setor 1506 15060612 15060612-SP Aula 21 Modernismo em Portugal: Fernando Pessoa SINOPSE • 1915. Marco inicial do Modernismo lusitano: publicação da revista Orpheu. Daí deriva o vocábulo “orfismo”, com o significado de movimento modernista português. • “Sensacionismo”, “paulismo” e “interseccionismo” são nomes que designam correntes do movimento. • Polêmica contra o saudosismo de Teixeira de Pascoaes, que predominava na literatura portuguesa do início do século XX. • Introdução de ideias e práticas artísticas das vanguardas, especialmente do Futurismo: verso livre, coloquialismo, prosaísmo, paródia e demais noções associadas à ideia de modernidade. • Autores e obras de destaque: Fernando Pessoa (1888-1935): Obra completa. Mário de Sá-Carneiro (1890-1930): Dispersão, 1914; A confissão de Lúcio, 1914; Céu em fogo, 1915. Almada Negreiros (1893-1970): Nome de guerra, 1938. segunda geração terceira geração •1927: Revista Presença •Autor e obra destacados: José Régio (1901-1969): Poemas de Deus e do Diabo, 1925 • 1940: Neorrealismo • Autor e obra destacados: Alves Redol (1911-1969): Gaibéus, 1940 FERNANDO Antônio Nogueira PESSOA (Lisboa, 1888 – 1935) MULTIPLICIDADE Fernando Pessoa é considerado não apenas o maior poeta do século XX em Portugal, mas também um grande escritor europeu. Tendo sido educado na África do Sul, acumulou enorme KAPA-6 850450612 cultura literária em português e em inglês. Ao lado de Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, introduziu as ideias e as formas modernistas em Portugal, quando, em 1915, participou do grupo responsável pela revista Orpheu, que teve apenas três números. O maior índice do talento artístico de Pessoa consiste na criação dos heterônimos (outros eus), poetas imaginários, aos quais o escritor atribuía entidade física, biografia e um conjunto de obras. São personagens de uma criação inconclusa. As obras supostamente assinadas por essas figuras, o autor as publicava em revistas de vanguarda ou as guardava em um baú à espera de divulgação. No final, ele pensava em reunir esses textos em um volume que se chamaria Ficções do Interlúdio. Como era desorganizado e como morreu aos quarenta e sete anos, esse livro não foi editado senão após a morte do autor, mas sem a mesma coesão imaginada por Fernando Pessoa. À criação dos heterônimos dá-se o nome de heteronímia, que se explica como aplicação máxima da imaginação à poesia. Além dos heterônimos, há a obra poética assinada pelo próprio Pessoa, conhecida como poesia ortônima. O poeta confundia imaginação com fingimento artístico, como se percebe na célebre quadra de “Autopsicografia”, assinada por Pessoa Ele Mesmo: 100 ANGLO VESTIBULARES O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. Fernando Pessoa ele mesmo (ortônimo) possui também versos modernistas, mas sua feição mais característica é a manutenção de formas e temas típicos da fase pré-modernista, associada ao Simbolismo e à lírica tradicional portuguesa. Os principais heterônimos pessoanos são: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Todos esses poetas possuem características distintas, embora pertençam ao mesmo projeto literário de criação de vozes distintas que pudessem representar a diversidade da psicologia moderna e da vida contemporânea. Para sugerir essa diversidade, cada poeta imaginado simboliza um aspecto distinto da tradição poética do Ocidente. Vejam-se os poetas e suas propriedades: Exemplo: Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel últimomodelo! Exercícios 1. Leia o fragmento do poema 14 de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, e assinale a alternativa errada sobre ele: Não me importo com as rimas. Raras vezes Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. Penso e escrevo como as flores têm cor Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me Porque me falta a simplicidade divina De ser todo só o meu exterior. a)Metalinguagem, pois o assunto central do poema é a própria poesia. b)Sua doutrina tanto pode ser moderna quanto primitiva, pois o verso livre se explica pela natureza. c) Projeto de poesia espontânea, cuja estrutura deve ser tão natural quanto o perfume nas flores. d)A perfeição é impossível por causa do espírito, que afasta o poeta da materialidade natural das coisas. e)Ao equiparar-se à simplicidade das flores, o poeta pretende justificar a naturalidade da rima. Ricardo Reis Poeta antigo, racional e clássico. Sua formação representa a sensibilidade e a inteligência pré-cristã. Acredita nos deuses e no destino. Recusa o sentimentalismo e ama as operações lógicas do espírito. Como sua formação é basicamente clássica e a poesia greco-latina não conhecia a rima, Ricardo Reis não incorpora esse dispositivo formal inventado na Idade Média. Todavia, seus versos são metrificados. Incorpora noções da filosofia epicurista (Epicuro) e estoica (Zenon). Imita o estilo concentrado e denso das odes do poeta romano Horácio. Sua produção é conhecida como Odes de Ricardo Reis. Exemplo: Tanto quanto vivemos, vive a hora Em que vivemos, igualmente morta Quando passa conosco, Que passamos com ela. Texto para a questão 2 1 Bocas roxas de vinho, Testas brancas sob rosas, Nus, brancos antebraços Deixados sobre a mesa: 5 Tal seja, Lídia, o quadro Em que fiquemos, mudos, Eternamente inscritos Na