UNIVERSIDADE CATOLICA DE SANTOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM
EDUCAÇÃO
JAIRO BARBOSA JUNIOR
EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS
TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS DE
SANTOS
Santos
2
2011
JAIRO BARBOSA JUNIOR
EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS
TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS DE
SANTOS
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação stricto sensu Mestrado
em
Educação
da
Universidade Católica de Santos.
Orientadora:
Profª.
Drª.
Maria
Apparecida Franco Pereira
Santos
3
2011
Dedico esse trabalho, como toda a minha
existência, à minha família, em especial à esposa Marsia e aos
filhos Leonardo, Eduardo e Guilherme.
4
AGRADECIMENTOS
À Prof. Dr.ª Maria Apparecida Franco Pereira, exemplo de
orientadora.
À Mestra Nilza Maria Barbosa, revisora
À grande amiga Ana Maria Poggianni, incansável colaboradora e
incentivadora.
À minha mãe, colaboradora de sempre.
A todos aqueles que de alguma forma desempenham a dura
missão da formação profissional.
5
O saber não é nativo, faz-se da experiência, que só
amanhece para nós com a madureza dos anos.
Rui Barbosa
6
RESUMO.
BARBOSA JR., Jairo, 2011. Educação e Formação Profissional dos
Trabalhadores Portuários Avulsos de Santos. Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade Católica de Santos, Santos.
A presente dissertação trata do ensino profissional no Porto de Santos,
inicialmente criado e mantido por fundo específico da Marinha do Brasil, e sua
transformação com a criação da Autoridade Portuária a partir da Lei de
Modernização dos Portos, Lei 8630/93. Justifica este estudo a necessidade de
avaliar a formação educacional dos trabalhadores portuários avulsos do Porto
de Santos de maneira ampla, abrangendo a formação diversificada e
continuada que compõe essa fatia da sociedade e sua inserção na realidade
educacional. Destaca como objetivos a formação e atualização profissional dos
alunos, futuros trabalhadores portuários avulsos e esclarecer a real demanda e
os efetivos impactos culturais correlacionados com a atividade portuária. Como
referências teóricas destaca ENGUITA (1989) que enfatiza como a escola
contribuiu para a formação da mão de obra de massa para o sistema capitalista
em ascensão; LIMA (2003) que aponta como a Administração Pública avança
fórmulas para a construção de escolas eficazes, devolvendo responsabilidades
e encargos sob a defesa de uma gestão centrada na escola e de uma
autonomia meramente instrumental, bem como em SEVERINO (2006) que
discute os limites da educação escolar na cidade de Santos, no contexto da
modernização portuária que incide nas formas educacionais. A metodologia
procede de análise documental e pesquisa qualitativa, com entrevistas de
sujeitos envolvidos na formação cidadã do trabalho portuário avulso. Os
resultados parciais de entrevistas já realizadas apontam para a grande
preocupação dos educadores com a formação dos jovens e também da escola,
impactados pela legislação atual.
Palavras-Chave: Educação Profissional, modernização portuária, educação
não formal.
7
ABSTRACT
BARBOSA Jr., Jairo, 2011. Education and vocational training of Dockworkers in
the port of Santos. Dissertation (MA in education), Universidade Católica de
Santos, Santos.
This dissertation discussed is a professional education in the port of Santos,
created and maintained by fund specific of Brazilian Navy and their
transformation with the creation of the Port Authority from the Law for
modernization of ports, Law 8630/93. Justifies this study, the need to assess
the education of Santos dockworkers, comprehensively covering diverse
training that composes this slice of society and their integration into the
educational reality. Highlights how objectives training and professional students,
future workers in port and to clarify the real demand and actual cultural impacts
correlated with port activity. As theoretical references highlights ENGUITA
(1989) that emphasizes how the school has contributed to the formation of labor
of mass for the capitalist system in Ascension, Lima (2003) indicating how
public administration advances formulas for the construction of effective
schools, returning responsibilities and charges under the defense of
management school and a purely instrumental autonomy, as well as in .
SEVERINO (2006) that discusses the boundaries of education in the city of
Santos, in the context of modernization port on educational forms. The
methodology does documentary and qualitative analysis, through interviews of
participants with education oriented training citizen in its relationship with the
work of the port. The partial results of interviews already carried out points to
the great concern of educators with citizen training of young people and also
impacted by the law school today.
Keywords: Professional education, port modernization, informal culture.
8
LISTA DE FIGURAS E FOTOS:
FOTO 1 – EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS I............................................ 27
FOTO 2 – EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS II........................................... 27
FOTO 3- EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS III........................................... 30
FOTO 4 – EMBARQUE DE AÇÚCAR EM SANTOS........................................ 30
FIGURA 1 HÉLICE TRIPLA.............................................................................. 70
LISTA DE QUADROS E TABELAS:
TABELA 1 – BASE E ASSOCIAÇÃO DOS SINDICATOS ATUAIS.................. 24
TABELA 2 – FUNDAÇÃO DOS SINDICATOS PORTUÁRIOS........................ 29
QUADRO 1 – FALA DOS TRABALHADORES PROTUÁRIOS AVULSOS...... 63
QUADRO 2 – FALA DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL.... 65
QUADRO 3 – FALA DOS INSTRUTORES DO ENSINO PROFISSIONAL...... 68
9
LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAP - Conselho de Autoridade Portuária.
