nas instituições do Estado, entre elas o SUS e seus serviços.
Dentro desse mecanismo, incluiu-se, obviamente, um outro já
preexistente que tem tudo a ver com ele: a Política Nacional
de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme.
Assessoria
técnica em DF
No contexto da CGSH, criou-se uma equipe coordenada pela
médica baiana Joice Aragão de Jesus, que havia se destacado
na implantação do Programa Estadual de Doença Falciforme
da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro, adquirindo o know how necessário para oferecer uma contribuição
nesse sentido em nível nacional. Graduada pela Faculdade
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de Medicina da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em
Pediatria pela mesma universidade, e
em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ), ela também
era servidora da UFRJ, lotada no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteira (IPPMG), vinculado ao hospital universitário da mesma instituição,
além de médica do MS. E ainda contava
com o apoio da Fenafal e de profissionais do SUS que trabalhavam com DF,
assim também com o incentivo e apoio
do Movimento Negro.
A ida de Joice Aragão de Jesus para a
CGSH foi o ponto de partida, em 2004, no
sentido de viabilizar, na prática, uma estrutura capaz de conduzir e disseminar,
em âmbito nacional, a política específica
de que aqui se trata. A proposta era a de
criar meios e modos para tornar possível cobrir, com eficiência e eficácia, as
inequívocas necessidades do País nesse
campo, e oferecer uma atenção de qualidade para as pessoas com a doença por
parte do SUS.
Com a Portaria nº 1.391, de 16 de
agosto de 2005, assinada pelo ministro
Saraiva Felipe, instituiu-se no âmbito do
SUS a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme
e outras Hemoglobinopatias. O instrumento era muito amplo. Embora contivesse ao pé da letra da indicação da DF,
também se voltava para outras hemoglobinopatias. Havia, portanto, que focar o
trabalho nas especificidades da DF, que
divergem daquelas de outros tipos de
hemoglobinopatias. Dentro dessa ótica,
partiu-se para estruturar, no SUS, redes
de atenção que lhe fossem exclusivas.
Esse propósito era típico da área de
trabalho da CGSH, encarregada da coordenação da hemorrede nacional. Com o
retorno, em 2004, da atenção das questões de saúde atinentes ao sangue à responsabilidade do MS, a CGSH passou a
cuidar da atenção hemoterápica e hematológica à coagulopatias e às hemoglobinopatias. O processo avançou de forma
significativa, assumindo caráter sistemático, a cargo de profissionais especializados. Com relação à DF, o que antes
se fazia informalmente passou a ser normatizado e ampliado no âmbito do SUS,
com a produção de protocolos, normas,
rotinas e regulações nessa área. Tal processo vem sendo seguido à exaustão, de
modo a disponibilizar todos os cuidados e
o acesso à atenção de qualidade.
A importância do
diagnóstico precoce
Vale acentuar que o diagnóstico precoce da DF – assim como
acontece na saúde de modo geral – é de fundamental importância. Os cuidados iniciados nas primeiras semanas de
vida, quando se trata de crianças com DF, são responsáveis
pela redução das taxas de mortalidade na infância. A atenção básica, no Brasil, tem desempenhado um papel decisivo,
nesse caso, ao ofertar vacinas e cuidados como incentivo ao
aleitamento materno, além do acesso à penicilina nas unidades de saúde.
São medidas simples, mas de impacto positivo, em se
tratando de crianças, e mais ainda daquelas com DF. Se forem diagnosticadas precocemente, e os pais ou cuidadores
orientados a respeito, tanto melhor. Desde que medicadas
com vacinas especiais, essas crianças ultrapassarão, com
muito menos riscos, as barreiras infantis que podem levar o
óbito. Famílias orientadas podem diagnosticar, por exemplo,
no caso do risco de sequestro esplênico – intercorrência comum em crianças – e, assim, evitar o óbito precoce.
O objetivo inicial do PNTN foi o de identificar, preventivamente, doenças como hipotireoidismo e a fenilcetonúria. Na
segunda fase, o programa incluiu a DF. As crianças, uma vez
diagnosticadas, são encaminhadas a um serviço de saúde
pública de referência para o necessário tratamento. Aque-
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las que apresentarem traço falciforme –
já esclarecido que elas não têm a doença
– também serão atendidas, pois seus pais
ou cuidadores precisam ser devidamente
orientados a respeito das possibilidades
futuras, relacionadas com a descendência
das mesmas e a existência de SbS no casal.
Antes de o PNTN ser um procedimento
de política pública, incluindo as hemoglobinopatias em sua triagem, deve-se por
justiça registrar uma ação pioneira. Em
Campinas, importante município e polo universitário do Estado de São Paulo, há que
destacar o papel empreendido pela médica Sílvia Brandalise. Esta implantara um
serviço pioneiro de triagem precoce, assim
como estabelecera uma linha de cuidado
para atender os diagnosticados. O Hospital Infantil Boldrini, no qual ela atuou, é um
centro de referência em atenção, estudos e
pesquisas em DF, fornecendo a todo o País
informações e orientações, além de qualificar profissionais para o cuidado e a atenção em doença falciforme.
Em Minas Gerais, como citado anteriormente, outra referência importante
em triagem neonatal – e isso já mereceu
relevo aqui – é o professor José Nélio
Januário, do Nupad. No Rio de Janeiro,
no ano de 2000, por estimar que a cidade e o estado do mesmo nome registrassem uma das mais altas incidências do
Brasil em DF, a hematologista Clarisse
Lobo, na época diretora técnica do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de
Siqueira Cavalcanti (Hemorio), também
adotou a triagem neonatal. Desde então, a instituição desenvolve política de
atenção e cuidado à DF em um padrão de
grande eficácia e eficiência, com cursos
de treinamento de especialistas e abertura para ações de controle social. Em
2001, doze estados aderiram ao PNTN,
incluindo a Fase 2, que faz a triagem
da DF nos recém-natos. Dentro em breve, todos os estados da federação estarão
habilitados para DF em triagem neonatal.
Inovações
tecnológicas
no SUS
A inexistência de uma política no âmbito do SUS confinava
atenção em DF em apenas uma portaria originária do SAS/MS
– de nº 872, de 26 de novembro de 2002. Os demais medicamentos e procedimentos encontravam-se dispersos na tabela
do SUS, com indicação geral ou restrita a outras patologias.
Evidenciava-se a necessidade de colocar no SUS todo o avanço conquistado pela ciência à disposição das pessoas com
a doença. Da mesma forma, procurou-se atualizar todos os
procedimentos com evidências científicas, com a introdução
na tabela do SUS do quelante de ferro oral e ampliação da
faixa etária infantil para o uso de hidroxiureia (HU). A terapia com quelante de ferro é indispensável para a sobrevida
de pessoas que dependem de transfusão de hemácias. Afinal, quanto maior o acúmulo de ferro no organismo, maiores
os riscos de morbidade e mortalidade, enquanto se observa
nítida correlação favorável entre a adequada quelação de
ferro, qualidade de vida e sobrevida.
A quelação dispunha de quelantes injetáveis e orais. A
maioria das pessoas era tratada com quelantes injetáveis, o
que exigia idas diárias aos serviços de atenção. A existência de
mais um novo quelante oral, com grande margem de indicação e mais segurança, já estava disponível, mas isso não constava da tabela do SUS. Constituiu, portanto, grande avanço a
inclusão na referida tabela de mais um quelante oral de ferro,
melhorando a qualidade de vida das pessoas com a doença,
pois essas, em grande maioria, não precisariam interromper
suas rotinas, por força dos deslocamentos diários aos serviços
de saúde, eliminando-se, também, o uso de bombinhas portáteis. Estas, por sinal, constituíram, sempre, sério problema,
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Rodolfo
Cançado
Fonte: Arquivo pessoal.
porque, conforme já se destacou, não estão
disponíveis no mercado brasileiro, e quando isso ocorre, não há aqui assistência
técnica adequada. Embora raros, existem
casos que não respondem ao tratamento
com os quelantes orais, sendo necessário
recorrer aos injetáveis. As bombas portáteis são necessárias para propiciar melhor
qualidade de vida à pessoa em tratamento
para quelação de ferro. Nesses casos, não
havendo as referidas bombas, há necessidade de comparecimento diário a um serviço de saúde.
Na questão da introdução
das inovações tecnológicas para
DF na tabela do SUS, os membros do Comitê de Assessoria
Técnica em Doença Falciforme
(CAT-DF) – inicialmente denominado Grupo de Assessoramento
Técnico das Hemoglobinopatias
– teve participação ativa. Coube
ao médico Rodolfo Cançado, da
Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo, o
papel principal. Outra vitória decisiva tem a ver com a atualização do uso da HU – que reduz a
ocorrência de crises de dor e, com decorrência natural, as internações – foi
outro procedimento essencial: ampliou-se o seu uso para a partir dos 3 anos
de idade, quando antes era somente
após os 12. Esse novo teto de idade para
o uso do referido medicamento passou
a beneficiar crianças em idade escolar,
embora não estivesse disponível em
doses pediátricas, carecendo, nesse
caso, de manipulação. Acrescente-se
que muitas outras inovações ainda precisavam ser incorporadas. Pretende-se
completar esse processo em 2013.
