SABERES DE PROFESSORAS NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINOAPRENDIZAGEM: ASPECTOS DO DIAGNÓSTICO INICIAL
Débora Maria do Nascimento1
Resumo: Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado intitulada: Saberes Docentes na
Organização do Ensino-Aprendizagem, em desenvolvimento desde março de 2007. O referido
estudo aborda os saberes docentes mobilizados na organização do ensino-aprendizagem, com o
objetivo de compreender, com as professoras, que saberes estas mobilizam nessa organização e
como esses saberes estão implicados nas suas práticas. São considerados estudos sobre o
currículo, os saberes docentes e a relação destes com a prática pedagógica e o ensinoaprendizagem como referenciais teóricos que fundamentam o processo de investigação. Neste
artigo, privilegia-se uma análise sobre as condições de trabalho e os saberes prévios das
professoras partícipes em relação aos processos de ensinar e de aprender no ensino fundamental.
O diagnóstico dos saberes prévios das professoras revela a importância da prática cotidiana
como espaço de mobilização de diversos saberes relacionados ao processo de vida, trabalho e
formação que implicam numa dinâmica de organização do processo ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: saberes docente, ensino-aprendizagem, pesquisa colaborativa.
SAVOIRS D'ENSEIGNANTES DANS L'ORGANISATION DE L'ENSEIGNEMENTAPPRENTISSAGE: ASPECTS DU DIAGNOSTIC INITIALE
Résumé: Ce travail est partie de la recherche de doctorat intitulée : Savoirs enseignants
dans l'organisation de l'enseignement-apprentissage, dans le développement depuis mars
2007. Ladite étude il aborde les savoirs enseignants mobilisées dans l'organisation de
ensino-aprendizagem, avec l'objectif de comprendre, avec les enseignantes, que des
savoirs celles-ci mobilisent dans cette organisation et comme ces savoirs sont impliqués
dans leurs pratiques. Sont considérées des études sur le curriculum vitae, les savoirs
enseignants et la relation de ceux-ci avec la pratique pédagogique et enseignementapprentissage je mange des référentiels théoriques qui se basent le processus de
recherche. Dans cet article, se privilégie une analyse sur les conditions de travail et les
savoirs préalables des enseignantes participants concernant les procédures d'enseigner et
d'apprendre dans l'enseignement fondamental. Le diagnostic des savoirs préalables des
enseignantes révèle l'importance de la pratique quotidienne mange de l'espace de
mobilisation de divers savoirs rapportés au processus de vie, du travail et de la
formation qui impliquent dans une dynamique d'organisation du processus
enseignement-apprentissage.
Mots-clés: savoirs enseignant,enseignement-apprentissage, recherche colaborative.
1
Profa. Ms. da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN; doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, sob a orientação da
Profa..
Dra.
Márcia
Maria
Gurgel
Ribeiro.
E-mail:
[email protected]
;
[email protected] . Este trabalho contou com o apoio da CAPES, durante a realização do
estágio doutoral na Universidade de Lisboa em Portugal.
2
SABERES DE PROFESSORAS NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINOAPRENDIZAGEM: ASPECTOS DO DIAGNÓSTICO INICIAL
Débora Maria do Nascimento
1. Introdução
Este trabalho constitui uma análise parcial dos dados que estão sendo
construídos em nossa pesquisa de doutorado intitulada: Saberes Docentes na
Organização do Ensino-Aprendizagem, em desenvolvimento desde março de 2007.
Trata-se de um trabalho que tem como objeto de estudo os saberes docentes
mobilizados na organização do ensino-aprendizagem. Interessa-nos compreender a
partir de um processo colaborativo de investigação, que saberes professoras dos anos
iniciais do ensino fundamental mobilizam na organização do ensino-aprendizagem. No
percurso deste trabalho foram desenvolvemos estudos sobre o currículo, os saberes
docentes na relação com o processo de ensinar e aprender, bem como o diagnóstico dos
saberes prévios das professoras partícipes da pesquisa, referência para as sessões
reflexivas e delineamento dos temas de estudo na investigação.