CBTP - Curso Básico do Trabalhador Portuário.
CENEP – Centro de Excelência Na Educação Portuária.
CF – Constituição Federal
CIPANAVE - Comissão de Investigação e Prevenção dos Acidentes da
Navegação
CIR – Carteira de Inscrição e Registro
CIRM - Comissão Interministerial para os Recursos do Mar
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CTE - Curso de Técnicas de Ensino
DPC - Diretoria de Portos e Costas
EA – Educação Ambiental
EF - Ensino Fundamental
EP - Educação Profissional
EPM - Ensino Profissional Marítimo
ES - Ensino Superior
FDEPM - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo
HUB PORT – Porto Concentrador de Cargas
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IP- Instrutor Portuário
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
MEC/SEF - Ministério da Educação / Secretaria de Educação Fundamental
MMO - Montante de Mão de Obra
NEPM - Normas para o Ensino Profissional Marítimo para Portuários e
Atividades Correlatas
OGMO - Órgão Gestor de Mão de obra
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PDZP - Plano de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário
PREPOM - Programa do Ensino Profissional Marítimo
SEPM - Sistema do Ensino Profissional Marítimo
SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
TPAs - Trabalhadores Portuários Avulsos.
PNEA – Programa Nacional de Educação Aquaviária
SINDAPORT – Sindicato dos Trabalhadores Administrativos em Capatazia.
SINDOGEESP – Sindicato dos Operadores em Aparelhos Guindastes,
Empilhadeiras, Maquinas e Equipamentos Transportadores de Carga.
SINTRAPORT - Sindicato dos Operários Trabalhadores Portuários em Geral
10
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO...................................................................................................12
CAPÍTULO I – A ATIVIDADE EDUCATIVA NA CIDADE DE SANTOS E SUA
ESTREITA RELAÇÃO COM O TRABALHO PORTUÁRIO.
1.1 As atividades dos trabalhadores portuários avulsos....................................23
1.2 - Paradoxos e desafios da educação numa cidade portuária..................... 25
1.3 – Formação profissional do trabalhador portuário avulso............................35
1.3.1 – Fatores históricos da formação profissional do trabalhador
portuário avulso.................................................................................................37
1.3.2 – Evolução dentro das facetas atuais............................................38
CAPÍTULO II – A LEI DE MODERNIZAÇÃO E SUAS INFLUÊNCIAS NO
ENSINO PROFISSIONAL PORTUÁRIO.
2.1 - A modernização da mão de obra nos países europeus: o novo modelo de
formação de mão de obra..................................................................................41
2.2 - A lei de modernização dos Portos (8630/93) como instrumento de
educação...........................................................................................................43
2.3 - A LDB e a nova Constituição.....................................................................47
11
CAPITULO III: A PESQUISA: OS SUJEITOS E SUAS FALAS.......................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................70
FONTES E REFERÊNCIAS..............................................................................73
ANEXOS
Anexo A Convenção 137 da OIT............................................................79
Anexo B – Disciplinas do Curso Básico do Trabalhador Portuário........83
O AUTOR..........................................................................................................84
12
INTRODUÇÃO:
O tema desta pesquisa é a educação profissional dos
trabalhadores portuários do porto de Santos e sua relação com a sociedade
educativa da cidade e o ensino formal.
Em que pese à grande gama de trabalhadores portuários, o
estudo focou-se em especial nos trabalhadores portuários avulsos que são os
trabalhadores portuários por excelência.
Sendo assim, inicialmente, para compreender um pouco melhor as
mudanças que ocorreram no Porto de Santos para o trabalhador
portuário, consideramos que os trabalhadores portuários podem ser
divididos em, pelo menos, três grandes grupos:
Os avulsos inscritos no OGMO, que são os Trabalhadores
Portuários por excelência;
Os trabalhadores da Codesp;
Os “celetistas.”
(GONÇALVES, 2008, p.111)
Justifica-se o presente estudo em função da legislação
brasileira, desde o advento da Constituição Federal de 1988 que prevê o
ensino e a educação para a cidadania e para a profissão, art. 216.
Além da obrigação social prevista na Constituição Federal, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação também exige que a educação seja dada
para a orientação para o trabalho, art. 27, para a preparação para o trabalho,
art. 35 e a exigência da educação profissional e tecnológica articulada com o
ensino regular, art. 39 e 40., bem como a educação continuada.
Desde o advento do Ensino Profissional Marítimo (EPM), criado
e mantido por fundo específico da Marinha do Brasil (então Ministério da
Marinha) no início do século XX pouco vem sendo feito para adequar o ensino
profissional e o regular às necessidades sociais de cada Cidade.
