Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Autor: Rogério Barcelos dos Santos Martins Orientadora: Prof.ª M.Sc. Carolina Louzada Petrarca Brasília - DF 2010 ROGÉRIO BARCELOS DOS SANTOS MARTINS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Monografia apresentada ao curso de Graduação em direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª M.Sc. Carolina Louzada Petrarca. Brasília 2010 Trabalho de autoria de Rogério Barcelos dos Santos Martins, intitulado “Requisitos de Admissibilidade do Recurso Especial e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em ___de ______________ 2010, pela banca examinadora constituída por: ___________________________________________________ Presidente: Prof. M.Sc. Carolina Louzada Petrarca. Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília ___________________________________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília Brasília 2010 Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível. São Francisco de Assis AGRADECIMENTO Chegar até este trabalho seria impossível sem a benção, a intercessão e a presença constante de Deus Pai e de Nossa Senhora. Sou grato por conseguir alcançar esta conquista, em especial, aos meus pais, Nelson José Martins Gomes e Marta Regina Barcelos dos Santos Martins. Fontes das minhas possibilidades e incentivos. Seres de coração enorme e de uma paciência inigualável. Definitivamente, pai e mãe no sentido mais amplo da palavra. Às minhas irmãs, Fernanda e Daniela, precursora e caçula. Meninas que utilizaram o mesmo tempo que me serviu para concluir a graduação para se transformarem em mulheres lindas. À Paola, que de maneira inesperada, porém não menos especial, surgiu ao meu lado, passando a me incentivar e a somar aos meus objetivos. Pessoa por quem tenho sentimento inestimável. Agradeço à toda a minha família, desde as minhas avós Blandina e Maura e aos meus avôs Orlando e João (in memorian) até a prima “rapa do tacho”. Abraço forte aos meus primos-amigos: Tiago, Guilherme, Rafael, Juliano e Gustavo. Beijo carinhoso às minhas madrinhas Célia e Lucimar. Obrigado àqueles que, em inúmeros momentos me demonstraram o sentido literal da palavra amigo. Amigos conquistados durante a infância (Arthur, Pedro e Marcus), ou durante a adolescência (Guilherme, Mateus, Vinicius e Higor). Não poderia ainda, esquecer de agradecer a oportunidade de crescimento não só técnico, mas também pessoal que vem sendo disponibilizada à mim pelo Escritório de Advocacia Zveiter. Local de importância fundamental para a minha formação acadêmica. Local constituído de pessoas das quais levo comigo não só como companheiras de trabalho, mas também como pessoas das quais sou apegado. Tornando-se assim, minhas confidentes, companheiras de angústias, aflições, expectativas e ainda as causadoras da minha alegria em meio às adversidades vividas diariamente na carreira advocatícia. Sou grato ainda, à minha orientadora e professora Carolina Petrarca e à todos os seus demais orientandos, que com várias doses de paciência e compreensão me proporcionaram a oportunidade de apresentação deste trabalho. À todos vocês sou grato, não só por tudo que já vivemos juntos, não só por permanecerem ao meu lado, mas hoje, em especial, por terem me impulsionado a chegar até aqui. Ao meu pai, à minha mãe e às minhas irmãs, por tudo que significam para mim. RESUMO MARTINS, Rogério Barcelos dos Santos. “Requisitos de Admissibilidade do Recurso Especial e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.” F.102. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, DF, 2010. Este trabalho tem como finalidade a análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça frente aos requisitos de admissibilidade inerentes ao Recurso Especial. Destaca-se a questão de que em processos processualmente parecidos tais requisitos são diferentemente aplicados. Por requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial, a doutrina entende que são, entre eles: as causas decididas em única ou última instância; a decisão recorrida que contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; a decisão recorrida que dá à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal; e ainda o prequestionamento. A inquietação é no sentido de haver decisões discrepantes entre um julgado e outro, mesmo sendo eles semelhantes em matéria processual. Restando assim, a sensação de insegurança jurídica e o sobrestamento do interesse geral. Frisa-se que, no intuito de dirimir o volume de processos a serem analisados, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem aplicando os óbices sumulares de maneira excedente e em alguns casos, inaplicavelmente. Gerando dessa forma, um abismo entre o cidadão e sua pretensão jurisdicional. O entendimento pertinente a este trabalho é no sentido de que um requisito de admissibilidade não pode ser aplicado apenas com o intuito de embarreirar o estudo meritório dos pleitos judiciais. Palavras-chave: Requisitos de Admissibilidade, Recurso Especial, Jurisprudência, Superior Tribunal de Justiça. ABSTRACT MARTINS, Rogério Barcelos dos Santos. "Requirements for Admissibility of Special Appeals and Court of the Superior Court of Justice." F.102. Completion of course work (Bachelor of Law) - Faculty of Law, Catholic University of Brasilia, DF, 2010. This paper aims to review the jurisprudence of the Supreme Court against the admissibility requirements inherent in the Special Appeal. It is noteworthy that the issue in such cases procedurally Similar requirements are applied differently. For specific eligibility requirements of Special Appeals, the doctrine means that are, among them: cases decided in a sole or last instance, the contested decision that contrary to a treaty or federal law or denies the effectiveness and the decision that gives the defendant law federal interpretation different from that attributed to him there is another court, and still prequestionamento. Restlessness is the sense of having conflicting decisions between one trial and another, even though they are similar procedural matters. Thus leaving the feeling of legal uncertainty and dismissal of general interest. Stresses that, in order to address the volume of cases to be analyzed, the Honorable Supreme Court has been applying the precedents of way over obstacles and in some cases inapplicable. Thus generating a gap between the citizen and his claim court. Understanding this work is relevant to the effect that a condition of admissibility can not be applied only for the purpose of the study embarreirar of meritorious lawsuits. Keywords: Admissibility Requirements, Special Appeal Court, Superior Court of Justice. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 - O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O RECURSO ESPECIAL .................................................................................................................................. 13 1.1 A ORIGEM HISTÓRICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO RECURSO ESPECIAL ........................................................................................... 13 1.2 JURISDIÇÃO, COMPOSIÇÃO, ORGANIZAÇÃO E O PAPEL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .................................................................... 16 1.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO RECURSO ESPECIAL ............................ 19 CAPÍTULO 2 - TEORIA GERAL DOS RECURSOS ................................................. 23 2.1. CONCEITO DE RECURSO.......................................................................... 23 2.2. CARACTERÍSTICAS DOS RECURSOS ...................................................... 26 2.3. ATOS PROCESSUAIS SUJEITOS A RECURSO ........................................ 27 2.4. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ................................................................. 28 2.5. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE ..................................................................... 31 2.5.1. Conceitos e classificações ..................................................................... 34 2.6. REQUISITOS INTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE ................................ 36 2.6.1. Cabimento ............................................................................................. 37 2.6.2. Legitimidade recursal ............................................................................. 39 2.6.3. Interesse recursal .................................................................................. 42 2.7. REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE ............................... 43 2.7.1. Tempestividade ..................................................................................... 43 2.7.2. Regularidade formal .............................................................................. 46 2.7.3. Preparo .................................................................................................. 49 2.7.4. Inexistência de fatos extintivos e impeditivos ........................................ 51 CAPÍTULO 3 - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE ESPECÍFICOS DO RECURSO ESPECIAL FRENTE À JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................................................................. 55 3.1. CAUSAS DECIDIDAS .................................................................................. 55 3.2. ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA .................................................................. 55 3.3. TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS OU TRIBUNAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL ............................................................................................. 57 3.4. DECISÃO RECORRIDA QUE CONTRARIAR TRATADO OU LEI FEDERAL, OU NEGAR-LHES VIGÊNCIA ............................................................................... 57 3.5. DECISÃO RECORRIDA QUE JULGA VÁLIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL ........................................... 59 3.6. DECISÃO RECORRIDA QUE DÁ À LEI FEDERAL INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE DA QUE LHE HAJA ATRIBUÍDO OUTRO TRIBUNAL .................. 60 3.7. PREQUESTIONAMENTO ............................................................................ 62 3.8. QUESTÃO DE FATO E DE DIREITO .......................................................... 64 3.9. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL .................................... 66 3.10. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL ............................................................................................................. 67 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 72 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como intuito a análise das questões pertinentes ao exorbitante número de requisitos impostos à admissibilidade do Recurso Especial, o qual tem como competência o Superior Tribunal de Justiça, desde que supridos tais pressupostos. Em outras palavras, aqui será discutido o quão é difícil e dispendioso o acesso à instância superior da legislação infraconstitucional devido as barreiras impostas para se apreciar as questões pretendidas pelo recorrente. Na primeira fase, será analisado, de maneira geral, o que é o Recurso Especial e o Superior Tribunal de Justiça, passando-se pela análise da formação desse Egrégio Tribunal Superior, de sua área de atuação, composição e organização. Em segundo plano, será apresentada a Teoria Geral dos Recursos, uma vez que, para que haja uma melhor compreensão do tema ora exposto, deve se ter como fixado tal instituto. Sendo ainda, analisado o conceito de recurso, suas características, seus requisitos gerais de admissibilidade, dentre outros. No terceiro e último capítulo serão atingidos os requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial frente as jurisprudências inerentes a eles, sendo dada ênfase aqueles pertinentes a este recurso. Há relevância no tema dado ao fato de que para um cidadão obter sua pretensão jurisdicional, este poderá se surpreender com o fato de que em seu processo, mesmo sendo processualmente igual a outrem, pode vir a ser aplicado óbice sumular impeditivo para análise de seu mérito, ou seja, seu direito pode vir a ser prejudicado por uma questão de erro processual. Sendo posta a questão da impossibilidade de se sobrepor a análise do direito em si de quem o pretende. Será ainda, analisado o fato de o magistrado se prender em requisitos processuais de admissibilidade. Contudo, deve-se ressaltar que este trabalho tem como base a compilação de diversas doutrinas, as quais pertencentes à estudiosos renomados, entre elas as de Bernardo Pimentel Souza (Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, 7º edição, ano 2010); José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, 14ª edição, ano 2008); Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada 12 Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (Teoria Geral do Processo, 22º edição, ano 2006); Fredie Didier Jr., Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de direito processual civil, 7ª edição, ano 2009); Walter Vechiato Júnior (Curso de Processo Civil, 1ª edição, ano 2002); Nelson Nery Junior (Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, 5º edição, ano 2000). Sendo a mais utilizada a de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira (Recurso Especial. Revista dos Tribunais, 9ª edição, ano 2002), uma vez que nesta obra encontra-se abordagem profunda em relação aos requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial. 13 CAPÍTULO 1 - O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O RECURSO ESPECIAL 1.1 A ORIGEM HISTÓRICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO RECURSO ESPECIAL Ao longo das décadas em que o Recurso Extraordinário teve em seu escopo a preservação da inteireza e da uniformidade da interpretação não só da Constituição Federal, mas também da Lei Federal, o Supremo Tribunal Federal sofreu expressivo aumento anual no número de recursos, o que resultou na denominada crise do Supremo. Em busca da solução para o problema da pletora de recursos, mecanismos de restrição ao acesso à Corte Suprema foram adotados, entre eles a arguição de relevância e os óbices regimentais e jurisprudenciais. Contudo, não surgiu eficácia, prosseguindo tal abundância. Frente à situação, a comunidade jurídica nacional passou a prestigiar proposta formulada pelo Professor José Afonso da Silva, de criação de um Tribunal Superior de Justiça, direcionando sua principal competência ao julgamento de recursos sobre questões de direito federal infraconstitucional comum. 1 A primeira iniciativa legal no sentido de se criar uma nova Corte partiu dos magistrados do Tribunal Federal de Recursos - TFR. Em 1976, a instituição mandou a minuta de um projeto de lei ao Congresso para a instituição do Supremo Tribunal de Justiça, que seria a última instância das leis infraconstitucionais do país, deixando para o STF a prerrogativa exclusiva de controlar a constitucionalidade.2 Sensível à crise pela qual passava a Suprema Corte e aos reclamos dos advogados, que em razão dos óbices impostos, dificilmente viam o mérito de seus recursos endereçados ao Pretório Excelso, o constituinte de 1988 instituiu o Superior Tribunal de Justiça - STJ. Instalado em 07 de abril de 1989, a novel Corte passou a 1 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 618. 2 Uma trajetória cidadã. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=698> . Acesso em: 27 de setembro de 2010, às 23h22min. 14 ocupar posição de destaque na pirâmide do Poder Judiciário brasileiro, restando acima apenas o Supremo Tribunal Federal.3 O STJ ainda é descendente direto do Tribunal Federal de Recursos, surgido há 60 anos, o qual tinha a missão de funcionar como segunda instância da Justiça Federal. Tal como o STJ, o TFR foi uma das grandes novidades de uma Carta Constitucional (1946) que surgia após um longo período de exceção democrática no país: o Estado Novo.4 Para que a finalidade da criação do Superior Tribunal de Justiça fosse atingida, o legislador constituinte lhe transferiu boa parte da competência antes conferida à Suprema Corte, resultado que ensejou a elaboração do artigo 105 de nossa atual Carta Magna. O STJ não substituiu o Tribunal Regional de Recursos. Na verdade, a extinta Corte deu lugar aos atuais Tribunais Regionais Federais, os quais possuem competência prevista na Constituição vigente em seu artigo 108.5 Em sua obra “Comentários ao Código de Processo Civil”, leciona José Carlos Barbosa Moreira a respeito.6 O advento da atual Constituição modificou de modo notável o panorama neste setor, principalmente em virtude da criação do Superior Tribunal de Justiça e da absorção, por ele, de competências antes atribuídas ao Supremo Tribunal Federal. Como resultado, houve por parte do constituinte de 1988, a transferência para o Superior Tribunal de Justiça da missão de zelar pela integridade e pela uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional comum. Para a novel Corte poder cumprir o importante encargo, foi instituído o Recurso Especial, que passou a ser a via processual adequada para submeter, à apreciação do Superior Tribunal, as ofensas à legislação federal perpetradas pelos 3 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 618. 4 Uma trajetória cidadã. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=698>. Acesso em: 28 de setembro de 2010, às 00h07min. 5 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P.619. 6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P. 573/574. 