Neste texto, centramos nossas reflexões em torno das discussões teóricas que
fundamentam o processo investigativo e na análise de aspectos do diagnóstico dos
saberes prévios das professoras, com foco nos aspectos do ambiente escolar e na prática
cotidiana das professoras no processo de organização do ensino-aprendizagem. Desse
modo, organizamos o texto do seguindo modo: no primeiro momento, discutimos os
saberes docentes como problema de estudo, enfocando os aspectos conceituais no
tocante ao que se compreende sobre os saberes docentes na relação com o ensinar e
aprender; em seguida trazemos a abordagem colaborativa como orientadora do processo
investigativo e, por fim, aspectos do diagnóstico dos saberes prévios das professoras
revelados a partir das entrevistas coletivas e das observações colaborativas.
3
2. Os Saberes Docentes como Objeto de Estudo
Como podemos observar nos trabalhos de Nunes (2001), Lellis (2001), Borges
(2001), Lüdque (2001), Monteiro(2001, 2002) e Santos (2002), dentre outros, as últimas
décadas têm evidenciado no campo dos estudos do currículo e da formação docente o
aparecimento de uma vasta literatura internacional e nacional que aborda, em especial,
os conhecimentos incorporados e atualizados pelos professores em seus processos de
vida, de trabalho e de formação. Nos estudos observados destacam-se abordagens que
chamam a atenção para o trabalho docente: como atividade reflexiva (SCHÖN, 1995); a
reflexão sobre os percursos profissionais, a relação entre a profissão e a pessoa e o
modo como os professores foram evoluindo na trajetória profissional (NÓVOA, 1995);
a análise das dificuldades de aprendizagem na sala de aula para uma proposta de
práticas educativas significantes para os alunos (POSTIC, 1995); a formação dos
professores com base em saberes e competências (GAUTHIER, 1998); a mobilização e
o emprego de saberes proveniente de sua experiência (THERRIEN, 2000); a relevância
da reflexão e da discussão para a compreensão das práticas docentes (SACRISTÁN e
GÓMEZ, 2000).
Concordamos com Borges (2004, p. 19) quando diz: “todo problema de
pesquisa inscreve-se no interior de um quadro teórico, do qual emergem as questões que
inquietam o pesquisar”. Nessa perspectiva, o nosso trabalho emerge no âmbito das
pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobre os saberes na relação com trabalho e o
desenvolvimento profissional docente. Insere-se, ainda, no contexto de uma
problemática relacionada às habilidades ou competências dos docentes para exercer o
seu trabalho de forma a cumprir a função social da escola, que é ensinar.
Temos nos preocupado com as dificuldades enfrentadas pelos docentes em
suas práticas cotidianas, especialmente, com os resultados insatisfatórios da
aprendizagem dos estudantes. Longe de querer atribuir a culpa desses problemas aos
docentes, mas considerar que mesmo possuindo uma autonomia relativa como nos diz
Sacristán (2000), os professores são os principais mediadores entre os conhecimentos
existentes em nossa cultura e os conhecimentos que os estudantes aprendem na
instituição escolar. De modo que, no processo de construção do conhecimento escolar, o
professor não é um mero executor de tarefas, planos ou propostas de ensino,
acreditamos, pois, que estes professores possuem determinados saberes que têm uma
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implicação sobre os saberes que os alunos aprendem. Saberes que necessitam ser
problematizados, assim como o contexto e as condições em que estes os mobilizam,
como possibilidade de tornar a prática mais crítica e transformadora da realidade da
qual fazem parte.
É nessa perspectiva, fundamentada em nossos conhecimentos empíricos e
teóricos sobre as dificuldades que os docentes têm para lidarem com os próprios saberes
e os saberes que ensinam aos alunos, que decidimos investigar sobre que saberes os(as)
professores(as) dos anos iniciais do ensino fundamental mobilizam na organização do
ensino-aprendizagem e como esses saberes implicam a dinâmica do ensinoaprendizagem.
