PESQUISA MEDICAMENTOS MEDICAMENTOS O Idec foi até as farmácias e drogarias de São Paulo e constatou que praticamente não existe a venda de remédios fracionados na capital. Dos 25 estabelecimentos visitados em todas as regiões da cidade, apenas um vendia um medicamento em unidades fracionadas. Mesmo assim, estava em desacordo com a lei, já que o remédio não possuía embalagem própria, bula, e era vendido em área não apropriada ao fracionamento. A pesquisa, feita no início de setembro, também constatou que o consumidor pode economizar, em média, 10,4% com o fracionamento, mas esse ganho pode chegar a até 30% em alguns casos, considerandose o mesmo medicamento na sua versão genérica ou de referência. Se compararmos o custo total de um tratamento com um mesmo medicamento fracionado nas versões genérica e de referência, a economia pode chegar a 66,45%. A Drogaverde, uma das redes de drogarias pesquisadas, informou que vendia medicamentos fracionados até três meses atrás. A atividade foi suspensa por falta de retorno financeiro para a empresa. “Devi- ANVISA Os medicamentos fracionados estão novamente em discussão, desta vez para se tornarem obrigatórios; pesquisa revelou que até hoje eles não viraram realidade no mercado, embora possam propiciar racionalidade no tratamento e economia de mais de 60% ao consumidor do a não existirem campanhas publicitárias a fim de continuar divulgando o fracionamento, as vendas tiveram uma queda brusca”, informou a Drogaverde por meio de uma carta enviada ao Instituto. As caixas fechadas dos laboratórios farmacêuticos oferecem diferentes quantidades fixas de medicamentos. Isso acontece porque a posologia (indicação das doses em que eles devem ser administrados) varia muito de paciente para paciente, de acordo com seu grau de infecção, peso, idade e problemas de saúde preexistentes. O médico é quem avalia cada caso. Por isso mesmo, caixas com quantidades fixas de unidades podem não satisfazer as necessidades de todos. Para reduzir o desperdício e os gastos com medicamentos, o Idec defende o fracionamento. “Muitos tratamentos sairiam mais barato”, afirmou a presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Raquel Rizzi Grecche. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a economia do consumidor com os fracionados pode chegar a 20%. “FARMACINHA” O fracionamento permite a compra da dose necessária e evita o armazenamento de fármacos no ambiente doméstico, que pode facilitar intoxicações por causa de automedicação ou até da ingestão acidental por crianças. Não é à toa que os medicamentos ocupam o primeiro lugar na lista dos agentes tóxicos mais perigosos para os menores de cinco anos, segundo o levantamento anual do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O mais recente estudo revelou que, dos quase 90 mil casos de intoxicação registrados em 2005, mais de 6,5 mil foram com crianças. Já no Estado de São Paulo, de cada dez casos de intoxicação atendidos pelos Centros de Assistência Toxicológica (Ceatox), ligados à Secretaria de Estado da Saúde, quatro são em decorrência de remédios. Segundo a secretaria, as crianças pequenas e as mulheres são as principais vítimas (59%). Em 85% dos casos, a intoxicação ocorreu em casa. O estudo contabilizou quase 130 mil casos atendidos em todos os Ceatox paulistas nos últimos dez anos. “O armazenamento de remédios fora de uso, nas residências, aumenta o risco de acidentes infantis, e, culturalmente, as mulheres usam mais essas substâncias que os homens, por isso estão mais expostas”, analisou a coordenadora da pesquisa da Fiocruz, Rosany Bochner. Guardar remédio em casa também pode comprometer a qualidade do medicamento, devido às condições e ao tempo de armazenamento. Muitas vezes o consumidor acaba ingerindo remédios com o prazo de validade vencido, por simples falta de