13
A obrigatoriedade da educação profissional marítima passou por
gradual transformação com a criação da autoridade portuária, a partir da lei de
modernização dos portos, (8630/93). O sistema portuário brasileiro sofreu
profundas transformações com o processo de privatização do espaço e das
operações portuárias, concretizadas a partir dessa lei, cujo art. 57 obriga a
formação multifuncional dos trabalhadores, tornando obrigatória a capacitação
contínua dos trabalhadores portuários, a fim de “adequá-los aos modernos
processos de manipulação de cargas e aumentar a sua produtividade”
(KITZMANN, 2000, p.128).
O termo multifuncionalidade empregado na legislação prevê a
adaptação dos trabalhadores avulsos às novas funções e regras do trabalho
em todos os níveis: tecnológico, segurança, administrativo, etc.
No prazo de cinco anos contados a partir da publicação desta lei, a
prestação
de
serviços
por
trabalhadores
portuários
deve
buscar,
progressivamente, a multifuncionalidade do trabalho, visando adequá-lo aos
modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a sua
produtividade. (Lei 8630/93, Art. 57).
Apesar de meu entendimento, muitos consideram o termo com
mais abrangência, levando ao trabalhador a capacitação para exercer mais do
que uma função, que eu reputo inviável pela longa tradição e formação
consuetudinária dentro das diversas categorias de Trabalhadores Portuários
Avulsos (TPAs).
Para que a lei se cumpra integralmente, a educação formal e a
capacitação contínua dos TPAs se tornam indispensáveis.
Essa Lei transformou a relação entre as atividades e o controle
da Marinha no ensino profissional, passando a responsabilidade para a
autoridade portuária local, sob o comando do Conselho de Autoridade
Portuária, CAP e do Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), visando garantir
formação profissional aos seus TPAs.
O Conselho de Autoridade Portuária (CAP) tem pela Lei, em seu
art. 32, a obrigação de instituir centros de treinamento e formação, enquanto o
14
Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), pelo art. 19, deve promover a
formação profissional e o treinamento multifuncional dos trabalhadores
portuários. Essas determinações legais são um tanto quanto difíceis de se
aplicarem na íntegra, em parte por ser o CAP uma entidade consultiva, sem
estrutura administrativa, de caráter sazonal, que se reúne esporadicamente, e
dessa forma não tem capacidade de gerenciar um centro de formação. Por
outro lado o OGMO é uma entidade patronal que não tem gerência sobre a
administração das formas educativas, podendo apenas indicar TPAs para a
realização dos cursos.
A obrigatoriedade de formação continuada dos TPAs deveria
ocorrer também para as escolas públicas das cidades portuárias, entre as
quais a cidade de Santos, sendo de iniciativa da Prefeitura Municipal por meio
da Secretaria dos Portos a criação do Centro de Excelência na Educação
Portuária – CENEP, que, no entanto, não abrange a educação formal.
Ainda temos um sistema centralizado e diretivo, no qual a
participação dos demais elementos é restrita, havendo pouca
retroalimentação a partir da base (os OGMOs) para o topo (a DPC).
O princípio “democrático e participativo” da PNEA não está
contemplado à medida que o SEPM não dá acesso a todos os TPAs
que solicitam ingresso nos cursos. No Brasil existem 27.164 TPAs
(segundo levantamento realizado pela DPC em 2004).
(KITZMANN, 2009, p.116).
A criação do OGMO coloca-o no cenário da educação para o
trabalho com a efetiva aplicação da lei 8630/93 em seu propósito educacional.
Entretanto, o atual sistema de ensino ainda carece de diretrizes específicas e
locais que possam propor políticas e sistemas de ensino que atendam a
demanda de uma educação para a cidadania dos TPAs.
Cremos que a presente pesquisa se torna bastante oportuna
uma vez que pouco há em termos de historiografia ou estudos sobre a
temática, sendo que por ocasião da pesquisa foi encontrado apenas um
trabalho: a tese de doutoramento KITZMANN, Dione I. S.. “Ambientalização
Sistêmica na Gestão e na Educação Ambiental. Estudo de Caso com o Ensino
15
Profissional Marítimo EPM”, Fundação Universidade Federal do Rio Grande,
RS, 2009, obra de grande valia na organização desta dissertação.
O tema também se prende à minha história de vida, por ser filho
de pai trabalhador portuário, estivador, conferente, dirigente sindical na década
de 1960 e também professor e diretor de escola da rede pública, e de mãe
professora da rede pública, ambos atuando em escolas com predominância de
alunos filhos de TPAs.
Freqüentei o Grupo Escolar Auxiliadora da Instrução, fincado no
estuário, no Bairro do Macuco, e o Grupo Escolar Cidade de Santos, na época
no Bairro do Macuco, atual Embaré, vendo-me desde os primeiros dias de
escola em meio a colegas também filhos de portuários e vivenciando uma
sociedade singular vivida por TPAs, isolada na própria cidade. O elo comum
com o restante da sociedade é a escolarização e a escola deve se familiarizar
com o ensino vivenciado pelos alunos através de parentes e amigos.