2.1 Os saberes docentes: algumas tipologias e referências de análise
Nunes (2001), ao fazer uma retrospectiva das pesquisas sobre formação e
profissão docente, demonstra que esse tema surge em âmbito internacional nas décadas
de 1980 e 1990. Entre alguns motivos que contribuíram para sua emergência está o
movimento de profissionalização do ensino e suas conseqüências para a questão do
conhecimento dos professores na busca de um repertório de conhecimentos visando a
garantir a legitimidade da profissão.
Considerando os diferentes enfoques, a autora citada evidencia o caráter
polissêmico que envolve a noção de saber docente. Nessa perspectiva, destacaremos um
quadro-síntese com algumas destas tipologias e perspectivas de análise, considerando os
autores estrangeiros e nacionais que se dedicam ao estudo dessa problemática.
QUADRO : Diversas tipologias para os saberes docentes
Autores Estrangeiros
Autores
Classificação dos saberes docentes
Tardif
1. Saberes de formação profissional
2. Saberes disciplinares
3. Saberes curriculares
4. Saberes esperienciais
Gauthier
1. Saberes disciplinares
2. Saberes curriculares
3. Saberes das ciências da educação
4. Saberes da tradição pedagógica
5. Saberes experienciais
Concepções e perspectivas de análise
• Referência de análise é o trabalho docente
• Os saberes docentes são compreendidos num
sentido amplo, abarcando os conhecimentos, as
competências, as habilidades e as atitudes
docentes.
• Quanto à natureza: plurais e heterogêneos ;
quanto à origem é social.
• Ensinar é mobilizar uma grande variedade de
conhecimentos, reinvestindo-os no trabalho, para
adaptá-los e transformá-los para e pelo trabalho.
• Âmbito de análise: saberes declarativos e
procedimentais.
• Considera a profissão docente como um ofício
feito de saberes.
• Ensinar consiste na mobilização de vários
saberes que formam uma espécie de reservatório.
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6.Saberes da ação pedagógica
Schön
Desenvolve a concepção de prática
reflexiva a partir de três idéias
centrais:conhecimento na ação ; a
reflexão na ação ; a reflexão sobre a
reflexão da ação.
Perrenoud
Estabele dez competências, que para
ele incluem os saberes, mas são mais
amplas que estes.
Shulman
1. O conhecimento do conteúdo
2. O conhecimento do ensino do
conteúdo
3. O conhecimento pedagógico mais
geral
• Ênfase nos saberes da ação pedagógica,
referem-se aos saberes experienciais tornados
públicos e testados através das pesquisas
realizadas em sala de aula.
• A partir dos estudos sobre a formação dos
arquitetos, desenvolve o conceito de prática
reflexiva.
• Propõe uma epistemologia assentada na
reflexão na ação.
• Defende o ensino pela ação e não pela
instrução.
• Propõe o conceito de competência como
categoria central de análise.
• Entende as competências como capacidades de
ação, que mobilizam saberes para a ação.
• Destaca a importância da reflexão teórica e
epistemológica do professor sobre as matérias
que ensinam.
• Apresenta três formas de apresentação do
conhecimento do professor : proposicional ; de
caso e estratégico ;
Autores Nacionais
Paulo
Freire
Uma prática pautada na autonomia e
na ética exige : pesquisa ; respeito aos
saberes dos alunos ; exige bom senso,
exige disponibilidade para o diálogo...
Tomando a autonomia enquanto categoria teórica
e postura teórica, desenvolve uma reflexão sobre
os saberes necessários a uma prática educativa
pautada na ética, no respeito à dignidade,
liberdade, na assunçào do ato de conhecer como
produção do conhecimento.