consciência dos deuses. Antes isto que a vida 10Como os homens a vivem, Cheia da negra poeira Que erguem das estradas. Só os deuses socorrem Com seu exemplo aqueles 15Que nada mais pretendem Que ir no rio das coisas. Alberto Caeiro Poeta de versos livres e ideias rústicas, intencionalmente primitivas. Julga que o homem só atinge a felicidade por meio dos sentidos e do convívio intenso com a natureza. Poemas simples, com imagens concretas e delicadas. O seu primitivismo radicalmente ateu lembra certas premissas do Cubismo, que valoriza o aspecto essencial e básico da experiência. Por isso, Caeiro considera-se um pastor sem ovelhas. Obras: O Guardador de Rebanhos, Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos. Exemplo: O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Álvaro de Campos Poeta futurista de versos e ideias urbanas e modernas. Sua feição mais característica é o verso livre, em estilo torrencial e impetuoso. Enumeração de palavras e sensações. Revoltado e irreverente, ama a máquina e os grandes centros urbanos. Às vezes é reflexivo e apresenta críticas à sociedade industrial. Euforia pelo moderno e pessimismo existencialista. Obra: “Ode Marítima”, “Ode Triunfal” e “Tabacaria”, entre outros. KAPA-6 850450612 (Ricardo Reis, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000) 2. Que traços da poética de Ricardo Reis estão presentes no poema? O poema evidencia alguns traços bastante representativos da poética de Ricardo Reis, tais como: • a defesa de uma filosofia estoico-epicurista, postuladora de tranquilidade e de ataraxia (completa ausência de perturbações ou inquietações da mente), do gozo moderado do prazer, tendo como monte o carpe diem; Reis evita o sofrimento que decorre do excesso das 101 ANGLO VESTIBULARES emoções, contentando-se em fruir o instante, gozando assim a margem de felicidade possível (cf. versos 1-8); • a recusa da dor inerente à luta do homem contra as limitações próprias da condição humana e terrena (cf. versos 9-12) e a aceitação do caráter inexorável do tempo (cf. verso 16); • a concepção dos deuses como um Ideal do humano, apontando o caminho da elevação e da harmonia estética e moral (cf. versos 13-16). Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. O mais que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca. (Fernando Pessoa ele mesmo. Cancioneiro.) 3. Nas primeiras estrofes, o eu lírico faz uma crítica aos livros e à literatura, de modo geral. Essa crítica envolve a poesia? Justifique sua resposta. Não, porque o próprio eu lírico faz, na quarta estrofe, uma ressalva: “Grande é a poesia, a bondade e as danças...”. Diante da natureza, considera a literatura ornato inútil (“O sol doira / Sem literatura.”). Mas a poesia, sendo natural, terá razão de ser e de existir. Texto para a questão 3 Liberdade Ai que prazer Não cumprir um dever. Ter um livro para ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. O sol doira Sem literatura. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! KAPA-6 850450612 ORIENTAÇÃO DE ESTUDO Caderno de Exercícios — Unidade III Tarefa Mínima • Faça os exercícios 2 a 20, série 12. Tarefa Complementar • Faça os exercícios 24 a 40, série 12. 102 ANGLO VESTIBULARES Aula 22 Semana de 22: Painel do Modernismo brasileiro 1o tempo SINOPSE Semana da Arte Moderna: Teatro Municipal de São Paulo, fevereiro de 1922; Participação: Villa-Lobos, Guiomar Novaes (música); Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Ronald de Carvalho, Plínio Salgado, Graça Aranha (literatura); Victor Brecheret, Haarberg (escultura); Anita Malfatti, Di Cavalcanti (pintura). Significado: foi o grito do Ipiranga da arte brasileira. As vaias se manifestaram, quando Mário leu páginas de A escrava que não é Isaura, quando Villa-Lobos entrou de chinelas no palco (e guarda-chuva). Mas esse novo grito não era contra os portugueses: era contra certos brasileiros, representantes da “pedantocracia bacharelesca”, acadêmica. MODERNISMO NO BRASIL 1o TEMPO (1922-1930) Fase heroica: “ver com os olhos livres”; destruição dos velhos tabus da inteligência nacional; construção de uma nova lin- guagem. Traços distintivos Liberdade e nacionalismo no exercício da crítica e nas propostas criativas; Renovação das propostas culturais e políticas; Adeus ao constrangimento ou vergonha de sermos brasileiros: independência mental; Literatura alegre e vital; instauração de uma sensibilidade mais próxima da realidade nacional; Incorporação simpática dos novos meios: rádio, jornal, cinema, plurilinguismo, telefone, vociferação permanente das ruas, amor à máquina e à velocidade, nova psicologia amorosa e feminina, a intervenção psicanalítica, o folclore saindo do fundo do poço, etc. Proliferação de revistas antenadas com o novo ideário: Klaxon, Estética, A Revista, Terra Roxa e outras terras, Verde, Festa, Antropofagia; Divergências internas: estéticas e ideológicas. Contexto • Absorção dos “ismos” europeus: Cubismo, Futurismo, Dadaísmo; • Influência cultural dos imigrantes; • Alta do café; • Centenário da independência política; • Primeiras transmissões radiofônicas; • Moderno imaginário urbano: máquinas, bondes, avenidas, arranha-céus, automóveis; • Fundação do Partido Comunista; • Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, agitações tenentistas, Coluna