Desde os primeiros momentos, deparei-me com a importância
dada pelos alunos ao ensino regular. Alguns com interesses mais próximos aos
do restante da sociedade santista, quais sejam, educar-se de forma mais
efetiva possível, a fim de galgar destaque nessa sociedade por meio da cultura
pessoal. Existiam outros, a maioria nas escolas citadas, com interesses
perfeitamente delimitados, herdados ou inculcados pela família, que os levava
a instrumentalizar a escola como meio para a inserção no único mercado de
trabalho que concebiam: a atividade portuária, sobretudo as atividades dos
TPAs avulsos – estivadores, conferentes, vigias, consertadores e trabalho de
bloco - onde os ensinamentos comuns à maioria das profissões pouco valiam.
Todos os que compartilhavam desses valores que delineavam a “cultura
portuária” preferiam ingressar nas atividades laborativas o mais cedo possível.
Aprendiam as necessidades do dia a dia com seus parentes e mais antigos de
serviço, na maioria das vezes ingressando com cerca de dezoito anos na
condição de aprendizes dos pais e irmãos os quais substituíam de forma
irregular nos trabalhos menos nobres tais como o “cavalo”, função exercida por
trabalhador não registrado, fazendo-se passar pelo registrado.
Desse modo, desde jovem, tive meu interesse voltado para
essa forma sui generis de educação onde o ensino regular pouco valia,
enquanto, em contrapartida, o ensino não formal era de fato a forma mais
16
valorizada e efetiva de instrução para a vida profissional e social. Cria-se uma
“sociedade peculiar” com linguagem própria, lideranças, maneiras e modos
próprios, ainda que dentro de uma sociedade mais abrangente, no caso
específico a sociedade brasileira, em processo de modernização econômica e
social. Curiosamente, pode-se observar que a sociedade santista também se
modernizava, contudo sem perder a sua tradição de trabalho calcada na
manutenção da oralidade como fundamento para o ensino e aprendizagem
bem como, na permanência dos usos e costumes familiares e grupais que
ainda persistem. Tal ocorre mesmo após o advento da Lei 8630/93, que legisla,
entre outras coisas, sobre o ensino continuado dos trabalhadores e a educação
para o trabalho portuário.
Com o passar dos anos, vendo e admirando as atividades de
meus familiares educadores, em especial a de meu pai, que como professor
da rede municipal há muitos anos, passou a lecionar no Ensino Profissional
Marítimo (EPM) da Marinha Brasileira, tive cada vez mais o interesse voltado
para esse tipo tão instigante de educação. Após me formar em engenharia
mecânica, ingressei na Marinha do Brasil, Oficial do Quadro do Corpo da
Armada onde, dentre outras atividades, ministrava instruções a bordo.
Posteriormente comecei a trabalhar como instrutor do Ensino Profissional
Marítimo, onde mais de perto passei a ver a necessidade da criação de formas
e meios educativos mais efetivos e mais próximos da realidade das atividades
portuárias.
Durante o período de docência no EPM, acompanhei o
desenvolvimento do modelo neoliberal que vem impregnando todo o ensino e
organização do trabalho no Brasil. Essa evolução culmina com o surgimento da
Lei 8630/93 que altera de forma substancial a forma de trabalho portuário. São
especialmente afetados pelo novo modelo os TPAs, pelas novas diretrizes à
formação da mão de obra, passando principalmente aos empregadores a
obrigação da formação profissional. Por outro lado não há a previsão de se
ouvirem os atores envolvidos. Os principais atores dessa atividade educacional
são os TPAs e suas formas seculares de transmissão de conhecimentos,
mantendo o segmento sócio cultural de portuários em um invólucro cultural
isolado.
17
Essas observações e vivências, acompanhadas diretamente ou
experimentadas pelos parentes, despertaram-me o interesse no estudo mais
apurado da educação dos trabalhadores portuários, a melhor compreensão do
processo educativo formal e não formal desses profissionais e os impactos
ocorridos nas instituições de ensino da cidade de Santos. Atualmente como
professor do Ensino Técnico e Superior no Instituto Federal de Tecnologia
(antigo CEFET), tenho observado a necessidade de estudos que esclareçam
as diferenças socioculturais dos trabalhadores com vistas a uma integração
mais efetiva dos alunos advindos de uma sociedade que efetivamente está
impregnada por essa classe numericamente significativa de trabalhadores, a
dos trabalhadores portuários avulsos.
Dos levantamentos iniciais sobre a temática foram importantes
as contribuições dos seguintes pesquisadores:
TROMBETTA (2009) que estuda “O Conflito estudo versus
trabalho: um estudo de caso sobre educação corporativa on-line”. Pesquisa
que contribui, enquanto discute os problemas pessoais na formação
profissional, ainda que em outra dimensão, utilizando os mesmos referenciais
teóricos desta pesquisa, tais como Paulo Freire, Enguita e Nóvoa, norteando-a
no tocante à sociologia da educação.
VINHA (2007), com a pesquisa “Tecnologia, trabalho e
educação: perspectivas, estratégias e trajetórias dos jovens no mercado de
trabalho informacional”, trata da inserção do jovem no trabalho e a relação das
novas dinâmicas e técnicas de trabalho com essa inserção, que nem sempre é
favorável. E, por outro lado, a flexibilização das formações e a relação
instrumental da educação.