O pioneirismo dos
hemocentros
É imprescindível destacar o pioneirismo dos hemocentros no
tratamento da doença falciforme. O Estado do Rio de Janeiro,
por exemplo, foi o pioneiro na adoção de programa estadual de atenção integral às pessoas com DF, seguida de uma
política coordenada pelo Hemorio. Em Recife, Pernambuco,
a médica Miranete Arruda implantou e coordenou o primeiro
programa municipal com esse objetivo, em uma época em que
a designação generalizada ainda era a AF. Nas 27 unidades
da federação, todas contam, na capital, com um hemocentro
de referência, que coordena a rede estadual. Alguns estados
possuem somente o hemocentro da capital; outros, como São
Paulo, dispõem de uma rede de 22 serviços para atendimento
de pessoas com a doença. Em cinco capitais, o hemocentro
não faz atenção em DF, que fica a cargo de universidades, hospitais gerais e ambulatórios especializados.
A experiência prévia dos hemocentros, no âmbito dos estados, foi de importância fundamental para que o MS também
passasse a atuar, junto a eles, na implementação de atenção
de qualidade. É preciso ter em mente a complexidade de colocar em prática, em um país com as dimensões continentais e
com as diversidades regionais do Brasil, uma política voltada
especificamente para um segmento da população com menor
acesso à atenção de qualidade, à educação, à informação e ao
transporte, como estão identificados os afrodescendentes. Embora em termos gerais as carências desse público aproximemse, registram-se, porém, de uma para outra região, muitas peculiaridades quando se trata de uma enfermidade crônica que
precisa ser tratada em rede, exigindo uma abordagem multidisciplinar e multiprofissional.
O MS, a partir de 2004, soube, no entanto, encarar o desafio, procurando absorver as experiências já colhidas no âmbito
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estadual, buscando adaptá-las ao quadro
nacional. Com certeza, esta não foi uma
tarefa simples. Pelo contrário, exigiu, desde o começo, muita tenacidade por parte
da equipe inicial encarregada de tal missão. Necessitou de conhecer, in loco, o
grau de expertise na matéria de cada unidade da federação, buscando adesões importantes para viabilizar o projeto.
Foi preciso cooptar, positivamente, o
apoio dos governos municipais e estaduais,
sensibilizando-os quanto aos propósitos do
MS. Do mesmo modo, havia que abordar, e
a tarefa nada tinha de simples, o público-alvo da, tendo em vista que ele próprio,
e não apenas a população em geral, desconhecia a DF. A elucidação desse público
quanto à natureza dessa doença genética
e suas intercorrências e riscos era fundamental. O resultado desse esforço mostra-se positivo, mas o trabalho é permanente.
Na verdade, suas bases gerais foram estabelecidas, mas ele continua. É uma construção diária, em função da dinâmica da
sociedade, do quadro político e dos avanços
da ciência e da tecnologia.
Com a publicação da Portaria MS/GM
nº 1.391, a CGSH passou a contar com subsídios para o desenvolvimento, no âmbito
do SUS, de ações destinadas a estruturar
uma política nacional. A presença de recursos do Programa Plurianual (PPA) na CGSH
possibilitou a elaboração de convênios com
estados, municípios e universidades para
divulgação e qualificação da assistência
em DF. Em 2004, foram destinados R$ 5,5
milhões para as hemoglobinopatias. Parte desses recursos aplicou-se na compra
dos insumos para o projeto-piloto. Apenas
o Estado de Minas Gerais apresentou um
projeto para criação do Cehmob, que serviria de suporte ao programa de triagem
neonatal daquele estado.
Na época, o professor José Nélio Januário, do Nupad, procurou a Seppir e a
Secretaria de Planejamento do MS – que,
já em 2005, cuidava do Comitê Técnico da
Saúde da População Negra (CTSPN) –, em
busca de apoio para o projeto. Isso fez com
que ele fosse aceito pela CGSH. No final de
2005, os técnicos da CGSH iniciaram uma
grande divulgação da política nacional de
DF. Sucederam-se encontros em todo o
País, pois o movimento social solicitava
a presença dos técnicos em suas cidades
para apresentação da referida política.
A CGSH também elaborou proposta
para inserção da DF com atenção integral
na estrutura do SUS, levada ao conhecimento de cada estado do País, com vistas às devidas adaptações às realidades
regionais. Ao mesmo tempo, começou a
elaborar publicações de orientação para
assistência. A prioridade, nesse processo, foi reservada aos estados com maior
incidência: Rio de Janeiro, Bahia, Minas
Gerais, Pernambuco e Maranhão. A presença constante de representações do
Movimento Negro e das associações de
pessoas com DF fez com que se ampliassem, a cada dia, os trabalhos de divulgação e informação.
Luta incessante
Em 2006, novamente a DF entrou na pauta das eleições majoritárias, tendo em vista estar em vigor a Portaria n° 1.391/2005.
No MS, a transversalidade da DF com os demais programas
encontrava apoios e resistências e o estabelecimento de uma
política para a saúde da população negra, na prática, enfrentava muitos reveses. Nessa política, a DF era a única que havia
incorporado a relação direta com a questão racial. O mesmo
não acontecia com os programas de hipertensão e de diabetes já existentes. A experiência de tratar da doença, até então
negligenciada, na forma de uma política específica, encontrava
oposição de alguns gestores públicos da saúde.
Esses opositores argumentavam que a DF era, de fato, uma
enfermidade rara, e não aquilo que mais tarde se comprovou
com o PNTN. Com essa visão, não consideravam prioritário a
adoção de uma política específica. Foi necessário, portanto,
usar de muita habilidade e competência para conviver com esse
cenário. Havia que contra-argumentar com os dados da triagem
neonatal no Brasil, além dos dados mundiais, que mostravam
a alta incidência e a elevada taxa de letalidade da doença. Era a
forma de evidenciar que o avanço científico justificava a adoção
da política como necessária para reduzir a morbiletalidade e
promover vida mais longa e com mais qualidade.
O mais importante foi a relativamente fácil inserção na
rede de atenção do SUS do cuidado com a doença. O fato de
muitos dados da DF não estarem sistematizados mostrava a
necessidade de investimentos nos serviços e de colocar em
cena informações consistentes, trazendo para participar dos
eventos pesquisadores, técnicos, especialistas e trabalhadores do SUS em geral, no propósito de formar uma grande rede
de apoio em todos os cantos do País. E assim foi feito.
A adesão dos trabalhadores da saúde – pesquisadores e especialistas que já cuidavam de pessoas com DF – foi
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imediata. Surgiram logo inúmeros convites para que os assessores da CGSH
fizessem, País a fora, a apresentação da
nova política nacional e das propostas de
organização da rede de atenção integral.
O Rio de Janeiro iniciou o movimento de
fortalecimento dessa política. A então diretora-geral do Hemorio, Kátia Machado
da Mota, convidou os secretários de Saúde de todos os municípios do estado para
conhecer a política e oferecer um termo
de adesão ao programa.
A participação das secretarias de
Igualdade Racial dos municípios e a presença constante nos eventos da, na época, ministra dessa pasta, Matilde Ribeiro, favoreceram o êxito da iniciativa. Em
Salvador, Bahia, o então secretário municipal de Saúde, Luís Eugenio Portela,
tomou a iniciativa de implantar o programa na capital de maior incidência da doença no País. E entregou a coordenação
do mesmo a uma servidora municipal, a
assistente social Maria Cândida Queiroz
de Alencar, mãe de uma menina com DF
e militante da Associação Baiana de Pessoas com Doença Falciforme (Abadfal).
Na CGSH, o orçamento destinado à DF
foi executado a partir da divulgação dos
recursos disponíveis e do incentivo para
a celebração de convênios. Algumas instituições já tinham experiência em convênios, mas a grande maioria não possuía a
menor noção de como fazê-los. Aos poucos, esse conhecimento foi adquirido e
repassado às instituições que possuíam
potencial para implantar ações na área
de organização e de capacitação. Algumas instituições celebraram convênios
e não tiveram condições de executá-los,
devolvendo os recursos. Outras cadastraram-se para convênios, mas tiveram
os empenhos suspensos por estarem
inadimplentes com o Fundo Nacional de
Saúde (FNS).
Em um primeiro momento, o fato de
a CGSH atuar somente com hemorredes,
fez com que surgissem questionamentos
sobre repasses para instituições fora desse âmbito. Foi necessário consolidar a estrutura proposta para a atenção em rede
da DF, mostrando que a doença também
estaria na atenção primária, nos centros
de referências das universidades, em alguns hospitais e também nos hemocentros. A alta incidência da DF e a visão de
atenção integral foram pontos fundamentais para que os recursos também pudessem ser aplicados por outras instituições,
e não exclusivamente nas hemorredes.
Traço falciforme,
esporte e vida
militar
O traço falciforme, já se esclareceu nesta publicação, não é
doença. Em todos os grandes centros de pesquisa do mundo tal
fato já constitui consenso. No Brasil, entretanto, vários fatores
contribuíram para o desconhecimento dessa questão, como a
invisibilidade, a ausência da atenção normatizada no âmbito do
SUS e o desconhecimento dos grandes avanços científicos no
tocante à DF. As pessoas portadoras de traço falciforme ainda
estavam sendo excluídas das atividades esportivas, e também
os militares mostravam-se temerosos quanto ao impacto que
teria nas atividades físicas.
