Oswald de Andrade 1 Oswald de Andrade José Oswald de Sousa Andrade nasceu em São Paulo em 1890. Presenciar a virada do século, aos 10 anos, foi marcante, como relembra o poeta já adulto: "Havíamos dobrado a esquina de um século. Entrávamos em 1900... " . São Paulo despertava para a industrialização e a tecnologia. Abria-se um novo mundo urbano, que Oswald logo assimilaria fascinado: o bonde elétrico, o rádio, o cinema, a propaganda com sua linguagem-síntese... "A Alegria é A Prova dos Nove!" OSWALD DE ANDRADE, poeta, romancista e dramaturgo, nasceu em São Paulo em 11 de janeiro de 1890. Filho de família rica, estuda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e, em 1912, viaja para à Europa. Oswald tinha 22 anos quando fez a primeira de várias viagens à Europa (1912), onde entrou em contato com os movimentos de vanguarda. Mas só depois de dez anos empregaria as técnicas desses movimentos. De qualquer forma, divulgou o Futurismo e o Cubismo. O terceiro casamento, com Tarsila do Amaral, em 1926, forjou o casal responsável pelo lançamento da Antropofagia. Mário os chamava de "Tarsiwald"... Com Tarsila voltou à Europa algumas vezes. A crise de 29 abalou as finanças do escritor. Vem a separação de Tarsila e uma nova relação: Patrícia Galvão (Pagu), escritora comunista. Oswald passou a participar de reuniões operárias e ingressou no Partido Comunista. Casou-se mais uma vez, depois de separado de Pagu, até que, já com 54 anos, conheceu Maria Antonieta d'Alkmin. Permaneceram juntos até a morte do poeta, em 1954. Nenhum outro escritor do Modernismo ficou mais conhecido pelo espírito irreverente e combativo do que Oswald de Andrade. Sua atuação intelectual é considerada fundamental na cultura brasileira do início do século. A obra literária de Oswald apresenta exemplarmente as características do Modernismo da primeira fase. Em Pau-Brasil, põe em prática as propostas do manifesto do mesmo nome. Na primeira parte do livro, "História do Brasil", Oswald recupera documentos da nossa literatura de informação, dando-lhe um vigor poético surpreendente. Na segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonização" -, o escritor revê alguns momentos de nossa época colonial. O que mais chama a atenção nesses poemas é o poder de síntese do autor. No Pau-Brasil há ainda a descrição da paisagem brasileira, de cenas do cotidiano, além de poemas metalingüísticos. A poesia de Oswald é precursora de um movimento que vai marcar a cultura brasileira na década de 60: o Concretismo. Suas idéias, recuperadas também na década de 60, reaparecem com roupagem nova no Tropicalismo. Memórias sentimentais de João Miramar chama a atenção pela linguagem e pela montagem inédita. O romance apresenta uma técnica de composição revolucionária, se comparado aos romances tradicionais: são 163 episódios numerados e intitulados, que constituem capítulosrelâmpago - tudo muito influenciado pela linguagem do cinema - ou, mais precisamente, como se os fragmentos estivessem dispostos num álbum, tal qual fotos que mantêm relação entre si. Cada episódio narra, com ironia e humor, um fragmento da vida de Miramar. "Recorte, colagem, montagem", resume o crítico Décio Pignatari. 2 Oswald de Andrade O material narrativo segue esta ordem: infância de Miramar, adolescência e viagem à Europa a bordo do navio Marta; regresso ao Brasil, motivado pela morte da mãe; casamento com Célia, e um romance paralelo com a atriz Rocambola; nascimento da filha; divórcio e morte de Célia; falência de Miramar. Em 1937 publicou-se O rei da vela, peça que focaliza a sociedade brasileira dos anos 30. Pelo seu caráter pouco convencional, só foi levada a cena trinta anos depois, integrando o movimento tropicalista. Muita lenda e anedota têm corrido sobre a figura humana e a personalidade literária do escritor Oswald de Andrade. Ora rasgados elogios às suas descobertas geniais, reconhecidas como fruto da intuição e imaginação fabulosas, ora críticas ao gosto pela improvisação e pela surpresa. No aspecto formal, Oswald inovou a poesia com seus pequenos poemas, em que sempre havia um forte apelo visual, criando o chamado "poema-pílula". É sem dúvida grande ponto de referência ao Modernismo brasileiro. PRINCIPAIS OBRAS: Romances Os Condenados (1922), Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), Estrela de Absinto (1927), Serafim Ponte Grande (1933), A Escada Vermelha (1934), Os Condenados (l941) reunindo os livros de 1922,1927 e 1934, constituindo a Trilogia do Exílio, Marco Zero I Revolução Melancólica (1943), Marco Zero II - Chão (1946). Poesia Pau-Brasil (1925), Primeiro Caderno de Poesia do Aluno Oswald de Andrade (1927), Poesias Reunidas (1945). Teatro O Homem e o Cavalo (1943), Teatro (A Morta, O Rei da Vela), (1937). Ensaio Ponta de Lança (1945?), A Arcádia e a Inconfidência (1945), A Crise da Filosofia Messiânica (1950), A Marcha das Utopias (1966). Memórias Um Homem sem Profissão (1954). 