KITZMANN (2009) estuda a “Ambientalização sistêmica na
gestão e na educação ambiental: estudo de caso com o Ensino Profissional
Marítimo (EPM)” , trabalho que tem por objetivo propor meios para integrar a
Educação Ambiental à capacitação de trabalhadores portuários avulsos através
da ambientalização curricular e sistêmica. Esse estudo contribui para uma
visão mais pragmática do tema focado no EPM, a necessidade do ensino
ambiental na grade curricular e a relação porto-cidade nesse contexto, o que
possibilita um direcionamento para a conclusão desta dissertação, a ser
completada ou implementada por outros referenciais teóricos.
18
DIÉGUEZ (2007), em sua dissertação estuda a modernização e
cultura do trabalho no Porto de Santos, apresentando as formas adquiridas
pelo trabalhador portuário avulso, após o processo de modernização, ocorrido
em 1993, ano de promulgação da Lei nº 8.630, que rege sobre a reforma
portuária brasileira. Trabalho desenvolvido de forma mais linear, com visão
sociológica que trata praticamente do mesmo objeto de estudo, fortemente
alinhado às nossas observações, utilizando como suporte teórico Tardiff,
Bordieu, Thompson e Enguita, assemelhando o momento de transição
neoliberal pós lei ao comportamento notado por Weber na comparação da ética
protestante. Estuda também as relações de sociabilidade entre os alunos do
ensino médio próprias de trabalhadores portuários, assim como linguagem
própria, lideranças, maneiras e modos específicos, ainda que dentro de uma
sociedade maior, mais abrangente, a sociedade brasileira, em processo de
modernização econômica e social.
As
relações
educacionais,
cada
vez
mais
complexas,
demandam, por parte daqueles que atualmente detêm poderes sobre o ensino
(governo federal, OGMO), um conhecimento aprofundado das novas técnicas
de produção, movimentação e de administração, do sistema jurídico e da
legislação pertinente à área da educação, tendo sempre presente a necessária
interdisciplinaridade para a formação multifuncional dos profissionais. Torna-se
necessário dotar, tanto os profissionais do porto, carecedores de educação
formadora e continuada, como os da educação em todas as fases, do ensino
básico ao técnico e superior e da administração - seja ela federal, estadual,
municipal ou privada - de uma visão global da formação educacional,
oferecendo
conhecimentos
amplos
das
doutrinas
educacionais
e
administrativas
Foi levantada a contribuição dos autores clássicos que
compõem o referencial teórico que sustenta a dissertação, tanto na perspectiva
epistemológica que permite a discussão dos aspectos existenciais dos sujeitos
envolvidos (THOMPSON, FREIRE, ENGUITA E DUBET); quanto numa
perspectiva temática que destaca a especificidade do tema em autores que já
se debruçaram sobre a questão na sua articulação com a educação
(SEVERINO, ENGUITA, DUBET, KITZMANN).
19
ENGUITA (1989) contribui para a reflexão sobre essa questão
com a sua obra: “do Lar à fábrica, passando pela sala de aula: a gênese da
escola de massa”. Nesse texto o autor enfatiza o modo como a escola
contribuiu para a formação da mão de obra, tão necessária para o sistema
capitalista em ascensão nos séculos XVIII e XIX. O autor associa a emergência
da escola à necessidade de uma educação formadora de mão de obra para o
trabalho. Numa época em que não existia escola, a socialização das crianças
ocorria pela participação das mesmas no meio familiar, compartilhando das
atividades da vida adulta sem a intervenção sistemática de agentes
especializados que representam hoje a escola. Este autor justifica as
mediações teóricas para a compreensão da educação no passado que ainda
condicionam o presente.
O trabalho de ENGUITA (1989) pode ser aplicado para
examinar os motivos pelos quais as determinações federais criaram o OGMO,
atribuindo-lhe, entre outras tarefas, aquela de gerir a produção do
conhecimento escolar direcionado para o trabalho.
SEVERINO (2006) discute os limites da educação escolar na
cidade de Santos, no contexto da modernização portuária, desencadeada pela
lei 8630/93, lei que incide nas instituições escolares desta cidade portuária.
LIMA (2008) esclarece como a Administração Pública avança
fórmulas para a construção de escolas eficazes, devolvendo responsabilidades
e encargos sob uma gestão centrada na escola e de uma autonomia
meramente instrumental.