15 tribunais de segundo grau, assim como os dissídios jurisprudenciais acerca da interpretação do direito federal infraconstitucional.7 A cerca do Recurso Especial José Carlos Barbosa Moreira diz que:8 (...) O recurso especial é uma inovação da Carta da República de 1988, que lhe transferiu parte das funções anteriormente exercidas pelo Recurso Extraordinário, agora utilizável, com exclusividade, em matéria constitucional. Nos termos do artigo 105, nº III, da Constituição em vigor, modificado pela Emenda Constitucional nº 45, compete ao Superior Tribunal de Justiça “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federias ou pelos tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”. Trata-se, assim, de instrumento essencialmente destinado a proteger a integridade e a uniformidade de interpretação do direito federal infraconstitucional. No intuito de formular as competências do Superior Tribunal de Justiça, o constituinte de 1988 as inseriu no artigo 105, III, alíneas a, b, e c. Transferindo à este Egrégio Superior Tribunal de Justiça a responsabilidade de defender a legislação infraconstitucional. O STJ começou a funcionar em abril de 1989 – ano em que julgou pouco mais de três mil processos. Em sua recente existência, o Tribunal ganhou uma nova sede em 1995 e viu seu número de julgados crescer quase exponencialmente. No total, o Tribunal já ultrapassa a casa dos 3 milhões de julgamentos ao longo de sua história. Criado pela Constituição Federal de 1988, instalado no ano seguinte e diante da grande repercussão de suas decisões e de sua importância no cenário jurídico brasileiro, é difícil crer que a instituição tenha apenas 21 anos de história. Não obstante, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça é fruto de uma gama de debates políticos e acadêmicos que permearam todo o século XX e obtiveram como auge a referida Constituição.9 7 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 619. 8 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P. 585/586. 9 Uma trajetória cidadã. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=698>. Acesso em: 28 de setembro de 2010, às 03h04min. 16 1.2 JURISDIÇÃO, COMPOSIÇÃO, ORGANIZAÇÃO E O PAPEL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Conforme disposição do parágrafo único do artigo 92, de nossa Carta magna c/c artigo 1º, caput, da Lei nº 7.746/1989, o Superior Tribunal de Justiça possui sua sede na Capital Federal, ou seja, em Brasília-DF e jurisdição em todo o território nacional. A Constituição Federal em Sessão III, onde se dispõe a respeito do Superior Tribunal de Justiça, mais precisamente em seu artigo 104, caput, diz que: Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.10 Apesar do disposto (hierarquicamente superior), sua composição jamais ultrapassou o número mínimo fixado por tal artigo. Com efeito, tanto o artigo 1º, caput, da Lei nº 7.746, de 1989, como o artigo 1º, do Regimento Interno do STJ dispõem que o Superior Tribunal de Justiça é composto de 33 (trinta e três ministros).11 Quanto à composição do STJ Bernardo Pimentel Souza dispõe que:12 Os ministros do Superior Tribunal de Justiça são escolhidos entre profissionais de diferentes classes da carreira jurídica (...). Um terço dos ministros provém dos juízes dos tribunais regionais federais. Outro terço, dos desembargadores dos tribunais de justiça. E o terço final, dos advogados e dos membros do Ministério Público, em partes iguais. (...). A escolha final dos ministros é feita pelo presidente da República entre brasileiros de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, indicados em lista tríplice elaborada pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça (...). Já a nomeação dos ministros pelo presidente da República só se dá após a aprovação pela maioria absoluta do Senado (...). Quanto a sua organização, o Superior Tribunal de Justiça funciona em Plenário, em Corte Especial, em Seções e em Turmas especializadas. Constitui-se o 10 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 28 de setembro de 2010, às 15h49min. 11 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 619. 12 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 620. 17 Plenário pela totalidade dos ministros do tribunal, sendo a Corte Especial composta pelos quinze ministros mais antigos. Cada uma das três Seções especializadas integra-se por dez ministros. Já as Turmas especializadas são comportas por cinco ministros cada uma. A Primeira Seção é integrada pela Primeira e Segunda Turmas. Já a Segunda Seção compõe-se pela Terceira e Quarta Turmas. Restando à composição da Terceira Seção a Quinta e Sexta Turmas. As duas primeiras turmas e a primeira Seção têm como competência processar julgar matéria de direito público. A Terceira e a Quarta Turmas e a Segunda Seção são competentes para processar e julgar os feitos que tratam de direito privado. Por fim, as duas últimas turmas e sua respectiva Seção são competentes para analisar os feitos que envolvam direito penal e direito previdenciário.13 Ada Pellegrini, Antonio Cintra e Cândido Dinamarco tratam das funções institucionais e da competência do Superior Tribunal de Justiça com a seguinte redação:14 Constitui inovação da Constituição de 1998 sobre a estrutura judiciária brasileira e relaciona-se com os sistemas judiciários das chamadas Justiças comuns (Justiça Federal e Justiças Estaduais); ele próprio é um órgão exercente da chamada jurisdição comum, na medida em que somente lhe cabem causas regidas pelo direito substancial comum (direito civil, comercial, tributário, administrativo) e não as regidas por ramos jurídico-substanciais especiais (eleitoral trabalhista, penal militar). (...) Como órgão de superposição (nessa condição ao lado do Supremo), o Superior Tribunal de Justiça não diz rigorosamente a última palavra sobre todas as causas, mas a sua situação sobranceira às Justiças o qualifica como tal. Embora em situações diferentes, tanto quanto o Supremo ele julga causas que já hajam exaurido todas as instâncias das Justiças de que provêm. Também dispõe de competência originária, apesar dessa superposição, tanto quanto o Supremo. Pela competência que lhe dá, a Constituição Federal apresenta-o como defensor da lei federal e unificador do direito. Como defensor da lei federal, compete-lhe julgar recursos interpostos contra decisões dos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, que contrariem ou neguem vigência a tratado ou lei federal. Como unificador da interpretação do direito, cabe-lhe rever as decisões que deram à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. (...) Em certa simetria como o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça tem competência originária para certas causas constitucionalmente indicadas (art. 105, inc. I),competência para julgar 13 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 620/621. 14 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros. 22º ed. 2006. P. 199/200. 18 outras mediante recurso ordinário (inc. II) e, havendo alguma questão federal como as indicadas logo acima (art. 105, inc. III), competência para julgar em grau de recurso especial. Ou seja, mesmo sendo o Supremo Tribunal Federal a última Corte para se pleitear direito em âmbito judicial, cabe ao Superior Tribunal de Justiça dar a última palavra em matéria infraconstitucional. Esses renomados doutrinadores completam suas análises dispondo que a admissibilidade do Recurso Especial é regida de maneira restritiva pela Constituição; seu processo e julgamento estão disciplinados no Código de Processo Civil (arts. 541ss.) e no Regimento Interno do próprio Superior Tribunal de Justiça (arts. 255/257), questão a qual será abordada no próximo capítulo deste trabalho. Por fim, finalizam dizendo que o Superior Tribunal de Justiça é também competente (competência originária) para “a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias” (Constituição, art. 105, inc. I, letra i). O Superior Tribunal de Justiça tem como função a interpretação de legislação infraconstitucional, corrigindo ilegalidades cometidas no julgamento de causas, em última ou única instância, pelos Tribunais Regionais Federias e pelos Tribunais de Justiça. Nesse mister de interpretar e preservar a legislação infraconstitucional, insere-se uma outra função do STJ: uniformizar a jurisprudência nacional. Trata-se de função de suma importância, intimamente relacionada com o princípio da segurança jurídica. Ao STJ compete interpretar e preservar a legislação infraconstitucional, o julgamento que venha a ser proferido, conferindo interpretação a determinada norma federal, serve, a um só tempo, como corretivo da decisão impugnada e elemento de uniformização da jurisprudência quanto à interpretação da norma em referência. A conclusão é que o Superior Tribunal de Justiça desempenha uma função paradigmática, na medida em que suas decisões são exemplos a ser seguidos pelos tribunais, com o que se obtém a uniformização da jurisprudência nacional. Por fim, o STJ desempenha função primordial de interpretar e preservar a legislação federal infraconstitucional, além de ter o papel de uniformizar a jurisprudência nacional quanto àquela mesma legislação, em decisões 19 paradigmáticas. Função esta exercida, essencialmente, mediante o julgamento de Recurso Especial.15 1.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO RECURSO ESPECIAL Recurso excepcional ou apelo extremo é gênero do qual é espécie o recurso especial. Seu objeto e sua fundamentação estão vinculados ao artigo 105, III, a, b e c, da Constituição Federal, conforme:16‟ Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Ao dispor sobre o citado artigo de nossa Constituição vigente, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, analisam a situação da seguinte forma:17 Ao prever as hipóteses de cabimento do recurso especial, o art. 105, III, da Constituição Federal alude a decisão proferida, em única ou última instância, por Tribunal de Justiça , por Tribunal Regional Federal ou pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Não é sem razão, aliás, que o enunciado n. 203 da súmula do STJ prescreve que “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. É que o órgão de segundo grau dos Juizados Especiais não se encaixa na previsão constitucional, não se identificando nem com Tribunal de Justiça, nem com Tribunal Regional Federal nem com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. O dispositivo, como se vê, refere-se, expressamente, a tribunais, além de exigir que a decisão seja de última ou de única instância. Ora, para que um desses tribunais profira decisão de última ou de única instância, é preciso que haja a manifestação final do colegiado competente. Não basta a decisão isolada do relator, sendo necessária a deliberação final do colegiado. Só cabe recurso especial contra acórdão. 15 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 304/305. 16 PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos e CÉSPEDES, Livia. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva. 9º ed. atual e ampl. 2010. P. 43. 17 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 305. 20 Genericamente, o objeto consiste na decisão definitiva proferida no segundo grau de jurisdição, julgada em única ou última instância, em regra, de forma colegiada (acórdão) em qualquer causa. De forma específica configura objeto do Recurso Especial a decisão de última ou única instância (definitiva), da qual não seja cabível mais nenhum recurso na instância ordinária, proferida pelos TRFs ou TJs dos Estados, do DF e dos Territórios. Em regra, descabe Recurso Especial contra os pronunciamentos jurisdicionais monocráticos (singulares, unipessoais) proferidos em primeiro grau de jurisdição, mesmo que sejam de última instância, ou de segundo grau, quando, no segundo caso, comportem outro recurso ordinário (agravo interno). 18 Apenas com o julgamento do Recurso Especial, em regra, é que se verifica se a decisão recorrida foi de encontro ou não de tratado ou lei federal. Com isso, há a análise do mérito do recurso e não de sua admissibilidade. Do ponto de vista do cabimento, o Recurso Especial é admissível desde que o Recorrente alegue a contrariedade, o bastante para o conhecimento do recurso. Em seguida, caso procedente ou não, o resultado será o seu provimento ou o seu desprovimento. Ao cabimento, é essencial ainda, que a decisão já não comporte mais recurso no âmbito do tribunal inferior, ou seja, que tenham sido esgotados todos os recursos cabíveis no tribunal a quo. O Superior Tribunal de Justiça em seu Regimento Interno, capítulo II, artigos 255, 256 e 257, também trata da questão do cabimento do Recurso Especial, vejase:19 Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo. § 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita: a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal; b) pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados. § 2º Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. 18 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 345/346. 19 Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/regimento/>. Acesso em: 23 de outubro de 2010, às 16h37min. 21 § 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º, b, deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento. Art. 256. Distribuído o recurso, o relator, após vista ao Ministério Público, se necessário, pelo prazo de vinte dias, pedirá dia para julgamento, sem prejuízo da atribuição que lhe confere o art. 34, parágrafo único. Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie. Através do Recurso Especial é possível impugnar acórdão proferido em causa de competência originária de qualquer dos tribunais mencionados no texto constitucional, ou no julgamento de outro recurso, ou ainda em hipótese de reexame obrigatório em segundo grau de jurisdição. Em nenhum caso, cabe o recurso contra decisão de órgão de primeiro grau, mesmo insuscetível de apelação ou de agravo, nem mesmo é cabível contra acórdão denegatório de mandado de segurança julgado em única instância O dissídio jurisprudencial pode ocorrer entre dois tribunais federais, entre um tribunal federal e um local, ou ainda entre tribunais locais de unidades federais distintas, ou da mesma unidade. Não se faz suficiente a divergência de interpretação entre órgãos distintos de um mesmo tribunal. 20 Trata-se de juízo de censura dos tribunais inferiores feito pelo STJ, a quem incube reexaminar apenas as matérias de que fala o texto constitucional. A instância do Recurso Especial não deve ser confundida como terceiro grau de jurisdição, porquanto tal recurso é excepcional, não prestando-se à correção de injustiça eventualmente cometida pelos tribunais federais regionais e tribunais estaduais. Como o Recurso Especial não é recurso ordinário, mas excepcional, seu âmbito de devolutividade é restrito às hipóteses mencionadas no inciso III, do art. 105, da CF, sempre voltado para a uniformização do entendimento da lei federal no País. Por isso não é admissível no Recurso Especial a reapreciação da prova.21 20 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P.592/594. 21 JUNIOR, Nelson Nery, Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 5º ed. rev. e ampl. 2000. P. 379/380. 22 No intuito de fundamentar a proibição da reapreciação da prova, o Superior Tribunal de Justiça sumulou tal questão, conforme:22 Súmula 07/STJ. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. É sabido que o sistema das Constituições rígidas – de que é exemplo a brasileira – assenta-se em superioridade formal e material da norma constitucional, fruto do poder constituinte, em face das normas infraconstitucionais. Considerando que as hipóteses de cabimento do recurso especial estão disciplinas na Constituição Federal, infere-se que é vetado ao legislador ordinário editar lei federal disciplinando, suprimindo ou criando hipóteses de cabimento deste recurso. Possível alteração válida das hipóteses de cabimento do recurso especial somente pode se dar por meio de emenda constitucional, respeitadas as limitações formais e materiais inseridas na própria Constituição Federal.23 22 PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos e CÉSPEDES, Livia. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva. 9º ed. atual e ampl. 2010. P. 1801. 23 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.145/146. 23 CAPÍTULO 2 - TEORIA GERAL DOS RECURSOS 2.1. CONCEITO DE RECURSO O vocabulário recurso provém do latim recursus. Seu significado (curso retrógado, caminho para trás, volta) revela a exata idéia do instituto jurídico: nova compulsação das peças dos autos para a averiguação da existência de algum defeito na decisão causadora do inconformismo do recorrente. Também pode significar ajuda, assistência, auxílio, proteção, socorro. Por fim, na terminologia jurídica, o vocábulo recurso apresenta dois significados: um amplo e outro estrito. Em sentido lato ou amplo, recurso é todo remédio jurídico que pode ser utilizado para proteger direito que se supõe existir. Em sentido estrito, ou seja, em linguagem técnica, e à luz do direito brasileiro, o recurso pode ser definido como ato processual que pode ser praticado voluntariamente pelas partes, pelo Ministério Público e até por terceiro prejudicado, em prazo peremptório, apto a ensejar a reforma, a cassação, a integração ou o esclarecimento de decisão jurisdicional, pelo próprio julgador ou por tribunal ad quem, dentro do mesmo processo em que foi proferido o pronunciamento causador do inconformismo.24 Em síntese clara e direta, Walter Vechiato Júnior dispõe quanto ao conceito de recurso, veja-se:25 Recurso é o ato processual voluntário praticado na mesma relação jurídica processual que enseja o reexame do pronunciamento jurisdicional impugnado, obsta a preclusão ou o trânsito em julgado e prorroga o exercício do direito de ação e defesa em superior grau de jurisdição. Os recursos são os remédios processuais de que se podem valer as partes, o Ministério Público e eventuais terceiros prejudicados para submeter uma decisão 24 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 39/40. 25 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 97. 