Pimenta
1. Da experiência, que seria aquele
aprendido pelo professor desde
quando aluno, assim como o que é
produzido na prática num processo de
reflexão e troca com os pares;
2. Do conhecimento, que abrange a
revisão da função escola na
transmissão dos conhecimentos e as
suas especialidades num contexto
contemporâneo e;
3. Dos saberes pedagógicos, aquele
que
abrange
a
questão
do
conhecimento juntamente com o saber
da experiência e dos conteúdos
específicos a partir das necessidades
pedagógicas reais.
1. A gestão pedagógica da sala de aula
2. A gestão das atividades curriculares
3. A gestão disciplinar
Desenvolve pesquisas a partir de sua prática com
alunos de licenciatura.
Terrien e
Loiola
Procura compreender a racionalidade do fazer
pedagógico no chão da sala de aula.
O campo de pesquisa sobre os saberes docentes é bastante amplo, e nos
últimos anos tem se multiplicado o número de pesquisas. Nesse contexto, a tipologia
para os saberes são muitas e variam de acordo com os paradigmas de pesquisa e com as
disciplinas que as construíram (filosofia, psicologia e etnologia). Porém, todas essas
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classificações têm como proposta comum explicitar a natureza e comprovar a existência
de uma pluralidade de saberes.
Dentre os principais paradigmas ou enfoques de pesquisa estão: processoproduto; cognitivistas e o interacionista-subjetivista (GAUTHIER, 1998). De forma
que, a tipologia dos saberes apresentados no quadro acima, nos aponta aproximações e
distanciamentos teóricos considerando as origens, natureza e fontes de aquisição e
modos de integração desses saberes à prática docente. Não nos deteremos na análise de
todos esses autores, dado os significativos trabalhos que já o fizeram2; no entanto, nos
deteremos em algumas aproximações entre aqueles autores que mais têm contribuído
com as nossas reflexões. É pertinente, inicialmente, dizer que a própria noção do que
seja saber já traduz o caráter polêmico e não consensual dessa discussão; pelos menos é
o que encontramos ao analisarmos as posições de Altet (2001), Tardif e Gautier (2001).
Altet (2001) traz uma reflexão de Beillerot para dizer que saber é tudo o que
um determinado sujeito adquire e constrói através do estudo ou da experiência. Faz a
distinção entre informação, saber e conhecimento, a partir da proposta de Legroux.
Nessa perspectiva, a informação é exterior ao sujeito e de ordem social. O
conhecimento é integrado ao sujeito e de ordem pessoal; já o saber, estaria numa
interface entre o conhecimento e a informação.
Tardif e Gauthier (2001) trazem uma discussão em que questionam o uso da
noção de saber sem uma conduta crítica, ao que dizem que muitas das pesquisas podem
resvalar nos excessos de considerar o professor um erudito; e o de considerar que tudo é
saber. No primeiro caso, a exemplo da influência behaviorista nas pesquisas, essa
conduta conduz a uma visão científica e tecnológica do ensino. No segundo, abordagens
etnográficas levadas ao limite, podem transformar tudo em saber (os hábitos, as
emoções, a intuição, as maneiras de ser, de fazer, as opiniões, regras, normas). O
problema, segundo os autores, não consiste em sustentar a existência dos saberes
informais, cotidianos ou experienciais, mas em designar esses diferentes saberes a partir
de uma noção imprecisa e indefinida.
Assim, sem pretender satisfazer a todos, os autores acima citados propõem um
enquadramento conceitual global da concepção de saber, os quais estão baseados em
certas escolhas e interesses investigativos. Esse enquadramento conceitual, parte da
existência de três concepções do saber: o sujeito, a representação, o julgamento, o
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Ver: BORGES (2004); NUNES (2001); Monteiro (20010.
