TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Sindical A APLICAÇÃO DA REVELIA PARA O EMPREGADOR EM PROCESSO TRABALHISTA NA ÓTICA DO PROJETO DE LEI (PL) Nº 1.502/2007 Roberto Lopes Advogado O Projeto de Lei (PL) nº 1.502/2007, de autoria do Deputado Edgar Moury (PMDBPE), objetiva alterar a redação do artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a fim de criar novas regras acerca da aplicação da revelia para o empregador em sede de reclamação trabalhista, a saber: “Art.1º O art. 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art.844. O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. §1º Ocorrendo, entretanto, manifestação do reclamado no prazo de 8 (oito) dias com o comprometimento de que irá comparecer a uma nova audiência a ser marcada, sem a necessidade de apresentação de justificativa, o Juiz suspenderá o julgamento designando nova audiência e aplicando-lhe multa no valor equivalente ao último salário percebido pelo reclamante, em favor deste; §2º O não comparecimento do reclamado somente poderá ocorrer uma única vez para que o disposto no §1º seja aplicado; §3º No entanto, se justificativa relevante for apresentada, independentemente do não comparecimento do reclamado em audiência anterior, poderá o presidente designar nova audiência, sem a aplicação de qualquer penalidade.” A revelia, na lição de Valentin Carrion1, “é a contumácia do réu que não oferece contestação às pretensões do autor”. Não possui característica de pena, mas simples consequência de não se impugnar a reclamação trabalhista proposta pelo trabalhador (reclamante), no momento apropriado, pelo empregador (reclamado). 1 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 694. Junho de 2009 82 O art. 844 consolidado regulamenta a questão da seguinte forma: “Art. 844. O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. Parágrafo único. Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o Juiz suspender o julgamento, designando nova audiência.” A jurisprudência trabalhista, eventualmente, elide a aplicação da revelia para o reclamado ausente da audiência (mantida, contudo, aplicação da pena de confissão quanto à matéria de fato) desde que seu advogado a ela tenha comparecido munido de procuração, contestação e outros documentos, uma vez que restaria evidenciado o ânimo de defesa. A propósito, vejamos julgado do egrégio Tribunal Superior do Trabalho (TST): “A presença do advogado na audiência inaugural, com a procuração da parte, e a juntada de defesa escrita demonstram o ânimo de defesa, o que afasta a revelia aplicada à parte ausente, mas não a confissão quanto à matéria de fato.” (TST, RR 96.894/93.2, Rel. Min. Vantuil Abdala, AC. 2ª T., 2.621/95) Entretanto, o parágrafo único, do art. 844, contempla hipótese de designação de nova audiência, sem aplicação de qualquer penalidade, desde que o faltoso (reclamante ou reclamado) comprove o motivo determinante para a fatalidade do acontecimento alegado como, por exemplo, o disposto na Súmula 122 do TST: “Revelia. Atestado Médico. A reclamada, ausente à audiência em que deveria apresentar defesa, é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração, podendo ser ilidida a revelia mediante a apresentação de atestado médico, que deverá declarar, expressamente, a impossibilidade de locomoção do empregador ou do seu preposto no dia da audiência.” Inicialmente cabe ressaltar que é extremamente louvável a iniciativa do ilustre parlamentar subscritor da proposição em comento, principalmente porque demonstra preocupação com a patente insegurança jurídica nas relações de trabalho criada com a aplicação desmedida da pena de revelia e confissão para o reclamado ausente de audiência por motivo alheio à sua vontade. De qualquer forma, a redação do § 1º, do artigo 844, proposta no PL nº 1.502/2007, pode gerar dúvidas quanto ao limite temporal para sua incidência, bem assim o fato de a penaTrabalhos Técnicos Junho de 2009 83 lidade ali estipulada incidir automaticamente quando o reclamado, dentro dos oito dias, requerer ao juiz o adiamento da audiência. A proposição não deixa claro, para o reclamado, quando do recebimento da notificação para o comparecimento da audiência inaugural, a partir de que data correria o prazo de oito dias para requerer, sem justificação, eventual pedido de adiamento. Também deixa margem à dúvida quando não especifica qual seria o momento para a aplicação da multa ali estipulada: se pelo simples fato de requerer o adiamento, injustificadamente, ou na hipótese de não comparecer