atenção. “É preciso uma grande campanha do Ministério da Saúde, como ocorreu com os genéricos, para sensibilizar os laboratórios, donos e funcionários das farmácias e drogarias, bem como a população, sobre os benefícios do fracionamento”, afirmou a presidente do CRF-SP, Raquel Grecche. REMÉDIOS E POSOLOGIAS Os objetivos da pesquisa eram verificar se os medicamentos com embalagens próprias para o fracionamento eram vendidos nas farmácias e drogarias, se os estabelecimentos respeitavam as exigências legais para a venda, e se as caixas oferecidas no mercado atendiam às necessidades dos consumidores. Com o apoio técnico do CRF-SP, optou-se por quatro princípios ativos utilizados no tratamento de doenças comuns e agudas da população adulta brasileira, vendidos sob prescrição médica. São eles: amoxicilina, contra infecções como pneumonia, amigdalite ou sinusite; cefalexina, contra faringites e infecções da pele; sulfametoxazol e trimetoprima, contra infecções respi- Qual é a diferença? Cada unidade do medicamento fracionado pode ser vendida separadamente. Essa é sua única diferença em relação aos remédios regulares. Porém, também é necessária uma segunda embalagem para a venda do fracionado. Nela, deve haver uma bula do remédio e uma etiqueta com o nome da farmácia ou drogaria, do farmacêutico e do medicamento, além da validade e do número do lote do produto. 24 Revista do Idec | Outubro 2007 Raquel Rizzi Grecche, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, alerta para a falta de informação sobre o fracionamento CRF-SP Remédio um a um Mas não é só o consumidor que deixa de economizar: o prejuízo se estende também ao Sistema Único de Saúde (SUS). Só no ano passado foram gastos R$ 4,2 bilhões com a aquisição e a distribuição de medicamentos. Neste ano, o Ministério da Saúde prevê um gasto de R$ 4,6 bilhões, o que corresponde a 12% do orçamento total do órgão. ratórias e urinárias; e cimetidina, contra a inflamação do esôfago causada por refluxo do suco gástrico (esofagite péptica). Para cada medicamento, foram levantadas diferentes posologias possíveis. Depois, a pesquisa determinou a quantidade de comprimidos ou cápsulas que o consumidor precisaria para fazer cada tratamento. Como referência, foi determinado um paciente fictício: um homem adulto, com 45 anos e 70 quilos. Também foram levadas em conta a freqüência da administração do medicamento e a duração do tratamento. Para conhecermos a quantidade fixa das caixas dos medicamentos, bem como seus preços, foi consultada a Revista da ABC Farma, uma espécie de guia para as farmácias. O cálculo do valor de cada unidade do medicamento fracionado e da economia feita em relação à compra de caixas fechadas levou em consideração todas as apresentações de um mesmo medicamento e laboratório. Dividiu-se o preço de cada uma pelo número de unidades contidas e, assim, identificou-se o menor preço possível por unidade. Em seguida, multiplicou-se esse valor pelo número de comprimidos necessários para o tratamento Revista do Idec | Outubro 2007 25 MEDICAMENTOS MEDICAMENTOS Custo do tratamento para diferentes posologias, versões de medicamento (genérico e de referência) e economia possível vel Princípio ativo (medicamento de referência) Amoxilina (Amoxil) Cefalexina (Keflex) Posologia Dose diária (em mg, no de unidades) Dias de tratamento Unidades necessárias para o tratamento 5 15 7 21 10 30 7 14 500 mg, 3 vezes ao dia 500 mg, 2 vezes ao dia 14 Sulfametoxazol + trimetoprima (Bactrim) Cimetidina (Tagamet) 28 400 mg + 80 mg, 2 x/dia (2 comp.) 7 800 mg + 160 mg, 2 x/dia (1 comp.) 7 14 28 56 84 168 400 mg, 2 vezes ao dia 28 * O preço do medicamento de referência foi sempre comparado ao do genérico. A tabela traz apenas a indicação do genérico mais barato, embora possa haver em vários casos mais de uma versão (a exceção foi para o