Prestes; • Implantação das primeiras linhas aéreas regulares; • Revolução de 1930: fim da República velha. Exercícios Texto para a questão 1 Bruta sacudidela nas artes nacionais! Lembremos agora a revolução naturalista, recordemos a transição parnasiana: é indiscutível que jamais reviravolta de arte movimentou e apaixonou e enlouqueceu mais a monotonia brasileira que o chamado futurismo. Encheu-te de tintas, vulcões de lama, saraivada de calúnias. Muito riso e pouco siso. De ambas as partes. (…) Maluquice, imprevidência é o que foi. Disparatada, sem norma, contraproducente. Confusão e caos em que as orientações opostas, em vez de covizinharem, libertas umas das outras, se confundiam numa barafunda de estardalhaço. Oh! Semana sem juízo. Desorganizada, prematura. (…) A Semana de Arte Moderna não representa nenhum triunfo, como também não quer dizer nenhuma derrota. Foi uma demonstração que não foi. Realizou-se. Cada um seguiu para seu lado, depois. Precipitada. Divertida. Inútil. A fantasia dos acasos fez dela uma data que, creio, não poderá mais ser esquecida na história das artes nacionais. Eis a famosa Semana. (Mário de Andrade, revista América Brasileira, abril de 1924) KAPA-6 850450612 103 ANGLO VESTIBULARES 1. “Não se constrói arranha-céu sobre castelo moçárabe. Derruba-se primeiro a mole pesadíssima dos preconceitos, que já foram verdades, para elevar depois outras verdades.” Comente esta afirmação, feita também por Mário de Andrade e associe-a ao texto anterior. Mário de Andrade considera que a Semana de 22 foi um movimento de ruptura com modelos e formas artísticas do século XIX. Da destruição das concepções conservadoras surgiu uma nova linguagem, sem ritmo predeterminado, sem métrica preestabelecida, fundamentando-se no princípio de liberdade. Texto para a questão 4 Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. (Manuel Bandeira, Libertinagem.) 4. (FUVEST) Relacione o título do poema à corrente estética da qual o texto participa. Uma característica do primeiro tempo do Modernismo brasileiro evidente no título é o prosaísmo: ele anuncia que o poema não tratará de um acontecimento grandioso ou sublime, mas de um fato tirado do cotidiano, muito parecido com o que se lê diariamente nos jornais. A alusão a um poema (linguagem literária) feito a partir de uma notícia de jornal (linguagem não literária) sugere ainda o desinteresse em seguir padrões clássicos de composição, a fim de favorecer a criação de uma nova linguagem artística. Texto para a questão 2 relicário No baile da Corte Foi o Conde d’Eu quem disse pra Dona Benvinda Que farinha de Suruí Pinga de Parati Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí (Oswald de Andrade, Poesia Pau-brasil.) 2. Qual vertente do Modernismo brasileiro é representada no poema acima? Trata-se do poema-piada: é curto, e após fingir que vai dizer coisa importante, surpreende-nos negativamente. Mas que não deixa de ter graça. Texto para o exercício 3 erro de português Quando o português chegou Debaixo de uma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de Sol O índio tinha despido O português. (Oswald de Andrade. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978) ORIENTAÇÃO DE ESTUDO Caderno de Exercícios — Unidade III Tarefa Mínima • Faça os exercícios 1 e 2, série 13. Tarefa Complementar • Faça os exercícios 8, 9 e 12, série 13. 3. (ENEM) O primitivismo observável no poema anterior, de Oswald de Andrade, caracteriza de forma marcante a)o regionalismo do Nordeste. b)o concretismo paulista. c) a poesia Pau-Brasil. d)o simbolismo pré-modernista. e)o tropicalismo baiano. KAPA-6 850450612 104 ANGLO VESTIBULARES Aulas 23 e 24 O MODERNISMO NO BRASIL — 1o TEMPO: MÁRIO DE ANDRADE, OSWALD DE ANDRADE E MANUEL BANDEIRA SINOPSE MANUEL BANDEIRA MÁRIO DE ANDRADE • Estrela da vida inteira (1966): formoso conjunto de 10 livros → contato com as etapas mais significativas da evolução poética brasileira do século XX. Didaticamente, pode ser dividida em três fases: • 1a fase — Preparação para o Modernismo: Cinza das horas (1917), Carnaval (1919) e Ritmo dissoluto (1924) → traços pós-simbolistas de acentuada melancolia, associados à ruptura com a poética tradicional. • 2a fase — Modernismo pleno: Libertinagem (1930) e Estrela da manhã (1936) → registro das marcas mais fortes de modernidade: versilibrismo, simplicidade de imagens, resgate poético do cotidiano, disposição inovadora das palavras, poemas-piada, tom prosaico, toques surrealistas, pinceladas humorísticas, autoironia. Amplificação dos três núcleos temáticos de sua poesia: reminiscências da infância, convivência com a morte e erotismo. • 3a fase — Pós-modernismo: da Lira dos cinquent’anos (1940) a Estrela da tarde (1963) → virtuosismo refinado: restauração dos metros tradicionais a versos de sintonia com o Concretismo; permanência de sugestões autobiográficas. • Líder dos modernistas de 1922: intensa atividade doutrinária e cultural → “descarrilhar o trem normal e costumeiro do passadismo mental”. • Pauliceia desvairada (1922): sátira à obsessão de posse burguesa e à incompetência dos administradores públicos. A poesia incorpora o coloquial, os “barbarismos universais” etc. • Clã do jabuti (1927): descoberta do Brasil → poesia ligada ao folclore: toada, coco, moda, samba, rondó. • Amar, verbo intransitivo (1927): romance freudiano → Fräulein é contratada para dar “lições de amor” ao jovem Carlos de Sousa Costa. Obra desenvolvida a partir dos processos psicanalíticos mais frequentes. • Macunaíma (1928): perfil multifacetado do latino-americano → colagem de lendas amazônicas + imagens do cotidiano urbano e rural. Eixo do romance: a busca do muiraquitã pelo “herói sem nenhum caráter”, que viaja por todo o país a fim de recuperar o talismã, em poder do gigante Wenceslau Pietro Pietra. Rapsódia literária → anatomia carnavalesca e primitiva da formação e da história do país. OSWALD DE ANDRADE • Guerrilheiro cultural → demolição, por meio da sátira e do deboche. “Monogamia sucessiva” → vários casamentos. “Vira-latas do Modernismo” → anarquismo político: PRP (década de 1920) e PCB (de 1930 em diante). • Memórias sentimentais de João Miramar (1924): primeiro romance moderno brasileiro; obra caleidoscópica em 163 flashes cinematográficos, que relata a trajetória típica de um brasileiro rico nas primeiras décadas do século XX: turismo globe-trotter → casamento burguês → amante → desquite → vida literária → apertos financeiros. • Pau-Brasil: manifesto e poesia (1924–25) → ver com olhos livres (valorização do Brasil pós-cabralino); recriação de textos jesuíticos e cronísticos da época colonial. Poesia Pau-Brasil: imediata, simplória, desconcertante, selvagem, curta e grossa, integrando signos verbais e visuais; a redescoberta do país, por meio de anedotas e caçoadas poéticas. • Antropofagia: manifesto (1928) → “Tupy, or not tupy, that is the question”: valorização do Brasil pré-cabralino; recuperação de nosso lado selvagem e instintivo; devoração inteligente da cultura estrangeira. KAPA-6 850450612 MÁRIO Raul DE Morais ANDRADE (São Paulo, 1893-1945) Mário de Andrade 105 ANGLO VESTIBULARES “EU SOU TREZENTOS, TREZENTOS E CINCOENTA” Mário de Andrade é considerado o mais abrangente trabalhador intelectual brasileiro da 1a metade do séc. XX. Lúcido e instigante, desenvolveu uma reflexão crítica moderna e provocativa sobre os mais variados temas. Mergulhou fundo nas raízes culturais mais representativas do país, procurando revelá-las por meio da compreensão dos mais autênticos valores populares. Mário injetava em tudo que fazia um senso de problemático brasileirismo, daí sua investida no folclore. Sempre de holofotes acesos na direção do povo, desentulhou o espírito nacional de uma montanha de preconceitos arcaicos. Firmemente disposto a experimentar processos de expressão para chegar a uma língua “brasileira”, pesquisou sempre fórmulas novas, que o levaram a forjar regras pessoais de gramática. Chegou até a anunciar um livro — Gramatiquinha da fala brasileira —, em que estabeleceria sua proposta de renovação da língua “brasileira”. Deixava de acentuar certas palavras (“ninguem, tambem, Belem”), outras ele acentuava (“porém, rúim”), grafava certos termos a partir do registro oral (“milhor, siquer, ólio”), formas de virgular e pontuar que definem no conjunto uma individualidade de estilo inconfundível. O TOM DELIRANTE: PAULICEIA DESVAIRADA (1922) Para Mário de Andrade a arte devia “botar por terra as formas gastas de sociedade”. Pauliceia Desvairada (1922) assume a forma da pedagogia e do combate, com ”versos de sofrimento e de revolta“ que registram paisagens frias, opressoras da cidade. Também apresenta uma estética moderna, onde terá importância o verso harmônico, em que aproxima a poesia da música, desenvolvendo a teoria da “polifonia poética” que se consubstancia na invenção do verso harmônico (= superposição de palavras soltas: “A cainçalha… A Bolsa… As jogatinas…”), em oposição ao verso melódico tradicional. Pede a mudança de costumes para a esperada redenção da cidade e uma audiência nova, mais humana, mais desarmada. resca (“malandra”), Mário de Andrade delineia o perfil multifacetado do latino-americano por meio de uma colagem de lendas amazônicas e de imagens do cotidiano urbano e rural do país. O eixo da obra é a busca da muiraquitã pelo “herói sem nenhum caráter”, que viaja Brasil afora a fim de recuperar este talismã, em posse do gigante Wenceslau Pietro Pietra. Macunaíma, juntamente com Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade, foram obras revolucionárias, pois desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, por meio de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada pelo reacionarismo e o atraso cultural generalizado. O tom bem humorado e a inventividade narrativa e linguística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo na sua época. Nesse romance encontram-se Dadaísmo, Futurismo, Expressionismo e Surrealismo, aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira. A obra é fruto de anos de pesquisa das lendas e mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular e oral de várias regiões do Brasil. Trata-se, por isso mesmo, de uma rapsódia. Importante notar que, além de relatar inúmeros mitos recolhidos em diversas fontes populares, Mário de Andrade também inventa, de maneira irônica, vários mitos da modernidade. Apresenta, entre outros, os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Além da imensa pesquisa, há, em Macunaíma, muita invenção. José OSWALD DE Sousa ANDRADE (São Paulo 1890-1954) O TOM ACABOCLADO: CLÃ DO JABUTI (1927) Resulta da “viagem