UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES
BRUNO DE OLIVEIRA FERREIRA
EDUCOMUNICAÇÃO & DISCURSOS:
A FALA DO ADULTO NOTICIADA PELO JOVEM
São Paulo
2014
BRUNO DE OLIVEIRA FERREIRA
EDUCOMUNICAÇÃO & DISCURSOS:
A FALA DO ADULTO NOTICIADA PELO JOVEM
Trabalho de conclusão apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo como pré-requisito para obtenção do título de especialista em Educomunicação:
Comunicação, Mídias e Educação.
ORIENTAÇÃO: PROFª. DRª. MARIA CRISTINA PALMA MUNGIOLI
São Paulo
2014
2
Dedico este trabalho à rede de jovens e amigos que conquistei durante minha atuação como
educomunicador. Os Virajovens ressignificaram o jornalismo em minha vida profissional,
trazendo-me a percepção do quanto a comunicação pode ser transformadora, quando feita de
modo engajado e numa perspectiva educativa.
3
AGRADECIMENTOS
À coordenação do curso de especialização em Educomunicação: Comunicação, Mídias e
Educação, da ECA/USP pela confiança em me conceder a bolsa de estudos para cursar esta
especialização que tem inestimável relevância em minha formação humana e profissional.
À Viração Educomunicação, que realizou meu sonho de adolescente de trabalhar com
Educomunicação, sensibilizando-me para ser um cidadão mais participativo, um ser humano melhor
resolvido e um profissional realizado.
À querida Profª Dra. Maria Cristina Palma Mungioli pela atenciosa, inspiradora e
provocativa orientação, que muito me auxiliou no delineamento deste trabalho e pela indicação de
autores preciosos e fundamentais para esta monografia e, sobretudo, para minha atuação como
jornalista e educomunicador.
Aos adolescentes Daniel Mendes, Thailane Oliveira e Thamires Rozendo, com os quais tive
contato durante a cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, em
Brasília, em outubro de 2013, e que gentilmente concederam entrevistas extremamente relevantes
para este trabalho.
À Lilian Romão, Elisangela Nunes (Elis) e Rafael Silva, colegas da Viração, que também
aceitaram contribuir para este trabalho, dedicando momentos importantes de suas horas de trabalho
para responderem questões fundamentais para o seu desenvolvimento.
À família e amigos queridos, pela compreensão em razão da minha ausência nos últimos
feriados e finais de semana em que dediquei atenção exclusiva à conclusão deste trabalho.
4
RESUMO
O objetivo da pesquisa foi discutir e analisar a prática de produção de notícias realizada sob
a perspectiva da Educomunicação, chamada “cobertura educomunicativa”, pela organização
Viração Educomunicação. Trata-se de um tipo de atividade orientada por educomunicadores dessa
organização nas quais adolescentes e jovens atuam como entrevistadores, repórteres e produtores de
conteúdo midiático sobre congressos, conferências e seminários que tratem de direitos humanos,
educação e comunicação. O presente trabalho buscou discutir as circunstâncias em que as
coberturas se desenvolvem como prática pedagógica, por meio da qual o jovem enuncia seus
discursos, construídos sob olhar e orientação do adulto. Dessa forma procurou-se compreender se,
efetivamente, a aproximação dos jovens com produção midiática promove o encontro dialógico
entre esses atores sociais. Como forma de conseguir sua sustentabilidade financeira, a Viração
promove coberturas educomunicativas como prestação de serviço. Assim, a principal pergunta deste
trabalho pode ser assim apresentada: nessa relação contratual, seria possível ao jovem elaborar um
discurso crítico, problematizador e independente por meio de linguagens midiáticas? Como forma
de responder a essa pergunta, o presente estudo baseou-se em pesquisa bibliográfica, documental e
de campo, utilizando como técnica de pesquisa o estudo de caso. O trabalho se construiu sobre os
pilares dos estudos de Analise do Discurso (AD), dos estudos de linguagem de Bakhtin e dos
estudos do campo da Educomunicação. Os resultados da pesquisa indicaram que a metodologia da
cobertura educomunicativa analisada não propiciou a apropriação da comunicação na perspectiva
da relação e do diálogo. A discussão efetuada indicou que o problema metodológico não incidiu, de
fato, sobre a relação contratual da prestação de serviço, mas sobre a metodologia adotada. Frente ao
problema, o presente trabalho apresenta uma proposta de intervenção com o objetivo de favorecer a
comunicação dialógica e engajada dos jovens participantes em atividades de cobertura
educomunicativa.
Palavras-chave: Educomunicação, discurso, diálogo, cobertura educomunicativa, produção
midiática, jovem.
5
ABSTRACT
The objective of this research was to discuss and analyze the practice in production of news
under Educommunication perspective, known as “educommunicative coverage”, by the
organization ‘Viração Educomunicação’. It is an activity guided by educommunicators from that
organization in which teenagers and young act as interviewers, reporters and producers of media
content over congresses, conferences and seminars dealing with human rights, education and
communication. This study aimed to discuss the circumstances in which the coverage is developed
as a pedagogical practice, through which the young states his speeches built under the supervision
of an adult. Thus we attempted to understand if effectively the approximation of young people with
midiatic production promotes dialogical encounter between these social actors. As a way to achieve
financial sustainability ‘Viração’ promotes educommunicative coverage as service provision. So the
main question of this study can be presented as it follows: this contractual relationship, it would be
possible to prepare a young to create a critic discussion, problem-solving and independent through
media languages? In order to answer this question, this study is based on literature, documentary
and field research, using as a technique research the case study, this work is built on the pillars of
studies Discourse Analysis (DA), the Bakhtin language studies and studies in the field of
Educommunication. Results of this research indicated that the methodology of educommunicative
coverage analyzed, did not provide the appropriation from the perspective of the relationship and
dialogue. The discussion carried out, indicated that the methodological problem does not relate, in
fact, the contractual relation of service provision but on the adopted methodology. Face to the
problem, this study presents a proposal for intervention, aiming to promote dialogic communication
and engaged to young participants in activities of educommunicative coverage.
Keywords: Educommunication, speech,
production, teenage.
dialogue,
educommunicative coverage,
midiatic
6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 10
PARTE I - A CONSTRUÇÃO DO OBJETO ............................................................................... 14
1.
VIRAÇÃO EDUCOMUNICAÇÃO...................................................................................... 15
1.1. Coberturas educomunicativas ............................................................................................. 22
2. EDUCOMUNICAÇÃO: DO SENSO COMUM À TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ............... 28
2.1. O papel do educomunicador ............................................................................................... 33
3. JORNALISMO COMO PRÁTICA EDUCOMUNICATIVA .................................................. 36
3.1. A produção da notícia ......................................................................................................... 37
3.2. Reportagem: o relato circunstanciado ................................................................................ 41
3.3. Cobertura jornalística na perspectiva da Educomunicação ................................................ 43
3.4. Participação de adolescentes e jovens por meio da Educomunicação ................................ 48
4. DISCURSO, MÍDIA E PODER ................................................................................................ 54
4.1. Mídia, discursos e ideologia ............................................................................................... 58
4.2. Legitimação do discurso ..................................................................................................... 62
4.3. Leitura crítica das mídias.................................................................................................... 64
PARTE II - ANÁLISE DO OBJETO ............................................................................................ 66
5. CAMINHOS E MAPAS DA PESQUISA ................................................................................. 67
5.1. Objetivos da pesquisa ......................................................................................................... 67
5.2. Hipóteses de trabalho ......................................................................................................... 68
5.3. Procedimentos metodológicos ............................................................................................ 69
5.4. Questionários norteadores das entrevistas .......................................................................... 73
6. A NOTÍCIA PRODUZIDA PELO JOVEM ............................................................................. 75
6.1. Gestores da Viração e a cobertura educomunicativa .......................................................... 76
6.2. A visão dos jovens sobre a cobertura educomunicativa ..................................................... 78
6.3. Conteúdos produzidos no contexto da cobertura educomunicativa.................................... 79
6.4. Recepção de conteúdo da cobertura educomunicativa ....................................................... 93
7
6.5. Análise dos vídeos ............................................................................................................ 102
6.6. O jovem comunicador e o discurso do adulto .................................................................. 106
6.7. Retomada das hipóteses .................................................................................................... 117
7. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ......................................................................................... 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 130
ANEXOS ..................................................................................................................................... 133
ANEXO 1 - ENTREVISTA COM LILIAN ROMÃO, DIRETORA EXECUTIVA DA VIRAÇÃO
EDUCOMUNICAÇÃO ............................................................................................................... 134
ANEXO 2 - ENTREVISTA COM RAFAEL ALVES DA SILVA, COORDENADOR DA COBERTURA
DA III CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL .................................... 140
ANEXO 3 - ENTREVISTA COM ELISANGELA NUNES CORDEIRO, EDUCOMUNICADORA DO
GRUPO DE ADOLESCENTES QUE PARTICIPARAM POLITICAMENTE DA III CONFERÊNCIA
GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL ............................................................................. 149
ANEXO 4 - ENTREVISTA COM JOVENS PARTICIPANTES DA COBERTURA DA III
CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL ................................................ 151
ANEXO 5 - PESQUISA DE RECEPÇÃO A PARTIR DA ASSISTÊNCIA DO VÍDEO ENTREVISTA
COM ANTÔNIO OLIVEIRA, DO FÓRUM DO CEARÁ, NA 3ª CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE
TRABALHO INFANTIL ............................................................................................................ 158
ANEXO 6 - PROJETO COBERTURAS EDUCOMUNICATIVAS DO PROCESSO DA III
CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL ................................................ 163
8
APRESENTAÇÃO
Nas páginas que seguem, o leitor terá acesso a uma pesquisa que discute o processo de
elaboração de discursos por jovens participantes de uma atividade, cuja metodologia se alicerça na
produção de conteúdos noticiosos na perspectiva da Educomunicação, denominada cobertura
educomunicativa.
A introdução contextualiza, em linhas gerais, a proposta de uma cobertura educomunicativa,
apresentando-a como metodologia integrante da organização que esta pesquisa adota como objeto
de estudo: a Viração Educomunicação, levantando as principais questões abordadas no desenrolar
do trabalho, bem como os principais referenciais teóricos utilizados.
Este trabalho divide-se em duas partes, sendo a primeira dedicada a construir teoricamente o
objeto da pesquisa; e a segunda se atém à análise e detalhamento de suas especificidades. Dessa
maneira, o primeiro capítulo resgata o histórico da organização que desenvolveu a metodologia de
cobertura educomunicativa que se pretende analisar, bem como a sua atual configuração, projetos e
missão.
O segundo capítulo procura referenciar o paradigma que orienta a atuação da organização
em questão e suas práticas, a Educomunicação, destacando suas principais questões e o papel social
do educomunicador.
A partir da experiência de cobertura da Viração, o capítulo seguinte aborda o jornalismo
como prática educomunicativa, traçando características comuns e divergentes entre as duas áreas de
atuação. A partir de autores do jornalismo, da interface comunicação/educação e de outras áreas,
procura-se definir cobertura educomunicativa e compreender de que forma ela promove a
participação social de jovens em contextos predominantemente formais e adultos.
O quarto capítulo aborda o conceito de discurso e sua elaboração pelo sujeito, bem como a
sua concepção a partir das mídias, procurando esclarecer de que forma implicita ideologia e
pontuando mecanismos que o legitimam socialmente.
A segunda parte deste trabalho inicia-se com o capítulo 5, que esclarece quanto aos
procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, elencando os objetivos da
discussão que propõe e as hipóteses de trabalho. O capítulo seguinte dedica-se, finalmente, à análise
9
dos dados da pesquisa de campo, colocando em diálogo as falas dos entrevistados – que abrangem
gestores da organização, jovens participantes da cobertura e jovens receptores de um dos conteúdos
produzidos durante a conferência em questão – com autores utilizados na parte teórica deste
trabalho. Neste mesmo capítulo, procuramos ainda analisar os conteúdos midiáticos produzidos por
jovens durante a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, numa tentativa de, retomando o
processo da cobertura educomunicativa, identificar posicionamento crítico nas mensagens.
Os capítulos finais dedicam-se à elaboração de uma proposta de intervenção com vistas à
superação das fragilidades metodológicas identificadas na pesquisa e às considerações finais,
abordando nova perspectiva quanto ao papel do educomunicador no contexto analisado.
10
INTRODUÇÃO
A educação do sujeito sócio-histórico-cultural não se faz apenas dentro de uma sala de aula.
Ao contrário, desde Sócrates se discute a importância de se pensar a Educação e as práticas
educacionais para além de um espaço circunscrito onde os educandos ficassem confinados. Apesar
de antiga, a concepção de que o processo de ensino-aprendizagem não ocorre apenas intra-muros
escolares sempre foi vista com ceticismo em termos de políticas públicas de educação. No entanto,
atualmente, com o grande avanço das tecnologias de informação e de comunicação nas últimas
décadas, ganha força o argumento de que a escola é o ambiente em que pouco se aprende, uma vez
que os indivíduos, graças às mais modernas possibilidades de interação com o outro – sobretudo no
âmbito da internet – podem experimentar e vivenciar o conhecimento de maneira lúdica e
comunicativa.
Além disso, os valores sociais e o conhecimento são constituídos e transmitidos de geração
em geração e ressignificados a partir dos acontecimentos que eclodem no inevitável curso da
história. Sobretudo em razão do confronto entre ideologias distintas que disputam a hegemonia
social. O sujeito, em seu processo de formação constante, pelo simples fato de estar no mundo,
adquire, cotidianamente e de diferentes formas e a partir de seu lugar no mundo, concepções e
valores sobre esse mesmo mundo.
As diversas instâncias sociais com as quais o indivíduo tem contato desde o nascimento
auxiliam em sua constituição enquanto sujeito. Para Martín-Barbero, a interação com as situações
cotidianas mediadas, com outros sujeitos sociais, instituições, meios de comunicação (entre elas) e
seus valores é o que torna o sujeito quem ele é, com suas concepções de mundo, sua personalidade,
seus desejos, sua forma de viver e transformar a realidade que o cerca.
Martín-Barbero entende que as mediações são, portanto, múltiplas, uma vez que o sujeito
interage por meio das diversas formas de mediação com seus pares em diferentes instâncias e
perspectivas, mas todas elas, de alguma maneira, contribuem para a sua formação humana.
É nesse contexto que se torna imprescindível ao educomunicador se deter e problematizar os
discursos produzidos e veiculados pelas mídias, pois, apesar, de atualmente haver uma
multiplicidade de meios de interação, observa-se em geral, o reforço de ideias hegemônicas em vez
11
de sua problematização, inclusive naqueles meios e veículos que se apresentam como alternativas à
massificação da comunicação. Nesse sentido, argumentamos que os discursos se disseminam nas
mídias, na escola, nas redes sociais, no âmbito religioso, entre outros, sem um adequado processo
de mediação, no sentido que Martín-Barbero lhe atribui, que lhes questione o sentido.
Principalmente no âmbito da infância e adolescência há uma grande preocupação, por parte
dos adultos, de “filtrar” determinados discursos, especialmente no sentido de impedir que crianças e
adolescentes tenham acesso a mensagens de teor violento e pornográfico, numa legítima tentativa
de proteger seus direitos. Essa postura, no entanto, nem sempre consegue proteger as crianças e
jovens tanto em razão do grande acesso à informação por meio da rede mundial de computadores
quanto em razão da curiosidade natural dos indivíduos dessas faixas etárias.
No entanto, acreditamos com Martín-Barbero e Rey (2001) que, no âmbito da educação, não
basta apenas proteger crianças e adolescentes de alguns conteúdos hoje facilmente acessados. Por
isso, defendemos, desde cedo, uma leitura crítica e problematizadora dos discursos amplamente
difundidos na sociedade.
No entanto, a educação tradicional é uma das instâncias sociais que, em vez de colocar em
cena, para o estudante, a diversidade de vozes existentes na sociedade, procura legitimar apenas os
discursos hegemônicos, marginalizando ou ignorando as visões de mundo – e todas as
possibilidades expressivas que surgem a partir dela –, de grupos sociais que constroem, em um
contexto social adverso às ideias dominantes, seu discurso de resistência.
Dessa forma, são iniciativas contra-hegemônicas que, atualmente, buscam problematizar os
discursos conservadores. Presentes nos movimentos sociais e nas comunidades periféricas dos
grandes centros urbanos, ou ainda em comunidades rurais, que lidam cotidianamente com a
ausência do Estado e a vulnerabilidade social, propõem formas de educação que possibilitam a
vivência e o aprendizado de valores sociais que revertem a dominante lógica do capital.
No âmbito da Educomunicação, identificam-se projetos de organizações sociais e que criam
mecanismos para viabilizar a expressão de crianças, adolescentes e jovens a partir do estímulo à
produção midiática. Nesse sentido atua a organização não governamental Viração Educomunicação,
que promove ações junto a esses atores, para que exerçam seu direito à expressão e à comunicação
em espaços públicos de discussão, ocupados predominantemente por adultos.
12
A Viração orienta jovens para que atuem como entrevistadores e repórteres em atividades
definidas como coberturas educomunicativas, em que adolescentes produzem conteúdos em
linguagem jornalística sobre congressos, conferências e seminários que tratem de direitos humanos,
educação e comunicação.
Partindo do reconhecimento da legitimidade e relevância dessa prática social, o presente
trabalho busca discutir as circunstâncias em que as coberturas se desenvolvem enquanto prática
pedagógica, por meio da qual o jovem enuncia seus discursos. Discursos, por sua vez, construídos
sob olhar e orientação do adulto. Dessa forma procuramos compreender se, efetivamente, a
aproximação dos jovens com produção midiática promove o encontro dialógico entre esses atores
sociais.
Os jovens, ao participarem desse tipo de atividade, possuem contato com uma diversidade
de pessoas e discursos, especialmente de autoridades, ligadas ao Poder Executivo Federal, ou
especialistas e representantes de entidades da sociedade. É a partir das declarações dessas
personalidades que constroem seus discursos, sob a orientação de educomunicadores, que os
ensinam técnicas de entrevista e redação jornalística.
No entanto, a dúvida que motiva o desenvolvimento deste trabalho é a circunstância por
meio da qual as coberturas protagonizadas pelos jovens ocorrem. Como forma de conseguir sua
sustentabilidade financeira, a Viração promove coberturas educomunicativas como prestação de
serviço. Fato que a caracteriza como uma relação econômica e que prevê como contrapartida a
produção de conteúdos midiáticos realizados pelos jovens que orienta.
Nesse sentido, as perguntas que nos move neste trabalho são: nessa relação contratual, seria
possível e permitido ao jovem elaborar um discurso crítico, problematizador e independente por
meio de linguagens midiáticas, uma vez que a cobertura educomunicativa é uma prestação de
serviço da Viração a um contratante? Até que ponto é possível estimulá-lo a realizar uma
comunicação engajada, uma vez que essa postura pode destoar dos interesses do contratante? É
possível mediar o processo para que, ao mesmo tempo que atenda às expectativas do contratante,
não deixe de cumprir com o papel de estimular o senso crítico dos jovens por meio da produção
midiática? Por outro lado, cabe ainda acrescentar duas perguntas: a intenção da cobertura é ser uma
instância da comunicação institucional do evento? Isso é adequado na perspectiva da
Educomunicação?
13
São essas as questões que permeiam o presente trabalho, monografia do curso de
especialização em Educomunicação: Comunicação, Mídias e Educação, da ECA/USP. A partir de
pesquisa bibliográfica, documental e de campo, busca-se compor nossa pesquisa que se pauta pelo
uso de ferramentas da Análise de Discurso para o estudo dos conteúdos produzidos por
adolescentes no contexto da cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil, que ocorreu em Brasília, no mês de outubro 2013.
É preciso colocar que este que escreve é profissional da Viração Educomunicação e tem
colaborado em coberturas que a organização promove na condição de prestadora de serviço desde
abril de 2011. Nesta condição, integrou a equipe de educomunicadores que acompanhou os
adolescentes na referida atividade na capital federal.
Dessa forma, trata-se de uma pesquisa qualitativa que desenha sob a perspectiva da técnica
de estudo de caso. Os resultados dessa pesquisa embasaram-se em dados e informações colhidos a
partir das seguintes fontes: pesquisa de campo, que compreende (1) pesquisa bibliográfica; (2)
entrevistas com adolescentes participantes da cobertura da III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil, gestores e educomunicadores da Viração Educomunicação; (3) pesquisa de recepção com
adolescentes de São Paulo com base nos produtos audiovisuais produzidos durante a cobertura.
14
PARTE I
A CONSTRUÇÃO DO OBJETO
15
1
VIRAÇÃO EDUCOMUNICAÇÃO
A Viração Educomunicação existe como organização social desde 2009, ano em que é
registrada oficialmente, com independência jurídica. Anualmente, a Viração presta contas de suas
atividades por meio de relatórios e balanços fiscais apresentados em suas assembleias ordinárias,
que ocorrem em todo mês de abril 1.
No entanto, a história e práticas educomunicativas da Viração datam de março de 2003, com
a primeira edição da Revista Viração, uma publicação que desde então procura ser um veículo de
comunicação para que jovens de diferentes regiões brasileiras, organizados em grupos, exerçam o
direito humano à comunicação. Até 2009, com apoio jurídico da Associação de Apoio às Meninas e
Meninos da Região da Sé (AAMM), a Viração era um “projeto social impresso” – nas palavras de
seu fundador, o jornalista Paulo Lima –, que com o tempo expande sua prática de produção
midiática “com, para e a partir do jovem” para além da revista.
Paulo Lima, motivado com o Prêmio Jornalista Amigo da Criança, concedido a ele pela
ANDI – Comunicação e Direitos, em 2002, começa a nutrir a ideia de criar uma nova versão da
Revista Alô Mundo 2, voltada ao público infanto-juvenil. A ideia do jornalista era fazer uma versão
laica da publicação, que tivesse grande circulação no meio escolar e que desencadeasse ações de
Educomunicação, pautadas nos princípios do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade
de São Paulo (PROETTI: 2011).
A publicação aos poucos foi se transformando em um projeto de proporções maiores, que
transcenderam suas páginas e até mesmo o seu processo de produção. No início, a revista era feita
por um grupo de jovens de São Paulo que, reunidos na sede do projeto, na época localizada no
bairro do Butantã, propunham pautas, produziam matérias e avaliavam os conteúdos da revista,
além de produzirem mídias artesanais, como lambe-lambe 3 e fanzines 4. Nas palavras de Paulo
1
Os relatórios e balanços da Viração podem ser acessados no site da organização: www.viracao.org.
Publicação voltada para crianças e jovens católicos, idealizada e dirigida pelos Missionários Combonianos.
3
Lambe-lambe são pôsteres confeccionados artesanalmente e fixados com cola, em locais públicos e de grande
circulação.
2
16
Lima, o que inicialmente era uma publicação inovadora passou, paulatinamente, a ser metodologia
educativa e de mobilização social:
Viração nasceu como minha iniciativa pessoal e, aos poucos e logo logo, foi se tornando
obra coletiva. (...) Depois, o projeto foi crescendo, várias organizações foram pedindo para
a gente ir irradiando o nosso jeito de fazer educomunicação em outras paradas: consórcio
social da juventude, escolas, ONGs, Igrejas, secretarias de governos e ministérios (LIMA
apud PROETTI, 2011, p. 19).
Em 2005, a Viração conquista seu primeiro conselho editorial jovem fora de São Paulo, em
Brasília. Foi esse grupo que criou o termo “virajovem” para designar os jovens da rede da Viração.
Neste mesmo ano, integrantes dessa rede estiveram presentes no Fórum Social Mundial, onde
realizam a primeira “Agência Jovem” 5, como são denominadas as coberturas jornalísticas
colaborativas na perspectiva da Educomunicação realizadas pela Viração.
A metodologia colaborativa e dialógica adotada pela Viração e seu caráter militante pelo
direito humano à comunicação dos jovens integrantes dos conselhos editoriais da Revista Viração
(virajovens), presentes como movimento social em espaços políticos como o próprio Fórum Social
Mundial, além da I Conferência Nacional de Comunicação e as duas edições da Conferência
Nacional de Juventude, fortaleceram e transformaram o então “projeto social impresso” em
organização não governamental.
É costume dizer que as árvores nascem das sementes. Mas como poderia uma sementinha
gerar uma árvore enorme, uma mangueira, por exemplo? Pois bem, as sementes não contêm
os recursos necessários ao crescimento de uma árvore. Esses recursos devem vir do
ambiente onde ela nasce. O ambiente em que foi gerada Viração foi muito fecundo.
Estávamos embalados pela grande novidade que representou o Fórum Social Mundial.
Estávamos embalados pelo primeiro governo Lula. Era março de 2003. O ambiente em que
nasceu Viração era propício. Mas não foi nada fácil chegar até aqui. Ouvimos muitos
“nãos”. Foram muitos os tempos de vacas magras (...). Mas, as portas e janelas, aos poucos,
foram se abrindo. A gente foi sendo conhecido e reconhecido, no Brasil e no exterior; no
ambiente acadêmico e no movimento social que defende a democratização da cultura e da
comunicação (LIMA apud PROETTI: 2011: 19).
4
Fanzine é um tipo de publicação impressa feita sem recursos e muitas vezes xerocada para baratear o custo da
produção. Hoje em dia, engloba todo tipo de publicação com caráter amador, sem intenção de lucro, pela simples
paixão pelo assunto abordado.
5
Desde 2011, os conteúdos produzidos durante as coberturas educomunicativas da Viração são postados no site
www.agenciajovem.org. Esse portal de notícias tem o mesmo objetivo da Revista: ser um espaço de expressão de
adolescentes e jovens, em diferentes linguagens midiáticas.
17
A Viração parte do reconhecimento do direito à comunicação e expressão de adolescentes e
jovens e da necessidade de viabilizá-lo. A revista pretende ser um canal de comunicação, por meio
do qual adolescentes e jovens presentes em diversos estados do Brasil, com vivências sociais e
culturais diversas, tenham a possibilidade de expressar suas realidades e repertórios a partir de seu
próprio olhar sobre suas experiências cotidianas, temas de interesse e afinidade,
Uma proposta de revista feita para, com e a partir de adolescentes e jovens de todo o Brasil,
e não apenas do eixo Rio-São Paulo. E essas primeiras palavras encarnadas no projeto
ganharam vida em março de 2003 a partir do slogan: mudança, atitude e ousadia jovem (...).
Nesse processo, sempre acreditamos na força do “colaborativo” e do “cooperativo”. Por
isso, fomos tecendo parcerias com outras organizações que também assumiam a causa de
uma comunicação livre (LIMA apud PROETTI, 2011, p. 19).
Atualmente, a Revista Viração, com mais de dez anos de existência, ultrapassou o número
de 100 edições. Entre 2011 e 2013, a publicação era mensal e, em 2014, volta a ter dez edições
anuais, como era antes de ser contemplada pelo Edital Periódicos do Ministério da Cultura 6.
Produzida por adolescentes e jovens organizados atualmente em 26 conselhos editoriais jovens
presentes em 20 estados brasileiros e no Distrito Federal, o processo de produção midiática da
Revista Viração, caracterizada pela participação de jovens presentes nas cinco regiões brasileiras, só
é possível graças a um processo de mediação tecnológica que envolve os participantes em um
espaço virtual.
É pela internet que o relacionamento, a troca e o diálogo acontecem com vistas à elaboração
de um produto midiático impresso. Trata-se, mais do que um espaço de conversa e propostas, de um
ambiente pedagógico, onde as sugestões de pautas encontram respaldo em orientações
metodológicas e sugestões de encaminhamentos de todos os envolvidos nesse processo.
É em um grupo fechado da rede social Facebook, do qual participam atualmente 134
membros, contado com um mediador, que é jornalista educomunicador 7, que, uma vez por mês,
6
Em 2011, a Revista Viração foi contemplada pelo Edital Periódicos, do Ministério da Cultura, que adquiriu,
mensalmente, 8,5 mil exemplares da revista, distribuindo-os em todas as bibliotecas públicas do país e em Pontos de
Cultura e Leitura. Um dos requisitos para ser contemplado por esse edital é que a publicação fosse mensal, com 12
edições anuais.
7
Jornalistas educomunicadores são os profissionais da Viração que têm formação acadêmica em jornalismo e são
responsáveis por realizar a mediação com os colaboradores jovens do processo de produção de conteúdo para os
18
esses os representantes dos conselhos editoriais jovens – denominados “midiadores” – reúnem-se
por meio de chat para discutir as pautas da edição seguinte, avaliar a edição anterior e partilhar
interesses e dúvidas comuns. No entanto, os conselhos possuem, individualmente, atividades e
agendas locais.
Em geral, durante a reunião presencial do Virajovem, há oficinas de redação, discussão
sobre temas ligados ao editorial da revista ou mesmo debate, palestra de aprofundamento
sobre assuntos específicos e/ou organização de alguma ação de mobilização. A ideia é que
os participantes colaborem para que se redesenhe um novo discurso jornalístico sobre e
para as juventudes (PROETTI, 2011, p. 16).
Apesar da maior parte do processo ser virtual, os virajovens, a cada um ou dois anos,
encontram-se presencialmente em um grande encontro nacional. O último realizado foi em junho de
2013, reunindo 60 participantes, entre integrantes da Rede Virajovem e da Rede Nacional de
Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc). A maioria dos jovens integram ambas as redes o
que, por certo tempo, causou confusão entre os participantes das iniciativas que não sabiam
diferenciar “Virajovem” de “Renajoc”.
Os interessados em formar um conselho virajovem são orientados pelos educomunicadores
da Viração a conhecerem mais sobre a Revista a partir da leitura de alguns de seus materiais
pedagógicos: o Mão na Roda, uma espécie de manual de redação dos veículos de comunicação da
Viração Educomunicação; e o Guia de Educomunicação – conceitos e práticas da Viração 8.
Como não é possível garantir a participação de todos os virajovens nos chats, há espaços da
revista que ficam em aberto e são compartilhados posteriormente pelo jornalista educomunicador
responsável pela publicação no grupo fechado do Facebook e em um grupo de e-mails.
Os representantes dos conselhos editorais ausentes no chat observam esses espaços e,
posteriormente, propõem pautas, completando o espelho da edição futura. No entanto, os jovens
mais ativos não aguardam o chat para compartilharem suas ideias de pauta. A qualquer momento,
postam suas propostas na página do grupo ou as encaminham diretamente para o jornalista
veículos de comunicação da organização. O jornalista educomunicador, diferentemente de um jornalista convencional,
coloca seus conhecimentos jornalísticos a serviço da prática educomunicativa, auxiliando e orientando as produções de
conteúdo de adolescentes e jovens.
8
Disponíveis gratuitamente para download e leitura em: www.issuu.com/portfolio_viracao.
19
educomunicador. As ideias compartilhadas recebem comentários e sugestões do jornalista e também
dos demais virajovens.
Imagem 01. Grupo secreto dos Viramidiadores, no Facebook
A revista não é vendida em banca, mas é comercializada por meio de assinatura anual. O
assinante paga, atualmente, o valor de 65 reais para receber 10 edições da Viração. Atualmente, a
Viração contabiliza 270 assinantes pagantes, além de 604 pessoas que recebem a revista como
cortesia. Parte dos recursos financeiros de alguns dos projetos da Viração Educomunicação é
destinada à impressão da revista.
A rede de conselhos editoriais jovens da Viração é composta por adolescentes e jovens
voluntários e sua atuação é, prioritariamente, realizada em grupo 9. Nota-se o envolvimento imediato
de jovens que manifestam interesse por contribuir com conteúdos para a revista, que têm contato
com a publicação em espaços como conferências, bibliotecas públicas, escola, pontos de cultura e
leitura, percebendo o seu caráter colaborativo.
Os jovens interessados entram em contato com a redação da revista, em São Paulo,
manifestando interesse em colaborar e são orientados, à distância, por um educomunicador da
organização. Aos interessados em constituir um conselho editorial jovem da Viração é explicado
como proceder quanto à organização de um grupo de jovens local e como redigir e pesquisar fontes
para a sua primeira pauta.
9
A Viração preza pela colaboração coletiva, por meio dos conselhos editoriais jovens. No entanto, muitos são os jovens
que, de modo individual, manifestam interesse em colaborar com a produção de conteúdos para a Viração.
20
A partir da participação desses jovens na revista, muitos deles, dependendo do interesse e
disponibilidade, também integram coberturas educomunicativas para a Agência Jovem de Notícias
em suas cidades, e também em outras localidades com outros integrantes da Rede Virajovem, onde
ocorrem eventos relacionados a direitos humanos da criança, adolescente e juventude, e também
referentes à Comunicação, oportunidades além do encontro nacional para que os jovens da rede
possam se articular pessoalmente.
Percebe-se, na maioria dos casos, o perfil militante dos interessados em colaborar com a
Viração na produção de conteúdos. Na maioria das vezes, são jovens pertencentes a movimentos
sociais, coletivos em comunidades periféricas, participantes de conferências, fóruns e seminários
sobre direitos humanos, que enxergam a revista como uma possibilidade de participação política
por meio da comunicação.
Além da Revista Viração, que ainda é o “cartão de visita” da organização, a Viração abarca
outros projetos na perspectiva da Educomunicação. A Viração tem forte atuação em comunidades
da periferia de São Paulo, onde atua oferecendo ciclos de formações voltados para adolescentes e
educadores sociais em Comunicação e Direitos Humanos em parceria com organizações sociais
também atuantes na questão dos diretos da juventude, educação, esporte e comunicação.
Entre os projetos da Viração Educomunicação, destacam-se, além da Revista Viração:
Agência Jovem de Notícias
Além de um site noticioso, existente desde 2011, trata-se de um processo de formação em
comunicação, direitos humanos e humanidades, oferecida semanalmente para uma turma de
adolescentes estudantes do ensino médio, composta por jovens de diversas regiões de São Paulo. De
acordo com o Relatório de Atividades da Viração, em 2012, 70 adolescentes integraram as
formações da Agência Jovem de Notícias no segundo semestre do ano, que totalizaram em 54 horas
de atividades na sede da organização. São os jovens participantes desse projeto que integram as
coberturas educomunicativas realizadas pela Viração em São Paulo.
Plataforma dos Centros Urbanos
21
Processo de formação com adolescentes e jovens de comunidades da periferia de São Paulo que
durou, ao todo, quatro anos, de 2008 a 2011. A iniciativa da Plataforma dos Centros Urbanos é do
Fundo Internacional para a Infância (Unicef), tendo a Viração como parceira técnica. A ideia era
utilizar a Educomunicação como ferramenta de mobilização de adolescentes que serão, por sua vez,
mobilizadores e multiplicadores de práticas de comunicação e cidadania em suas comunidades,
visando o desenvolvimento local. Estuda-se um segundo ciclo da Plataforma dos Centros Urbanos a
ser implementada em 2014.
Programa Quarto Mundo
Trata-se de um programa de TV feito, desenvolvido e produzido por adolescentes. Uma
iniciativa da Viração Educomunicação em parceria com a TV USP, os programas são exibidos pelo
Canal Universitário. Projeto existente desde 2008, o programa esteve em sua oitiva temporada no
ano de 2013. Os jovens participantes desse projeto passam por uma série de formações em
comunicação e humanidades na sede da Viração e também participam de reuniões de pauta e
gravação dos programas na TV USP. A cada temporada, marcada pela renovação do grupo de
adolescentes anualmente, pensa-se em um novo formato para o programa, que lança mão de
linguagens como jornalismo e ficções para abordar os temas sugeridos pelo grupo.
Campanha É da Nossa Conta
Uma iniciativa da Fundação Telefônica, em parceria com o Unicef e outras organizações
sociais, a campanha tem como objetivo sensibilizar a sociedade para a questão do trabalho infantil e
adolescente desde 2012. Nessa parceria, coube à Viração conceber e aplicar um processo de
formação com 15 jovens, responsáveis por criar uma publicação colaborativa, resultado desse
processo de formação, sobre a temática, que foi utilizado como material de divulgação da campanha
nos lançamentos pelo Brasil. Em 2013, a parceria continuou com a produção de novos materiais e a
cobertura jovem dos eventos relacionados à campanha e outros lançamentos pelo Brasil.
Renajoc e Projeto Mais Educomunicação
22
A Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc) foi criada em 2008, no
contexto do I Encontro Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores, promovido pela
Viração com integrantes de seus conselhos editoriais jovens. Desde então, essa rede procura incidir
politicamente com a pauta do direito humano à comunicação e democratização dos meios de
comunicação em diversos espaços públicos relacionados à juventude e aos direitos humanos. Em
2011, a Renajoc passa por uma reestruturação em mais um encontro nacional, definindo ações e
intervenções políticas em datas específicas do ano, como o Dia da Terra, em 22 de abril; e o Dia da
Juventude Comunicativa, o Dia C, em 17 de outubro.
Em 2013, importantes acontecimentos marcam a Renajoc: a realização de um encontro nacional
da rede e a realização de um seminário sobre juventude e comunicação, com apoio e participação da
Viração em sua organização. Há ainda o primeiro grande projeto da Renajoc, também em parceria
com a organização: o Mais Educomunicação, que continua em 2014.
O Mais Educomunicação trata-se de um processo de formação em 20 escolas públicas de
diferentes estados do país, contempladas pelo Programa Mais Educação, do governo federal.
Estudantes do ensino fundamental aprendem sobre direito humano à comunicação, produzem
mídias artesanais e são envolvidos nas ações pela democratização da comunicação promovidas pela
Renajoc. O projeto,
em 2013, realizou ciclos de formação em comunicação e humanidades, nas 20 escolas, com
temas relacionados aos direitos humanos, cultura e sobre técnicas de produção em
comunicação. Ao todo foram realizadas 259 oficinas, com 415 estudantes de 11 a 18 anos,
em 20 cidades, 4 escolas do Norte, 4 no Nordeste, 2 no Centro-Oeste, 8 no Sudeste e 2 no
Sul (VIRAÇÃO, 2013, p. 15).
O Mais Educomunicação é um projeto financiado pelo Instituto C&A, em que a Viração
Educomunicação administra e repassa o recurso destinado a essa iniciativa, para os facilitadores
regionais da Renajoc que, por sua vez, o disponibiliza para todos os envolvidos em ministrar as
oficinas nas escolas, em suas regiões.
1.1. Coberturas educomunicativas
23
As coberturas educomunicativas constituem o foco principal de nossa pesquisa e serão
apresentadas com maior detalhamento no capítulo 3.
De acordo com o Relatório de Atividades de 2012 e 2013 da Viração Educomunicação, a
organização realizou, nos últimos dois anos, 71 coberturas educomunicativas de eventos no Brasil e
no exterior. No entanto, o documento não menciona quantas delas foram em caráter de prestação de
serviço e também não explicita se esse foi o total de coberturas realizadas pela organização na
perspectiva da Educomunicação.
A Viração promoveu três coberturas internacionais nos últimos dois anos, sendo a maior
delas a da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e seus
processos paralelos, como a Cúpula dos Povos, em junho de 2012. Cerca de 120 jovens de 18 países
realizaram, durante 12 dias, 165 notícias produzidas em cinco idiomas.
A experiência muito enriquecedora abriu portas para as coberturas internacionais
promovidas pela Viração. Do grupo de adolescentes e jovens que estiveram na Rio+20
surgiu a proposta de conhecer de perto e entender os processos de negociações climáticas
que ocorrem nas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP, que
ocorrem todos os anos. A edição de 2012 (COP18) estava agendada para ocorrer entre 26
de novembro e 07 de dezembro em Doha, no Qatar (VIRAÇÃO, 2012, p. 38).
A cobertura de duas edições seguintes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP) ocorreram em dezembro de 2012, em Doha, capital do Qatar; e em novembro de
2013, em Varsóvia, capital da Polônia. A primeira foi composta por cinco jovens, apenas uma delas
brasileira e integrante da equipe da Viração Educomunicação. Na COP 18, em Doha, foram
produzidas 41 notícias em três idiomas. Já a cobertura da COP 19, em Varsóvia, contou com um
grupo de 40 participantes de cinco países. Entre os brasileiros, duas jovens da Renajoc e uma
integrante da equipe da Viração.
As duas coberturas das edições da COP foram financiadas por instituições parceiras da
Viração, como: Fundação Luterana de Diaconia, Unicef, Fundação Friedrich Ebert, Província
Autônoma de Trento e Observatório Sustentável (Itália). Essas organizações e entidades cobriram
despesas com transporte e alimentação dos participantes da cobertura. Em ambos os casos, a
cobertura foi uma forma de atuar politicamente nesse espaço de discussão acerca das mudanças
climáticas, não sendo, portanto, uma prestação de serviço.
24
A cobertura da Rio+20 foi um processo semelhante mas, por ser um acontecimento que
abarcou uma série de eventos no Rio de Janeiro, a Viração, nesse contexto, realizou a prestação de
serviço para o Ministério da Educação e para o Instituto Marina Silva, que realizaram ações
cobertas pelos jovens da Rede da Viração. No entanto, a cobertura jovem educomunicativa desse
evento, como um todo, não se configurou como prestação de serviço, mas sim como uma forma de
militância, contanto com o apoio financeiro de duas organizações, Avina e Cenpec, além da
Província Autônoma de Trento e Unicef.
Nos últimos dois anos, a organização foi responsável por duas grandes coberturas em caráter
de prestação de serviço a ministérios do governo federal e Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que envolveram adolescentes de todos os estados do país. A primeira foi em 2012, das etapas
estaduais e nacional da IX Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (IX
CNDCA). A segunda foi em 2013, com as etapas nacional e global da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil.
Durante o primeiro semestre de 2012, aconteceram as etapas estaduais da IX CNDCA. A
Viração Educomunicação foi responsável pela coordenação da cobertura das conferências de 17
estados, nos quais adolescentes ligados aos Conselhos Estaduais de Direito da Criança e
Adolescente (CEDECA) foram convidados localmente para participar da cobertura. Um dos
critérios para a participação foi o interesse por mídias e comunicação.
Os educomunicadores da Viração, então, promoveram a formação com os participantes em
comunicação e direitos humanos e o planejamento da cobertura educomunicativa. Isso em 17
estados, nos quais seus profissionais acompanharam e orientaram presencialmente o processo de
cobertura, além de levar os grupos a escolher dois integrantes da cobertura estadual para a cobertura
da etapa nacional. Nos demais estados, aplicaram as formações e acompanharam as coberturas
educadores de organizações ligadas à Rede ANDI, parceira da Viração.
A etapa nacional da Conferência ocorreu em agosto de 2012, em Brasília, reunindo 60
adolescentes para a ocasião, dois selecionados de cada estado e também adolescentes do Programa
Vira Vida, do Sesi, principal patrocinador da IX CNDCA. Os educomunicadores da Viração
também coordenaram a cobertura da etapa nacional da conferência.
25
Imagem 02. Números referentes à cobertura das etapas estaduais e nacional da IX CNDCA.
Fonte: Relatório de Atividades de 2012. Viração.
Em casos como esse, nem sempre os adolescentes possuem intimidade com produção
midiática, mesmo tendo interesse por comunicação. Por isso, recebem uma rápida formação antes
do evento sobre como realizar uma cobertura em diferentes linguagens midiáticas. Em um encontro
preparatório, os adolescentes se apresentam uns aos outros, realizam dinâmicas de integração e
escolhem a linguagem com a qual querem produzir conteúdos sobre o evento. Na etapa nacional da
conferência, cada educomunicador da Viração foi responsável por orientar as produções na
perspectiva de uma das linguagens possíveis, ensinando minimamente as técnicas que compõem
cada uma delas e planejando a cobertura nessa perspectiva.
Normalmente, as coberturas da Viração acontecem nos seguintes suportes: áudio, vídeo,
texto, fotografia e jornal mural. Esporadicamente, há ainda a produção de fanzines, mas não é
26
formado um grupo exclusivamente para essa finalidade. Uma prática recente também tem sido a
produção de um boletim impresso e diário sobre os principais acontecimentos dos eventos cobertos.
De modo semelhante, ocorreu em 2013, a cobertura da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil, que exigiu atenção dos educomunicadores da Viração em três momentos, todos
em 2013, em Brasília: em maio, com uma formação com duas educomunicadoras da Viração sobre
comunicação e direitos da criança e do adolescente; em agosto, com a cobertura da etapa nacional
da conferência, que contou com a presença de cerca de 200 pessoas; e em outubro, com a cobertura
da etapa global, que reuniu cerca de 5 mil pessoas.
Em ambas as etapas da conferência, os adolescentes e educomunicadores encontraram-se
um dia antes do início do evento para entrosamento e preparação coletiva que dura, em média, oito
horas. Na parte da manhã, iniciam as atividades com uma roda em que se apresentam a partir de
uma cantiga entoada, constroem acordos coletivos de convivência e são orientados sobre aspectos
gerais do evento, tanto o que diz respeito à programação e discussões, como questões logísticas,
horário de almoço, saída do hotel para o espaço da conferência etc.
Na parte da tarde, divididos em grupos, a partir do interesse pela mídia com a qual desejam
se envolver durante a experiência, reúnem-se com um educomunicador responsável por uma
linguagem midiática. Em seus grupos de trabalho, discutem pautas, abordagens e formatos de suas
peças de comunicação.
Os conteúdos midiáticos da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil foram produzidos
em cinco diferentes suportes: texto, podcast 10, vídeo, fotografia, jornal mural e boletim impresso.
No total, foram produzidas 12 notícias sobre a conferência, além da participação política de parte
dos adolescentes no evento que teve uma declaração como produto final, lida em plenária, no
último dia do evento.
Todos os conteúdos produzidos em coberturas realizadas pela Viração são publicados no site
Agência Jovem de Notícias e, em alguns casos, replicados nos sites institucionais ou noticiosos dos
órgãos, empresas ou organizações que contratam a Viração para a realização das coberturas. Na
maior parte das vezes, as notícias produzidas durante as coberturas são compiladas em uma
reportagem especial, geralmente de capa, da Revista Viração.
10
Podcasts são pequenos programas em linguagem radiofônica, feitos para serem ouvidos pela internet.
27
A despeito do intenso trabalho de produção midiática da organização, envolvendo
adolescentes e jovens, a Viração procura atuar na perspectiva educomunicativa, da mobilização
desses atores sociais para participarem de um evento no papel de comunicadores à orientação
técnica sobre escrever como um texto jornalístico e operar equipamentos eletrônicos, como
filmadoras e gravadores. O conceito de Educomunicação é, portanto, incorporado às práticas da
organização, tendo suas metodologias e gestão construídas com base nele. Não por acaso, quando se
formaliza enquanto organização não governamental, incorpora a palavra “Educomunicação” à sua
razão social.