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discurso assertivo e o argumento. Na primeira concepção, o saber é um tipo particular
de certeza subjetiva produzida pelo pensamento racional. Nesse sentido, saber qualquer
coisa é possuir uma certeza subjetiva racional. Na segunda concepção, o saber é o
julgamento verdadeiro. Remete à dimensão assertiva ou prepositiva do saber. A terceira
concepção traz uma visão de saber que se desenvolve no horizonte do outro e em vista
dele. Segundo essa concepção, podemos chamar de saber a atividade discursiva que
procura validar como auxílio do argumento uma proposição ou uma ação. Para os
autores, o traço comum entre essas três concepções é a exigência de racionalidade. Esse
traço comum fornece, segundo os autores, uma pista importante para restringir em suas
pesquisas o campo dos estudos dos saberes docentes aos discursos e às ações em que os
locutores ou atores são capazes de apresentar uma ordem qualquer de razões para
justificá-los.
A concepção de saber que adotaremos em nosso contexto investigativo, se
aproxima da apresentada por esses autores porque: interessam-se pelas relações entre
saber e identidade profissional enquanto grupo; tentam descrever e analisar os saberes
dos professores numa perspectiva sócio-histórica e, ainda, porque trazem uma dimensão
argumentativa e social
do saber. Partindo
da perspectiva desses
autores,
compreendemos, inicialmente, que o saber é sempre o saber de alguém que trabalha
com algum objetivo. E, em se tratando dos professores, o saber deles é um saber que
está relacionado com a sua identidade, sua experiência de vida, com a sua história
profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores
escolares na escola. Nesse sentido, acenamos com uma abordagem de pesquisa que
busca considerar os professores co-participantes e autores da investigação como
delinearemos a seguir.
3. Itinerários da Investigação
As perspectivas teóricas que vêm fundamentando a definição desse objeto
investigativo indicaram a abordagem colaborativa como princípio teórico metodológico
pelos seguintes motivos:
A pesquisa colaborativa é uma proposta de investigação fundamentada nos
pressupostos do materialismo histórico-dialético, cujo potencial consiste em
possibilitar aos atores sociais envolvidos (pesquisadores e professores) a busca de
soluções para os problemas educacionais de forma emancipatória.
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A investigação dos problemas educativos, nessa abordagem de pesquisa, constitui-se
em um processo de investigação que tem como característica essencial a
participação e o processo coletivo de reflexão.
Os princípios da colaboração e da reflexão orientam o percurso teórico
metodológico da investigação. A colaboração pressupõe que todos os agentes
tenham voz para que possam colocar as suas concordâncias e discordâncias em
relação ao discurso do outro. A reflexão implica a imersão consciente, supõe análise
e uma proposta que orienta a ação para a mudança.
3.1 Procedimentos Adotados
As principais atividades nessa abordagem de pesquisa compreendem a
observação colaborativa e as sessões reflexivas. Esse processo permite que as
professoras se distanciem de suas práticas e através da reflexão construam as
possibilidades de negociação de novos sentidos. Os estudos de Smyth (1992), baseados
em Paulo Freire, propõem que esse processo reflexivo se dê a partir das ações de:
descrever; informar; confrontar e reconstruir. Essas ações compreendem ações em que o
indivíduo deve questionar-se sobre: no descrever (o que eu faço?); no informar (o que
isso significa?); no confrontar (como cheguei a ser assim?) e no reconstruir (como posso
agir diferentemente?).
3.2 Descrevendo o campo empírico
a) O campo de pesquisa
Constitui o campo de nossa investigação, uma escola pública da rede
municipal, em Pau dos Ferros, cidade do interior do Alto-Oeste do Estado do Rio
Grande do Norte, Brasil, distante cerca de 440-Km da capital, Natal; a sudoeste do
estado.
b) As Partícipes
Considerando que na pesquisa colaborativa todos são partícipes (professores
e pesquisador), nosso grupo é composto por três partícipes, duas professoras dos anos
iniciais do ensino fundamental e uma professora pesquisadora.
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4. A relação das professoras com os próprios saberes e os saberes que ensinam no
cotidiano da sala de aula: alguns aspectos do diagnóstico inicial
Abordaremos neste item o contexto e as condições em que os professores
desenvolvem sua prática, descrevendo o ambiente escolar procurando apreender no
contexto de trabalho o sentido atribuído pelas professoras aos objetivos, as metas
estabelecidas no contexto de trabalho em que atuam, e a forma como esses valores
contribuem para a mobilização dos saberes na organização do processo ensinoaprendizagem.