de descoberta do Brasil” que ele realizou por Minas Gerais, durante a Quaresma e a Semana Santa de 1924. Aqui ele mais se aproxima do folclore: a toada, o coco, a moda, o samba, o rondó vão dando suporte e substância aos poemas. Embora haja uma pequena insistência no verso livre alongado e dolente, para exprimir as emoções caboclo-nacionalistas, o que predomina é o verso mais curto, mais acautelado contra os derramamentos. O ROMANCE FREUDIANO: AMAR, VERBO INTRANSITIVO (1927) Romance desenvolvido a partir dos processos psicanalíticos freudianos mais típicos: recalque, sublimação, regressão, fixação e os demais desvios provocados pela maior ou menor aproximação da libido. Mário narra a estória de uma governanta alemã, Fräulein, contratada para dar “lições de amor” ao jovem Carlos de Sousa Costa. O ROMANCE-RAPSÓDIA: MACUNAÍMA (1928) Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira. Numa narrativa fantástica e picaKAPA-6 850450612 Retrato de Oswald, por Tarsila do Amaral. UM ROMANCE CALEIDOSCÓPICO: MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR (1924) É o primeiro romance modernista brasileiro, uma espécie de “diário de bordo”, com capítulos curtíssimos, telegráficos, cubofuturistas. São 163 flashes mostrando a vida de um ricaço brasileiro contada por ele mesmo, de maneira que o sentimental e o confidencial apareçam como forças líricas: a infância de malandrim → a viagem para a Europa → o casamento de interesse → amantes fortuitas → desquite por traição recíproca → vida e vaidades literárias → aperturas financeiras etc. Esse é um romance até certo ponto “interdisciplinar”, pois transplanta o ci- 106 ANGLO VESTIBULARES nema e a pintura para a literatura; explora sempre os planos descontínuos (como os fotogramas do cinema). Oswald achava que Miramar é o típico burguesão em sua vida estéril e sem nexo. RUPTURA RADICAL COM AS TRADIÇÕES: POESIA PAU-BRASIL (1925) A obra de Oswald renega parte de toda a história brasileira, para dar ênfase apenas àquela parte espontânea, elementar e primitiva, que ele nomeava Pau-Brasil. Por isso ele procura nossas raízes ainda não de todo ceifadas pela racionalidade europeia. Há um retorno à infância primordial, à vida livre, a um cântico utópico ao matriarcado, à nudez (de todo tipo), ao prosaísmo das ruas, dos namoros, tudo direto, como quer a realidade, e tudo sem a máscara sentimental. Oswald se rebela contra “a sensatez hipócrita”, valoriza o natural aqui e agora, e o retorno a nossa identidade antropológica, farrista e paradisíaca. “Ver o Brasil com olhos livres” era buscar nossa riqueza nativa, bugrina, cabralina, negra. Em poemas-pílula, ele combina a frase quinhentista (das crônicas coloniais) com a fala popular brasileira. Oswald proclamava essa mistura como “de exportação”, poesia nossa, não imitada do estrangeiro. O TEATRO MODERNISTA: O REI DA VELA (1937) Também no teatro Oswald foi pioneiro: O rei da vela, encenada só em 1967, inicia nossa dramaturgia moderna, numa linha ideológica muito próxima da do romance Serafim Ponte Grande (1933). Essa mudança, acontecida depois da crise de 1929 (que levara Oswald à bancarrota), fez com que ele assumisse anarquicamente posições de esquerda. Desesperado com as dívidas, Oswald vai-se pendurar nos agiotas de São Paulo, os todo-poderosos “reis da vela”, que retrata na peça. Usurários como Abelardo I e II ligam-se aos decadentes cafeicultores e aos representantes do capitalismo internacional, para explorar o desespero dos endividados. Simbolicamente, a personagem que alegoriza a classe média traz a corda ao pescoço: é o devedor crônico. MANUEL Carneiro De Souza BANDEIRA Filho (Recife, 1886 – Rio, 1968) MANIFESTO ANTROPÓFAGO (1928) Oswald propõe uma devoração da cultura europeia sedimentada nos brasileiros. Tal devoração se inspirava numa metáfora selvagem: assim como os índios não devoravam seus inimigos para matar a fome, mas para incorporar o valor destes a si mesmos, também a Antropofagia questionaria os europeís mos, para experimentá-los em cruzamentos novos e em nova produção cultural, que passaria então a ser nossa. A tese da antropofagia completa o Manifesto Pau-Brasil. Fragmentos: *** Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. *** Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz. *** A alegria é a prova dos nove. *** No matriarcado de Pindorama. (Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago) O ANARQUISMO EM FÚRIA: SERAFIM PONTE GRANDE (1933) Serafim encarna o mito do herói latino-americano individual que, a bordo da nave El Durazno, parte em busca da libertação e da utopia. Para redescobrir a nossa realidade e redefinir o comportamento histórico do brasileiro, Oswald cria em Serafim uma personagem outsider, um irrecuperável marginal. Com sarcasmo e irreverência, Serafim parodia os atos de bravura individual, virando-os pelo avesso. Por ser só dele, o sonho de Serafim acaba frustrando-se: depois de aprender a dura realidade da vida, é expelido do sistema. KAPA-6 850450612 Manuel Bandeira O MODERNISTA NEORROMÂNTICO Reunida em Estrela da vida inteira (1966), a obra poética de Manuel Bandeira contém, como traços fundamentais, o romantismo, a simplicidade, os retratos da vivência e do vivido, os ritualismos infindáveis da memória e, por fim, a morte como fim de si mesmo e de todas as