Os especialistas e a Sociedade Brasileira de Genética Clínica (SBGC) já difundiam a informação de que o traço falciforme
não é doença, e que deveriam ser ofertadas informação e orientação genética às pessoas com traço. E mais: desde que solicitado, deveriam ser encaminhadas para o devido aconselhamento genético. Ainda assim, registravam-se com frequência
impedimentos às pessoas com traço. Com o propósito de oficializar os procedimentos quanto a essa situação, no IV Simpósio Internacional de Hemoglobinopatias – evento que, em 2009,
passou a ser denominado Simpósio Brasileiro de DF –, ocorrido
em 2007, no Rio de Janeiro, em parceria do MS com o Hemorio,
foi estabelecido o Consenso Brasileiro sobre Atividades Esportivas e Militares e Herança Falciforme no Brasil, publicado, em
2009, pelo MS.
O simpósio em questão contou com 40 participantes de várias partes do País, entre especialistas e usuários, todos envolvidos direta ou indiretamente com a questão. A todos os participantes foram fornecidos, previamente, artigos científicos
selecionados de publicações oficiais nacionais e internacionais.
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O representante das Forças Armadas brasileiras, general médico Milton Braz Pagani, discorreu sobre a situação dos candidatos ao serviço militar. Informou que,
apesar de não ser obrigatória a realização
do teste de triagem para o serviço militar
ou para o ingresso na carreira, um resultado positivo para o traço determina a dispensa do candidato. Também discorreu
sobre o Decreto nº 60. 822, de 7 de junho
de 1967 – que dispõe sobre a inspeção de
saúde de conscritos nas Forças Armadas
–, isenta, definitivamente, do serviço aqueles que apresentarem doenças do sangue.
O médico ganês Kwuaku-Ohene Frempong, do Sickle Cell Center, do Hospital
Infantil da Filadelfia (CHOP, sigla em inglês), unidade hospitalar vinculada à Universidade da Pensilvânia, EUA, analisou
o que existe de verdadeiro em relação a
recrutas com traço falciforme das Forças
Armadas norte-americanas. Em seguida,
Frempong tratou do impacto, no tocante
ao traço, da prática de esportes. Portador
do traço, ele abordou a questão com a autoridade de médico e pesquisador, e ainda
como atleta de futebol americano na Universidade de Yale, EUA.
O consenso estabelecido nesse campo, no Brasil, foi uma conquista de cidadania para os portadores do traço falciforme.
Resolveu uma questão pendente, que gerava muitas celeumas, alimentando o preconceito. Antes dele, não havia dispositivo
oficial sobre o tema, deixando as pessoas
com traço à mercê de decisões pessoais.
É o que exemplifica um caso ocorrido em
2004, quando uma atleta foi cortada da seleção brasileira de voleibol depois de um
exame que revelou que ela apresentava
traço falciforme (BOX nº 6).
Esporte e DF: um caso paradigmático
Em 2004, quando a médica Joice Aragão de Jesus ainda coordenava o Programa Estadual de Doença Falciforme do Estado do Rio de Janeiro, recebeu a informação de que a atleta
conhecida no meio esportivo como Neneca, mas cujo nome civil é Alessandra Santos – jogadora da seleção feminina de voleibol –, fora cortada da seleção, porque fizera uma eletroforese de hemoglobina em exames de rotina da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), onde
foi diagnosticada com traço falciforme. A médica recebeu essa informação do médico Paulo
Ivo Cortez, quando estava em uma reunião com a equipe do programa de Niterói, fazendo-se presente também o médico José Roberto Tenório, na época da equipe de assessores do
então deputado estadual do Rio de Janeiro, Carlos Minc. Na ocasião, José Roberto Tenório
telefonou para o então deputado, e ele imediatamente assumiu o caso. Logo em seguida, as
médicas Clarisse Lobo, diretora técnica, e Kátia Mota, diretora-geral do Hemorio, elaboraram um documento afirmando não haver motivo para o corte da jogadora da seleção de vôlei,
pelo fato de ter traço falciforme. Logo ficou-se sabendo de outros casos semelhantes.
6
O deputado Carlos Minc buscou apoio especializado aos médicos da área de DF, para
levar à frente a questão, e o fez com a participação ativa do médico Paulo Ivo Cortez, na
época, presidente da Câmara Técnica de Doença Falciforme da SES/RJ. O fato teve repercussão, porque o laudo emitido pela CBV, assinado pelo ortopedista da entidade, citava o
nome e o telefone de um hematologista da UFRJ como referência para o laudo que definia
a exclusão da jogadora da equipe. Não existia, na época, qualquer documento do MS para
a questão. Em função disso, o caso frequentou por algum tempo a mídia esportiva. A CBV
acolheu os laudos do Hemorio e da Câmara Técnica de Doença Falciforme do Rio de Janeiro, mas a essa altura, a seleção já estava no Equador, em competição internacional, e sem
a presença da jogadora.
Sobre esse episódio, a médica Joice Aragão de Jesus, pronunciou-se a respeito: “Foi
muito difícil aquele momento, pois não se dispunha de documento do MS que desse respaldo à CBV para a não exclusão de Neneca da seleção”. Trata-se, assim, de um caso paradigmático do mal que fazia o desconhecimento sobre a doença. Se tal fato não houvesse ocorrido, não teria surgido a questão do desconhecimento sobre se o traço falciforme impedia
ou não a prática de esportes, inclusive profissionalmente. Neneca, de origem humilde,
participava de um programa social que apoiava seus estudos e sua família, moradora do
morro do Borel, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Seu rosto triste, desencantado, ficou gravado nas retinas dos que acompanharam o seu drama.
O fato é que Neneca foi readmitida à prática do seu esporte, mas não mais reintegrada
à seleção brasileira, e acabou indo para o Sul do País, porque, segundo o técnico dela, na
época não havia clima para que continuasse no Rio de Janeiro. Em 2007, quando se promoveu, junto ao IV Simpósio de DF no Rio de Janeiro, o consenso da herança falciforme no
Brasil, com a finalidade de estabelecer oficialmente a conduta a ser adotada no caso de
pessoas com DF, o técnico da Neneca participou das mesas de debate. A médica Clarisse
Lobo foi a organizadora e articuladora desse consenso. O documento foi publicado, e é
hoje situação resolvida em todo o País, tanto nos esportes como nas Forças Armadas, onde
também havia demandas sobre essa questão. Enviou-se o documento para todos os ministérios militares (Exército, Marinha e Aeronáutica), assim como para as confederações
esportivas existentes, com carta explicativa sobre o documento.
Fontes: Joice Aragão de Jesus. Depoimento pessoal em 28 jun. 2013.
Dr. Paulo Ivo Cortez,
Katia Mota e
Clarisse Lobo
Fonte: Arquivo pessoal.
Fonte: Arquivo pessoal.
Fonte: Arquivo pessoal.
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A força da
qualificação dos
trabalhadores
do SUS
A maior parte dos recursos liberados pela CGSH destinou-se à capacitação, porque, para efeito de atenção integral, a
divulgação do conhecimento é a ação primordial. Capacitar
trabalhadores do SUS, criando dentro das unidades de saúde
familiaridade com a doença, tem sido o mais importante em
todo o processo de implantação da política. Não há necessidade de construir unidades, nem de contratação de recursos
humanos, mas sim de capacitar, de informar e de instruir os
trabalhadores do SUS para que incluam a DF nas suas rotinas.
À medida que essa capacitação ocorria, o interesse dos profissionais visivelmente aumentava.
Um grande esforço foi feito para preparar oficinas, seminários e cursos a todos os espaços nos quais gestores, usuários
e trabalhadores do SUS estivessem dispostos a conhecer a
doença. Estabeleceu-se um formato de capacitação que ocupasse apenas uma parte do dia, de modo que os trabalhadores
do SUS dela pudessem participar sem maior prejuízo de suas
atividades rotineiras. Passou-se a editar publicações e protocolos para divulgar informações sobre os cuidados em DF,
elaborados pelo MS.
Essas publicações vêm sendo distribuídas a todos os hemocentros, hospitais de referência, secretarias de Saúde de
estados e municípios, assim como às associações que aglutinam e representam as pessoas com DF. Além disso, o MS
dispõe de uma biblioteca virtual, na qual o interessado pode
acessar qualquer uma das publicações já editadas sobre a
doença. Esse trabalho congregou profissionais de múltiplas formações que, uma
vez solicitados para tal, contribuíram
com seus conhecimentos e experiência
na elaboração delas, de leitura acessível
a todo tipo de público.
Em 2008, assume a CGSH o hematologista e ex-diretor do Hemocentro de
Santa Catarina (Hemosc), Guilherme Genovez. Sua presença na CGSH foi decisiva
para impulsionar o trabalho que a equipe
desenvolvia, uma vez que ele já chegava
ao posto com a experiência de um profissional comprometido com a qualidade das hemorredes. Genovez tinha plena
consciência da importância, seja histórica ou epidemiológica, da política de DF
para o Brasil. Devido a isso, proporcionou
espaço e apoio para as ações no âmbito
das hemorredes e fora delas.