Podemos dizer que a escola campo de estudo, por sua estrutura física e número
de alunos que atende (cerca de 241 alunos), é uma escola de porte pequeno. Entretanto,
desenvolve atividades nos três turnos: matutino; vespertino e noturno. Sendo que, no
turno matutino há uma maior procura pela matrícula para a pré-escola e anos iniciais.
O espaço físico estava assim divido: duas salas de aula onde funcionava a préescola; uma sala determinada como sala de vídeo, mas que funcionava uma sala de aula
com o 4o ano; uma secretaria, que já no final do ano deu lugar a sala de aula do 4o ano,
pois a sala onde esta funcionava foi preparada para se transformar em sala de
informática; mais duas salas de aula amplas, onde funcionava o primeiro e segundo ano,
entretanto, a sala do primeiro ano por ter um grande número de alunos ficava bastante
apertada; numa outra área, ficavam mais duas salas de aulas, também amplas, onde
funcionavam o 3o e o 5o ano. Compõe ainda o espaço físico da escola banheiros, uma
cozinha, um pequeno depósito, sala da direção e a sala de professores. Nas visitas que
fizemos, observamos que embora a sala dos professores seja o espaço habitual onde
estes se encontram no intervalo, alguns professores preferem ficar em suas próprias
salas de aula ou conversando nas áreas próximas. No pátio que dá acesso a escola, há
algumas árvores e uma pequena área livre, é neste espaço onde as crianças brincam na
hora do recreio de corre-corre, pega-pega, sobem nas árvores, pois não há brinquedos ou
parque onde as crianças possam brincar. No aspecto geral a escola aparenta ter uma
estrutura física razoável, porém não há espaço organizado de sala de leitura ou
biblioteca, recreação, sala de jogos ou brinquedoteca. Nas salas de aula observamos que
havia, além das carteiras, outros móveis como uma pequena mesa onde as professoras
depositavam seus objetos e estantes onde eram guardados livros didáticos ou alguns
poucos livros de literatura infantil (alguns trazidos pelas próprias professoras). No
ambiente das salas observamos cartazes com normas/combinados para o dia-a-dia e
trabalhos expostos dos alunos.
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Quanto à organização administrativo-pedagógica, constatamos que a escola
possui um projeto político-pedagógico, elaborado no ano de 2002, no contexto em que
funcionava conjuntamente outra escola destinada à educação infantil. A análise deste
documento demonstrou que não estava, até aquele momento, havendo uma atualização
dos seus objetivos, metas ou conteúdos curriculares. Até mesmo dados como a
caracterização da escola, mesmo se tratando da escola com outro nome, funcionando no
mesmo espaço físico, demonstraram que a realidade da escola pouco mudou ao longo de
todos esses anos, tais como: a estrutura física da escola, bem como a origem da clientela
atendida, uma vez que, embora a escola esteja localizada num numa área residencial
constituída, em sua maioria, por trabalhadores do comércio e funcionários públicos,
como já havíamos mencionado anteriormente, os alunos que freqüentam essa escola são
oriundos de outros bairros periféricos e das comunidades rurais.