THOMPSON, em sua obra “Costumes em Comum” (1991),
elabora um painel histórico para esclarecer como se manifestou, na cultura dos
trabalhadores do sec. XVIII e parte do XIX, a cultura popular e nela o segmento
de trabalhadores, como é produzida na origem de suas práticas cotidianas. As
leis e regras que ordenam a vida em comunidade passam a orientar também a
vida dos trabalhadores. A contribuição de Thompson é que esclarece o modo
como os costumes e as vivências produzem valores que se consolidam pelo
senso comum nas práticas populares. Destas práticas, com base no bom
senso, derivam as normas jurídicas e direitos sociais que se consolidam no dia
a dia dos trabalhadores, inicialmente com base apenas em acordos tácitos
verbalizados, ou não, que com o passar do tempo, evoluem para o direito
20
consuetudinário. Entretanto, a transformação das regras populares em Leis
demanda tempo de amadurecimento para a sua consolidação. Essa
consolidação vai, de acordo com THOMPSON (1998), depender de acordos e
pactos tácitos que têm sua justificativa nos benefícios que essas práticas
trazem para a vida coletiva. São muito comuns entre os trabalhadores
portuários algumas atitudes de solidariedade e compadrio que evoluem para
normas comportamentais e que mais tarde impregnam as práticas escolares de
seus filhos. Neste caso observa-se a emergência de regras populares, que
necessariamente não se transformam em leis, mas que contribuem para a
produção de uma peculiar cultura escolar que só é observada em cidades
portuárias. Estas acontecem com certa regularidade na comunidade e fazem
parte do cotidiano de famílias cujos filhos estão matriculados em escolas
públicas. Observa-se nas falas dos entrevistados e seus descendentes regras
elaboradas pela comunidade que estão emaranhadas na vida e no imaginário
dessas pessoas que as aprovam e conduzem suas vidas a partir delas.
THOMPSON
(1998)
esclarece,
em
seu
trabalho,
a
necessidade de pesquisas e análises sobre os costumes comuns de um grupo
para destacar desses costumes a origem dos valores morais e éticos que
fundamentam a emergência histórica do direito consuetudinário. Observandose as mudanças que ocorrem hoje nas lides portuárias e na educação dos
jovens, futuros trabalhadores, confirma-se a justeza dessa recomendação de
Thompson. Embora a escola de hoje mostre uma faceta diferente da realidade
dos trabalhadores portuários (com regras e valores próprios) e currículos
determinados por Leis governamentais e que já não fazem parte do contexto
social de suas comunidades, é preciso recuperar a memória desta tradição.
Na escola não há a discussão ou a reflexão sobre as regras
criadas naquele ou para aquele ambiente. A partir deste momento o jovem, por
perceber uma regra desnecessária, pode passar a se rebelar contra outras
regras que podem ter uma justificativa e serem importantes para o convívio na
escola, mas que para ele, perderam o sentido. Se em determinado momento o
uso de boné em certos ambientes sociais era desrespeito, agora não é mais. O
jovem de certo ponto de vista pode ter razão ao se recusar a retirar o boné,
pois essa norma deriva de uma sociabilidade da qual ele nunca fez parte, muito
21
embora, para o professor, essa recusa possa ser absurda e sinal de má
educação familiar e rebeldia.
Compreende-se que é na escola e também na família o lócus
da socialização de acordo com normas do bem viver. As leis devem ser
cumpridas e sua aprovação pela sociedade já justifica seu cumprimento.
FREIRE, em seu “Pedagogia da Autonomia” (1996), aborda
questões do ensino na era neoliberal, onde critica as formas autoritárias de
ensino, exigindo o respeito aos saberes dos alunos. Coloca à escola o dever de
respeitar os conhecimentos dos educandos, em especial os das classes
populares que possuem saberes socialmente construídos, bem como a
necessidade de discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses
saberes em relação ao ensino dos conteúdos.
A comunidade internacional se uniu em 1973 em busca
dessas novas metas de ensino na Convenção 137 da OIT que traça, à
semelhança da revolução industrial inglesa, novas metas de formação e de
educação para os trabalhadores portuários. (anexo A)
O objetivo desta pesquisa é refletir sobre a necessidade de
revisão e reestruturação dos modelos educacionais vinculados às atividades
portuárias atualmente existentes e que se encontram divorciados da produção
da cultura escolar e da escola, calcados ainda em modelos do século XIX, em
discordância com o currículo escolar seguido na cidade de Santos. Busca
indagar sobre a verdadeira vocação das escolas portuárias, do ensino
profissional marítimo e sua relação com a sociedade local. Isso se dá a partir
dos seus atores, TPAs, professores do ensino regular e professores do EPM, e
busca resposta para a pergunta: Qual a importância da educação formal, tanto
o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo
para o exercício das atividades profissionais portuárias?.
Como
recurso
metodológico
a
pesquisa
realiza
levantamento bibliográfico inicial e levantamento documental, composto pela
legislação pátria, em especial a LDB e a Lei 8630-93, documentos estatísticos
públicos produzidos pelas empresas, órgãos governamentais, gestores ou
partícipes da atividade portuária, sindicatos e trabalhadores.
Foram
realizadas
entrevistas
com
representantes
de
categorias profissionais, patronais, trabalhadores portuários avulsos de bordo e
22
de terra e seus familiares. As entrevistas abertas foram balizadas por roteiro
pré-elaborado com vistas à obtenção dos dados relacionados ao tema tratado.