Cabe realçar que a sensibilização dos
trabalhos do SUS para a atenção e o cuidado da DF foi auxiliada por haver no MS
um instrumento de importância indiscutível, voltado para esse propósito: a Política Nacional de Humanização (PNH), que
atua com base nos princípios da transversalidade e da inseparabilidade entre
atenção e gestão. É uma política abrangente, que cobre todas as atividades do
MS, buscando, para tanto, utilizar-se de
ferramentas e dispositivos para consolidar redes, vínculos e corresponsabilidade entre usuários, trabalhadores e gestores, que constituem os diferentes níveis e
dimensões da atenção e da gestão.
O trabalho que Genovez iniciou na
CGSH estimulou o professor José Nélio Januário, do Nupad, a desenvolver e
apresentar uma ideia muito importante.
Considerando que os avanços na política
brasileira de DF não poderiam alcançar
grau mais elevado, sem conhecimento
do que se estava fazendo em outros países, nesse campo, sugeriu a organização
de visitas de trabalho para conhecer os
grandes centros de pesquisa em DF nos
EUA, o que contou com o apoio do novo
coordenador da CGSH. O próprio Januário tomou a si a incumbência de planejar
esse périplo, marcando pessoalmente todas as visitas a serem concretizadas.
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Grupo de
assessoramento:
criação e atuação
Com a finalidade de organizar uma assessoria multidisciplinar e multiprofissional para apoiar a produção de protocolos,
condutas e rotinas para atenção integral em DF, a CGSH nessa
época, ainda denominada Coordenação de Política Nacional de
Sangue e Hemoderivados (CPNSH), houve por bem tomar uma
iniciativa de grande valor teórico e prático. Constituiu o Grupo
de Assessoramento Técnico em Doenças Falciformes e Outras
Hemoglobinopatias, oficializado pela Portaria nº 1.852, de 9 de
agosto de 2006, com os seguintes componentes:
I – Titular: Rodolfo Delfini Cançado, médico hematologista,
professor assistente da disciplina de Hematologia da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
II – Suplente: Angela Maria Dias Zanette, médica hematologista da Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia
(Hemoba);
III – Titular: Clarisse Lobo, médica hematologista, diretora
técnica do Instituo Estadual de Hematologia (Hemorio);
IV – Suplente: Paulo Ivo Cortez de Araújo, médico hematologista do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
V – Titular: José Nélio Januário, professor assistente da
Faculdade de Medicina e diretor do Núcleo de Pesquisa e
Apoio Diagnóstico (Nupad) da Universidade Federal de Minas
Gerais (FM/UFMG);
VI – Suplente: Paula Regla Vargas, chefe do Serviço de
Triagem Neonatal do Estado do Rio Grande do Sul (Hospital
Getúlio Vargas/ Secretaria Estadual de
Saúde do Estado do Rio Grande do Sul;
VII – Titutar: Helena Pimentel, médica geneticista, assessora técnica do Programa Nacional de Triagem Neonatal do
Ministério da Saúde, membro da Sociedade Brasileira de Genética Clínica;
VIII – Suplente: Ana Maria Martins,
médica geneticista da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);
IX – Titular: Miranete Arruda, médica coordenadora do Programa de Anemia
Falciforme, da Secretaria de Saúde da
Prefeitura de Recife, PE;
X – Suplente: Maria Cândida Alencar
de Queiroz, assistente social, coordenadora do Programa de Atenção Integral às
Pessoas com Doença Falciforme, da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal
de Salvador, BA;
XI – Titular: Joice Aragão de Jesus,
médica pediatra e sanitarista da Coordenação da Política Nacional de Sangue e
Hemoderivados (CPNSH/MS);
XII – Suplente: Eliana Cardoso Vieira, coordenadora da Política Nacional de
Sangue e Hemoderivados (CPNSH/MS);
XIII – Titular: Altair dos Santos Lira,
representante dos usuários e presidente
da Associação Baiana de Portadores de
Doença Falciforme (Abadfal); e
XIV – Suplente: Cláudio Henrique Machado, presidente da Associação de Drepanocíticos de Minas Gerais (Dreminas).
Essa composição deveria ser renovada de dois em dois anos. Em 2009, dois
membros do GA são substituídos: em
lugar de Ângela Zanette, entra Ivan
Angulo de Lucena, médico hematologista
do Hemocentro de Ribeirão Preto (Hemorp);
e no de Claudio Machado, da Dreminas/
Fenafal, entra Dalmo de Oliveira, jornalista e presidente da Associação de Pessoas com Doença Falciforme da Paraíba,
PB. Há também mudança de coordenador
da CGSH, que passa a ser Guilherme
Genovez, mencionado anteriormente.
O grupo de assessoramento (GA) reúne-se pelo menos duas vezes por ano para
discutir os encaminhamentos da política,
e muito dos seus membros participam de
ações por todo o País, como é o caso de
Paulo Ivo Cortez, que além de ser o elaborador da linha de cuidado da DF, definindo
a atenção básica, foi também o mentor da
filosofia do autocuidado nesse campo. Paulo
Ivo viaja por todo o País, promovendo capacitação sobre esse e outros temas alusivos
à doença, e tem papel importante nas ações
de cooperação com os países da África.
A escolha dos componentes do GA é de
competência exclusiva da CGSH, pois a finalidade do mesmo é dar suporte técnico
às ações da política e definir suas ações
e, em função disso, precisam ser profissionais de absoluta confiança nas questões pertinentes à DF no âmbito nacional.
Alguns dos componentes representam o
Brasil em eventos científicos internacionais, como é caso de Clarisse Lobo, do
Hemorio, e de Paulo Ivo Cortez , da UFRJ.
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Em busca do
conhecimento
internacional
José Nélio Januário organizou uma comitiva constituída para
esse fim, desenvolvendo uma agenda de visitas preparada com
grande antecipação, como é do perfil, por exemplo, dos norte-americanos. A iniciativa, em decorrência da sua adequada
preparação e da receptividade com que contou, por parte dos
centros visitados no exterior, foi sumamente proveitosa. Despertou, por onde passou, enorme interesse dos anfitriões pelos relatos dos brasileiros sobre a experiência do País nesse
segmento da saúde pública.
Os brasileiros discorreram sobre a DF no Brasil e, como
resultado do interesse despertado, o MS acabou sendo inserido na agenda dos eventos e pesquisas em DF, em todo o mundo. A visita aos centros internacionais de pesquisa teve reflexo
positivo na edição de 2009 – esses simpósios tiveram início em
2001, em Salvador, e foram ganhando cada vez mais espaço
e importância (BOX nº 7) – do Simpósio Brasileiro de Doença
Falciforme, atraindo a presença de influentes pesquisadores
internacionais (BOX nº 8).
Uma delegação de especialistas brasileiros, tendo à frente
a coordenadora da política da DF, Joice Aragão de Jesus, visitou o hospital francês Henri Mandou, da Faculdade de Medicina de Paris, para conhecer in loco as pesquisas e tratamentos
desenvolvidos pelo especialista e médico francês Philip Hanigou, em cooperação com a Universidade Federal da Bahia
(UFBA). A mesma delegação também visitou, na França, uma
fábrica de prótese dotada de tecnologia de ponta, a Ceraser,
para conhecer seus produtos: próteses de úmero e fêmur, à
base de titânio, de grande interesse para o tratamento da DF,
indicado para aquelas pessoas que não
mais podem usufruir da terapia celular.
O fato é que o Brasil vem avançando
no uso de tecnologias de ponta. A UFBA
– que já desenvolvia terapia celular em
lesões ósseas e de tecido sob a responsabilidade do professor e médico Gildásio Cerqueira Daltro – estabeleceu parceria com a CGSH e ampliou suas ações.
Esse serviço da UFBA transformou-se
em um centro de referência, e passou a
receber pessoas de todo o Brasil, portadores de lesões ósseas, que indiquem
o recurso ao tratamento por terapia celular; e também profissionais em busca
de especialização.
Quando aplicada em lesões incipientes, a terapia celular tem o poder de recuperá-las, como no caso da cabeça do
fêmur e do úmero. Tal terapia interrompe o caminho que levaria naturalmente
à deficiência física de uma pessoa com
doença crônica, já penalizada pelos limites que a mesma impõe. Investir nessa
tecnologia, portanto, é apostar em um
futuro melhor para as pessoas com DF,
que passam a ter possibilidade ainda
maior de uma vida mais longa e dotada
de maior qualidade.
Fonte: Arquivo pessoal.
Gildásio
Cerqueira
Daltro
Outro avanço em termos de conhecimento foi a criação, na UERJ, pela professora Cláudia Cople, do Centro de Referência Nacional de Vigilância Nutricional
na Atenção à Pessoa com Doença Falciforme (CENUTHEM). O objetivo é avançar nas pesquisas sobre nutrição para as
pessoas com a doença, um trabalho realizado em parceria com o Hemorio. Outros espaços de conhecimento vêm sendo
desenvolvidos para maior apropriação de
informações das especificidades da DF, a
exemplo do trabalho de odonto-ortopedia
desenvolvido no Hemorio pelo cirurgião-dentista Wellington Cavalcanti.