3 Oswald de Andrade 3 DE MAIO Aprendi com meu filho de dez anos Que poesia é a descoberta Das coisas que eu nunca vi SECRETÁRIO DOS AMANTES I Acabei de jantar um excelente jantar 116 francos Quarto 120 francos com água encanada Chauffage central Vês que estou bem de finanças Beijos e coisas de amor II Bestão querido Estou sofrendo Sabia que ia sofrer Que tristeza este apartamento de hotel III Granada é triste sem ti Apesar do sol de ouro E das rosas vermelhas 4 Oswald de Andrade IV Mi pensamiento hacia Medina del Campo Ahora Sevilla envuelta en oro pulverizado Como una dádiva s mis ojos enamorados Sin embargo que tarde la mia V Que alegria teu rádio Fiquei tão contente que fui à missa Na igreja toda a gente me olhava Ando desperdiçando beleza Longe de ti VI Que distância! Não choro porque meus olhos ficam feios. BIBLIOTECA NACIONAL A Criança Abandonada O doutor Coppelius Vamos com Ele Senhorita Primavera 5 Oswald de Andrade Código Civil Brasileiro A arte de ganhar no bicho O Orador Popular O Pólo em Chamas RECLAME Fala a graciosa atriz Margarida Perna Grossa Linda cor — que admirável loção Considero lindacor o complemento Da toalete feminina da mulher Pelo seu perfume agradável E como tônico do cabelo garçone Se entendam todas com Seu Fagundes Único depositório Nos E. U. do Brasil PROCISSÁO DO ENTERRO A Verônica estende os braços E canta O pálio parou Todos escutam A voz na noite Cheia de ladeiras acesas 6 Oswald de Andrade EPITÁFIO Eu sou redondo, redondo Redondo, redondo eu sei Eu sou urna redond'ilha Das muiheres que beijei Por falecer do oh! amor Das muiheres de minh'ilha Minha caveira rirá ah! ah! ah! Pensando na redondilha Canto de regresso à pátria Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 7 Oswald de Andrade E o progresso de São Paulo. Relógio As coisas são As coisas vêm As coisas vão As coisas Vão e vêm Não em vão As horas Vão e vêm Não em vão Erro de português Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena!Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português A descoberta Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava da Páscoa Topamos aves 8 Oswald de Andrade E houvemos vista de terra os selvagens Mostraram-lhes uma galinha Quase haviam medo dela E não queriam por a mão E depois a tomaram como espantados primeiro chá Depois de dançarem Diogo Dias Fez o salto real as meninas da gare Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis Com cabelos mui pretos pelas espáduas E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha. Balada do Esplanada Ontem à noite Eu procurei Ver se aprendia Como é que se fazia Uma balada Antes de ir Pro meu hotel. É que este Coração 9 Oswald de Andrade Já se cansou De viver só E quer então Morar contigo No Esplanada. Eu queria Poder Encher Este papel De versos lindos É tão distinto Ser menestrel No futuro As gerações Que passariam Diriam É o hotel É o hotel Do menestrel Pra me inspirar Abro a janela Como um jornal Vou fazer A balada Do Esplanada E ficar sendo 10 Oswald de Andrade O menestrel De meu hotel Mas não há, poesia Num hotel Mesmo sendo 'Splanada Ou Grand-Hotel Há poesia Na dor Na flor No beija-flor No elevador Oferta Quem sabe Se algum dia Traria O elevador Até aqui O teu amor Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno 11 Oswald de Andrade E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados O gramático Os negros discutiam Que o cavalo sipantou Mas o que mais sabia Disse que era Sipantarrou. O capoeira — Qué apanhá sordado? — O quê? — Qué apanhá? Pernas e cabeças na calçada. 