24 judicial a nova apreciação, em regra por um órgão diferente daquele que a proferiu. Os recursos tem ainda, por finalidade, esclarecer, modificar, complementar, ou invalidar a decisão. Os recursos ou remédios, são mecanismos previstos no ordenamento jurídico que têm por finalidade sanar os atos processuais de eventuais vícios, de conteúdo ou forma. O recurso está entre eles, pois objetiva apurar as decisões judiciais de eventuais erros.26 Fredie Didier Jr. conceitua recurso conforme:27 Recurso é o “remédio voluntária idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”. (...) a) O conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo. Trata-se de conceito jurídico-positivo, que depende, pois, do exame de um dado ordenamento jurídico. A teoria geral do processo tem por objeto o estudo da decisão judicial, mas a criação dos meios de impugnação dessa decisão e o delineamento de suas características são tarefas do direito positivo. É por isso que, no direito brasileiro, recurso é remédio voluntário, o que exclui do âmbito de incidência do seu conceito a remessa necessária, que é regulada em dispositivo que se encontra fora do título do CPC que cuida dos recursos (CPC, art. 475). b) O recurso prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo. É por isso que estão fora do conceito de recurso as ações autônomas de impugnação, que dão origem a processo novo para impugnar uma decisão judicial. (...) c) O recurso é “simples aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo”. O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação de ação (e também do direito de exceção), e o seu exercício revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos tribunais. d) O direito de recorrer é um direito potestativo processual, tendo em vista que objetiva alterar situações jurídicas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial. O não aprovisionamento do Código de Processo Civil de uma definição de recurso; examinando-se, porém, as várias figuras ali arroladas sob esse nomen iuris, verifica-se que o denominador comum de todas elas consiste em que o seu uso não dá margem à instauração de novo processo, se não que apenas produz a extensão do mesmo processo até então fluente. Daí a visão do doutrinador, o traço característico do instituto, tal como disciplina o Código de Processo Civil vigente. 26 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 37. 27 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 19/20. 25 Não será recurso, pois remédio algum cujo emprego produza a instauração de processo distinto daquele em que se proferiu a decisão impugnada. À luz dessas considerações José Carlos Barbosa Moreira entende como conceito de recurso o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna. Atentando-se ao fato de dentro do mesmo processo, não necessariamente dos mesmos autos. O autor conclui que o caso mais comum é aquele em que a interposição do recurso visa à reforma da decisão recorrida, ou seja,, aquele que visa obter do órgão ad quem a formulação, para a hipótese, de regra jurídica concreta diferente daquela formulada pelo órgão a quo. Muitas vezes, porém, o que daquele se pretende é simplesmente que invalide, elimine, casse o pronunciamento emitido, para que posteriormente, outro o substitua.28 Para o doutrinador Elpídio Donizetti recurso é conceituado no sentido de que:29 Recurso, numa acepção técnica e restrita, é o meio idôneo para provocar a impugnação e, conseqüentemente, o reexame de uma decisão judicial, com vistas a obter, na mesma relação processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do julgado. O recurso não se confunde com ação, uma vez que, por meio dele, não se forma novo processo, há apenas um prolongamento da relação processual. Constitui o recurso apenas uma etapa do procedimento, seja no processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Ao interpor o recurso, (...), objetiva o recorrente a reforma, a anulação, o esclarecimento ou a integração do julgado. O que dá ensejo ao pedido de reforma do julgamento é a injustiça da decisão recorrida, a má apreciação da prova e do direito aplicado, em última análise, o erro ao julgar (error in judicando). A anulação pode ser pleiteada quando há vício formal na própria decisão, erro de procedimento (error in procedendo) e quando, por exemplo, a decisão não foi motivada (CR, art. 93, IX). Nesse caso, não se pede a reforma, mas sim a anulação para que o ato recorrido seja casado e outro seja proferido em seu lugar pelo mesmo órgão do qual emanou ou, na hipótese do art. 515, § 3º, pelo próprio tribunal. Infere-se, à luz do direito positivo, que os recursos são instrumentos, os quais o ordenamento jurídico dispões às partes, ao Ministério Público ou de terceiro interessado para impugnar decisão judicial, dentro da mesma relação jurídica processual, como a intenção de reformá-la, aclará-la, anulá-la ou esclarecê-la, a 28 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P. 232/233. 29 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 427. 26 serem julgados pelo mesmo hierarquicamente superior. órgão prolator da decisão ou por outro 30 Os remédios/recursos jurídicos são todas as vias processuais disponíveis no ordenamento jurídico para assegurar algum direito. Entre eles destacam-se duas espécies aptas à impugnação das decisões jurisdicionais, as quais, as ações impugnativas e os recursos. Diferenciam-se pela instauração de novo processo, ou não. Contudo, enquanto as ações autônomas de impugnação dão ensejo à formação de novo processo, diverso daquele em que foi prolatado o decisium causador da insatisfação, os recursos são interpostos no mesmo processo em que foi prolatada a decisão causadora do inconformismo. 31 2.2. CARACTERÍSTICAS DOS RECURSOS De maneira geral, os recursos possuem certas características que os distinguem dos demais atos processuais, por lhe serem próprias. Entre elas estão as que Marcus Vinicius Rios Gonçalves destaca:32 a) São interpostos na mesma relação processual. Não possui natureza jurídica de ação, mas sim de remédio, apresentados no mesmo processo em que a decisão atacada fora proferida. Por isso sua interposição jamais resulta na formação de um novo processo. b) A interposição de recurso impede ou retarda a preclusão ou coisa julgada enquanto existir recurso pendente, a decisão ou sentença não se tronam definitivas, nem seus efeitos imutáveis. Para isso, é necessário que se tenha esgotado o prazo para a interposição dos recursos, o que aqueles que tenham sido interpostos hajam sidos apreciados, não cabendo outros. c) Os recursos servem para ajustar erros de forma e conteúdo. Aquele que recorre está inconformado com a decisão judicial, e pretende um novo pronunciamento, em regra por um novo órgão. Para que seja justificável o pedido, o recorrente deve apontar ao órgão ad quem a existência de erro na decisão. d) Como regra geral, é incabível inovar nos recursos. Não se pode invocar, na fase recursal, matéria que não foi discutida ou questionada no juízo inferior. e) Os recursos são interpostos ao órgão a quo. Em regra eles são julgados por um órgão distinto do que proferiu a decisão. 30 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.21. SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 40. 32 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 38/43. 31 27 f) O acórdão proferido pelo órgão ad quem, o qual mantém ou reforma a sentença, a substitui. Quando o recurso é julgado pelo mérito, o acórdão substitui a decisão atacada, seja quando a reforma, seja quando a matéria. Sendo neste caso o acórdão quem transita em julgado. Além da finalidade corretiva, não pode ser desconsiderada a utilidade preventiva da adoção de um sistema recursal. Ciente da possibilidade de o tribunal ad quem vir a examinar a decisão proferida na instância inferior, o magistrado há de ser cuidadoso na prolação da decisão, sob pena de sofrer censuras. O recurso também serve para uniformizar a aplicação do direito. Caso não existisse o sistema recursal, o risco da subsistência de julgados antagônicos diante de casos idênticos seria ainda maior, o que causaria um enorme descrédito em relação ao Poder Judiciário. Sem contar a finalidade marcante da uniformização da jurisprudência. A irresignação que as decisões desfavoráveis proporcionam ao vencido também é uma característica que justifica a adoção de um sistema recursal. Portanto, é comum à natureza humana não se conformar com a decisão que beneficia a outra parte, especialmente se for a primeira. Daí o porque de se conferir ao inconformado algum remédio jurídico capaz de tornar insubsistente a decisão causadora de sua insatisfação. São portanto, em síntese, as características que justificam a instituição dos recursos.33 2.3. ATOS PROCESSUAIS SUJEITOS A RECURSO Apenas as decisões judiciais podem ser alvo de recurso. Os despachos, atos não decisórios, são, portanto, irrecorríveis. Também os são, os atos praticados pelo escrivão por conta de delegação do magistrado – tais atos podem ser revistos pelo próprio magistrado, a partir de provocação feita nos autos, sem haver a necessidade de formalidades.34 33 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 43/44. 34 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 32. 28 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, diz que:35 Só cabe recurso contra atos judiciais que tenham algum conteúdo decisório. Os atos das partes, dos serventuários da justiça ou do Ministério Público, por isso não se sujeitam a ele. De acordo com o art. 162 do CPC, os atos do juiz, em primeiro grau de jurisdição, consistem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. A sentença, de acordo com a definição legal, é o ato que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC; a decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz decide questões incidentes, e o despacho é o que não tem conteúdo decisório. A distinção entre sentença e decisão interlocutória está no conteúdo de cada uma. No direito processual brasileiro, somente os atos pertinentes ao magistrado ou ao órgão colegiado judiciário são passíveis de recurso. Os demais atos praticados no processo não podem ser impugnados por meio de recurso, porquanto estão sujeitos ao imediato controle dos juízes, razão pela qual não tem força para causar prejuízo às partes, muito menos para formar a coisa julgada. Se é correta a firmação de que os recursos processuais são cabíveis apenas contra atos oriundos do Poder Judiciário, é igualmente certa a afirmativa de que nem todos os atos provenientes do Judiciário podem ser impugnados mediante recurso. Portanto, estão sujeitos a recursos os atos judiciais proferidos no exercício da função jurisdicional, que sejam pronunciamentos com conteúdo decisório e que causam gravame a algum dos litigantes.36 2.4. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO Por possuírem como objetivo a impugnação e o reexame de uma decisão judicial, os recursos relacionam-se intimamente com o princípio do duplo grau de jurisdição, segundo o qual se possibilita à parte que submeta matéria já apreciada a novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior. O princípio do duplo grau de jurisdição está implicitamente previsto na Constituição Federal, seja como consectário do devido processo legal, seja em 35 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 43/44. 36 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 50/56. 29 decorrência de previsão constitucional frente a existência de tribunais, aos quais foi conferida competência recursal. Ainda que se trate de princípio ínsito ao sistema constitucional, a sua aplicação não é ilimitada, tanto que a própria Constituição Federal estabelece hipóteses de competência originária de tribunais superiores, nas quais inexiste possibilidade de interposição de recurso ordinário. Portanto, em virtude de o duplo grau de jurisdição não possuir incidência ilimitada, permite-se ao legislador infraconstitucional restringir o cabimento dos recursos.37 José Carlos Barbosa Moreira, em seu livro: Comentários ao Código de Processo Civil, refere-se ao princípio do duplo grau de jurisdição, conforme nota-se do colacionado abaixo:38 Tradicional é a correlação que se estabelece entre o instituto do recurso e o princípio do duplo grau de jurisdição, segundo o qual as lides ajuizadas devem submeter-se a exames sucessivos, como garantia de boa solução. A justificação política do princípio tem invocado a maior probabilidade de acerto decorrente da sujeição dos pronunciamentos judiciais ao crivo da revisão. É dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema freqüentemente conduz a mais a mais exata conclusão, já pela luz que projeta sobre ângulos até então ignorados, já pela oportunidade que abre para a reavaliação de argumentos a que no primeiro momento talvez não se tenha atribuído o justo peso. Acrescente-se a isso a circunstância de que, em regra, o julgamento do recurso compete a juízes mais experientes, em regime colegiado, diminuindo a possibilidade de passarem despercebidos aspectos relevantes para a correta apreciação da espécie. As razões da existência, no ordenamento jurídico, dos recursos estão atreladas ao princípio do duplo grau de jurisdição. De acordo com esse mandamento, torna-se impossível a revisão da sentença por órgão hierarquicamente superior ao que a proferiu. A adoção deste princípio visa a satisfazer uma necessidade humana, diante do inconformismo com um julgamento único e desfavorável. Possibilita a redução de erros no julgamento. Atua como forma de purificação da sentença. Resulta em maior prestígio ao julgamento, uma vez que passa por juízes mais experientes. Gera análise mais objetiva do processo, já que debate-se diretamente aqueles pontos mais importantes. A outorga de poder absoluto a apenas um órgão poderia levar à 37 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 430. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P. 237. 38 30 sentenças de qualidade inferior e ainda torna a liberdade do juiz acompanhada de perto. Entretanto, há também argumentos contrários à adoção do referido princípio. A confirmação da sentença representa supérflua atividade para o judiciário. A sentença reformada desprestigia o Judiciário, uma vez que atesta o erro do órgão. Retarda a prestação jurisdicional, trazendo insegurança ao jurisdicionado. Julgar por último não é sinônimo de um julgamento melhor. Não há critério válido para determinar que o segundo julgamento é o mais justo do que o primeiro e ainda anula a vantagem da oralidade. Contudo, o mais importante é a análise da aplicação correta do direito positivo. Não há preceito expresso na Constituição Federal quanto ao duplo grau de jurisdição, em razão da adoção do princípio do devido processo legal e da previsão de dualidade de graus de jurisdição.39 Questão que divide a doutrina é a que se refere à natureza constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes. Todavia, expressamente, não mencionou o duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa. Motivo este autorizador para que a doutrina pátria repila o duplo grau de jurisdição ao alcance da categoria de princípio constitucional.40 Quanto ao referido princípio, dispõe Bernardo Pimentel Souza, frente a sua não apreciação Constitucional:41 O princípio do duplo grau de jurisdição está consubstanciado na exigência de que uma mesma causa seja submetida à apreciação de dois órgãos jurisdicionais distintos, com o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro. O princípio do duplo grau de jurisdição, todavia, não tem explícita previsão constitucional, já que a Constituição Federal é omissa no particular. Diante da omissão da Constituição vigente, é possível afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição não é constitucional, razão pela qual são legítimas as restrições existentes na legislação processual. 39 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.25/26. JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 20. 41 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 61/62. 40 31 Em entendimento contrário, Walter Vechiato Júnior, entende ser sim Constitucional o princípio do duplo grau de jurisdição, conforme: 42 O duplo grau de jurisdição é princípio constitucional, ainda que não insculpido (escrito) na CF. Decorre das regras contidas no art. 5º, XXXV, LIV e LV, da CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Objetiva o reexame das matérias decididas no juízo monocrático de primeiro grau, através da interposição e do julgamento de recursos, por órgãos jurisdicionais colegiados superiores. Empresta, portanto, eficácia plena do devido processo legal. Do contraditório, da ampla defesa e do acesso à justiça. A princípio, todo pronunciamento ou ato jurisdicional causador de gravame é impugnável, a fim de fustigar os erros e as falhas do julgador; contudo, é lícito ao legislador disciplinar procedimento a fim de tornar irrecorrível as decisões neles proferidas, pois o princípio do duplo grau de jurisdição não é ilimitado. Observa-se, desde logo, que a previsão do Recurso Especial não tem como escopo o duplo grau de jurisdição, Isso porque o recurso dito excepcional visa proteger o cumprimento da ordem jurídica – legislação federal –, além de uniformizar a jurisprudência, não tendo como objetivo o exame reiterado da decisão recorrida, nem a tutela do direito subjetivo das partes. Por essa razão, as decisões do Superior Tribunal de Justiça, mormente as proferidas nos Recursos Especiais, exorbitam do interesse das partes, projetando-se para toda a sociedade, tendo uma função eminentemente paradigmática.43 2.5. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Para que haja a produção de efeito de devolver o exame da matéria impugnada ao tribunal, necessário se faz a presença de certos pressupostos de admissibilidade. Com isso, divide-se o julgamento do recurso em duas etapas, as quais: juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Na primeira etapa o tribunal verifica se o 42 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 103/104. 