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Como nasceram os simpósios de DF
Em 2001, um grupo de especialistas reuniu-se em Salvador, na Bahia, no que denominaram de I Simpósio Internacional de Hemoglobinopatias. Com o mesmo nome, em 2002, foi
repetido na mesma capital. Em 2005, teve como sede Recife, em Pernambuco, tendo a presidi-lo o hematologista Aderson Araújo, do Hemocentro Estadual de Pernambuco (Hemope). A
médica Joice Aragão de Jesus, então, já se encontrava na CGSH para desenvolver o trabalho
da política de DF, e também participou desse acontecimento, discorrendo sobre a doença,
com ênfase na integralidade e na multiprofissionalidade. Considerava primordial levantar
essa bandeira para o êxito da implementação de uma política nacional, cujo público-alvo no
Brasil são os afrodescendentes.
O simpósio de Recife procurou atender ao foco desejado e explicitado a Joice Aragão de
Jesus por seu presidente, Aderson Araújo, um pioneiro nesse processo, inclusive no trabalho de cooperação técnica com a África: tratar como prioridade a inserção da DF no SUS.
Entre os participantes, estavam os usuários, considerados da maior importância no tocante
à vigilância da sua boa aplicação, haja vista que é destinada para eles. A presença dos usuários, portanto, tinha a tudo a ver com o foco escolhido. A qualidade da iniciativa, as novidades
ali apresentadas e o fato de se estar debatendo a questão exponencial da inserção da DF no
SUS, deram ao simpósio um toque muito especial. O êxito foi tão grande que a CGSH tomou
a decisão de assumir naquele evento a responsabilidade por sua realização, de dois em dois
anos, sempre tendo como sede a capital de um dos estados da Federação.
A edição seguinte realizou-se no Rio de Janeiro, em 2007, parceria do Hemorio e do MS:
o IV Simpósio Internacional de Hemoglobinopatias, o último com essa designação, pois o seguinte, conforme ficou decidido na mesma oportunidade, levaria o nome de Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme. Na edição do Rio, realizou-se, paralelamente, o Encontro para o
Consenso Brasileiro sobre Atividades Esportivas e Militares e Herança Falciforme no Brasil,
do qual já se abordou nesta publicação. Além dessa grande conquista, registrou-se mudança radical no perfil da iniciativa, mediante o aprofundamento das temáticas dos protocolos
mundiais para atenção em DF, assim como houve a abertura de espaço para a participação
de todas as associações – a nacional e as estaduais – existentes na época. A presidente do IV
Simpósio foi a médica Clarisse Lobo, então diretora técnica do Hemorio, e muito contribuiu
para o fortalecimento da continuidade dos simpósios seguintes.
Fonte: Joice Aragão de Jesus. Informação pessoal,
13 jun. 2013.
Fonte: Internet free.
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V Simpósio Brasileiro e Encontro Pan-Americano para DF -Opas/OMS
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Em 2009, entre os dias 3 e 7 de outubro, realizou-se em Belo Horizonte, Minas Gerais,
o mais importante conclave sobre doença falciforme já visto no País. Na verdade, foi um
acontecimento duplo: o V Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme e o Encontro OPAS para
Doença Falciforme. Os dois eventos foram realizados pela parceria entre o MS e a UFMG,
esta por intermédio do Nupad, o Cehmob e a Fundação Hemominas. A conjugação de dois
eventos sobre a mesma temática foi estratégia bem pensada, no sentido de traçar ao mesmo
tempo duas panorâmicas: uma do estado da arte, sobretudo da DF, no Brasil, e os avanços
mundiais na abordagem da doença, e um olhar sobre as Américas em termos de pesquisas
e de práticas de cuidado e tratamento.
Dessa forma, os dois eventos puderam propiciar a pesquisadores, profissionais de serviços de saúde, representantes do controle social e gestores de todo o Brasil, uma visão bem
abrangente da questão, em todas as suas especificidades. O presidente do duplo evento, o
médico mineiro José Nélio Januário, diretor do Nupad, avaliou os trabalhos como sumamente produtivos, e que possibilitou intercâmbio de alto nível entre todos os públicos interessados na boa condução, no Brasil, de uma política pública de atenção e cuidado da DF.
Estiveram presentes cientistas, pesquisadores, gestores da saúde, usuários e trabalhadores
do SUS, além de representantes de 20 países, cada um trazendo a sua experiência e aprendendo com a de participantes de outras partes do mundo. Aconteceu ali, na visão de Januário, intensa troca de conhecimentos técnicos e científicos entre o Brasil com outros países
da África, da Europa e das Américas.
Um dos mais ilustres participantes do conclave, o médico
e pesquisador em DF, o ganês Kwaku Ohene-Frempong, que
atua nos Estados Unidos, diretor do Centro de Pesquisas de
Doença Falciforme, do Hospital Infantil da Filadélfia (CHOP,
sigla em inglês), destacou o seguinte: “O número de pessoas com a doença é subestimado, sendo muito maior na
África, por exemplo. Por isso, é necessário seguir uma resolução da Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza a realização da triagem neonatal como pilar para o
tratamento dessa doença do sangue”. Destacou que a OMS
estima que 300 mil crianças nasçam com DF anualmente,
em todo o mundo. Dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal brasileiro apontam o nascimento de 3 mil
crianças por ano com a doença, sendo que 180 mil com o
traço genético da patologia. Em Minas Gerais, segundo o
Nupad, a proporção de diagnosticados com a doença é de
7,1 para cada 10 mil nascidos vivos, e o traço ocorre em
um para cada 30 nascidos vivos.
Fonte: Internet free.
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Frempong ainda deixou claro que o interesse reforçado da OMS pela patologia não se
deu por acaso: “Aconteceu devido à pressão de instituições relacionadas à doença falciforme, como associação de pessoas, pesquisadores e governantes”. Na visão dele, é condição
sumária a adaptação do que é feito nos países desenvolvidos para as nações com escassos
recursos financeiros. E mais: “A doença falciforme deve ser encarada como um ônus global;
a transferência de tecnologia e a troca de conhecimento entre os países são relevantes para
a eficácia do nosso projeto”, analisa. Frempong deu o tom do evento, com sua visão corajosa
e generosa, ao mesmo tempo de especialista e de cidadão africano, que sente nas suas raízes o quanto a doença avassala o continente onde nasceu, contribuindo para manter o povo
africano com altas taxas de mortalidade infantil.
Além dos aspectos relacionados com a pesquisa, com os avanços tecnológicos, inclusive
os atinentes às células-tronco, também foram discutidos aspectos relacionados a fundos e
fontes de financiamento de pesquisa, ressaltando-se a importância de se identificarem instituições interessadas em aportar recursos, e também outros temas como: o estabelecimento
de uma federação internacional de doença falciforme; o aumento da consciência global da
DF por meio da imprensa, das escolas e de organizações comunitárias; e a consolidação da
triagem neonatal com orientação abrangente.
Para o diretor-geral do Nupad, a doença permanece invisível para diversos gestores de
saúde no Brasil, destacando que “quinze estados brasileiros, infelizmente, não haviam aderido ao programa nacional de triagem neonatal para doença falciforme e também ainda não
realizavam o teste do pezinho, o diagnóstico precoce da doença”. A hematologista Junia Cioffi, então diretora técnico-científica da Hemominas conclui que, graças a ações da natureza
dos dois eventos sediados em Belo Horizonte, além da rica troca de experiência, será possível avançar na atenção e no cuidado da DF, ainda que isso possa demandar algum tempo.
A indicação de dosagens de ferro profilático em crianças com a doença, estudo sobre a taxa
de letalidade da doença e até a possibilidade de tratamento representada pelo transplante
de células-tronco estiveram entre os temas discutidos durante o V Simpósio Brasileiro de
Doença Falciforme.
Os dois eventos serviram, sem dúvida, para evidenciar aspectos carregados de esperança no que tange ao tratamento da DF. O professor Marcos Borato, coordenador técnico do
simpósio, mostrou-se otimista: “Em dez anos, a terapia gênica poderá oferecer cura para a
doença falciforme”. Entusiasmado com o grande número de trabalhos inscritos, ele afirmou:
“Há dois anos, em encontro como este, foram apresentadas 52 pesquisas. Hoje são 168”.
Esse aumento expressa, a seu ver, o crescente esforço e a maior aplicação de recursos em
pesquisas sobre a doença.
Outro ponto relevante, que despertou muito interesse dos participantes, foi o que diz
respeito ao acordo entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil e Gana. Pelo
acordo, equipe do país africano recebeu treinamento no Nupad sobre procedimentos laboratoriais em triagem neonatal para o diagnóstico precoce das hemoglobinopatias. Eis o
que afirmou o professor Frempong, também presidente, na época, da Sickle Cells Founda-
tion de Ghana/Fundação de Doença Falciforme de Gana: “Temos observado no Brasil uma
grande integração entre o trabalho médico, técnico e social. Especialistas do mundo inteiro vão ficar surpresos ao ver como essa área é desenvolvida aqui”. Na verdade, o especialista estava se referindo ao empenho da CGSH para atender à Assessoria Internacional em
Saúde (Aisa) do MS a desenvolver trabalho com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC)
do MRE: de cooperação técnica, no sentido de levar o conhecimento desenvolvido e posto
em prática no Brasil a países da África, sendo Gana um deles. Ainda nesse simpósio o coordenador do Programa de Doença Falciforme do Senegal, o médico Diagne Ibrahima, que
se tornou outro interlocutor importante do programa brasileiro de DF, definiu com a ABC/
Aisa/MS, o início das atividades de cooperação com aquele país, em projeto já assinado em
2008. No simpósio, foram também discutidas as propostas para os projetos de cooperação
com o Benin e Angola.