tratamento de 14 dias com cefalexina, em que havia duas versões de genéricos com número diferente de comprimidos por caixa). Nos casos em que era necessário adquirir caixas com número de comprimidos diferentes para compor o tratamento – por exemplo, para 28 comprimidos, era necessário comprar duas caixas com 10 comprimidos e outra adicional com 8 unidades –, optamos por indicar os preços sempre de um mesmo laboratório, já que este deve ser o procedimento adotado intuitivamente pelo paciente. Os números em vermelho indicam os tratamentos mais baratos para cada afecção completo. Esse procedimento é determinado pela Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) no 6/05, da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), ligada à Anvisa. Em três dos quatro princípios ativos estudados, a compra dos remédios tal como eram oferecidos (em caixas fechadas) não satisfez o critério de compra do número exato de unidades para o tratamento. “Muitas vezes, sobra metade de uma caixa ao final do tratamento. É muito desperdício”, afirmou Karen Lang, pesquisadora do Idec. 26 Versão Unid./ caixa Total de caixas Sobras de unidades Custo total com m o medicamento vendido em caixas (em R$) C Custo total cas caso o mesmo me medicamento seja fracionado (em R$)2 Economia na compra de fracionados Da mesma versão (gen. ou ref.) Entre versões diferentes (gen. e ref.) em R$ em % em R$ em % 17,62 63,58 24,66 63,57 36,83 66,45 32,67 64,28 62,19 61,18 30,0 10,63 48,98 12,5 61,49 56,81 4,5 184,48 56,82 ref. 15 32,28 1 0 32,28 27,71 4,57 14,2 gen. 15 10,30 1 0 10,30 10,09 0,21 2,0 ref. 21 42,36 1 0 42,36 38,79 3,57 8,4 gen. 21 14,13 1 0 14,13 14,13 0,00 0,0 ref. 30 55,42 1 0 55,42 55,42 0,00 gen. 30 18,59 1 0 18,59 18,59 0,00 ref. 8 29,13 2 2 58,26 50,82 7,44 12,8 gen. 8 10,89 2 2 21,78 18,15 3,63 16,6 ref. 8 29,13 4 4 116,52 101,64 14,88 12,8 42,05 42,04 0,02 0,0 49,89 39,45 10,45 20,9 8 12,01 1 0 20 30,04 1 0 gen. 2 8 11,27 1 0 10 19,31 2 0 ref. 20 15,50 2 12 31,00 21,70 9,30 gen. 20 7,91 2 12 15,82 11,07 4,75 ref. 10 15,19 2 6 30,38 21,27 9,11 ref. 16 30,92 4 8 123,68 108,22 15,46 gen. 16 13,35 4 8 53,40 46,73 6,68 ref. 16 30,92 11 8 340,12 324,66 15,46 gen. 16 13,35 11 8 146,85 140,18 6,68 gen. 1 0,0 (1) Preços para o consumidor da Revista ABC Farma de setembro (no 193) com ICMS de 18% (estados de SP, MG e PR) Preços para os medicamentos fracionados retirados da Revista ABC Farma de setembro (no 193). Quando não indicados na revista, os preços para os demais medicamentos na forma fracionada foram calculados assim: para cada laboratório/medicamento, comparamos os preços por unidade das diferentes caixas e optamos pelo menor deles. É o que indica a RDC no 6/05 da Anvisa. Para o cálculo do custo total do tratamento, foi multiplicado o valor menor por unidade pelo número necessário de comprimidos Dicas para o consumidor ● Nas farmácias e drogarias, exija o medicamento fracionado. ● Verifique se o procedimento padrão, regulamentado pela Anvisa, está sendo cumprido, com a presença obrigatória de um farmacêutico, responsável pelo fracionamento, devidamente identificado. Nome, horário de trabalho e o CRF do profissional devem estar indicados numa placa, em local visível, assim como a regularização da Vigilância Sanitária. ● Deve haver um espaço reservado para o fracionamento, devidamente identificado, afastado de lavatórios ou sanitários. ● Verifique se a embalagem primária mento, chegamos à conclusão de que a economia em um tratamento pode ser de mais de 60%. É o caso do tratamento com amoxicilina (durante 10 dias, três vezes ao dia): se o gasto com o fracionado na versão de referência poderia ser de R$ 55,42, o mesmo tratamento com a versão genérica fracionada sairia por R$ 18,59, isto é, 66,45% a menos (veja tabela). É importante lembrar que pode (que envolve a unidade do remédio) não