No entanto, o conceito de Educomunicação ainda não é reconhecido formalmente e, embora
se apresente como uma forma de trabalho com mídias e educação, acaba por confundir-se com o
que especialistas chamam de interface comunicação/educação.
28
2
EDUCOMUNICAÇÃO: DO SENSO COMUM À TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL
É em um contexto em que a mídia faz cada vez mais parte do cotidiano da juventude – não
mais entendida apenas como consumidora e espectadora de conteúdos disseminados pelos meios de
comunicação de massa, mas também como parte ativa em espaços midiáticos possibilitados pelos
avanços tecnológicos das últimas décadas – que se intensifica a discussão acerca da interface
comunicação/educação.
Não é possível falar ainda em livre acesso ou total democratização dos meios de
comunicação apenas porque pela internet é possível a todo cidadão, que a ela tenha acesso,
manifestar e divulgar suas informações e opiniões. No entanto, a crescente apropriação desse
recurso é cada vez mais notória e tem modificado as relações humanas e também as áreas e formas
de atuação na educação e na comunicação. É dessa discussão que a Educomunicação se destaca
enquanto forma de atuação na interface comunicação/educação.
No entanto, ela não emerge com o advento da internet, tampouco da web 2.0. As práticas
hoje consideradas educomunicativas são identificadas, inicialmente, entre os movimentos sociais e
na educação popular que, ainda na década de 1950, de modo autônomo e alternativo, promoviam
processos educativos diferentes da escola. Nesses processos, o conhecimento era trabalhado a partir
da horizontalidade das relações. Isso significa dizer que os indivíduos participantes desse processo
– educandos e educadores – contribuíam ativamente para a aprendizagem.
A Educomunicação tem como pilar as ideias de Paulo Freire, que pensa a educação como
prática libertadora, como promotora da emancipação do indivíduo, incentivando-o a traçar o
percurso de sua própria aprendizagem, a partir das referências de mundo mais próximas de si.
“Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção” (FREIRE, 2011, p. 47). Pela perspectiva freireana, a educação só é
efetivamente libertadora se for dialógica, ou seja, comunicacional:
29
Educador e educandos (liderança e massas), cointencionados à realidade, se encontram
numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente
conhecê-la, mas também no ato de recriar este conhecimento.
Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem
como seus refazedores permanentes (FREIRE, 2011, p. 77).
Freire critica o ensino tradicional, entendendo a simples transferência de saber como
instrumento de opressão, já que, para ele, “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que
não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação
do significado” (FREIRE apud CITELLI, 2011, p. 64).
Comunicação e educação ideais, ainda de acordo com a perspectiva de Freire, convergem no
entendimento da necessidade de viabilizar a expressão e a possibilidade de refletir criticamente
sobre a realidade. Mas a escola, instituição que representa a educação formal e há séculos é
considerada como espaço de legitimação do conhecimento, ainda se enquadra na perspectiva
bancária de transferência de saber, em vez de ser um local de promoção do diálogo, de interação
social e cultural. As ideias e práticas de Paulo Freire foram e continuam sendo emblemáticas e
referenciais para a Educomunicação.
A partir da década de 1990, o Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São
Paulo (NCE/USP) começa a identificar o fenômeno social que posteriormente seria denominado
como Educomunicação. Nesse contexto, Ismar de Oliveira Soares, coordenador do NCE, percebe
que organizações sociais brasileiras, inspiradas nos ideais de Freire, fazem o contraponto ao ensino
tradicional da escola, uma vez que “têm conseguido atrair cada vez mais jovens para suas ações,
devido, especialmente, à atitude reflexiva e crítica que elas demonstram ter diante da sociedade de
massa guiada pela ideologia do consumo” (SOARES, 2011, p. 29).
As práticas identificadas na educação não formal, em cursos extracurriculares de escolas
particulares e em projetos presentes em redes públicas de ensino mostram que uma forma de
trabalhar a criticidade de estudantes tem sido por meio da produção midiática. Vivenciar a
experiência de comunicadores, por meio da elaboração de vídeos, programas de rádio, jornais e
boletins impressos, blogs e páginas nas redes sociais, permite à juventude o entendimento da
importância da comunicação, sobretudo como exercício da cidadania.
Hoje, as práticas educomunicativas são viabilizadas por conta do grande acesso que se tem a
recursos tecnológicos comunicacionais – como câmeras de fotografia e vídeo e gravadores – muitas
30
vezes presentes em um simples celular, além do próprio acesso à internet, que possibilita o contato
com a Web 2.0 e suas inúmeras plataformas que permitem que o usuário crie o seu espaço de
comunicação. No entanto, devemos nos lembrar que os atuais avanços tecnológicos se constituem
como facilitadores da comunicação, mas que não são por si sós os únicos aliados para uma
comunicação de caráter plural e democrático. Como exemplo disso, citamos o fato de Mario
Kaplun, ainda na década de 1970, utilizar o método do Cassete-foro 11 para promover a escuta entre
moradores de uma mesma comunidade e entre comunidades pobres do Uruguai e outros países sulamericanos, identificando a necessidade de promover a reflexão sobre a própria realidade desses
sujeitos (BONA; CONTEÇOTE; COSTA, 2007).
Assim, é possível afirmar que Educomunicação é um paradigma, uma vez que adota um
ponto
de
vista
ideológico,
político
e
ético
acerca
dos
fenômenos
da
interface
comunicação/educação, pautado pelo direito à expressão, pelo entendimento de que crianças,
adolescentes e jovens são sujeitos de direito e pelo uso dos recursos comunicacionais enquanto
possibilidade de ampliação da expressão de estudantes e comunidades.
Dessa forma, uma das competências da Educomunicação é planejar estratégias que, levando
em conta as diferentes realidades e possibilidades, viabilizem a transformação social, a partir da
participação consciente dos indivíduos de uma comunidade. Nas palavras de Soares, a
Educomunicação é compreendida como
o conjunto de ações voltadas ao planejamento e implementação de práticas destinadas a
criar e desenvolver ecossistemas comunicativos abertos e criativos em espaços educativos,
garantindo, desta forma, crescentes possibilidades de expressão a todos os membros das
comunidades educativas (SOARES, 2011, p. 36).
A Educomunicação representa, portanto, um contraponto à hegemonia do ensino relegado a
sua condição bancária (FREIRE, 2011), uma vez que seus processos viabilizam a expressão e a
participação ativa dos educandos e a horizontalidade das relações. No entanto, na educação formal,
em geral, o estudante recebe passivamente os conhecimentos transmitidos pelo professor que, numa
perspectiva comunicacional funcionalista, se coloca como autoridade do conhecimento ministrado.
11
O método do Cassete-foro, de Mario Kaplún, consistia em promover o intercâmbio entre comunidades por meio da
gravação de fitas cassete, em que os moradores abordavam questões relacionadas às suas próprias realidades, com
propósito educativo.
31
Mas, paralelamente à experiência conservadora de aprendizagem escolar, em tempos de
Web 2.0 e das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTIC’s), observa-se um rico e
autônomo processo de aprendizagem a partir das tecnologias mediadas por computador,
especialmente entre crianças, adolescentes e jovens. A experiência de educação que estudantes do
ensino regular possuem na escola diverge das atraentes possibilidades que os recentes recursos
tecnológicos disponibilizam em seus momentos fora da escola. Semelhante ao processo dos jogos,
essa forma de aprendizagem demonstra que a linearidade escolar não é a única forma de adquirir
conhecimento. Essas tecnologias permitem que o estudante saia da condição de receptor passivo dos
conteúdos e passe a ser também produtor de informação e/ou conhecimento. Essa transformação
exige da escola, do professor e dos próprios alunos novas formas de interação em diferentes
instâncias (professor/aluno; professor/aluno/tecnologia; professor/aluno/tecnologia/sociedade).
Nesse sentido, Orozco-Gomez destaca a necessidade de estabelecer uma estratégia eficiente
para que uso dos novos meios esteja, efetivamente, a serviço da aprendizagem. Com isso, entendese que as novas tecnologias conclamam uma revisão do modelo pedagógico das escolas. Já que uma
das características mais marcantes da era digital é a interatividade, ampliando-se as possibilidades
de diálogo entre os indivíduos, a escola não pode furtar-se, ao adotar recursos inovadores, de tornar
a educação de fato dialógica. Nas palavras do autor:
Não se trata de incorporar acriticamente a tecnologia no tecido social, educativo e
comunicativo. O que estamos requerendo, sobretudo nos países consumidores, não
produtores de novas tecnologias, como os latino-americanos, é uma série de
estratégias que permitam a nossas sociedades aproveitar o potencial da tecnologia
para nossos próprios fins e de acordo com as nossas peculiaridades culturais,
científicas e tecnológicas (OROZCO-GOMEZ, 2011, p. 160).
Então, na escola e em outros ambientes de formação de seres humanos, como nas atividades
de organizações e movimentos da sociedade civil, é necessário criar o que Soares (2011) chama de
ecossistema comunicativo, que não emerge espontaneamente, mas é criado intencionalmente para a
promoção de uma gestão democrática da comunicação.
Diferentemente dos que, como Martín Barbero, empregam o conceito para designar a nova
atmosfera gerada pela presença das tecnologias às quais cada um de nós e a própria
educação estaríamos compulsoriamente conectados, preferimos usar o termo como uma
figura de linguagem para nomear um ideal de relações, construído coletivamente em dado
32
espaço, em decorrência de uma decisão estratégica de favorecer o diálogo social, levando
em conta, inclusive, as potencialidades dos meios de comunicação e de suas tecnologias
(SOARES, 2011, p. 44).
Dessa forma, é necessário olhar para essas novas ferramentas como possibilidades de
expressão, por meio das quais novas ideias terão inserção na sociedade e a transformarão. No
entanto, nas redes sociais, espaço onde cidadãos comuns tornam-se comunicadores e formadores de
opinião, por exemplo, observa-se a disseminação de mensagens de teor conservador, semelhante às
transmitidas pelos grandes meios. Frente a isso, a Educomunicação procura utilizar as ferramentas
tecnológicas de comunicação para disseminar novos discursos, possíveis a partir da desconstrução
do senso comum.
Vale, contudo, destacar que as escolas que ousam inserir em seus contextos pedagógicos as
novas tecnologias, acabam por se aterem mais ao tecnicismo e menos ao caráter dialógico das novas
mídias. Muniz Sodré (2012) acredita que o foco tecnicista da educação para os meios, sobretudo no
âmbito escolar, se deve por conta do caráter subserviente da educação formal ao sistema capitalista,
que forma para a vida profissional. Do ponto de vista do capital, no mundo contemporâneo,
globalizado e digital, é fundamental que profissionais de todas as áreas dominem as novas
tecnologias.
Mas Sodré defende a revisão do modelo educacional vigente, que se faz necessária
justamente a partir da emersão das novas tecnologias. Ele não cultua o tecnicismo. Pelo contrário,
propõe uma educação comunicacional no sentido de ser uma efetiva questionadora – e consequente
contraponto – da hegemonia capitalista. Para ele,
a transformação educacional deveria, assim, ser isomórfica com a transformação social,
uma vez que nenhuma pedagogia conseguiria por si só retroagir sobre a lógica autoritária
do capital espelhada na homogeneidade dos dispositivos formais da educação. Diz
Mészáros: “O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de
internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas. Romper com a lógica do
capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e
profundamente enraizadas da internalização mistificadora por uma alternativa concreta
12
abrangente” (SODRÉ, 2012, p. 138) .
12
Sodré, neste trecho, cita as ideias do filósofo marxista húngaro István Mészáros, contidas na obra A educação para
além do capital.
33
Nessa perspectiva, entende-se que a Educomunicação advém da necessidade de resistência.
Os primeiros fenômenos identificados como práticas educomunicativas eram uma forma de fazer
frente à ausência do Estado, que não garantia o direito fundamental à educação de comunidades
marginalizadas, ou eram iniciativas conscientes de movimentos sociais que reconheciam a
necessidade de garantir a liberdade de expressão em um contexto de repressão e censura imposto
por governos militares, no contexto latino-americano.
Hoje, ademais, o sentido de existir da Educomunicação se dá também pela “crise” no âmbito
da educação, que se sente ameaçada pelas mídias, que possuem papel central na sociedade
contemporânea. A Educomunicação atua sobretudo no sentido de difundir o acesso às novas
tecnologias da informação e comunicação, bem como na viabilização da expressão e da
aprendizagem autônoma que esse contexto propicia.
A esse cenário soma-se ainda a questão do oligopólio dos meios de comunicação de massa.
Nesse sentido, a Educomunicação pretende intervir nessa realidade, buscando um novo modelo de
sociedade no qual os processos educativos sejam efetivamente transformadores, tendo como pilar a
valorização do sujeito; em que a comunicação seja, efetivamente, um direito de todos.
2.1. O papel do educomunicador
As tecnologias da informação, cada vez mais acessíveis, permitem um intenso
compartilhamento de ideias. Mas a possibilidade de expressão nos espaços virtuais de interação não
garante a revisão ou desconstrução de valores sociais hegemônicos e o estabelecimento de relações
humanas baseadas no respeito e na solidariedade. O direito à expressão é exercido nesses
ambientes, no entanto, os sujeitos ainda são retransmissores de senso comum e de conservadorismo.
É importante destacar, no entanto, que os meios de comunicação de massa não são os únicos
responsáveis pela construção dos valores sociais. Martín-Barbero (2009) discute a questão das
negociações de sentido, afirmando que a relação estabelecida entre os discursos midiáticos e a
sociedade vai além de uma oferta de consumo de informação. Assim, entende-se que os meios de
comunicação tentam, ao emitirem mensagens, uma imposição ideológica que apenas fará sentido a
quem as recebe se o seu teor vai ao encontro de suas experiências concretas na realidade. “Assim, o
34
eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre
práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a
pluralidade de matrizes culturais” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 261).
Dessa forma, percebe-se a necessidade de que o educomunicador exerça o papel de
mediador da relação entre o sujeito e as esferas da vida social responsáveis pela construção de
sentido, por sua formação, levando-o à reflexão, ao questionamento que tenha como finalidade a
desconstrução do senso comum e a construção de valores sociais mais fraternos e democráticos, que
contemplem a diversidade de indivíduos e grupos humanos.
Pode-se ainda compreender o educomunicador como um educador que foge à concepção
bancária de educação, ainda hegemônica na sociedade contemporânea, uma vez que entende a
necessidade de estimular a criticidade para a efetiva conquista da autonomia do sujeito.
Isso, no entanto, não descarta a possibilidade de um professor ter uma conduta
educomunicativa no espaço da sala de aula, procurando desenvolver com seus alunos uma atitude
reflexiva diante da vida, o questionamento e a criatividade para além do conteúdo pronto ministrado
em classe. Isso demonstra a interdisciplinaridade da Educomunicação que, transversal, pode ser
praticada em diferentes espaços de formação humana, contanto que haja possibilidade para a
criação de um ecossistema comunicativo democrático.
Este é justamente o ponto. Toda educação individualista, marcada pela competitividade,
não faz mais que classificar as pessoas, naturalizando e legitimando ecossistemas
comunicativos rígidos contra os quais os jovens se revoltam, promovendo o que
costumeiramente se define como indisciplina. Nesse sentido, a convivência saudável passa
a ser, definitivamente, a grande meta do projeto educomunicativo (SOARES, 2011, p. 45).
Mas o que acontece, predominantemente, no interior das salas de aula é a prática da
educação bancária, ou seja, uma comunicação unidirecional. E assim como a escola ensina ao aluno
um conhecimento pronto como sendo verdade absoluta, os meios de comunicação de massa
transmitem informações com base em fatos como sendo realidade inquestionável. No entanto, alerta
Baccega, que o mundo que conhecemos pela mídia é editado, ou seja, os meios selecionam o que
deve ser conhecido e o ponto de vista sob o qual fazemos a leitura dos fatos apresentados. Diz ela
que
35
A interpretação do mundo em que vivemos, mundo em cuja construção os meios de
comunicação desempenham importante papel, é um dos desafios do campo. São os meios
de comunicação que selecionam o que devemos conhecer, os temas a serem pautados para
discussão e, mais que isso, o ponto de vista a partir do qual vamos ver as cenas escolhidas e
compreender esses temas (BACCEGA, 2011, p. 33).
O mundo apresentado pela mídia de massa é transmitido de forma simplificada, sem espaço
para a relativização das problemáticas sociais. Opta-se, dessa forma, pela generalização, das quais
se originam os estereótipos. Com Lippmann, entende-se que o aprendizado inicial do sujeito sobre o
mundo se dá a partir do conhecimento do outro, sem o qual não é possível formar um conhecimento
próprio. Nesse sentido, Heller (1985) alerta para a necessidade de superar os estereótipos, o que
permite sair do pensamento simplificado sobre a vida e sobre as situações cotidianas, para
problematizá-las. Ainda Lippmann enfatiza o papel da educação em relação aos estereótipos
afirmando que
as mais sutis e penetrantes de todas as influências são as que criam e mantém o repertório
de estereótipos. Dizem-nos tudo sobre o mundo antes que o vejamos. Imaginamos a
maioria das coisas antes de experimentá-las. E a menos que a educação nos tenha tornado
agudamente conscientes, essas preconcepções governam profundamente todo o processo da
percepção (LIPPMANN, 1980, p. 156).
Consciente da complexidade das mediações vivenciadas pelo sujeito social, o
educomunicador deve ser o agente capaz de estimular o diálogo entre os indivíduos, tendo como
ponto de partida para o processo educativo dialógico o repertório das individualidades advindo de
suas experiências concretas e referências reais. A partir desse diagnóstico, o educomunicador dá
início a um processo próprio de mediação, conduzindo o grupo com o qual trabalha do senso
comum à problematização de questões, a partir da qual será possível a transformação coletiva da
realidade.
Por esse motivo, entende-se que a Educomunicação valoriza os processos educativos
comunicacionais. Diferentemente da escola tradicional que transmite conteúdos com a finalidade de
avaliar sua apreensão por parte dos alunos em uma prova, cuja nota adquirida é o ápice do percurso
pedagógico, a Educomunicação preocupa-se em construir uma trajetória educativa qualitativa que,
consequentemente, refletirá na ação transformadora dos sujeitos nela inserida.
36
3
JORNALISMO COMO PRÁTICA EDUCOMUNICATIVA
Alguns projetos de Educomunicação, especialmente os vinculados ao terceiro setor visam
elevar a autoestima de crianças, adolescentes e jovens em condição de vulneralibidade social e com
histórico de sistemática violação de direitos. Assim, a adoção da comunicação como processo
pedagógico promove o exercício da cidadania e conhecimento dos direitos humanos,
sensibilizando-os para a transformação de suas vidas e contextos em que estão inseridos.
Dessa forma, técnicas jornalísticas são amplamente utilizadas por educadores sociais ou
educomunicadores, que compreendem que a criança e o jovem podem exercer o papel de
protagonistas em suas comunidades ou contexto social ao exercer a função de comunicador,
entrevistando pessoas próximas de si, fotografando o seu entorno, pesquisando sobre a sua
comunidade, moradores, problemas e questionando lideranças sobre possibilidades de soluções.
Enfim, exercendo o direito à comunicação e propiciando que outros também o tenham.
Assim, quando assume a identidade de repórter em seu contexto social, o jovem é levado a
realizar a atividade básica para produzir informação: o questionamento. O que antes era corriqueiro
e passava muitas vezes despercebido no dia a dia do jovem – especialmente situações de
desigualdade social e violação de direito que geram incômodo, mas também conformidade –, passa
a ser problematizado.
E o objetivo de produzir notícia em torno de questões que envolvem seus próprios direitos
possibilita que o jovem conheça mais a respeito de si mesmo, de sua comunidade, questione as
violações de direito que identifica e exerça a sua cidadania. Enfim, a busca de informações e da
melhor maneira de interpretá-las e transmiti-las coloca questões que vão desde a forma de
comunicar até o questionamento do conteúdo que será comunicado.
É certo que, antes de chegar a esse ponto, o jovem é sensibilizado por educadores sobre a
importância de exercer a cidadania, a partir de discussões em grupo. Deve-se ainda salientar que a
prática do jornalismo por crianças, adolescentes e jovens faz com que intervenham na realidade. Ao
dialogar com atores sociais próximos – e outros distantes – de suas realidades, desenvolvem um
37
olhar, a partir da concretude, sobre discursos com os quais têm contato. E essa intervenção pode
gerar a transformação dessa realidade.
Seja por meio da fala oficial do prefeito ou secretário municipal que visita a sua
comunidade, seja no desabafo de uma vizinha, que enfrenta as mesmas dificuldades do jovem, ou
de um líder comunitário, que possui a vivência dos problemas e ainda consegue ter uma visão
analítica
e
militante.
Essa
multiplicidade
de
pontos
de
vista,
quando
trabalhada
educomunicativamente, possibilita ao adolescente condições de problematizar a realidade na qual se
insere e para que nela possa incidir e auxiliar na transformação social.
Dessa maneira, a prática educomunicativa que utiliza o exercício do jornalismo torna-se uma
importante ferramenta para o conhecimento de uma realidade que, muitas vezes, se escamoteia por
meio de discursos das instituições e de seus representantes. De que outra forma haveria motivação
para envolver o adolescente nas esferas de poder? Não fosse pelo objetivo de entrevistar um
prefeito, secretário ou ministro, de ter o registro de um fato, por que adolescentes, em muitos casos
oprimidos e tímidos em razão de sua condição social, aceitariam dialogar com pessoas que possuem
grande notoriedade? A produção de notícias parece, então, ser um bom caminho para essa
aproximação e promoção de uma postura mais participativa e questionadora frente às autoridades.
Assim, assumindo o papel de jornalistas, jovens se propõem a produzir notícias.
Cabe aqui salientar que ao trabalharmos com a produção da notícia com crianças, jovens e
adolescentes objetiva-se fazer com que esses sujeitos atuem como protagonistas de sua própria
história compreendida aqui em sua dimensão social e política. Dessa forma, não se pretende por
meio dessas práticas que esses atores se julguem jornalistas, uma vez que o jornalismo e sua prática
possuem características e um campo autônomo tanto em termos acadêmicos quanto profissionais.
3.1. A produção da notícia
Nas mídias, a notícia é um primeiro relato, muitas vezes confuso e simplificado, de um
acontecimento de grandes proporções ou que gera debates importantes para a construção de novos
sentidos e compreensões. E essa construção parte da percepção do indivíduo acerca da realidade e
38
da expressão do seu ponto de vista. Charaudeau (2013) entende que a notícia é construída a partir
dessa percepção, que chama de processo evenemencial.
O jornalista parte, em muitos casos, do testemunho – ou seja, da percepção – de uma pessoa
envolvida em um acontecimento para, então, noticiá-lo. E, de modo geral, para virar notícia, um
fato deve se caracterizar pela excepcionalidade. Wolf (apud Pena) elenca uma série de categorias e
características de fatos que o fazem ter valor de notícia (ver quadro abaixo). Entre eles, destacam-se
“interesse humano”, “feitos excepcionais”, “atualidade” e “novidade”. Dessa forma, para um fato
ser noticiado, é preciso que cause surpresa, que gere impacto.
Quadro 1. Valores-notícia, segundo Wolf (apud Pena, 2012, p. 72)
Categorias substantivas
Categorias relativas ao produto
Categorias relativas ao meio de informação
Categorias relativas ao público
Categorias relativas à concorrência
Importância dos envolvidos
Quantidade de pessoas envolvidas
Interesse nacional
Interesse humano
Feitos excepcionais
Brevidade – nos limites do jornal
Atualidade
Novidade
Organização interna da empresa
Qualidade – ritmo, ação dramática
Equilíbrio – diversificar assuntos
Acessibilidade à fonte/ local
Formatação prévia/ manuais
Política editorial
Plena identificação de personagens
Serviço/ interesse público
Protetividade – evitar suicídios etc.
Exclusividade ou furo
Gerar expectativas
Modelos referenciais
Para que isso aconteça, certamente a natureza do fato deverá ser relevante. Um acidente
aéreo ou incêndio que fazem centenas de vítimas significam tragédia, por serem inesperados e
envolver seres humanos. Isso tem a ver com os valores que os fatos representam, simbolizam,
significam e que são constituídos socialmente. Nas palavras de Charaudeau,
mortos são mortos, mas para que signifiquem “genocídio”, “purificação étnica”, “solução
final”, “vítimas do destino”, é preciso que se insiram em discursos de inteligibilidade do
39
mundo que apontam para sistemas de valores que caracterizam os grupos sociais
(CHARAUDEAU, 2013, p. 131).
No entanto, para além do significado dos acontecimentos, um fato para se constituir como
notícia depende mais de sua construção discursiva e narrativa do que, propriamente, de uma
característica de excepcionalidade. A notícia se constrói a partir de uma percepção da realidade e
seu sentido se constitui de forma aparentemente isolada, no próprio acontecimento e em sua
significação descontextualizada.
No entanto, o fato, apesar de ser um acontecimento tido como isolado, sua compreensão e
sua penetração se constroem por meio do interdiscurso, ou seja, por meio de suas relações de
diversas ordens com os discursos pré-existentes, com a memória discursiva. 13 Discorrendo sobre os
artifícios narrativos utilizados pelas mídias que acabam por se estruturar como "visão superficial do
mundo", Charaudeau afirma:
O que é, então, essa visão superficial do mundo proposta pelas mídias, na qual não há
nenhuma duração, nenhuma (ou quase nenhuma) perspectiva quanto ao passado, nenhuma
(ou insignificante) projeção para o futuro? E como é que o homem, que passa sua existência
interrogando-se sobre sua origem e seu destino, pode interessar-se por tal superficialidade
quanto aos fatos do mundo? Eis um primeiro desafio a levantar para as mídias. Elas o
conseguem, ao nosso ver, à custa de um blefe, mas um blefe nobre, um blefe pela boa causa
do direito do cidadão à informação. Esse blefe é a narrativa (CHARAUDEAU, 2013,
p.135).
Dessa forma, compreendemos que não é apenas o fato em si que tem características de
noticiabilidade. É claro que essa é uma questão que diz respeito ao perfil e interesses das mídias. No
entanto é a narrativa que determina a notícia, que não é um simples relato de um acontecimento,
mas um relato estruturado em um discurso jornalístico que, via de regra, produz sentido acerca de
um fato, exprimindo, a partir de um processo de seleção (edição) as falas de pessoas envolvidas no
acontecimento. Trata-se de um mundo editado, segundo a concepção de Baccega , “ou seja, ele é
13
Adota-se aqui a definição de interdiscurso apresentada por Eni P. Orlandi, in Análise de discurso: princípios e
procedimentos, p. 31, segundo a qual o interdiscurso se estabelece a partir das relações entre memória e discurso. O
interdiscurso é “(...) definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja: é o que
chamamos de memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob forma do préconstruído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra.”
40
redesenhado num trajeto que passa por centenas, às vezes milhares de filtros até que ‘apareça’ no
rádio, na televisão, no jornal. Ou na fala do vizinho e nas conversas dos alunos” (BACCEGA, 1994,
p. 7).
A notícia constitui-se por pontos de vista: do jornalista que a redige, das pessoas citadas na
narrativa, do editor que faz adaptações no relato etc. Por isso, pode-se dizer que, assim como
qualquer outro relato, a notícia é subjetiva. No entanto, a ideia de que o discurso jornalístico é
objetivo é amplamente disseminada. Pena (2012) explica que não há incoerência nessa afirmação.
Para ele, a narrativa jornalística não é objetiva, mas há mecanismos adotados pela imprensa que
minimizam a subjetividade inevitável também no âmbito jornalístico:
A objetividade, então, surge porque há uma percepção de que os fatos são subjetivos, ou
seja, construídos a partir da mediação de um indivíduo, que tem preconceitos, ideologias,
carências, interesses pessoais ou organizacionais e outras idiossincrasias. E como estas não
deixarão de existir, vamos tratar de amenizar sua influência no relato dos acontecimentos.
Vamos criar uma metodologia de trabalho (PENA, 2012, p. 50).
Faz parte da metodologia mencionada por Pena (2012) a estrutura textual, que caracteriza a
notícia, que segue um padrão estilístico definido como Pirâmide Invertida, em que as principais
informações encontram-se no primeiro parágrafo do texto, tendo o seu desdobramento e
pormenores nos parágrafos subsequentes. Dessa forma, o primeiro parágrafo da notícia, conhecido
como lead (do inglês leader, ou simplesmente lide, a forma aportuguesada), no meio escrito; ou
como cabeça nos meios audiovisuais e radiofônicos, deve ser um texto que responda a seis questões
básicas acerca de um fato, não necessariamente nesta ordem: (1) O quê?, (2) Quem?, (3) Quando?,
(4) Onde?, (5) Como? e (6) Por quê?.
Nos demais parágrafos, haverá o aprofundamento dessas ou de algumas dessas questões,
conforme a apuração do repórter e da urgência da publicação da notícia, a depender do fato a ser
reportado. Geralmente, informações mais precisas e detalhadas sobre acidentes de grandes
proporções, que envolvem um elevado número de vítimas, por exemplo, são descobertas aos
poucos, mas mesmo sem muita clareza sobre um acontecimento, o redator ou repórter já é capaz de
produzir uma informação prévia, a ser complementada conforme o acontecimento é investigado.
41
3.2. Reportagem: o relato circunstanciado
Pretendemos, a seguir, discorrer a respeito da reportagem, gênero jornalístico que exige
maior aprofundamento em torno de uma temática. Entendemos que, nem sempre, a construção de
uma notícia, seja no âmbito jornalístico ou como prática educomunicativa, exige criticidade de seu
autor. Mas como a Educomunicação pretende o desenvolvimento do senso crítico, especialmente
entre crianças e adolescentes, observa-se que o exercício da reportagem pode potencializar, mais do
que a produção de notícias, o processo educativo de problematização da realidade por jovens.
Diferentemente da notícia, que diz respeito a um fato isolado, descontextualizado, há, ainda
no âmbito jornalístico, a reportagem, compreendida como relato circunstanciado (Noblat apud
Pena, 2012), uma vez que tematiza o fato da notícia, que ganha profundidade. Enquanto a notícia
limita-se ao fato e seus envolvidos, a reportagem aprofunda-se na significação do fato, suscitando
temas que, muitas vezes, permanecem latentes na notícia. Isso porque lança mão da opinião e da
análise que, neste caso, não se refere ao posicionamento direto do jornalista, mas das fontes
especializadas que consulta para a construção do seu discurso 14.
Para o professor João de Deus Corrêa, “reportagem é um relato jornalístico temático, focal,
envolvente e de interesse atual, que aprofunda a investigação sobre fatos e seus agentes”. Já
para o professor Nilson Lage, “é a exposição que combina interesse do assunto com o
maior número possível de dados, formando um todo compreensível e abrangente” (PENA,
2012, p. 76).
A reportagem possibilita, nas mídias, a compreensão de uma questão, muitas vezes a partir
de um acontecimento pontual percebido na realidade, relatado em forma de notícia e que repercute
na sociedade, suscitando polêmicas e diferentes pontos de vista. Foi o que aconteceu, por exemplo,
em janeiro de 2013, com o incêndio da Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do
Sul, no qual morreram 242 pessoas 15. A partir de uma série de notícias em torno do acontecimento e
14
Charaudeau sugere que o acontecimento comentado parte do jornalista, no contexto do jornalismo de opinião, a partir
da interpretação que faz dos fatos e das opiniões de especialistas.
15
Disponível em: http://migre.me/iaYg4. Acesso em 6.mar.2014, às 19h29.
42
de sua repercussão em outras cidades brasileiras 16, alguns veículos de comunicação realizaram
reportagens sobre segurança em locais de grande concentração de pessoas, trazendo a fala de
especialistas no tema.
Pode-se dizer que a notícia e a reportagem correspondem às formas de acontecimentos
abordados pelos meios de comunicação, de acordo com uma classificação de Charaudeau (2013).
Segundo ele, nas mídias, há três formas de acontecimento: acontecimento relatado, acontecimento
comentado e acontecimento provocado. A reportagem enquadra-se enquanto acontecimento
comentado, que foge ao simples relato do fato, mas prevê comentários acerca do acontecimento,
com a intenção de problematizá-lo, de identificar sua causa e suas consequências. Isso porque
o comentário argumentativo impõe uma visão do mundo de ordem explicativa. Não se
contenta em mostrar ou imaginar o que foi, o que é ou o que se produz; o comentário
procura revelar o que não se vê, o que é latente e constitui o motor (causas, motivos e
intenções) do processo evenemencial do mundo. Problematiza os acontecimentos, constrói
hipóteses, desenvolve teses, traz provas, impõe conclusões (CHARAUDEAU, 2013,
p.176).
A notícia, por outro lado, pode ser o relato de um acontecimento espontâneo ou de um
acontecimento provocado por algum setor social, inclusive a própria mídia, em muitos casos
pautados por datas históricas e de celebração de alguma causa, questão social ou tradição. Também
coletivas de imprensa, declarações de autoridades ou personalidades em eventos públicos e
premiações, por exemplo, são acontecimentos provocados, muitos deles pela própria imprensa,
como os debates entre candidatos à presidência, ou pelos indivíduos nela envolvidos.
É comum, enquanto acontecimento provocado, que artistas conhecidos do grande público,
por meio de suas assessorias, emitam notas aos meios de comunicação sobre situações corriqueiras
e banais que os envolvem. Em razão da notoriedade de personalidades que protagonizam fatos
corriqueiros, como uma simples caminhada na praia, os trajes usados em uma festa ou até mesmo o
nascimento de um filho ou uma separação de casal, acontecimentos do dia a dia viram notícia.
Nesse âmbito, destacamos a notícia como mercadoria, conforme lembra Marcondes Filho
(2009) e o jornalismo como espetáculo a serviço da indústria cultural. Para o autor, a
16
Os meios de comunicação passaram a noticiar que a fiscalização voltada à segurança de boates e outros
estabelecimentos de grande concentração de pessoas passou a ser mais frequente e rigorosa devido ao triste episódio
ocorrido na cidade gaúcha.
43
espetacularização em torno da notícia esvazia a possibilidade de questionamento e problematização
dos fatos que ganham sentido em si mesmos. Além disso, o autor lembra ainda outras duas
dimensões do jornalismo, que servem às formas de dominação social vigentes: o jornalismo como
veiculador ideológico e como estabilizador político. Isso porque o jornalismo recorre a
mecanismos, presentes também na indústria do entretenimento, que ele chama de “dialética da
atemorização e da tranquilização”. Para ele,
a notícia, tal qual se apresenta para o receptor, como forma “quebrada” da realidade, como
pedaço do real, de onde se abstrai somente o fato específico que a originou, e como
disposição múltipla e diversificada no jornal, na televisão, no rádio, no cinema, atua no
receptor participando de um jogo psíquico, em que num momento ele desencadeia
processos de preocupação e, noutro, de alívio e descontração (MARCONDES FILHO,
2009, p. 79).
Apesar do padrão estilístico da narrativa jornalística, em especial da notícia, observa-se o
uso cada vez mais frequente de mecanismos que humanizam a informação. Geralmente, os
discursos jornalísticos colocam em cena personagens da vida real e, muitas vezes, é a partir ou em
torno deles que a informação que pretendem transmitir se manifesta, estabelecendo empatia e
identificação com o receptor, que vê seus dramas, suas limitações, dificuldades e opiniões
manifestas nos dizeres do outro, um cidadão comum.
3.3. Cobertura jornalística na perspectiva da Educomunicação
Por cobertura jornalística entende-se uma série de notícias produzidas sobre um mesmo
evento, geralmente de grandes proporções. Para uma organização com incidência no movimento
social que defende os direitos da infância, adolescência e juventude, bem como o direito humano à
comunicação e a democratização dos meios de comunicação, – como é o caso da Viração –
conferências, fóruns e seminários que tratem dessas questões podem ser considerados eventos de
grandes proporções, especialmente quando são de iniciativa do Estado, com caráter público, que
efetiva e viabiliza a participação de diversos setores sociais.
Além disso, não se pode ignorar que a apropriação das tecnologias e ferramentas de
comunicação é um direito humano e que, independente da utilização pedagógica do jornalismo em
44
contextos educomunicativos, a aproximação do jovem dessa linguagem é, também, uma maneira de
viabilizar esse direito, previsto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Referese não propriamente à liberdade de expressão, mas principalmente ao acesso aos meios pelos quais
o ser humano recebe e emite opiniões e informações. “Todo homem tem direito à liberdade de
opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS apud LIMA, 2012).
É claro que esse direito está associado à liberdade de expressão, condição a ser valorizada
no contexto da Educomunicação, e que pode ser anterior ou simultânea ao direito à comunicação,
especialmente nos tempos atuais em que, com amplo acesso à internet, a juventude, principalmente
por intermédio das redes sociais expressa livremente seus pensamentos, sentimentos, frustrações,
desejos e conquistas.
Na verdade, o direito à comunicação perpassa as três dimensões da cidadania, constituindose, ao mesmo tempo, em direito civil – liberdade individual de expressão – em direito
político – através do direito à informação –, e em direito social – através do direito a uma
política pública garantidora do acesso do cidadão aos diferentes meios de comunicação
(LIMA, 2011, p. 220).
Pode-se dizer, inclusive, que o direito humano à comunicação é uma das principais
características de uma cobertura no âmbito da Educomunicação, ou apenas cobertura
educomunicativa, como denominamos neste trabalho. Não se trata de jornalistas no exercício de sua
profissão, mas de adolescentes e jovens exercendo o seu direito de se expressar por intermédio de
veículos de comunicação.
E, nesse contexto, desempenham o papel de repórteres, produtores, redatores, fotógrafos e
apresentadores, funções assumidas de acordo com a afinidade e interesse pessoal de cada
participante do processo pela linguagem, mídia e atividade a ser executada. Busca-se formar um
grupo coeso, embora, entre os integrantes, exista diferença no papel exercido durante a atividade da
cobertura. E a linguagem jornalística, nesse sentido, é ferramenta pedagógica por meio da qual os
adolescentes formatarão suas mensagens.
45
A Viração, em seu Guia de Educomunicação 17, diferencia cobertura jornalística de cobertura
educomunicativa. No entendimento da organização, a diferença entre elas é o processo, sendo que
na perspectiva educomunicativa, uma cobertura de evento é dialógica, engajada e participativa,
além de ter um caráter amador.
Muitas coisas da prática do jornalismo são muito úteis para a produção de uma reportagem
feita a partir da Educomunicação. A única diferença é a forma com que fazemos. Em vez de
nos preocuparmos com os procedimentos de uma forma individualista, procuramos
produzir tudo coletivamente, garantir que todos tenham voz no processo de produção e se
sintam à vontade para discutir “como”, “com quem”, “por que”, e “para quê” estão fazendo
aquela reportagem (VIRAÇÃO, 2011, p. 27).
Entende-se, desta forma, que as coberturas educomunicativas valorizam o processo
participativo, o envolvimento e a viabilização da expressão dos adolescentes, sem que o produto
final seja mais importante que o andamento de sua produção. Nesse sentido, entende-se que a
notícia, nesse contexto, é o produto final de um processo educativo, de interação do jovem com
outros atores sociais, com os quais aprenderão, tirarão dúvidas e compartilharão opiniões e
impressões.
A intencionalidade dessa notícia também é diversa da veiculada em grandes meios de
comunicação. Ao estimular que jovens exerçam o seu direito humano à comunicação,
especialmente no contexto de eventos cujo propósito seja a discussão dos direitos humanos, e
considerando ainda que parte deles vivencia em seu cotidiano a temática do evento coberto, as
produções realizadas pelos adolescentes devem não apenas procurar esclarecer e definir conceitos,
mas principalmente mobilizar o jovem receptor a se engajar na causa em questão.
No entanto, fora do âmbito da Educomunicação, também é possível identificar processos
semelhantes aos propostos pela Viração. Na mídia alternativa há iniciativas de comunicação
compartilhada e coberturas colaborativas, executadas por profissionais da área, que, no entanto, não
se definem “educomunicativos” mesmo adotando em suas práticas um processo horizontal,
democrático, participativo, engajado e dialógico.
É o que se observa, por exemplo, nas coberturas midiáticas dos protestos contra o aumento
da tarifa de ônibus, ocorridos em junho de 2013, em São Paulo, realizados por integrantes de
17
Disponível em: http://issuu.com/portfolio_viracao/docs/guia_educomunicacao
46
coletivos dedicados à comunicação alternativa e compartilhada, como o Mídia Ninja 18. No entanto,
sabe-se que os envolvidos nessas atividades são militantes adultos e possuem experiência com
comunicação,
diferentemente
dos
adolescentes
e
jovens
envolvidos
nos
processos
educomunicativos da Viração que, em sua maioria, estão começando a sua militância política e
experiência com comunicação alternativa.
Enquanto processo educativo, as coberturas educomunicativas, no âmbito das iniciativas da
Viração, são realizadas por jovens e orientadas por profissionais de comunicação dessa organização,
responsáveis por instruí-los tecnicamente na produção de peças jornalísticas, em diferentes
linguagens midiáticas. Nesse contexto, é papel do educomunicador não apenas ensinar a fazer
produtos midiáticos, mas também mediar o processo, a fim de que, conforme prevê a Viração, a
cobertura seja um processo dialógico, horizontal e consciente entre os integrantes do grupo.
O papel do educomunicador é justamente promover uma espécie de mediação para garantir
que todos os envolvidos em um determinado processo consigam se expressar livremente,
com seu direito de voz garantido e empenhados em contribuir para a promoção do que
chamamos de uma gestão participativa da comunicação (VIRAÇÃO, 2011, p. 21).
No âmbito da produção midiática feita por adolescentes, cabe ainda ao educomunicador o
papel de editor dos conteúdos produzidos. É esse profissional que avaliará a qualidade da peça
produzida e, quando necessário, dará sugestões de como complementar a notícia com mais
informações, além de apontar erros gramaticais e de ortografia, especialmente quando a produção é
escrita.
Por vezes, nesse processo, a depender da relevância do conteúdo produzido no contexto de
uma cobertura, cabe ainda ao educomunicador acelerar o seu processo de produção, auxiliando o
adolescente ou jovem, que sem a prática frequente na produção midiática ou por não ser
profissional de jornalismo, acaba realizando o relato do acontecimento mais vagarosamente,
condição própria de quem está aprendendo.
Assim, compreende-se que a prioridade no processo de produção é que os produtos de
comunicação sejam fruto da intervenção do adolescente no espaço onde está inserido e que no
18
Mídia Ninja é um grupo de ativistas dedicado à mídia alternativa, que ganhou grande visibilidade em decorrência da
cobertura que realizou dos protestos em junho de 2013, ocorridos em São Paulo e outras cidades brasileiras.
47
produto final seja possível observar o seu aprendizado, a partir da importância que deu a relatos que
ouviu, a cenas que presenciou, a conversas que teve. Tudo isso acrescido do “toque final” de um
jornalista ou profissional de comunicação que corrigirá erros, intervirá na construção do discurso,
modificando a narrativa e pedirá ao autor, quando necessário, que acrescente mais alguma
informação.
Em mídias como áudio, vídeo e fotografia, o educomunicador edita as imagens e gravações
realizadas pelos adolescentes, além de acompanhar o processo de produção, orientando os jovens
sobre como se portar diante de uma câmera, gravador e de um entrevistado. Além disso, esse
profissional, muitas vezes, promove o encontro do adolescente comunicador com o adulto a ser
entrevistado. Ele ainda transmite noções mínimas de fotografia e filmagem e seleciona os melhores
takes e fotos produzidas por eles.
Quadro 2. Contrastes entre cobertura jornalística e cobertura educomunicativa
Cobertura jornalística
Cobertura educomunicativa
Atividade profissional
Exercício do direito humano à
Características referentes
à natureza
comunicação
Não necessariamente engajada
Necessariamente engajada
Envolve conhecimento
Não profissional
Notícia é fruto de um processo de
Notícia é fruto de um processo de
Características referentes
apuração
aprendizado
ao processo
Edição não necessariamente
Edição dialogada
dialogada
Características referentes
Prestação de serviço de informar a
Militância, participação social e
à finalidade
sociedade
mobilização
Enquanto profissional, o educomunicador precisa garantir que o processo seja rico,
possibilitando que a imersão dos adolescentes nos espaços onde ocorrem a cobertura seja educativo.
Em outras palavras, o educomunicador deve favorecer que os jovens tirem proveito da experiência,
incentivando o aprofundamento na temática e discussões, sensibilizando-os para essa importância,
além de garantir que esse processo se traduza em produção midiática por parte dos adolescentes.
48
Apesar dos contrastes, é preciso ressaltar as semelhanças entre cobertura jornalística
tradicional e cobertura jornalística na perspectiva da Educomunicação. Ambas adotam a notícia
como elemento de partida e se estruturam como discurso informativo. Além disso, os relatos dos
jovens, independente do suporte midiático utilizado, passam por uma edição para que o processo se
converta em produto final e seja instrumento de aquisição de informação, tenha ela a finalidade que
tiver.
Para coberturas em diversas linguagens, são estabelecidos critérios de produção, frequência
e periodicidade para as notícias. Se a intenção é postar os conteúdos produzidos em um site
noticioso, é preciso garantir que no período do evento, que geralmente dura mais de um dia, haja
sempre novos conteúdos sobre seus acontecimentos.
Esse é um dos critérios mais desafiadores de uma cobertura educomunicativa, considerando
que se trata de uma atividade amadora. No entanto, essa questão pode ser superada, dependendo do
número de jovens envolvidos. Em casos de coberturas de eventos nacionais, a diversidade regional
no grupo de jovens garante a pluralidade de pontos de vista.
Com isso, entende-se que as coberturas educomunicativas aproximam o adolescente e/ou
jovem de discussões políticas, inserindo-os em espaços de militância, debate e formulação de
propostas de políticas públicas que estejam relacionados com a sua faixa etária ou situação
socioeconômica. O jornalismo adotado nesse contexto, portanto, é meio pedagógico para viabilizar
seus direitos, especialmente o direito à participação e também o direito humano à comunicação.