Os eventos serviram principalmente para sanear dúvidas tanto dos profissionais da
saúde quanto dos usuários acerca do tratamento da DF. Pesquisas como a desenvolvida
pelo Nupad sobre o uso de ferro profilático em crianças, transplante de medula óssea, uso
de rotina do DTC e vários outros foram muito bem recebidos e serviu de base para as discussões das inovações tecnológicas da DF no SUS. A parte mais marcante foram as discussões entre os usuários e os especialistas. Em separado, foram escolhidos os palestrantes,
tanto nacionais como internacionais de suas preferências, e com eles puderam dialogar
em tornos dos temas.
A atenção integral, o cuidado acessível e humanizado, também mereceu aprofundamento nos eventos de Belo Horizonte, com destaque para aspectos como os direitos humanos e a busca pela redução da discriminação às pessoas com a doença. Defendeu-se a
adoção de políticas públicas universais, que incluam o acesso aos serviços de saúde, integralidade da atenção e descentralização dos serviços, com estratégia na atenção primária.
Pesquisador do Centro de Controle de Doenças dos EUA, Roshni Kulkarni, ponderou
que, para evitar a ocorrência de complicações graves no momento de um diagnóstico tardio, o treinamento e qualificação dos profissionais de saúde são fundamentais para o reconhecimento dos sintomas da doença de modo precoce e efetivo. Joice Aragão de Jesus,
coordenadora da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme,
do MS, disse acreditar que o Brasil, por meio do Programa Nacional de
Triagem Neonatal, é um exemplo da boa prática na atenção às pessoas
com doença falciforme: “Nosso País serve de modelo para os outros.
Temos nos esforçado para elevar o nível de qualidade e de satisfação
das pessoas com DF, consolidando o compromisso social do Estado
brasileiro”. Gilberto Santos, presidente do Instituto Brasileiro de DoKwaku Ohene-Frempong
Fonte: Nupad.
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ença Falciforme e outras Hemoglobinopatias (IBRAFH), ex-presidente da Fenafal, defendeu
que os temas debatidos durante o encontro deveriam embasar a formulação de políticas
públicas, alcançando assim melhorias efetivas para a qualidade de vida das pessoas com a
doença: “É incrível ter a oportunidade de comparecer a um evento como esse. Estar ao lado
de especialistas mundiais em saúde e dialogar com eles nos dão um novo vigor e ainda mais
vontade de lutar pelos nossos direitos”.
Joice Aragão de Jesus não tem dúvida ao afirmar que os dois eventos aqui relatados
foram o grande acontecimento na luta de muitas décadas para sensibilizar o Brasil sobre a
importância de dispensar a essa doença genética e étnica a maior atenção e cuidado possível, o que somente pode ocorrer por meio de política pública muito bem concebida e capaz de
ser posta em prática de forma efetiva. O Brasil, segundo ela, tem a política e tem o Sistema
Único de Saúde, que contempla todos os requisitos para que a DF possa ser bem tratada, no
seu contexto, em todo o território nacional. É a forma de resgatar uma dívida imensa para
com os afrodescendentes, pois somente assim o Brasil poderá se constituir verdadeiramente como nação.
Na visão da médica, o simpósio e o encontro, sobretudo este último, por sua natureza internacional, colocaram no centro da mesa de discussão os pontos centrais que uma política
pública para a DF precisa levar em conta, inclusive o aspecto de que, em face dos constantes
avanços científicos, o controle social, ou seja, o exercício da cidadania, por parte do público
mais interessado, precisa ser constante. Esse é a forma de cobrar do poder público a internalização de tecnologias de última geração, haja vista a celeridade com que esse segmento
descobre novos meios e modos de melhorar a prestação de serviços públicos nessa área.
Inclusão social – Também em Belo Horizonte, Minas Gerais, teve lugar, de 6 a 9 de junho de
2007, o Encontro Mineiro e Fórum Nacional de
Políticas Ingradas de Atenção às Pessoas com
Doença Falciforme. A inicitiva foi da UFMG e do
Nupad, que lhe é vinculado. Pela primeira vez.
usuários técnicos, especialista e o Movimento
Negro discutiram com os ministérios da Educação, Trabalho e Previdência Social os principais pontos de inclusão social para as pessoas
com DF. Nesse fórum foram criados grupos
de trabalho dos usuários para atuarem junto
a esses ministérios.
Fontes: www.cehmob.org.br; <www.nupad.medicina.
ufmg.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013. Joice Aragão
de Jesus. Depoimento pessoal, 20 jun. 2013.
Fonte: Internet free.
Referências em
favor da DF
Em termos de atenção, avançou-se bastante no que se refere
à sensibilização dos profissionais de saúde do SUS, no campo
do tratamento da DF. Entre as principais personalidades nacionais da história da doença no Brasil, com contribuições importantes em matéria de pesquisa e em manifestações constantes a favor do seu tratamento adequado, um dos médicos
com maior aprofundamento no conhecimento da doença em
todas as suas especificidades é Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo. Rodolfo Delfini
Cançado, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo, também detém notável conhecimento a respeito
das novas tecnologias aplicáveis à doença, e contribui com o
MS nessa área.
Há que mencionar outros nomes de grande valor, como:
Belinda Simões, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
dedicada ao transplante da medula óssea; e Paulo Ivo Cortez
de Araújo, colaborador decisivo na implantação da política nacional, que elaborou todo o processo em rede da DF com ênfase na atenção básica. Cortez merece um destaque: também
pediatra e hematologista da IPPMG/UFRJ, integrou-se ao programa de DF no Estado do Rio de Janeiro, em 2001. Coube-lhe
elaborar as propostas da linha de cuidado e da filosofia do autocuidado. Em 2005, passou a assessorar a coordenadora da
política nacional, Joice Aragão de Jesus, na condição de seu
principal colaborador na implementação da política nacional,
que já alcança hoje todo o País.
Não se pode, porém, ficar por aí. Há outros nomes a destacar, como a bióloga Cláudia Regina Bonini Domingos, docente da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e especialista em diagnóstico de DF, e colaboradora nas capacitações
realizadas pelo MS; a assistente social Maria Cândida Alen-
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car de Queiroz, da Secretaria Municipal
de Saúde de Salvador, que implantou o
primeiro programa na capital e passou
a trabalhar junto à política nacional na
organização da rede em atenção básica;
e a médica Miranete Arruda, coordenadora de Atenção à Saúde da População
Negra e às Pessoas com Doença Falciforme, da Secretaria Estadual da Saúde do Estado de Pernambuco, que deu
início, em Recife, ao primeiro programa
municipal para o cuidado da doença, e
também se agregou à equipe do MS.
Outros nomes igualmente fundamentais pela qualidade do trabalho que desenvolvem na atenção a pessoas com DF são:
a médica Célia Maria da Silva, do Hemominas, que detém reconhecido know how em
dopllertranscraniano (DTC) em pessoas
com DF – ela é, inclusive, autora de uma
tese premiada sobre o tema; os hematologistas Lúcia Mariano da Rocha Silas e
João Ricardo Friedrisch, do Hospital das
Clínicas de Porto Alegre, da Universidade
FederaldoRioGrandedoSul(HCPA/UFRGS);
Cecília Figueira, da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES); Renato Sampaio,
do Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Goiás (UFGO); as enfermeiras
Maria Cecília Izidoro, professora e doutora do Departamento de Enfermagem
Médico Cirúrgica da Escola de Medicina
Anna Nery (UFRJ), que estuda a questão
da dor e vem se dedicando ao tema na
DF; e Carmen Cunha Mello Rodrigues,
do Centro Infantil Boldrini, que detém
grande conhecimento na humanização
e instrução das famílias com DF, em
Campinas, São Paulo.
Na área de saúde bucal, autoridades
incontestáveis são: Wellington Cavalcanti, especialista em cirurgia bucomaxilofacial, do Hemorio; Marlene Cezini,
da Faculdade de Odontologia da UFRJ,
com larga expertise e ativa mobilizadora para os estudos e cuidados nessa
especialidade para uso em DF; e Tiago Novais, responsável pela Gestão de
Saúde Bucal da Prefeitura Municipal de
Camaçari, BA. Outro trabalho importante é desenvolvido pelo professor Hélio
Morais, hematologista da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM),
que teve participação nas ações da Anvisa em prol da segurança e qualidade do
sangue, e hoje realiza, em Uberaba, Minas Gerais, esforço valioso na qualificação para a atenção em DF. Não se pode
omitir a contribuição do médico Marcos
Borato, hematologista da UFMG, pesquisador e coordenador de um dos projetos
essenciais para o SUS, denominado Projeto Aninha, que aprofundou a atenção
às gestantes com DF.
Mobilização
dos usuários
O surgimento das associações de usuários foi paulatino, em
consonância com os avanços das ações que foram conduzindo
o setor público a finalmente adotar uma política nacional de
DF. Na verdade, o processo de organização dos usuários em
associações teve início em 1995, com o lançamento do PAF.
Foi o primeiro estímulo para que eles começassem, ainda que
precariamente, a organizarem-se.