43 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.26. 32 recurso pode ser admitido, ou melhor, o tribunal conhece ou não do recurso. Deliberando pelo conhecimento, passa-se à segunda etapa, que se refere ao mérito, quando então ao recurso pode se dar ou negar provimento. Dando continuidade ao seu pensamento quanto à primeira etapa, a do juízo de admissibilidade, Elpídio Donizetti entende que:44 Dependendo do recurso interposto, tal juízo é feito pelo menos duas vezes. Geralmente, o recurso é interposto perante o órgão prolator da decisão recorrida (juízo a quo) e este, então, verifica se o recurso pode ser admitido, ou seja, se estão presentes os pressupostos de admissibilidade (juízo de admissibilidade diferido). Admitido o recurso, é ele processado e, em seguida, os autos são remetidos ao tribunal ad quem (o tribunal ao qual se recorre). No tribunal, procede-se a novo exame dos pressupostos de admissibilidade. Quando o órgão judiciário considera inadmissível um recurso, diz-se que ele não o conheceu ou não o admitiu. Em razão da semelhança com os requisitos de admissibilidade do processo, as questões relativas ao juízo de admissibilidade podem, em regra, ser conhecidas e decididas de ofício pelo órgão judiciário. Em regra, reconhece-se ao órgão perante o qual se interpõe o recurso a competência para verificar-lhe a admissibilidade; nega-se lhe competência, ao contrário, para examinar-lhe o mérito.Importante se faz salientar que, ressalvado o Agravo de Instrumento, os recursos são interpostos perante o órgão que proferiu a decisão recorrida. Assim, o juízo a quo, o qual proferiu a decisão recorrida, e o juízo ad quem, que julgará o recurso, têm competência para fazer o juízo de admissibilidade.45 Ao traçar uma linha entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, José Carlos Barbosa Moreira assim se refere:46 Todo ato postulatório sujeita-se ao exame por dois ângulos distintos: uma primeira operação destina-se a verificar se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da postulação; outra, subseqüente, a perscrutar o fundamento, para acolhê-la, se fundada, ou rejeitá-la, no caso contrário. Embora a segunda se revista, em perspectiva global, de maior importância, constituindo o alvo normal a 44 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 435. JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 43. 46 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008. P. 261/262. 45 33 que tende a atividade do órgão, a primeira tem prioridade lógica, pois tal atividade só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício. Chama-se juízo de admissibilidade àquele em que se declara a presença ou a ausência de semelhantes requisitos; juízo de mérito àquele em que se apura a existência ou inexistência de fundamento para o que se postula, tirando-se daí as conseqüências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação. No primeiro julga-se esta admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente. É óbvio que só se passa ao juízo de mérito se o de admissibilidade resultou positivo; de uma postulação inadmissível não há como nem porque investigar o fundamento. Reciprocamente, é absurdo declarar inadmissível a postulação por falta de fundamento; se se chegou a verificar essa falta, é porque já se transpôs o juízo de admissibilidade e já se ingressou no mérito: a postulação, na verdade, já foi admitida, embora com má técnica, se esteja dizendo o contrário. A questão relativa à admissibilidade é, sempre e necessariamente, preliminar à questão de mérito: a apreciação desta fica excluída se àquela se responde em sentido negativo. Neste último caso, quando a admissibilidade é negada pelo órgão ad quem, diz-se que ele não conhece do recurso; No caso contrário, que ele conhece do recurso, e aí duas hipóteses podem verificar-se: se o órgão ad quem entender que o recurso, além de admissível, é fundado, dá-lhe provimento; se entender que, apesar de admissível, é infundado, nega-lhe provimento. A distinção entre a decisão de não-conhecimento e a decisão de desprovimento é prenhe de conseqüências práticas. Uma das mais relevantes concerne ao “recurso adesivo”, que caduca quando o órgão ad quem não conhece do recurso principal, mas subsiste (e tem de ser apreciado) quando ao principal se nega provimento. O objeto do juízo de admissibilidade são os requisitos necessários para que se possa legitimamente apreciar o mérito do recurso, a fim de dar-lhe ou negar-lhe provimento. O objeto do juízo de mérito é o próprio conteúdo da impugnação à decisão recorrida. Portanto, para que seja analisado o mérito do recurso, este deve, primeiramente, suprir os requisitos necessários para que seja admitido. Quando o juízo de admissibilidade é negativo, prevalece em todos os aspectos a decisão recorrida, sendo ela que preclui ou transita em julgado. Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha ao distinguirem juízo de admissibilidade e juízo de mérito, concluem que toda postulação se sujeita a um duplo exame do magistrado. Primeiro, verifica-se se restará possível o exame do conteúdo da postulação; após, e em caso de um juízo positivo no primeiro momento, examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. O primeiro exame “tem prioridade lógica, pois tal atividade (análise do conteúdo da postulação) só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercíco”. No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos requisitos de admissibilidade. Distingue-se do juízo de mérito, o qual é aquele “em que se apura a 34 existência ou inexistência de fundamento para o que se postula tirando-se daí as conseqüências cabíveis, ou seja, acolhendo-se ou rejeitando-se o pretendido. No primeiro, julga-se esta admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente”. Razão pela qual se fala em admissibilidade do recurso. O juízo de admissibilidade é sempre preliminar ao juízo de mérito. A solução deste juízo determinará se o mérito será ou não analisado.47 2.5.1. Conceitos e classificações Os atos postulatórios deduzidos em juízo devem ser objeto de exame sob dois planos: primeiro, averiguação em torno da presença das condições exigidas pelo direito positivo para que o órgão do Poder Judiciário aprecie o seu pedido; segundo, apreciar se a impugnação é fundada ou não. O recurso tido como ato postulatório não foge a essa regra, sujeitando-se a um duplo exame. Primeiramente, verifica-se se estão presentes os requisitos de admissibilidade impostos pela lei. Em caso positivo, examina-se a impugnação como fundada ou não. Ao ser proposta a ação, o juiz deve examinar se estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, para, em caso afirmativo, tãosomente analisar o mérito. A exclusão do feito sem análise do mérito constitui uma técnica destinada a abortar, logo no início do processo, o exame da relação processual jurídica em atenção ao princípio da economia processual.48 Antes da apreciação do mérito do recurso é preciso que sejam examinados os requisitos de admissibilidade. São pressupostos indispensáveis para o seu conhecimento e constituem matéria de ordem pública, que deve ser examinada de ofício. Sem o seu preenchimento, a decisão não será reexaminada pelo órgão ad quem. 47 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 42/43. 48 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.85/86. 35 Os requisitos de admissibilidade podem ser reexaminados enquanto não se passar ao mérito do recurso.49 “Condições de admissibilidade”, “pressupostos de admissibilidade” ou “Requisitos de admissibilidade” são as exigências legais que devem ser cumpridas para que o órgão julgador possa ingressar no juízo de mérito do recurso. Tais expressões possuem significados idênticos, por isso são igualmente prestigiadas tanto pela jurisprudência, tanto pela doutrina.50 O Código de Processo Civil também utiliza as três expressões, conforme: 51 Art. 500. Parágrafo único. Ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior. Art. 518. § 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso. Art. 540. Aos recursos mencionados no artigo anterior aplica-se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento no juízo de origem, o disposto nos Capítulos II e III deste Título, observando-se, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o disposto nos seus regimentos internos. Os escritores contemporâneos classificam os requisitos de admissibilidade em intrínsecos e extrínsecos. Aqueles estão relacionados à existência do direito de recorrer, já estes estão ligados ao exercício daquele direito. Integram o primeiro grupo: o cabimento, a legitimidade recursal, o interesse recursal e a inexistência de fatos extintivos e impeditivos. Compõem o segundo grupo: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo.52 O objeto do juízo de admissibilidade dos recursos é composto dos chamados requisitos de admissibilidade, os quais se classificam em dois grupos, sendo eles: a) requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer): cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do 49 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 44. 50 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 104. 51 Lei nº 5.869 de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em 04 de novembro de 2010, às 23h47min. 52 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 104. 36 poder de recorrer; b) requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercício do direito de recorrer): preparo, tempestividade e regularidade formal. 53 A propósito, importante salientar que a doutrina clássica divide os pressupostos de admissibilidade em objetivos e subjetivos. Conforme tal distinção, a recorribilidade, a adequação, a tempestividade, o preparo, a motivação e a regularidade procedimental são pressupostos objetivos. Em contraposição, a legitimidade e o interesse são pressupostos subjetivos. Mesmo que muito respeitável a classificação da doutrina tradicional, o critério conceituado pelos doutrinadores modernos parece ser o melhor, uma vez que é o mais completo. Ademais, a classificação cotada pela doutrina contemporânea está em conformidade com a terminologia empregada no Código de Processo Civil. Porém, a opção pela classificação moderna não implica desdém à distinção tradicional, até mesmo em razão de certa correlação existente entre os dois critérios diferenciadores dos requisitos de admissibilidade. 54 2.6. REQUISITOS INTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE Requisitos intrínsecos são aqueles referentes à existência do direito de recorrer.55 Assemelham-se, de certa maneira, às condições da ação. Um recurso será cabível quando previsto no ordenamento jurídico como adequado para determinada situação. Ainda é necessário que o recorrente tenha interesse e legitimidade. Assim como as condições da ação são imprescindíveis para que se possa apreciar o mérito da demanda, também os requisitos intrínsecos de admissibilidade são necessários para que se passe ao mérito do recurso.56 53 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 44. 54 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 104/105. 55 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 436. 56 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 45. 37 Sobre interesse e legitimidade, dispõe Walter Vechiato Júnior:57 O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo MP (CPC, art. 499). A sucumbência determina o interesse recursal, consistente na expectativa da decisão favorável contrariada pela decisão efetivamente proferida; recorre quem sucumbe. 2.6.1. Cabimento Pode-se aduzir que o requisito do cabimento encontra assento no binômio recorribilidade da decisão e adequação do recurso interposto. Importante salientar que, para que o recurso seja cabível, é preciso que a decisão seja recorrível, e que a via recursal eleita seja adequada de acordo com a legislação federal. Com relação ao Recurso Especial, as suas hipóteses de cabimento estão disciplinadas na Constituição, em seu artigo 105, II, a, b e c. Trata-se de recurso de fundamentação atrelada, porquanto a norma, ao estatuir os requisitos específicos do recurso, fixa limites à fundamentação, fazendo com que o recorrente invoque a tipicidade do erro, a fim do conhecimento do respectivo recurso e, no mérito, demonstre a sua efetiva ocorrência para efeito de provimento.58 Marcus Vinicius Rios Gonçalves também dispõe sobre o cabimento note-se:59 Não há recurso que não tenha sido previsto em lei. O rol legal é taxativo, numerus clausus. Além disso, cada um serve para determinada situação. Contra a sentença cabe apelação; contra decisões interlocutórias, agravo; contra decisões omissas, contraditórias ou obscuras, embargos de declaração, e assim por diante. Cada recurso é típico e adequado para certas circunstâncias. Em atenção à doutrina de Bernardo Pimentel Souza, destaca-se ao tema:60 57 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 123. 58 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.146/149. 59 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 46. 60 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 105/108. 38 O requisito de admissibilidade do cabimento consiste na exigência de que o recorrente utilize, entre as espécies recursais existentes na Constituição Federal e na legislação federal vigente, aquela adequada para impugnar a decisão jurisdicional causadora da insatisfação. Com efeito, o requisito do cabimento concretiza os princípios da taxatividade, da singularidade, e do esgotamento das vias recursais, porquanto o recurso só é cabível quando previsto na Constituição Federal ou na legislação processual em vigor, e for o apropriado para combater o decisium gerador do inconformismo. Aliás, o requisito do cabimento prestigiado pela doutrina moderna correspondente aos pressupostos objetivos da recorribilidade e da adequação da corrente doutrinária clássica. Em primeiro lugar, para ser cabível o recurso, a decisão deve ser recorrível, isto é, passível de impugnação. A segunda etapa do cabimento reside na adequação, já que a decisão jurisdicional só pode ser impugnada por meio do recurso próprio. A falha em qualquer uma das fases do cabimento conduz à prolação do juízo de juízo de admissibilidade negativo. É preciso que o ato impugnado seja suscetível, em tese, de ataque. No exame do cabimento, devem ser analisadas certas questões, as quais, se a decisão é recorrível; qual o recurso cabível a contra esta decisão. Se interposto recurso adequado contra uma decisão recorrível, vence-se esse requisito intrínseco de admissibilidade recursal. Em suma, o cabimento desdobra-se em dois elementos: a previsão legal do recurso e sua adequação: previsto o recurso em lei, cumpre verificar se ele é adequado a combater aquele tipo de decisão. Se for positiva a resposta, revela-se, então, cabível o recurso.61 Ao analisar o cabimento, Walter Vechiato Júnior, aduz que: Cabimento ou adequação consiste na possibilidade jurídica do recurso. Os recursos são taxativamente previstos em lei e adequado ao pronunciamento jurisdicional guerreado (objeto), o que significa uma correlação com os princípios da singularidade (um recurso para determinada decisão) e da fungibilidade (reconhecer um recurso por outro, desde que interposto de boa-fé e com previsão na legislação pertinente). Portanto o recurso interposto deve corresponder àquele previsto em lei para combater determinado pronunciamento jurisdicional. Para que seja preenchido o requisito intrínseco do cabimento, o recurso deve conter previsão em lei contra determinada decisão judicial e, ainda, ser o adequado à obtenção do resultado pretendido. Desta forma, pode-se dizer que o requisito do cabimento é composto pela recorribilidade, ou seja, pela previsão legal do recurso contra a decisão que se busca impugnar, e pela adequação. 61 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 45. 39 A inadequação do recurso, ou seja, a interposição de um determinado recurso ao invés de um outro, geralmente, leva a inadmissibilidade do recurso.62 2.6.2. Legitimidade recursal A legitimidade para a interposição do recurso possui previsão legal no artigo 499, do Código de Processo Civil: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”. Em relação à parte, quando a lei menciona a “parte vencida” como legitimada a recorrer, quer referir-se não só a autor e réu, haja ou não litisconsórcio, mas também ao terceiro interveniente, que com sua intervenção se tornou parte. Deve ainda ser incluído em tal conceito aquele sujeito processual que é parte apenas de alguns incidentes. Terceiro prejudicado é aquele que, até então, não participa do processo. O recurso de terceiro é uma modalidade de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo. Cumprindo-lhe a demonstração do nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. O terceiro prejudicado há de ser titular ou da mesma relação jurídica discutida ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em juízo. Já o Ministério Público pode recorrer na qualidade de parte ou como custos legis. Esta última legitimidade recursal é concorrente com a das partes, mas é primária, ou seja, independe de comportamento delas.63 Assim como acontece com a legitimação para agir, quando se exige, em regra, que o legitimado, seja o titular do direito deduzido em juízo, o legislador preceitua que o recorrente tenha legitimidade para interpor recurso, sob a pena do não conhecimento. Sendo levada em conta a relevância e o interesse de determinadas pessoas em recorrer da decisão, os legitimados para interpor recurso, os quais: a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. 62 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 436/437. 63 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 48/50. 