3.4. Participação de adolescentes e jovens por meio da Educomunicação
Para um adolescente em processo de formação cidadã, a produção de notícias sobre o
contexto em que vive relaciona-se, inicialmente, com o desenvolvimento da percepção do seu
entorno e, posteriormente, com a leitura crítica dos problemas sociais que vivencia e a aplicação dos
conceitos acerca dos direitos humanos à sua própria realidade.
A adoção do jornalismo como ferramenta educomunicativa, com a finalidade de
proporcionar ao jovem a compreensão e o questionamento de uma série de acontecimentos
próximos à sua realidade pode ser, portanto, o início do desenvolvimento crítico, da politização, da
49
participação cidadã e da militância do jovem em causas sociais, especialmente quando inserido em
espaços públicos de debate como conferências e fóruns destinados à construção de políticas
públicas e reflexão acerca dos direitos humanos. São em contextos como esses que a Viração
Educomunicação procura inserir adolescentes e jovens para realizar uma cobertura jornalística.
Conforme indica Soares,
os jovens participantes desses projetos apontam o desejo de encontrar possibilidades de
produção da cultura, através do uso dos recursos da comunicação e da informação, os
sonhos cotidianos e a transformação da realidade local. Eles se abrem para a compreensão
crítica da realidade social e ampliam seu interesse em participar da construção de uma
sociedade mais justa, confirmando sua vocação pela opção democrática de vida em
sociedade (SOARES, 2011, p. 31).
É fundamental, no entanto, que jovens inseridos nesses contextos sejam sensibilizados para
além da tarefa de comunicadores que terão em espaços políticos. Se a ideia é promover – ou dar
início a – um processo de participação política, em que jovens intervenham criticamente na
construção de propostas, é preciso sensibilizá-los para esse propósito que, além de uma necessidade,
é também um direito humano.
Bordenave (1985) afirma a necessidade de que toda atividade dedicada à formação humana
incentive um comportamento participativo que, apesar de inerente ao ser humano, envolve
necessidades específicas para se efetivar e que podem ser viabilizadas em atividades coletivas. O
autor lembra a origem da palavra “participação” e diferencia “fazer parte” de “tomar parte”. Este
último tem um sentido mais engajado e define melhor o que é “participação”.
Assim, pode-se compreender que “tomar parte” significa incidir em processos que
correspondem não apenas aos grupos em que naturalmente estamos inseridos, como família e
comunidade, mas principalmente em questões que Bordenave (1985) chama de processos de
macroparticipação, que se referem a questões que dizem respeito à vida em sociedade, a decisões
que interferem no cotidiano de uma numerosa coletividade. Ele entende que
aos sistemas educativos, formais e não formais, caberia desenvolver mentalidades
participativas pela prática constante e refletida da participação.
O interessante é que a luta pela participação social envolve ela mesma processos
participatórios, isto é, atividades organizadas dos grupos com o objetivo de expressar
necessidades ou demandas, defender interesses comuns, alcançar determinados objetivos
50
econômicos, sociais ou políticos, ou influir de maneira direta nos poderes públicos
(BORDENAVE, 1985, p. 25).
A promoção de uma cobertura realizada por adolescentes é uma forma de promover a
participação da juventude em espaços públicos de discussão. Mas falar em viabilizar o direito
humano à comunicação é diferente de promover a participação política por meio da comunicação. O
primeiro refere-se a uma aproximação às mídias e seus instrumentos, ao estímulo ao uso dessas
ferramentas no cotidiano, a partir do qual é possível compreender a dimensão cidadã da
comunicação e sua utilidade na participação social e política.
Em outras palavras, envolver adolescentes e jovens na produção noticiosa sobre direitos
humanos, em contextos políticos, não faz de sua intervenção comunicativa, necessariamente, uma
ação política, embora seja uma forma de promover a intervenção da juventude, ou como alguns
grupos e organizações sociais preferem, o protagonismo juvenil.
A qualidade da participação se eleva quando as pessoas aprendem a conhecer sua realidade;
a refletir; a superar contradições reais ou aparentes; a identificar premissas subjacentes; a
antecipar consequências, a entender novos significados das palavras; a distinguir efeitos de
causas, observações de inferências e fatos de julgamentos. A qualidade da participação
aumenta também quando as pessoas aprendem a manejar conflitos; clarificar sentimentos e
comportamentos; tolerar divergências; respeitar opiniões; adiar gratificações. A qualidade é
incrementada quando as pessoas aprendem a organizar e coordenar encontros, assembleias
e mutirões; a formar comissões de trabalho; pesquisar problemas; elaborar relatórios; usar
meios e técnicas de comunicação (BORDENAVE, 1985, p.72).
Paulo Lima, idealizador e diretor executivo da Viração Educomunicação, entende que a
presença de um grupo de jovens em um espaço público, realizando a cobertura dos acontecimentos
que nele ocorrem, é uma forma de participação política da juventude, ancorada na comunicação.
Especialmente quando se trata de um grupo de adolescentes que, quando crianças, foram vítimas de
trabalho infantil e, “voltam à cena da questão não enquanto vítimas, mas na condição de
comunicadores” 19. No entanto, participação política, por meio da comunicação, pressupõe
consciência acerca do que é comunicar e de seu papel político. Diz Dallari que
19
Informação verbal colhida pelo pesquisador.
51
Um dos mais notáveis escritores brasileiros, Osman Lins, observou que não se pode
conseguir qualquer mudança profunda na sociedade se não houver antes a mudança na
consciência de cada um (...).
Assim, pois, para a efetiva participação política o primeiro passo deve ser dado no plano da
consciência. Dado esse passo, está aberto o caminho para a plena participação, pois o
indivíduo conscientizado não fica indiferente e não desanima perante os obstáculos. Para
ele a participação é um compromisso de vida, exigida como um direito e procurada como
uma necessidade (DALLARI, 1984, p. 43).
Bakhtin afirma que a consciência é fruto do processo de interação social, por meio do qual o
sujeito adquire ideologia, “todo o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e
natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio de palavras [...] ou outras
formas sígnicas” (VOLOSHINOV apud MIOTELLO, 2013, p.169).
Dessa forma, a participação política por meio da comunicação é relativa, não automática. A
participação será política quanto mais adesão e entendimento acerca do papel político da
comunicação tiver o adolescente participante do processo educomunincativo. É o que se observa no
perfil de alguns dos colaboradores jovens da Revista Viração, que possuem um histórico de
militância política antes de iniciarem no processo de produção midiática.
Considerando que, hipoteticamente, a experiência da cobertura jornalística jovem seja uma
primeira vivência de participação coletiva ou protagonismo juvenil em um espaço público, não é
possível mensurar o quanto foi possível compreender dessa vivência para afirmar o jovem
comunicador, indiscutivelmente um sujeito partícipe – no exercício do seu direito –, como um
sujeito político, consciente do significado do exercício do seu direito. É como afirma
Bakhtin/Volochinov:
Enquanto a consciência permanece fechada na cabeça do ser consciente, com uma
expressão embrionária sob a forma de discurso interior, o seu estado é apenas de esboço, o
seu raio de ação ainda limitado. Mas assim que passou por todas as etapas da objetivação
social, que entrou no poderoso sistema da ciência, da arte, da moral e do direito, a
consciência torna-se uma força real, capaz mesmo de exercer em retorno uma ação sobre as
bases econômicas da vida social (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p. 118).
Ainda assim, pode-se dizer que a intervenção educomunicativa feita no contexto dos eventos
é uma maneira de despertar o senso coletivo e o engajamento político, mas não se trata de uma
participação política efetiva, ao menos que o grupo em questão já esteja envolvido com esse tipo de
participação fora do contexto das coberturas.
52
Para os jovens que já integram algum movimento social, a experiência em torno da
comunicação é mais uma forma de participação política e cidadã, caso percebam de que forma o
exercício da produção noticiosa pode ser aplicada aos contextos de participação política em que já
atuam e até mesmo ao próprio evento do qual participam como comunicadores.
Caso contrário, é possível falar em participação. Para que ela seja política, é necessário um
processo de sensibilização anterior para o sentido da comunicação e que o seu papel, no âmbito dos
direitos humanos, da política e da cidadania, esteja claro para todos os envolvidos no processo. E
nesse processo, é preciso, segundo Dallari, enfatizar que “se muitos ficarem em atitude passiva,
deixando as decisões para outros, um pequeno grupo, mais atuante ou audacioso, acabará
dominando, sem resistência e limitações” (DALLARI, 1984, p. 33).
Nesse contexto, seria preciso compreender, ainda que minimamente, a pauta dos
movimentos sociais pela democratização dos meios de comunicação, de ocupar o espaço público
que a mídia de massa representa, mas que, historicamente, é concentrada por poucas famílias com
fins comerciais, caracterizando o setor brasileiro das comunicações como oligopólio (LIMA, 2011).
Em outras palavras, é preciso tornar compreensível para o adolescente comunicador que a sua ação
em uma cobertura se trata de uma ação de resistência a um modelo hegemônico que não o
contempla e ao qual se deve resistir, propondo alternativas.
Pode-se considerar, no entanto, que o sentido da presença de um grupo de adolescentes
realizando uma cobertura em um espaço predominantemente adulto chame, naturalmente, a atenção
para a questão da necessidade de a juventude exercer seu direito à voz e à participação. No entanto,
a atividade de produzir mídia, por si só, não indica um posicionamento crítico sobre a questão do
direito humano à comunicação. Jovens que participam de uma cobertura educomunicativa podem se
envolver com produção de mídias sem compreenderem o papel político e social da comunicação.
Nesse sentido, a Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc) é um
exemplo de participação política em torno da comunicação. A Renajoc programa, todos os anos,
ações para debater e evidenciar a discussão acerca da democratização dos meios de comunicação e
do próprio direito humano à comunicação.
Essa rede ocupa espaços de discussão de questões acerca da comunicação, pautando-a em
diversos contextos políticos relacionados à juventude e aos direitos humanos, como o Conselho
Nacional de Juventude (Conjuve) e Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à
53
Comunicação com Participação Popular (Frentecom), além de promover seus próprios atos políticos
em 17 de outubro, Dia da Juventude Comunicativa, chamado Dia C, em que integrantes da rede
realizam ações locais de intervenção para discutir e manifestar a questão do direito humano à
comunicação e democratização dos meios de comunicação.
É preciso, portanto, questionar, como se faz nesta pesquisa, se o uso do jornalismo como
meio pedagógico, por si só, tem sido eficiente no desenvolvimento da criticidade de adolescentes e
jovens sem contato prévio com a questão do direito humano à comunicação e democratização dos
meios. Vale ainda indagar se a participação que ocorre nesses espaços públicos, que os aproximam
do poder político, tem permitido a compreensão efetiva das problemáticas colocadas em discussão e
a problematização dos diferentes atores e discursos que circulam nesses espaços, cada qual
defendendo interesses específicos e, por vezes, contraditórios, mas que se não se evidenciam ao
adolescente, sujeito em processo de construção de sua percepção crítica.
54
4
DISCURSO, MÍDIA E PODER
Noticiar fatos e opiniões é, para crianças e jovens e sociedade como um todo, uma
experiência de intervenção na realidade e, portanto, de participação social. A produção infantojuvenil de mídia em espaços predominantemente adultos e/ou formais é, ao mesmo tempo, um
instrumento de aproximação, desvelamento e compreensão desse universo para os jovens que, dessa
forma não apenas acedem, mas também participam de sua concretização – como espaço simbólico e
concreto da realidade – como atores. Nesse sentido, os enunciados e discursos produzidos por eles e
por seus entrevistados são ancorados na prática da Educomunicação, a partir da qual os sujeitos têm
a oportunidade de refletir sobre questões sociais, problematizando-as, por meio do diálogo e da
contrapalavra (Bakhtin/Volochinov, 2002). Conforme destaca Mungioli (2009, 593),
toda palavra, entendida aqui em sua dimensão discursiva, demanda uma resposta, uma
contrapalavra. Ou seja, o processo de comunicação verbal, e mais estritamente o processo de
construção de sentidos, coloca em jogo não apenas a capacidade de o ser humano expressar-se
por meio da fala – referida aqui em seu sentido estrito –, mas também, e principalmente, de se
fazer entender e compreender por meio de todo um saber discursivo tecido pelas relações
sociais de sujeitos constituídos social e historicamente. É dentro dessa compreensão que reside
o princípio da responsividade que caracteriza o pensamento dialógico bakhtiniano.
Nesse sentido, a prática de cobertura jornalística ancorada nos princípios da
Educomunicação, que discutimos neste trabalho, propicia o exercício dialógico da comunicação. A
partir da Educomunicação, jovens podem ouvir os adultos com base em uma nova perspectiva, na
qual assumem a condição de sujeitos partícipes, ou seja, a instância cidadã, e são capazes de intervir
em seu contexto sócio-cultural, ou nos espaços onde são estimulados a participar, mesmo que de
uma maneira ainda orientada, e tomam parte em seu lugar de direito junto ao adulto, também sujeito
social, com o qual podem trocar, aprender e dialogar.
A Educomunicação, dessa maneira, não transforma apenas o jovem, que passa a se enxergar
como sujeito, mas também pode influenciar o adulto a se sensibilizar e reconhecer a relevância da
participação juvenil para o fortalecimento dos processos democráticos.
Trata-se de, nas palavras de Soares (2011), de “garantir ao jovem a possibilidade de sonhar,
não exatamente com um mundo fantástico e seguro que lhe seja dado pelos adultos, mas com um
55
mundo que ele mesmo seja capaz de construir, a partir de sua capacidade de se comunicar”
(SOARES, 2011, p. 53). A promoção da participação social de crianças, adolescentes e jovens, no
contexto das práticas educomunicativas, é suscitada a partir das mídias, com as quais a geração
nascida no final da década de 1990 e início dos anos 2000 já possui intimidade, não apenas como
espectadores, mas também como produtores.
Nas últimas décadas, a convergência digital e o advento da Web 2.0 representaram uma
significativa mudança nos hábitos culturais, especialmente para uma parcela de jovens, que passou
a exercer seu potencial comunicativo na internet, participando de chats, criando blogs e perfis em
redes sociais, postando material audiovisual, muitas vezes produções realizadas a partir de seus
próprios celulares, em sites de conteúdo colaborativo, como o YouTube.
Entende-se, dessa maneira, que o jovem pode, por intermédio das linguagens midiáticas e do
exercício da contrapalavra, enunciar-se como sujeito e, portanto, autor de um discurso próprio e
socialmente constituído, premissa e resultado de um processo comunicativo/educativo, dialógico.
Também na concepção de Freire, um processo efetivamente educativo requer diálogo e é, por isso,
comunicativo.
É a partir da interação com o outro que o discurso emerge do sujeito, capaz de enunciar o
mundo. O indivíduo torna-se um enunciador,
que após reelaborar os discursos que recebe, constrói o seu próprio. Observe-se que, na
medida em que “recebe” os discursos, ele é também enunciatário. Em outro sistema de
referências, é chamado de “emissor”, porém essa categoria não esclarece a presença dessa
pluralidade de discursos (dessa polifonia), os quais constituem, na verdade, a base do que
está sendo dito (BACCEGA, 2007, p. 92).
E, por discurso, entende-se toda manifestação dotada de sentido, construída e embasada no
diálogo e que se institui a partir da formação ideológica do seu autor, que irá associá-la ao discurso
produzido (BACCEGA, 2007). Na condição de enunciador, o sujeito elabora seus enunciados a
partir de um referencial e de sua própria relação com o enunciado (FOUCAULT apud BRANDÃO,
2002).
Segundo Brandão, Foucault entende o discurso como um compositório de enunciados sem,
no entanto, compreender o sujeito que o elabora como unitário com relação ao discurso. Em outras
palavras, o autor entende que o sujeito é “disperso”, não unitário, e essa característica também se
56
manifesta no discurso. Trata-se de uma dispersão “que reflete a descontinuidade dos planos de onde
fala o sujeito que pode, no interior do discurso, assumir diferentes estatutos” (BRANDÃO, 2002, p.
30).
Em um romance fictício, por exemplo, escrito por um único autor, há diferentes discursos,
assumidos pelos diferentes personagens, cada qual com uma linguagem e modo de se expressar que,
no entanto, é fruto da criação de um único sujeito real, seu escritor, que reelabora seu conhecimento
acerca dessa multiplicidade em seu próprio discurso. A questão da multiplicidade de discursos,
reconhecida por Foucault, é também abordada por Bakhtin como “polifonia”, que
se define pela convivência e pela interação, em um mesmo espaço do romance, de uma
multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis, vozes plenivalentes e
consciências equipolentes, todas representantes de um determinado universo e marcadas
pelas peculiaridades desse universo. Essas vozes e consciências não são objeto do discurso
do autor, são sujeitos de seus próprios discursos. (BEZERRA, 2013, p. 194)
E, mesmo polifônico, o locutor desenvolve seu discurso em determinada perspectiva e com
uma finalidade específica, ou seja, apropria-se dele e nele se projeta por inteiro, uma vez que, a
partir da dimensão semiótica da linguagem e do pensamento (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002) as
relações de linguagem se constroem por meio do reflexo e da refração do signo ideológico. Nesse
contexto, o locutor/enunciador pode desviar-se para, posteriormente, retomar a sua orientação para
cumprir com seu objetivo, conforme o entendimento de Maingueneau. Para ele, “nas situações de
interação oral, ocorre constantemente de as palavras ‘escaparem’, de ser necessário recuperá-las ou
torná-las mais precisas etc., em função das reações do outro” (MAINGUENEAU, 2013, p. 59).
Maingueneau afirma ainda que todo discurso faz sentido apenas como parte integrante de
um “interdiscurso”, ou seja, fruto de um processo interativo. O discurso reelaborado em um
enunciado é compreendido porque possui uma referência a um universo de discursos, já conhecido
pelo enunciatário. Para o autor, o discurso sempre está relacionado com um sujeito, “um EU, que se
coloca como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais e, ao mesmo tempo, indica que
atitude está tomando em relação àquilo que diz e em relação a seu coenunciador”
(MAINGUENEAU, 2013, p. 61).
A elaboração de um discurso próprio se faz ao longo da vida, conforme o sujeito conhece e
se reconhece na realidade, ainda quando entra em contato com contextos alheios aos seus, pois,
57
também quando interage com o diferente, o sujeito busca referências próprias para compreender o
que lhe é estranho e para adaptar-se à nova situação, lançando mão de analogias, comparações e
questionamentos.
No âmbito do discurso, quando em contato com diferentes modos de expressão, os sujeitos
em interação buscam o significado do que não compreendem da fala do outro. Em uma situação
dialógica, questionam, utilizam gestos, termos usualmente conhecidos, tudo para que as palavras
proferidas possam ir ao encontro do outro e este possa, de fato, perceber que compreendeu novos
conceitos, novas realidades, possíveis graças à reelaboração que faz a partir de seu repertório
prévio.
Entende-se, dessa forma, que o discurso do outro só faz sentido em um processo dialógico,
em que os sujeitos, em condição de igualdade, estabelecem uma troca entre si, possível pelas
mútuas intervenções, que permitem a compreensão, a apropriação e a reelaboração das ideias em
novos discursos.
A partir de Paulo Freire, entende-se que o contato com o novo e a tentativa de compreendêlo leva o sujeito à criticidade, necessária ao seu desenvolvimento como ser humano inacabado. Diz
Freire que “no momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um
clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem na superação das ‘situaçõeslimite’” (FREIRE, 2011, p. 126).
Em consonância com Freire está o pensamento Martín-Barbero, que entende que a
comunicação está alicerçada na cultura. Em outras palavras, os sentidos se estabelecem a partir dos
processos de mediação do sujeito em seu contexto social, nas instâncias socializadoras. É na
interação, portanto, que o indivíduo se converte em sujeito capaz de dialogar, encontrando no outro
significações e ressignificando-as em seu próprio contexto, pois
dialogar é descobrir na trama de nosso próprio ser a presença dos laços sociais que nos
sustentam. É lançar as bases para uma posse coletiva, comunitária, do mundo. A palavra
não é um mundo à parte, mas faz parte da práxis do homem: “a justiça é o direito à
palavra”, pois é a possibilidade de ser sujeito em um mundo onde a linguagem constitui o
mais expressivo lugar do “nós” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 33).
Dessa forma, entende-se que a relação entre sujeito e mensagens midiáticas constitui-se
também em um processo dialógico, tendo os meios de comunicação como colaboradores para a sua
58
formação, uma vez que é por meio deles que o sujeito toma conhecimento do mundo, embora sob o
ponto de vista de quem o enuncia. Conforme lembra Baccega (2007), pelas mídias, recebe-se o
mundo editado.
Dessa forma, entende-se que a influência dos discursos e valores disseminados pelos meios
de comunicação não ocorre de maneira direta sobre o sujeito social. Mas ecoam distintamente em
cada ser humano, pois cada um possui particularidades inerentes a fatores antropológicos, sociais,
psicológicos e intelectuais, vivenciados em diferentes contextos, ou seja, os discursos dos meios
estão sujeitos a mediações.
Nesse contexto, a comunicação, compreendida como processo de interação com o diferente,
com o outro, seja com as mensagens midiáticas, com as opiniões divergentes nas conversações
cotidianas, seja na imersão em diferentes realidades, envolve, necessariamente, conflito. O desafio
que se coloca à comunicação, portanto, não se limita à garantia de manifestação da diversidade de
pontos de vista. É necessário que se reflita sobre o seu papel conciliador, conforme lembra Wolton:
Vigora menos atualmente o sentido clássico de compartilhamento de valores comuns e mais
a ideia de convivência atrelada à necessidade de conciliar lógicas antagônicas. Ontem,
comunicar era compartilhar e reunir, ou unir. Hoje, é mais conviver e administrar
descontinuidades. Cada um desses conceitos, informação e comunicação, absorve uma
parte do referencial do outro (WOLTON, 2011, p. 26).
As negociações de sentido às quais se refere Martín-Barbero se estabelecem a parir da
relação entre os discursos midiáticos e a sociedade, uma ação que vai além da simples oferta de
consumo de informação. A ideologia presente em suas mensagens fará sentido a quem as recebe se
o seu teor vai ao encontro de suas experiências concretas na realidade.
4.1. Mídia, discursos e ideologia
Os discursos midiáticos são, portanto, ideológicos, uma vez que são constituídos de vozes e
termos escolhidos intencionalmente por seus autores. No âmbito do jornalismo, a escolha de fontes
específicas para a elaboração de uma reportagem já revela a tendência ideológica do jornalista.
Bakhtin entende que as palavras demonstram posicionamento, uma vez que “Tudo que é ideológico
possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é
59
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p.
31).
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma
outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista
específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é
verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc) (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p. 32).
Nesses sentido, o termo "invasão" é um dos mais significativos exemplos de manifestação
ideológica por meio da palavra, que inclusive, é constantemente adotado pelas mídias. A palavra em
questão é relacionada constantemente, nas mídias, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e seu significado é pejorativo, uma vez que denota ilegalidade, a violação de
propriedades privadas. Os movimentos sociais preferem o uso de "ocupação" – hoje já empregado
por alguns veículos –, que denota legalidade, utilização de espaços ociosos. (BACCEGA; CITELLI,
1989, p. 25).
Esse caso talvez seja o que melhor transpareça o aspecto ideológico da palavra. O sentido de
“invadir” dialoga com os interesses de uma classe social dominante que, de fato, se sente invadida
com a presença de um grupo em sua propriedade privada, sem autorização de seus donos. Assim
como o sentido de “ocupar” concorda com o princípio de direito à terra e utilização de espaços
vazios por quem não tem onde produzir e morar. A mídia comercial, fruto da classe dominante,
utiliza em seus discursos o verbo “invadir” para qualificar as ações do MST.
Como lembra Bakhtin/Volochinov (2002), toda palavra contem valores e sentidos quando
inseridas em discurso. Descortina-se, em suas entrelinhas, a carga negativa que a sociedade atribui
ao movimento social. Nesse sentido, faz-se necessária a desmistificação da suposta neutralidade da
palavra, sobretudo no contexto jornalístico, a partir da compreensão do sentido ideológico que as
palavras possuem, que empregadas em determinados discursos e contextos, explicitam os
antagônicos interesses de classes sociais e posições públicas e privadas que conflitam atualmente na
sociedade.
Para além do processo de edição da realidade, que já manifesta as inclinações ideológicas
dos meios de comunicação, é importante a análise do papel da palavra nos discursos midiáticos. É
claro que a escolha ou rejeição de determinados termos e palavras fazem parte do trabalho de
editores de veículos de comunicação dos mais diversos portes e alcance.
60
Talvez não seja o caso de discutir a intencionalidade do emprego de certas palavras, pois,
conforme o conceito de dialogia de Bakhtin/Volochinov, retomamos constantemente referências
passadas, mesmo quando o objetivo do discurso é abordar o presente ou discorrer sobre
expectativas futuras 20. Isso quer dizer que, cotidianamente, utiliza-se um vocabulário (e, em certa
perspectiva, os discursos cristalizados) ensinado pelos livros, jornais, escola e pela convivência
cotidiana, nos diferentes contextos sociais nos quais o sujeito está inserido, sem, necessariamente,
refletir sobre o sentido ideológico que as palavras utilizadas carregam.
O valor exemplar, a representatividade da palavra como fenômeno ideológico e a
excepcional nitidez de sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer razões suficientes
para colocarmos a palavra em primeiro plano no estudo das ideologias. É, precisamente, na
palavra que melhor se revelam as formas básicas, as formas ideológicas gerais da
comunicação semiótica (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p. 36).
Por isso, torna-se relevante destacar a característica inerente de toda palavra (e do discurso):
a opacidade. O discurso jornalístico, por exemplo, não é imparcial. No entanto, os conceitos de
neutralidade e isenção associados ao jornalismo fazem com que muitos consumidores de notícias
não apenas tomem conhecimento de um fato reportado, mas principalmente assimilem como
verdade a ideologia transmitida nas entrelinhas da informação.
Dessa maneira, o uso ou rejeição dos meios pode influenciar o emprego ou não de alguns
termos nos discursos cotidianos, especialmente para aqueles que têm a grande mídia como principal
fonte de informação e educação. Para Bakhtin/Volochinov,
a palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida
por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função,
nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais sensível de relação social
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p. 36).
Termos como “drogado” e “aidético”, por exemplo, antigamente empregados nos discursos
midiáticos para se referir a “usuários de drogas” e “pessoas que vivem com o vírus HIV”, são hoje
considerados pejorativos, caíram em desuso nos meios formais de disseminação de informação e,
consequentemente, perderam força e frequência nos discursos cotidianos. Essa ideia corrobora com
20
Informação verbal concedida durante aula.
61
o entendimento de Baccega acerca do papel da palavra de conservar o antigo e de promover o
inédito: “Essa cultura ‘pronta’ nos é transmitida pela linguagem, principalmente a verbal, através da
palavra. O fato de podermos construir o novo é uma possibilidade que também nos é dada
sobretudo pela palavra” (BACCEGA, 1998, p. 28).
Assim, percebe-se que as mídias têm o papel de reforçar – ou até mesmo forjar – ideologias
por meio de seus discursos. No que tange aos meios de comunicação de massa, observa-se que as
mensagens midiáticas procuram dar ênfase a ideologias hegemônicas, muitas das quais se alicerçam
em senso comum, direcionado os debates cotidianos, conduzindo a sociedade para os temas a serem
discutidos e também para a perspectiva sob o qual devem ser analisados. Trata-se da hipótese do
agenda setting, lembrada por Barros Filho:
A mídia, ao nos impor um menu seletivo de informações como sendo “o que aconteceu”,
impede que outros temas sejam conhecidos e, portanto, comentados. Ao decretar o seu
desconhecimento pela sociedade, condena-os à inexistência social. Nesse sentido, o menu
da mídia, porque é o único temário comum de agentes sociais em comunicação, é o que
apresenta maior incidência nas comunicações interpessoais (BARROS FILHO, 2003, p.
170).
Isso não quer dizer que, em tese, a teoria hipodérmica 21 faça sentido nos dias de hoje.
Atualmente, entende-se que receptores de mensagens midiáticas têm condições de avaliar o teor das
informações que recebem. No entanto, essa avaliação é realizada a partir de um repertório prévio,
fruto de vivências concretas do sujeito sócio-histórico-cultural imerso em um cotidiano que não está
reduzido às mensagens que recebe dos meios de comunicação.
Não é possível descartar o repertório construído a partir de contextos sociais como família,
religião, além de questões relativas ao âmbito social e psicológico de cada indivíduo, que pode,
naturalmente, recusar ideias e valores diferentes do seu contexto natural. Apesar disso, defende-se o
aprimoramento do senso crítico do sujeito a partir do contato com a diversidade de pontos de vista,
que nem sempre os meios de comunicação de massa contemplam. A falta de contato com pontos de
vista diversos alheia os seres humanos da realidade efetiva, que passam a analisar as situações
apenas a partir de suas experiências pessoais.
21
Segundo a teoria hipodérmica, da década de 1930, o indivíduo poderia mudar de comportamento a partir de uma
mensagem que recebe pelos meios de comunicação.
62
Esse é, inclusive, um dos argumentos dos movimentos sociais pela democratização dos
meios de comunicação, que percebem o cerceamento do oligopólio formado pelos grandes veículos
de comunicação à diversidade cultural e de discursos. O controle dos meios de massa por poucos
grupos com finalidade comercial faz com a informação seja submetida a interesses particulares e de
mercado, o que viola o direito à comunicação.
A histórica concentração do controle da mídia brasileira em mãos de poucos grupos
privados restringe a concorrência, vale dizer, a pluralidade de proprietários e,
consequentemente, aumenta os riscos de maior controle do conteúdo, isto é, de menos
diversidade. Diversidade que não deve ser confundida com diferença ou segmentação
mercadológica, mas diversidade na representação de distintos interesses da sociedade
(LIMA, 2011, p. 223).
4.2. Legitimação do discurso
Charaudeau entende que as mídias legitimam o poder na medida em que lhe confere
notoriedade e incorpora em seus discursos a voz oficial sem colocá-las em dúvida. A seleção dos
atores sociais que a imprensa escolhe para comentar os fatos – de especialistas a políticos –
demonstra a relevância dadas pelos meios de comunicação a essas figuras. Ao serem incorporados a
um conteúdo jornalístico, os discursos, dependendo da credibilidade que recebem no contexto da
mensagem midiática, se consolidam como verdadeiros, relevantes e credíveis.
A obrigação da escolha segundo a notoriedade, e particularmente no mundo político, faz
com que as mídias se tornem o receptáculo da palavra do establishment, seja quando
funcionam como transmissores, seja quando provocam o processo evenemencial ao suscitar
declarações por parte desses mesmos atores. Vê-se assim que os acontecimentos não
residem nos próprios fatos, mas nas relações dos políticos ou das personalidades notáveis.
Pois aqui é como a brincadeira de gato e rato: as mídias só podem relatar o visível das
ações e do discurso político; como os políticos sabem disso, mostram o visível que querem,
o qual, verdadeiro ou falso, está destinado a mascarar uma outra coisa, com fins
estratégicos (CHARAUDEAU, 2013, p. 193).
O autor juntamente com Foucault (2013) entende que o discurso político, ao se difundir nas
mídias, tem um propósito para além do que se revela, que nem sempre se evidencia, mas que visa,
de alguma forma direcionar o interlocutor para os interesses do enunciador. Por isso, adverte
63
que ninguém se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo na ordem
do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda formas de apropriação de
segredo e de não permutabilidade. É bem possível que o ato de escrever tal como está hoje
institucionalizado no livro, no sistema de edição e no personagem do escritor, tenha lugar
em uma “sociedade de discurso” difusa, talvez, mas certamente coercitiva (FOUCAULT,
2013, p. 38).
Os discursos são, portanto, dotados de uma eficácia comunicacional construída a partir da
criação de uma atmosfera pelo enunciador para estabelecer empatia por meio do discurso. Essa
atmosfera é conceituada como cenografia em Maingueneau, e é constituída no próprio ato de
enunciação. Para além da mensagem que quer transmitir, o enunciador procura envolver o
interlocutor em seu discurso, lançando mão de mecanismos que facilitem a adesão do outro. Isso
porque
todo discurso, por sua manifestação mesma, pretende convencer instituindo a cena da
enunciação que o legitima (...). Com efeito, tomar a palavra significa, em graus variados,
assumir um risco; a cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se o
discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e independente
dele: é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para constituir progressivamente o
seu próprio dispositivo de fala (MAINGUENEAU, 2013, p. 98).
Portanto, a competência do enunciador não se resume à mensagem propriamente dita, mas
também a escolhas que conformarão o dispositivo da enunciação a fim de envolver o enunciatário.
Assim, também no âmbito das mídias, observa-se que a notícia conta com esse mecanismo de
envolvimento do receptor, compreendido por Charaudeau como “encenação”, que se faz por meio
da própria narrativa. Para isso, no entanto, o jornalista
procederá a uma determinada construção da notícia e trará a informação de acordo com
certos modos discursivos em função dos dispositivos pelos quais ele passa (...). Ela será
relatada segundo um modo discursivo que descreve os fatos com minúcia, produzindo um
efeito de subjetividade, mas também como uma descrição dramatizante, produzindo um
efeito emocional suscetível de despertar, naquele que se informa, instintos de voyeurismo
ou de medo (CHARAUDEAU, 2013, p. 129).
A mídia, devido ao potencial persuasivo de seu discurso, também pode ser considerada uma
instância de poder. Mesmo desconsiderando a teoria hipodérmica da comunicação, não se pode
negar o importante papel que ainda desempenham na formação de opinião, no reforço ou na
64
desconstrução de estereótipos, no agendamento de questões sociais a serem discutidas e, inclusive,
demandando atenção de governos à implementação de políticas públicas em diversos setores.
Tanto é que, aliam-se ao poder público em algumas situações ou então medem forças com
ele, de acordo com seus interesses. Nesse sentido, Charaudeau (2013) pontua que os meios, ao se
aproximarem demais do poder, correm o risco de comprometer sua credibilidade junto à sociedade
e, opostamente, quando dá muita abertura a esta, pode ser acusada de demagogia.
Ademais, ainda que a sociedade questione os meios de comunicação, compreendendo que a
mídia não detém a verdade sobre os fatos e sim um ponto de vista sobre eles, boa parte da
população ainda forma sua opinião a partir de seus discursos, conhecendo o mundo a partir de sua
seleção e visão da realidade.
4.3. Leitura crítica das mídias
Nesse sentido, compreende-se, cada vez mais, a importância de problematizar as mensagens
das mídias, estimulando, em diversos espaços, a sua leitura crítica, além, é claro – no âmbito da
Educomunicação – procurar viabilizar o direito humano à comunicação, especialmente de crianças,
adolescentes e jovens, bem como disseminar a discussão sobre a importância da democratização dos
meios de comunicação para que cumpram, efetivamente, o serviço público que o Estado transfere à
iniciativa privada e para que o espaço e o alcance que hoje, hegemonicamente, as empresas de
comunicação controlam sejam estendidos a iniciativas da sociedade civil sem fins lucrativos.
Nesse sentido, Orozco-Gomez entende a necessidade de estabelecer mecanismos para que
outras instâncias sociais educativas desempenhem o papel de mediadoras entre crianças e as
mensagens dos meios de comunicação de massa, exercendo, dessa maneira, um papel educativo e
problematizador frente à mídia. Para ele,
a recomendação é a de construir um juízo muito menos maniqueísta e muito mais
integrado, menos visceral, que permita pesar os elementos positivos e negativos que
oferecem os meios e atuar a partir daí; por exemplo, desenhando estratégias de intervenção
para tornar as crianças mais autônomas e críticas frente a todas as mensagens nocivas dos
MCM e, ao mesmo tempo, muito mais capazes de desfrutar e aproveitar os outros
elementos positivos para seus próprios fins (OROZCO-GOMEZ, 1997, p. 64).
65
E, para além da mediação necessária entre os meios de comunicação de massa e o sujeito em
formação, seja ele criança, jovem ou adulto, a fim de que os conteúdos das mensagens midiáticas
sejam objeto de análise, reflexão e crítica, é necessário compreender que a formação ideológica do
indivíduo é reflexo de processos educativos. Dessa maneira, cabe à educação sensibilizar os sujeitos
para novos paradigmas, a partir dos quais será possível a elaboração de novos discursos sociais que
orientarão processos de transformação social.
Nessa perspectiva, Foucault compreende que é por intermédio da educação que os sujeitos
tomam conhecimento da diversidade de discursos, destacando, no entanto, que eles são
contextualizados de acordo com juízos de valor. Pensamentos tornam-se relevantes e valorosos ou
irrelevantes e desprezíveis, a depender da mediação realizada para a recepção desses discursos. O
autor explica que
A educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma
sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, é bem sabido que
segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas
pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira
política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes
que eles trazem consigo (FOUCAULT, 2013, p. 41).
Dessa maneira, compreende-se que novos entendimentos sobre as relações sociais podem
surgir a partir da leitura crítica dos conteúdos disseminados pelas mídias, ação por meio da qual
crianças, jovens e adultos inseridos em processos educomunicativos poderão ressignificar antigos
discursos, compreendendo-lhes o contexto sócio-histórico e tendo condições para reelaborá-los de
acordo com a realidade em que estão inseridos. Para tanto, faz-se necessário um processo de
mediação no qual é imprescindível o diálogo para uma efetiva desconstrução crítica do senso
comum com o objetivo de problematizar a realidade e visando à transformação social.
Ademais, é necessário ainda não se ater à leitura dos conteúdos da mídia hegemônica, uma
vez que essa atitude seria limitar-se à agenda setting, ainda que com o intuito de problematizar
questões, suscitando questionamentos e teorias que façam contraponto ao posicionamento dos
meios de comunicação às questões que reportam. É importante haver aproximação da mídia
alternativa e dos movimentos sociais propriamente ditos, por pautarem questões que a grande mídia
sequer aborda em seus conteúdos.
66
PARTE II
ANÁLISE DO OBJETO
67
5
CAMINHOS E MAPAS DA PESQUISA
A partir do exposto nos capítulos anteriores deste trabalho, procuramos situar o leitor no
âmbito dos discursos que permeiam a prática das coberturas educomunicativas: o discurso do
adulto, com o qual o jovem que exerce o papel de comunicador interage para a elaboração de outros
discursos; o jornalístico, expresso a interlocutores jovens que acessam os veículos de comunicação
da Viração Educomunicação. Dessa forma, nosso problema de pesquisa se configura a partir da
confluência entre práticas educomunicativas e produção de discursos, pensados como partes
interdependentes de um processo contínuo que se desenvolve sócio-historicamente no contexto da
Educomunicação.
Buscando estudar a complexidade desse processo, a partir do próximo capítulo procura-se
discutir de que modo os discursos de adultos e jovens interagem e como se dá o processo de
formulação do discurso jornalístico pelo jovem, a partir da fala do adulto. Antes disso, no entanto,
pretendemos expor ao leitor os procedimentos adotados para essa discussão que se centra em uma
expertise da Viração Educomunicação, organização que concebeu e aplica uma metodologia de
ação que envolve adolescentes em uma cobertura comunicativa de eventos.
A reflexão sobre esse processo, no âmbito desta pesquisa, se dá com base na análise não
apenas dos produtos de comunicação resultantes da cobertura educomunicativa, mas também na
própria metodologia aplicada pela organização durante a III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil, evento para o qual a Viração coordenou uma cobertura colaborativa da qual participaram
21 adolescentes de 15 a 18 anos, cada um oriundo de um estado brasileiro e sob a qual a
organização atuou enquanto prestadora de serviço.
5.1. Objetivos da pesquisa
O objetivo desta pesquisa é discutir a formação do jovem que participa da cobertura
jornalística ancorada em práticas educomunicativas desenvolvidas pela Viração Educomunicação
durante eventos promovidos pelo governo federal Dessa forma, procurou-se refletir sobre o
68
emprego do jornalismo e da produção midiática como metodologia educativa de inclusão e de
participação social de jovens em ambientes de discussão formal e predominantemente adulto.
Objetivos específicos:
a) A partir da prática de cobertura educomunicativa da Viração Educomunicação, pretende-se
problematizar o processo de produção de notícias e aplicação de práticas jornalísticas no
contexto da produção midiática realizada por jovens, tendo como base a análise dos
discursos dos diversos atores envolvidos;
b) Problematizar a cobertura educomunicativa como prestação de serviço, com vistas ao
estímulo ao senso crítico do jovem nesse contexto;
c) Refletir sobre o papel do educomunicador como mediador na formação do jovem;
d) Compreender o caráter e a finalidade do produto midiático, fruto do processo
educomunicativo;
e) Propor uma metodologia que potencialize o caráter educomunicativo da cobertura
educomunicativa da Viração.
5.2. Hipóteses de trabalho
Partindo do pressuposto de que a Educomunicação pretende a transformação social por meio
de um processo de estímulo ao senso crítico, procurou-se compreender se a prestação de serviço
limita esse objetivo durante a cobertura e, mais do que isso, se o educomunicador desenvolve uma
mediação capaz de equilibrar os interesses do contratante com a necessidade de fazer do processo
da cobertura um momento de formação crítica com relação à temática do evento coberto. Assim,
procuramos problematizar as hipóteses que seguem:
(1) A cobertura educomunicativa é uma instância da comunicação institucional do evento e,
como tal, reforça o discurso oficial;
69
(2) Os conteúdos produzidos no contexto de coberturas de eventos institucionais reproduzem os
discursos oficiais e, no contexto das notícias produzidas, não são reelaborados, questionados
ou problematizados.
(3) Os jovens não imprimem uma identidade efetivamente jovem ao assumirem o papel de
comunicadores em um evento predominantemente adulto e, dessa forma, a mobilização de
outros jovens para a temática do evento coberto fica comprometida.
(4) Os educomunicadores atuam mais no sentido de orientar a produção midiática, com vistas
aos conteúdos a serem produzidos, do que no auxílio à interpretação e compreensão da fala
do adulto, para que o jovem construa um discurso próprio por meio de linguagens
midiáticas.
5.3. Procedimentos metodológicos
A pesquisa aqui relatada teve como um de seus principais objetivos a análise da cobertura
educomunicativa com vistas a estudar como a Educomunicação se faz presente nesse tipo de
intervenção. Para tanto, tornou-se essencial conhecer mais a metodologia desenvolvida para essa
atividade, especialmente no desenrolar da produção de conteúdos pelos jovens envolvidos.
Discutimos, dessa maneira, aspectos como: (1) a mediação do educomunicador durante esse
processo; (2) a percepção do jovem do processo educomunicativo proposto pela organização; (3) a
assimilação pelo jovem dos discursos dos adultos, a partir dos quais produz notícias em diferentes
linguagens; (4) a recepção dos conteúdos produzidos por adolescentes.
A técnica de pesquisa que adotada neste trabalho se caracteriza como estudo de caso.
Segundo Yin (2005) essa técnica pretende propor uma reflexão acerca da realidade, a partir de um
caso específico. Não se trata apenas de descrevê-lo ou apenas explorá-lo. É o que o autor chama de
“função explanatória”:
O estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos
contemporâneos, mas quando não se podem manipular comportamentos relevantes. O
estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas
acrescenta duas fontes de evidências que usualmente não são incluídas no repertório de um
historiador: observação direta dos acontecimentos que estão sendo estudados e entrevistas
das pessoas neles envolvidas (YIN, 2005, p. 26).
70
Não apenas foram realizadas entrevistas com os envolvidos na cobertura educomunicativa,
objeto desta pesquisa, mas levou-se em conta também a observação do processo realizado em
outubro de 2013, no evento coberto, uma vez que este que escreve é profissional da Viração
Educomunicação há três anos e entende que essa experiência confere ao presente trabalho aspectos
etnográficos.
Dessa forma, o estudo de caso apresentou-se com opção adequada de método, uma vez que
“a principal tendência em todos os tipos de estudo de caso, é que ela tenta esclarecer uma decisão
ou um conjunto de decisões: o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com
quais resultados” (SCHRAMM apud YIN, 2005, p. 31).
Adotou-se a Análise do Discurso para interpretar os próprios conteúdos (discursos)
jornalísticos produzidos pelos jovens e os depoimentos/entrevistas de gestores da organização,
adolescentes participantes da cobertura e jovens que assistiram a um produto audiovisual, fruto da
cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil. Há, portanto, uma
tentativa de interpretar os discursos, associando-os a conceitos abordados na primeira parte deste
trabalho. Em outras palavras, procuramos associar as falas e opiniões expressas nas respostas dos
gestores e jovens aos fatos observados e aspectos teóricos apresentados, numa tentativa de
evidenciar questões implícitas no processo e metodologia educomunicativa empregada na cobertura
em questão.
Assim, entendemos que o presente trabalho se atém à segunda concepção de Slakta de
prática discursiva, que
não pode se explicar senão em função de uma dupla competência: 1. uma competência
específica, sistema interiorizado de regras especificamente linguísticas e que asseguram a
produção e a compreensão de frases sempre novas – o indivíduo eu utilizando essas regras
de maneira específica (performance); 2. uma competência ideológica ou geral que torna
implicitamente possível a totalidade das ações e das significações novas (BRANDÃO apud
SLAKTA, 2002, p. 18).
Além da Análise do Discurso das entrevistas concedidas pelos atores envolvidos na
iniciativa da cobertura educomunicativa, procuramos analisar ainda os discursos jornalísticos
produzidos em seu contexto, observando o posicionamento dos seus autores com relação à temática
71
e também aos discursos presentes em suas produções, com o propósito de discutir se os conteúdos
resultantes do processo estão de acordo com a proposta da organização de viabilizar um espaço para
que o jovem expresse livremente suas opiniões acerca dos fatos e falas cobertas.
Os produtos resultantes desta cobertura realizada pela Viração Educomunicação foram
disponibilizados no site Agência Jovem de Notícias, em que foram postados os conteúdos em texto,
áudio, vídeo e fotografia, realizados durante a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil.
Foram analisadas as notícias produzidas entre 7 e 10 de outubro de 2013, período que compreende o
evento propriamente dito e o dia anterior ao início da conferência, dedicado à oficina preparatória
dos adolescentes para a cobertura. Foram analisadas apenas as notícias de autoria dos adolescentes
ou as que os adotam como fonte de informação, a partir de busca realizada em 24 e 25 de fevereiro
de 2014 no referido site. Foram acessados ainda sete vídeos produzidos no contexto da III
Conferência Global e disponibilizados no canal do site YouTube da organização, dos quais esta
pesquisa destaca e analisa quatro, em razão do teor jornalístico que os permeia.