As associações pioneiras foram as de Minas Gerais, Associação de Drepanocíticos de Minas Gerais (Dreminas), isso
porque a denominação que lá se estabeleceu para a DF foi
drepanocitose; e do Rio de Janeiro, Associação de Falcêmicos
e Talassêmicos do Rio de Janeiro (Afarj). Ao longo dos primeiros anos, lutaram sozinhos, não estabelecendo vínculos com o
Movimento Negro.
Em 2000, Gilberto Santos assumiu a presidência da Afarj.
Com o apoio do Hemorio, a entidade mobilizou-se para que se
criasse um programa específico para cuidar da DF no Estado
do Rio de Janeiro. Utilizou o espaço físico da sede da entidade
que aglutinava e representava as pessoas com hemofilia. Durante algum tempo, toda a direção era composta de pessoas
com DF, caso único no País.
Nesse mesmo ano, 2000, em São Paulo, a enfermeira Berenice Kikuchi organizou-se em torno das pessoas com DF e
elaborou os primeiros manuais de cuidados específicos para
a doença. Ela foi pioneira nessa área, e é muito respeitada
por isso, inclusive porque trabalhou muitos anos sem apoio
governamental, e seus estudos acabaram sendo publicados
pela OPAS. Berenice dedicou-se amplamente a divulgar a
DF e a promover capacitação, treinando pessoal para o adequado tratamento. Deve-se a Berenice Kikuchi a criação da
61
62
Associação de Anemia Falciforme do Estado de São Paulo (Aafesp).
Ainda em 2000, quando o Hemorio
começou a movimentar-se para implantar o Teste do Pezinho, a Afarj associa-se à iniciativa, no sentido de motivar a
Secretaria de Saúde com vistas à criação de um programa estadual de DF,
com triagem neonatal. Nesse tempo, já
estava em funcionamento, na Bahia, a
entidade local de usuários, a Abadfal,
tendo como presidente Altair Lira, pai
de uma menina com DF. E avança um
pouco mais o movimento de expansão
das associações estaduais.
O MS praticamente não dispunha,
naquela época, de interlocutores entre
os usuários. Foi então que Gilberto Santos, da Afarj e outros usuários que se relacionavam com a Anvisa, à qual então
estava subordinada a DF, receberam incentivo importante, da parte da diretora
técnica da agência, Beatriz MacDowell, e
do médico José Antônio Vilaça, para que
realizassem um trabalho de expansão
das associações, oferecendo-lhes todo o
apoio institucional possível.
A Anvisa, por definição, não tinha
a função de tratar da DF, e considerava que os usuários poderiam exercer
o seu papel de cidadãos em busca de
maior apoio para suas necessidades.
Outro médico da Anvisa, Roger William
do Nascimento estimulado pelo médico
Ivan Angulo, também se agregou à causa, e atuou na aglutinação dos usuá-
Fonte: Arquivo pessoal.
Altair Lira
rios. Foi quando a agência publicou um
manual sobre DF, muito oportuno, e a
primeira portaria que oficializava o uso
da HU para tratamento da doença.
Em 2001, a ideia de associação mais
amadurecida deu margem, inclusive, à
criação de uma federação nacional de
associações estaduais, a Fenafal, tendo como presidente Gilberto Santos.
Finalmente, em 2004, o tratamento das
hemoglobinoterapias, entre elas a DF,
volta para o MS. Surge, então, no contexto do DAE/SAS, a Coordenação-Geral
de Sangue e Hemoderivados (CGSH). É
quando o médico Roger Nascimento vai
para o MS, onde, além de assessorar
na organização do novo setor, também
passa a cuidar da DF até a chegada da
futura assessora da política nacional,
Joice Aragão de Jesus. Nascimento
transfere-se, então, para a recém-criada Seppir.
Nesse contexto, a Fenafal, já em ritmo de expansão nos estados, passa a ter
assento em todos os espaços de trabalho
voltados para a organização da política nacional de DF. Com uma postura proativa e
questionadora, ela passa a ficar vigilante,
mas sempre atuando com base no diálogo com os gestores do ministério. Passa
a ser frequentadora assídua de eventos,
reuniões e comissões do ministério, tornando-se muito próxima da equipe da coordenação do sangue.
Em 2006, a Fenafal passa a ser presidida por Altair Lira, e continua mantendo
o mesmo perfil de relacionamento com o
MS. Em 2007, por ocasião do IV Simpósio,
a entidade solicitou à presidente do evento, Clarisse Lobo, a participação de um
representante de cada associação existente, no que é atendido, e no V Simpósio,
em 2009, em Minas Gerais, realiza, paralelamente, o I Encontro de Associações
de Pessoas com DF (Enafal), contando
com 34 associações em todo o País.
63
64
A cooperação
técnica
Brasil-África
A política de atenção integral à DF praticada no Brasil produziu resultados bastante benéficos. Embora a informatização
dos centros de referência ainda não nos permita obter dados
concretos, já podemos divulgar resultados pontuais. Estes sinalizam no sentido de que o índice de letalidade em DF no
Brasil está bem distante daquele que se conhece como sendo
o da história natural da doença: vida média de 5 anos. A vida
média já ultrapassa os 48 anos. Embora o esforço do Brasil
voltado para o público interno ainda precisasse de aperfeiçoamentos, o País já se mostrava maduro, em 2006, para oferecer a alguns países da África, onde a doença se originou,
uma atuação séria e conscienciosa de cooperação técnica
internacional em DF. As ações empreendidas pelo MS nesse
campo contou com importantes colaboradores. Entre eles, cabe citar
o nome da embaixadora do Brasil
no Senegal, na época em que ele
se iniciou, Kátia Gilaberte. Todos
os aspectos dessa matéria estão registrados na publicação do
MS, intitul da Doença Falciforme:
A experiência brasileira na África
(Brasil, 2012).
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65
66
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Anexo
71
72
Quadro 1 • Número de pessoas atendidas nos
hemocentros e centro de referência em 2005
20 UFs
AC
AL
AM
AP
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MG
MS
MT
PA
PB
PE
PI
PR
RN
RO
RR
SE
SC
SP
TO
RJ
RS
TOTAL
Doença Falciforme
NI*
120
NI
NI
2000
50
400
NI
NI
200
5.000
NI
NI
160
50
1.200
NI
80
NI
NI
NI
NI
NI
NI
120
3.500
NI
12.000
Fonte: PNTN/MS - *Não infomado.
Quadro 2 • Número de pessoas atendidas nos
hemocentro e centro de referência em 2010
20 UFs
AC
AL
AM
AP
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MG
MS
MT
PA
PB
PE
PI
PR
RN
RO
RR
SE
SC
TO
RJ
RS
SP
Total
Doença Falciforme
100
440
272
160
4.000
200
1.500
400
400
1.017
6.000
95
429
260
300
2.000
615
80
250
100
20
95
25
250
4.500
490
3.000
26.998
Fonte: PNTN/MS. NI: Não informado.