40 Pela conveniência e pela oportunidade, o legislador, conferiu legitimidade recursal às partes, ao terceiro prejudicado e ao Ministério Público, por considerá-los pessoas mais atingidas pelos efeitos da decisão judicial e que por isso, mais interessadas em dela recorrer. Parte da doutrina e da jurisprudência defende o entendimento de que a legitimação ativa recursal funda-se no interesse em recorrer, isto é, têm pretensão a usar do meio recursal todos aqueles que sofrem com a resolução judicial. Por sua vez, o interesse recursal se apóia na perspectiva de que a interposição do recurso seja meio necessário à obtenção de uma situação jurídica mais favorável do que a derivada da decisão judicial recorrida. 64 O estudo da Legitimidade Recursal, para Marcus Vinicius Rios Gonçalves, é no sentido de que:65 Somente aqueles que têm legitimidade podem interpor, com êxito, um recurso. Quem tem legitimidade para recorrer, em primeiro lugar são as partes e os intervenientes. Além do autor e do réu, aqueles que a princípio eram terceiros, mas tiveram a intervenção no processo deferida, como o assistente, simples ou litisconsorcial, o denunciado, o chamado ao processo, o opoente e o nomeado à autoria. Também tem legitimidade o Ministério Público, seja quando atua como parte, seja como fiscal da lei (custos legis). Em ambos os casos, ele terá prazo em dobro para apresentar o recurso (CPC, art. 188). Para que o promotor de justiça fiscal da lei recorra não é preciso que já esteja intervindo no processo, pois ele pode recorrer para postular uma nulidade decorrente de sua não-participação. A lei processual ainda atribui legitimidade recursal ao terceiro prejudicado. São dois os requisitos: que o recorrente seja um terceiro, isto é, que até então não tenha intervindo nos autos, e que tenha interesse jurídico – e não apenas patrimonial – em que o julgamento seja favorável a uma das partes, idêntico àquele que se exige do terceiro para intervir na qualidade de assistente simples. Ainda em torno da legitimidade para a interposição de recurso, deve ser observado um de seus questionamentos, o qual, a possibilidade de o advogado recorrer para postular a elevação de seus honorários. Gleydson Kleber Lopes de Oliveira se posiciona no ponto em que, segundo ele, é sabido que conforme os artigos 22 e 23, da Lei 8.906 de 1994, os honorários advocatícios, fixados por arbitramento judicial e os decorrentes da sucumbência, consistem no direito autônomo do advogado, cuja execução pode ser processada 64 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.151/153. 65 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 46/47. 41 nos próprios autos da ação em que ele tenha autuado. No processo de execução de honorários advocatícios, o advogado possui legitimidade recursal para impugnar decisões nele proferidas, já que é parte ativa. Concluindo seu posicionamento, Gleydson Oliveira diz que, no processo do qual resulte condenação em honorários advocatícios, conforme o conceito tradicional, o advogado não pode ser considerado parte, uma vez que não formulou pedido, nem mesmo contra si foi formulado pedido. Nem tampouco pode ser considerado terceiro, já que não existe liame entre a relação jurídica posta em juízo e a de que é titular, isto é, o direito material discutido não lhe diz respeito. Entretanto, a sentença que fixa os honorários advocatícios atinge, diretamente, a esfera jurídica do advogado, pois decide sobre seu direito, inclusive com formação de coisa julgada material. Pelo fato de a sentença dispor sobre direito seu, o advogado deve ser considerado parte, tendo, por isso, legitimidade recursal.66 Análise igualitária é a de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, já que para este autor o estabelecido no artigo 23 da Lei nº 8.906/94 é suficiente para que não seja afastada a possibilidade de o advogado recorrer, em nome próprio, para postular a elevação dos honorários. Do contrário seria barrá-lo à sua possibilidade de manifestar seu inconformismo quanto ao valor fixado, caso a parte manifeste o desejo de não apelar. Nesse sentido o STJ detêm posição de que: “Consoante o art. 23 da Lei 8.906/94, o detentor do direito à percepção aos honorários fixados judicialmente será sempre o advogado constituído pela parte. Desta assertiva, extrai-se a conclusão de que o advogado, em nome próprio, não em nome do cliente, pode pleitear a revisão, via recurso, da fixação da verba honorária, arbitrada em seu prol. O interesse e a legitimidade recursal, neste caso, não se estendem à parte que logrou êxito na demanda, à míngua de sua sucumbência e também por restar configurada a utilidade e a necessidade do recurso. Recurso Especial não conhecido para manter a falta de interesse da recorrente em se insurgir contra a verba honorária, via recurso de apelação” (STJ, 3ª Turma, REsp 244.802-MT, rel. Min. Waldemar Zveiter, apud Theotonio Negrão, nota 4 ao art. 23 da Lei 8.906/94). 67 66 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.162/163. 67 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 47/48. 42 2.6.3. Interesse recursal O exame do interesse recursal segue a metodologia do exame do interesse de agir – condição da ação. Para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso,o que é mais vantajoso, do ponto de vista prático, do que aquele ponto em que haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar este objetivo. Costuma-se relacionar o interesse recursal à existência de sucumbência ou gravame. Afirmação a qual necessita de cuidado. Exemplo: terceiro não sucumbe, uma vez que é terceiro, e nem por isso está impedido de recorrer, o autor vitorioso no pedido subsidiário pode recorrer para obter o pedido principal. A noção de interesse de recorrer está ligada mais à idéia de prospectiva do que retrospectiva, ou seja, “a ênfase incidirá mais sobre o que é possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado”. Inviável o recurso que tem como intuito apenas discutir o fundamento da decisão; é preciso discordar da conclusão a que chegou o órgão jurisdicional. Não é útil a discussão sobre os fundamentos, sem alterar a conclusão, pois a motivação não fica imutável pela coisa julgada material (art. 469 do CPC).68 Note-se o preceituado por Gleydson Kleber Lopes de Oliveira:69 O exercício da atividade jurisdicional não pode ser inócuo, sem que decorram conseqüências concretas da aplicação do direito objetivo ao caso concreto. Por isso impõe o Código de Processo Civil que o autor da ação demonstre o interesse processual que se traduz no binômio necessidadeutilidade do provimento jurisdicional solicitado, sob pena de extinção da ação sem julgamento do mérito. Também pelo mesmo motivo, é necessário que o recorrente demonstre o interesse para efeito de admissibilidade do recurso, conforme o disposto no artigo 499, do CPC. Baseado na interpretação literal do referido artigo, parte da doutrina defende o entendimento de que o interesse em recorrer resulta, tão somente, da sucumbência, do gravame, do prejuízo, da lesão derivada da decisão, devendo tal critério ser analisado do ponto de vista objetivo, não bastando, apenas, a mera afirmação do recorrente de que da decisão restou prejuízo. A partir disso, defende-se o entendimento de que a 68 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 51/52. 69 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.163/164. 43 sucumbência estaria caracterizada ante a discrepância entre o que foi requerido e o que restou decidido na decisão. Não se distingue esse requisito do interesse geral, que se exige como condição da ação. Apenas existirá se a interposição do recurso for necessária, e dela se puder extrair algum proveito para quem o interpõe. Apenas tem interesse de recorrer aquele que tiver sofrido uma sucumbência no processo. Nelson Nery Junior enumera precisamente as hipóteses em que ela se verifica: “Quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial diverge do que foi requerido pela parte no processo (sucumbência formal) ou quando, independentemente das pretensões deduzidas pelas partes no processo, a decisão judicial colocar a parte ou o terceiro em situação jurídica pior que aquela que tinha antes do processo, isto é, quando a decisão produzir efeitos desfavoráveis à parte ou ao terceiro (sucumbência material), ou, ainda, quando a parte não obteve no processo tudo aquilo que poderia dele ter obtido”.70 2.7. REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE São aqueles que não estão ligados com o ato judicial impugnado e que necessitam de verificação, em regra, no ato ou posteriormente à interposição do recurso. São supervenientes ao ato impugnado. 71 Requisitos extrínsecos são aqueles atinentes ao exercício do direito de recorrer.72 2.7.1. Tempestividade 70 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 48. 71 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 50. 72 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 436. 44 Sendo utilizado como parâmetro, o princípio da segurança jurídica, impõe a legislação prazo para que o legitimado interponha recurso contra decisão judicial, sob pena de, em não fazendo, ocorrer o fenômeno da preclusão temporal. Com outras palavras, o recurso tem que ser interposto tempestivamente, sob pena de inadmissibilidade. Os prazos previstos para interposição de recurso são legais, isto é, são regulados pela legislação, e peremptórios, tornando-se defeso às partes reduzi-los ou prorrogá-los (art. 182, do CPC). A proibição de reduzir ou esticar os prazos não alcança o juiz que poderá fazê-lo desde que haja previsão legal. O prazo para a interposição de Recurso Especial é o mesmo para apresentação de suas contra-razões, o qual, 15 (quinze) dias.73 Sobre o requisito extrínseco da tempestividade, assim dispõe Walter Vechiato Júnior:74 A tempestividade consiste na existência de um determinado prazo previsto em lei, dentro do qual o recurso deve ser interposto. Tempestivo é o recurso interposto no prazo legal, pois as demandas judiciais não podem se arrastar no tempo, de maneira indefinida, o que traria prejuízo à própria ordem pública. O prazo recursal é peremptório, contado, salvo disposição legal específica, na conformidade do art. 506 do CPC. Serôdio é o recurso intempestivo ou extemporâneo, aquele interposto fora do tempo hábil previsto na lei. (CPC, art. 177, ab initio). É o ato jurídico voluntário processual não praticado no tempo e no modo. A autoridade competente para recebê-lo deve negar-lhe seguimento, impedindo o processamento e a remessa ao órgão jurisdicional ad quem, quando o recurso se manifestar diante do juízo recorrido. Os prazos são contados em dobro quando o Recorrente for a Fazenda Pública. O prazo para recorrer também é contado em dobro quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores. Para determinar o início da contagem do prazo para recorrer aplica-se o disposto no art. 184 e seus parágrafos a um dos fatos constantes do artigo 506: “Ida leitura da sentença em audiência; II- da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência; III- da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial”.75 73 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.177/178. 74 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 124. 75 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 441. 45 Para Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha a tempestividade é vista como:76 O recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. O termo inicial do prazo recursal é o da intimação da decisão (art. 506, CPC). O prazo para a interposição do recurso é peremptório, insuscetível, por isso, de deliberação convencional. (...) Nas comarcas onde for difícil o transporte, o juiz poderá prorrogar o prazo recursal por até 60 (sessenta) dias, podendo tal prazo ser excedido em caso de calamidade pública (CPC, art. 182) (...) A tempestividade do recurso é aferida pela data do protocolo. Em outras palavras, o que importa, para verificar a tempestividade do recurso, é que ele tenha sido apresentado ao protocolo dentro do prazo legalmente previsto. A devolução tardia dos autos é irrelevante para a aferição da tempestividade do recurso. Interposto o recurso no prazo previsto em lei, ele é tempestivo. Todos os recursos devem ser interpostos dentro do prazo, sob pena de preclusão temporal. O prazo mais comum é o de quinze dias. O prazo é contado conforme disposição da lei processual, com início na data em que as partes são intimadas do ato judicial, incluindo-se o dia do vencimento. O início e o final da contagem só podem cair em dias úteis, ou seja, se um ato judicial é publicado na sexta-feira, o prazo recursal terá início na segunda-feira subseqüente. A intimação das partes é feita, em regra, com a publicação do ato no Diário Oficial, salvo se a decisão for proferida em audiência, quando as partes dalí já sairão intimadas.77 Em análise aprofundada, Bernardo Pimentel Souza aduz que o requisito de admissibilidade da tempestividade repousa na exigência de que o recurso seja interposto dentro do prazo peremptório, ou seja, definido em lei, sob pena de operarse a preclusão temporal e, caso o mérito da causa tenha sido solucionado, forma-se a coisa julgada material. A tempestividade deve ser averiguada de ofício pelos órgãos de interposição e julgador; o reconhecimento da extemporaneidade do recurso não está condicionado à prévia alegação do Recorrido ou do Ministério Público. 76 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 53/55. 77 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 50. 46 A contagem do prazo recursal é efetuada segundo os artigos 184, 242 e 506, do Código de Processo Civil, os quais indicam que o dies a quo do prazo recursal é o dia da intimação. Não obstante, o termo inicial não é computado na contagem do prazo. Em contrapartida, o termo final é incluído na contagem do prazo. Ou seja, embora o dia do início não seja computado, o dia do fim é considerado na contagem do prazo. A distinção entre suspensão e interrupção do prazo recursal, à vista dos artigos 179 e 180, do CPC, está em que a suspensão ocasiona a paralisação do curso do prazo, mas o lapso decorrido é computado na contagem final do prazo. Os dias anteriores ao advento da suspensão são levados em consideração após o retorno da contagem do prazo. Já a interrupção ocasiona a paralisação do curso do prazo, posteriormente restituído por inteiro, desconsiderando-se o lapso ocorrido. As hipóteses de imediata suspensão do prazo recursal são as: a) em razão da superveniência de férias forenses coletivas, só existentes no âmbito dos tribunais superiores; b) em decorrência de obstáculo ao exercício do direito de recorrer; c) em virtude da perda da capacidade processual; d) em razão do oferecimento de exceção de incompetência relativa, de suspeição ou de impedimento. Sendo as hipótese de imediata interrupção do prazo recursal as: a) pelo falecimento da parte ou de seu advogado; b) por motivo de força maior; c) em razão da interposição de embargos declaratórios admissíveis.78 2.7.2. Regularidade formal O requisito de admissibilidade extrínseco da regularidade formal consiste na exigência de que o recurso seja interposto de acordo com a forma exigida em lei. A regularidade formal analisada pela doutrina moderna corresponde aos pressupostos recursais da regularidade procedimental e da motivação, à vista da classificação doutrinária tradicional. Conforme os artigos 506, parágrafo único, 514, caput, 524, 525, 536, 540, 541 e 542, do CPC, do art. 34, §2º, da Lei nº 6.830/80 e do artigo 42, da Lei nº 9.099/95, 78 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 148/170. 47 os recursos cíveis devem ser interpostos por meio de “petição”, ou seja, peça autônoma escrita, datilografada, impressa ou até mesmo eletrônica, sendo esta última na norma interna do tribunal competente. 79 Para que o recurso seja conhecido, é necessário, ainda, que seja preenchidos alguns quesitos formais que a lei exige. Observando-se a forma a qual o recurso deve revestir-se. Dessa forma deve o recorrente, por exemplo, sob pena de inadmissibilidade de seu recurso: a) apresentar as suas razões, impugnando especificamente as razões da decisão recorrida; b) juntar as peças obrigatórias no Agravo de Instrumento; c) juntar, em caso de Recurso Especial fundado na divergência jurisprudencial, a prova da divergência, bem como transcrever trechos do acórdão recorrido e do aresto paradigma; d) afirmar, em tópico ou item preliminar do recurso extraordinário, a existência de repercussão geral; e) formular pedido de nova decisão ou de anulação da decisão recorrida; f) o agravo retido interposto contra decisão proferida em audiência deve ser interposto oralmente; g) à exceção do agravo retido e dos embargos de declaração em Juizados Especiais Cíveis, que podem ser interpostos oralmente, os demais recursos deverão ser interpostos por petição escrita, sendo-lhes vedada a interposição por simples cota nos autos, “tendo em vista até mesmo a impossibilidade da aferição da tempestividade, pois a inexistência do registro de ingresso no protocolo do órgão judicial impede a contagem do prazo recursal”, etc.80 Para Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, a regularidade formal do recurso está consubstanciada no sentido de que:81 O recurso deve-se revestir das formalidades estatuídas na legislação, sob pena de inadmissibilidade. Em regra, impõe a lei que o recurso seja interposto por meio de petição escrita, com exceção do agravo retido, que pode ser interposto oralmente, de acordo com o art. 523, § 3º, do 79 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 137/138. 80 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 60/61. 81 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.194. 