Para compreender de que modo os adolescentes envolvidos nesse processo assimilaram a
vivência educomunicativa ao participarem da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, bem
como os discursos adultos a partir dos quais suas notícias foram produzidas, realizamos entrevistas
com três dos adolescentes participantes da cobertura em ambas as etapas. Daniel Mendes, de 16
anos, de Florianópolis (SC); Thailane Oliveira, de 18 anos, de São Gonçalo (RJ); e Thamires
Rozendo, de 18 anos, de Girau do Ponciano (AL).
O critério de escolha desses adolescentes foi o fato de terem atuado enquanto entrevistadores
e terem estado presentes em dois momentos específicos da cobertura do evento: uma entrevista
coletiva com a ministra Tereza Campello, da pasta do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
e com o ativista indiano Kaillash Sathyaste. Isso porque as perguntas procuram compreender de que
forma os adolescentes interpretaram os discursos de ambos, sendo a primeira entrevistada uma
demanda institucional do órgão ao qual a Viração deveria prestar esclarecimentos quanto ao
processo de cobertura, que foi o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
e o segundo entrevistado por ter sido uma entrevista espontânea, articulada pelos próprios jovens,
por quem demonstraram admiração e interesse pela personalidade e história de vida.
Além dos adolescentes, foram entrevistados dois gestores da Viração Educomunicação,
entre eles o coordenador da cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho
72
Infantil, responsável pela redação da proposta e relatório final das atividades, bem como a diretora
executiva da organização que, presencialmente, acompanha e gerencia a rotina da equipe em São
Paulo 22. O objetivo dessas entrevistas foi compreender a proposta da cobertura educomunicativa e
suas circunstâncias quando realizadas sob prestação de serviço, com especial atenção ao
aproveitamento do jovem inserido nesse processo.
Houve, ainda no contexto da presente pesquisa, a necessidade de compreender se os
conteúdos produzidos durante uma cobertura educomunicativa conseguem, de fato, dialogar,
informar e mobilizar outros adolescentes e jovens, nesse contexto, receptores das notícias
produzidas pelos adolescentes comunicadores. Por esse motivo, realizamos uma pesquisa de
recepção com quatro jovens de São Paulo duas meninas de 15 anos, um menino de 16 anos e outro
de 18 anos, estudantes de um cursinho popular onde leciona este pesquisador. Todos eles foram
entrevistados pessoalmente e, para todos, foi exibido um mesmo vídeo, em que uma jovem
comunicadora participante da cobertura educomunicativa entrevista um representante adulto da
sociedade civil durante a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil.
O mesmo vídeo que orientou a pesquisa de recepção foi objeto de análise dos gestores da
Viração Educomunicação que, com base nesse material, responderam a uma questão sobre a
metodologia da cobertura educomunicativa. O vídeo em questão intitula-se Entrevista com Antônio
Oliveira, do Fórum do Ceará, na 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil 23.
Também foi entrevistada a educomunicadora Elisangela Nunes Cordeiro, que ficou à frente
do processo de incidência política dos adolescentes durante a cobertura da etapa global, por e-mail.
Ela foi entrevistada de modo paralelo aos demais participantes da pesquisa, uma vez que suas
respostas atenderam a necessidades específicas desta pesquisa. Elisangela foi indagada sobre um
processo paralelo (mas não completamente alheio) à cobertura, que foi o de participação política de
alguns dos jovens do grupo, mas cuja metodologia interessa à presente pesquisa.
Dez dos 21 participantes da cobertura tiveram foco em participação política do evento,
acompanhando os debates e se posicionando durante as discussões, com o objetivo principal de
elaborar uma declaração final com um posicionamento político dos adolescentes, que foi lido em
22
A Viração possui dois diretores executivos, responsáveis pela governança da organização. Paulo Lima, fundador,
compõe a diretoria executiva com Lilian Romão, que faz parte da organização desde 2009, quando Paulo mudou-se para
a Itália, onde vive desde então.
73
plenária no último dia do evento. Esses jovens, no entanto, não se envolveram na produção
midiática, embora tenham participado de momentos de entrevista coletiva.
As entrevistas com os gestores e a pesquisa de recepção com quatro jovens de São Paulo
foram realizadas presencialmente. As entrevistas com os três jovens que participaram da cobertura
foram realizadas por skype e telefone, tendo em vista que todos eles residem fora de São Paulo.
5.4. Questionários norteadores das entrevistas
Procuramos contemplar três perfis de envolvidos nas coberturas educomunicativas: (1) os
idealizadores e executores de sua metodologia, (2) os jovens que vivenciam o processo de cobertura
e (3) jovens na faixa etária a qual se destinam as mensagens midiáticas produzidas na cobertura
educomunicativa. Dessa forma, as perguntas realizadas foram:
(1) Para os gestores da Viração Educomunicação:
a) Em que momento da história da Viração a organização começou a fazer coberturas no
caráter de prestação de serviço?
b) Para você, o que é uma cobertura educomunicativa?
c) Houve algum receio na adoção desse tipo de cobertura?
d) Quais as diferenças entre uma cobertura educomunicativa feita por militância e outra feita
sob condição de prestação de serviço?
e) Você acha que haveria diferença no processo e nos conteúdos produzidos se a cobertura
fosse realizada por adolescentes e jovens que já tivessem envolvimento anterior com
comunicação?
f) A intenção da cobertura é ser uma instância da comunicação institucional do evento?
g) Você considera cobertura educomunicativa quando o jovem comunicador reproduz a versão
do contratante ou patrocinador?
h) A proposta de cobertura educomunicativa afirma que essa ação é o olhar do adolescente
sobre o fato e a oportunidade que possuem de exporem suas opiniões sobre o assunto. No
23
Disponível no canal do YouTube da Viração Educomunicação, com acesso por meio do link:
74
entanto, a jovem entrevistadora da linguagem audiovisual se manifesta apenas fazendo
perguntas. Por que isso acontece?
i) Como vocês lidam com o jovem que tem a opinião discordante daquela da instituição para a
qual a Viração está na condição de prestadora de serviço?
j) Como acontece a mediação do processo para que ele, ao mesmo tempo que atende às
expectativas do contratante, cumpra com o papel de estimular o senso crítico por meio da
produção midiática?
k) Para você, promover o direito humano à comunicação é o mesmo que promover a
participação política?
(2) Para três jovens participantes da cobertura educomunicativa:
a) Para você, o que é uma cobertura educomunicativa?
b) O que você achou das perguntas feitas aos entrevistados?
c) O que você achou das respostas que a ministra deu às perguntas?
d) O que você achou das respostas que o Kaillash deu às perguntas?
e) De qual entrevistado você gostou mais?
f) Para você, com qual entrevistado houve mais interação?
g) Se você já tivesse tido contato com comunicação antes da cobertura, o que poderia ter sido
diferente?
h) Todas as perguntas feitas para os entrevistados partiram dos adolescentes?
i) Como acha que sua participação poderia ser mais educomunicativa?
(3) Para quatro jovens na faixa etária a qual se destinam os conteúdos da Viração:
a) O que você achou do vídeo?
b) O que chama a sua atenção neste vídeo? Por quê?
c) Do que trata o vídeo?
d) Como você resumiria o que foi dito pelo entrevistado?
e) O que você achou da pergunta feita pela entrevistadora?
75
6
A NOTÍCIA PRODUZIDA PELO JOVEM
As coberturas educomunicativas promovidas pela Viração Educomunicação acontecem em
diferentes contextos e perspectivas, como visto no capítulo 1. É objeto deste trabalho a cobertura
realizada pela organização com a participação de 21 adolescentes, cada qual oriundo de um estado
brasileiro, que atuaram como comunicadores durante a III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil. A única experiência anterior em produção de conteúdos noticiosos da maioria dos
adolescentes foi durante a etapa nacional da conferência, ocorrida dois meses antes da etapa global,
também em Brasília 24.
Essa cobertura foi uma prestação de serviço da Viração Educomunicação à Organização
Internacional do Trabalho (OIT), tendo dois ministérios do governo federal co-realizadores do
evento no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE). Os adolescentes envolvidos nesse processo passaram por uma
formação em maio de 2013 sobre trabalho infantil e, em agosto do mesmo ano, aturam pela
primeira vez como comunicadores durante a etapa nacional da conferência. A pesquisa, no entanto,
analisa o processo de cobertura durante a etapa global do evento, ocorrido dois meses após a etapa
nacional, em outubro de 2013. Esses três encontros aconteceram na capital federal.
Os participantes desta cobertura foram meninas e meninos de idades entre 15 e 18 anos,
mobilizados pelo governo federal em 20 estados do país e Distrito Federal, por meio dos Conselhos
Estaduais de Direitos da Criança e Adolescente (CEDECA), que antes do início de cada uma das
etapas da conferência, receberam momentos de formação em linguagens midiáticas com os
educomunicadores da Viração, com vistas à cobertura educomunicativa.
As mídias por meio das quais a cobertura seria realizada foi definida pela em reunião de
equipe de educomunicadores responsável por acompanhar a atividade com os adolescentes em
Brasília, antes mesmo da etapa nacional do evento. As linguagens trabalhas – podcast, vídeo, texto
escrito, fotografia e jornal mural – não foram definidas em conjunto com os adolescentes, mas
24
Exceção feita a um adolescente de Tocantins, que participou da cobertura educomunicativa da IX Conferência
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, coordenada pela Viração, em agosto de 2012.
76
apresentadas a eles no momento de formação, nas duas etapas da conferência, para que escolhessem
com que mídia trabalhar. Essa divisão por linguagens faz parte da metodologia das coberturas
realizadas pela Viração, seja no caráter de prestação de serviço ou militância política em temáticas
que fazem parte da missão e valores da organização.
Buscando analisar os discursos dos atores envolvidos na cobertura educomunicativa e
levando em conta os objetivos e hipóteses formulados no capítulo anterior, resumimos, a partir do
próximo item, os pontos abordados nas entrevistas, destacando algumas falas dos entrevistados,
numa tentativa de trazer à luz questões implícitas no processo das coberturas educomunicativas, sob
três aspectos: (1) da gestão do processo; (2) da vivência da cobertura educomunicativa pelos jovens
comunicadores; e (3) da recepção dos discursos midiáticos construídos na cobertura
educomunicativa.
6.1. Gestores da Viração e a cobertura educomunicativa
Os gestores da Viração Educomunicação entrevistados afirmam que a cobertura
educomunicativa é uma maneira de propiciar a vivência de comunicação a adolescentes e jovens e
que a intervenção por meio da comunicação em espaços de debates, a partir da mobilização desses
atores, é uma expertise da organização. No contexto de prestação de serviço, há acordos a serem
cumpridos com um contratante, que espera retornos dessa ação com relação à participação e
produção midiática dos adolescentes envolvidos nesse processo.
Os dois gestores entrevistados afirmaram que em uma cobertura sob prestação de serviço há
normas a serem cumpridas e metas a serem alcançadas, enquanto em uma cobertura
educomunicativa feita por militância – ou seja, por identificação com a temática do evento e sem
contrapartida financeira – há maior liberdade de atuação dos jovens.
Algo a ser destacado na fala de ambos foi o cuidado anterior no planejamento da ação de
cobertura em caráter de prestação de serviço e da definição de papeis, que envolve a própria equipe
de educomunicadores e os adolescentes e/ou jovens participantes. A cobertura feita unicamente por
militância, ou seja, sem contrapartida financeira, ocorre sem limitações ou exigências de quantidade
de conteúdos a serem produzidos. É importante ponderar que as coberturas que a organização
77
promove também no caráter de prestação de serviço são de eventos que abordam questões que estão
de acordo com as temáticas sociais pelas quais a Viração milita, como os direitos humanos,
comunicação, educação e juventude.
A diretora executiva Lilian Romão afirma que a metodologia proposta para o contratante
procura dar conta do processo pedagógico que envolve a participação de jovens. A Viração propõe
horas de formação para os jovens envolvidos na cobertura e os educomunicadores da organização
procuram acompanhá-los em diferentes grupos, cada qual responsável pela produção em uma
linguagem midiática.
O coordenador Rafael Silva afirma que a cobertura feita sob prestação de serviço e que
envolve jovens sem vivência anterior com comunicação exige da equipe de educomunicadores uma
maior tutela. Ele diz ainda que há maior confiança por parte da equipe com os jovens que passam
por um ciclo de formação de seis meses na Viração em comunicação e humanidades, quando estes
realizam alguma cobertura. No entanto, destaca que todos os conteúdos produzidos, seja por um
jovem envolvido com comunicação ou sem vivência anterior em produção midiática, passam por
uma revisão e edição de um jornalista da equipe. Nas palavras de Rafael Silva:
Todo conteúdo da Viração, antes de ir para o site da Agência Jovem de Notícias ou para a
revista, passa pelas mãos de um jornalista. Tem uma segunda revisão, independente de
quem produziu, tenha tido uma formação anterior ou não. O conteúdo é revisado de
qualquer maneira. No grupo da conferência, certamente, se muitos já tivessem participado
de grupos de comunicação antes, o conteúdo sairia bem mais aprofundado (...). Lá,
tínhamos que estar do lado deles, tanto é que nos dividimos em grupos – de rádio, de vídeo,
de texto – com um educador para acompanhá-los. Com os jovens daqui, não. Fazemos a
separação de pautas e os deixamos livres, porque sabemos que eles vão conseguir se virar,
justamente por eles terem tido técnicas de entrevista, participado de coberturas anteriores,
o que não elimina essa revisão final.
A diretora executiva Lilian Romão afirma que a organização adota essa metodologia
justamente para suprir a necessidade do jovem que não possui vivência anterior na produção de
mídia. Ainda assim, ela acredita que uma experiência anterior dos jovens com comunicação faria o
processo da cobertura diferente. No entanto, é interessante perceber que Lilian destaca a produção
em si, no entendimento de que vivenciar a comunicação está atrelada à produção de mídia, de
informação, por parte dos adolescentes, e não necessariamente à interação e consequente
compreensão dos discursos presentes nesses espaços:
78
No nosso caso, a proposta foi produzir comunicação e vivenciá-la dentro de uma
realidade. Eles não necessariamente vão para lá pensando em produzir comunicação, mas
esse é o lugar específico da organização, de ter habilidade para lidar com o heterogêneo,
mas é esse grupo que vai fazer com que o trabalho gere resultados.
Observamos, com base nas entrevistas, que o entendimento de comunicação por parte dos
gestores ainda se relaciona com uma noção mais específica do termo, relacionado a conteúdos
midiáticos. Essa concepção não encontra respaldo na perspectiva adotada neste trabalho conforme
discutimos no capítulo 4, baseando-nos em Bakhtin/Volochinov (2002) e Wolton (2011).
Wolton diferencia comunicação de informação. Para o autor, a comunicação é mais
complexa e incerta que a informação, uma vez que pressupõe relação com o outro. A partir do
autor, entendemos que a informação eficaz é fruto de um processo comunicacional. Em outras
palavras, o processo de interação e compreensão de discursos, a partir da relação social, resultará
em informações precisas, claras e elucidativas. Para Wolton,
Existem três grandes categorias de informação: oral, imagem e texto. Esses dados podem
estar presentes em diversos suportes. Tem-se informação notícia ligada à imprensa; a
informação-serviço, em plena expansão mundial graças especialmente à internet; e a
informação-conhecimento, sempre ligada ao desenvolvimento dos bancos e bases de dados.
Falta a informação relacional, que permeia todas as demais categorias e remete ao desafio
humano da comunicação (WOLTON, 2011, p. 17).
Entendemos que a cobertura educomunicativa tem por objetivo a produção midiática feita
por adolescentes e jovens, o que, por si só, já representa inovação pela proposta e pelo aprendizado
do uso das ferramentas de comunicação e tecnologias da informação. No entanto, percebemos a
necessidade
de
potencializar
seu
caráter
comunicativo,
a
partir
da
concepção
de
Bakhtin/Volochinov e Wolton. Em outras palavras, endossamos a necessidade de pensar em uma
produção midiática (informacional) que seja a finalidade do processo, não o processo em si.
6.2. A visão dos jovens sobre a cobertura educomunicativa
79
Essa necessidade é indicada na avaliação que a jovem Thailane Oliveira, de São Gonçalo
(RJ), fez de sua própria participação na cobertura. Quando indagada sobre como a sua participação
poderia ter sido mais educomunicativa, ela responde:
Por conta da cobertura, não pudemos participar dos debates. Acho que se a gente tivesse
participado mais ativamente dos debates, teríamos mais informações e perguntas. Se
realmente tivéssemos participado do evento, a cobertura teria sido melhor. A gente se
preocupava mais em entrevistar, em fazer os textos, fotos, vídeos. A gente via um
pedacinho e desse pedacinho, a gente deduzia.
A metodologia da organização em dividir os participantes da cobertura em grupos para
trabalhar diferentes linguagens midiáticas indica o foco da organização na produção. Por outro lado,
a fala da adolescente explicita a necessidade de uma maior participação dos adolescentes nas
discussões do evento, reforçando que isso dará condições para produzir conteúdos mais profundos e
fundamentados.
A jovem demonstra, com isso, compreender a necessidade de se informar e comunicar para
elaborar o texto noticioso, pois entende que a elaboração de uma notícia exige envolvimento com a
temática noticiada e conhecimento prévio acerca das pessoas que discursam/participam no contexto
do evento. Apropriando-se, da informação e possivelmente construindo conhecimento, a notícia
será elaborada com mais naturalidade, será espontânea.
Talvez a falta de um processo efetivamente comunicativo tenha sido o motivo pelo qual se
observou nesta pesquisa efetivo e claro posicionamento crítico por parte dos adolescentes em
poucos conteúdos midiáticos da cobertura educomunicativa.
6.3. Conteúdos produzidos no contexto da cobertura educomunicativa
No site Agência Jovem de Notícias, foram localizadas 11 notícias em texto, das quais duas
apresentam o posicionamento de seus autores. Uma delas encontra-se no texto intitulado Migração
e mobilidade: questão entre Síria e Jordânia é debatida na Conferência sobre Trabalho Infantil 25,
de autoria da adolescente Daniele Fiel, da Paraíba, e de sua educadora e acompanhante Rose
25
Disponível na íntegra em: http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17093. Acesso em 24.fev.2014, às 22h22.
80
Veloso 26. A notícia relata a fala de um dos integrantes de uma plenária da conferência. Chama a
atenção o último parágrafo, que diz:
Há ainda um grande número de meninas refugiadas que são exploradas sexualmente. Os
pais as vendem para exploradores. Casos como esse demonstram a necessidade de revisar a
legislação vigente que dispõe sobre migração. Estando ou não em seus países crianças são
crianças e precisam ser protegidas. Pense nisso!
O trecho reproduzido demonstra um posicionamento crítico-analítico das autoras quando
reconhecem a necessidade da legislação ser menos dura com relação a meninas em situação ilegal.
Observamos ainda o seu caráter mobilizador, quando, de modo enfático, apela ao leitor que reflita
sobre a questão. No entanto, é preciso considerar que este texto é assinado pela adolescente em
parceria com uma adulta, sua acompanhante 27. Dessa forma, não é possível saber de quem partiu
esse apontamento crítico com relação à situação de migração e violação de direitos tratada no texto.
Todavia, essa produção pode ser um indicativo de que a parceria entre adulto e jovem pode resultar
em um conteúdo analítico, que pode ser fruto de um processo dialógico entre seus autores.
A notícia #FimdoTrabalho Infantil Exemplo de militância e sensibilidade 28, de autoria de
Thailane Oliveira, do Rio de Janeiro; e Sarah Suzane, do Acre, ambas de 17 anos 29, relatam a
trajetória do militante indiano pelo direito à educação e contra o trabalho infantil Kaillash
Sathyaste, destacando partes das declarações dadas por ele durante entrevista coletiva concedida aos
jovens comunicadores.
Durante o segundo dia da III Conferência Global Sobre Trabalho Infantil, em Brasília, o
indiano Kaillash Sathyaste concedeu uma entrevista aos adolescentes comunicadores. Ele
disse que conscientizar as pessoas mais tradicionais de que uma criança não deve trabalhar,
mas sim de que deve estudar ainda é um dos maiores desafios na erradicação do trabalho
infantil. “As pessoas amam suas crianças, mas não as respeitam como parte da sociedade. É
direito da criança ter acesso à educação.”
26
Os adolescentes foram a Brasília acompanhados por um adulto responsável por eles na Capital federal. Esses adultos
estiveram presentes com eles durante a atividade da cobertura e, alguns deles, em alguns momentos, também se
envolveram na produção de conteúdos.
27
Os adolescentes participantes da cobertura foram a Brasília acompanhados por adultos, responsáveis por eles durante
a estadia na capital federal. A maioria deles teve como responsável um educador que o acompanha em suas cidades de
origem.
28
Disponível na íntegra em: http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17104. Acesso em 24.fev.2014, às 22h46.
29
Idade das jovens em outubro de 2013, época da Conferência.
81
Ele contou ainda que durante sua infância se questionava sobre o motivo de estar na escola
estudando e ter meninos e meninas trabalhando. Movido pela curiosidade, perguntou ao pai
de um garoto que trabalhava porque seu filho não estava na escola. O homem olhou para
Kaillash como se a pergunta não fizesse sentido e, pacientemente, respondeu: “Nós
nascemos para trabalhar!”. Essa resposta o inspirou a promover uma transformação.
Após os 30 anos, Kaillash conseguiu promover dois movimentos dedicados ao direito à
educação e ao enfrentamento do trabalho infantil. E seu esforço lhe rendeu a indicação ao
Prêmio Nobel da Paz em 2006.
O texto, no entanto, não evidencia, diretamente, opinião ou posicionamento crítico sobre o
contexto relatado pelas adolescentes, que se limitaram ao dito relatado (CHARAUDEAU, 2013).
Mas, a escolha das jovens por relatar a fala do militante indiano demonstra, segundo o autor, adesão
às palavras do enunciador. Isso significa que, ao transformar o relato do personagem em questão em
notícia, há uma demonstração implícita de que as autoras do texto se identificam, admiram e/ou
concordam com o que foi dito por seu relator.
(...) o discurso relatado se constrói ao término de uma dupla operação de reconstrução/
desconstrução. De reconstrução, porque se trata de tomar um dito para reintegrá-lo a um
novo ato de enunciação, passando esse dito a depender do locutor-relator (...). De
desconstrução porque o discurso relatado mostra que se trata realmente de um dito tirado de
um outro ato de enunciação, distinguindo o dito relatado do dito de origem e operando uma
reificação deste último, que serve para provar a autenticidade do discurso do relator
(CHARAUDEAU, 2013, p. 163).
Segue a mesma linha de dito relatado o texto intitulado: “Nós vamos conseguir!” é voz
única entre nações pelo #FimdoTrabalhoInfantil 30, de autoria de Thailane Oliveira, do Rio de
Janeiro; e Sarah Suzane, do Acre, que sistematiza em um mesmo discurso jornalístico falas de três
militantes estrangeiros pela erradicação do trabalho infantil, entrevistados pelos adolescentes
comunicadores, em inglês:
As expectativas eram grandes quanto à 3ª Conferência Global Sobre Trabalho Infantil e o
primeiro dia do evento veio como uma caixinha de surpresa: a presença inesperada de
adolescentes surpreendeu muito dos presentes, como a africana Leah Ambwaya, que se
mostrou satisfeita com a atuação juvenil no evento (...).
Já a iraquiana Dunya Al-aboody resaltou que nem sempre os nossos esforços são
proporcionais aos resultados e que devemos ter paciência de esperar que os resultados
venham. “Não devemos nos permitir desanimar, isso é algo muito maior que nossos desejos
e expectativas. Devemos encontrar na dificuldade forças para lutar! Afinal, existem pessoas
que contam com os nossos esforços (...).
30
Disponível em: http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17078. Acesso em 27.fev.2014, às 15h34.
82
Thailane domina o idioma e conseguiu realizar a entrevista com os três militantes. A
africana Leah Ambwaya, a iraniana Dunya Al-aboody e o sul-africano Katete Jackson Jones deram
declarações aos jovens sobre como enfrentam a questão em seus países.
Em um conteúdo produzido em linguagem radiofônica, com o título Ouça as impressões dos
adolescentes sobre o primeiro dia da 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil 31, a
educomunicadora Elisangela Nunes, da Viração e uma acompanhante de um dos jovens entrevistam
os adolescentes Suzana Silva, de Pernambuco; Daniel Mendes (Cazuza), de Santa Catarina; e
Daniele Fiel, da Paraíba. A seguir, há a reprodução da entrevista:
Educomunicadora: Cazuza, qual o momento mais interessante da discussão de hoje de
manhã?
Cazuza: Na minha opinião, foi quando o Guy Ryder citou Martin Luther King, que diz que
o arco da história é longo, mas é uma curva em direção à liberdade.
Educomunicadora: E o que isso significa?
Cazuza: Que nós temos um caminho muito cumprido e árduo, mas que tem um fim muito
recompensante (sic).
Acompanhante: E para você, Suzane, o que mais te chamou a atenção?
Suzane: O que chamou a minha atenção foi saber que a Convenção 182 da OIT ainda não é
universal, pois nove países não aderiram [a ela].
Educomunicadora: O que você destaca, Dani?
Daniele: Vou destacar aqui o triste dado trazido por todos os palestrantes da manhã, que a
meta de erradicação do trabalho infantil até 2016 será impossível, mas isso não pode nos
desanimar. Precisamos nos articular e juntar forças para continuar a luta. E esperamos dos
representantes de Estados que elaborem projetos e não as desculpas.
Das três respostas dadas, é possível perceber um efetivo posicionamento crítico, uma
opinião explícita, apenas na fala de Daniele, que demonstra compreender a morosidade do poder
público em adotar medidas de enfrentamento à questão do trabalho infantil. O enunciado do
adolescente Daniel (o Cazuza) também chama a atenção por demonstrar a capacidade de interpretar
a fala de uma autoridade presente no evento, mas, na resposta, ele não expressa nitidamente uma
opinião. Trata-se de uma paráfrase da fala de outras pessoas, que embora indique compreensão, não
encerra um posicionamento crítico.
31
Disponível em: http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17071. Acesso em 25.fev.2014 às 12h10.
83
Cabe, no entanto, destacar que a fala de Daniel responde à primeira pergunta feita pela
entrevistadora que lhe pediu que falasse do momento mais interessante da manhã. E a segunda
resposta está atrelada à primeira pergunta, portanto se constrói a partir dela. Já a pergunta feita a
Daniele deixa-lhe mais espaço para expressar o que lhe pareceu importante destacar. De toda forma,
a elaboração das perguntas também é um passo importante na construção de um espaço de
interlocução e de construção de sentidos.
Após a assistência do vídeo Entrevista com Antônio de Oliveira, do Fórum do Ceará, na 3ª
Conferência Global sobre Trabalho Infantil, os gestores foram questionados sobre o motivo pelo
qual a adolescente se manifesta apenas fazendo perguntas que se sucedem como se ela não levasse
em conta a interlocução entre ela e o entrevistado, ou seja, entre os enunciados construídos naquela
comunicação. A pergunta se deve ao fato de que a proposta de cobertura educomunicativa
apresentada à OIT afirmava o seguinte:
As crianças e os adolescentes são protagonistas da cobertura. Apresentarão ao mundo
suas opiniões sobre os temas abordados nas conferências e numa perspectiva não
comercial da informação, comumente tratada pelos veículos da grande imprensa cuja
natureza é empresarial. Aprenderão a fazer o planejamento de uma cobertura, a levantar
dados para suas produções (texto, ilustração, áudio, vídeo, fotografia) a debater suas
opiniões, a perceber a importância dos momentos de escuta, a se comunicar com as
pessoas, principalmente as que não estarão nos eventos, pensando em como mobilizá32
las (VIRAÇÃO, 2013, p. 7) .
Para uma melhor compreensão da análise dos gestores acerca desse material, transcrevemos
a seguir o vídeo em questão:
0” a 9” – Alanna (Entrevistadora) diz: Depois de várias reuniões preparatórias até aqui,
hoje é o grande dia. A III Conferência Global sobre a erradicação (sic) do Trabalho Infantil.
10” a 17” – Exibição da vinheta de abertura.
18” a 27” – Entrevistadora: Estamos aqui com a Antonio de Oliveira. Ele é do Fórum.
Antônio, o que o Fórum tem feito pela erradicação do trabalho infantil?
28” a 52” – Antônio de Oliveira (Entrevistado) responde: Várias ações na área de
educação e assistência social, da saúde, nos conselhos, numa ação intersetorial. Nós
estamos lançando agora, neste mês, a Agenda Cearense contra o Trabalho Infantil, que é
uma articulação intersetorial para fortalecer as políticas públicas de atendimento às crianças
e adolescentes, em especial às voltadas à prevenção e erradicação do trabalho infantil no
estado.
53” a 55” – Entrevistadora: O que você espera desse evento aqui?
32
Grifo deste pesquisador.
84
56” a 1’18” – Entrevistado: a troca de experiências entre os países, numa conferência
global é bastante importante. Aqui, as pessoas acabam conhecendo experiências de outras
regiões e isso fortalece a ação, a troca de boas práticas, fortalecimento, fortalecendo as
nossas ações. Nós esperamos que esta conferência possa possibilitar isto: a troca de boas
práticas e fortalecimento das ações locais.
1’19” a 1’27” – Exibição de uma vinheta de encerramento.
O coordenador da atividade justifica dizendo que esse formato preza pela informação em
vez da opinião e ainda que, fazendo perguntas, a adolescente está se manifestando, colocando a sua
linguagem, inclusive suas dificuldades. Ao ser questionado se a cobertura pode ser considerada
educomunicativa quando o jovem reproduz a versão do patrocinador ou contratante, ele afirma:
Não é educomunicativo, mas eu acho que não foi o que aconteceu nesse evento em si. Nós
tínhamos as pautas, definidas entre educadores e jovens, mas a forma como o jovem atuou
no evento foi livre. Tanto é que no vídeo que você enviou, a adolescente que fez a
comunicação não sabia o nome do entrevistado e não sabia a função que ele exercia. Ela
diz que ele é do Fórum do Ceará. Ela deixou muito aberto, não conseguiu identificar,
deixar claro. Para ela tanto faz se fosse um gestor ligado ao Ministério do Trabalho, como
alguém da sociedade civil, do Fórum. Ela queria saber qual a opinião dele sobre o evento
e o que ele trazia para tentar erradicar o trabalho infantil. Nesse caso, não ficou tão
prejudicado, creio eu.
Nesse sentido, a diretora executiva da Viração Lilian Romão, apesar de reconhecer que há
uma associação feita entre a comunicação institucional do evento e a cobertura educomunicativa,
afirma que a organização e os adolescentes atuam com liberdade durante a atividade de cobertura:
Quem está contratando para fazer a cobertura do evento não vai querer que alguém vá lá e
detone, embora isso não fique estabelecido (...). Eu entendo que pensam que contrataram
uma organização responsável por desenvolver uma metodologia de comunicação,
educação e vivência com os jovens que vai gerar determinados produtos. Não sinto que em
algum momento isso aconteça de uma forma direta.
Cabe, então, destacar que a logomarca da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, da
OIT e do governo federal figuram no rodapé das duas edições impressas do boletim impresso – um
dos produtos da cobertura educomunicativa – juntamente às logomarcas do site Agência Jovem de
Notícias e da Viração Educomunicação, o que evidencia uma relação institucional de parceria entre
essas entidades. No entanto, isso não necessariamente representa falta de autonomia da Viração
com relação aos realizadores do evento.
85
De nome #SacaSó!, o boletim foi distribuído no segundo e terceiro dias da III Conferência
Global sobre Trabalho Infantil. Trata-se de uma folha de sulfite tamanho A4, com três notas
publicadas em português em um lado e, no verso, a versão em inglês, com uma espécie de resumo
de alguns textos produzidos para o site Agência Jovem de Notícias e destinado aos participantes do
evento.
O primeiro boletim deu mais destaque aos acontecimentos e falas oficiais, enquanto a
segunda edição destacou personagens e militantes estrangeiros que compartilharam suas
experiências e interagiram com os adolescentes. No entanto, a principal notícia de ambos destaca a
fala do governo federal. A terceira edição do boletim tem, como primeira notícia, uma seleção de
falas da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, ditas durante
entrevista coletiva aos jovens comunicadores.
Imagem 03: edição 2 do boletim #SacaSó!
Considerando a opinião da participante Thailane Oliveira, que expressou a necessidade de
participação nos debates para aprofundamento e compreensão dos assuntos tratados para que os
adolescentes tivessem repertório para indagar os adultos presentes no evento, a postura da jovem
86
Alanna Mangueira em realizar perguntas mais genéricas ao entrevistado pode ser consequência da
própria metodologia de cobertura educomunicativa aplicada pela Viração, uma vez que seu foco
está na produção de mídia e não na compreensão dos debates para a produção de discursos
jornalísticos.
Então, a partir das falas dos gestores, que ressaltam que a cobertura da Conferência, por ser
uma prestação de serviço, envolve demanda por conteúdos à qual os educomunicadores atuam para
atender, as notícias produzidas nesse contexto com tom oficial se constituem dessa maneira não por
uma orientação expressa do contratante ou dos educomunicadores, mas pela falta de habilidade do
jovem em problematizar o discurso do adulto. É claro que, dessa maneira, os educomunicadores
têm responsabilidade pelo resultado do conteúdo produzido e do tom que ele transparece, uma vez
que lhes coube atuar como formadores desses jovens.
Nesse sentido, o coordenador da cobertura reconhece que a organização nem sempre
consegue envolver o adolescente participante no tema da conferência adequadamente. Nas palavras
de Rafael Silva, para as coberturas feitas por militância,
conseguimos nos preparar de forma mais adequada. Organizamos uma reunião de pauta
com os jovens, observamos os que, de fato, estão interessados em cobrir determinados
temas. Mas, com a parceria, não. Temos que cobrir determinados temas porque faz parte
do contrato e os jovens às vezes não estão preparados para as demandas que vão surgindo,
demandas que a organização traz e para as quais, muitas vezes, a Viração não os preparou
antes.
É possível compreender, pela fala de Rafael, que a Viração acredita que a sensibilização
para a temática da cobertura deve ocorrer antecipadamente ao evento. No entanto, é preciso
problematizar a questão, a partir de Freire (2011), que afirma que o processo educativo se faz a
partir do momento em que os sujeitos estão inseridos em um determinado contexto social. Freire
afirma que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2011, p. 95).
É claro que vivenciar a conferência, estar em contato com os discursos colocados nesse
espaço não anulam a necessidade de formação antecipada na temática. Mas a preparação prévia
para o evento tampouco descarta a necessidade de aprofundamento no próprio processo dinâmico
87
de uma conferência. E, nesse contexto, o papel do educomunicador vai além de orientar para a
produção midiática.
A partir de Freire, é possível entender que uma vez educador e educandos inseridos em um
contexto novo e estranho a ambos, cabe ao educador estabelecer mecanismos de interação e
compreensão pautados pela troca e pelo diálogo, pois,
deste modo, o educador problematizador re-faz, constantemente, seu ato cognoscente, na
cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos,
são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico também
(FREIRE, 2011, p. 97).
A diretora executiva da organização, Lilian Romão, justifica a manifestação da jovem
entrevistadora apenas por meio de perguntas como uma vivência de uma forma de comunicação,
acordada em grupo. Lilian entende que a entrevista é um gênero relevante de comunicação no
contexto das práticas educomunicativas, uma vez que nem sempre, em um processo comunicativo,
o papel do comunicador é tomar a palavra, mas também escutar e aprender com o outro. Nesse
sentido, Lilian afirma que
quando você vai fazer uma entrevista, deve entender que não é só sua fala que vale e nem
sempre você está apoderado para falar de todos os assuntos, mas é preciso escutar para
haver noção do contexto. Essa é uma questão que a Viração trabalha, quando sai do lugar
de jovem protagonista para falar de participação de jovens, o que significa viver a
sociedade com outras pessoas, mesmo sem entendê-la completamente, mas é por isso que é
preciso experimentar, comunicar e vivenciar.
De fato, a prática da entrevista envolve um importante aspecto do processo comunicativo: o
diálogo, em que a escuta é fundamental para a compreensão. Bakhtin/Volochinov (2002, p. 121)
sublinham a necessidade de interlocução: “O centro organizador de toda enunciação, de toda
expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo”.
Vale lembrar a importância que Freire (2011) dá ao questionamento e à curiosidade como
elementos-chave para o processo de superação do ser humano inacabado, enfatizando que “a
superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser
curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza” (FREIRE, 2011, p. 32). E
completa:
88
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo,
como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção
que sugere alerta, faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a
curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que
não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 2011, p. 33).
A curiosidade faz parte da condição humana, conforme indica Freire. No entanto, com senso
crítico, o sujeito refina a busca por respostas e aprende que o diálogo que se estabelece com o outro
nem sempre leva ao consenso, mas promove o encontro de sujeitos. A prática da entrevista, no
contexto educomunicativo, promove esse encontro, uma vez que adulto e jovem convivem e se
aproximam, mas não necessariamente a troca, a compreensão.
Para isso, é preciso que o discurso do adulto (ou de qualquer outro entrevistado) seja
problematizado, a partir de um processo de mediação, por intermédio do qual a criticidade se
desenvolve. E sua ausência, em um contexto midiático – ainda que educomunicativo – pode
conotar, em vez de inocência ou falta de habilidade, cumplicidade. Charaudeau (2013) destaca três
possibilidades de diálogo nas mídias: bate-papo, conversa e entrevista. Este último formato, no
entanto, é o que mais estabelece distância entre os interlocutores, pois
A entrevista, ao contrário das outras duas outras, exige uma diferenciação de status, de tal
modo que um dos parceiros seja legitimado no papel de “questionador” e o outro num papel
de “questionado-com-razões-para-ser-questionado”. A alternância de fala se acha então
regulada e controlada pela instância entrevistadora segundo suas finalidades
(CHARAUDEAU, 2013, p. 214).
Considerando esse entendimento do autor, consideramos que o gênero adotado pela Viração
para colocar adolescente e adulto em interação, no contexto de uma cobertura educomunicativa,
pode sugerir/reforçar a ideia de soberania do adulto sobre o jovem, uma vez que é o adulto quem
responde ao jovem, quem ensina, portanto, sendo a resposta aceita pelo jovem sem qualquer réplica,
reforçando um aspecto de passividade. Aspecto esse que pode remeter à concepção de educação
bancária refutada por Freire.
O fato de os conteúdos terem sido produzidos a partir das falas oficiais, sem um
direcionamento específico nas perguntas, evidencia a ausência de criticidade na formulação das
questões. Isso faz com que o público da cobertura receba as informações sob o ponto de vista
89
oficial, mais do que sob o ponto de vista de outro jovem. Esse tipo de tratamento dado à notícia
pode ser prejudicial à credibilidade da informação. E o discurso do adulto transmitido na íntegra,
ainda que em uma resposta, tem uma significação diferente do que se fosse reformulado no discurso
de seu interlocutor inicial (o jovem) e passasse a ser informação transmitida por ele. Charaudeau,
nesse sentido, afirma que
é preciso proceder a uma seleção. Esta se faz em função da identidade do declarante e do
valor do seu dito. A identidade do declarante pode variar da maior notoriedade possível ao
anonimato absoluto. Com isso, surge o seguinte problema: dar a palavra aos notáveis
corresponde a mostrar-se como organismo da informação institucional; dar a palavra aos
anônimos corresponde a mostrar-se como organismo da informação cidadã ou mesmo
popular. No primeiro caso, as mídias podem ser consideradas sérias, mas ao mesmo tempo
podem ser consideradas suspeitas; no segundo caso, as mídias apresentam-se como a
imagem da democracia, mas também podem ser acusadas de demagogia (CHARAUDEAU,
2013, p. 168).
Dessa maneira, a centralidade que adquire os discursos de autoridades nos trechos acima
estudados e nos produtos realizados durante a cobertura pode se apresentar como parte do
"organismo institucional". Esse fato se reforça ainda pelo caráter pouco crítico das intervenções dos
jovens durante as entrevistas. Trata-se de uma questão-chave para nosso estudo.
Cabe salientar que o coordenador da cobertura Rafael Silva entende que a própria
contratação da Viração Educomunicação já evidencia o posicionamento favorável da organização
ao tema tratado nos eventos e que isso não impede que haja um processo educomunicativo com os
jovens, desde que esse posicionamento fique claro. No entanto, ele afirma que não sabe até que
ponto o posicionamento da Viração ficou evidente para os adolescentes comunicadores. Ele diz:
Não tinha porque, ali, dentro do que estávamos envolvidos e dos parceiros envolvidos,
sermos contra, até porque o evento em si estava de acordo com o que acreditamos (...).
Ficamos realmente, nessa cobertura, pró-governo, mas estávamos envolvidos com o tema e
com os parceiros que trabalhavam com o tema, a própria Viração traz essa temática (...).
Quando o nosso posicionamento fica claro, não há problema. É negativo quando isso não
fica claro, quando fica nas entrelinhas. Eu não sei o quanto isso ficou claro para o jovem.
Talvez eu não tenha me atentado para questioná-los se estava claro que a Viração estava
lá com o governo porque também traz essa pauta e também porque quer pautar esses
governantes para tentar reduzir os números de trabalho infantil.
Vale destacar, no entanto, que nossa indagação, como vimos destacando desde o início deste
trabalho, refere-se menos ao caráter de parceria da cobertura e mais ao processo de formação dos
90
jovens e aos conteúdos e discursos por eles produzidos. Também em relação à parceria entre o
contratante e a Viração, Lilian Romão, diretora executiva da Viração, entende que não é possível
controlar o posicionamento dos jovens no contexto de uma cobertura, especialmente quando estão
exercendo a função de entrevistadores:
Não temos como controlar a pergunta que o jovem vai fazer para a ministra, se ele quiser
chegar na hora e fazer uma determinada pergunta, ele faz. O nosso trabalho é fazer com
que ele se empodere, para chegar e fazer a pergunta de acordo com princípios éticos,
morais e da ética da comunicação, além do conteúdo: como se pensa e se planeja o
conteúdo, quem vamos entrevistar e, depois da vivência, vamos experimentando outras
coisas, principalmente por causa da vivência do parceiro sobre aquela experiência e, não
necessariamente, sobre a nossa vivência.
Apesar de não se exercer um controle sobre a fala do jovem na produção midiática de uma
cobertura jornalística feita na perspectiva da Educomunicação, é preciso refletir sobre até que ponto
perguntas mais complexas e que podem divergir dos interesses do contratante, mas são necessárias
no processo de formação do adolescente comunicador, são estimuladas pelos educomunicadores no
contexto de prestação de serviço e se os profissionais da organização teriam, de fato, esse papel de
levá-los à desconstrução e questionamento crítico do discurso da autoridade.
Durante nossa pesquisa, constatamos que os três adolescentes comunicadores entrevistados
disseram que as perguntas às autoridades, em especial à ministra Tereza Campello, partiram dos
próprios adolescentes e que o auxílio dos educomunicadores restringiu-se à melhor formulação das
questões, a elaborá-las de modo objetivo e sem vícios de linguagem.
“Teve uma ajuda da equipe da Viração e da educomunicação também. Os adolescentes
pensaram bastante, mas eles ajudaram a formular mais a pergunta, a deixá-la mais certa. Foi um
trabalho todo mundo junto e misturado”, disse a adolescente Thamires Rozendo, de Alagoas.
Dois dos três adolescentes explicitaram claramente que essa intervenção dos
educomunicadores foi positiva. Apenas um deles disse que, durante a entrevista coletiva com o
ativista indiano Kaillash Sathyaste, alguns adultos sugeriram perguntas e o grupo composto por
adultos e adolescentes chegou a um consenso sobre que perguntas deveriam ser feitas. No entanto, o
adolescente não explicitou se esses adultos eram os acompanhantes dos adolescentes ou os
educomunicadores da Viração.
91
As opiniões dos dois gestores da Viração quanto ao papel do educomunicador no contexto
de uma cobertura educomunicativa são diferentes, mas não opostas ou discordantes. O coordenador
acredita que o educomunicador deve procurar fazer com que o espaço do evento a ser coberto seja o
mais amigável possível para o adolescente e esse papel deve ser exercido anteriormente à cobertura,
no processo de negociação com os realizadores do evento. Para ele, o educomunicador deve garantir
formação e antecipação, ou seja, sensibilizar os jovens para a temática do evento e negociar com os
realizadores o espaço a ser ocupado pelos adolescentes comunicadores:
Queremos levar o jovem, mas o espaço não é adequado para ele. Os conferencistas
continuam usando linguagem técnica, o espaço é chato. Para um jovem ficar ali o dia todo,
realmente, em algum momento, não vai ser interessante para ele. Nos vídeos, os
adolescentes não conseguem reproduzir exatamente o que ouviram, então acabam trazendo
perguntas mais abertas, mais genéricas, do cotidiano de uma pessoa comum. Então, em um
espaço político, de tomada de decisão, o jovem talvez não consiga se familiarizar tanto
porque o espaço não é apropriado para ele.
A diretora executiva da organização também acredita que o papel do educomunicador é
fazer com que o evento seja o menos burocrático possível para o jovem, mas, diferentemente do
coordenador, acredita que esse é um processo que deve ser realizado em parceria com o jovem. Ela
destaca a importância de mediar o processo e expectativas dos adultos com relação à atuação dos
jovens enquanto comunicadores nesses espaços:
Durante a Conferência não foi nada fácil mediar expectativas das pessoas com relação à
participação dos jovens. Cada um tinha uma expectativa e nós, da Viração, estávamos no
meio, pedindo calma e lembrando que era a primeira vez que eles colocavam adolescentes
para participar. E nem assim conseguimos suprir as expectativas de todos.
Dessa forma, é possível perceber que a diretora ressalta o papel do educomunicador durante
o processo da cobertura, enquanto o coordenador o destaca como sendo anterior à ação, como se
estivesse circunscrita ao planejamento da cobertura e espaço de incidência do jovem no evento.
Para os gestores, é papel do educomunicador negociar as condições da intervenção dos jovens no
espaço do evento coberto. Lilian Romão e Rafael Silva não se referiram ao pedagógico de, durante
o processo de imersão dos adolescente no evento, procurar dialogar com os jovens sobre os
92
acontecimentos e discursos com os quais têm contato para, assim, esclarecê-los ou estimular sua
reflexão.