12 Oswald de Andrade Relicário No baile da Corte Foi o Conde d'Eu quem disse Pra Dona Benvinda Que farinha de Suruí Pinga de Parati Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí DITIRAMBO Meu amor me ensinou a ser simples Como um largo de igreja Onde não há nem um sino Nem um lápis Nem uma sensualidade ESCAPULÁRIO No Pão de Açúcar De Cada Dia Dai-nos Senhor A Poesia De Cada Dia AMOR Humor 13 Oswald de Andrade SENHOR FEUDAL Se Pedro Segundo Vier aqui Com história Eu boto ele na cadeia OCASO No anfiteatro de montanhas Os profetas do Aleijadinho Monumentalizam a paisagem As cúpulas brancas dos Passos E os cocares revirados das palmeiras São degraus da arte de meu país Onde ninguém mais subiu Bíblia de pedra-sabão Banhada no ouro das minas as meninas da gare Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis Com cabelos mui pretos pelas espáduas E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha 14 Oswald de Andrade O Sul-Americano Calabar Torcida indígena a favor de um imperialismo "civilizador". Leitor pequeno-burguês, não será você? No Brasil há duas correntes de opinião: os que acreditam que a guerra holandesa acabou e os que sabem perfeitamente que ela continua, através de fundings, empréstimos e tomadas de poder por este ou aquele grupo calabarista. prosperidade O café é o ouro silencioso De que a geada orvalhada Arma torrefações ao sol Passarinhos assoviam de calor Eis-nos chegados à grande terra Dos cruzados agrícolas Que no tempo de Fernão Dias E da escravidão Plantaram fazendas como sementes E fizeram filhos nas senhoras e nas escravas Eis-nos diante dos campos atávicos Cheios de galos e de reses Com porteiras e trilhos 15 Oswald de Andrade Usinas e igrejas Caçadas e frigoríficos Eleições tribunais e colônias Misto de paródia e invenção, este clássico do modernismo brasileiro, Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, de Oswald de Andrade, publicado em 1927, além de colocar em xeque o conceito tradicional de livro de poemas, radicaliza procedimentos poéticos da vanguarda: o estilo telegráfico e a montagem. Ao publicar o Primeiro caderno do aluno de poesia do aluno Oswald de Andrade, ele buscava uma poesia como que feita por criança, uma poesia que visse o mundo com olhos novos: Anacronismo O português ficou comovido de achar Um mundo inesperado nas águas E disse: Estados Unidos do Brasil História da Pátria Lá vai uma barquinha carregada de Aventureiros Lá vai uma barquinha carregada de Bacharéis Lá vai uma barquinha carregada de Cruzes de Cristo Lá vai uma barquinha carregada de Donatários Lá vai uma barquinha carregada de Espanhóis 16 Oswald de Andrade Paga prenda Prenda os espanhóis Lá vai uma barquinha carregada de Flibusteiros Lá vai uma barquinha carregada de Governadores Lá vai uma barquinha carregada de Holandeses Lá vem uma barquinha cheiinha de índios Outra de degradados Outra de pau de tinta Até que o mar inteiro Se coalhou de transatlânticos E as barquinhas ficaram Jogando côa raça misturada No litoral azul do meu Brasil Brinquedo Roda roda São Paulo Mando tiro tiro lá Da minha janela eu avistava Uma cidade pequena Pouca gente passava Nas ruas. Era uma pena 17 Oswald de Andrade [...] Os bondes da Light bateram Telefones na ciranda Os automóveis correram Em redor da varanda Roda roda São Paulo Mando tiro tiro lá [...] Depois entrou no brinquedo Um menino grandão Foi o primeiro arranha-céu Que rodou no meu céu [...] “Canção da Esperança de 15 de novembro de 1926” O céu e o mar Atira anil No meu Brasil Sobre a cidade Flutua A bandeira do Porvir 18 Oswald de Andrade Cada árvore De estanho Plantada Espera A passagem Da carruagem Do presidente Do Brasil O céu e o mar Atira anil No meu Brasil Sobre a cidade Flutua A bandeira do Porvir E o povo Ansioso Airoso Sacode no ar A palheta Da esperança Vendo o dia Tropical Que vai passar Na carruagem Dos destinos 19 Oswald de Andrade Do Brasil [...] E os dragões impacientes Nos cavalos impacientes Esperam impacientes Que o acadêmico exponha A dedicação Da gente brasileira Pelo seu Presidente [...] Os cavalos esperam Os dragões esperam O povo espera Que passe no anil Entre filas Do mar e do céu O Presidente do Brasil. ©Protegido pela Lei do Direito Autoral LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998Permitido o uso apenas para fins educacionais.Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, modificado e que as informações sejam mantidas. 20 Oswald de Andrade