Foram
entrevistados
dois
dirigentes
sindicais,
quatro
trabalhadores dos portos; dois professores do ensino regular e dois instrutores
do Ensino Profissional Marítimo, a fim de obter uma visão atual do sistema
educacional de Santos, correlacionando-o com a atividade portuária,
orientando a linha de ação proposta no projeto inicial.
Para melhor compreensão das reais dimensões do problema
em questão, num primeiro momento abordaram-se teses e dissertações sobre
as mudanças que ocorreram no âmbito do trabalho portuário, a partir da Lei
8630/93
A dissertação divide-se em três capítulos: o primeiro
explica as atividades dos TPAs (estivadores, conferentes, vigias, consertadores
e bloco) e suas relações com as atividades educativas na cidade de Santos. O
segundo capítulo aborda as mudanças sistêmicas no Ensino Profissional
Marítimo (EPM) a partir da legislação vigente. O capítulo final busca evidenciar
as diversas falas dos atores dos segmentos educacionais, alunos, professores
e instrutores e indicar a necessidade de uma interação dinâmica entre as
diferentes formas para a criação de um processo educativo específico.
23
CAPÍTULO I – A ATIVIDADE EDUCATIVA NA CIDADE DE SANTOS E SUA
ESTREITA RELAÇÃO COM O TRABALHO PORTUÁRIO.
1.1. As atividades dos trabalhadores portuários avulsos (TPAs):
Os TPAs são trabalhadores que substituem e complementam
a mão de obra de bordo dos navios, não se confundindo com outras categorias
portuárias tais como doqueiros, que têm sua atividade em terra com
contratação de caráter permanente mas por prazo indeterminado. Os TPAs são
avulsos por terem sua contratação vinculada à necessidade momentânea de
mão de obra, indo ao porto em busca de trabalho diariamente, sem a certeza
de auferirem ganhos.
As principais atividades dos TPAs de bordo estão divididas da
seguinte forma:
Estivadores: principal categoria dentre os TPAs, exercem
funções de movimentação de cargas e mercadorias a bordo
de navios com a utilização de equipamentos e maquinários do
próprio navio ou vindos de terra.
Conferentes: verificam a entrada e saída de das cargas
movimentadas a bordo pelos estivadores;
Vigias de bordo: têm como função anotar a entrada e a saída
a bordo dos elementos estranhos à tripulação do navio;
Bloco: operam as funções auxiliares dos estivadores, tais
como limpeza dos porões e fixação de cargas;
Consertadores: auxiliares de estiva com função de reparar
avarias provocadas durante a movimentação das cargas.
24
Em que pese algumas dessas categorias estarem se
extinguindo, outras se agregaram aos avulsos, como os rodoviários; ou se
reforçam com a necessidade sazonal de mão de obra como o que ocorre com
os estivadores.
Esses trabalhadores ainda se encaixam numa
estrutura sindical histórica que, apesar de alterado o papel, convive
com uma nova configuração para o trabalho portuário, como pode
ser visto na tabela a seguir.
(Gonçalves, 2008, P. 110.)
Tabela 1 - Base e associação dos sindicatos atuais
Sindicato
Postos
de Total
de Sócios ativos
Sócios
trabalho
sócios
inativos
Estiva
5000
6300
2929
3371
Sintraport
2000
4800
3000
1500
Conferentes
633
633
375
258
Sindaport
1300
4350
1265
1745
Vigias
250
250
210
40
Rodoviários
800
3500
2800
700
Consertadores 146
327
146
174
Sindogeesp
600
1400
600
800
Bloco
392
470
392
400
Subtotal
11121
22030
11717
8988
Settaport
8600
4000
3849
151
Total
19721
26030
15566
9139
Gonçalves, 2008, p.110.
Nota-se um universo de quase vinte mil postos de trabalho a
serem ocupados por trabalhadores multifuncionais que demandam formação
continuada
em
função
das
mudanças
tecnológicas
e
administrativas
enfrentadas no Porto.
A formação para o trabalho não existe diante da falta de
cursos técnicos, tecnológicos, etc., ingressando o trabalhador sem qualquer
25
tipo de treinamento, vindo a obter alguma formação profissional dada pela
Marinha após o seu ingresso no Curso Básico CBTP (ANEXO B).
1.2-Paradoxos e desafios da educação numa cidade portuária:
Ao se desenvolver um estudo sobre o Ensino Profissional no
Porto de Santos e sua interrelação com a sociedade e com as escolas de
educação regular, faz-se necessário entender o início dessa formação “sui
generes”, desde o advento do Ensino Profissional Marítimo.
Essa modalidade de ensino foi criada e mantida por fundo
específico da Marinha do Brasil (então Ministério da Marinha) Fundo para o
Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo – FDEPM, passando por
gradual transformação até a criação da Autoridade Portuária a partir da Lei de
Modernização dos Portos, 8630/93, que aos poucos vem transformando a
relação entre as atividades e controle da Marinha no ensino profissional
marítimo, ditando novos currículos a partir das necessidades detectadas com a
criação dos Órgãos Gestores de Mão de Obra, em função da efetiva aplicação
da referida lei. O atual sistema de Ensino Profissional Marítimo e Portuário
ainda carece de diretrizes específicas que possam propiciar sistemas de ensino
para a real formação e reciclagem educacional dos TPAs, específicos às suas
atividades e capacitadores de mão de obra técnica e superior qualificada, a
partir das novas tecnologias, da globalização e da multifuncional idade.