A diretora executiva também entende que é papel do educomunicador facilitar o processo de
produção noticiosa, ajudando o jovem com as técnicas de comunicação e que nessa aproximação
entre adolescentes e mídias, o educomunicador deve prezar pela expressão do jovem, sensibilizando
os organizadores do evento para a necessidade de reconhecer essa vivência como um momento de
formação e construção de criticidade do adolescente:
Perguntam se podemos fazer determinadas coisas com os jovens ou controlar certas
situações e a gente diz que não pode. Existe sim uma pressão por conteúdo, mas a pressão
pela entrega do conteúdo. Então, da nossa parte, há uma ética com o jovem e com a
metodologia, para de fato dar a liberdade para que ele fale, senão a gente cai em um lugar
em que a nossa própria metodologia pode ser anulada.
Para Lilian Romão, a metodologia proposta para o contratante da cobertura educomunicativa
prevê um cuidado especial com o adolescente mobilizado para participar do evento como
comunicador, o que evidencia para o contratante o caráter educativo da atividade que, segundo a
diretora executiva, não deve ser esquecida em nome da parceria.
Nesse sentido, o coordenador Rafael Silva entende que é necessário evidenciar para o
contratante o caráter de uma cobertura feita na perspectiva da Educomunicação, com a participação
de adolescentes e jovens. Para ele, é preciso deixar claro que a cobertura educomunicativa não se
configura como uma cobertura jornalística profissional e que envolve amadorismo e, por vezes,
falta de qualidade técnica nos conteúdos produzidos, o que ele chama de “linguagem diferenciada”:
Quando dizemos que um produto tem linguagem informativa jornalística, trazemos muito a
ideia de que será produzido por um jornalista formado, que aprendeu técnicas e que o
texto será coeso do começo ao fim e no qual tentaremos garantir os dois lados. Na
cobertura educomunicativa isso não acontece, por mais que o jovem tenha tido uma
formação ou tenha visto essas técnicas de jornalismo e redação. Não é um texto
jornalístico, com começo, meio e fim. É um texto que tem alguma informação ali, mas não
está estruturado no velho ou novo jornalismo. Então, a linguagem diferenciada é essa. O
público que lê, que busca comunicação informativa, conteúdo jornalístico quer encontrar
isso. Então, tentamos trabalhar com esse contratempo, com essas diferenciações.
No entanto, é preciso destacar certa contradição na fala do coordenador quando comparada a
outro trecho da entrevista. No trecho acima, Rafael afirma que é preciso deixar claro para o
93
contratante da cobertura que uma das características das produções midiáticas realizadas na
perspectiva da Educomunicação, envolvendo jovens, é a falta de qualidade técnica. No entanto,
anteriormente, ele afirmou que todos os conteúdos produzidos passam pela revisão e edição de um
jornalista, educomunicador da equipe da Viração (ver trecho da entrevista apresentada na p. 77
deste trabalho).
A contradição na fala do coordenador talvez explicite a distância entre a expectativa do
contratante a respeito da cobertura educomunicativa e o seu processo em si, em que jovens
inexperientes em comunicação têm dificuldade (o que é natural do ponto de vista educomunicativo)
em produzir conteúdos noticiosos, levando-se em conta o preparo anterior que tiveram para
produzir notícias e a natural falta de habilidades técnicas para a tarefa. Dessa forma, a intervenção
de jornalistas nas produções minimiza a falta de domínio técnico dos participantes da cobertura,
fazendo com que o processo amador de produção resulte em produtos de comunicação que atenda
às expectativas de quem contrata a Viração para essa finalidade.
Ademais, a intervenção de um jornalista também tem a ver com a garantia de inteligibilidade
do conteúdo produzido, além, é claro, de fazer com que a experiência com mídias seja educativa.
Em nenhuma das notícias analisadas no capítulo qa, em qualquer das linguagens midiáticas, foram
identificados textos sem sentido. É possível que as produções entregues aos educomunicadores
tenham, num primeiro momento, essas características levantadas pelo coordenador. No entanto, o
produto final, conforme ele próprio ponderou em resposta anterior, é fruto da construção do jovem
associada à edição do profissional.
6.4. Recepção de conteúdo da cobertura educomunicativa
Para além da questão da qualidade técnica das produções e do que os contratantes esperam
da cobertura, observamos uma falta de clareza dos gestores quanto à vocação dos conteúdos
produzidos nesse contexto. Pela fala do coordenador Rafael Silva, transcrita a seguir, entende-se
que um conteúdo com claro posicionamento ideológico e feito por adolescentes e jovens é,
naturalmente, uma peça de comunicação capaz de mobilizar adolescentes e jovens para uma questão
social:
94
Quando você produz uma notícia de cunho militante, ao mesmo tempo você está
mobilizando outras pessoas para o público que você está atingindo sobre aquele assunto e
está articulando política com isso. De alguma forma é um material que, ao mobilizar, vai
fazer com que as pessoas retuitem, compartilhem em sua página do Facebook ou então que
ela vá às ruas. Isso é participação política no mundo atual.
No entanto, a pesquisa de recepção realizada com quatro jovens de São Paulo demonstra que
o público pretendido pela Viração não se identifica com as notícias produzidas pelos jovens
comunicadores. A partir do vídeo Entrevista com Antonio Oliveira, do Fórum do Ceará, na 3ª
Conferência Global sobre Trabalho Infantil, analisado no item anterior, três dos quatro jovens
entrevistados afirmam que o conteúdo foi produzido para um público mais velho. A adolescente
Gabriela Faria Villela, de 15 anos, respondeu:
O que você achou do vídeo?
Eu achei que é um vídeo meio sério. É um assunto muito importante, mas eu acho que ficou
uma coisa meio séria. Não seriam muitas as pessoas que veriam até o final.
Você acha que é um vídeo feito para um público de que idade?
Acho que um pouquinho mais velho, acho que crianças não assistiriam. Acho que uns 20
ou 30 anos, para mais.
Da mesma opinião, a adolescente Maria Victória Ferreira Petrólio, também de 15 anos,
qualificou o vídeo como “sério”. Para ela, o conteúdo é destinado para pessoas de todas as idades.
Gustavo Francatti, de 16 anos, também entende que o vídeo é feito para um público abrangente,
embora com foco em um público jovem e adulto, “de 16 a 24 anos e assim por diante”, nas palavras
dele. Victor Esteves de Moraes Pereira, de 18 anos, também entende que o vídeo é destinado para
todos os públicos, com maior foco a “quem organiza, quem contribui com o trabalho infantil”,
pessoas de aproximadamente 30 anos, segundo o jovem.
O fato de todos os jovens terem entendido que o vídeo destina-se a um público abrangente,
sem foco específico para a sua própria faixa etária, indica que não houve plena identificação com o
formato em que a mensagem foi transmitida. Ao serem questionados sobre o que chama a atenção
deles no vídeo, todos eles, com exceção a Maria Victória, que não soube responder, destacaram
aspectos relacionados à fala do entrevistado.
95
Apenas Gustavo, que se disse surpreso em observar que a Conferência já está na terceira
edição – o que para ele demonstra que o mundo inteiro está empenhado em erradicar o trabalho
infantil – fez comentários com relação à estética do vídeo: “É uma coisa bem feita, parece não ter
influência de profissionais renomados, mas de pessoas interessadas e tudo mais.”
Intriga o fato de nenhum deles ter destacado que o que salta aos olhos no vídeo é o fato de
haver uma adolescente de 15 anos no papel de entrevistadora. Por esse motivo, a última pergunta
feita aos jovens receptores foi: que idade você acha que a entrevistadora tem? As respostas foram as
seguintes: “Acho que uns 22”, “18 ou 22, por aí”, “Eu não percebi muito, mas eu acho que uns 25,
mais ou menos”, “20 ou 25, no máximo”.
Imagem 04. A adolescente Alanna Mangueira, de 15 anos, entrevista representante do Fórum Cearense de
Erradicação do Trabalho Infantil
É evidente que a idade da entrevistadora é um aspecto subjetivo. Uma adolescente pode
aparentar ser mais velha ou mais nova do que realmente é. Por esse motivo, foi questionado aos
jovens por que motivo atribuir essa idade a ela. Todos os jovens indicaram o estranhamento com
relação ao fato de uma adolescente exercer a função de entrevistadora. A seguir, há a explicação do
jovem Gustavo Francatti sobre esse estranhamento:
Que idade você acha que a entrevistadora tem?
96
Boa pergunta. Acho que uns 22.
Na verdade ela tem 15.
Ah, que coisa!
Por que você pensou que ela teria 22?
Eu sou um cara muito ruim com idades, admito. Mas é difícil encontrar pessoas nessa
idade que se interessem por esse assunto.
A resposta do jovem receptor remete ao conceito de ethos, em Barthes (apud Maingueneau,
2013). A adolescente, no momento em que estava diante da câmera, com microfone em mãos
deixava de ser adolescente e passava a ser comunicadora, saltando aos olhos de quem assiste ao
vídeo a imagem convencional de repórter televisiva. É possível ainda que a adolescente
entrevistadora, ao encarnar esse papel, tenha recorrido, ainda que de modo inconsciente, a
referências do senso comum para “encenar” uma postura que não faz parte do seu cotidiano. Além
disso, deve-se ressaltar, para a composição da cenografia do discurso (MAINGUENEAU, 2013) as
roupas que a entrevistadora veste (pouco usuais para jovens da idade dela) e que lembram o figurino
das repórteres das grandes redes de televisão.
Dessa forma, a jovem, ao colocar-se como entrevistadora, transmite características de
comunicadora, não mais sua personalidade e identidade. Dirigindo-se ao outro – ou seja, aos
receptores da entrevista ou ao próprio entrevistado –, a adolescente adotou “os traços de caráter que
o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar boa impressão: são
os ares que assume para se apresentar. (...) O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo
diz: eu sou isto, eu não sou aquilo” (BARTHES apud MAINGUENEAU, 2013, p. 107).
A reprodução do ethos de comunicador entre adolescentes em uma cobertura
educomunicativa, no entanto, é algo a ser destacado, uma vez que a ideia desse tipo de atividade é o
estabelecimento de um diálogo entre adolescente e especialista adulto, sem deixar que a identidade
jovem seja diminuída diante do discurso do adulto. E a maneira como a jovem Thamires Rozendo,
integrante da cobertura educomunicativa, define educomunicação destaca o reforço do ethos em
detrimento à expressão espontânea. Para ela,
tem gente que, em um espaço que fala sobre adolescente, entende que os adolescentes não
sabem nada, que a gente só quer saber de “festinha e farinha”, mas não. Com a
97
educomunicação, a gente pode se comunicar com os adultos como se a gente fosse da
33
mesma – como é que eu posso dizer? – sociedade, como se fosse de adulto para adulto.
Observamos, portanto, que a jovem entende a cobertura educomunicativa como uma
maneira de adolescentes interagirem com adultos, de modo que aqueles “ascendam ao patamar”
destes, algo nunca antes imaginado não fosse a Educomunicação. A definição que Thamires deu à
cobertura é pautada na hierarquização, em que o adulto prevalece ao jovem, ainda que este tenha o
direito de interagir com aquele.
Não ignoramos, obviamente, a dificuldade de qualquer adolescente de agir de modo
espontâneo em uma situação como essa, por diversos fatores. A experiência nova e inesperada de
produzir mídia, a falta de repertório acerca da temática do evento, a atmosfera estranha da
conferência, a linguagem burocrática do adulto, entre outros aspectos, fazem com que a conduta do
jovem no contexto da vivência educomunicativa não seja espontânea. Como, então, fazer com que a
adolescente não anule sua personalidade diante do papel que tem a desempenhar? A resposta a essa
questão talvez esteja no processo de mediação promovido pelos educomunicadores, entre as
instâncias e discursos presentes no espaço e o jovem comunicador.
O coordenador Rafael Silva afirma que uma das marcas da cobertura educomunicativa da
Viração é o trabalho a partir da linguagem do jovem e entende que, no contexto de uma cobertura,
os adolescentes não conseguem decodificar todas as informações que recebem, com reflexos no
conteúdo produzido. Ele afirma:
Quem não está familiarizado com uma cobertura jornalística feita por adolescentes e
jovens realmente, num primeiro momento, se espanta porque acredita que vai receber um
jovem capacitado, um jornalista mirim, com perguntas técnicas, mais aprofundadas. Mas,
uma grande marca, inclusive, da nossa cobertura, é que a gente tenta trabalhar a
linguagem do jovem. A gente tem a pauta, tenta defini-la com ele, tentando trazer um
pouco do contexto do que é aquele evento e de quem ele vai tentar entrevistar. Mas
sabemos que ele não consegue captar tudo isso. De alguma maneira, na cabeça dele, todos
os assuntos vão se embaralhar, não vai conseguir definir cargo e não vai conseguir
explicar isso para o público. Então, isso vai ficar muito livre para ele.
É interessante perceber que o coordenador associa a dificuldade de assimilação das
informações dos adolescentes sobre as pessoas presentes no evento com liberdade de atuação na
33
Grifo deste pesquisador.
98
elaboração dos conteúdos, entendendo que a linguagem do jovem expressa a confusão que a
experiência vivenciada durante a conferência proporciona. E, de certa forma, admite que a
mensagem transmitida não terá clareza, o que é evidente, pois uma vez que “todos os assuntos vão
se embaralhar”, o próprio adolescente comunicador não possui entendimento da mensagem que irá
transmitir. Mesmo confuso, o produto de comunicação é imprescindível em razão do acordo com o
contratante.
Focalizar o produto como orientador do processo educomunicativo – e não como finalidade
– pode ser uma das razões pelas quais as mensagens manifestam confusão, uma vez que os
adolescentes não compreendem o que precisam transmitir. Isso indica ainda um deficitário processo
de mediação do educomunicador, que não decodifica as informações para uma melhor atuação dos
adolescentes na cobertura.
Wolton chama de incomunicação a consequência da hipervalorização da informação. A
partir do autor, entende-se que a informação exige tempo para ser criada, uma vez que é resultado
de um processo comunicativo, de troca e tentativa de compreensão e entendimento. Para ele,
imprescindível é a lentidão, pois
salvar a informação significa lutar contra a tecnologia do “ao vivo” e valorizar outro papel
para os jornalistas. Implica fazer a informação reencontrar o tempo e a lentidão, os
intermediários que documentam e os jornalistas, a triagem e a difusão de conhecimentos
legitimados. A lentidão é o tempo dos homens; a velocidade, o tempo das tecnologias
(WOLTON, 2011, p. 55).
E é nesse processo lento, necessário à compreensão, que o aprendizado acerca das
discussões se efetivará, dando condições ao adolescente de produzir conteúdos coesos e inteligíveis
a outros adolescentes, com vistas a sensibilizá-los para a temática social noticiada. Essa é o objetivo
da cobertura, na perspectiva do coordenador Rafael Silva, que acredita que os adolescentes
comunicadores
conseguiram transformar a linguagem técnica para o público deles, lembrando que se
houve algum público atingido foi o próprio público jovem e se chegou para um adulto ou
algum especialista foi para olharem e verem que os jovens estão participando. Mas o
objetivo foi que eles se comunicassem com um público da mesma faixa etária da deles.
99
A partir das respostas dos jovens que participaram da pesquisa de recepção, é possível
afirmar que, ao contrário do entendimento do coordenador, a linguagem técnica do adulto não foi
desconstruída ou reelaborada pelos adolescentes comunicadores. A seguir, está transcrita
novamente a entrevista que a adolescente Alanna Mangueira, de 15 anos, fez com Antônio de
Oliveira, representante do Fórum Cearense de Erradicação do Trabalho Infantil, que foi exibida aos
quatro jovens de São Paulo, com o objetivo de discutir a recepção desse conteúdo.
0” a 9” – Alanna diz: Depois de várias reuniões preparatórias até aqui, hoje é o grande dia.
A III Conferência Global sobre a erradicação (sic) do Trabalho Infantil.
10” a 17” – Exibição da vinheta de abertura.
18” a 27” – Alanna diz: Estamos aqui com a Antonio de Oliveira. Ele é do Fórum. Antônio,
o que o Fórum tem feito pela erradicação do trabalho infantil?
28” a 52” –Antônio de Oliveira responde: Várias ações na área de educação e
assistência social, da saúde, nos conselhos, numa ação intersetorial. Nós estamos
lançando agora, neste mês, a Agenda Cearense contra o Trabalho Infantil, que é uma
articulação intersetorial para fortalecer as políticas públicas de atendimento às crianças
e adolescentes, em especial às voltadas à prevenção e erradicação do trabalho infantil no
estado.
53” a 55” – Alanna pergunta: O que você espera desse evento aqui?
56” a 1’18” –Antônio de Oliveira responde: a troca de experiências entre os países,
numa conferência global é bastante importante. Aqui, as pessoas acabam conhecendo
experiências de outras regiões e isso fortalece a ação, a troca de boas práticas,
fortalecimento, fortalecendo as nossas ações. Nós esperamos que esta conferência possa
possibilitar isto: a troca de boas práticas e fortalecimento das ações locais.
34
1’19” a 1’27” – Exibição de uma vinheta de encerramento.
Os quatro jovens entrevistados demonstraram compreender em essência as respostas do
entrevistado. Quando questionados sobre o tema do vídeo, todos fizeram menção ao trabalho
infantil, sendo que três deles demonstraram compreensão mais específica da temática, explicitando
que o vídeo não trata apenas de trabalho infantil, mas principalmente de erradicação ou diminuição
do trabalho infantil. No entanto, nem todos conseguiram assimilar corretamente as respostas do
especialista entrevistado.
Uma das meninas entrevistadas, ao ser questionada sobre como resumiria a resposta do
entrevistado, afirmou: “Ele falou que estão começando a ver uma lei para atender as crianças e os
adolescentes para tentar acabar com isso, só que ele falou com umas palavras mais difíceis (risos).
Mas eu acho que foi isso que ele quis falar”. A partir desse trecho, compreendemos que a jovem
34
Grifo deste pesquisador para destacar as respostas do entrevistado.
100
associou o termo “políticas públicas” a “lei”, o que não é de todo errado, mas compromete a real
interpretação da fala.
Nesse sentido, Charaudeau (2013) lembra a necessidade que tem o discurso midiático de
tornar compreensível ao público leigo um assunto complexo. No âmbito da Educomunicação essa
necessidade persiste, uma vez que o conteúdo produzido tem – ou deveria ter – caráter mobilizador,
conforme apontou o coordenador da cobertura. O autor acredita que
a acessibilidade da informação baseia-se na hipótese de que o grau de compreensão de um
discurso está ligado à simplicidade, a clareza com a qual o discurso é construído. Todas as
escolas de jornalismo e os manuais de redação insistem nesse aspecto da escritura
jornalística, aconselhando evitar uma retórica considerada muito escolar ou universitária,
explicações muito complexas e o uso de um vocabulário excessivamente técnico.
Entretanto, essas noções causam problemas na medida em que dependem de critérios que
variam em função de múltiplos parâmetros ligados ao capital social, econômico, cultural
(Bourdieu) dos sujeitos a quem as mídias pretendem dirigir-se (CHARAUDEAU, 2013, p.
81).
Pela falta de familiaridade com a especificidade de alguns termos envolvidos na mensagem
audiovisual, um dos meninos entrevistados associou a Agenda Cearense contra o Trabalho Infantil,
mencionada pelo especialista durante a entrevista à adolescente Alanna Mangueira, com um
conjunto de atividades que envolveriam crianças vítimas de trabalho infantil:
A moça perguntou o que eles estão fazendo para parar o trabalho infantil. Ele falou que
estão fazendo alguns projetos direcionados à criança e ao adolescente, chegou a citar um
calendário para que as crianças não tenham tempo de fazer esse trabalho infantil, mas que
estejam disponibilizando o tempo deles para coisas mais produtivas para eles mesmos,
para o crescimento próprio deles.
Outro jovem entrevistado, no entanto, demonstrou ter uma compreensão mais precisa da
resposta do entrevistado, embora essencial:
Que eles querem terminar com o trabalho infantil, tendo relações com outros países, tendo
aquela comunicação, vendo o que é correto ou não e todos com um objetivo final, que é
terminar com o trabalho infantil e ter benefícios para toda a população, principalmente as
crianças.
A segunda menina foi a única a dizer que não se lembrava do conteúdo das respostas. O
resumo das respostas do especialista feito pelos jovens que assistiram ao vídeo demonstra um
101
entendimento superficial do que o adulto entrevistado disse. Conforme indicou a jovem Gabriela, o
uso de termos técnicos e distantes da realidade de adolescentes comuns, como “articulação
intersetorial” e “políticas públicas” pode ter dificultado a interpretação de sua fala. Além disso, a
formalidade com a qual o especialista se coloca não está presente apenas em sua fala, mas também
em seu traje. O uso do terno pode ter ampliado a distância entre o locutor adulto e os interlocutores
jovens. Gabriela foi perguntada ainda sobre o papel da entrevistadora:
E você acha que a entrevistadora poderia contribuir nesse sentido, para o vídeo ficar
mais fácil?
Acho que também. Ela poderia falar mais como os adolescentes falam também ou como
todo mundo fala. Porque aí o público seria um pouquinho mais novo.
A resposta de Gabriela reforça a necessidade de refletir acerca do que se entende por
“linguagem do jovem”, termo usado pelo coordenador Rafael Silva, durante entrevista, utilizada no
contexto das coberturas promovidas pela Viração. Trata-se de um indicativo de que a linguagem da
adolescente entrevistadora – verbal ou não verbal – causa estranhamento em vez de identificação
em jovens receptores.
É importante destacar uma resposta dada também por Gabriela, quando questionada sobre o
que achou das perguntas feitas pela entrevistadora ao especialista. Ela afirmou: “Eu acho que foi o
básico que ele tinha que saber. Para um vídeo de um minuto e vinte e sete acho que foi bom”, o que
implícita o lugar comum ao qual se ateve a conversação e, mesmo sem compreender alguns dos
termos ditos pelo adulto, durante a entrevista, Gabriela demonstra que as perguntas não foram
provocativas, inusitadas.
Os outros jovens, ao contrário, qualificaram as perguntas elaboradas pela entrevistadora
como “objetivas”, “bem direcionadas” e “bem feitas”. Suas falas, no entanto, assim como as de
Gabriela, reforçam que o tom das perguntas foi superficial, sem surpresa: “foi o que o pessoal de
fora precisa saber”, “acho que ele falou certo, o que todos queriam ouvir”, “Para um vídeo de um
minuto e vinte e sete acho que foi bom”.
Entendemos, a partir do exposto, que os jovens receptores puderam compreender em
essência a fala do adulto, embora com equívocos de interpretação, associando livremente os termos
utilizados pelo especialista. Percebemos ainda, a partir do indicado pelos jovens entrevistados para
102
esta pesquisa, que a adolescente entrevistadora manifesta-se semelhantemente a uma adulta, verbal
e gestualmente, o que dificulta o estabelecimento de empatia entre o público pretendido e o
conteúdo midiático em si. Também é possível observar que os adultos entrevistados agiam como se
falassem aos órgãos de imprensa tradicionais, e, por isso, não se preocuparam em construir um
discurso dirigido ao jovem. Obviamente, não cabe à Viração resolver esse problema, apenas
atestamos aqui a importância de que ambos os interlocutores (entrevistador e entrevistado) tenham
compreensão do caráter dialógico da comunicação e do contexto educomunicativo da cobertura, em
especial.
6.5. Análise dos vídeos
Seguindo o mesmo formato adotado no material analisado na pesquisa de recepção, nas
outras entrevistas em vídeo, a adolescente entrevistadora também apresenta sucintamente os
entrevistados adultos e dirige a eles uma ou duas perguntas elaboradas previamente. No vídeo
Entrevista com Francisco Brito, do PETI, na 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil, com
duração de 1min49sec, a adolescente fala durante 11 segundos. A seguir, a reprodução simplificada
dos tempos do vídeo:
35
0” a 15” – Exibição da vinheta de abertura .
16” a 24” – Alanna (Entrevistadora): Estamos aqui com Francisco Brito. Ele está
representando o PETI. Francisco, o que vem a ser o PETI?
25” a 56” – Entrevistado: O PETI é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Esse
programa foi fundado desde 1996 e é uma grande ação de enfrentamento direto ao trabalho
infantil. E o PETI se compõe de três elementos básicos, que são: transferência de renda
para as famílias, atendimento aos adolescentes nos serviços de convivência – criança e
adolescente em situação de trabalho, e atendimento à família também na rede SUS. Isso é o
que se compõe enquanto PETI.
57” a 1’00” – Entrevistadora: Qual foi a sua participação, então, para que esse evento
viesse a acontecer aqui?
1’01” a 1’49” – Entrevistado: Bom, a decisão do evento de acontecer no Brasil ocorreu em
um processo em que o próprio Brasil se colocou, manifestou interesse em realizar este
evento aqui, dada a sua experiência em erradicação do trabalho infantil. O Brasil tem uma
35
A vinheta de abertura, utilizada em todos os vídeos produzidos na conferência, apresenta velozmente, sob o ritmo de
uma música eletrônica, uma sequência de fotografias de pessoas presentes na conferência posicionadas de costas para o
painel oficial do evento, seguida de uma animação criada pelos jovens participantes da cobertura. Nessa animação,
letras aparecem paulatinamente em um fundo branco e formam os dizeres “III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil”. Depois de surgido completamente na tela, o nome do evento se desfaz com a inserção de uma mão que
captura algumas das letras que o compõe.
103
política exitosa nesse sentido, não é só o PETI, é um conjunto de ações, educação, o Bolsa
Família, a própria situação econômica do país que vem melhorando. Então, um conjunto de
ações que vem dentro das políticas públicas de uma forma organizada vem se traduzindo
nos números e que hoje a gente já tem um certo rebaixamento do percentual do trabalho
infantil no país de uma forma bastante exitosa.
O vídeo Entrevista com Isa Oliveira, do FNPETI, na 3ª Conferência sobre Trabalho Infantil
tem 1min22seg de duração, dos quais a adolescente fala durante 15 segundos, limitando-se a
apresentar a entrevistada, fazer perguntas previamente elaboradas e agradecer pela disponibilidade
de Isa:
0” a 15” – Exibição da vinheta de abertura.
16” a 24” – Alanna (Entrevistadora) diz: Estamos aqui com a Isa Oliveira. Ela faz parte
do FNPETI. Isa, qual a sua participação para a realização desta conferência?
25” a 47” – Isa Oliveira (Entrevistada): Como secretária executiva do Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, nós participamos da comissão organizadora
nacional, que organizou, discutiu os temas para esta 3ª Conferência Global. O Fórum é uma
instância não governamental e representou, neste espaço, a sociedade civil brasileira.
48” a 53” – Entrevistadora: Isa, você acha que é possível erradicar o trabalho infantil até
2020 e as piores formas até 2016?
54” a 1’19” – Entrevistada: Eu acho que não é só possível. É uma obrigação ética e moral
do governo brasileiro e da sociedade brasileira eliminar todas as piores formas de trabalho
infantil até 2016 e todas as formas até 2020. Então, não é só possível. É um dever ético, é
um compromisso de todos, Estado e sociedade brasileira.
1’20” a 1’22” – Entrevistadora: A Viração agradece.
Imagens do processo de produção de parte da vinheta de abertura, feita por um grupo de
adolescentes, é exibida durante o vídeo, em seu início, no momento em que Alanna faz a primeira
pergunta à Isa Oliveira. A voz da jovem é coberta pelas imagens de um trio de adolescentes que
distribuem letras em uma mesa branca que forma o nome “III Conferência Global sobre Trabalho
Infantil”, durante três segundos. Durante as respostas da entrevistada, foram inseridas outras
imagens de adolescentes conversando com adultos no espaço do evento, realizando gravações
externas, e também flashes da entrevista coletiva com o militante indiano Kaillash Sathyaste,
reproduzida em texto por outro grupo de adolescentes e publicada na íntegra na edição nº 101 da
Revista Viração.
Algo a ser destacado é o tempo em que, efetivamente, a jovem tem voz nas peças de
comunicação produzidas em vídeo. O vídeo em que a adolescente mais fala é em uma entrevista de
1minuto e 27 segundos, dos quais Alanna fala por 20 segundos, limitando-se a apresentar o
104
entrevistado e a realizar perguntas, o que representa pouco menos de um quarto do vídeo. O vídeo
em que Alanna menos se expressa é durante a entrevista com Francisco Brito que, inclusive é o
mais longa das entrevistas. A jovem apresenta o entrevistado e faz as perguntas em 11 segundos,
que representa um décimo do tempo do vídeo.
Nos três produtos de comunicação audiovisual mencionados até o momento, não
observamos qualquer tipo de posicionamento crítico por parte da entrevistadora adolescente que se
limita a fazer perguntas e a apresentar, de modo padronizado e repetitivo, seus entrevistados. No
entanto, no vídeo Momentos da 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil, em que a
adolescente comunicadora entrevista outra adolescente, observamos uma conduta menos passiva e
uma tentativa de questionamento e aprofundamento da resposta dada pela jovem entrevistada.
00” a 12” – Exibição da vinheta de abertura.
13” a 43” – Exibição de trecho do pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff, feito ao
lado da Orquestra do Instituto Baccarelli.
44” a 57” – Alanna (Entrevistadora), entre cinco adolescentes da Orquestra: Estamos
aqui com representantes da Orquestra Juvenil Heliópolis do Instituto Baccarelli. Qual a
influência desta instituição na erradicação do trabalho infantil?
58” a 1’18” – Entrevistada: Bem, o objetivo do Instituto Baccarelli é exatamente este: tirar
as crianças da rua e colocá-la no Baccarelli para ter a música, para ensinar para eles a
música. Tem mães que trabalham à tarde e não querem deixar os filhos na rua sozinhos. O
Baccarelli faz essa função de deixar as crianças lá e ter a música como ensino (sic).
1’19” a 1’22” – Entrevistadora: Mas isso ajuda bastante na erradicação do trabalho
infantil, na sua opinião?
1’23” a 1’28” – Entrevistada: Ajuda, porque as crianças não vão ter como trabalhar se
estão no Baccarelli, aprendendo música.
A segunda questão feita pela entrevistadora parece querer aprofundar a resposta dada pela
jovem integrante da orquestra. Em conversa pela rede social Facebook, Alanna justificou ter feito a
pergunta dizendo ter se esquecido da questão que havia sido elaborada previamente à gravação da
entrevista. Alanna conta que a pergunta original seria: “em sua opinião, o que o Instituto faz para
ajudar as famílias dessas crianças?”. No entanto, a pergunta que fez improvisadamente demonstrou
uma elaboração a partir da resposta dada anteriormente pela entrevistada, o que representa um
efetivo processo comunicativo.
A partir da lógica de se basear em um roteiro elaborado, a adolescente não necessariamente
precisaria prestar atenção à fala do outro, mas apenas ficar atenta ao momento em que o
entrevistado silencia, para verbalizar a pergunta seguinte do roteiro.
105
No âmbito da Educomunicação, o processo de produção noticiosa se caracteriza pelo
diálogo, compreensão e interação entre entrevistador e entrevistado. Nessa mesma linha, encontrase a discussão que apresentamos neste trabalho baseada no princípio da contrapalavra e da
dialogicidade (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002). Ou seja, se a comunicação for efetivamente
realizada entre os interlocutores, maior será a possibilidade de existir interação, processo em que
ambos os envolvidos na conversação interatuem e produzam sentido por meio dos discursos, sendo
sujeitos de seu discurso. Dito de outra forma, é preciso que se estabeleça efetivamente um "eu" e
um "tu" para que a comunicação ou a interação verbal ocorra. Também esse processo de interação,
pensado em sentido pleno, propiciaria tanto uma informação mais qualificada quanto a ocorrência
de aprendizagem ativa por parte do jovem.
Nesse sentido, observamos ainda o quanto a informação, mesmo presente em mídias
interativas ou produzida no contexto de práticas consideradas inovadoras, pode ser associada a um
tipo de educação bancária, justamente por não ser fruto do que Paulo Freire chama de dialogia, um
dos pressupostos da Educomunicação. Freire diz: “A palavra, nestas dissertações, se esvazia da
dimensão concreta que deveria ter ou se transforma em palavra oca, alienada e alienante. Daí que
seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la”.
Também Wolton (2011) ao distinguir informação de comunicação vai ao encontro do que
diz Freire. Em seu entendimento, mesmo presente em contextos mais interativos, a informação
ainda é uma forma autoritária de enunciar o mundo, enquanto as enunciações oriundas de processos
comunicativos, frutos de entendimento, compreensão, diálogo e negociação entre atores sociais,
encontram-se escassas nos dias atuais.
Há um paradoxo? Sim. É a vitória da informação que revela essa dificuldade crescente da
comunicação. Durante séculos, essas duas palavras foram quase equivalentes. Eram, em
todo caso, companheiras de luta pela liberdade de expressão, pela emancipação política e
pelos direitos do homem. Hoje, é antes de tudo a informação que se impõe, enfatizando a
ideia de uma comunicação “automática”. O futuro está na problemática da comunicação, ou
seja, das condições de aceitação e de negociação pelos receptores das informações oriundas
de todos os lados. Esse será o desafio essencial. A informação tornou-se abundante; a
comunicação, uma raridade. Produzir informações e a elas ter acesso não significa mais
comunicar (WOLTON, 2011, p. 16).
É desafio, portanto, também nas práticas educomunicativas que optam pela produção
midiática, fazer com que o processo de construção noticiosa seja fruto da comunicação entre
106
adolescente e adulto, em um sentido mais amplo do comumente conhecido. Seja essa comunicação
não apenas a aproximação e o contato entre esses atores, mas o envolvimento real, para além da
hora de gravação.
6.6. O jovem comunicador e o discurso do adulto
Dessa forma, pudemos observar que a dificuldade em compreender o discurso do adulto por
parte dos adolescentes resulta em consequências no produto final e em sua recepção por outros
jovens. O próprio coordenador da atividade reconhece a falta de habilidade dos adolescentes que
atuaram como comunicadores de organizar as informações que recebem no contexto de um evento
como foi a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil.
Dessa forma, entendemos que é necessário que os educomunicadores preparem e auxilie o
jovem a se posicionar diante do adulto, incentivando-o ao diálogo, o que implica em pedir
informações adicionais ao especialista ou autoridade entrevistada quando esta se expressa de
maneira pouco acessível ao público jovem, principal destinatário dos produtos midiáticos e dos
discursos elaborados ao longo da cobertura educomunicativa.
Observamos ainda, a partir de Wolton e da declaração de uma das adolescentes participantes
da cobertura, que a excessiva valorização da informação e a própria composição dos discursos
levam ao que o autor chama de incomunicação. De acordo com o que declarou Thailane Oliveira,
de 18 anos, integrante da cobertura em questão, a dinâmica com os adolescentes comunicadores foi
orientada pela produção midiática. O tempo de dedicação a essa atividade, segundo a jovem,
dificultou a própria tarefa de elaboração de conteúdos noticiosos sobre o tema do evento, o trabalho
infantil.
Pretendemos, então, a partir de agora discutir o processo de imersão dos adolescentes na
prática educomunicativa, levando em conta suas impressões sobre os discursos adultos com os
quais tiveram contato nesse contexto. Dessa forma, foi realizada uma entrevista com três integrantes
do grupo de adolescentes comunicadores da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil.
A proposta foi analisar perfis de discursos de dois adultos com os quais os jovens
interagiram em momentos de entrevista coletiva, em que boa parte deles estavam presentes. Foram
107
escolhidos, portanto, três desses jovens que participaram do processo de elaboração da pauta e da
conversa propriamente dita com a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza
Campello e com o militante indiano Kaillash Sathyaste.
A proposta de comparação entre os discursos desses dois personagens se dá em razão das
maneiras pelas quais ambos chegaram ao grupo de adolescentes e também pela diferença de lugares
e modo de se expressar de cada um deles. A entrevista com a ministra Tereza Campello, durante a
etapa global da Conferência, foi uma demanda do MDS 36, enquanto a entrevista com Kaillash
Sathyaste se deu inicialmente pela vontade espontânea de parte do grupo de adolescentes, que
acompanhou seu discurso em plenária, momento em que elogiou a presença de adolescentes
naquele espaço de discussões, em saber mais sobre sua história.
Indagamos a opinião dos adolescentes sobre as perguntas feitas para as duas personalidades
quando foram entrevistados separadamente pelo grupo. Chama atenção a resposta dada pela jovem
Thailane Oliveira, de 18 anos, quando compara os discursos dos dois entrevistados:
A ministra foi mais direta, mais séria, foi uma resposta diplomática, teve uma postura mais
formal nas respostas, como se fosse uma resposta já programada. Já o Kaillash foi mais
para o lado sentimental. Antes das respostas ele falou o que aquilo significava para ele,
que não era algo supérflulo. Ele contou as experiências que ele teve, de quando ele era
pequeno, de questionar os pais quando ele ia para a escola. É algo que ele traz desde novo.
Ele foi mais sentimental nas respostas dele.
A jovem demonstra ter clareza com relação aos gêneros do discurso, a partir da posição
social que os personagens com os quais teve contato exercem. O uso de palavras como “direta”,
“diplomática” e “formal” para se referir à ministra indicam a posição de autoridade e o discurso
racional proferido por Tereza Campello. Com relação a Kaillash, no entanto, Thailane utiliza termos
como “sentimental”, “não era algo supérfulo” e “experiência”, compreendendo que o militante
indiano, mais do que dominar o tema do trabalho infantil, possui uma relação pessoal com essa
temática, o que promoveu uma maior empatia entre ele e o grupo, de acordo com os três jovens
entrevistados.
36
Diferentemente da etapa nacional da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, em que os adolescentes, de modo
espontâneo, convidaram Tereza Campello, após a mesa de abertura, para uma entrevista. No entanto, é preciso destacar
que um dos adolescentes que a entrevistaram integrou a mesa de abertura com a ministra e outras autoridades e tomou a
108
Dessa maneira, em Maingueneau, compreendemos que os gêneros utilizados não são uma
questão de livre escolha do orador, mas estão diretamente associados com o papel que exercem e
não necessariamente com sua personalidade individual:
Os gêneros de discurso não podem ser considerados como formas (ô) que se encontram à
disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas. Trata-se, na
realidade, de atividades sociais que, por isso mesmo, são submetidas a um critério de êxito.
Os “atos de linguagem” (a promessa, a questão, a desculpa, o conselho etc) são submetidos
a condições de êxito: por exemplo, para prometer alguma coisa a alguém, é preciso estar
em condições de realizar o que se promete, que o destinatário esteja interessado na
realização dessa promessa (MAINGUENEAU, 2013, p.72).
O adolescente Daniel Mendes, de 16 anos, entende que com Kaillash houve maior liberdade
de diálogo em comparação com a entrevista com Tereza Campello, para a qual, segundo ele, houve
uma preparação prévia que tirou o foco do momento do diálogo:
Talvez você não se lembre em detalhes, mas eu queria que você falasse um pouco sobre o
que você achou das perguntas feitas aos dois entrevistados.
Eu acho que as perguntas que foram feitas à ministra foram um pouco desfocadas
comparadas ao que eu imaginei que seriam. Acho que com o Kaillash tivemos mais
liberdade, mesmo que em outra língua, tivemos mais liberdade de conversa, respostas mais
diretas.
E o que você chama de “desfocadas”, com relação às respostas da ministra?
Nós já tínhamos preparado algo. Nós tivemos muito mais improvisação com o Kaillash, foi
algo muito mais instantâneo, impulsivo.
E você acha isso positivo ou negativo?
Eu acho isso positivo.
As respostas do adolescente indicam a importância da espontaneidade no diálogo, que
possibilita uma real interação entre interlocutores. A despeito disso, inclusive, os três jovens
entrevistados afirmaram que o grupo interagiu melhor com Kaillash do que com a ministra Tereza
Campello.
Isso porque, no entendimento de Daniel, “ele pediu para que todos nós sentássemos no chão
com ele, em roda, para que estivéssemos no mesmo nível. Isso deixou todo mundo mais
confortável. E todas as respostas eram firmes, claras e diretas”. A jovem Thailane Oliveira, de 18
palavra, tendo, portanto, o mesmo direito de se manifestar que os adultos, o que facilitou a aproximação entre jovens e
109
anos, tem opinião semelhante: “Eu achei que foi com o Kaillash, ele foi mais cuidadoso, mais
articulado com os jovens. A Tereza foi mais meticulosa. E com o Kaillash, fomos mais
descontraídos, começamos com piada, quebrou aquele gelo e, com ele, eu achei que foi mais fácil.”.
E Thamires Rozendo afirmou:
A gente falava como adolescente e ele também falava como adolescente. A gente falava
uma coisa, como se fosse um problema sério e ele também falava, mas num tom que esse
problema não era tão grande, porque a gente ia resolver esse problema. Eu achei muito
legal e se tivesse a oportunidade, eu gostaria de entrevistá-lo novamente, mesmo eu não
sabendo falar inglês.
Conforme exposto no item anterior, a partir da análise da resposta da jovem Thamires sobre
o que entende por cobertura educomunicativa, verificamos com este último trecho transcrito, uma
mudança de interpretação. Thamires havia afirmado que na cobertura educomunicativa havia uma
interação como se fosse “de adulto para adulto”. Nesse novo contexto, ao se lembrar da conversa
com Kaillash, afirma que o entrevistado agiu como adolescente, e não os adolescentes tiveram que
agir como adultos, de modo formal e (por que não dizer) burocrático.
Talvez a empatia e espontaneidade entre o militante indiano e os jovens tenha se dado
justamente pelo modo como Kaillash se colocou diante dos jovens, conforme indicaram Daniel e
Thamires: sem a postura de autoridade que possui um representante do Estado e por falar sobre sua
vida pessoal, sua história de engajamento e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, como
aqueles com os quais dialogou durante o evento.
Não havia um ethos autoritário, portanto, a distanciá-lo dos jovens, mas, ao contrário, um
sujeito que se mostrava próximo, em situação de igualdade. Diferentemente da ministra, que mesmo
mostrando-se disponível ao diálogo com os adolescentes, não falou de si, de sua história, mas do
seu papel frente a um ministério.
Nesse sentido, Martín-Barbero (2014) lembra que o diálogo é a tentativa de colocar
indivíduos em um lugar em comum e que a linguagem é o meio pelo qual esse encontro torna-se
possível. Para ele,
ministra.
110
dialogar é arriscar uma palavra ao encontro não de uma ressonância, de um eco em si
mesma, mas sim de outra palavra, da resposta de um outro. Daí que para fazer uma
pergunta necessito assumir um pronome (eu) ao qual responde um outro (tu) e conformar o
nós que faz possível a comunicação (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 33).
Dessa maneira, compreendemos que dialogar não significa, propriamente, uma busca por
consenso ou concordância, mas sim uma troca em que os sujeitos sintam-se em igualdade para
oferecerem uns aos outros o seu repertório, entendimento, visão e experiências. O jovem Daniel, ao
destacar a maneira como Kaillash propôs o encontro com os adolescentes demonstra que ele quis
estabelecer essa condição de igualdade com os adolescentes.
O “falar como adolescente” mencionado por Thamires pode estar associado não exatamente
à linguagem verbal de Kaillash, mas, sobretudo, pela maneira de se colocar diante dos jovens, por
sua característica acolhedora e sensibilidade em propor essa igualdade entre ele e os adolescentes,
ao sugerir que sentassem todos no chão e em roda para iniciarem uma conversa.
A entrevista com a ministra também foi em roda, no entanto, jovens e adultos sentaram-se
em cadeiras e estipulou-se uma ordem para que os adolescentes realizassem perguntas, pois a
ministra teria um tempo determinado disponível para conversar com os adolescentes, conforme
informou sua assessoria aos educomunicadores.
Outro ponto a ser destacado foi o fato de o idioma estrangeiro não representar barreira à
interação entre Kaillash e os adolescentes comunicadores 37. Nesse sentido, a partir de MartínBarbero (2014), é possível entender que o idioma não é empecilho para a troca entre indivíduos,
uma vez que o autor entende a fala como uma atitude dialógica, em que
falar não é somente se servir de uma língua, mas pôr um mundo em comum, fazê-lo lugar
de encontro. A linguagem é a instância em que emergem mundo e homem ao mesmo
tempo. E aprender a falar é aprender a dizer o mundo, a dizê-lo com os outros, a partir da
experiência de habitante da terra, uma experiência acumulada através dos séculos
(MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 30).
Assim, Paulo Freire entende que a educação, para ser transformadora, necessita lançar mão
do diálogo como forma de problematizar a realidade, afirmando que “A educação problematizadora
se faz assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente,
111
como estão sendo no mundo com quem e em que se acham” (FREIRE, 2011, p. 100). E essa atitude
favorece a compreensão acerca do outro, de sua linguagem e experiências.
E é nesse entendimento que reside a condição ideal para que o jovem elabore um discurso
próprio, possibilitado pelo encontro entre o discurso do outro e sua própria realidade. Bakhtin (apud
Bezerra) afirma, inclusive, que os discursos próprios carregam em si uma multiplicidade de
discursos aprendidos, criados e ressignificados pelos sujeitos ao longo da vida, o que conceitua
como polifonia, que prescinde convivência e interação.
O que caracteriza a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes
que participam do processo dialógico. Mas esse regente é dotado de um ativismo especial,
rege vozes que ele cria ou recria, mas deixa que se manifestem com autonomia e revelem
no homem um outro “eu para si” infinito e inacabável. Trata-se de uma mudança da posição
do autor em relação às pessoas representadas, que de pessoas coisificadas se transformam
em individualidades (BEZERRA, 2013, p. 194).
A multiplicidade de vozes que constituem o discurso próprio do indivíduo faz parte dos
processos de mediação vividos ao longo da vida, da formação que o sujeito tem e que fazem sentido
em sua realidade. Em outras palavras, os discursos próprios são resultado da interação efetiva do
sujeito com outros discursos, tendo a realidade concreta como mediadora desse processo. Assim,
Martín-Barbero entende que o sujeito apenas consegue construir o próprio discurso a partir de
quando o discurso do outro faz sentido e, por isso, consegue ressignificá-lo em um discurso próprio.
Aprendendo a dizer sua palavra, o homem penetrou a própria trama do processo histórico.