Não houve também alterações na proposta curricular, pois não encontramos
neste documento, nem nas conversas que mantivemos com a equipe pedagógica e
administrativa da escola, registros de discussões entre a comunidade escolar sobre as
necessidades da escola, o que nos faz compreender que o Projeto Político-Pedagógico
no contexto dessa escola, ainda não assumiu de fato o papel de instrumento político de
transformação da realidade educativa, o que possivelmente reflete nos índices de
rendimento da educação básica, tanto em nível do município, como da própria escola,
conforme podemos observar nas informações abaixo:
TABELA – 01: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal - PAU DO FERROS
Ensino
Fundamental
Anos Iniciais
IDEB
Observado
Metas Projetadas
2005
2007
2007
2009
2011
2013
2015
2017
2019
2021
3,1
2,8
3,2
3,5
4,0
4,2
4,5
4,8
5,1
5,4
Fonte: Prova Brasil e Censo Escolar
TABELA – 02: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para Escola - ESC MUL PROFA NILA
REGO
11
Ensino
Fundamental
Anos Iniciais
IDEB
Observado
Metas Projetadas
2005
2007
2007
2009
2011
2013
2015
2017
2019
2021
2,5
2,6
2,6
2,9
3,3
3,6
3,8
4,1
4,5
4,8
Fonte: Prova Brasil e Censo Escolar
Apesar de no início do ano termos encontrada exposta uma agenda de
encontros para planejamento de ações pedagógicas, encontros esses que ocorreriam
mensalmente com a equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, apenas
um desses encontros aconteceu. Não tomamos conhecimento de quaisquer outros
encontros sistematizados por parte da equipe pedagógica da escola para planejamento
pedagógico. Ouvimos por parte da Diretora, que estava havendo dificuldades nesse
sentido, vez que uma das supervisoras que desenvolvia este trabalho havia solicitado
afastamento para pós-graduação, e outras supervisoras, por questões de divergências
políticas, também haviam se afastado.
Assim, os direcionamentos administrativos e de certa forma também os
pedagógicos, eram geridos pela própria diretora, sentimos que não havia de fato uma
equipe de apoio pedagógico efetivo na escola, apesar de constar no quadro da escola. A
falta desse apoio pedagógico e de uma sistematização das ações político-pedagógicas
contribuem para que as professoras desenvolvam suas práticas de forma isolada e sem
um processo de discussão coletiva. Essa dificuldade no estabelecimento de processos de
discussões coletivas na escola, ao que parece, vem dificultando o estabelecimento de
relações mais afetivas, de valorização e melhoria da auto-estima das professoras
conforme podemos observar nos depoimentos abaixo, nos quais as professoras revelam
essas dificuldades:
PP1: Posso até estar errada, mas eu sempre bato nessa tecla, eu
acho que nós professores podemos até não fazer muito, mas agente
tem procurado fazer o que agente pode. Porque nós estamos
sozinhas. Eu acho assim, que agente é uma vencedora, porque
agente está ali procurando, buscando... porque você vê, não tem
acompanhamento de ninguém, é cada um por si e Deus por todos,
sabe.
Sobre a valorização do trabalho, assim se posicionaram:
PP1: Quem é reconhecido, porque não vê o trabalho da gente, o
esforço que agente têm. Mesmo que agente não seja cem por cento
correto, que agente não é, ninguém é cem por cento, ninguém é
melhor do que ninguém. Todo mundo tem suas habilidades, mas
deveriam ser reconhecidas. Nós fizemos aqui de manhã essa
atividade, todo professor fez cartaz, fez suas lembrancinhas, mas só
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citou fulano porque tem habilidade. Isso magoa agente. E todo
mundo aqui na escola já percebeu.
PP2: Agora no dia das mães, eu passei a semana ensaiando para os
meninos cantarem a música, aí eles não conseguiram, eles ficaram
tímidos, com vergonha no meio das pessoas, aí não conseguiram
cantar a música toda. No outro dia agente comentando, algumas
colegas disseram: por isso que eu não FAÇO! Aí eu disse, não, vale
o esforço da gente, está se esforçando, está aprendendo.
A organização do trabalho pedagógico no cotidiano escolar por parte das
professoras, normalmente é feito individualmente e em suas próprias casas. Os planos
diários que analisamos, organizado nos cadernos das professoras demonstram que
mesmo de maneira resumida, as professoras traçam seus objetivos de aula e as
atividades do dia-a-dia, denominados por elas de “pauta do dia”. Normalmente as pautas
não são muito longas, nestas as professoras traçam, muitas vezes, sem muito
detalhamento, as ações a serem desenvolvidas a cada dia. Complementando essas pautas
encontramos as leituras e exercícios.