48 CPC, com a redação dada pela Lei 9.139/95. Por isso que vedada é a interposição de recurso por intermédio de lançamento de cotas nos autos do processo. Deve a petição recursal der assinada por advogado legalmente constituído mediante instrumento de mandato. Em consonância com a noção de preclusão, se a petição recursal não for assinada pelo procurador, há entendimento de que o recurso deve ser considerado inexistente. Consentâneo com a noção instrumental do processo, que é o mais indicável na interpretação das normas do direito processual, temse atenuado o rigor do citado entendimento, a fim de considerar admissível o recurso, desde que haja assinatura na petição recursal ou nas razões recursais, ou de possibilitar o suprimento dessa irregularidade. Na petição do recurso deve constar os nomes e a qualificação das partes, os fundamentos de fato e de direito e o pedido de reforma ou invalidação da decisão atacada (CPC, art. 514).82 Veja-se o entendimento de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:83 Todos os recursos devem vir, no ato de interposição, acompanhados das razões que fundamentam o pedido de modificação ou integração do julgado. Não se conhece de recurso desacompanhado de razões. No processo civil não há prazos distintos para interposição do recurso e apresentação das razões, como no penal. A oportunidade para motivar o recurso preclui (preclusão consumativa) com a interposição. Não se admite que ele seja aditado, para a inclusão de novos fundamentos. Não nos parecem acertadas as decisões judiciais que o permitem, desde que antes do término do prazo, diante do que dispõe o art. 514, II, do CPC, que exige da apelação que seja acompanhada dos respectivos fundamentos de fato de direito. Há uma única hipótese em que se admite a complementação das razões de recurso: quando, depois de apresentado, são opostos embargos de declaração pelo adversário, cujo acolhimento resulta na modificação da decisão, ou em sua integração. Não seria justo que aquele que recorreu logo no início do prazo, demonstrando diligência, ficasse privado de impugnar a parte que foi acrescentada ou alterada. No entanto, os novos fundamentos devem ater-se àquilo que tenha sido acrescentado ou modificado. Cabe salientar que, no processo civil, não basta impugnar a decisão. É preciso, sob pena de inépcia, dizer o motivo pelo qual se pleiteia a sua reforma, a invalidação, o esclarecimento ou integração. Não se conhece do recurso se, embora tempestiva a petição, as respectivas razões são apresentadas depois do último dia do prazo recursal preclusivo.84 82 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 127. 83 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 54/55. 84 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 444. 49 2.7.3. Preparo Ao conceituar o Preparo, Bernardo Pimentel Souza refere-se da seguinte maneira:85 O requisito de admissibilidade do preparo consiste na exigência de que o recorrente efetue o pagamento dos encargos financeiros que dizem respeito ao recurso. Os encargos recursais englobam: as custas judiciais do processamento do recurso nos órgãos judiciários a quo e ad quem, e b) os portes de remessa e de retorno. A necessidade do depósito, quer da totalidade quer de parte, dos aludidos encargos é fixada, segundo o caput do artigo 511 do Código de Processo Civil, “pela legislação pertinente”. A expressão legal “legislação pertinente” alcança as leis de custas federais e estaduais, os regimentos internos dos tribunais e as tabelas de custas judiciais dos tribunais. Por força do caput do art. 511 do Código de Processo Civil, quando há a exigência do preparo “pela legislação pertinente”, a ausência do recolhimento dos encargos financeiros do recurso conduz à aplicação da pena de deserção, a qual também é imposta pelo simples fato de o recorrente não comprovar o recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, ainda que tenha efetuado o pagamento. A falta do pagamento do preparo ou da demonstração do depósito no ato da interposição dá ensejo à aplicação ex officio da sanção de deserção e, por conseguinte, à inadmissão do recurso pelo juízo ou tribunal de origem ou, se recebido sem razão, ao não-conhecimento do recurso por parte do órgão julgador. O preparo consiste no pagamento antecipado das despesas relativas ao processamento do recurso. À sanção para a falta de preparo oportuno dá-se o nome de deserção. Trata-se de causa objetiva de inadmissibilidade, que prescinde de qualquer indagação quanto à vontade do omisso. O preparo há de ser comprovado no momento da interposição (art. 511, CPC) – anexando-se à peça recursal a respectiva guia de recolhimento -, se assim o exigir a legislação pertinente, também quanto ao pagamento do porte de remessa e de retorno. Conforme disposição do artigo 515, § 4º, do Código de Processo Civil, não deve mais ser reconhecida a imediata deserção. A ausência de preparo constitui, a toda evidência, um vício sanável. Com isso, o recorrente deve ser intimado antes de se aplicar a pena de deserção, a fim de que possa, no prazo que lhe for fixado, 85 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 178. 50 efetuar o preparo. Não efetuado, deve-se reconhecer a deserção. Diversamente, cumprida a diligência, prosseguirá o julgamento do recurso. O valor correspondente ao preparo é o da soma, quando for o caso, da taxa judiciária e das despesas postais (portes de remessa e de retorno dos autos). Observa-se o disposto no parágrafo único, do artigo 5º, da Lei nº 11.636/07, o qual vela pelo regime de custas perante o Superior Tribunal de Justiça: “O preparo compreende todos os atos do processo, inclusive a baixa dos autos”. O preparo é feito mediante recolhimento de custas em guia própria. O preenchimento equivocado da guia não deve acarretar em deserção, caso reste evidencia de que a parte efetivamente recolheu as custas. Em particular, deve-se aplicar o princípio da instrumentalidade das formas, ou seja, não se atendeu a forma, mas a finalidade foi atingida, aproveitando-se o ato e tendo-o como corretamente praticado.86 Em “Novo Curso de Direito Processual Civil”, Marcus Vinicius Rios Gonçalves explana de maneira objetiva questão referente ao preparo:87 Consiste na antecipação das despesas com o processamento do recurso. A lei processual o desobrigou em apenas dois casos: o agravo retido e os embargos de declaração. O primeiro só é remetido ao tribunal e apreciado quando do julgamento de apelação, e o segundo é julgado pelo próprio órgão a quo. O recurso especial não recolhe preparo, nos termos do art. 112 do Regimento Interno do STJ. No entanto, sob pena de o recurso ser julgado deserto, é preciso haver o recolhimento das despesas de remessa e retorno: “É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos” (Súmula 187 do STJ). De forma geral, os recursos estão sujeitos a preparo, ou seja, estão sujeitos ao pagamento das despesas processuais equivalentes ao recurso interposto, que compreendem as custas e o porte de retorno. Para determinados recursos se faz dispensável o preparo, a exemplo do agravo retido e os embargos de declaração. Trata-se de isenção pelo critério objetivo. Além disso, há que se observar a legislação local, que necessariamente não está obrigada a exigir preparo, conforme previsão no CPC. No Estado de São Paulo, por exemplo, não estão sujeitos a preparo os embargos infringentes. 86 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 62/68. 87 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 52. 51 Quando exigido pela legislação conexa, o preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção, ou seja, trancamento do recurso. Tratando-se desta feita, da regra do preparo imediato.88 Gleydson Kleber Lopes de Oliveira entende que:89 Consiste o preparo no pagamento prévio a ser feito pelo recorrente de despesas relativas ao processamento do recurso, sob pena de inadmissibilidade. Trata-se de uma das espécies do gênero despesas, não se confundindo com aquelas relativas ao porte de remessa e de retorno dos autos. Com a edição da Lei 8.950/94, que emprestou nova redação ao art. 511 do CPC, constitui ônus do recorrente comprovar, no ato de interposição do recurso, o pagamento do preparo e do porte de retorno dos autos. Em virtude dessa exigência, deve o recorrente comprovar, no ato da interposição do recurso, o pagamento do preparo e das despesas de porte de remessa e de retorno imediato, cujo descumprimento acarreta a declaração de deserção, que se traduz no juízo negativo de admissibilidade. Caso o recurso seja interposto sem o comprovante do pagamento do preparo, o recorrente não poderá apresentá-lo, ainda que tenha efetuado o pagamento no lapso temporal previsto para o recurso, diante da ocorrência da preclusão consumativa. Atenuando o rigor da deserção, em conformidade com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a Lei 9.756/98, ao incluir o § 2º no art. 511 do CPC, prescreve que, constatada insuficiência no valor do preparo, deve o órgão do Poder Judiciário determinar a intimação do recorrente para, no prazo de cinco dias, supri-lo. Caso o recorrente não tenha comprovado o recolhimento do preparo, deve o órgão do Poder Judiciário declarar a deserção do recurso, sendo inaplicável o § 2º do art. 511 do CPC por se referir à complementação e não à sua efetivação. Concluindo a respeito do requisito extrínseco de admissibilidade do preparo, Walter Vechiato Júnior explana que o preparo consiste na taxa judiciária imposta ao recorrente, o qual deve pagar previamente as custas e despesas para a prestação jurisdicional em grau de recurso. A ausência de preparo, quando legalmente exigido, resulta na deserção do recurso, tendo como conseqüência a sua negativa de seguimento.90 2.7.4. Inexistência de fatos extintivos e impeditivos 88 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 442. OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.214. 90 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 127. 89 52 Para Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, tal requisito consiste em:91 Os fatos extintivos ou impeditivos do direito de recorrer serão requisito de admissibilidade negativo, isto é, o mérito do recurso somente é apreciado se ausentes estiverem todos os fatos que conduzam à extinção ou impedimento do direito de recorrer. Os fatos impeditivos e extintivos do direito de recorrer traduzem atos da parte que são logicamente incompatíveis com o ato de interpor recurso, configurando a ocorrência de preclusão lógica que consiste na perda ou na extinção de um ônus processual pelo fato de se haver realizado uma atividade incompatível com o exercício dessa faculdade. Os fatos extintivos são a renúncia do direito de recorrer e a aceitação, ou aquiescência, da decisão, enquanto os impeditivos são a desistência do recurso ou da ação, o reconhecimento jurídico do pedido e a renúncia do direito sobre o qual se funda a ação. Fato impeditivo da vontade de recorrer é aquele conhecido pelo recorrente antes da interposição (preclusão, concordância com a decisão, renúncia, súmula e vedação legal). Fato extintivo da vontade de recorrer é posterior à interposição (desistência e deserção).92 O requisito de admissibilidade intrínseco da inexistência de fatos extintivos e impeditivos consiste na exigência de que não tenha ocorrido nenhum fato que conduza à extinção do direito de recorrer ou que impeça a admissibilidade do recurso. Trata-se, a rigor, de requisito de admissibilidade de caráter negativo. Aliás é o único, já que todos os demais pressupostos recursais são de natureza positiva, para a prolação de juízo positivo de admissibilidade. Ao revés, em relação ao requisito da inexistência, como a própria denominação revela, a ausência de fatos extintivos e impeditivos é essencial para a prolação do juízo positivo de admissibilidade. A renúncia ao direito de recorrer e a aceitação da decisão desfavorável são fatos extintivos do direito de recorrer. De outro lado estão os fatos impeditivos, os quais, a desistência do recurso, a desistência da ação, o reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação e a ausência do depósito de multa processual de pagamento imediato. 93 91 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.204. JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 127. 93 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 127/128. 92 53 Preceituando em relação da falta de interesse decorrente de renúncia ou desistência do recurso, Elpídio Donizetti entende que:94 Ocorre denúncia quando o recorrente, antes da interposição do recurso, abre mão da faculdade de recorrer. A renúncia pode ser manifestada por petição ou oralmente na audiência. O que importa é que a manifestação seja anterior à interposição do recurso. Se for posterior, não será renúncia, mas sim desistência. Dá-se a desistência quando, já interposto o recurso, a parte manifesta a vontade no sentido de que não pretende o seu prosseguimento. A desistência pode ocorrer em qualquer tempo (art. 501). A renúncia e a desistência geram o mesmo efeito: o trânsito em julgado da sentença. Não se pode deixar de inserir o entendimento de Marcus Vinicius Rios Gonçalves. O doutrinador segue na mesma linha daquilo que seria conceituado ao referido requisito, enfatizando o fato da aquiescência, ou seja, da concordância aos óbices a que o recurso seja conhecido. Note-se:95 A renúncia é a manifestação unilateral de vontade, pela qual a parte revela o desejo de não recorrer, abrindo mão da possibilidade de o fazer. É irrevogável, e, desde o instante em que apresenta em juízo, estará preclusa a decisão, ou transitada em julgado a sentença. Por ser ato unilateral, dispensa o consentimento do adversário. Com a renúncia não se confunde a aquiescência, que consiste na aceitação expressa ou tácita da decisão (CPC, art. 503). Quando expressa, consiste em manifestação da parte na qual ela expressa sua concordância com o que foi decidido. Quando tácita, consiste na prática de ato incompatível com a vontade de recorrer. (...) A aquiescência, tal como a renúncia, impede a interposição do recurso, sob a forma independente da adesiva, porque há incompatibilidade lógica entre aceitar a decisão e recorrer. A desistência é fato impeditivo do direito de recorrer. Difere da renúncia e da aquiescência, porque pressupõe recurso já interposto. É também unilateral, e independe do consentimento do adversário, ainda que este já tenha apresentado resposta. Independe também do consentimento dos eventuais litisconsortes do recorrente. Existem requisitos negativos de admissibilidade do recurso. Fatos que não podem ocorrer para que o recurso seja admissível. São os fatos impeditivos e extintivos do direito de recorrer. Ao poder de recorrer é impedido o ato de que diretamente haja resultado a decisão desfavorável àquele que, depois, pretenda impugná-lo. “ A ninguém é dado usar as vias recursais para perseguir determinado fim, se o obstáculo ao atingimento 94 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 8ª ed. 2007. P. 440. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P. 55/57. 95 54 deste fim, representado pela decisão impugnada, se originou de ato praticado por aquele mesmo que pretende impugná-la”. A desistência, a renúncia ao direito sobre o que se funda a ação e o reconhecimento da procedência do pedido são fatos impeditivos do direito de recorrer, ressalvado o caso do recorrente pretender discutir a validade de tais atos, o que redundaria na rescisão da decisão judicial que os tenha por fundamento. 96 96 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 52/53. 55 CAPÍTULO 3 - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE ESPECÍFICOS DO RECURSO ESPECIAL FRENTE À JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3.1. CAUSAS DECIDIDAS Em análise do art. 105, III, da CF, resulta-se a necessidade da existência de uma causa decidida para que seja possível interpor recurso especial. Cumpre anotar o significado de causa decidida, que, desde a Constituição de 1934, vem sendo objeto de divergências. Resta saber se refere-se o legislador ao citado termo restritivamente como lide ou extensivamente como qualquer questão decidida em processo judicial. A jurisprudência majoritária do STJ entende que, no conceito de causa, compreendem-se todas as decisões de última ou única instância, mesmo que incidentais, proferidas pelos tribunais no exercício da jurisdição, em procedimento de jurisdição voluntária ou contenciosa. Não se enquadram no termo “causas decididas” as decisões proferidas pelo Poder Judiciário em procedimentos de natureza não jurisdicional, tais como nos casos de precatório e no de captação de dúvida.97 Ao invés do que aparenta, cabe ainda recurso extraordinário contra o último julgado que soluciona questão incidente. Contudo, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial há muito predominante, o vocábulo “causas” deve ser entendido em amplo sentido. O termo constitucional almeja o julgado que ocasionou a extinção do processo judicial, bem como o decisum final em que foi resolvida qualquer questão incidente relacionada a uma causa.98 3.2. 97 ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.228/230. 98 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P. 685/686. 56 Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha abordam o tema analisando que os Recursos Extraordinário e Especial pressupõe um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única. Restando às cortes de cúpula apenas poderem se manifestar sobre questão que tenha sido resolvida na instância ordinária. Tanto o Recurso Especial como o Recurso Extraordinário são cabíveis de decisões que tenham julgado a causa em última ou única instância. Logo, enquanto houver recurso na instância de origem, ainda não houve decisão de última ou única instância. Necessário se faz o prévio esgotamento das instâncias ordinárias para que se possa intentar os Recursos Extraordinário e Especial.99 Para Gleydson Kleber Lopes de Olieira:100 Decisão de única ou última instância, para efeito de admissão do recurso especial, deve ser aquela em face da qual não cabe recurso ordinário na esteira da Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Portanto, imprescindível se apresenta o exaurimento das vias recursais ordinárias, a fim de que o Superior Tribunal de Justiça pronuncie-se a respeito da questão federal em sede de recurso especial. Utilizando por analogia a Súmula 281 do Colendo Supremo Tribunal Federal, o STJ possui jurisprudência em relação ao requisito do exaurimento da única ou última instância, note-se: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO APRECIADOS MONOCRATICAMENTE PELO RELATOR. RECURSO ESPECIAL DE DECISÃO MONOCRÁTICA. NÃO-ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA A QUO. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 281 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em sede de recurso especial, as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, circunstância que não ocorre na espécie, já que a decisão ainda era passível de recurso nas instâncias ordinárias, atraindo a incidência da Súmula n.º 281 do Supremo Tribunal Federal. 2. Recurso especial não conhecido. (REsp 868.169/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 11/10/2010) 99 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 266/267. 100 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.230/232. 57 3.3. TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS OU TRIBUNAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL O Recurso Especial é interponível contra decisão, de única ou última instância, proferida por Tribunal Regional Federal, Tribunal de Alçada e Tribunal de Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Refere-se o REsp à denominada justiça comum – justiça estadual e federal -, estando excluídas as justiças especializadas, as quais, trabalhista, eleitoral e militar. As decisões proferidas pela Turma Recursal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e criminais instituídos pela Lei 9.099/95, e pelo juiz, em sede de embargos infringentes na execução fiscal, não podem ser impugnadas mediante recurso especial, por não terem sido proferidas por tribunal. Com relação às decisões proferidas pela Turma Recursal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 203. Conforme: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de Segundo Grau dos Juizados Especiais”. Frente a referida Súmula, existe entendimento doutrinário o qual defende o cabimento do Recurso Especial contra decisão prolatada por Turma Recursal dos Juizados Especiais, desde que a matéria nela decidida refira-se à sua competência. Apesar da literalidade da redação proporcionar essa interpretação, não se esquece que a Constituição é clara ao estabelecer o cabimento do Recurso Especial das decisões proferidas por tribunal, de onde podemos perceber que mesmo que a matéria retratada no recurso seja relativa à competência dos Juizados Especiais, incabível é o Recurso Especial.101 3.4. DECISÃO RECORRIDA QUE CONTRARIAR TRATADO OU LEI FEDERAL, OU NEGAR-LHES VIGÊNCIA 101 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.232/233. 58 O autor Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, em sua obra “Recurso Especial”, insere ainda, como requisito de admissibilidade específico do Recurso Especial a decisão recorrida que contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência. Vejase:102 A alínea a do art. 105, III, da CF estabelece o cabimento do recurso especial, quando a decisão recorrida contrariar, ou negar vigência, a lei federal ou a tratado. Como o recurso especial é de fundamentação vinculada, a tipicidade do erro é pressuposto do cabimento do recurso (juízo de admissibilidade), enquanto a sua existência real é pressuposto de procedência do recurso (juízo de mérito). A admissibilidade do recurso especial funda-se, destarte, na alegação de violação a lei federal, enquanto, no juízo de mérito, averiguar-se-á a efetiva ocorrência da citada violação. No entanto, a orientação segundo a qual, no juízo de admissibilidade, basta a alegação de violação de lei federal não é adotada pela jurisprudência do STJ. De acordo com o entendimento prevalente nessa Corte em relação à alínea a do art. 105, III, da CF, o mérito do recurso excepcional somente é apreciado nas hipóteses em que o acórdão recorrido houver infringido a lei federal ou tratado; caso não se conste a violação, o recurso não é conhecido. Na hipótese de a lei federal repetir preceito integrante da Constituição Federal – de que é exemplo a discussão sobre direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada -, considera-se a matéria como constitucional, sendo admissível o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal e não especial ao Superior Tribunal de Justiça. Cabe Recurso Especial, quando o acórdão recorrido “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. O termo “contrariar” é mais abrangente do que “negar vigência”. Com efeito, contrariar “supõe toda e qualquer forma de ofensa ao texto legal, quer deixando de aplicá-lo às hipóteses que a ele devem subsumir-se, quer aplicando-o de forma errônea ou, ainda, interpretando-o de modo não adequado e diferente da interpretação correta, no sentido do órgão responsável pelo controle ao respeito e pela uniformização do direito federal”. Ou seja, contrariar um texto “é mais do que negar-lhe vigência. Em primeiro lugar, a extensão daquele termo é maior, chegando mesmo a abarcar a certos respeitos, o outro; segundo a compreensão dessas soluções é diversa: „contrariar‟ tem uma conotação mais difusa, menos incisiva”. 103 102 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.233/237. 103 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 306. 59 3.5. DECISÃO RECORRIDA QUE JULGA VÁLIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL De acordo com a alínea b do art. 105, III, da Constituição Federal, é cabível o Recurso Especial quando o tribunal “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal”. O mencionado preceito constitucional tem como objetivo a garantia da observância do princípio da hierarquia das leis, com a prevalência da legislação federal sobre lei ou ato de governo local. No Recurso Especial não há possibilidade para a discussão de violação a direito local, conforme a Súmula 280 do Colendo Supremo Tribunal Federal, a qual tem como teor: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”. Frente a previsão no citado preceito constitucional, se o tribunal local deixar de aplicar a lei federal, por entender que a matéria nela regulada é competência do Estado ou do Município, segundo as regras da Constituição Federal, é cabível o Recurso Especial por ofensa à legislação federal.104 A expressão julgar válido remete à necessidade de um contraste entre ato do governo local e uma norma federal. Assim, se o ato do governo local foi julgado válido, significa que a lei federal restou afrontada. Entre a lei federal e o ato de governo local, o acórdão recorrido optou por este último, quedando por possivelmente violar a lei. Significa que o ato administrativo pode ter violado a lei federal. Ao julgar válido o ato administrativo, o acórdão restou, igualmente, por violar a lei federal, cabendo recurso especial. O Superior Tribunal de Justiça é chamado a manifestarse sobre esse possível contraste entre o ato administrativo local e a legislação federal.105 Em relação à decisão recorrida que julga válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal, o STJ entende ser requisito de admissibilidade para o conhecimento do Recurso Especial, conforme: 104 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.238/240. 105 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 308. 60 PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RÁDIO BASE (ERB). ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO NA LEGISLAÇÃO LOCAL. COTEJO ENTRE LEI LOCAL E LEI FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. STF. FUNDAMENTO INATACADO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. O mandado de segurança foi impetrado contra ato do Diretor de Fiscalização de Atividades Urbanas de Brazlândia/DF, com o objetivo de anular dois autos de notificação e um auto de infração lavrados pela autoridade coatora, em razão de a impetrante ter instalado, sem prévia licença distrital, torre de telefonia para operar uma Estação de Rádio Base (ERB). Alega-se que a regulamentação da matéria é atribuição exclusiva do poder público federal. 2. Para o acórdão recorrido, a prévia licença do poder público distrital para a instalação de ERB fundamenta-se na Lei Distrital 2.105/98 - que dispõe sobre a obrigatoriedade de licenciamento para a edificação de obras em área urbana ou rural; bem como na Lei Distrital nº 3.446/2004, a qual preceitua a necessidade de a licença para o empreendimento ser precedida de audiência pública e de relatório de impacto sobre a vizinhança. Não se presta o apelo especial à análise da legislação local. Incidência da Súmula 280/STF. 3. A teor do disposto no art. 102, III, c e d, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 45/2004, compete ao STF julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Carta Maior. 4. O recorrente não suscitou ofensa à Lei Federal nº 8.919/94, utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar que a competência privativa da União para legislar sobre telefonia não excepciona a incidência das normas federais, estaduais e municipais sobre construções, escavações e logradouros públicos. A falta de impugnação a esse fundamento obsta o conhecimento do apelo nobre, ante a incidência da Súmula 283/STF. 5. Recurso especial não conhecido. (REsp 1148457/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 29/04/2010) 3.6. DECISÃO RECORRIDA QUE DÁ À LEI FEDERAL INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE DA QUE LHE HAJA ATRIBUÍDO OUTRO TRIBUNAL Dando continuidade à sua analise dos requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira aduz que: 106 A existência de entendimentos diversos acerca da aplicação de uma mesma legislação é bastante comum, em razão de ser o Direito uma ciência humana. A atividade interpretativa do magistrado é fundamental à fixação do sentido e do alcance da norma jurídica, e a pluralidade de métodos – gramatical, histórico, lógico, sistemático, teleológico – muito freqüentemente conduz a entendimentos diversos acerca da mesma norma legal. Por mais que clara seja a lei, ainda, assim, a interpretação é fundamental, pois é 106 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.241/247. 61 indispensável que o operador do direito fixe a noção e alcance da norma jurídica, tendo presente a sua finalidade e os valores reinantes no ordenamento jurídico. Não se aceita o brocado in claris cessat interpretatio (disposições claras não comportam interpretações”). Registre-se que o dissenso jurisprudencial constitui, essencialmente, uma questão de direito presente no momento em que o operador do direito identifica a norma jurídica que deve incidir no caso concreto, e lhe fixa a noção e alcance. A existência de divergência jurisprudencial, apesar de ser comum, minimiza a idéia de certeza que deve nortear o direito, já que, num mesmo contexto histórico, a lei deve comportar apenas uma interpretação. Já tratamos da questão de que cabe ao STJ uniformizar a jurisprudência nacional, proferindo decisões paradigmáticas. Por isso, cabe Recurso Especial por divergência jurisprudencial (CF, art. 105, III, “c”). Havendo divergência entre órgãos de tribunais diversos, caberá o Recurso Especial. Destaca-se que é incabível o Recurso Especial quando houver divergência entre órgãos do mesmo tribunal – Súmula 13/STJ. Somente cabe recurso extremo, se a divergência for entre órgãos de tribunais diferentes.107 Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO CIVIL – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO – ACÓRDÃO PARADIGMA DO MESMO TRIBUNAL – SÚMULA 13 DO STJ. 1. A recorrente não indicou qual o dispositivo legal violado, para sustentar sua irresignação pela alínea "a" do permissivo constitucional. Incidência da Súmula 284/STF. 2. O recurso não pode ser conhecido, pois a recorrente não realizou o necessário cotejo analítico, bem como não apresentou, adequadamente, o dissídio jurisprudencial. Descumpriu, assim, as formalidades exigidas pelos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255 do RISTJ. 3. De outra parte, a recorrente trouxe a confronto julgado do mesmo Tribunal, o que não configura a divergência exigida no permissivo constitucional, nos termos da Súmula 13/STJ: "A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial". Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1081987/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 12/12/2008) CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS MILITARES. GRATIFICAÇÃO DE 10% SOBRE O VALOR DO SOLDO. EXTINÇÃO. POSSIBILIDADE. DECRETOS-LEI NºS 1.901/81 E 2.201/84. DIVERGÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA 13 DO STJ. - O regime jurídico estatutário, que disciplina o vínculo entre o servidor público e a Administração, não tem natureza contratual, em razão do que inexiste direito a inalterabilidade do regime remuneratório. 107 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 308/309. 62 - Em tema de regime remuneratório do funcionalismo público, descabe a invocação aos princípios constitucionais do direito adquirido e da irredutibilidade dos vencimentos, quando a despeito da redução do percentual numérico de gratificação, os novos critérios impostos acarretam em efetivo acréscimo remuneratório. - A superveniência do Decreto-Lei nº 2.201/81, que introduziu novos critérios de remuneração dos militares ativos e inativos, ainda que reduzindo os percentuais ou suprimindo gratificações, teve por escopo prestigiar e valorizar o soldo básico, base sobre a qual incidem os cálculos de todas as demais vantagens salariais, restando por conceder sensível elevação no valor final dos vencimentos. - Arestos trazidos ao confronto são originários do próprio Tribunal prolator do acórdão recorrido, incidindo, portanto, o óbice da Súmula nº 13, desta Corte. - Recurso especial não conhecido. (REsp 321.394/RS, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2001, DJ 01/10/2001, p. 261) 3.7. PREQUESTIONAMENTO Etimologicamente, o prequestionamento significa discussão ou debate anterior. O prequestionamento é, de fato, um dos aspectos mais discutidos e controvertidos na doutrina e na jurisprudência relativamente à admissibilidade do Recurso Especial, momente pela tríplice acepção com que pode ser invocado: atividade da parte em suscitar previamente determinada matéria; ato do órgão do Poder Judiciário em decidir acerca de determinada matéria e o somatório das duas anteriores. A Constituição prevê o cabimento de Recurso Especial das causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federas ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal e der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Importante destacar a analogia aplicada pelo STJ quanto ao disposto no enunciado da Súmula 282/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. A expressão “questão federal suscitada” consoante do referido enunciado deve ser entendida como a veiculada no Recurso Especial e não a invocada anteriormente à prolação da decisão recorrida. A questão federal refere-se ao decidido no acórdão recorrido e 63 não a que, porventura, tenha sido suscitada pelas partes ao longo do procedimento, ou seja, a violação da legislação federal apontada no Recurso Especial tem que ter sido objeto de pronunciamento na decisão recorrida. É imprescindível que o tribunal a quo tenha emitido decisão a respeito de questão federal, cuja violação a legislação federal tenha sido veiculada no Recurso Especial. Na doutrina e na jurisprudência, encontram-se referências a prequestionamento explícito e implícito. Por prequestionamento implícito entende-se ora ventilação da questão de direito federal no acórdão recorrido, sem que tenha sido mencionado o preceito de lei, ora quando a questão federal e suscitada pela arte no decorrer do processo, contudo o tribunal a quo não apreciou. Já por prequestionamento explícito, entende-se ser a manifestação expressa do tribunal a quo a respeito de questão federal, inclusive com menção expressa ao artigo da lei federal.108 O entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha quanto ao presquestionamento é de que tal requisito é exigência antiga para admissibilidade do Recurso Especial, segundo o qual se impõe que a questão federal objeto do excepcional tenha sido suscitada/analisada na instância inferior.109 Para Marcus Vinicius Rios Gonçalves, consiste o prequestionamento:110 Na necessidade de questão constitucional ou federal ter sido ventilada nas instâncias inferiores. É preciso que ela tenha sido suscitada e decidida antes. Em duas situações apenas, apontadas por Vicente Greco Filho, pode-se admitir o recurso especial ou extraordinário, sem que tenha havido o prequestionamento: “No caso de o fundamento novo aparecer exclusivamente no próprio acórdão recorrido, como por exemplo, se o acórdão julga extra ou ultra petita sem que esse fato tenha ocorrido na sentença; e se, a despeito da interposição dos embargos de declaração, o tribunal se recusa a examinar a questão colocada” Segundo o conceituado doutrinador Prequestionamento é no sentido de que:111 108 Bernardo Pimentel Souza, OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.248/274. 109 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 260. 110 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2008. P.151. 