Em vez de se submeter a uma repetição e memorização mecânica, oca, de palavras ditadas
de cima e de fora, o homem aprende a “admirar” sua cultura, primeiro passo para recriá-la,
para sentir-se criador. A pedagogia converte-se em práxis cultural, posto que a cultura é
invenção de formas e figuras, sons e cores, que, enquanto a expressam, transformam a
realidade (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 41)
Parte significativa dos adolescentes que participaram da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil foram orientados a participar do evento não para produzir notícias em diferentes
linguagens midiáticas, mas para participar politicamente das discussões. No total, a Viração
envolveu 21 adolescentes na atividade de cobertura, dos quais 10 acompanharam os debates com a
finalidade de produzir uma declaração com uma posição política dos adolescentes sobre a questão
37
A entrevista com Kaillash Sathyaste contou com a tradução simultânea de uma jornalista parceira da Viração que
112
do trabalho infantil no mundo. No entanto, mesmo participando desse grupo, os adolescentes
acompanharam as entrevistas coletivas com Tereza Campello e Kaillash Sathyaste e outros
momentos de produção midiática que oferecesse a eles subsídio para escrever essa declaração.
É interessante notar que essa declaração é um texto com claro posicionamento crítico dos
adolescentes, característica não encontrada nos conteúdos noticiosos produzidos durante a
conferência. Chama a atenção, inclusive, a diferença de atuação entre os participantes desse grupo
para os demais jovens, mais envolvidos na produção midiática de textos, fotografias, vídeos e
podcasts. Os jovens do grupo de participação política acompanharam mais os debates com a
finalidade de compreender as discussões para construir um posicionamento, evidente no primeiro
trecho da Declaração dos Adolescentes Participantes da 3ª Conferência Global sobre Trabalho
Infantil, reproduzido a seguir.
Durante esses três dias de encontro, estivemos presentes para reforçar a ideia de que temos
um papel fundamental na construção de políticas públicas para acabar com o trabalho
infantil no mundo.
Temos um jeito diferente do adulto de ver e sentir o mundo. Assim como o idoso. Muitas
vezes, os adultos só lembram do que fizeram de ruim e feio quando eram adolescentes.
Nós temos muita energia e vontade, mas ainda precisamos de adultos que nos incentivem e
criem outras formas de nos incluir na formulação de políticas para nós adolescentes. Para
estimular a nossa participação é necessário criar espaços para que isso venha acontecer.
Muitas vezes, em nossa própria casa, somos incentivados a trabalhar desde muito cedo. E o
que fazer em uma situação como essa? Quando conseguimos entender e acessar nossos
direitos, também conseguimos interferir em pensamentos e condutas de nossas famílias,
que embora queiram o melhor para nós, às vezes podem não estar certos o tempo todo.
A declaração foi lida na íntegra por dois adolescentes integrantes do grupo de participação
política em plenária, diante de autoridades do governo federal e militantes do mundo inteiro
presentes na conferência. Além da leitura, os outros conteúdos produzidos foram apresentados por
representantes de cada grupo que trabalhou linguagens midiáticas específicas durante a conferência.
O texto da declaração demonstra posicionamento por parte de seus autores, a respeito da
relevância da participação política de crianças e adolescentes nos espaços de discussão formal. A
declaração apresenta ainda uma posição problematizadora dos adolescentes, quando questionam o
que fazer quando incentivados a trabalhar desde cedo, uma vez que entendem possuírem direitos –
deixando implícito que o trabalho infantil trata-se de uma violação aos seus direitos – e que seus
participou do evento, mas não integra a equipe de educomunicadores da organização.
113
pais, muitas vezes, não comungam desse entendimento, tomando decisões contrárias ao que é
correto. O texto é também crítico ao deixar entender, no segundo parágrafo, que o adulto costuma
discriminar a adolescência.
Nesse aspecto, observamos que o resultado da dinâmica de participação no evento desse
grupo – destinado à participação política – foi a produção de uma declaração, com notável
posicionamento, opinião e elaboração de propostas. Entretanto, o processo de imersão nos debates
da conferência não poderiam ter resultado em outro produto, igualmente crítico e com clara posição
ideológica, que não fosse um formato tradicionalmente político?
Com base em Charaudeau, entendemos que sim, pois o autor afirma que um dos papeis da
mídia é também comentar, de modo crítico e analítico, o que noticia. Charaudeau entende que
comentar o mundo constitui uma atividade discursiva, complementar ao relato, que consiste
em exercer suas faculdades de raciocínio para analisar o porquê e como dos seres que se
acham no mundo e dos fatos que aí se produzem (CHARAUDEAU, 2013, p. 175).
Isso está em consonância com Freire e Martín-Barbero, ao reportar o significado do
comentário para em um processo educativo ou educomunicativo, definido por Freire como
“criticidade”, e por Martín-Barbero por “aprender a dizer a própria palavra”.
Maingueneau (2013) também chama a atenção para a relação entre discurso e suporte
utilizado para expressá-lo e difundi-lo. O grupo de adolescentes que participou politicamente
elaborou, como produto final uma declaração com a opinião do grupo sobre trabalho infantil e
sugestões de formas de enfrentamento à questão. Já os demais adolescentes produziram notícias e
entrevistas, mas de acordo com a análise feita no capítulo anterior, em apenas um podcast é possível
identificar opinião e comentários críticos por parte dos adolescentes.
Obviamente que o objetivo de envolver jovens em um processo direto de participação
política difere do envolvimento dos outros adolescentes em produção midiática, no entanto, é
possível incorporar ao processo de cobertura a elaboração de discursos críticos. Nesse sentido,
Maingueneau (2013) afirma que o suporte do qual se apropria o indivíduo para expressar-se
modifica o teor da mensagem. Em outras palavras, uma declaração é um produto relacionado à
participação política efetiva, enquanto um texto jornalístico, ainda que crítico, continuará a ter esse
caráter e não terá o mesmo significado que uma declaração. Assim,
114
não podemos dizer que, com esses diferentes mídiuns, estejamos lidando com o mesmo
gênero de discurso: as modificações das condições “materiais” da comunicação política
transformam radicalmente os “conteúdos” e as maneiras de dizer, a própria natureza do que
se chama “discurso político” e “política” (MAINGUENEAU, 2013, p. 83).
A educomunicadora Elisangela Nunes, da Viração, que acompanhou o grupo, explicou
como foi a dinâmica de trabalho dos dez adolescentes envolvidos na participação política da III
Conferência Global sobre Trabalho Infantil. Segundo ela, nos primeiros dias do encontro, antes
mesmo do início do evento, ela e outra educadora realizaram uma contextualização sobre trabalho
infantil, com a exibição de vídeos e dados de pesquisa, sobre os quais o grupo debateu. Esse
momento preparatório foi ainda de mapeamento, pelas educadoras, do quanto os adolescentes
estavam inteirados da questão:
As rodas de diálogo e discussão aconteceram com a participação de todos, porém, no dia
de fechar a carta, não estávamos com o grupo completo. Houve muitas disputas para o
fechamento da carta final, tanto por parte do governo, como por parte de algumas
organizações da sociedade civil que queriam trazer suas pautas. Mas quatro jovens
conseguiram acompanhar todo o processo da construção da carta até o final e até se
envolveram nessas disputas. No segundo momento, começamos a levantar e discutir
propostas para os pontos mais críticos levantados pelos adolescentes e pensar estratégias
de participação dos adolescentes na conferência.
A educomunicadora destaca momentos de “rodas de diálogo e discussão”, que envolveram
todos os integrantes do grupo de participação política, a fim de que compartilhassem as
compreensões individuais acerca dos debates realizados durante a conferência e, posteriormente,
definirem posicionamentos com relação ao enfrentamento ao trabalho infantil. É interessante notar
que a educomunicadora chama a atenção para “disputas” de interesse em torno da declaração final,
em que outras instâncias sociais, presentes no evento, quiseram intervir:
Chegamos à redação final nessa disputa, com as educomunicadoras tentando ao máximo
que a carta tivesse a voz dos adolescentes, sendo que a sociedade civil queria incluir suas
pautas e o governo, querendo modificar a “essência” do que foi construído pelos
adolescentes. Mas acredito que ao final conseguimos garantir 80% das queixas e
demandas levantadas pelos adolescentes naquele espaço.
115
Observamos, com a fala da Elisangela, que a declaração dos adolescentes, além de conter
um posicionamento crítico, é resultado de um processo de negociação entre as educomunicadoras e
alguns dos adolescentes do grupo que mais se engajaram no processo. Mas a educomunicadora
afirma que o tom da carta inicialmente pensado pelos jovens do grupo de participação política teria
sido ainda mais crítico não fosse a intervenção de representantes do governo. Ela entende essa
intervenção como um ato de violência:
Tínhamos que fechar no encontro uma carta final para que os adolescentes realizassem a
leitura. O governo brasileiro queria aparecer como “bonzinho”, como aquele que dá
espaço para o adolescente participar e que tem tido conquista na pauta nos últimos anos.
No caso do discurso dos adolescentes, a carta teria um tom de denúncia, e reivindicação
de espaço para participação.
Violência também é impedir a autorrealização individual, atrasar processos, progressos de
pessoas, coletivos (caso dos adolescentes) ou mantê-los estagnados (sem participação).
Posso estar pegando pesado, mas sinto que isso é pratica comum de órgãos e organizações
que trabalham com adolescentes e jovens. Que em vez de dar voz aos adolescentes e
jovens, os catequizam para carregar suas bandeiras, às vezes até sem dialogo, discussão
construção. Isso é preocupante, mas vivemos mediando isso o tempo todo na Viração.
A declaração de Elisangela demonstra a dificuldade da organização em legitimar, junto ao
governo, a participação do jovem. Além disso, foi possível perceber que o poder público tenta, por
intermédio de uma produção juvenil, transmitir uma imagem condizente com seus próprios
interesses, utilizando-se do discurso de autoria dos jovens e até impondo-lhes um discurso que
interessa às autoridades e instâncias governamentais. Em outras palavras, seria como se os
adolescentes autores da declaração elogiassem o governo de modo espontâneo, sendo que este
interveio na reflexão de modo incisivo. Mas, de acordo com a posição de Elisangela, a Viração
procura mediar para que a produção do jovem não se descaracterize em razão da prestação de
serviço.
No entanto, essa intervenção direta no momento da finalização não foi o único momento em
que o parecer do governo foi levado em conta para a produção da declaração. A jovem Thamires
Rozendo, que integrou o grupo de participação política, afirmou que a entrevista coletiva com a
ministra e com o militante indiano foram momentos importantes para elucidar questões que
auxiliaram na redação dessa declaração, que a jovem chama de carta, em suas respostas. A seguir,
há a transcrição de um trecho da entrevista em que ela faz referência à declaração:
116
E o que você achou das perguntas que vocês fizeram para esses dois entrevistados?
A gente fez o que precisava para fazer a carta. As perguntas que a gente fez para a
ministra e para o indiano ajudaram bastante na elaboração da nossa carta.
Mas como as perguntas ajudaram a vocês a escreverem a carta?
Ajudou para as soluções para acabar com o trabalho infantil. E essas perguntas eles
responderam muito bem. E isso ajudou, porque a carta precisava de várias soluções, que a
gente elaborou com base nas entrevistas.
Mas vocês usaram na carta soluções que eles deram nas respostas deles?
Sim, algumas sim.
O momento de entrevista coletiva, de acordo com a jovem, foi importante para que os
adolescentes do grupo de participação política elaborassem sugestões para as autoridades presentes,
que auxiliem no enfrentamento ao trabalho infantil e favoreçam a participação de crianças e
adolescentes nas discussões referentes ao tema.
Mas, não apenas as declarações durante as entrevistas foram importantes para a elaboração
da declaração, como também o processo de mediação adotado pelas educomunicadoras
responsáveis pelo grupo, que se reunia com frequência para promover a troca de aprendizados e
esclarecer dúvidas quanto ao discurso dos militantes e autoridades presentes na conferência.
A educomunicadora Elisangela diz que os jovens integrantes desse grupo reuniam-se com
ela e sua colega de uma a duas vezes por dia para debaterem as questões levantadas durante a
conferência e que cada conversa durava entre três e quatro horas. O resultado final desse processo
de reflexão foi um texto com claro posicionamento crítico dos adolescentes.
Apesar de haver um grupo de adolescentes orientados para a participação política, o
coordenador da cobertura educomunicativa Rafael Silva entende que a comunicação, por não ser
neutra, é em si um ato político e, por isso, acredita que quando adolescentes exercem o direito
humano à comunicação já estão participando politicamente. Ele afirma:
É participação política, primeiro porque eles se envolveram e, segundo, se eles atingiram a
um público, os próprios amigos em si, talvez eles tenham mobilizado. E essa mobilização
não pode ser entendida como se o jovem que assistiu fosse sair de casa para ir ao
Congresso brigar. Mas essa mobilização consiste em plantar a semente, para que ele
entenda que aquilo é ruim – se essa foi a mensagem do conteúdo – para que, em um
próximo momento em que estiver envolvido com esse tema, consiga trazer aquilo
novamente e, conforme a sua participação em outros espaços, consiga entender que seu
envolvimento vai ser importante.
117
A diretora executiva Lilian Romão concorda, mas considera que participação política vai
além do ato de se comunicar. Ela entende que garantir o direito humano à comunicação favorece a
produção de comunicação e o posicionamento, que são atos políticos, mas é preciso considerar essa
garantia como integrante da participação política, não como participação política em si. Para Lilian,
promover a participação política do jovem está relacionado com várias outras coisas,
entre elas a capacidade de sensibilizar quem dirige, os “fazedores” de política, e esse é um
papel nosso de sensibilização. É papel nosso também indagar os espaços de participação
política com os jovens, porque é claro que esses espaços têm uma construção histórica que
é muito bacana, mas não podemos deixar de ter um olhar crítico para a função, por
exemplo, dos conselhos e fóruns hoje em dia. O jovem que escreve, se manifesta, que faz a
entrevista e sua escolha, que ajuda a editar, enfim, a produção da comunicação é um ato
político. Mas também não é só isso, pois estamos falando de todo um contexto em que
favorecer esses espaços, o acesso e o direito à comunicação é importante para que lá na
frente ele tenha minimamente uma concepção sobre o direito humano a participar da
sociedade.
No entendimento de Dallari (1984), é imprescindível à participação política a tomada de
consciência que, no entanto, não é um processo natural. O autor alerta para a necessidade de
difundir essa “consciência”, com trabalhos educativos de sensibilização para as questões sociais. E,
certamente, todo processo educomunicativo, que visa à transformação social, deve envolver
métodos e mecanismos que despertem a consciência dos indivíduos nele inseridos, a partir do
estímulo à reflexão problematizadora da realidade.
“Assim, pois, para a efetiva participação política o primeiro passo deve ser dado no plano da
consciência. Dado esse passo está aberto o caminho para a plena participação, pois o indivíduo
conscientizado não fica indiferente e não desanima perante os obstáculos” (DALLARI, 1984, p.
43).
Dessa forma, é preciso compreender até que ponto o envolver adolescentes em um processo
de produção de conteúdos midiáticos leva-os, efetivamente, à tomada de consciência e,
consequentemente, à mobilização de outros adolescentes e jovens por meio de ferramentas da
comunicação.
6.7. Retomada das hipóteses
118
Considerando o exposto até este momento, retomamos as hipóteses levantadas no capítulo
anterior para tecer considerações sobre cada uma delas, no sentido de auferir-lhes legitimidade ou
de relativizá-las a partir das leituras possíveis dos indicativos expostos no decorrer da pesquisa.
(1) A cobertura educomunicativa é uma instância da comunicação institucional do evento
e, como tal, reforça o discurso oficial.
Com base na fala dos gestores, observamos que há um vínculo entre a cobertura
educomunicativa e a comunicação institucional do evento, em razão do caráter de prestação de
serviço. Conforme a declaração do coordenador Rafael Silva, de que a Viração, enquanto
realizadora da cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, estava
“pró-governo”, indica que o posicionamento da organização era de parceria com a OIT e
ministérios co-realizadores do evento.
Ademais, a própria presença dos logotipos do evento, da OIT, do governo federal, da
Agência Jovem de Notícias e da Viração juntos, dispostos lado a lado no rodapé do boletim
impresso #SacaSó já é um indicativo de parceria e institucionalidade estabelecida. Também nos
vídeos, observamos a logomarca do evento ao final da edição, no entanto, não constam as dos
realizadores.
Pela
análise
realizada
dos
conteúdos
produzidos,
observamos
o
caráter
mais
institucionalizado das produções na maior parte dos conteúdos produzidos, pois se identifica, em
sua redação, uma forma de enunciação definida como “dito relatado” por Charaudeau, em que o
texto limita-se a contar o que um enunciador afirmou em determinado contexto, o que, para o autor,
demonstra adesão ao discurso do enunciador. Além disso, o coordenador da cobertura justifica a
ausência de contraponto nas notícias ao afirmar que “o outro lado não estava ali”, no sentido de que,
no espaço da conferência, os jovens não teriam contato com opiniões diversas ao pensamento
predominante naquele espaço.
(2) Os conteúdos produzidos no contexto de coberturas de eventos institucionais
reproduzem os discursos oficiais e, no contexto das notícias produzidas, não são
reelaborados, questionados ou problematizados.
119
O reforço do discurso oficial é notável nos conteúdos produzidos, especialmente em vídeo,
evidenciado pelo formato de entrevista, em que o adulto responde a uma questão da jovem, sem
réplica por parte da entrevistadora, o que demonstra que não se estabelece um diálogo efetivo, mas
apenas respostas a questionamentos ensaiados. No entanto, observamos que esse reforço não é
intencional. Ocorre em razão da dificuldade da jovem em desconstruir o discurso excessivamente
técnico e burocrático do adulto.
Na linguagem escrita, no entanto, observamos que o discurso do adulto é reelaborado para
se constituir em uma notícia que segue o formato de dito relatado. Em outras palavras, os textos
demonstram que os discursos dos adultos passaram por uma reelaboração, no entanto, não se
observa posicionamento crítico com relação às falas presentes nas notícias escritas pelos jovens,
conforme prevê a proposta de cobertura feita à OIT.
A reprodução da fala oficial ou sua reelaboração em forma de dito relatado denota a falta de
habilidade ou conhecimento dos adolescentes acerca dos termos técnicos abordados pelos adultos e
sobre as instâncias governamentais e da sociedade civil que discutem a questão da erradicação do
trabalho infantil. Isso condiz com a fala do próprio coordenador Rafael Silva, que destacou a
dificuldade da jovem entrevistadora em apresentar o entrevistado Antonio de Oliveira, ou quando
chama de “linguagem diferenciada” o tipo de construção de suas produções midiáticas dos jovens.
Não se observou que a reprodução do discurso oficial não seja uma orientação dos
educomunicadores ou de um acordo pré-estabelecido entre Viração e contratante, nem mesmo a
tendência ideológica da Viração Educomunicação. É preciso destacar, no entanto, que o formato de
entrevista utilizado nos conteúdos audiovisuais ajuda a reforçar o sentido de reprodução do discurso
oficial.
Com base em Charaudeau (2013) e da análise feita, entendemos que esse gênero reforça a
institucionalidade do produto audiovisual, uma vez que dá notoriedade a um determinado
especialista ou discurso ideológico ou institucional que manifesta, porque lhe é concedido um
espaço na mídia. Outro aspecto que reforça essa tendência são as perguntas ensaiadas previamente,
que limitam e, diríamos, impossibilita uma interação de fato com o adulto, criando em cerceamento
quanto à possibilidade de o jovem rearticular as falas dos entrevistados em um novo discurso, o que
se observa nas notícias produzidas em texto, em que seus autores utilizam da técnica do dito
relatado.
120
(3) Os educomunicadores atuam mais no sentido de orientar a produção midiática, com
vistas aos conteúdos a serem produzidos, do que no auxílio à interpretação e
compreensão da fala do adulto, para que o jovem construa um discurso próprio por
meio de linguagens midiáticas.
Observamos a necessidade de um processo que facilite a compreensão dos jovens acerca das
falas dos adultos. No entanto, a facilitação do educomunicador direciona-se ao exercício de práticas
midiáticas e não, especificamente, à compreensão e debate acerca da fala do adulto, o que poderia
favorecer o entendimento do contexto pelo adolescente e, consequentemente, a elaboração de
informações de forma que o jovem comunicador sinta-se apropriado para a tarefa de ser
comunicador no evento. A jovem Thailane Oliveira, participante da cobertura, demonstrou, em uma
de suas declarações, a necessidade de vivenciar mais o evento para a produção de conteúdos mais
profundos e qualificados.
Observamos, com isso, que a metodologia aplicada pela Viração entende que a produção de
mídia por parte dos jovens é, em si, uma oportunidade de interação com o adulto. No entanto,
notamos que o encontro promovido entre jovem e adulto, nesse contexto, não promoveu
efetivamente o diálogo, a compreensão, a troca entre sujeitos, de acordo com a concepção de
Bakhtin/Volochinov (2002) e de Freire (2011). E, com base em Wolton (2011), foi possível
observar que o foco na produção de informação leva ao que chama de “incomunicação”. Em outras
palavras, o excesso de informação inviabiliza a reflexão acerca da infinidade de conteúdos que os
sujeitos recebem cotidianamente.
Semelhantemente, em um contexto de cobertura educomunicativa, conceber uma
metodologia em torno da produção de mídia e não como finalidade de um processo de imersão é
valorizar a urgência pela informação em detrimento da lentidão que um processo
educativo/comunicativo requer. A partir do autor, portanto, é possível compreender que a
informação aprofundada pode ser consequência de um processo comunicativo (de interação) entre
indivíduos.
A ausência de um ambiente mais dialógico, no entanto, pode ser reflexo da própria condição
de prestação de serviço e da quantidade de conteúdos acordados entre Viração e contratante, uma
vez que consideram a cobertura realizada por militância mais livre que a cobertura como prestação
121
de serviço. Talvez por esse motivo, os gestores da organização entendem que o papel da equipe de
educomunicadores seja facilitar a produção midiática. E, uma vez que o foco esteja na produção, o
educomunicador não percebe a necessidade de desconstrução do ethos de comunicador, para que o
adolescente atue nessa perspectiva com a espontaneidade necessária para a mobilização de outros
jovens para a temática coberta.
Assim sendo, reconhece como “linguagem jovem” o amadorismo e a falta de habilidade do
jovem, que mantém na mensagem de sua autoria a inabilidade de se posicionar diante da câmera e
frente a um entrevistado adulto. Nesse sentido, os próprios jovens inseridos nesse processo afirmam
que os educomunicadores tiveram uma conduta mais voltada ao aspecto técnico, de formatação (não
formulação) de questões, além do papel de revisão e edição do conteúdo, abordado pelo
coordenador.
(4) Os jovens não imprimem uma identidade efetivamente jovem ao assumirem o papel de
comunicadores em um evento predominantemente adulto e, dessa forma, a
mobilização de outros jovens para a temática do evento coberto fica comprometida.
Em razão do tipo de mediação do educomunicador, consequência do foco em produção
proposto pela metodologia de construção da cobertura educomunicativa no contexto da prestação de
serviço, a própria elaboração de um discurso noticioso com característica jovem fica comprometido.
A pesquisa de recepção realizada com quatro jovens de São Paulo demonstrou que a linguagem
técnica do adulto não foi transformada pelos jovens comunicadores. A maioria dos jovens
entrevistados para a pesquisa de recepção efetuada, inclusive, não compreendeu ou entendeu a fala
do adulto de modo equivocado.
Observamos a dificuldade de reflexão acerca dos discursos dos adultos para a criação de um
discurso próprio mais especificamente na linguagem audiovisual. Nas demais linguagens midiáticas
isso não se evidencia, mesmo porque a pesquisa de recepção não foi aplicada com base nas outras
linguagens.
O ethos de repórter televisivo tradicional é assumido pelo adolescente e não é desconstruído
durante o processo educomunicativo, o que comprometeu a identificação da entrevistadora como
adolescente por seus pares, também jovens, que assistiram ao conteúdo audiovisual, atribuindo a ela
122
uma idade superior, em razão não de sua aparência física, mas da maneira como se colocou no
vídeo.
A fala da jovem Thamires Rozendo, reforça a assunção desse ethos, uma vez que entende a
educomunicação, a partir da vivência que teve em Brasília, como uma forma de se comunicar com
os adultos como “se a gente fosse da mesma – como é que eu posso dizer? – sociedade, como se
fosse de adulto para adulto”.
123
7
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
A presente pesquisa discutiu a metodologia e a realização das atividades de jovens durante a
III Conferência Global sobre Trabalho Infantil e observou fragilidades da cobertura
educomunicativa então realizada. Tais fragilidades se manifestam na recepção dos conteúdos
produzidos e no próprio paradigma considerado em sua metodologia, com ênfase na produção de
conteúdos midiáticos. Dessa forma, entendemos a necessidade de revisão do modelo que centraliza
na informação a vivência educomunicativa, em vez de colocá-la como finalidade de um processo
comunicativo/educativo, dialógico, portanto.
Com vistas à criação de espaços de diálogo no contexto da cobertura educomunicativa,
propomos que a Viração estabeleça um ecossistema comunicativo mediado por frequentes
momentos de encontro para troca de impressões entre os jovens sobre o evento. Esses encontros
servirão para a compreensão e reelaboração coletiva dos discursos apreendidos nesses contextos.
Soares (2011) ressemantiza o termo “ecossistema comunicativo”, originalmente de Jesús
Martín-Barbero, para se referir à criação intencional de espaços dialógicos, horizontais e
participativos em ambientes educativos, especialmente para crianças, adolescentes e jovens,
conforme abordado no segundo capítulo deste trabalho.
A atual metodologia de trabalho da Viração, no entanto, fundamenta o seu ecossistema
comunicativo na produção noticiosa, uma maneira de aproximar adolescentes e adultos, nesse
contexto. No entanto, conforme visto anteriormente, essa aproximação não garante, em todos os
momentos, o diálogo e o entendimento do discurso do adulto por parte do jovem comunicador.
Assim, a partir desse conceito de Soares, propomos a criação de uma metodologia focada na
comunicação enquanto processo educativo, tendo a produção midiática como finalidade, como
modo de registro da vivência educomunicativa e sistematização de sua compreensão da temática,
possível graças à interação com os atores presentes no espaço do evento coberto e, principalmente,
pela problematização dos discursos com os quais os jovens tiveram contato, a partir da mediação
exercida pelos educomunicadores da organização.
124
Nesse sentido, observamos a necessidade de que os educomunicadores sejam capazes não
apenas de facilitar – de modo dialógico, horizontal e democrático – a produção midiática, mas
tenham ainda a sensibilidade para exercer o papel de mediadores culturais, capazes de buscar, junto
ao jovem, descobrir a significação do desconhecido – do linguajar técnico e burocrático do adulto –,
para que conhecedor da formalidade que regem algumas relações adultas, o jovem, sem relegar sua
identidade nesses momentos, seja de fato o comunicador-mobilizador capaz de sensibilizar outros
jovens, que se reconhecem nele e a partir dele descobrem o novo.
É a proximidade e facilitação do educomunicador em estimular a busca conjunta por
respostas, de modo espontâneo, que garantirá ao produto midiático a leveza e a clareza necessárias à
mobilização de outros jovens.
Entendemos que esse processo fará com que os conteúdos produzidos sejam mais críticos
e/ou analíticos, fruto de compreensão e posicionamento coletivos, e que as entrevistas com
especialistas e autoridades terá o caráter de conversa com o adulto, em que o jovem entrevistador,
ciente do tema recém-debatido em grupo, terá condições de colocar-se enquanto sujeito
questionador junto ao adulto. O caráter de “cobertura”, ancorado na perspectiva jornalística, não
será desconsiderado, uma vez que a proposta continuará sendo a produção de conteúdos noticiosos
que, no entanto, não mais regerá o processo.
Por isso, com essa proposta, compreendemos a importância de rever a quantidade de
conteúdos propostos aos contratantes da Viração, destacando profundidade dos materiais resultantes
do processo, em vez do número de produtos midiáticos a serem entregues.
Observamos que, durante a experiência da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, a
atribuição dada à Viração de trabalhar com parte do grupo de adolescentes com vistas à participação
política fez com que a organização desenvolvesse um método de trabalho voltado à sensibilização
dos jovens à temática, que ocorreu não apenes previamente à conferência, mas principalmente
durante o evento, uma vez que o objetivo desse grupo era se posicionar politicamente durante e
também por meio de uma declaração, com evidente posicionamento político. E para atingir esse
objetivo, seria necessária uma reflexão mais aprofundada na questão.
A presente proposta sugere, portanto, que esse método se estenda à produção midiática. Isso
porque, a metodologia sugerida entende a necessidade de que a experiência do evento não seja
condicionada ou limitada pela proposta da cobertura educomunicativa, mas que a cobertura
125
aconteça na medida em que os jovens vivenciem as discussões e as problematizem junto aos
educomunicadores e colegas. Isso é diferente de estar presente em espaços para produzir uma
reportagem, como fazem os jornalistas. Sugerimos que o jovem vivencie a experiência de um
evento e que ela se manifeste, com coerência, em conteúdos midiáticos.
Imagem 05: Ilustração da diferença de concepção entre a metodologia aplicada atualmente e a proposta de
intervenção
Isso não significa, no entanto, que os jovens participem do evento de forma difusa e
desorganizada. Sugerimos, inclusive, que a totalidade de jovens previstos para a atividade se
organize em subgrupos de trabalho, para que possam, ao final de cada processo de discussão
coletiva, produzir uma peça sempre em uma mídia específica ou então, após cada discussão,
produzir um conteúdo em uma linguagem diferente.
Os subgrupos de discussão devem vivenciar coletivamente o evento, participar dos mesmos
debates, realizar anotações, registrar impressões – seja em áudio, vídeo, texto ou fotografia – mas
sem o objetivo de que esse registro seja um conteúdo noticioso final, mas apenas uma maneira de
apreender suas impressões do evento para o momento de discussão e compartilhamento.
126
A depender do evento, os subgrupos podem ainda organizar seus integrantes em duplas ou
trios para acompanharem momentos simultâneos do evento e que, em reunião conjunta com os
demais jovens do subgrupo, todos possam compartilhar o que compreenderam com os demais. A
ideia é que esses momentos de encontro para reflexão sobre o que vivenciaram não se limitem
apenas à troca de ideais, mas também à sistematização coletiva dos aprendizados, gerando,
consequentemente, conteúdos. O resultado da discussão em grupo pode resultar em um ou mais
produtos de comunicação, a depender da real assimilação dos jovens, da troca e do tipo de mediação
adotada pelo educomunicador.
Os educomunicadores devem, portanto, orientá-los ao registro e, quando possível,
acompanhar os subgrupos nesses momentos para que, quando em discussão, entendam a origem do
enunciado dos jovens em roda – expresse ele dúvida, aceitação, concordância, discordância ou
estranhamento com relação ao discurso do adulto.
Nos momentos de conversa, o educomunicador pode fazer uso de flipchart, por exemplo,
para sistematizar a discussão, anotando palavras-chaves e frases do grupo de jovens a fim de que, ao
final da discussão, consigam sintetizar os principais conceitos e aspectos trazidos para que todo o
grupo possa visualizá-los. Entendemos que essa ação de sistemaização facilita o encontro de uma
abordagem para a produção midiática, seja ela em texto, vídeo, podcast ou fotografia, com base no
aprendizado.
Propomos ainda, sempre que possível, que os educomunicadores tenham uma atenção
especial na abordagem e esclarecimento dos adultos entrevistados quanto ao caráter da cobertura
educomunicativa. A simples explicação da atividade pode fazer com que o especialista ou
autoridade torne seu discurso e sua postura mais acessível ao jovem.
O que propomos enquanto intervenção é, portanto, um processo sem a urgência que uma
cobertura tradicional jornalística, que fragiliza sua perspectiva educomunicativa, garantindo ao
processo o tempo necessário à reflexão, sendo, em alguma medida, adaptável aos diferentes
contextos em que jovens orientados por educomunicadores da Viração estarão inseridos, nem que
isso resulte em uma escolha consciente da organização em parceria com a contratante ou realizadora
do evento coberto e, se possível, com os jovens, em não assumir a cobertura de todos os espaços de
um evento.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ingresso na especialização em Educomunicação: Comunicação, Mídias e Educação, da
ECA/USP representou um sonho realizado e uma valiosa oportunidade para este pesquisador de
respaldar suas práticas educomunicativas enquanto profissional da ONG Viração Educomunicação.
O interesse em atuar na interface comunicação/educação, perseguida desde a adolescência, se
engrandecia conforme observávamos – ainda sem compreender – o entusiasmo dos jovens em
participar das ações promovidas pela Viração e que tivemos a satisfação de acompanhar.
Durante o curso, os conceitos e teorias estudadas vieram ao encontro não apenas de uma
expectativa profissional de compreender a Educomunicação como fenômeno, mas, sobretudo, de
nosso sonho particular de uma comunicação educativa e transformadora. Foi gratificante observar
com fascínio que esse ele não se limita aos devaneios de jornalista recém-formado, mas já está bem
estruturado em teses de autores que hoje respeitamos, admiramos profundamente e nos quais
buscamos fundamentar nossa visão sobre esse fascinante e promissor paradigma.
A Educomunicação propõe uma mudança de valores, sobretudo nas relações sociais,
procurando, ao menos, torná-las mais horizontais, o que favorece a liberdade dos indivíduos de se
expressar, colocando-se, efetivamente, como sujeitos partícipes. Nessa perspectiva, a Viração
propõe uma metodologia inovadora, pois ao envolver os jovens no processo de produção e vivência
midiática, procura garantir a eles o direito humano à comunicação e à participação cidadã.
Essa metodologia tem promovido a transformação social, pois descortina ao jovem um novo
mundo de possibilidades, adaptável às suas realidades, que envolvem a expressão, o uso da
linguagem jornalística e a mobilização social por meio de simples e acessíveis meios de
comunicação.
No entanto, para que seu caráter seja ainda mais transformador, é preciso atentar para
algumas fragilidades que esta pesquisa conseguiu identificar por meio da análise dos conteúdos
produzidos em uma cobertura promovida pela organização e também pelas entrevistas concedidas
tanto de atores envolvidos em seu processo de concepção (gestores) e execução (jovens
comunicadores), como de jovens na faixa etária à qual se destinam os produtos comunicacionais
realizados nesse contexto (jovens receptores).
128
Observamos que a metodologia da cobertura educomunicativa, por centrar na produção de
informação o processo educomunicativo, baseia-se em uma concepção superada de comunicação,
hoje entendida mais como relação e diálogo do que como produção de informação, cujo excessivo
foco, conforme visto em Wolton, leva à incomunicação. Entendemos, dessa forma, que o problema
metodológico não incide, de fato, na prestação de serviço, mas na metodologia adotada. O que pode
fragilizar ainda mais o processo é a pressão pelos conteúdos, que não existe em uma cobertura por
militância.
A consequência da incomunicação pôde ser identificada pela pesquisa de recepção dos
conteúdos realizados no processo da cobertura educomunicava, uma vez que os jovens receptores
demonstraram não se identificarem com o seu formato, além da dificuldade em compreender a
mensagem, em que o discurso do adulto não foi reelaborada pelo jovem comunicador, em razão da
ausência de interação efetiva entre ele e o especialista entrevistado, outro aspecto da
incomunicação.
Isso, no entanto, não invalida a proposta específica da organização em aproximar o jovem
do processo de produção midiática. O que endossamos, por outro lado, é que a produção de notícias
em linguagens midiáticas permeie a vivência do jovem no evento, mediada pelos
educomunicadores.
Dessa forma, ainda que em um contexto dialógico e horizontal que a metodologia procura
estabelecer entre educomunicadores e jovens, no contexto das coberturas educomunicativas, o
educomunicador deve transcender o papel tecnicista de facilitador de um processo de produção
midiática, criando mecanismos de diálogo com os jovens com vistas à compreensão coletiva do
contexto em que a cobertura se insere, processo sem o qual as informações produzidas terão um
déficit em seu caráter mobilizador.
Com a ampliação da perspectiva mediadora do educomunicador, há um ganho duplo para o
processo: a compreensão dialogada do jovem a respeito da temática do evento coberto e produtos
midiáticos, resultantes do processo, que transparecerão a profundidade da compreensão do
adolescente. Além disso, nessa mediação estabelecida, os jovens, com a facilitação do
educomunicador, tentam reelaborar a discussão formal a partir de seu próprio do grupo de jovens, o
que favorece a reelaboração do discurso do adulto sem perder de vista a identidade juvenil da
129
expressão em linguagem midiática. Isso modifica a recepção do conteúdo, que tem mais condição
de exercer o caráter mobilizador que espera a organização.
Esse olhar que se propõe sobre a mediação a ser exercida pelo educomunicador durante o
processo de cobertura não descarta seu papel de negociador junto ao órgão contratante da iniciativa,
de tornar o espaço formal das conferências cobertas mais amigável à participação de adolescentes e
jovens.
No entanto, levando-se em conta os processos de mediação pelos quais os organizadores do
evento passaram e estão condicionados, é preciso refletir se cabe, de fato, ao educomunicador
incidir na estrutura burocrática nas quais se baseiam esses espaços em vez de concentrar energia em
desconstruí-lo junto aos jovens participantes, apropriando-os para vivenciá-lo tal como ele é, no
entendimento de que essa estrutura tem um porquê de ser e que sua transformação depende mais de
novos processos de mediação com outros atores sociais do que apenas a tentativa imediata de
sensibilização dos gestores.
É junto ao jovem, na experiência educomunicativa de entendimento dessa estrutura e dos
discursos que a permeiam, que reside uma forma de mediação que visa a sua sensibilização e
criação de uma consciência voltada à transformação. Assim, quem sabe dessa forma, quando o
jovem de hoje se tornar adulto gestor do futuro, tenha também a sensibilidade de repensar as
engessadas estruturas do Estado, que mais intimidam que estimulam o jovem à participação
política.
130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/educação e a construção de nova variável histórica In:
CITELLI, A.; COSTA, M.C. Educomunicação. Construindo uma nova área do conhecimento. São
Paulo: Paulinas, 2011, 31-41.
_________________________. Palavra e discurso. São Paulo: Ática, 2007.
BAKHTIN, Michail; VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Hucitec, 2002.
BARROS FILHO, Clóvis. Ético na comunicação. São Paulo: Summus, 2003.
BEZERRA, Paulo. Polifonia In: BRAIT, Beth (org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2013, 191-200.
BONA, Nívea; CONTEÇOTE, Marcelo; COSTA, Laílton. Kaplún e a comunicação popular In:
Anuário Unesco/ Metodista de Comunicação Regional, Ano 11, n.11, jan/dez, 2007, 169-184.
BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2002
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2013.
CITELLI, A. O e BACCEGA, M. A. Retórica da manipulação: os sem terra nos jornais. In:
Comunicações e artes, ECA-USP, nº 20, abr/1989, 23-29.
CITTELLI, Adilson. Comunicação e educação: implicações contemporâneas In: CITELLI, A;
COSTA, M.C. Educomunicação. Construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo:
Paulinas, 2011: 59-76.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1984.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso – aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.
_____________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
131
GROHMANN, Rafael do Nascimento. O Receptor como Produtor de Sentido: estudos culturais,
mediações e limitações In: Revista Anagrama. Edição 4. São Paulo. Junho-Agosto de 2009.
Disponível em: HTTP://www.usp.br/anagrama/Grohmann_recepcao.pdf. Acesso em: 7 mai. 2013.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
LIMA, Venício Artur de. (org.). A mídia nas eleições de 2006. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2007.
LIMA, Venício Artur de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo:
Paulus, 2011.
_____________________. Liberdade de expressão X Liberdade da imprensa. Direito à
comunicação e democracia. São Paulo: Publisher Brasil, 2012.
LIPPMANN, Walter. Estereótipos In: STEIMBERG, CH (org). Meios de Comunicação de massa.
São Paulo: Cultrix, 1980, 149-159.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2013.
MARCONDES FILHO, Ciro. Ser jornalista. A língua como barbárie e a notícia como mercadoria.
São Paulo: Paulus, 2009.
MARTÍN-BARBERO, J.; REY, German. Os exercícios do ver. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2009.
_________________________. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014.
MIOTELLO, Valdemir. Ideologia In: BRAIT, Beth (org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2013, 167-176.
MUNGIOLI, Maria. Cristina. Palma.. Minisséries Brasileiras: um lugar de memória e de (re)escrita
da nação. In: CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva; BACCEGA Maria Aparecida. (Org.).
Comunicação e consumo nas culturas locais e global. 1'ed.São Paulo: ESPM, 2009, v. , 578-603.
OROZCO-GÓMEZ, Guillermo. Comunicação, educação e novas tecnologias: tríade do século XXI
In: CITELLI, A.; COSTA, M.C. Educomunicação. Construindo uma nova área do conhecimento.
São Paulo: Paulinas, 2011, 159-174.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.
132
OROZCO-GÓMEZ, Guillermo. Professores e meios de comunicação: desafios, estereótipos In:
Comunicação & Educação. Edição 10. Setembro-dezembro de 1997, 57-68.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2012.
PROETTI, Amanda. Viração: experiência epistemológica da educomunicação. Monografia de
especialização. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011.
SILVA, Rafael Alves da. Projeto Coberturas Educomunicativas do processo da III
Conferência Global sobre Trabalho Infantil. Viração Educomunicação: São Paulo, 2013.
_____________________. Relatório: Cobertura educomunicativa da III Conferência Global
sobre Trabalho Infantil. Viração Educomunicação: Brasília, 2013.
SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação.
Contribuições para a reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas, 2011.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação. Diversidade, descolonização e redes. Petrópolis:
Vozes, 2012.
VIRAÇÃO. Guia de educomunicação. Conceitos e práticas da Viração. São Paulo: 2012.
Disponível em: http://issuu.com/portfolio_viracao/docs/guia_educomunicacao. Acesso em:
12.out.2013.
_________. Relatório de atividades. São Paulo, 2012.
_________. Relatório de atividades. São Paulo, 2013.
WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2011.
YIN, Robert. Estudo de caso. Planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
133
ANEXOS
134
ANEXO 1 - ENTREVISTA COM LILIAN ROMÃO, DIRETORA EXECUTIVA DA
VIRAÇÃO EDUCOMUNICAÇÃO
Lilian, em que momento da história da Viração a organização começou a fazer coberturas em
caráter de prestação de serviço?
Quando eu cheguei na Viração em 2009, ela já tinha algumas experiências, mas que não
caracterizavam, necessariamente, prestação de serviço apenas. Naquele momento tinham muitos
eventos, momentos específicos, em que a chamada para uma ação de cobertura da Viração também
tinha a ver com alguns objetivos também de cobertura da Viração. Os Jogos Panamericanos, eu me
lembro do Fórum Mundial de Combate à Exploração e Violência Sexual de Crianças e
Adolescentes, que foi uma grande experiência e que conciliou um pouco disso. Então, a Viração
entrou como uma parceira responsável por mobilizar e a forma de mobilizar também foi fazendo a
cobertura com os jovens. Neste momento em que eu estive aqui, começaram a surgir outras
demandas, que não diziam, necessariamente, respeito a eventos direcionados para jovens ou que
debatiam direitos, à frente do evento em si. Então, foi um momento em que outras iniciativas e
organizações começaram a nos procurar por causa da experiência de cobertura jovem. Eu me
lembro, por exemplo, da cobertura do evento do SESC, que foi um momento, inclusive, em que o
pessoal disse que era um evento totalmente voltado para adultos e a Viração foi convidada para
fazer a cobertura pela característica de envolver jovens e conseguir fazer a cobertura com outra
dinâmica.
E para você, o que é uma cobertura educomunicativa?
Aí eu acho que vou misturar vivência com concepções. Acho que a cobertura educomunicativa está
relacionada a um processo de mobilização e diálogo, de vivência específica, naquele momento
pontual, sobre o tema que se debate e de comunicação. Hoje em dia, isso é muito facilitado porque
as técnicas de comunicação não são mais mito. Antigamente, pegar uma câmera, fazer uma
gravação em áudio parecia um mito, algo totalmente distante. Então, você já tem uma interatividade
maior, uma coisa mais próxima. E quando você fala da cobertura educomunicativa, ela traz um
pouco disso, de vivenciar as técnicas dentro de um processo que vai possibilitar ao jovem conviver
e produzir em grupo, pensar e vivenciar o evento de outra forma, colocando-o em um papel de ação
dentro desse evento.
Em algum momento, houve algum tipo de receio por parte da Viração em adotar esse modelo
de cobertura?
É um modelo que foi se construindo ao longo do tempo. Da experiência que eu tenho junto à
Viração, por exemplo, no Fórum Social, foi uma experimentação. A ideia de chegar em um evento,
reunir jovens que estavam lá e fazer uma cobertura, desbravou um outro espaço, um outro lugar. E a
Viração tem um ganho quando não coloca muito empecilho ou medo de experimentar determinadas
ferramentas. Se analisamos isso como uma história, podemos pensar que temos uma habilidade
técnica, um conhecimento de lidar com situações como essas, planejando, medindo proporções,
conseguindo encarar eventos internacionais e também conseguindo encarar eventos locais, de
poucas horas. Acho que, por exemplo, hoje, a gente não precisa lidar com tanta experimentação
mais. Hoje a gente já consegue, em uma cobertura, desenvolver vários produtos com qualidade e
135
com uma capacidade de lidar com a produção disso. Mas não é só isso. Também tem a capacidade
dos educomunicadores de lidarem com isso e com os jovens, de não intimidá-los e não se perderem
no meio do processo, trazendo uma característica muito mais próxima, mas vivencial com o
adolescente e com o jovem que está no evento.
Existem diferenças entre uma cobertura educomunicativa feita por militância e uma
cobertura educomunicativa feita sob de prestação de serviço? Se existem, quais seriam elas?
Na prestação de serviço, há a elaboração de um projeto. Então, há objetivos muito específicos,
produtos a produzir, um processo metodológico a cumprir, prazos, está estabelecido um
planejamento, execução e, após, avaliação e relatório. Acaba sendo bem diferente, porque quando
você faz isso por militância, você tem mais capacidade para lidar com dinâmicas outras que podem
não estar previstas. É uma coisa mais livre, que você vai construindo, vai negociando com os
jovens. Geralmente, na prestação de serviço, você tem números de jovens que vão participar,
lugares em que eles vão ficar, há toda uma dinâmica pensada anteriormente, planejada e que
envolve, inclusive, custos, que você tem outra responsabilidade, não apenas de vivência e
formativa. E tem a parte, de fato, de envolver esses jovens na produção dos materiais. Há um
diferencial bem grande.