Achamos necessário obter informações acerca dos referencias utilizados e dos
pontos de partida para organização do conhecimento a ser trabalhado nas aulas. Esse
dado tornou-se importante, uma vez que pode revelar que saberes as professoras
mobilizam para organizarem o conhecimento em sala de aula. As respostas a esse
questionamento nos revelaram que, em seus discursos, as professoras dizem partir das
necessidades e do que os alunos já sabem, conforme podemos observar na fala de uma
das partícipes:
PP1: A partir da necessidade do aluno. Assim, a primeira coisa que
eu observo, é aquilo que o aluno já sabe. Como é a turma, a partir
daí, eu vou buscando.
Partir das necessidades dos alunos, bem como do que os alunos já sabem, nos
indica que as professoras consideram em seus discursos, os conhecimentos prévios
como ponto de partida para o ensinar e o aprender. Essa compreensão sinaliza para uma
mobilização de saberes relacionados a uma abordagem psicológica de ensinoaprendizagem. O que nos resta compreender é se, esses saberes tomados como ponto de
partida para organização do ensino vêm se constituindo em aspectos diagnosticadores
das necessidades de aprendizagens dos alunos, possibilitando assim que as professoras
organizem um ensino que faça avançar esses conhecimentos. Assim é que julgamos
importante analisar, a partir de um processo reflexivo, as aulas das professoras, cujos
dados serão apresentados em trabalhos posteriores.
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5. Algumas considerações
Os estudos desenvolvidos pelos autores citados ao longo desse texto revelam o
caráter polissêmico e não consensual da discussão que envolve a noção de saber e
saberes docentes. A concepção de saber que adotarmos em nosso contexto investigativo,
se aproxima do enfoque adotado por Tardif e Gauthier porque esses autores: interessamse: pelas relações entre saber e identidade profissional enquanto grupo; tentam
descrever e analisar os saberes dos professores numa perspectiva sócio-histórica e,
ainda, porque trazem uma dimensão argumentativa e social do saber.
Neste trabalho, enfocamos aspectos do ambiente escolar, bem como as
interações políticas e pedagógicas que se realizam no cotidiano escolar como um campo
de possibilidades para análise dos saberes que as professoras mobilizam para resolver as
questões do cotidiano da sala de aula. Na maioria das vezes, como observamos, nem
sempre esse ambiente está organizado de forma que favoreça o desenvolvimento da
profissionalidade docente. A nossa opção pela abordagem da pesquisa colaborativa têm
contribuído (apesar das dificuldades inerentes ao processo) para o estabelecimento de
relações mais reflexivas sobre a prática que as professoras, a partir das sessões e estudos
reflexivos como estratégias metodológicas privilegiadas nessa investigação.
As nossas questões de investigação apontam para a necessidade de
percebermos a partir de um processo reflexivo da ação pedagógica das professoras
partícipes, que espécie de saberes as professoras mobilizam no cotidiano de suas
práticas para organizarem o processo de ensinar e aprender, de forma que possamos
perceber quais saberes (mesmo considerando-os plurais e heterogêneos) são mais
valorizados e privilegiados pelas professoras em suas práticas.
6. Referências
BORGES, Maria Cecília Ferreira. O Professor da educação básica e seus saberes
profissionais. Araraquara: JM Editora, 2004.
_______. Saberes docentes: diferentes tipologias e classificações de um campo de
pesquisa. Educação e Sociedade. no. 74. abr. 2001. Dossiê: Os saberes dos docentes e
sua formação.
FERREIRA, Maria Salonilde. Puxando fios. XVII EPENN, Belém, 2005.
GAUTHIER, C. et. all. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre
o saber docente. Ijuí-Rs: UNIJUÏ, 1998.
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SABERES DE PROFESSORAS NA ORGANIZAÇÃO DO