coisas amadas. Bandeira, do começo ao fim, mostrou sempre um romantismo, não de escola ou de época, mas de vocação e de sensibilidade. Isso não lhe impediu ser modernista. E a renovação que ele trouxe não foi a do alarde ou a do grito de guerra. Manuel Bandeira é o modernista das circunstâncias simples, elementares. Bandeira é o poeta da precisão sentimental, e se isso é romântico (pelo lado sentimental), será modernista pelo lado da frase precisa, já que os românticos gostavam da ornamentação, da emoção torrencial, que o poeta rejeita. São os momentos, a solidão pensativa — aquilo que se eterniza: “Vão demolir esta casa / Mas meu quarto vai ficar, / Não como forma imperfeita / Neste mundo de aparências: / Vai ficar na eternidade, / Com seus livros, com seus quadros, / Intacto, suspenso no ar!” (“Última canção do beco”, Lira dos cinquent’anos). 107 ANGLO VESTIBULARES O território cativo dos afetos não o abandonou jamais, e teve nomes variados. Um deles foi Recife, mágico e pessoal: “A vida não me chegava pelas páginas da história jornais nem pelos livros / Vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil !” (“Evocação do Recife”, Libertinagem). O mesmo na propaganda de rua: “As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. / Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às quatro horas da tarde! / O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!” (“Balada das três mulheres do sabonete Araxá”, Estrela da Manhã) ECOS DO PARNASO-SIMBOLISMO: A CINZA DAS HORAS (1917) Obra publicada após a volta de Clavadel, na Suíça, aonde o poeta fora a tratamento de saúde, às vésperas da I Grande Guerra. Esse é um livro de iniciante, mas com o ouvido cativo pelos últimos ecos do Simbolismo e, sobretudo, pelo olhar longínquo e admirativo dos românticos: “A sombra imensa, a noite infinita enche o vale…(…) um carneiro bale. / Ouvem-se pios funerais…” (“Paisagem noturna”). Há dois belos sonetos neoparnasianos, um dedicado a Camões, outro a Antonio Nobre. Eis alguns ecos de Alphonsus de Guimarães (que reaparecerão mais tarde, bem mais purificados): “Muda e sem trégua / Galopa a névoa, galopa a névoa. (…) Aquele corvo, o voo torvo, / O meu destino aquele corvo! (“Ruço”). A rima, associada sempre a quadros de sentimentalismo, mostra-se codificada, previsível. A EXPLOSÃO DO VERSO LIVRE: O RITMO DISSOLUTO (1924) A palavra “dissoluto” sugere depravação, descontrole, perda moral da consciência e, sobretudo, errância dos desejos. Isso, no plano temático do livro, coincide com o memorialismo infantil e sua cultura recifense, folclórica. Nesta obra, Bandeira elege o uso generalizado do verso livre. Reponta também aí o ardor amoroso que será um dos grandes temas do poeta. A FASCINAÇÃO DO OLHAR: ESTRELA DA MANHÃ (1936) O que chamamos estrela da manhã é o mesmo que Vésper ou estrela da tarde: trata-se do planeta Vênus, que, a olho nu, nos dá a impressão de ser estrela. De qualquer forma, o título é perfeito, porque os poemas aí trabalham com o olhar masculino que incide sobre a mulher aqui e agora, mas que já incidiu ali e outrora, e que, idealizado, repõe a consolação viva da memória. A inspiração é mais pura e abstrata: Lira dos cinquent’anos (1944) Bandeira não fez poesia só para se exprimir, para falar de seu destino ou do destino dos amigos. Enfim, não foi apenas um poeta existencial. Ele também gostava das várias linguagens poéticas e dos vários estilos de época. Exprimir algo de nós, nossa linguagem sempre exprime. Mesmo escrevendo no estilo medieval das cantigas (“Cossante”, “Cantar de amor”) ou nos sonetos (“Sonetos ingleses”, I e II) ou falando de Mozart (“Mozart no céu”) ou se exercitando (“Rondó do capitão”) ou mesmo plagiando Augusto Frederico Schmidt (“Soneto plagiado”) etc. A par destes vários exercícios de virtuosismo e finura, o que se percebe neste livro é um aprofundamento bastante sofisticado dos temas da solidão sob a batuta do aprimoramento musical da poesia. A POESIA OUTONAL: ESTRELA DA TARDE (1958) Neste livro os assuntos são vários, de maneira que nele não se explicita um eixo temático bem claro. Mas é um livro em que a religiosidade se mostra mais frequente que nos anteriores. Uma religiosidade beata, católica, mas sensível, inteligente. Esta religiosidade se sublima nos temas de piedade (“Acalanto para as mães que perderam o seu menino”, “Ovalle”, “A anunciação”, “Sonho branco”, “Soneto sonhado” “A sua santidade Paulo VI” etc.). Há também retratos (“Maísa”, “Cantadores do Nordeste”, “Carlos Drummond de Andrade”) e há até mesmo uns ensaios bem logrados de poesia concretista. Preparação para a Morte A vida é um milagre. Cada flor, Com sua forma, sua cor, seu aroma, Cada flor é um milagre. Cada pássaro, Com sua plumagem, seu voo, seu canto, Cada pássaro é um milagre. O espaço, infinito, O espaço é um milagre. O tempo, infinito, O tempo é um milagre. A memória é um milagre. A consciência é um milagre. Tudo é milagre. Tudo, menos a morte. — Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres. A MATURIDADE DA POESIA MODERNA: LIBERTINAGEM (1930) Este é o livro mais concreto da poesia brasileira. Concreto no sentido de conter não apenas as coisas em sua realidade palpável, mas também a visão que o poeta terá sobre elas. Em outros termos, o mental e o sensível se enlaçam de maneira natural nesse livro. Desde o primeiro poema (“Não sei dançar”), Libertinagem tem parentesco com Carnaval (1918): “Uns tomam éter, outros cocaína, / Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.” Mas em Libertinagem o carnavalesco é um eco, uma vivência dissolvida, algo que a alma incorporou nos pormenores: “Bembelelém / Viva Belém! / Nortista gostosa / Eu te quero bem…” (“Belém do Pará”). Ou como no carro-chefe “Poética”: “Quero antes o lirismo dos loucos / O lirismo dos bêbedos / O lirismo difícil e pungente dos bêbedos / O lirismo dos clowns de Shakespeare.” KAPA-6 850450612 (Manuel Bandeira, Estrela da tarde) 108 ANGLO VESTIBULARES Exercícios Texto para a questão 1 O Poeta Come Amendoim a Carlos Drummond de Andrade (1924) Noites pesadas de cheiros e calores amontoados... Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil Andou marcando de moreno os brasileiros. Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer... A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos... Silêncio! O Imperador medita os seus versinhos. Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais. Só o murmurejo dos cr’m-deus-padres irmanava os homens de meu país... Duma feita os canhamboras perceberam que não tinham mais escravos, Por causa disso muita virgem do rosário se perdeu... Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã. A gente inda não sabia se governar... Progredir, progredimos um tiquinho. Que o progresso também é uma fatalidade... Será o que Nosso Senhor quiser... Estou com desejos de desastres... Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas Se encostando na canjerana dos batentes... Tenho desejos de violas e solidões sem sentido Tenho desejos de gemer e de morrer. Brasil... Mastigado na gostosura quente do amendoim... Falado numa língua curumim De palavras incertas num remeleixo melado melancólico... Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons... Molham meus beiços que dão beijos alastrados E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas… Brasil amado não porque seja minha pátria, Pátria é acaso de migrações e do pão nosso onde Deus der... Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso, O gosto dos meus descansos, O balanço das minhas cantigas amores e danças. Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada, Porque é o meu sentimento pachorrento, Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir. (Mário de Andrade, Clã do Jabuti) 1. O projeto literário de Mário de Andrade sempre se guiou pelo nacionalismo. Destaque do poema anterior expressões que carregam um acentuado traço de brasilidade. “Canhamboras”, “tiquinho”, “muriçocas”, “canjerana”, “curumim”. (FUVEST) Texto para a questão 2 III. Ci, mãe do mato O herói vivia sossegado. Passava os dias marupiara1 na rede matando formigas taioca2, chupitando golinhos estalados de pajuari3 e quando agarrava cantando acompanhado pelos sons gotejantes do cotcho 4, os matos reboavam com doçura adormecendo as cobras os carrapatos os mosquitos as formigas e os deuses ruins. KAPA-6 850450612 109 ANGLO VESTIBULARES De noite Ci chegava rescendendo resina de pau, sangrando das brigas e trepava na rede que ela mesmo tecera com fios do cabelo. Os dois brincavam e depois ficavam rindo um pro outro. Ficavam rindo longo tempo, bem juntos. Ci aromava tanto que Macunaíma tinha tonteiras de moleza. — Puxa! como você cheira, benzinho! que ele murmuriava gozado. E escancarava as narinas mais. Vinha uma tonteira tão macota5 que o sono principiava pingando das pálpebras dele. Porém a Mãe do Mato inda não estava satisfeita não e com um jeito de rede que enlaçava os dois convidava o companheiro pra mais brinquedo. Morto de soneira, infernizado, Macunaíma brincava pra não desmentir a fama só, porém quando Ci queria rir com ele de satisfação: — Ai! que preguiça!... que o herói suspirava enfarado. E dando as costas pra ela adormecia bem. Mas Ci queria brincar inda mais... Convidava convidava... O herói ferrado no sono. Então a Mãe do Mato pegava na txara6 e cotucava o companheiro. Macunaíma se acordava dando grandes gargalhadas estorcegando de cócegas. — Faz isso não, oferecida! — Faço! — Deixa a gente dormir, seu bem... — Vamos brincar. — Ai! que preguiça!... E brincavam mais outra vez. (in: ANDRADE, Mário de. Macunaíma — o herói sem nenhum caráter. 4a. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1965. pp. 22-23.) Notas: 1. pessoa feliz na caça e na pesca, nos amores e nos negócios; 2. formiga avermelhada; 3. bebida excitante usada pelos índios; 4. viola rústica feita de madeira de farã (árvore que nasce nas margens dos rios), cujo encordoamento é de tripa de macaco; 5. grande, enorme, mais importante; 6. flecha sem penas, de três ou mais pontas, semelhando garfo ou ancinho. 