Então, eu poderia afirmar que uma cobertura feita sob prestação de serviço tem mais
limitações do que uma cobertura feita por militância?
Ela tem itens pré-estabelecidos. Se, por exemplo, é um tema que está muito próximo do processo de
formação do jovem, a Viração, institucionalmente, também tenta dar conta de uma demanda de
produção de comunicação. Há eventos em que estão os jovens, mas também a equipe que, em parte,
fica responsável por produzir alguns conteúdos, porque existe uma meta relacionada ao conteúdo ou
tema debatido no evento. Então, eu acho que há diferenças de um lugar pré-estabelecido, o que você
vai fazer naquele espaço, o que pode ser completamente planejado pela organização ou a partir do
que os jovens pretendem fazer de comunicação.
No caso da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, os jovens que participaram da
cobertura não são jovens que participam dos processos de formação da Viração. Você acha
que haveria diferença no processo e nos conteúdos produzidos se a cobertura fosse realizada
por adolescentes e jovens que já tivessem envolvimento anterior com comunicação?
Eu acho que sim, seria uma diferença natural do processo formativo mesmo. Mas sendo uma
prestação de serviço, ela é pensada para lidar com esse jovem que vai participar do evento. A
Educomunicação foi o método, a estratégia apresentada pela Viração, mas poderiam haver outros,
como a arte-educação. No nosso caso, a proposta foi produzir comunicação e vivenciar a
comunicação dentro de uma realidade. Eles, não necessariamente vão para lá pensando em produzir
comunicação, mas esse é o lugar específico da organização, de ter habilidade para lidar com o
heterogêneo, mas é esse grupo que vai fazer com que o trabalho gere resultados. Se você vai com
um grupo livre para fazer cobertura, você não tem esse compromisso de atender, especificamente,
os jovens que vão lá. Então, nesse caso, a participação deles é livre. Mas, com esses adolescentes, a
característica é outra. O educador é um educomunicador, um facilitador que tem o papel de orientar,
dialogar, facilitar o processo, vivenciando o evento a partir do jovem, não pela organização ou por
136
ele mesmo. A característica da prestação de serviço dá outra conotação, outro tempo e outra forma
de olhar para esses momentos.
E por ser uma prestação de serviço, a intenção da cobertura é ser uma instância da
comunicação institucional do evento?
Geralmente, as pessoas vinculam, inevitavelmente. Quem está contratando para fazer a cobertura do
evento não vai querer que alguém vá lá e detone, embora isso não fique estabelecido. Quando
acontece alguma coisa muito específica, isso fica estabelecido no objetivo, por exemplo, fazer
assessoria ou cobertura institucional do evento e, quando isso é um objetivo, o parceiro se
manifesta. Se a gente não concordar nós dizemos que não poderemos prestar o serviço. Mas a maior
parte das vezes, a gente dialoga, porque o processo educomunicativo também é um espaço de
expressão, um espaço em que, muitas vezes, os jovens estão desbravando outros espaços com os
gestores. Não são os jovens que têm que ter determinadas barreiras e concepções quebradas, mas os
gestores precisam ter concepções desconstruídas sobre a participação do adolescente e do jovem,
porque a gente também se acostumou com o fato de quem fala é o adulto, o jovem escuta e acata, se
não acata, é rebelde. São concepções que a nossa sociedade tem, então, quando fazemos isso como
prestação de serviço, antes, quando planejamos com o parceiro, procuramos estabelecer esses
momentos, em que ficarão estabelecidos papeis com clareza, inclusive o da Educomunicação. Não
temos como controlar a pergunta que o jovem vai fazer para a ministra, se ele quiser chegar na hora
e fazer uma determinada pergunta, ele faz. O nosso trabalho é fazer com que ele se empodere, para
chegar e fazer a pergunta de acordo com princípios éticos, morais e da ética da comunicação, além
do conteúdo: como se pensa e se planeja o conteúdo, quem vamos entrevistar e, depois da vivência,
vamos experimentando outras coisas, principalmente por causa da vivência do parceiro sobre aquela
experiência e não necessariamente sobre a nossa vivência. Quando os parceiros sentem
determinadas coisas, eles voltam e questionam, propondo coisas novas e, a partir daí, vamos
mediando de acordo com o que foi estabelecido, planejado e construído.
E você considera cobertura educomunicativa quando o jovem comunicador reproduz a versão
do contratante ou do patrocinador do evento ou da cobertura?
Eu não sei se eu consigo fazer essa relação direta, porque eu não sei se em algum momento essa
relação aconteceu, do tipo “eu te contratei para você falar o que eu quero”. Eu entendo que pensam
que contrataram uma organização responsável por desenvolver uma metodologia de comunicação,
educação e vivência com os jovens que vai gerar determinados produtos. Não sinto que em algum
momento isso aconteça de uma forma direta. Tanto que a gente acaba sendo muito provocado e de
várias partes. Perguntam se podemos fazer determinadas coisas com os jovens ou controlar certas
situações e a gente diz que não pode. Então, eu não sei. Existe sim uma pressão por conteúdo, mas a
pressão pela entrega do conteúdo. Por exemplo, o parceiro estabelece um horário para a entrega de
um jornal ou vídeo. Em alguns eventos eles pedem para ver o jornalzinho antes de ser publicado e a
gente diz: “claro” (risos), mas nem sempre dá. Então, eu acho que há uma rebeldia e uma ética,
porque isso é ético também com o jovem e com a metodologia, para de fato dar a liberdade para que
ele fale, senão a gente cai em um lugar em que a nossa própria metodologia pode ser anulada. Por
exemplo, a gente chega na escola e o nosso papel, ao trabalhar com o jovem é incentivá-lo, o tempo
todo, a falar bem da escola? Que capacidade crítica a gente está desenvolvendo? Então, um pouco
137
dessa rebeldia, dessa criticidade é sempre necessária para que eles e também a gente,
independentemente de determinadas coisas, tenha sempre esse posicionamento diante do mundo.
Na proposta de cobertura educomunicativa da III Conferência Global, diz que “a cobertura
educomunicativa é o olhar do adolescente sobre o fato e a oportunidade que possuem de
exporem suas opiniões” sobre o assunto em si. No entanto, a jovem entrevistadora no vídeo
que você acabou de ver se manifesta apenas fazendo perguntas. Por que isso acontece?
É uma vivência da comunicação. Eles debatem a pauta antes, existe um momento que eles
conversam sobre comunicação, como fazer o vídeo e eles definem quem eles vão entrevistar. Eu me
lembro que durante a Conferência, inclusive, eles definiam quem ia abordar tal pessoa para chamar
para fazer a entrevista. Então, foram dadas sugestões no primeiro dia sobre entrevistas possíveis,
sobre quem eles gostariam de abordar, a programação foi passada ponto a ponto. Acho que, nesse
caso, é a vivência da comunicação, em que não necessariamente o jovem terá o papel de falar. Mas
a vivência da conferência e dos outros espaços, inclusive da Educomunicação, é também
possibilitar um lugar que possibilite um olhar diante do mundo. Quando você vai fazer uma
entrevista, que entenda que não é só sua fala que vale e nem sempre você está apoderado para falar
de todos os assuntos, mas é preciso escutar para haver noção do contexto e para o jovem isso é uma
questão que a Viração trabalha, quando sai do lugar de jovem protagonista para falar de
participação de jovens, o que significa viver a sociedade com outras pessoas, mesmo sem entendê-la
completamente, mas é por isso que é preciso experimentar, comunicar e vivenciar. Eles não vão
para lá para falar o tempo todo nem para falar o que eles querem ou da forma como eles querem,
mas para um processo de vivência, em que eles vão planejar e fazer isso em grupo. Por exemplo, se
ela dissesse que gostaria de fazer tal coisa e o grupo discordasse, eu tenho certeza de que se
chegaria a um meio termo, em que o grupo decidiria o que é melhor.
E nesse contexto, qual seria o papel do educomunicador?
De facilitar. E ele também tem coisas a oferecer e a receber desse jovem. Nesse caso específico, ele
vai dominando uma área do conhecimento que é fundamental para a prática. É o educomunicador
que vai falar sobre algumas ferramentas de comunicação, sobre uma pauta. Nesse momento, ele tem
esse papel. É uma coisa que, inclusive, o Paulo Freire, nos processos de educação popular, tentava
dizer para os educadores, fossem eles populares ou formais, que é dar espaço às vivências. Levar
um conteúdo é diferente de impor um conteúdo, e o seu lugar é propiciar a troca, entendendo que
não é só você que vai levar conteúdo para o outro, mas é bom não se furtar desse lugar, porque
senão você só se torna um facilitador. E, em momentos específicos, o educomunicador tem o papel
de ajudar o jovem com as técnicas de comunicação e facilitar para que ele saia desses momentos
com uma prática de comunicação.
Como vocês lidam com jovens que têm a opinião discordante daquela da instituição para a
qual a Viração está na posição de prestadora de serviço?
A Viração tem uma postura muito livre com relação a isso, desde o espaço interno dela, o tempo
todo ouvir, não se fechar no mundo, no seu próprio mundinho ou gerar uma arrogância institucional
do domínio pleno do que fazemos. A gestão da Viração tem procurado sempre colocar em prática
um processo democrático, educomunicativo, de escuta, em que não são determinadas pessoas que
definem o que é a organização, mas que é um conjunto de pessoas que, somadas, fazem a Viração,
138
por mais que algumas delas assumam determinados papeis e isso é, inclusive, uma busca, uma
meta, para que as pessoas sejam empoderadas dos seus papeis e, dentro deles, consigam conduzir os
processos de determinada forma, trazendo suas soluções e indagações. E isso é uma busca, no
sentido de que a prática da organização não tenha discrepância com o que a organização quer para o
mundo. Nesses momentos, os educomunicadores acabam funcionando dessa forma, tanto que eles
se reúnem antes do evento ou sob demanda. Nesses grandes momentos, sempre há uma figura que
faz mediações institucionais. Então, temos princípios básicos: os educomunicadores não barram
conteúdos, mas procuram levar todo um processo ético e de vivência também com os próprios
jovens. Isso significa que se o jovem entrevista alguém com uma opinião totalmente contrária é
preciso respeitar essa opinião e agradecer a participação. Da Conferência, especificamente, creio
que lidamos como momentos de tentativas de interferência. Tem muitas coisas que, com bastante
ética e um pouco de ousadia, conseguimos cativar nesses espaços de uma maneira bacana.
Como acontece a mediação do processo para que ele, ao mesmo tempo que atende às
expectativas do contratante cumpra com o papel de estimular o senso crítico por meio da
produção midiática?
Acho que é na metodologia, na intervenção do educomunicador. Há um knowhow institucional, que
está relacionado às pessoas que estão aqui. E essas pessoas trazem suas próprias vivências, formas
de sentir a comunicação e, de certa forma, a postura que a Viração adota nos eventos tem a ver com
esse coletivo, como o grupo que chega lá e o tempo todo está disposto a resolver problemas a partir
do diálogo, a se posicionar politicamente diante dos nossos parceiros, tanto que durante a
Conferência não foi nada fácil mediar expectativas das pessoas com relação à participação dos
jovens. Cada um tinha uma expectativa e nós, da Viração, estávamos no meio, pedindo calma e
lembrando que era a primeira vez que eles colocavam adolescentes para participar. E nem assim
conseguimos suprir as expectativas de todos. Mas eu acredito que todas essas experiências
anteriores e o fato de termos uma equipe que minimamente se prepara anteriormente para estar com
o jovem, estabelecendo as dinâmicas, é uma característica que a gente possui e domina, inclusive
com relação aos tempos em que vamos entregar cada um dos materiais. Outro ponto importante é a
visão crítica que a própria organização tem na preparação do relatório, apontando pontos positivos e
negativos e o quanto eles estavam relacionados à nossa própria atuação e ao posicionamento do
parceiro. Isso não podemos perder de vista, porque é quando exercemos a nossa influência política
de alertar o parceiro para cuidar de determinados processos se ele quer dar espaço ao jovem.
Para você, promover o direito humano à comunicação é o mesmo que promover a
participação política de adolescentes e jovens?
Não, acho que são campos que se relacionam. Promover a participação política do jovem está
relacionado com várias outras coisas, entre elas a capacidade de sensibilizar quem dirige, os
“fazedores” de política, e esse é um papel nosso, de sensibilização. É papel nosso também indagar
os espaços de participação política com os jovens, porque é claro que esses espaços têm uma
construção histórica que é muito bacana, mas não podemos deixar de ter um olhar crítico para a
função, por exemplo, dos conselhos e fóruns hoje em dia. São esses os únicos espaços? Queremos
garantir que os jovens estejam nesses espaços ou queremos construir outros espaços para os jovens?
Não estou anulando uma ou outra possibilidade, mas estou falando de possibilidades. Mas, por
exemplo, os conselhos, algumas vezes, também assumem posturas de reproduzir ou defender
139
determinado governo ou partido. Então, ainda nesses espaços, vamos precisar de todo um processo
de olhar crítico e vivências. Por exemplo, temos um desafio enorme com relação ao conselho de
juventude para tentar favorecer que a participação no Conselho da Juventude seja cada vez menos
partidária e mais cidadã de fato, porque a juventude que chega ao conselho não tem apenas uma
postura partidária, mas tem uma postura política em si. Trata-se de todo um processo para
incentivar a participação política. A democratização da comunicação, trabalhar a questão do acesso
do jovem ao direito humano à comunicação é um ponto dentro desse universo de participação
política. No nosso caso, entendemos que a produção da notícia, o fazer comunicação é, em si, um
ato político. O jovem que escreve, se manifesta, que faz a entrevista e sua escolha, que ajuda a
editar, enfim, a produção da comunicação é um ato político. Mas também não é só isso, pois
estamos falando de todo um contexto em que favorecer esses espaços, o acesso e o direito à
comunicação é importante para que lá na frente ele tenha minimamente uma concepção sobre o
direito humano a participar da sociedade. Mas o direito humano à comunicação é um deles, porque
o direito humano à participação envolve vários outros, que estão relacionados a direitos humanos de
modo geral, ao papel do jovem na sociedade, como ele acessa e interage com a escola, ao papel dele
na família. São vários outros papeis que dizem respeito ao que, no futuro, vai significar o direito
humano à participação desse jovem. E o direito humano à comunicação foi o que escolhemos
diretamente, porque acreditamos que se ele começa a se posicionar politicamente produzindo
comunicação, isso também é uma ferramenta para que ele vá se apropriando para favorecer o direito
dele à participação. Não necessariamente garantirão, mas vão favorecer.
140
ANEXO 2 - ENTREVISTA COM RAFAEL ALVES DA SILVA, COORDENADOR DA
COBERTURA DA III CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL
Em que momento da história da Viração, a organização começou a fazer coberturas no
caráter de prestação de serviço?
Desde quando eu entrei aqui, em 2006, a Viração já fazia isso de forma bem pontual. Uma
cobertura marcante que eu me lembro foi dos Jogos Panamericanos, que foi para o governo.
Começamos um hotsite da Agência Jovem que concentrou todos os conteúdos desse espaço, mas eu
não cheguei a participar desse evento. A minha entrada, inclusive, foi por meio de uma prestação de
serviço, a Revista Escuta Soh, a partir de uma cobertura de uma rede de jovens vivendo e
convivendo com HIV e Aids.
Mas não foi de um evento específico?
A primeira revista sim. Todo conteúdo produzido no evento deu origem à primeira revista, em
2007. Todo conteúdo trazido do evento, eu tive que transformar em texto para poder produzir um
veículo.
E para você, o que é uma cobertura educomunicativa?
Consiste em envolver pessoas não jornalistas, mas que tenham interesse por comunicação e
desenvolvimento social, que estejam atuando no campo político, na militância em diversos assuntos
e que tenham interesse em contribuir de alguma forma. No nosso caso, usamos os veículos de
comunicação para que essa pessoa – criança, adolescente ou adulto – possa usar esse espaço para
poder colocar o que pensa e para poder entender o que pensa. A cobertura envolve algumas etapas.
Antes há uma preparação prévia, quando é possível, uma formação técnica mais aprofundada sobre
determinado assunto, em seguida uma etapa de preparação com informações técnicas sobre a
ferramenta que ele vai utilizar, seja produção de quadrinhos ou de vídeo e a terceira etapa é a
cobertura em si e, dentro dessa ação, tentar envolver um processo crítico, não estar ali por acaso, só
por estar, mas questionando o que o jovem está ganhando com aquilo e o que vai conseguir levar
para os espaços que frequenta.
Houve algum tipo de receio na adoção desse tipo de cobertura?
Em alguns momentos, por parte de alguns colaboradores, é questionado o quanto é importante estar
ali e, inclusive, esse processo. Eu falei das etapas, mas nem sempre elas são garantidas por vários
motivos. Às vezes por que fechamos uma parceria muito em cima e, com isso, não se garante esse
processo de antecipação e aprofundamento, de formação dos adolescentes, e às vezes porque os
adolescentes que participam não são os daqui, da Viração, mas são escolhidos pela organização
parceira. Então, nem sempre é possível garantir essa preparação antecipada, o que gera angústia e
desconforto, que acabam atropelando o processo. Mas de todas as coberturas para as quais a
Viração foi convidada, acho que a Viração nunca chegou a recusar alguma, mesmo porque, das
coberturas das quais participamos, os eventos sempre estão de acordo com o que acreditamos, com
a nossa linha de atuação pelos direitos humanos, então nunca houve necessidade de recusar uma
cobertura até agora, que eu me lembre.
141
Existem diferenças entre uma cobertura educomunicativa feita por prestação de serviço e por
militância?
Talvez a principal sejam os contratempos. Quando temos uma prestação de serviço pensada em
longo prazo, já conseguimos nos planejar um pouco antes. Quando corriqueiramente elas acontecem
em cima da hora, acontece essa diferenciação. As que a Viração se propõe a fazer, conseguimos nos
preparar de forma mais adequada. Organizamos uma reunião de pauta com os jovens, observamos
os que, de fato, estão interessados em cobrir determinados temas. Mas, com a parceria, não. Temos
que cobrir determinados temas porque faz parte do contrato e os jovens às vezes não estão
preparados para as demandas que vão surgindo, demandas que a organização traz e para as quais,
muitas vezes, a Viração não os preparou antes.
E como a Viração lida com esses momentos, especialmente com os jovens?
Enfim, tentamos balancear. Primeiro, ninguém é obrigado a estar no evento. Abrimos o convite e
vemos quais estão interessados. Eles ficam livres para ir ao evento e, chegando lá, apresentamos o
que tem que fazer. Os que estão lá, não podem ficar à toa. Ao optarem por não fazer, acho que
devem sair. A gente não obriga a fazer nada, mas, ao mesmo tempo, precisamos entregar conteúdo.
Então, tentamos envolver os interessados, que querem continuar colaborando, tentando fazer com
que aquilo seja agradável, por mais chato que seja, às vezes.
Você acha que haveria diferença no processo e nos conteúdos produzidos se a cobertura fosse
realizada por adolescentes e jovens que já tivessem tido envolvimento anterior com
comunicação? Isso especificamente quanto à cobertura da III Conferência Global?
Acho que varia de caso a caso. Todo conteúdo da Viração, antes de ir para o site da Agência Jovem
de Notícias ou para a revista, passa pelas mãos de um jornalista. Tem uma segunda revisão,
independente de quem produziu, tenha tido uma formação anterior ou não. O conteúdo é revisado
de qualquer maneira. No grupo da conferência, certamente, se muitos já tivessem participado de
grupos de comunicação antes, o conteúdo sairia bem mais aprofundado. No entanto, eu acredito que
muitos dos que estavam ali não chegaram do nada, tinham um processo de participação em suas
cidades, claro que, em um caso ou outro os conselhos indicaram adolescentes que haviam acabado
de chegar, mas muitos já tinham um processo de militância na área de direitos de crianças e
adolescentes, então tinham um pouco, embora mínima, de propriedade para aquele tema. Tivemos
pouco tempo para formá-los e a forma como tentamos lidar com isso foi garantir que um educador
estivesse próximo a eles em cada momento da produção de conteúdo. Aqui na formação, por
exemplo, já nos sentimos mais confiantes quando um jovem vai fazer uma entrevista sem a nossa
tutela, mas mesmo assim, quando entregam um conteúdo, vai para essa revisão. Então, a principal
diferença é esta: lá, tínhamos que estar do lado deles, tanto é que nos dividimos em grupos – de
rádio, de vídeo, de texto – com um educador para acompanhá-los. Com os jovens daqui, não.
Fazemos a separação de pautas e os deixamos livres, porque sabemos que eles vão conseguir se
virar, justamente por eles terem tido técnicas de entrevista, participado de coberturas anteriores, o
que não elimina essa revisão final. O conteúdo em si acaba saindo com a visão deles.
Para você, a intenção da cobertura educomunicativa é ser uma instância de comunicação
institucional do evento?
142
Quando atrelada a uma parceria, acaba tendo um posicionamento mais claro. Estávamos lá para
cobrir um evento do governo, com participação da OIT, ONU. Não tinha porque, ali, dentro do que
estávamos envolvidos e dos parceiros envolvidos, sermos contra, até porque o evento em si estava
de acordo com o que acreditamos. É claro que teve pautas que não podíamos trabalhar, que eram
mais delicadas e os jovens que estavam participando não estavam tão apropriados do tema para
poder atuar e não cabiam naquele espaço, porque o outro lado não estava presente ali, o que não
impedia também – e isso não ficou impedido pelo contrato – de não fazermos [o contraponto]. Não
teve um “start” da nossa equipe e dos próprios jovens de trazerem o outro lado. Ficamos realmente,
nessa cobertura, pró-governo, mas estávamos envolvidos com o tema e com os parceiros que
trabalhavam com o tema, a própria Viração traz essa temática. Então, a culpa em si não é só da
parceria que foi firmada, mas da equipe em si, que não teve esse cuidado, esse outro olhar, mesmo
porque não teve um conteúdo produzido que teve que ser evitado, com exceção à colocação de
logos, mas isso foi mais uma questão de comunicação institucional do que política.
Mas você acha que isso é positivo para o jovem que participa, especificamente para o jovem
da cobertura da III Conferência Global?
Quando o nosso posicionamento fica claro, não há problemas. Eu não me lembro de, em algum
momento, termos sido contra o governo. É negativo quando isso não fica claro, quando fica nas
entrelinhas. Eu não sei o quanto isso ficou para o jovem. Talvez eu não tenha me atentado para
questioná-los se para eles estava claro que a Viração estava lá com o governo, porque também traz
essa pauta e também porque quer pautar esses governantes para tentar reduzir os números de
trabalho infantil. Isso permeia outros temas que a Viração trabalha. Acho que um momento claro é
quando, na Revista, demos uma matéria contra a redução da maioridade penal, trazendo as nossas
razões. Então, é positivo sim, a partir do momento que o nosso posicionamento fica claro para todos
os envolvidos. É negativo quando fica nas entrelinhas, quando não está tão evidente.
Você considera cobertura educomunicativa quando o jovem comunicador reproduz a versão
do contratante ou do patrocinador?
Não é educomunicativo, mas eu acho que não foi o que aconteceu nesse evento em si. Nós tínhamos
as pautas, definidas entre educadores e jovens, mas a forma como o jovem atuou no evento foi livre.
Tanto é que no vídeo que você enviou, a adolescente que fez a comunicação não sabia o nome do
entrevistado e não sabia a função que ele exercia. Ela diz que ele é do fórum do Ceará. Ela deixou
muito aberto, não conseguiu identificar, deixar claro. Para ela tanto faz se fosse um gestor ligado ao
Ministério do Trabalho, como alguém da sociedade civil, do fórum. Ela queria saber qual a opinião
dele sobre o evento e o que ele trazia para tentar erradicar o trabalho infantil. Nesse caso, não ficou
tão prejudicado, creio eu.
Você tocou num ponto interessante, sobre as perguntas que ela dirige. Como você avalia o
teor dessas perguntas e a recepção delas por esse entrevistado?
Quem não está familiarizado com uma cobertura jornalística feita por adolescentes e jovens
realmente, num primeiro momento, se espanta porque acredita que vai receber um jovem
capacitado, um jornalista mirim, com perguntas técnicas, mais aprofundadas. Mas, uma grande
marca, inclusive, da nossa cobertura, é que a gente tenta trabalhar a linguagem do jovem. A gente
tem a pauta, tenta defini-la com ele e tenta trazer um pouco do contexto do que é aquele evento e de
143
quem ele vai tentar entrevistar. Mas sabemos que ele não consegue captar tudo isso. De alguma
maneira, na cabeça dele, todos os assuntos vão se embaralhar, não vai conseguir definir cargo e não
vai conseguir explicar isso para o público. Então, isso vai ficar muito livre para ele. Mas a recepção,
pelo que eu acompanho, até então tem sido positiva. Não me lembro de nenhum caso que tenha sido
negativa, de um entrevistado que tenha parado a entrevista no meio e tenha saído ou criticado algo.
Ele entende, talvez a partir da segunda ou terceira pergunta, que é de uma forma mais didática, que
é uma entrevista diferenciada de uma mídia tradicional e ele consegue conduzir isso de uma forma
tranquila. Às vezes não percebe e segue com uma linguagem mais técnica e isso é uma grande
discussão que trazemos dos eventos de governo. Por exemplo, o governo é nosso parceiro de
contratação para as coberturas, com o argumento de que a sociedade civil nos questiona e diz que
deveríamos levar mais jovens para esses eventos, só que o governo não garante que aquele espaço
seja apropriado para o jovem estar presente. Queremos levar o jovem, mas o espaço não é adequado
para ele. Os conferencistas continuam usando linguagem técnica, o espaço é chato. Para um jovem
ficar ali o dia todo, realmente, em algum momento, não vai ser interessante para ele, porque falam
numa linguagem que não é interessante. Nos vídeos, ele não consegue reproduzir exatamente o que
ouviu, então acabam trazendo perguntas mais abertas, mais genéricas, do cotidiano de uma pessoa
comum. Esse vídeo reflete muito isso. Então, em um espaço político, de tomada de decisão, o
jovem talvez não consiga se familiarizar tanto porque o espaço não é apropriado para ele. Então,
queremos envolvê-lo nele, reforçando a sua participação, mas o espaço talvez não esteja tão
adequado, e isso se reflete nas perguntas e na participação do entrevistado.
E nesse contexto, então, qual seria o papel do educomunicador?
O papel do educomunicador é tentar polarizar, equilibrar de certa forma para o jovem e, ao mesmo
tempo, tentar garantir que esse espaço seja apropriado para o adolescente, e isso vem antes da
cobertura. Vou trazer um evento futuro: vamos ter um evento para discutir governança na internet,
em que estarão presentes ministros e representantes de outros países para discutir a internet no
mundo, aspectos como internet, segurança e privacidade. Pelas características que estão sendo
apresentadas, vai ser um evento formal, tal como foi a Conferência Global. Vai ter um espaço em
que eles querem que o jovem participe, aliás, estão tentando viabilizar que os jovens participem e a
Viração foi convidada para estar lá com os jovens também. Do jeito que está, vai ser muito chato
para esses jovens estarem. E estamos tentando fazer reuniões com a CGI, uma das organizadoras,
para garantir que os espaços em que os jovens estejam não sejam feitos apenas por gestores da
internet, só pela galera que trabalha no Ministério da Ciência e Tecnologia, mas que nessa mesa
tenham adolescentes e jovens que possam trazer uma linguagem diferenciada, uma linguagem não
técnica e que consiga dialogar com quem não trabalha com internet, com um técnico em TI.
Quem são esses adolescentes?
São adolescentes aqui da Agência, que tiveram uma formação no ano passado e vários debates
relacionados ao Marco Civil da Internet e governança da internet, então, de certa forma eles estão
um pouco mais por dentro do tema, não aprofundados sobre isso, mas sabem do que se trata, e os
outros são da Renajoc (Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadoras e Comunicadores),
que pautam esse tema. Acreditamos também que eles têm também proximidade com o tema e
empoderamento, inclusive, para falar em uma mesa.
144
Certo, mas não ficou claro o contexto da Conferência Global, em que os jovens não têm
familiaridade nem com comunicação nem com o tema do evento e sua formalidade, qual seria
o papel do educomunicador.
Você diz com os jovens?
Isso.
É justamente tentar garantir essa etapa que eu disse no início, de formação e antecipação. Para a
Conferência Global, houve uma etapa anterior, que foi a etapa nacional e um momento de formação
antecipado, antes de o evento iniciar. Era um tempo curto, talvez 12 horas somando os dois dias. É
claro que não dá para fazer uma preparação tão intensa, então coube ao educador familiarizar ao
máximo esse jovem no evento. Outra solução que tentamos encontrar, talvez não tenha dado tão
certo, mas conseguimos conversar com muitos jovens pelas mídias sociais. Fizemos um grupo no
Facebook, depois da etapa nacional, para tentar alimentar os jovens de assuntos relacionados ao
tema, publicávamos matérias que saiam, vídeos, tentamos fazer com que eles também trouxessem
debates e assuntos pautados nas regiões deles. Às vezes deu certo, às vezes não, mas essa foi a
forma que encontramos para que o educador atuasse de forma que o jovem se familiarizasse mais
para chegar na etapa global mais empoderado. Acho que o papel principal é tentar garantir um
espaço antes do evento para aproximar o jovem do assunto tratado.
A proposta de cobertura educomunicativa da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil
afirma que essa ação “é o olhar do adolescente sobre o fato e a oportunidade que possuem
suas opiniões sobre o assunto”. No entanto, a jovem entrevistadora da linguagem audiovisual
se manifesta apenas fazendo perguntas. Por que isso acontece?
É um formato que utilizamos de forma que esse conteúdo fosse mais informativo e não opinativo.
Não acho também que uma coisa tenha excluído a outra. A linguagem dela está ali colocada, da
forma que ela se sentiu mais à vontade para produzir aquele conteúdo e na preparação da pauta e na
escolha do próprio entrevistado. Creio que tenha havido uma discussão entre jovens e educador para
se chegar àquilo. Então, eu não acredito em conteúdo neutro, há sempre posicionamento, seja na
mídia tradicional, seja na militância, que é o caso da nossa cobertura. Então, ali fica explícito o que
queríamos passar, que é a questão da erradicação do trabalho infantil, e os jovens com os quais
trabalhamos fazemos com que estejam de acordo com essa bandeira, porque acreditamos que é o
correto, o ideal. No conteúdo, por mais que tenha sido informativo, tem um peso da participação do
jovem ali. Quanto a não ter uma opinião direta dela, acho que isso tem a ver com essa pouca
familiarização do tema. Eu não estava acompanhando a equipe dessa jovem, então não sei o quanto
ela estava apropriada para isso, mas na cobertura tivemos textos e áudios em que os jovens
colocavam a sua opinião em outras matérias. Por exemplo, teve uma reportagem em áudio em que
eles entrevistaram apenas os adolescentes para saber o que estavam achando sobre aquilo. Então, foi
um momento encontrado e a forma adequada que eles acharam para os jovens opinarem. Aquele
vídeo em si talvez não traga isso. Mas há outras formas e linguagens para utilizar.
E nesses contextos de prestação de serviço, como a Viração lida com o jovem que tem a
opinião discordante daquela da instituição para a qual presta serviço?
Dentro dessa etapa de formação, em que tentamos garantir antecipadamente, discutimos direitos
humanos. A Viração se baseia também em direitos humanos, então, de certa forma, não nos
145
posicionamos contra. Então, nessa formação, tentamos trazer uma discussão aberta para entender o
que o jovem pensa em um primeiro momento, depois colocamos as nossas impressões e, claro, o
educador, por mais que tente ser educomunicativo, tente entender todos os lados, claro que ele vai
se posicionar também. Então, nessa formação específica, trabalhamos nos posicionando contra o
trabalho infantil. Todas as discussões levadas eram nesse sentido e, de certa forma, posicionamos,
condicionamos o jovem nisso, a pensar da mesma forma. Eu não vou entrar na questão se isso é
negativo ou positivo, mas dentro do que acreditamos, creio eu que isso seja bom... Você pode voltar
a pergunta?
Como a Viração lida com o jovem que tem a opinião discordante da instituição para a qual
presta serviço, que não é com relação à Viração, mas a postura de questionar um discurso que
vem pronto, criticar e questionar esse discurso pronto, de um entrevistado, por exemplo.
Como a Viração lida com isso, sendo que é prestadora de serviço?
Tivemos casos de recusar projetos, coberturas específicas não. Há um convite prévio das
organizações parceiras, que analisamos se é interessante ou não. Quando é uma pauta discordante,
tentamos ouvir o discurso que ele traz, mas sua desconstrução não acontece naquele primeiro
momento, vamos desconstruindo conforme o trabalho e conforme vamos tentando envolvê-los nos
temas. Não sei trazer um caso específico de cobertura, mas algo marcante foi uma formação da
Agência no ano passado, em que os educadores foram eu e Elis e o tema foi a redução da
maioridade penal. Três jovens desse encontro eram completamente a favor da redução e todos os
outros, de um grupo de 25 pessoas, eram contra. A discussão ficou acalorada justamente por conta
desses três e eu e a Elis acabamos não percebendo que estávamos nos colocando contra eles. E isso
foi trazido em um encontro de avaliação e foram muito fiéis e abertos por dizerem que, naquele dia,
se sentiram desconfortáveis com a nossa postura. Eles disseram que em determinado momento
pararam de dizer o que pensavam, pois se sentiram podados. E realmente não tive esse olhar e na
hora eu comentei que eles deveriam ter trazido isso na hora, não tive o olhar de que eu internalizei
demais no assunto, na minha opinião e na minha visão, não ficando aberto para esse outro lado.
Mas isso está muito ligado a algo que eu acredito, que precisamos trabalhar. É pensar que somos
humanos, temos erros e acertos e que a palavra “colaborativo”, que usamos nessas coberturas, inclui
também esse momento de avaliação, que às vezes se perde, mas também cabe ao jovem, ao
educando em resgatar isso.
Você já falou um pouco, mas acho legal aprofundar: como acontece a mediação do processo
para que ao mesmo tempo que atende às expectativas do contratante cumpra o papel de
estimular o senso crítico por meio da produção midiática?
Tudo isso vem antes de fechar contrato, essa mediação antecipada dos responsáveis pela
organização com o parceiro para, primeiro, garantir que se entenda o que é uma cobertura
educomunicativa. Já aconteceu várias vezes de explicarmos e chegar na hora do evento, o parceiro
não entender, não ficar muito claro, de ainda achar que se trata de uma cobertura mais tradicional,
com conteúdo bem mais denso, como faria um veículo de grande porte. Então, tentar explicar de
forma antecipada o que é essa cobertura educomunicativa, que vai ser com uma linguagem
diferenciada, e tentar garantir esse encontro antecipado para que os jovens possam entender o
assunto que vai ser tratado, para que possamos, em um tempo mínimo, levar um repertório daquele
assunto e fazer com que o jovem tenha uma leitura sobre ele. Então, essa mediação tem que ser feita
146
antecipadamente, quanto mais encontros dentro dos nossos prazos forem possíveis, melhor. Tanto
antes, como durante o evento também. Então, cabe aos representantes da organização ter um
educador da área de formação sempre nessas reuniões, para que isso seja garantido e esteja
acontecendo também.
E isso acontece com frequência?
Não, nem sempre. Como eu disse, é possível citar alguns exemplos de prestação de serviço em que
o parceiro disse que tinha entendido o que é essa cobertura – acho que o evento sobre HIV/Aids,
que aconteceu em São Paulo em 2012, essa própria conferência global, em alguns momentos alguns
dos parceiros talvez não entenderam o que é essa cobertura justamente por não terem participado
dessas reuniões – então, tivemos que lidar com esses desentendimentos durante o evento, fazendo
reuniões em momentos-chave e de curta duração para tentar explicar novamente o que achávamos
que já estava entendido. São processos, a própria Viração aprende com o tempo. Hoje, por exemplo,
eu não iria para esse fórum sobre governança na internet sem ficar claro para a CGI que conteúdo
final será apresentado, inclusive para a organização que está nos contratando [para essa finalidade],
a Fundação Friedrich Ebert, que já é uma parceira de longa data, mas com a qual sempre vai valer a
pena repactuar o que vai ser feito. Não vai sair um conteúdo, por exemplo, que eles vão poder
republicar em um site institucional deles se eles não entenderem que é um conteúdo com linguagem
diferenciada, que não vai conversar com todos os públicos.
O que você chama de linguagem diferenciada?
Quando a gente diz que um produto tem linguagem informativa jornalística, trazemos muito a ideia
de que será produzido por um jornalista formado, que aprendeu técnicas e que o texto será coeso do
começo ao fim e no qual tentaremos garantir os dois lados. Na cobertura educomunicativa isso não
acontece, por mais que o jovem tenha tido uma formação ou tenha visto essas técnicas de
jornalismo e redação, isso nem sempre é garantido. Nós passamos, mas o jovem não consegue
captar isso. Então, a linguagem diferenciada é essa. O público que lê, que busca comunicação
informativa, conteúdo jornalístico quer encontra isso, talvez. E quando vai para um processo da
Agência Jovem de Notícias, isso não tem lá. Às vezes há um texto em que o começo é uma poesia e
é só, não tem o outro lado também. Então, tentamos trabalhar com esse contratempo, com essas
diferenciações. Um conteúdo diferenciado é isso. Não é um texto jornalístico, com começo, meio e
fim. É um texto que tem alguma informação ali, mas não está estruturado no velho ou novo
jornalismo.
Então, a que público serve a cobertura educomunicativa?
Com a linguagem jovem, atende ao público jovem. Para mim, é muito claro que esse conteúdo não
é para todos os públicos. Quando envolvemos algum especialista em comunicação, em jornalismo,
um texto específico, conseguimos direcionar para um público maior, mas não é o que mostra a
Agência Jovem de Notícias, por exemplo. Sabemos que boa parte do conteúdo feito pelo jovem e
que está publicado ali não atende todo mundo. Só vai ser lido, visto, ouvido e assistido por um
público que se identificou com aquela linguagem e que sabe que aquele conteúdo vai precisar de um
aprofundamento se ele quiser se envolver no assunto. Por exemplo, eu acesso o material produzido
durante a cobertura da Conferência Global, mas eu sei que se eu quiser algo mais aprofundado, vou
ter que procurar em outro site. Ali é algo mais superficial, mais primário da visão dos jovens, do
147
qual não vai sair tão informado sobre o assunto caso não vá procurar em outros lugares também. O
conteúdo diferenciado exige isto: saber que terá que procurar em outros meios de informação.
Para você, promover o direito humano à comunicação é o mesmo que promover a
participação política?
Sim, porque eu entendo comunicação para o desenvolvimento, que é o que a gente faz, em três
eixos: mobilização, participação e informação/divulgação. Quando você produz uma notícia de
cunho militante, ao mesmo tempo você está mobilizando outras pessoas para o público que você
está atingindo sobre aquele assunto e está articulando política com isso. De alguma forma é um
material que, ao mobilizar, vai fazer com que as pessoas retuitem, compartilhem em sua página do
Facebook, isso é participação política no mundo atual, ou então que ela vá às ruas. Temos muitos
textos que convocam as pessoas a participar de eventos na rua, diferente de textos, de um veículo
tradicional, que reporta o que já aconteceu e não convida. Os nossos têm um cunho mais político
nesse sentido, de convidar o jovem a participar de algo, o que inclui espaços políticos. Não só na
rua, mas também na Câmara. A comunicação para o desenvolvimento também consegue contemplar
essa participação política.
Mas no contexto da Conferência Global, o envolvimento dos jovens com comunicação, pode-se
dizer que isso é participação política, a cobertura que eles fizeram?
Eu acredito que sim, justamente porque eles conseguiram transformar a linguagem técnica – o que
talvez muitos não tenham entendido também – para o público deles, lembrando que se houve algum
público atingido foi o próprio público jovem e se chegou para um adulto ou algum especialista foi
para olharem e verem que legal os jovens estarem participando, mas o objetivo foi que eles se
comunicassem com um público da mesma faixa etária da deles. É participação, primeiro porque eles
se envolveram e, segundo, se eles atingiram a um público, os próprios amigos em si, talvez eles
tenham mobilizado. E essa mobilização não pode ser entendida como se o jovem que assistiu fosse
sair de casa para ir ao Congresso brigar. Mas essa mobilização consiste em plantar a semente, para
que ele entenda que aquilo é ruim – se essa foi a mensagem do conteúdo – para que, em um
próximo momento em que estiver envolvido com esse tema, consiga trazer aquilo novamente e,
conforme a sua participação em outros espaços, consiga entender que seu envolvimento vai ser
importante. Em algum momento que aquilo for levantado na escola e ele conseguir associar essas
questões e trazer aquilo novamente e futuramente, em algum outro espaço, ser reavivado, talvez ele
consiga se interessar em participar ativamente do assunto. Então, é político a partir do momento em
que mobiliza e instiga, mesmo que fique guardado dentro do jovem e que futuramente venha à tona,
e consiga mobilizar outros.
E o que faz com que esse conteúdo instigue e mobilize esse jovem? E se ele toma conhecimento
desse assunto, por exemplo, pela Rede Globo, assistindo uma matéria sobre trabalho infantil
no Jornal Hoje e tem um conteúdo sobre a mesma questão na Agência Jovem de Notícias. Em
que esses conteúdos são diferentes para que possamos chamar a comunicação feita pela
Agência Jovem de Notícias de participação política?
No conteúdo da Rede Globo... Difícil...
148
O que eu quero dizer é que um jovem assistindo ao Jornal Hoje pode assistir uma notícia
sobre trabalho infantil e compreender que aquilo é ruim e, num momento futuro, ele pode se
lembrar da notícia. Se ele tomar conhecimento pela Agência Jovem de Notícias, também. Mas,
em essência, o que difere esses conteúdos que faz com que a Agência Jovem seja participação
política e a Rede Globo não? Ou você pode dizer que a Rede Globo é participação política
também, vai de acordo com a sua análise.
Quem está envolvido está atuando de certa forma política, mas quanto ao público que chega, você
me pegou. É uma boa questão, Bruno. Se esse conteúdo for publicado na Agência, na Revista
Viração ou outro espaço que nós utilizamos, será um conteúdo que não vai ter diferenciação dos
outros. A mesma matéria que a Globo faria sobre trabalho infantil teria essa mesma absorção pelo
jovem. Ela vira mobilização quando há um trabalho com esse conteúdo. Por exemplo, o Quarto
Mundo só vai ser, de fato, mobilizador, quando um professor pegar o vídeo e utilizar na sala de aula
e promover um debate, senão, estará postado na internet e vai ser mais um material. A Revista
Viração, a mesma coisa. Se não houver o trabalho de um professor, educador ou de um grupo de
jovens que propõe uma discussão a partir daquilo, ele realmente não vai ter essa mobilização.
Então, talvez os conteúdos não se diferenciem, a princípio, sendo mais um conteúdo de uma mídia
comum, mas se for utilizado por um educador em outro espaço e que tente promover uma discussão
sobre aquilo, talvez consiga ter uma participação política maior.
149
ANEXO 3 - ENTREVISTA COM ELISANGELA NUNES CORDEIRO,
EDUCOMUNICADORA DO GRUPO DE ADOLESCENTES QUE PARTICIPARAM
POLITICAMENTE DA III CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL
Como era a dinâmica de trabalho do grupo de participação política?
Nos primeiros dias, realizamos uma contextualização da temática com os meninos e meninas,
passamos vídeos, discutimos dados de pesquisas. Foi um momento para mapear os saberes que os
adolescentes já tinham sobre o assunto e alinhar o conhecimento. Também foi compartilhado por
eles a situação dos seus estados, os acompanhantes, em especial que atuam na área de direito de
crianças e adolescentes também contribuíram. No segundo momento, começamos a levantar e
discutir propostas para os pontos mais críticos levantados pelos os adolescentes e pensar
estratégicas de participação dos adolescentes na conferência.
Aproximadamente quantos jovens participaram desse grupo?
Dez adolescentes.
Como foi o processo de elaboração da Declaração dos Adolescentes? Todos escreveram?
As rodas de diálogo e discussão aconteceram com a participação de todos, porém no dia de fechar a
carta, não estávamos com o grupo completo. Houve muitas disputas para o fechamento da carta
final, tanto por parte do governo, como por parte de algumas organizações da sociedade civil, que
queria trazer suas pautas. Mas quatro jovens conseguiram acompanhar todo o processo da
construção da carta até o final e até se envolveram nessas disputas.
O que você chama de "disputas"? Por que você acha que representantes da sociedade civil e
governo queriam incluir suas pautas em uma declaração de autoria dos adolescentes?
Tínhamos que fechar no encontro uma carta final para que os adolescentes realizassem a leitura. O
governo brasileiro queria aparecer como “bonzinho”, como aquele que dá espaço para o
adolescentes participar e que tem tido conquista na pautas nos últimos anos. No caso do discurso
dos adolescentes, a carta teria um tom de denúncia e reivindicação de espaço para participação.
Existem movimentos de organizações que trabalham com adolescentes que não têm espaço, e
quando percebem a oportunidade de apresentar suas pautas, fazem de tudo e nem percebem que
estão atropelando o processo e violando o direito à voz desses adolescentes. Violência também é
impedir a auto-realização individual, atrasar processos e progressos de pessoas, coletivos ( caso dos
adolescentes) ou mantê-los estagnados ( sem participação). Posso estar pegando pesado, mas sinto
que isso é prática comum de órgãos e organizações que trabalham com adolescentes e jovens, que
em vez de lhes dar voz, os catequizam para carregar suas bandeiras, às vezes até sem dialogo,
discussão, construção. Isso é preocupante, mas vivemos mediando isso o tempo todo na Viração.
Como se chegou à redação final da carta?
Chegamos à redação final nessa disputa. As educomunicadoras tentando ao máximo que a carta
tivesse a voz dos adolescentes, a sociedade civil querendo incluir suas pautas e o governo querendo
modificar o tom, a “essência” do que foi construído pelos os adolescentes. Mas acredito que ao final
conseguimos garantir 80% das queixas e demandas levantadas pelos adolescentes naquele espaço.
150
Com que frequência, durante a conferência, os adolescentes do grupo de participação política
se reunia para as rodas de diálogo e, em média, quanto tempo durava esse processo?