111 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010. P.627/628. o 64 O inciso III do artigo 105 da constituição de 1988 também exige que a matéria jurídica tratada no recurso especial tenha sido solucionada no julgado recorrido. È o que se infere da expressão constitucional “causas decididas em única em única ou última instância”. Aí reside a necessidade do prequestionamento do tema suscitado no recurso especial. . O prequestionamento consiste na exigência de que a questão de direito veiculada no recurso interposto para tribunal superior tenha sido previamente decidida no julgado recorrido. Com efeito, não basta a parte ter suscitado o tema, ainda que à exaustão. Se a matéria jurídica suscitada não foi decidida no julgado recorrido, não está satisfeita a exigência do prequestionamento. O cumprimento do prequestionamento, entretanto, não está condicionado à menção expressa, no acórdão recorrido, do preceito tido por violado pelo recorrente. O que importa para a satisfação do prequestionamento é ter sido a matéria jurídica alvo de discussão no recurso dirigido ao tribunal superior previamente solucionada no julgado recorrido. É, aliás, o que se infere dos enunciados ns. 282 e356 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicáveis por analogia ao recurso especial. Vários são os Recursos especiais inadmitidos por conta da suposta falta de prequestionamento, conforme verifica-se dos julgados abaixo: PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211/STJ.TAXAS. VIOLAÇÃO AO ART. 77 DO CTN. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.DIVERGÊNCIA ENTRE JULGADOS DO MESMO TRIBUNAL. SÚMULA N. 13/STJ.1. O prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados constitui requisito específico de admissibilidade do recurso especial. Na hipótese, não ocorreu. Incide, assim, a Súmula 211/STJ.2. O artigo 77 do Código Tributário Nacional repete o texto constitucional, razão por que não cabe a esta Corte a análise de alegação de ofensa a seu teor, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.3. "A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial" (Súmula n.º 13/STJ).4. Recurso especial não conhecido. (STJ, 2ª Turma, REsp 1198046/RJ, Relator(a)Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j. 02/09/2010, DJ 04/10/2010). PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. COISA JULGADA. ARTS. 467, 468, 470 E 471 DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR APURADO EM PERÍCIA. REEXAME DE PROVA. INVIABILIDADE. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. ARTS. 515 DO CPC E 884 DO CC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 211 DO STJ. 1. Não há violação da coisa julgada se a Corte de origem mantém-se nos limites do permitido em sede de liquidação, sopesando os critérios de cálculo realizados em perícia, buscando a melhor interpretação a ser dada ao disposto na sentença. 2. É inviável, por força do que dispõe a Súmula n. 211 do STJ, o conhecimento de recurso especial em que é apontada violação dos arts. 515 do Código de Processo Civil e 884 do CC, na hipótese em que, no acórdão recorrido, não tenha havido emissão de juízo acerca da matéria neles contida. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 1194015/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 05/11/2010) 3.8. QUESTÃO DE FATO E DE DIREITO 65 Também tido como requisito necessário para a admissibilidade do Recurso Especial, a questão de fato e de direito é tratada por Gleydson Kleber Lopes de Oliveira conforme se verifica da colação abaixo:112 Em decorrência do efeito devolutivo restrito do recurso especial – devolve-se ao Superior Tribunal de Justiça a análise da legalidade da decisão recorrida, a nível de legislação federal -, é assente o entendimento de que somente as questões de direito são susceptíveis de exame. O erro de fato não repercute em outros feitos, enquanto o de direito tem o condão de repercutir em outros processos, servindo de paradigma para a solução de casos futuros. A vedação ao reexame de questões de fato decore, inexoravelmente, do próprio texto da Constituição Federal, que regula cabível recurso especial das decisões que violem lei federal ou tratado. A atividade cognitiva do Superior Tribunal de Justiça centra-se, tão somente, na verificação de violação da legislação federal cometida pelo acórdão recorrido. Eis a razão pela qual é correta a afirmação no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça não constitui órgão de terceira instância, pois não se presta ao mero reexame dos fatos retratados na instância ordinária, nem tampouco à correção de decisão injusta, salvo no caso de violação à legislação federal. Nesse sentido, são taxativos os enunciados constantes das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais, respectivamente, “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”, “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Imprescindível, portanto, é a demonstração da distinção entre questão de fato e questão de direito. Aquela refere-se a constatação do quadro fático traduzido a juízo, à luz do princípio da persuasão racional do juiz, enquanto esta refere-se à aplicação da norma jurídica. O requisito da questão de fato e de direito, pertinente à admissibilidade do Recurso Especial, é entendido pela jurisprudência do STJ conforme os julgados abaixo: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DESAPROPRIAÇÃO – JUROSCOMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS - TERMO INICIAL - ARTS. 15-A E 15-B DODECRETO-LEI 3.365/41 - METODOLOGIA - AVALIAÇÃO DA TERRA NUA EBENFEITORIAS - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL -REEXAME DE MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA - SÚMULA 7/STJ .1. Inviável o reexame de matéria fáticoprobatória em sede de recurso especial. Súmula 7/STJ.2. Não ocorre violação ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido apresenta fundamentos suficientes para formar o seu convencimento e refutar os argumentos contrários ao seu entendimento.3. Independentemente das alteração do art. 12 da Lei 8.629/93advindas de medidas provisórias, mantida ficou a jurisprudência no sentido de que a indenização deve refletir o valor de mercado do imóvel expropriado, somados ambos em avaliação 112 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.275/276. 66 única ou separadamente (terra nua, da cobertura florestal e benfeitorias indenizáveis).4. Na fixação dos juros compensatórios, é irrelevante o fato de o imóvel ser ou não produtivo, porque o pressuposto para os consectários é a perda antecipada da posse.5. Consoante entendimento consolidado no STJ, os juros moratórios incidem somente a partir de 1º de janeiro do exercício financeiro seguinte àquele em que o pagamento deveria ser efetuado.6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,parcialmente provido. (STJ, 2ª Turma, REsp 1098421/PB, Relator(a)Min. ELIANA CALMON, j. 26/08/2010, DJ 13/10/2010). E ainda: TRIBUTARIO E PROCESSUAL. ICM. IMPORTAÇÃO DE MATERIA-PRIMA. CREDITAMENTO. QUESTÃO FATICA. SUMULAS STF-279 E STJ-07. 1. EM SEDE DE RECURSO DE NATUREZA EXTRAORDINARIA NÃO CABE O REEXAME DA PROVA PARA SABER-SE DA EXISTENCIA DO CREDITO RELATIVO AO TRIBUTO. 2. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 16.813/SP, Rel. MIN. PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 29/06/1994, DJ 19/09/1994, p. 24674) 3.9. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL A análise dos fatos e das provas afeta soberanamente à instância local, cabendo ao STJ apenas a apreciação acerca da correta aplicação da lei federal, sendo por isso, inadmissível o recurso especial que objetive o mero reexame de prova. Sobre um contrato, sua interpretação, ou de suas cláusulas, cujo escopo seja a obtenção do sentido e alcance da manifestação de vontade, envolve matéria de fato, porquanto averigua a intenção dos contraentes, sendo defeso o respectivo reexame em sede de recurso especial. Na esteira do enunciado da Súmula 454/STF, é correta a Súmula 5 do STJ, a qual: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.113 Nesse sentido, é a jurisprudência do STJ: RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS - ARTIGOS 1.432, 1.434 E 1.435 DO CÓDIGO CIVIL DE 1.916 - FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF - MORTE DE POLICIAL - EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES LEGAIS - INDENIZAÇÃO - CABIMENTO - AUSÊNCIA 113 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.299. 67 DE DISCRICIONARIEDADE DOS AGENTES POLICIAIS DE AGIR, POR FORÇA DE IMPOSIÇÃO LEGAL - ART. 1.460 DO CÓDIGO CIVIL DE 1.916 - LIMITAÇÕES - NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - AUSÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUA OS ACIDENTES 'IN ITINERE' - REVISÃO - VEDAÇÃO - INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. I - A não-explicitação precisa, por parte da recorrente, sobre a forma como teriam sido violados os dispositivos suscitados atrai a incidência do enunciado n. 284 da Súmula do STF. II - O policial, seja militar, civil ou federal, que falece, dentro ou fora do horário de serviço, desde que no estrito cumprimento de suas obrigações legais, faz jus à indenização securitária. III - Não há discricionariedade ao agente policial em sua atuação na medida em que se depara com situações aptas à consumação de qualquer espécie de delito. Em outras palavras, cuida-se de dever funcional de agir, independentemente de seu horário ou local de trabalho, ao contrário dos demais cidadãos, realizando-se seu mister ainda que fora da escala de serviço ou mesmo em trânsito, como na espécie. IV - As limitações contidas no art. 1.460 do Código Civil de 1.916, devem constar, de forma expressa, clara e objetiva, de modo a se evitar qualquer dúvida em sua aplicação, sob pena de inversão em sua interpretação a favor do aderente, da forma como determina o art. 423 do Código Civil, decorrentes da boa-fé objetiva e da função social do contrato. V - A recorrente não demonstrou, efetivamente, a existência de cláusula contratual apta a excluir eventuais acidentes denominados in itinere, o que enseja a vedação de exame de tal circunstância, por óbice das Súmulas 5 e 7/STJ. VI - Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, improvido. (REsp 1192609/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 21/10/2010) 3.10. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL Para Walter Vechiato Júnior, a interposição simultânea dos recursos extremos consiste no fato de que:114 A expressão admitidos ambos os recursos, contida no art. 543 do CPC, pode ensejar aparente obrigação imposta recorrente irresignado interpor recurso especial e recurso extraordinário sempre de forma simultânea (conjunta, concomitante). Em verdade, não é conditio sine quo non, pois o recorrente pode interpor ambos simultaneamente ou apenas um dos dois apelos extremos. O esquecimento legislativo, formando uma lacuna, não pode implicar dissabores interpretativos. A interposição de um único recurso resulta na sua remessa à Corte Suprema respectiva, no entanto, inexiste previsão legal sobre o procedimento em separado, ficando à mercê dos regulamentos internos do STF ou do STJ. 114 JÚNIOR, Walter Vechiato. Curso de Processo Civil. Vol. II – Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 1ª ed. 2002. P. 349. 68 Em relação ao último requisito para a admissibilidade do Recurso Especial, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha aduzem que: 115 Há casos em que a parte deve interpor recurso extraordinário e recurso especial contra o mesmo acórdão. É possível que o acórdão tenha mais de um capítulo, cada um impugnável por uma modalidade de recurso. É possível, ainda, que um mesmo capítulo do acórdão tenha por fundamento matéria constitucional e matéria legal. Nesse caso, se qualquer desses fundamentos for suficiente para sustentar a decisão, devem ser interpostos recurso extraordinário contra a parte constitucional e recurso especial contra a parte infraconstitucional da fundamentação. Se deixar de ser interposto um desses recursos, o outro que venha a ser intentado não será admitido, por inutilidade: é que, mesmo vitorioso o recorrente, o recurso nada lhe aproveitaria, pois a decisão permaneceria “de pé” com base no outro fundamento. A propósito; nesse sentido, os enunciados n. 126 da súmula do STJ e o n. 283 da súmula do STF. Concluindo seu raciocínio em relação aos requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira debate a respeito da interposição ao mesmo tempo dos Recursos Extraordinário e Especial com base no conhecimento geral de que, com a criação do STJ, o antigo recurso extraordinário dividiu-se em dois. O Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, e o Especial ao Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal. Com essa divisão originou-se a questão em torno da interposição simultânea, para fins de admissibilidade dos recursos excepcionais, quando a decisão proferida por tribunal local tenha sido fulcrada em fundamentos constitucional e de lei federal. Com a edição da Lei 8.038/90, seu artigo 27 disciplinou a respeito da interposição simultânea dos recursos Extraordinário e Especial, prescrevendo que na hipótese da admissão dos recursos Especial e Extraordinário, em regra, aquele será imediatamente apreciado e, após o seu julgamento, os autos serão remetidos ao STF para que se aprecie o Recurso Extraordinário. Na hipótese de o relator do Recurso Especial verificar que o Recurso Extraordinário é prejudicial em relação ao Recurso Especial, determinará, em decisão irrecorrível, o sobrestamento do Recurso Especial e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal para apreciar o Recurso Extraordinário. Caso o relator do Recurso Extraordinário não o considere prejudicial determinará, em decisão irrecorrível, a devolução dos autos ao Superior Tribunal de 115 JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009. P. 288. 69 Justiça para o julgamento do Recurso Especial. Regra inserida no artigo 543, do Código de Processo Civil pela Lei 8.950/94.116 No sentido da interposição simultânea dos Recursos Extraordinário e Especial, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPI. CREDITAMENTO. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. DUPLA RETENÇÃO NA ORIGEM. IMPRESCINDÍVEL A COMPROVAÇÃO DA IRRESIGNAÇÃO CONTRA A INADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO MEDIANTE CERTIDÃO DE INTERPOSIÇÃO OU DA CÓPIA DAS RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO DIRIGIDO AO STF. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. A Primeira Seção dessa Corte, em recente pronunciamento, firmou o entendimento no sentido de que para a formação do agravo de instrumento previsto no artigo 544 do Código de Processo Civil é desnecessária a comprovação da interposição de agravo contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, tendo em conta a dificuldade de se operacionalizar a prova da interposição de tal peça. 2. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para dar provimento ao agravo de instrumento a fim de determinar a subida do recurso especial. (EDcl no AgRg no Ag 1058093/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010) Conforme demonstrado, para cada requisito de admissibilidade específico do Recurso Especial há um óbice sumular suficiente para embarreirar a análise do mérito da demanda guerreada. O receio gira em torno da insegurança jurídica, uma vez que na intenção de diminuir o número de recursos a serem efetivamente analisados, as decisões dificilmente conseguem ultrapassar a barreira da admissibilidade. Tornando-se ineficaz a pretensão do cidadão em ver seu direito assegurado antes mesmo da análise de seu direito. 116 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 9ª ed. 2002. P.302/303. 70 CONCLUSÃO A proposta inserida neste trabalho girou em torno do número exagerado de requisitos a serem superados pelo requerente para que o seu direito seja analisado pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Análise esta, possibilitada apenas após ultrapassada a admissibilidade do Recurso Especial. O objetivo dessa proposta foi demonstrar a cratera existente entre o cidadão e o seu direito até então pretendido. Cratera cada vez mais exposta quando da imposição de óbices sumulares para o embarreiramento da análise meritória de cada litígio. Conclusão essa, derivada de diversas doutrinas respeitadas no meio jurídico brasileiro, jurisprudências do próprio Egrégio Superior Tribunal de Justiça e ainda, de métodos dedutivos hipotéticos, atentando-se à demonstração dos conflitos de entendimentos em meio à matéria. Este trabalho de conclusão de curso foi dividido em três capítulos para uma melhor compreensão do tema abordado. O primeiro capítulo abordou o conceito de Recurso Especial; a função do STJ, sendo analisada sua origem, área de atuação, composição e organização. No segundo capítulo foi apresentada a Teoria Geral dos Recursos, sendo analisado o conceito de recurso, suas características e seus requisitos de admissibilidades comuns aos recursos de forma geral. No último capítulo deste trabalho, foram atingidos os requisitos de admissibilidade específicos do Recurso Especial junto com jurisprudências relativas à estes. Neste terceiro capítulo houve a abordagem específica do tema, onde se tem a questão da aplicação discrepante de óbices para não se analisar o mérito da demanda em um determinado processo, sendo que em outro de matéria processual semelhante não há o entendimento pela aplicação do óbice à outrem imposto. Configurando-se assim, a insegurança jurídica e o afastamento da prestação judicial. A solução aqui proposta é a aplicação uniforme dos óbices sumulares à todas as demandas, ou ainda, de maneira mais eficaz, o estudo rigoroso para se aplicar tal medida. Que seja, a atuação do STJ, voltada tão somente a aplicação da legislação e não o intuito de legislar. 71 Do contrário, não poderá o Superior Tribunal de Justiça fazer jus ao seu slogan, permanecendo as dúvidas, entre elas, se será realmente o STJ o “tribunal da cidadania” ou se os requisitos de admissibilidade do Recurso Especial aplicados de maneira infundada estão a impedir o acesso do cidadão à sua pretensão jurisdicional? 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. São Paulo: Saraiva. 7ª ed. 2010; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 14ª ed. 2008; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros. 22º ed. 2006; JR., Fredie Didier. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito processual civil. Bahia: Jus Podium. Vol. 3. 7ª Ed. 2009; JÚNIOR, Walter Vechiato. 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