à nova audiência designada em consequência daquele pedido de adiamento deferido pelo juiz. O § 2º da proposição estabelece que a multa deva ser aplicada pelo não comparecimento do reclamado em audiência, uma única vez, mas não deixa claro a qual audiência está se referindo. Contudo, ainda que a proposição tenha sido pertinente ao tentar resolver o problema da decretação da revelia para o empregador, o fato é que a mesma pode ser inquinada de inconstitucional por dispensar tratamento diferenciado para as partes, ferindo, portanto, o princípio da isonomia (art. 5º, da Constituição da República – CR) na medida em que a nova chance concedida ao reclamado, pela ausência, não deveria estar condicionada à aplicação de multa, quando, para o reclamante, nos termos do artigo 732 da CLT, o não comparecimento à audiência dispensa aplicação de pena pecuniária. Apesar disso, a proposição fere o princípio da razoabilidade exatamente quando cria penalidade em “valor equivalente ao último salário percebido pelo reclamante”, quando poderia ter como referência percentual sobre o salário mínimo, bem mais adequado, sob pena de, em alguns casos, tornar até mesmo inexequível a eventual execução, trazendo, fatalmente, o prejuízo que a mesma pretende diminuir para o empregador. Isto porque sua natureza jurídica é de penalidade processual coercitiva, denominada astreintes, aplicada pelo juiz em decorrência do descumprimento de uma obrigação do empregador – a de comparecer a nova audiência –, não se justificando patamar tão elevado. Melhor seria que inexistisse a penalidade, mas, ainda que cabível fosse, a multa deveria ser estipulada com base em percentual sobre o salário mínimo, como, por exemplo, aquela aplicada no § 2º, do artigo 137, da CLT. Exatamente para retirar essas dúvidas e dar tratamento isonômico entre as partes, é que a ilustre Deputada Gorete Pereira (PR-CE), relatora da proposição na Comissão de Trabalho, de Junho de 2009 Trabalhos Técnicos 84 Administração e Serviço Público (CTASP), apresentou, em 6 de maio de 2009, parecer pela sua aprovação, além de ter apensado o PL nº 4.789/2009 (de autoria do Deputado Rodovalho – DEM-DF), por tratar de matéria idêntica, desde que na forma do substitutivo por ela apresentado, que não prevê aplicação de penalidade para o reclamado, com a seguinte redação: “SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 1.502 DE 2007 Altera a redação do art. 844 da Consolidação das Leis do Trabalho para dispor sobre a revelia em casos de não comparecimento do reclamado à audiência. O Congresso Nacional decreta: ‘Art. 1º O art. 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, transformando-se o parágrafo único em § 1º: Art. 844.................................................................................................................. § 1º......................................................................................................................... § 2º Caso o reclamado não possa justificar sua ausência e compareça em juízo no prazo de dez dias, após a data da audiência, o juiz suspenderá o julgamento, elidindo a revelia e designando nova audiência. § 3º O não-comparecimento nos termos do § 2º somente poderá ocorrer uma única vez. Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.’ Sala da Comissão, em de de 2009. Deputada GORETE PEREIRA Relatora” Assim, o substitutivo, na forma em que se encontra, atende de forma equânime e bastante razoável os interesses de ambas as partes, captando, inclusive, o espírito da justificativa apresentada pelo subscritor do PL nº 1.502/2007, razão pela qual, a fim de que não restem violados os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, sua aprovação poderia ser aceita desde que condicionada ao acolhimento do substitutivo apresentado, na CTASP, pela Deputada Gorete Pereira (PR-CE). Trabalhos Técnicos Junho de 2009 85 Outro importante aspecto é que a modificação, operada na proposição pelo substitutivo, possibilita que o empregador/reclamado tenha assegurado o exercício do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, qual seja, a renovação de apresentação da contestação no âmbito do processo trabalhista. A proposição tramita em regime conclusivo (não precisa ser votado pelo Plenário da Câmara dos Deputados para que seja aprovado, mas apenas pelas Comissões) e deve ser incluída na pauta de votação da CTASP, uma vez que em 20 de maio de 2009 esgotou-se o prazo regimental para apresentações de emendas ao substitutivo. Junho de 2009 Trabalhos Técnicos