Uma vez ou duas ao dia. O processo durava de três a quatro horas.
Por que você acha que nem todos os adolescentes não se envolveram no momento da redação?
Além de participarem desse grupo, os adolescentes estavam, envolvidos em produção de textos,
radio, fanzine e vídeo... E a participação desses grupos na produção de noticias foi fundamental,
porque eles tinham um repertório para falar do assunto, eles discutiram muito o tema... Eles também
foram os adolescentes que deram entrevistas para imprensa local.
Houve uma edição final da carta? Como foi esse processo?
Sim, houve uma edição, foi a parte mais estressante, em que o governo chegou querendo modificar
a carta e retirar pontos apontados pelos adolescentes como problemas.
151
ANEXO 4 - ENTREVISTA COM JOVENS PARTICIPANTES DA COBERTURA DA III
CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL
THAILANE OLIVEIRA, 18 ANOS, RIO DE JANEIRO (RJ)
A partir do que você vivenciou em Brasília, eu gostaria que você me explicasse o que é uma
cobertura educomunicativa.
É juntar a informação, utilizar os jovens para que eles, através da nossa forma de comunicar,
pudéssemos fazer uma cobertura jornalística com detalhes informativos. É a união dessas duas
coisas. Deu para entender?
Deu sim, perfeito. Eu queria saber se você se lembra da entrevista com a ministra Tereza
Campello e com o Kaillash. Você se lembra deles?
Sim.
Talvez você não se lembre em detalhes, mas eu gostaria de saber o que você achou das
perguntas que foram feitas para os dois entrevistados.
Eu achei que as perguntas dos adolescentes foram muito bem elaboradas, foram diretas e eles
também nos responderam de acordo com o que a gente perguntava e nós também tivemos um
treinamento, uma etapa preparatória em que tivemos todo aquele cuidado para que as coisas dessem
certo, para fazer a pergunta certa, porque tínhamos pouco tempo e para arrancar o máximo de
informação que a gente pudesse.
E a partir do que você se lembra, o que você achou das respostas que a ministra deu para as
perguntas que vocês fizeram?
Das perguntas que eu me lembro, ela foi bem direta. Teve a pergunta da Thamires, que foi uma das
primeiras, sobre as adolescentes se prostituírem e serem aliciadas, se havia ligação com a fome. E
ela falou que sim e que o governo estava fazendo campanha com caminhoneiros e postos de
gasolina. Achei que ela explicou bem, exatamente o que a pergunta queria.
Você está com a memória muito boa, porque nem eu me lembrava dessa. Mas com você
contando, eu me lembrei. E o que você achou das respostas que o Kaillash deu às perguntas de
vocês?
A ministra foi mais direta, mais séria, foi uma resposta diplomática, teve uma postura mais formal
nas respostas, como se fosse uma resposta já programada. Já o Kaillash foi mais para o lado
sentimental. Antes das respostas ele falou o que aquilo significava para ele, que não era algo
supérfulo. Ele contou as experiências que ele teve, de quando ele era pequeno, de questionar os pais
quando ele ia para a escola. É algo que ele traz desde novo. Ele foi mais sentimental nas respostas
dele.
E de qual entrevistado você gostou mais entre o Kaillash e a Tereza?
Eu gostei muito da Tereza, achei que com ela eu pude ver mais da política, porque aqui [no Rio de
Janeiro] a gente tem uma visão muito fechada para o nosso Estado e quando ela falou, explicou
152
mais sobre as políticas que estão sendo aplicadas no Brasil em si, eu achei legal. Eu gostei dos dois,
mas mais da Tereza, porque tem mais a ver com o nosso dia a dia.
E, para você, com qual entrevistado houve mais interação?
Eu achei que foi com o Kaillash, ele foi mais cuidadoso, mais articulado com os jovens. A Tereza
foi mais meticulosa. E com o Kaillash, fomos mais descontraídos, começamos com piada, quebrou
aquele gelo e com ele, eu achei que foi mais fácil.
Mesmo sendo em inglês, né?
Mesmo sendo em inglês a gente conseguia. No meu caso, eu tenho certa fluência em inglês, mas
mesmo com os outros adolescentes, mesmo eles não sabendo, era possível que eles entendessem,
pelos gestos deles, pela forma de dizer.
E se você já tivesse tido contato com comunicação antes da cobertura, você acha que alguma
coisa poderia ter sido diferente?
Claro que ajudaria bastante, porque era tudo novo para a gente. No caso, e nunca havia participado
de um evento desse e estar lá, eu meio que me deslumbrei naquele momento. Toda aquela
responsabilidade, sabe? Acho que se eu já tivesse tido contato poderia ter sido mais proveitoso do
que foi, porque eu saberia mais sobre como as coisas acontecem, o cuidado com o tempo... poderia
ter aproveitado mais.
Certo. E todas as perguntas feitas para os entrevistados partiram dos adolescentes?
Partiram sim. A gente teve uma ajuda para elaborar, mas a maioria delas foi nossa. As pessoas
deram palpites, mas as perguntas partiram de nós.
Que pessoas?
No caso, o pessoal da Viração deu uma ajudinha na hora de elaborar, mas uma ajuda bem básica,
porque boa parte delas foi a gente que fez, a ideia. Eles nos ajudaram mais na questão da ortografia,
concordância, evitar usar muita gíria.
E como você acha que a sua participação poderia ser mais educomunicativa?
Eu achei que foi muito boa, mas por conta da cobertura, não pudemos participar dos debates. Acho
que se a gente tivesse participado mais ativamente dos debates, teríamos mais informações e
perguntas. Se realmente tivéssemos participado do evento, a cobertura teria sido melhor. Sim, a
gente se preocupava mais em entrevistar, em fazer os textos, fotos, vídeos. A gente via um
pedacinho e desse pedacinho, a gente deduzia.
THAMIRES ROZENDO, 17 ANOS, ALAGOAS
Eu queria que você me dissesse o que é, para você, uma cobertura educomunicativa, com base
em tudo o que você viveu em Brasília.
Na base do que a gente aprendeu lá, a Educomunicação é muito importante para o nosso dia a dia.
Porque o importante é a gente manter a educação com a comunicação, para a gente se expressar
melhor, os adolescentes. Porque tem gente que, em um espaço que fala sobre adolescente, entende
153
que os adolescentes não sabem nada, que a gente só quer saber de festinha e farinha, mas não. Com
a Educomunicação, a gente pode se comunicar com os adultos como se a gente fosse da mesma –
como é que eu posso dizer? – sociedade, como se fosse de adulto para adulto. A Educomunicação
fez muito bem para a gente.
E você se lembra da entrevista com a ministra Tereza Campello e com o Kaillash?
Sim, lembro.
E o que você achou das perguntas que vocês fizeram para esses dois entrevistados?
A gente fez o que precisava para fazer a carta. As perguntas que a gente fez para a ministra e para o
indiano ajudaram bastante na elaboração da nossa carta.
Mas como as perguntas ajudaram a vocês a escreverem a carta?
Ajudou para as soluções para acabar com o trabalho infantil. E essas perguntas eles responderam
muito bem. E isso ajudou, porque a carta precisava de várias soluções, que a gente elaborou com
base nas entrevistas.
Mas vocês usaram na carta soluções que eles deram nas respostas deles?
Sim, algumas sim.
E o que você achou das respostas que a ministra Tereza Campello deu às perguntas?
A gente perguntou o que o MDS tem a ver com o trabalho infantil. E ela falou que o MDS é um dos
principais que atuam contra o trabalho infantil, eles ajudam bastante nesse combate. Eu entendi que
de 100 por cento, 90 eles estão nesse trabalho, porque, como a gente sabe, o Brasil é bem liberal,
mas tem gente que não quer saber sobre o trabalho infantil. Ao contrário, o MDS é muito
importante e ajudou bastante a gente. Nessa ida para Brasília, para participar da conferência, e em
vários outros momentos, o MDS combinou com a gente bastante. E foi muito importante a gente
fazer a entrevista com a ministra, eu achei muito interessantes as respostas dela.
E as respostas que o Kaillash deu às perguntas?
Apesar de estar em inglês (risos), a moça traduziu e ficou muito legal. Eu achei ótimo porque
mesmo ele não estando no nosso Brasil ele viu como são as condições dos trabalhadores infantis,
ele percebeu como é triste. Então, as respostas dele foram muito interessantes também. Mesmo ele
não vivendo no Brasil, as respostas e ajudas que tinham para a gente foram boas. Eu adorei fazer a
entrevista com a Tereza Campello e com o Kaillash também.
Pessoalmente, de qual entrevistado você gostou mais?
Pessoalmente?
Sim.
Poxa vida, os dois foram ótimos! Os dois são uns amores de pessoas, eles são envolventes, não
falam tudo assim, como se fossem advogados, eles se descontraem com a gente. E a
Educomunicação ajudou bastante. A gente fez educomunicação com eles, mas eles também fizeram
com a gente, porque foi tudo na mesma linguagem, sabe, de adolescente mesmo. Eu gostei dos dois
154
igualmente, mas é certo que o Kaillash foi mais divertido, interagiu bastante com a gente, foi muito
engraçado.
Dos dois, qual deles interagiu mais com vocês?
O Kaillash, com certeza.
Por quê?
O jeito dele de falar com a gente, de se expressar. A gente falava como adolescente e ele também
falava como adolescente. A gente falava uma coisa, como se fosse um problema sério e ele também
falava, mas num tom que esse problema não era tão grande, porque a gente ia resolver esse
problema. Eu achei muito legal e se tivesse a oportunidade, eu gostaria de entrevistá-lo novamente,
mesmo eu não sabendo falar inglês.
Se você tivesse tido contato com comunicação antes dessa cobertura, você acha que a
experiência poderia ter sido diferente?
Eu acho que não, porque se eu tivesse antes, seria a mesma coisa. Porque eu entendi que a
Educomunicação a gente tem que prestar atenção, porque faz parte do nosso dia a dia para a gente
entender os outros. Acho que não mudaria nada não. Mas foi legal, muito legal participar.
As perguntas que os adolescentes fizeram para os entrevistados foram pensadas só pelos
adolescentes?
Não, teve uma ajuda da equipe da Viração e da Educomunicação também. Os adolescentes
pensaram bastante, mas eles ajudaram a formular mais a pergunta, a deixá-la mais certa. Foi um
trabalho “todo mundo junto e misturado”.
E uma última pergunta: como você acha que a sua participação poderia ter sido mais
educomunicativa na cobertura em geral?
Acho que se a gente tivesse conversado mais com alguns ministros, com o ex-presidente Lula com a
presidente Dilma, acho que teria sido mais educomunicativo para a gente, seria mais interativo.
Por quê?
Porque a gente falou com a ministra e ela foi uma grande vitória para a gente. A gente falou com o
Kaillash, que foi muito importante para a Educomunicação. Mas com a presidente, seria ainda mais
integrante, porque para a presidente você tem que passar as coisas diretamente para ela. É certo que
gente leu a carta, mas é melhor falar o que a gente pensa diretamente para ela, com as nossas
palavras, pessoalmente, debatendo com ela. A carta ajudou sim, mas teria sido interessante se a
gente tivesse falado diretamente para ela.
DANIEL MENDES, 16 ANOS, FLORIANÓPOLIS (SC)
Eu queria que você começasse me dizendo o que, para você, é uma cobertura
educomunicativa.
Na minha opinião, uma cobertura educomunicativa seria a cobertura de algum evento político ou
sociopolítico feita a partir de Educomunicação.
155
E o que é Educomunicação?
A Educomunicação é... Bem, na época eu tinha uma definição mais certa e fresca do que é
Educomunicação.
Tudo bem, mas diga a partir do que você viveu, o que vier à mente agora.
A Educomunicação é uma diretriz de comunicação, feita com trabalho em equipe, uso do
brainstorming, ideias coletivas, sem qualquer crítica, com a presença de adolescentes.
Ótimo, excelente! Você se lembra que eu pedi para você recordar a entrevista coletiva com a
ministra Tereza Campello e com o Kaillash?
Sim.
Talvez você não se lembre em detalhes, mas eu queria que você falasse um pouco sobre o que
você achou das perguntas feitas aos dois entrevistados.
Eu acho que as perguntas que foram feitas à ministra foram um pouco desfocadas comparadas ao
que eu imaginei que seriam. Acho que com o Kaillash tivemos mais liberdade, mesmo que em outra
língua, tivemos mais liberdade de conversa, respostas mais diretas.
E o que você chama de “desfocadas”, com relação às respostas da ministra?
Nós já tínhamos preparado algo. Nós tivemos muito mais improvisação com o Kaillash, foi algo
muito mais instantâneo, impulsivo.
E você acha isso positivo ou negativo?
Eu acho isso positivo.
Por quê?
Porque eu sou ariano, para mim é bom impulsividade, acho que dá certo. E acho também que teve
resultados melhores do que as perguntas com a ministra.
E o que você achou das respostas que a ministra deu às perguntas, a forma como ela se
colocou para vocês. O que você achou disso?
Prefiro não responder a pergunta.
Tudo bem. Então, o que você achou das respostas e da maneira como o Kaillash se colocou?
Inicialmente, ele pediu para que todos nós sentássemos no chão com ele, em roda, para que
estivéssemos no mesmo nível. Isso deixou todo mundo mais confortável. E todas as respostas eram
firmes, claras e diretas.
E você acha que isso é bacana?
Sim, isso é positivo.
E de qual entrevistado, então, você gostou mais?
Do Kaillash, com certeza.
156
Você já respondeu, mas apenas para deixar claro, com qual entrevistado você acha que houve
mais interação?
Com o Kaillash.
E se você tivesse tido contato com comunicação antes da cobertura, o que poderia ter sido
diferente?
Eu provavelmente estaria mais preparado para tudo.
Você acha que não estava?
Inicialmente, me faltou um pouco de foco, porque o meu foco dentro da conferência, antes, era
outro e eu fui pego de surpresa com a Educomunicação.
Pego de surpresa positivamente ou negativamente?
Neutro.
Entendi. Você esperava participar de uma forma e participou de outra?
Sim. Não acho que tenha sido negativo, só foi uma maneira diferente, mas não acho que tenha sido
positivo pela mudança no que eu já havia traçado, entendido como conferência.
Todas as perguntas feitas para as duas entrevistas partiram dos adolescentes?
Não.
Como é que foi isso, então?
Nós tivemos adultos que também fizeram perguntas e alguns adultos conversaram com os
adolescentes e tivemos um consenso quanto às perguntas, pois queríamos uma pergunta mais
resumida, mais composta.
Como foi essa intervenção dos adultos? Eles direcionaram as perguntas que deveriam ser
feitas ou apenas transformaram as perguntas de vocês em questões mais concisas?
Os adultos indagaram tanto quanto os adolescentes, logo antes da entrevista com o Kaillash.
Tivemos perguntas de adultos e de adolescentes que foram “digeridas”, digamos assim, pelos
adolescentes e transformadas em outras perguntas.
O que você quis dizer com “digeridas”?
Uma reciclagem. Nós temos uma pergunta e o outro tem uma pergunta e eu posso fazer outra
pergunta que englobe as duas.
Entendi, mas isso para você foi bom ou ruim?
Isso foi positivo.
Então, nos dois momentos, as perguntas partiram tanto de adultos quanto de adolescentes?
Sim.
157
Mas as perguntas que foram feitas pelos adolescentes, alguma delas não partiu dos
adolescentes?
Não.
Uma última pergunta: como você acha que a sua participação poderia ter sido mais
educomunicativa?
Minha participação teria sido mais educomunicativa se eu tivesse tomado conhecimento da
cobertura educomunicativa antes do tempo que eu tive.
E que tempo foi esse? Quando foi que você tomou conhecimento?
Na conferência nacional que tivemos
Que foi em agosto.
Isso.
158
ANEXO 5 - PESQUISA DE RECEPÇÃO A PARTIR DA ASSISTÊNCIA DO VÍDEO
ENTREVISTA COM ANTÔNIO OLIVEIRA, DO FÓRUM DO CEARÁ, NA 3ª
CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL
MARIA VICTÓRIA FERREIRA PETRÓLIO, 15 ANOS
O que você achou do vídeo?
Sei lá. Ele falou de trabalho infantil, não foi?
Foi. Mas qual foi sua impressão sobre o vídeo de uma maneira geral? Foi legal, foi chato,
divertido, sério?
Sério.
Você acha que esse vídeo foi feito para que público?
Para o público em geral.
Mais ou menos que idade?
Todas as idades.
Tem alguma coisa que te chama a atenção no vídeo?
Não.
Do que trata o vídeo?
Trabalho infantil.
Você consegue resumir ou dizer algo que te vem à mente do que o entrevistado falou?
Não lembro de nada (risos).
O que você achou da pergunta que a entrevistadora fez?
Ela fez duas perguntas.
Ela fez duas.
Eu não lembro de nenhuma.
Como você avalia o comportamento da entrevistadora?
Ah, é normal o comportamento dela.
Que idade você acha que a entrevistadora tem?
20 ou 25, no máximo.
GABRIELA FARIA VILLELA ORLANDO DE MELLO, 15 ANOS
O que você achou do vídeo?
159
Eu achei que é um vídeo meio sério. É um assunto muito importante, mas eu acho que ficou uma
coisa meio séria. Não seriam muitas as pessoas que viriam até o final.
Você acha que é um vídeo feito para um público de que idade?
Acho que um pouquinho mais velho, acho que crianças não assistiriam. Acho que uns 20 ou 30
anos, para mais.
Tem alguma coisa que chama a sua atenção em especial?
O começo, quando ela vai falar com a pessoa, que ela queria saber o que tinha acontecido com o
homem que era do fórum. E eu achei que o assunto, que já é meio popular, que foi muito bom.
E qual é o assunto?
Que eles são contra o trabalho infantil e tudo mais.
Você conseguiria resumir o que o entrevistado falou?
Então, mais ou menos (risos). Ele falou que estão começando a ver uma lei para atender as crianças
e os adolescentes para tentar acabar com isso, só que ele falou com umas palavras mais difíceis
(risos). Mas eu acho que foi isso que ele quis falar.
E o que você achou das perguntas que a entrevistadora fez?
Eu achei que foi o básico que ele tinha que saber. Para um vídeo de 1’27” acho que foi bom.
Que sugestões você daria para que esse vídeo conseguisse atender uma faixa etária menor?
Eu acho que alguma animação, fala com palavras mais fáceis, não falar tão rígido como ele estava
falando, falar mais fácil. E tinha que ter alguma musiquinha antes, alguma coisa assim, sabe?
E você acha que a entrevistadora poderia contribuir nesse sentido, para o vídeo ficar mais
fácil?
Acho que também. Acho que a língua da pessoa. Ela poderia falar mais como os adolescentes falam
também ou como todo mundo fala. Porque aí o público seria um pouquinho mais novo.
Só uma última pergunta: que idade você acha que a entrevistadora tem?
Eu não percebi muito, mas eu acho que uns 25, mais ou menos.
VITOR ESTEVES DE MORAES PEREIRA, 18 ANOS
O que você achou do vídeo?
Achei legal, cara. É um tema bastante abrangente, acho que todo mundo deveria saber sobre o tema,
que não é correto o trabalho infantil, e o que eu vi do vídeo é que os países querem trocar
[informações] para a erradicação, para acabar com essa atividade com as crianças e,
consequentemente, ter benefícios para as crianças também.
O que chama a atenção nesse vídeo?
A troca de informação entre os países. O que geralmente é dentro do país, cada país tem seus
costumes, eu fiquei meio surpreso com isso, com os países trocarem informações.
160
E com relação ao formato do vídeo? A entrevista, a entrevistadora, o entrevistado, a música
ou a falta de música? Tem algum elemento que te chame a atenção, algo que para você seja
uma novidade, tirando o tema?
Não, normal, bem curta a entrevista.
Você já falou, mas é legal retomar: do que trata o vídeo?
Sobre a erradicação do trabalho infantil. Terminar com o trabalho infantil, porque eu acho que as
crianças não merecem isso, adolescentes e os mais jovens têm uma certa limitação de serviço e não
é correto, né, cara? Estar tirando a infância de uma criança, aproveitamento de vida, não é de bom
grado e no futuro pode ter consequências não tão boas.
Como você resumiria o que foi dito pelo entrevistado?
Que eles querem terminar com o trabalho infantil, tendo relações com outros países, tendo aquela
comunicação, vendo o que é correto ou não e todos com um objetivo final, que é terminar com o
trabalho infantil e ter benefícios para toda a população, principalmente as crianças.
Você fala: “eles querem acabar com o trabalho infantil”. Eles quem?
Os órgãos, os organizadores do projeto, os governos dos países.
E o que você achou das perguntas feitas pela entrevistadora?
Objetivas, bem objetivas. Acho que ele falou certo, o que todos queriam ouvir.
Você acha que esse vídeo foi feito para que público?
Bom, para todos, na verdade. Mas o certo mesmo, o público certo é quem organiza, quem contribui
para o trabalho infantil, né?
E se a gente pudesse pensar em uma idade dessas pessoas para quem você acha que esse vídeo
foi feito, mais ou menos?
Acho que uns 30 anos.
Você acha que a entrevistadora tem que idade?
18 ou 22, por aí.
GUSTAVO FRANCATTI, 16 ANOS
O que você achou do vídeo?
É um vídeo bem interessante, não é um tema muito atual, é uma coisa que vem acontecendo há
muito tempo e hoje não é noticiado, mas mais trabalhado para não acontecer, o trabalho infantil.
Tem alguma coisa que chama a sua atenção no vídeo?
Por ser a terceira conferência global. Então, não é só aqui que está acontecendo, é no mundo inteiro
e eles estão se reunindo, como ele mesmo disse, para trocar experiências para tentar alguma solução
que o mundo inteiro consiga estar fazendo.
161
Além dessa parte, que é mais de conteúdo do vídeo, alguma coisa te chama a atenção no
formato? O fato de ser uma entrevista, uma musiquinha na entrada, algo te chama a atenção
nesse sentido?
No sentido de filmagem e tudo mais?
Isso.
É uma coisa bem feita, parece não ter influência de profissionais renomados, mas é uma coisa feita,
pelo que me parece, por pessoas mesmo, interessados e tudo mais.
Você já falou, mas é legal resgatar: do que trata o vídeo?
O vídeo é sobre o trabalho infantil e estão fazendo uma conferência para saber o que fazer para que
seja menor o índice até que zere o índice de trabalho infantil.
E como você resumiria o que foi dito pelo entrevistado?
A menina, a moça perguntou o que eles estão fazendo para parar o trabalho infantil. Ele falou que
estão fazendo alguns projetos direcionados à criança e ao adolescente, chegou a citar um calendário
para que as crianças não tenham tempo de fazer esse trabalho infantil, mas que estejam
disponibilizando o tempo deles para coisas mais produtivas para eles mesmos, para o crescimento
próprio deles.
E o que você achou das perguntas feitas pela entrevistadora?
Foram bem direcionadas, foi o que o pessoal de fora precisa saber, o que está acontecendo. Foram
bem feitas.
Se você pudesse pensar em um público para o qual esse vídeo foi direcionado, que público
você imagina que seria?
Acho que para todo mundo. Porque ela não está falando com os jovens sobre o que eles estão
fazendo, eles estão abrindo um leque de opções muito grande, porque uma criança de cinco anos
pode ver e entender, como um idoso pode estar assistindo e também estar entendendo. Ela explanou
bem o tema, não escolheu um linguajar direcionado, falou de um jeito que todo mundo fala, não
usou palavras de teor muito difícil, mas também não usou gírias e tudo mais. É um leque bem
amplo.
Então você acha que esse vídeo não foi pensando em um público etário específico?
O tema é para um público de jovens e adultos, para que eles entendam o que está acontecendo, mas
eu acho que se qualquer pessoa ver, conseguiria estar entendendo.
Jovem e adulto de que idade?
De 16 a 24 anos e assim por diante.
Que idade você acha que a entrevistadora tem?
Boa pergunta. Acho que uns 22.
162
Na verdade ela tem 15.
Ah, que coisa!
Por que você pensou que ela teria 22?
Eu sou um cara muito ruim com idades, admito. Mas é difícil encontrar pessoas nessa idade que se
interessem por esse assunto.
163
ANEXO 6 - PROJETO COBERTURAS EDUCOMUNICATIVAS DO PROCESSO DA III
CONFERÊNCIA GLOBAL SOBRE TRABALHO INFANTIL
Apresentação
Este documento trata da construção das Coberturas Educomunicativas do processo da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil que será realizada entre agosto e outubro de 2013, cumprindo as etapas Nacional, Global e a
Mobilização virtual entre elas. O projeto visa a ampliar a participação qualificada de crianças e adolescentes no
processo da Conferência, promovendo a reflexão, produção e difusão de conteúdos sobre o tema do TI a partir deles;
utilizar a comunicação para informar, articular, mobilizar e contribuir com a formação de sujeitos de direitos.
Esta proposta é resultado da pesquisa, experiência e observação de ações realizadas no âmbito da Educomunicação
possibilitando a organização dos processos comunicacionais e a ascensão da Comunicação à condição de construtora de
sujeitos políticos e autônomos.
Parte da premissa da comunicação como um direito humano. Para tanto, deve ser lido com olhos atentos para o
reconhecimento de que toda criança, todo jovem, adolescente e pessoa adulta pode (e deve) se expressar. Significa que
devam ter a garantia de acesso à produção, veiculação e distribuição de informação, às tecnologias de comunicação.
Significa reconhecer a comunicação como um direito universal e indissociável de todos os demais.
Duração do Projeto
3 meses (outubro a dezembro de 2013)
Valor total do Projeto
R$ 47.700,00
Infraestrutura geral de equipe de Educomunicadores para as Coberturas Educomunicativas das etapas Nacional e
Global, além da etapa intermediária de Mobilização virtual de 27 adolescentes (um de cada Estado). Não inclui valores
de logística para estes.
Contrapartida
- Publicação da logomarca do patrocinador no site Agência Jovem de Notícias: www.agenciajovem.org
- Publicação da logomarca do patrocinador na seção da III Conferência Global no site do evento
- Publicação da logomarca do patrocinados nas pílulas e outros conteúdos produzidos ao longo das coberturas;
- Publicação da marca do patrocinador na edição especial da Revista Viração sobre a III Conferência com 30 mil
exemplares a serem distribuídos em todo o Brasil (Fóruns Estaduais de PETI, Conselhos de Direito, assinantes da
Viração)
Responsável pela coordenação do Projeto
Rafael Alves da Silva
Nome da organização e sigla
Viração Educomunicação
CNPJ
11.228.471/0001-78
Endereço (nome da rua, número, complemento)
Rua Augusta , 1239, conj. 11
Cidade
São Paulo
UF
SP
Bairro
Consolação
CEP
01305-100
164
Telefone(s) (11) 3237-4091
Fax (11) 3237-4091
Nome completo da pessoa responsável pela organização
Juliana Rocha Barroso
CPF
Telefone(s)
274.067.968-89
(11) 3237-4091
Endereço (nome da rua, número, complemento)
Rua Augusta, n0 1.239, conj. 11
Cidade
São Paulo
E-mail
[email protected]
Página eletrônica (site)
www.viracao.org
E-mail
[email protected]
UF
SP
Bairro
Consolação
CEP
01305-100
O Conceito
O processo de construção das Coberturas Educomunicativas da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil está
permeado pelo conceito chamado Educomunicação38. Trata-se de um referencial teórico, estudado há mais de 15 anos,
que sustenta a inter-relação comunicação/educação como campo de intervenção sócio-educativa. Parte de dois
pressupostos39: 1) que a educação só é possível enquanto “ação comunicativa”, uma vez que a comunicação configurase, por si mesma, como um fenômeno presente em todos os modos de formação do ser humano; 2) que toda
comunicação – enquanto produção simbólica e intercâmbio/transmissão de sentidos – é, em si, uma “ação educativa”.
Processos democráticos, dialogicidade, expressão comunicativa e gestão compartilhada dos recursos da informação
fazem parte de sua concepção.
É definida por comunicadores e educadores como o conjunto das ações voltadas ao planejamento e à implementação de
práticas destinadas a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos participativos – entendidos como grupo de
linguagens, escritas, representações e narrativas que alteram a percepção40 – destinados a contribuir com a formação de
sujeitos de direitos e a ampliação de espaços de expressão da sociedade. Podemos entender, então, que processos e
procedimentos comunicativos possibilitados pela linguagem são uma garantia de participação ativa da vida social. Além
disso, que tratamos de um sistema complexo, dinâmico e aberto, pensado como um espaço de convivência e de ação
integrada.41
Segundo Paulo Freire, que também orienta as ações desta proposta, somos seres de comunicação e podemos ser
educados porque a nossa natureza permite que sejamos construtores de conhecimentos. Nesse sentido, observarmos que
o ato de conhecer não se dá apenas no individual, mas no coletivo, na relação entre as pessoas. Em síntese, a dimensão
comunicacional pode ser uma formação interativa, dialógica, engajada e comprometida com a construção de
conhecimentos para transformar o mundo, tornando-o mais humano, mais justo e mais solidário.
Além disso, que o aprendizado em direitos humanos passa pelo (re)conhecimento dos seus próprios e dos demais.
Envolve mudança de atitudes e posturas, novas concepções que compreendam a convivência com a diversidade como
um direito humano e o fundamento para democratização do acesso à riqueza socialmente construída. Este documento
38
Abordamos neste documento o conceito estudado e defendido pelo Núcleo de Comunicação e Educação da ECA-USP. Dois autores são referências
históricas da concepção divulgada pelo Núcleo: Paulo Freire e Mário Kaplún. Paulo Freire(1921-1997), educador brasileiro que se denominava
menino conectivo, dizia que comunicação implica um diálogo entre sujeitos mediados pelo objeto de conhecimento, por definição, dialógica, vale
dizer, de “mão dupla”, contemplando, ao mesmo tempo, o direito de ser informado e o direito de acesso aos meios necessários à plena liberdade de
expressão. Mário Kaplún (1923-1998), comunicador argentino, foi um dos primeiros a empregar o termo “educomunicação” para instituir o campo da
Educação para a Comunicação – ou da leitura crítica dos meios de comunicação. Foi o precursor da Comunicação Educativa e Popular no continente
latino-americano numa perspectiva de favorecer a recepção participativa. O NCE coordenou o Projeto Educom.rádio – Educomunicação pelas ondas
do rádio, da Secretaria de Educação de São Paulo, entre 2001 e 2004. O conceito virou lei, a Educom, em São Paulo, sancionada em 2004.
39
SOARES, Ismar. Educomunicação: o conceito, o profissional e a aplicação. São Paulo: Paulinas, 2011. p.17
40
MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2002.
41
Idem 2. p. 16.
165
está imbuído da percepção de que a Educomunicação é um dos possíveis caminhos para se alcançar a democratização
da comunicação que, por sua vez, uma das fundamentais instâncias para o acesso ao direito à comunicação.
Portanto, a prática social apresentada por esta proposta pressupõe trabalhar em rede no desenvolvimento de uma
comunicação compartilhada e colaborativa para construção de saberes, para o encontro de sujeitos interlocutores.
Sujeitos estes que ao se perceberem conscientes de sua incompletude, reinventem sua prática social, tornem-se
construtores e/ou reconstrutores de seu tempo conectando-se uns aos outros.
O Projeto
O processo de construção de conferências propicia uma intensa movimentação da sociedade civil organizada, junto com
os governos, na discussão e definição de políticas públicas de vários segmentos; tendo como ator principal, em todo o
processo de construção, a criança e do adolescente. Tal intensidade encontra na comunicação um imprescindível meio
para que ela aconteça. A partir do referencial teórico da Educomunicação, a metodologia proposta pretende estimular a
co-responsabilização de todos as atores envolvidos na execução das ações e a capilaridade das mesmas.
O Projeto consiste na articulação, mobilização e formação de adolescentes de todo o país em Cobertura
Educomunicativa durante a Etapa Global da III Conferência sobre Trabalho Infantil e a Participação com debate e
formulação de propostas da adolescência para o combate ao trabalho infantil e a participação de crianças e adolescentes
nessa área.
O que é Cobertura Educomunicativa?
Orientada pelo referencial teórico-metodológico da Educomunicação, a Cobertura Educomunicativa utiliza técnicas do
jornalismo. Porém, diferente desta prática que é realizada de maneira mais individual – o repórter, por exemplo, coleta
as informações e estrutura sua produção sozinho. A preocupação maior na Cobertura Educomunicativa é o processo e,
para tanto, que os procedimentos sejam executados de forma colaborativa. As crianças e os adolescentes são
protagonistas da cobertura. Apresentarão ao mundo suas opiniões sobre os temas abordados nas conferências e numa
perspectiva não comercial da informação, comumente tratada pelos veículos da grande imprensa cuja natureza é
empresarial. Aprenderão a fazer o planejamento de uma cobertura, a levantar dados para suas produções (texto,
ilustração, áudio, vídeo, fotografia) a debater suas opiniões, a perceber a importância dos momentos de escuta, a se
comunicar com as pessoas, principalmente as que não estarão nos eventos, pensando em como mobilizá-las.
Por que essa formação é importante?
A possibilidade de trabalhar com a Educomunicação abre espaço para a criação e fortalecimento de vínculos entre eles,
não apenas no momento da cobertura, mas na escola e na comunidade. Cria, divulga e fortalece o direito à comunicação
que também dá acesso a todos os demais, além de estimular o protagonismo de crianças e adolescentes. Vai além da já
reconhecida liberdade de expressão: é também o direito de todas as pessoas de ter acesso aos meios de produção e
difusão da informação, de ter condições técnicas e materiais para produzir e veicular essas produções e de ter o
conhecimento necessário para que sua relação com esses meios ocorra de maneira autônoma.
Neste percurso, crianças e adolescentes ganham autonomia e senso de coletividade ao compreender de que forma eles
podem buscar, sistematizar e multiplicar seus aprendizados em um processo de formação de liderança que compreende
e respeita as necessidades específicas da comunidade e da cidade, pois parte da percepção dos sujeitos que residem nela.
O envolvimento dessas crianças e adolescentes contribui para a construção social de uma imagem positiva desse
momento da vida, além de promover entre o grupo a leitura crítica dos meios de comunicação. Além disso, ao produzir
sua própria comunicação, a imagem do evento, da escola, da comunidade e da cidade também se transforma, ganhando
voz e visibilidade não apenas em seu território, mas na sociedade como um todo. Ou seja, uma formação de sujeitos
direitos – informação para a ação –, que será feita por meio de vivências democráticas para a construção de uma cultura
colaborativa de compartilhamento de saberes.
Responsabilidades da organização contratada para as formações
166
•
•
•
•
•
•
Coordenação geral
Planejamento
Oficinas de formação – temática e técnica linguagens/planejamento
Cobertura Educomunicativa
Ação de mobilização para a participação – debates e propostas
Sistematização e relatoria
Linguagens trabalhadas nas Coberturas Educomunicativas:
Jornal mural, fanzine, TV de bolso, fotografia, rádio, redes sociais e site (texto).
1. Jornal mural: Noções básicas de um jornal mural feito a partir de colagens, desenhos, textos curtos a partir de uma
pergunta a ser respondida pelas crianças e adolescentes, cada um respondendo em sua própria língua, dentro de
balõezinhos. Os jornais murais serão expostos em espaços públicos de grande circulação.
2. TV de bolso: Noções básicas de produção e edição de vídeo a partir de celular e câmeras digitais.
3. Fotografia: Produção de fotos a partir de temas acordados pelos participantes da oficina e contemplando vários
momentos das conferências e/ou atividades paralelas.
4. Site e redes sociais: Produção de textos para a cobertura em tempo real a ser veiculada nas plataformas do evento e
da Agência Jovem de Notícias, nos perfis das redes sociais da Viração (e do evento, caso seja criada).
5. Rádio: Produção de spots radiofônicos e entrevistas curtas a serem veiculados nas plataformas do evento e da
Agência Jovem de Notícias.
6. Fanzine: Produção de publicação artesanal feita a partir de recortes de revistas, textos curtos, desenhos e
xerocopiadas em preto e branco.
7. Participação: ação dos adolescentes na própria conferência, seus painéis e debates, além da mobilização para
construção de papeis e propostas efetivas dos adolescentes para a erradicação e para a participação.
Grupos das Coberturas Educomunicativas:
Etapa Global
- 27 adolescentes (um por Estado) – 15 cobertura – 12 participação
- 5 Educomunicadores (sendo um coordenador geral)
As ações
Objetivos
Ações
Metas
Responsáveis
a) Estimular o trabalho em rede.
1) Promoção de rede amigável de
adolescentes via plataformas virtuais e
redes sociais.
1) Envolvimento de adolescentes,
visibilidade da mobilização para a
Conferência e contribuição para o
fortalecimento da comunicação feita por
adolescentes.
ONG
Educomunicação
b) Estimular a participação de
adolescentes e pessoas adultas em
vivências democráticas.
c) Estimular a construção de uma
cultura
colaborativa
de
compartilhamento de saberes.
2) Facilitação da comunicação entre
diferentes grupos de adolescentes para
compartilhar experiências, produtos de
comunicação (via plataformas e/ou redes
sociais).
d) Contribuir para a constituição
de sujeitos de direitos por meio
práticas educomunicativas.
3) Desenvolvimento de textos, fotos,
fanzines e depoimentos em audiovisual
sobre o tema do TI.
e) Contribuir com a divulgação e
compreensão da comunicação
como um direito humano e
indissociável dos demais e,
consequentemente,
para
a
democratização dos meios de
comunicação.
4) Oficinas de formação para a cobertura
durante as etapas nacional e global.
f) Promover a formação dos
adolescentes comunicadores nos
temas relacionados ao TI.
g) Estimular a produção e
difusão
de
conteúdos
produzidos por/para/com e
adolescentes sobre TI, no
contexto da III Conferência
Global.
5) Realização da cobertura compartilhada
durante as etapas nacional e global.
6) Produção e distribuição virtual de
materiais confeccionados adolescentes e
jovens (banners eletrônicos, boletins,
textos, áudios, vídeos, peças radiofônicas,
entrevistas etc.)
7) Participação nas ações e debates da
conferência.
2) Estímulo ao protagonismo de
adolescentes em ações que contribuam
para a sensibilização e construção de
políticas públicas para o setor.
3) Sensibilização à compreensão da
comunicação como um direito humano.
4) Divulgação, reconhecimento da
importância do trabalho compartilhado,
contribuição à criação de uma nova
cultura de comunicação colaborativa e de
um acervo de conteúdos.
5) Participação direta dos adolescentes
nos debates da conferência.
Prazos
Viração
De julho a
outubro.
168
Metodologia de Formação e planejamento da Cobertura Educomunicativa e Participação
Objetivos:
•
•
•
•
•
•
•
Construir os acordos de convivência para o grupo da educomunicação;
Promover a integração do grupo de adolescentes e educadores;
Sensibilizar os adolescentes para o tema do Trabalho Infantil;
Apresentar e discutir a programação da Conferência;
Planejar as ações de cobertura educomunicativa (levantamento de pautas, divisão de grupos, etc);
Promover formação técnica para as linguagens a serem trabalhadas;
Estimular a participação ativa dos adolescentes durante a Conferência.
- Para a etapa global haverá uma reunião de planejamento da Cobertura e participação feita entre a equipe da Viração Educomunicação e do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). O encontro será definido, em dia e horário, entre as duas partes.
Divisão do Grupo: ficará dividido em: 15 adolescentes para a cobertura e 12 adolescentes para a participação;
Cobertura Educomunicativa: será facilitada por quatro educomunicadores para o desenvolvimento dos materiais ao longo da Conferência Global.
Participação: será facilitada por dois educomunicadores: uma indicada pelo MDS (professora Luiza Moura), que cuidará de sensibilizar para os temas e
programação da Conferência Global, e outro educomunicador da própria Viração, responsável por garantir um processo educomunicativo, democrático e
colaborativo.
169
ETAPA GLOBAL
Orçamento
Recursos Humanos
1
Etapa
Coordenador Geral
1
Horas
80
R$ 120,00
R$ 9.600,00
Educador indicado pelo MDS
1
Horas
80
R$ 80,00
R$ 6.400,00
Educomunicadores
Passagens aéreas e diárias *
3
1
Horas
Etapa
80
R$ 80,00
R$ 19.200,00
R$ 12.500,00
Passagens aéreas
1
PAX
5
R$ 1.500,00
R$ 7.500,00
Diária
5
R$ 200,00
R$ 5.000,00
Diárias (alimentação, hospedagem e
transporte)
5
TOTAL DA ETAPA GLOBAL
R$ 35.200,00
R$ 47.700,00
Monitoramento e avaliação
A avaliação será processual, ou seja, realizada ao longo do tempo de preparação e execução do projeto por
meio da Comissão Organizadora da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil. Para êxito da ação,
serão construídos instrumentais que garantam a orientação, formação, definição e execução de
procedimentos, tais quais: comunicacional, pedagógica, planejamento coletivo e compartilhado, registro e
sistematização das ações e organização de atividades.
O acompanhamento é compreendido como um processo de formação, avaliação e intervenção permanente,
o que possibilita a re-leitura e redefinição dos mecanismos administrativo-financeiros, dos fluxos de
comunicação e das práticas político-pedagógicas.
Acompanhar, na concepção freiriana de educação que muito influencia a educomunicativa, pressupõe uma
metodologia que inclui a investigação, a escuta e o olhar atento para a ação e para o discurso; a
problematização das práticas; a sistematização, em sínteses provisórias, dos processos vividos, dos
encaminhamentos e dos resultados; a apreensão crítica, como ponto de partida para a construção da prática
educomunicativa; a avaliação como um olhar crítico da práxis educomunicativa.
A avaliação sobre as ações proposta neste documento devem considerar o processo coletivo de construção
de procedimentos e produtos, envolvendo planejamento da ação, execução e a produção de materiais,
como também o resultado decorrente deste trabalho.
O legado
“(...) que todos se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu
pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou
explicitamente, nas sugestões e nas de seus companheiros
(FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido)
A realização de Coberturas Educomunicativas, nos moldes aqui proposto, foi experimentado no processo
da 9ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes, em 2012 e tornou-se referência para
outras ações e reflexões dos grupos envolvidos. O processo de organização e execução das Coberturas
Educomunicativas da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, assim como o da 9CNDCA, será
constituído de muitas vivências e deixará legados importantes. Abaixo seguem listados alguns dos mais
importantes.
•
•
Sensibilização e/ou compreensão da temática do trabalho infantil, em especial do tema proposto
para a III Conferência Global: "Estratégias para Acelerar o Ritmo da Erradicação das Piores
Formas de Trabalho Infantil".
Sensibilização e/ou compreensão da comunicação como um direito.
170
•
•
•
•
•
•
•
•
Sensibilização e/ou compreensão da importância dos momentos de escuta, de planejamento, de
formação.
Percepção das realidades locais e como ela se relaciona com outras.
Apropriação das tecnologias de informação e comunicação.
Sensibilização e/ou compreensão da importância do registro para construção da memória.
Construção colaborativa de saberes.
Construção da memória do processo de preparação e execução da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil por meio de textos de cobertura, artigos, fotografias, vídeos, áudios, relatórios,
anais.
Constituição e/ou fortalecimento de laços afetivos, de articulações entre pessoas e grupos.
Ingresso dos adolescentes na Rede de Adolescentes e Jovens Comunicadores(as)
https://www.facebook.com/groups/RNAJC/
Instituição proponente
Viração é uma organização de comunicação, educação e mobilização social entre adolescentes, jovens e
educadores. Criada em março de 2003, a Viração impactou na vida de mais de 5 milhões de pessoas no
Brasil por meio dos 31 projetos especiais desenvolvidos ao longo de 10 anos. Recebe apoio institucional do
UNICEF, UNESCO, ANDI, USP, Ashoka Empreendedores Sociais, Fundação Friedrich Ebert, Província
de Trento, Ministério da Cultura e do Centro de Competencia en Comunicación para a America Latina.
Tem como missão fomentar e divulgar processos e práticas de educomunicação e mobilização entre jovens,
adolescentes e educadores para a efetivação do direito humano à comunicação e para a transformação
socioambiental.
Viração possui metodologia própria de trabalho e experiência comprovada em processos, projetos e
produtos de educomunicação e de mobilização social juvenil; habilidade para trabalho em escolas e com
grupos de diferentes naturezas; experiência em planejamento, gestão e habilidade de trabalho em grupo, em
parcerias e redes, na implantação e implementação de projetos sociais na área da infância e juventude;
experiência no desenvolvimento de materiais de comunicação e cobertura jornalística a partir do olhar de
crianças, adolescentes e jovens; e histórico de compromisso com os Direitos da criança, do adolescente e do
jovem.
A base desta visão é o entendimento de que o adolescente é um sujeito de direitos que precisa ser
considerado em sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, com potencialidades e
vulnerabilidades específicas, mas que representa uma grande oportunidade de desenvolvimento para sua
família, comunidade, escola, governo e para si próprios. Além de trabalhar para o desenvolvimento integral
dos adolescentes, Viração também atua na implementação de uma comunicação integral e integradora, não
entendida apenas sob o ponto de vista tecnológico e instrumental.
Em 2012, a Viração desenvolveu 13 projetos com adolescentes e jovens, realizou cerca de 50 coberturas
jovens de eventos, teve ação estratégica em espaços de formulação de políticas públicas, como a
Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente em instâncias estaduais e federal. Atuou
com jovens de todo o país, de 20 Estados, integrantes dos Conselhos Virajovens e também mobilizadores
da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadoras e Comunicadores (Renajoc).
Missão:
Promover práticas de comunicação e educação entre jovens e adolescentes.
Objetivo geral:
Promover junto aos jovens e adolescentes atividades na área de educação e comunicação e fornecer uma
revista que atue como um fórum de debates sobre a realidade dos adolescentes e jovens, tendo como eixos
editoriais os direitos humanos, os direitos e deveres de adolescentes e jovens cidadãos, a abertura mundial,
a educação, à paz e à solidariedade entre os povos e o respeito à diversidade cultural e religiosa, e ainda
seguindo as diretrizes do Ministério da Educação e Cultura (MEC), como ética, saúde, meio ambiente,
pluralidade cultural, educação sexual, trabalho e consumo.
Guia de Educomunicação: Conceitos e práticas da Viração
http://www.agenciajovem.org/wp/educomunicacao/ (download)
171
São Paulo, 09 de setembro de 2013.
Download

Confira a tese