foi violada. ● As unidades fracionadas devem ser dispensadas em outra embalagem, entregue ao cliente com a bula e com as devidas informações em uma etiqueta. ● O profissional deve anotar os remédios dispensados de maneira fracionada em um livro de registros (ou sistema informatizado). A receita também deve ser carimbada. ● Na falta do fracionado, o consumidor deve pesquisar e comparar tamanhos de caixas e preços até encontrar o produto que lhe permite adquirir o número exato de unidades a um menor preço. haver outras posologias para os medicamentos selecionados para a pesquisa. Um dos principais argumentos em prol do fracionamento é que, como a quantidade de comprimidos necessária a uma pessoa pode variar muito, caixas com números fixos de unidades nem sempre satisfazem a todos. Portanto, o fracionamento permite adequar a venda dos remédios às necessidades reais do consumidor. (2) TRATAMENTO MAIS BARATO Um exemplo que pode ser citado, entre outros, é o do tratamento com sulfametoxazol e trimetoprima. No tratamento de uma infecção respiratória, pode ser adotada uma posologia de 7 ou 14 dias com dosagem diária de 800 mg (sulfametoxazol) e 160 mg (trimetropima) – administrada duas vezes ao dia. Para ambos os casos, as caixas existentes não trazem o número de comprimidos necessários (há caixas com 10 e com 20 comprimidos), de modo que o consumidor acaba ficando com uma sobra de 6 ou 12 com- Revista do Idec | Outubro 2007 Preço/ caixa (em R$)1 com seu fracionamento* primidos, conforme a caixa adquirida. Nos dois casos, se houvesse fracionamento, o consumidor economizaria 30% do que gasta atualmente, já que compraria exatamente o que precisa, nada a mais, nada a menos (veja exemplos na tabela). A partir dos exemplos de posologias utilizados, a única exceção ocorreu com a amoxicilina, cujas caixas com 15, 21 e 30 unidades atenderam à necessidade do tratamento fictício. Por outro lado, se compararmos os preços de unidades fracionadas das versões genéricas com as versões de referência para um mesmo medica- Fracionado de papel A tualmente, existe uma grande expectativa para a aprovação do Projeto de Lei no 7.029/06, enviado ao Congresso pelo Poder Executivo. Ele obriga os laboratórios a fabricarem medicamentos em embalagens para venda fracionada – o que insere um elemento novo na legislação sobre o fracionamento, já que atualmente a prática é voluntária. Em agosto passado, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados simplesmente alterou a redação do PL. Com a mudança, tornou o fracionamento apenas voluntário – situação que, além de ir totalmente de encontro ao interes- se do consumidor, não vai além do quadro existente hoje. Após a mobilização do Idec junto a outras 21 entidades, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados voltou atrás, e aprovou o PL com a obrigatoriedade. Para começar a valer, o projeto ainda precisa ser aprovado por outras comissões da Câmara e passar pelo Senado. A indústria farmacêutica, por meio da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma), ao mesmo tempo em que se diz favorável ao fracionamento, manifesta empecilhos à sua implantação. Entre eles, a necessidade de adequação do parque industrial e a suposta falta de interesse do consumidor em comprar o medicamento fracionado. A venda dos fracionados foi autorizada em 1993, pelo então presidente Itamar Franco (Decreto no 793/93). Mas a autorização era dirigida apenas às farmácias (que vendem remédios industrializados e também manipulam fármacos). Mais tarde, em 2006, a RDC no 80/2006 da Anvisa autorizou também as drogarias (locais que só comercializam medicamentos industrializados) a distribuir os fracionados. Na ocasião, o Idec trabalhou ativamente em prol da questão (veja REVISTA DO IDEC de abril, maio e junho de 2005). Revista do Idec | Outubro 2007 27