73
74
Quadro 3 • Número de
crianças diagnosticadas
com DF nos últimos anos
Quadro 4 • Número de
estados com rede
de atenção em DF
20071.140
20081.143
20091.455
20101.298
2005RJ
2011
Todos os estados
Fonte: PNTN/MS
Fonte: PNTN/MS
Quadro 5 • Publicações do Ministério da Saúde
para normatização da atenção em DF
2005
•Manual de saúde bucal
•Fôlder
2010
•Cartaz de eventos agudos
•Manual de atenção à gestante com DF
•Manual de agente comunitário de saúde
•Manual de condutas básicas em DF
•Manual de eventos agudos em DF
•Manual de saúde ocular
•Manual da linha de cuidado em DF
•Manual de autocuidado em DF
•Manual do Consenso Brasileiro sobre Atividades Esportivas
e Militares e Herança Falciforme no Brasil
•Manual para a população
Fonte: CGSH/MS
Quadro 6 • Número de associações de pessoas com DF
200505
201044
Fonte: PNTN/MS
Centros de referência em DF
Nacional
Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenatal)
Coordenadora-Geral: Altair Lira
E-mail: [email protected]
Distrito Federal e Estados/Regiões
NORDESTE
INSTITUIÇÃO
ENDEREÇO
TELEFONE/FAX
Hemoba
Centro de Hematologia e
Hemoterapia da Bahia
E-mail: [email protected]
Ladeira do Hospital Geral –
2º andar – Brotas
Salvador/BA
CEP: 40286-240
Tels.:
Hemoal
Centro de Hematologia e
Hemoterapia de Alagoas
E-mail: [email protected]
Av. Jorge de Lima, nº 58
Trapiche da Barra
Maceió/AL
CEP: 57010-300
Tel.:
(82) 3315-2102
Tel/Fax: (82) 3315-2106
Fax:
(82) 3315-2103
Hemose (Hemolacen)
Centro de Hematologia e
Hemoterapia de Sergipe
E-mail: [email protected]
Av. Tancredo Neves, s/nº
Centro Administrativo
Gov. Augusto Franco
Aracaju/SE
CEP: 49080-470
Tels.: (79) 3234-6012
(79) 3259-3191
(79) 3259-3195
Fax: (79) 3259-3201
Hemoíba
Centro de Hematologia e
Hemoterapia da Paraíba
E-mails: [email protected]
[email protected]
Av. D. Pedro II, 1.119 –
Torre
João Pessoa/PB
CEP: 58040-013
Tels.: (83) 3218-5690
(83) 3218-7601
Fax: (83) 3218-7610
PABX: (83) 3218-7600
Hemomar
Centro de Hematologia e
Hemoterapia do Maranhão
E-mail: [email protected]
Rua 5 de Janeiro, s/nº –
Jordoá
São Luís/MA
CEP: 65040-450
Tels.: (98) 3216-1137
(98) 3216-1139
(98) 3216-1100
Fax: (98) 3243-4157
Hemonorte
Centro de Hematologia e
Hemoterapia do Rio Grande do Norte
E-mail: [email protected]
Av. Alexandrino de Alencar,
nº 1.800 – Tirol
Natal/RN
CEP: 59015-350
Tel.:
Fax:
(71) 3116-5602
(71) 3116-5603
Tel./Fax: (71) 3116-5604
(84) 3232-6702
(84) 3232-6703
75
76
INSTITUIÇÃO
ENDEREÇO
TELEFONE/FAX
Hemopi
Centro de Hematologia e Hemoterapia
do Piauí
Rua 1º de Maio, nº 235 –
Centro
Teresina/PI
CEP: 64001-430
Tels.: (86) 3221-8319
(86) 3221-8320
Fax: (86) 3221-8320
PABX: (81) 3421-5575
Hemope
Centro de Hematologia de Pernambuco
E-mail: [email protected]
Av. Ruy Barbosa, nº 375
Recife/PE
CEP: 52011-040
Tels.: (81) 3182-4900
(81) 3182-5430
(81) 3182-6063
Fax: (81) 3421-5571
Hemoce
Centro de Hematologia e
Hemoterapia do Ceará
E-mails: [email protected]
[email protected]
Av. José Bastos, nº 3.390
Rodolfo Teófilo
Fortaleza/CE
CEP: 60440-261
Tels.: (85) 3101-2273
(85) 3101-2275
Fax: (85) 3101-2307
(85) 3101-2300
NORTE
INSTITUIÇÃO
TELEFONE/FAX
ENDEREÇO
Hemoam
Centro de Hemoterapia e Hematologia do
Amazonas
E-mails: [email protected]
[email protected]
Av. Constantino Nery, nº 4.397
Chapada
Manaus/AM
CEP: 69050-002
Tel.:
Fax:
(92) 3655-0100
(92) 3656-2066
Hemoraima
Centro de Hemoterapia e Hematologia de
Roraima
E-mail: [email protected]
Av. Brigadeiro Eduardo Gomes,
nº 3.418
Boa Vista/RR
CEP: 69304-650
Tels.:
(95) 2121-0859
(95) 2121-0861
(95) 2121-0860
Hemopa
Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará
E-mail: [email protected]
Trav. Padre Eutiquio, nº 2.109
Batista Campos
Belém/PA
CEP: 66033-000
Tels./Fax: (91) 3242-6905
(91) 3225-2404
Hemoacre
Centro de Hemoterapia e Hematologia do Acre
E-mail: [email protected]
Av. Getúlio Vargas, nº 2.787
Vila Ivonete
Rio Branco/AC
CEP: 69914-500
Tels.:
Hemoap
Centro de Hemoterapia e Hematologia do
Amapá
E-mails: [email protected]
[email protected]
Av. Raimundo Álvares da
Costa, s/nº
Jesus de Nazaré
Macapá/AP
CEP: 68908-170
Tel./Fax: (96) 3212-6289
Hemeron
Centro de Hematologia e Hemoterapia de
Rondônia
E-mail: [email protected]
Av. Circular II, s/nº
Setor Industrial
Porto Velho/RO
CEP: 78900-970
Tels.:
Fax:
(69) 3216-5490
(69) 3216-5491
(69) 3216-2204
(69) 3216-5485
Rondônia
Policlínica Osvaldo Cruz
Av. Governador Jorge Teixeira,
s/nº - Dist. Industrial
CEP: 78905-000
Tel.:
(69) 3216-5700
Hemoto
Centro de Hemoterapia e Hematologia de
Tocantins
E-mail: [email protected]
301 Norte, Conj. 2, lote I
Palmas/TO
CEP: 77001-214
Tel.:
Fax:
(63) 3218-3287
(63) 3218-3284
Fax:
Fax:
(68) 3248-1377
(68) 3228-1494
(68) 3228-1500
(68) 3228-1494
77
78
CENTRO-OESTE
INSTITUIÇÃO
TELEFONE/FAX
ENDEREÇO
Hemocentro
Centro de Hemoterapia e
Hematologia de Mato Grosso
E-mails: [email protected]
[email protected]
Rua 13 de junho nº 1.055
Centro
Cuiabá/MT
CEP: 78005-100
Tels.:
(65) 3623-0044
(65) 3624-9031
(65) 3321-4578
Tel./Fax: (65) 3321-0351
Distrito Federal
Hospital de Apoio de Brasília
SAIN – Quadra 4
Asa Norte - Brasília/DF
CEP:70620-000
Tel.:
Fax:
(61) 3341-2701
(61) 3341-1818
Goiás
Hospital de Clínicas – Universidade Federal
de Goiás
Primeira Avenida s/nº – Setor
Universitário
Goiânia/GO
CEP: 74605-050
Tel.:
(62) 3269-8394
Mato Grosso do Sul
Núcleo Hemoterápico do Hospital Regional
Mato Grosso do Sul
Av. Eng. Luthero Lopes nº 36
Aero Rancho V
Campo Grande/MS
CEP: 79084-180
Tels.:
(67) 3378-2677
(67) 3378-2678
(67) 3375-2590
(67) 3378-2679
Núcleo Hemoterápico do Hospital Universitário
E-mail: [email protected]
Av. Senador Filinto Müller s/nº –
Vila Ipiranga
Campo Grande/MS
CEP: 79080-190
Tels.:
(67) 3345-3302
(67) 3345-3167
(67) 3345-3168
Hemonúcleo da Santa Casa
Rua Eduardo Santos
Pereira, nº 88 – Centro
Campo Grande/MS
CEP: 79002-250
Tel.:
(67) 3322-4159
Fax:
SUDESTE
ENDEREÇO
TELEFONE/FAX
Hemorio
Centro de Hemoterapia e Hematologia do RJ
E-mails: [email protected]
[email protected]
Rua Frei Caneca, nº 8
Centro
Rio de Janeiro/RJ
CEP: 20211-030
Tels.: (21) 2332-8620
(21) 2332-8611
(21) 2332-8610
Fax: (21) 2332-9553
(21) 2224-7030
Hemoes
Centro de Hemoterapia e Hematologia do
Espírito Santo
E-mail: [email protected]
Av. Marechal Campos, nº 1.468
Maruípe
Vitória/ES
CEP: 29040-090
Tels.: (27) 3137-2466
(27) 3137-2458
Fax: (27) 3137-2463
INSTITUIÇÃO
INSTITUIÇÃO
TELEFONE/FAX
ENDEREÇO
Hemominas
Centro de Hemoterapia e Hematologia de MG
E-mails: [email protected]
[email protected]
Rua Grão Para, nº 882
Santa Efigênia
Belo Horizonte/MG
CEP: 30150-340
Tels.: (31) 3280-7492
(31) 3280-7450
Fax: (31) 3284-9579
Hemorrede de São Paulo
E-mail: [email protected]
Rua Dr. Enéas de
Carvalho Aguiar, nº 188
7º andar, sala 711
Cerqueira César
São Paulo/SP
CEP: 05403-000
Tels.: (11) 3066- 8303
(11) 3066-8447
(11) 3066-8287
Fax: (11) 3066-8125
Fundação Hemocentro/Centro
Regional de Hemoterapia de
Ribeirão Preto/SP
R. Ten. Catão Roxo, nº 2.501 –
Monte Alegre
Ribeirão Preto/SP
CEP: 14051-140
Tels.: (16) 2101-9300
(16) 9991-8664
SUL
INSTITUIÇÃO
TELEFONE/FAX
ENDEREÇO
Hemepar
Centro de Hemoterapia e Hematologia do
Paraná
E-mail: [email protected]
Trav. João Prosdócimo, nº 145
Alto da Quinze
Curitiba/PR
CEP: 80060-220
Tel.:
(41) 3281-4024
PABX: (41) 3281-4000
Fax:
(41) 3264-7029
Hemosc
Centro de Hemoterapia e Hematologia de
Santa Catarina
E-mail: [email protected]
Av. Othon Gama D’eça, nº 756
Praça D. Pedro I – Centro
Florianópolis/SC
CEP: 88015-240
Tels.:
Rio Grande do Sul
Hospital de Clínicas (HCC)
E-mail: [email protected]
R. Ramiro Barcelos nº 2.350 –
2º andar – sala 2235
Rio Branco
Porto Alegre/RS
CEP: 90035-003
Tels.:
(51) 2101-8898
(51) 2101-8317
Rio Grande do Sul
Grupo Hospitar Conceição
Rua Domingos Rubbo, 20 –
5º andar
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Porto Alegre/RS
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Tel.:
(51) 3357-4110
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(48) 3251-9741
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(48) 3251-9742
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ATENÇÃO E CUIDADO: a experiência brasileira 2005-2010
ATENÇÃO
E CUIDADO:
a experiência brasileira
2005-2010
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Brasília – DF
2014
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Doença falciforme: atenção e cuidado