2. a)Referindo-se a suas intenções ao escrever o livro Macunaíma, Mário de Andrade afirmou: “Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas”. No livro, esse “interesse” é alcançado? Justifique brevemente. Sim. Mário de Andrade, de acordo com sua proposta de nacionalismo crítico, evita o regionalismo para conceber o Brasil de modo unitário por meio do processo de “desgeograficação”, em que são misturadas a fauna, a flora, lendas e contos populares, bem como registros típicos da linguagem de várias regiões do país. Como exemplos: Macunaíma encontra o pássaro tuiuiú, típico do pantanal mato-grossense, no sul do país; a lendária árvore Volomã é deslocada do Amazonas para o Rio de Janeiro; Macunaíma, figura mítica da região de Roraima, migra para São Paulo, para recuperar a muiraquitã, e percorre todo o país; quando o herói sem nenhum caráter sente saudade de sua terra natal, às margens do rio Uraricoera, vale-se do vocábulo “querência”, que é um regionalismo gaúcho. b)Sobre a personagem Macunaíma, Mário de Andrade afirmou: “É fácil de provar que estabeleci bem dentro de todo o livro que Macunaíma é uma contradição de si mesmo”. A afirmação sublinhada se justifica? Explique sucintamente. Sim. “Macunaíma é uma contradição de si mesmo”, como afirmou Mário de Andrade, pois é uma personagem marcada por características opostas: é herói e antiherói, corajoso e covarde, empreendedor e preguiçoso, ingênuo e malicioso, sensual e contemplativo. Texto para a questão 3 66. Botafogo etc. Beiramarávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado das avenidas marinhas sem sol. Losangos tênues de ouro bandeiranacionalizavam o verde dos montes interiores. No outro lado azul da baía a Serra dos Órgãos serrava. Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas. Rolah ia vinha derrapava entrava em túneis. Copacabana era um veludo arrepiado na luminosa noite varada pelas frestas da cidade. (Oswald de Andrade, Memórias sentimentais de João Miramar) 3. Pode-se afirmar que esse episódio-fragmento: a)retrata a lua de mel de Miramar e Mlle. Rolah em Botafogo, valorizando o elemento visual da cena. b)apresenta um feixe de imagens inadequado ao processo caleidoscópico e cinematográfico, assumido pelo romance. c) descreve as sensações do passeio sem fazer alusões, telegrafismos ou fracionar a realidade. d)mostra flashes cinematográficos do passeio, revelando, por completo, a paisagem, os objetos e os amantes. e)evidencia o caráter imagístico-visual, por meio de um enfoque metonímico e geometrizante da realidade. Texto para a questão 4 pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro (Oswald de Andrade, Poesias Reunidas) 4. Neste poema, nota-se a veemência e a irreverência com que Oswald de Andrade trata a gramática. Qual a alteração fundamental que o Modernismo trouxe para a linguagem literária? O Modernismo libertou a literatura do código escrito e de norma gramatical rígida. Introduziu a linguagem neológica, criativa, oral. KAPA-6 850450612 110 ANGLO VESTIBULARES Texto para a questão 5 O Último Poema Assim eu quereria o meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. (Manuel Bandeira, Libertinagem) 5. Libertinagem, de Manuel Bandeira, é uma das obras mais importantes da Literatura Brasileira. Nela, evidencia-se a ideia básica do Modernismo: a liberdade. Assim sendo, a)indique os temas que nesta obra caracterizam a liberdade de conteúdo; Os temas de Libertinagem são um grito de liberdade em relação à poesia dominante no período anterior, o Parnasianismo e o Simbolismo. Os principais índices de tal libertação são: — Incorporação do cotidiano urbano: o dia a dia do Texto para a questão 6 Poema só para Jaime Ovalle Quando hoje acordei, ainda fazia escuro1 (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma triste chuva de resignação. Como contraste e consolo2 ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... — Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.3 (Manuel Bandeira, Belo, Belo) Notas: 1. O poeta promove um jogo de relações interpolares, por meio de antíteses; 2. A palavra contraste aproxima coisas diferentes: a escuridão da manhã e o calor da noite. Já consolo traduz o sentimento de perda: a manhã está irremediavelmente escura como a noite; 3. Com humildade e ternura, o poeta evoca o amor das mulheres como compensação para a angústia da solidão. 6. Sem poder olhar o mundo com lentes coloridas, uma vez que sua vida era uma constante encruzilhada com a morte, o poeta se resigna. Qual o verso que sugere mais intensamente a sensação de resignação e solidão? “Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei” homem simples do Rio de Janeiro e da criança de rua do Recife (“Poema tirado de uma notícia de jornal”, “Tragédia brasileira”, “Profundamente”); — Aproveitamento estilizado do folclore: imagens da vida popular do Recife, com cores, casos e falas regionais (“Evocação do Recife”, “Lenda brasileira”); —Confessionalismo: mitificação neorromântica de lances autobiográficos, como a doença (tuberculose) e a morte (“Pneumotórax”); —Evasão: culto da liberdade em si, manifesta na fusão surrealista de tempos, planos e formas(“Vou me embora pra Pasárgada”). ORIENTAÇÃO DE ESTUDO Caderno de Exercícios — Unidade III Tarefa Mínima b)valendo-se do trecho acima, explique como se dá a liberdade da forma. A liberdade formal do texto em questão observa-se quanto: —à métrica: adoção do verso livre, isto é, sem medida prévia; —à sintaxe: simples e direta, dominada pela repetição do mesmo esquema frasal (paralelismo); —ao vocabulário: extraído do uso diário, da linguagem coloquial. AULA 23 • Faça os exercícios 3 a 7, série 13. AULA 24 • Faça os exercícios 11, 13 a 20, série 13. Tarefa Complementar AULA 23 • Faça os exercícios 21 a 30, série 13. AULA 24 • Faça os exercícios 31 a 40, série 13. KAPA-6 850450612 111 ANGLO VESTIBULARES