[...] O SEPM não conta com espaços de interlocução com os TPAs
para a discussão sobre a capacitação oferecida, não propiciando a
participação dos mesmos, sendo pouco democrático na tomada de
decisão, resultando que não está voltado para os interesses de seu
público. Esta situação reflete uma realidade (portuária) em processo
de transformação, na qual os TPAs ainda não tomaram consciência
da importância da luta para a conquista e ampliação desses espaços
educativos [...]
(KITZMANN, 2009).
26
A partir desses elementos, a reflexão que subsidia o capítulo
pretende questionar a efetividade da participação e do aprendizado que vem
sendo imposto ao trabalhador portuário; sua importância na formação dos
profissionais já em atividade e dos futuros; bem como a transformação social
que o ensino profissional acarreta na sociedade portuária.
Por outro lado, por tradição histórica, o núcleo dos
trabalhadores portuários, desde o tempo dos grandes descobrimentos, era
basicamente formado por homens, de classe social baixa, com pouca ou
nenhuma escolaridade que, trazidos como tripulantes dos navios, acabavam
sendo deixados nos portos por serem preteridos a bordo pelos motivos mais
diversos (de doenças a falta de utilidade). Passam a formar uma mão de obra
avulsa que trabalhava no auxílio dos embarcados (tripulação de bordo
permanente) sempre que necessário. Agindo à base do empirismo e do
imediatismo das funções, sem qualquer tipo de treinamento específico ou
formação educacional, na maioria das vezes tem como único requisito a força
física. Entre os documentos exigidos para o trabalho no porto estava o atestado
de robustez emitido pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva.
A mão de obra na estiva das embarcações [...] só poderá ser
executada por operários estivadores [...], de preferência
sindicalizados, devidamente matriculados nas Capitanias dos Portos
ou em suas Delegacias ou Agências [...]
§ 1º Para essa matrícula, além de outros, são requisitos
essenciais:
1) Prova de idade entre 21 e 40 anos;
2) Atestado de vacinação;
3) Atestado de robustez física pelo Instituto de Aposentadoria e
Pensões da Estiva;
4) Folha corrida;
5) Quitação com o Serviço Militar, quando se tratar de brasileiro
nato ou naturalizado.
(CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, art.257, Revogado
pela Lei nº 8.630, de 25.2.1993)
27
O atrativo da força física para o trabalho, em detrimento de
outras capacidades, se exemplifica com imagens da época.
Foto 1 - Embarque de café em Santos I - início do sec. XX.
Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10
nov.2010.
Foto 2 - Embarque de café em Santos II - início do sec. XX.
Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10
nov.2010.
28
As fotos anteriores, tiradas no início do século XX,
representam TPAs (estivadores) carregando navio com sacos de café e, por si
só, demonstram a necessidade de força física para o exercício da atividade
A primeira grande mudança na realidade do comércio
marítimo iniciou-se no final do século XIX com a criação dos navios movidos a
vapor. Primeiro vieram os vapores combinados com velas, logo a seguir vapor
puro e a o grande boom dos navios com turbinas a vapor (tipo de propulsão
existente até os dias de hoje), tudo isso num curtíssimo espaço de tempo,
quando não concomitantemente. Surgiu então a necessidade de treinamento e
capacitação de uma reserva de profissionais de terra (oriundos ainda, na sua
maioria de bordo), a fim de que os profissionais pudessem operar as máquinas
de bordo, livrando os embarcados dessa faina, quer por terem atividades mais
importantes a executar quer pela redução natural das tripulações em função da
modernização.
No início, tratava-se o trabalhador portuário da mesma forma
que o embarcado, possuindo Carteira de Registro Marítimo (CIR) expedida por
órgão da Marinha, com funções especificadas, passando a Marinha a ministrar
instrução e treinamento nas novas fainas e funções profissionais em
concomitância com os cursos oferecidos aos trabalhadores embarcados
Esse período durou até as primeiras décadas do século
passado, quando da criação dos Sindicatos profissionais de trabalhadores
portuários avulsos. Iniciou-se a distinção dos trabalhadores embarcados com
os trabalhadores avulsos e de terra, inaugurando-se um novo período onde a
formação profissional passou a ser administrada pela Marinha do Brasil através
da divisão do Ensino Profissional Marítimo da Diretoria de Ensino.
A tabela da página seguinte, compilada de Gonçalves, 2008,
P. 46, mostra a cronologia da criação dos sindicatos de avulsos no Porto de
Santos, originando a nova sistemática profissional e por conseqüência de
ensino que viria a ser adotada pela Marinha.
29
Tabela 2 - Fundação dos Sindicatos Portuários
SINDICATO
DATA DE FUNDAÇÃO
ESTIVADORES
01/12/1930
OPERÁRIOS PORTUÁRIOS
14/03/1931
CONFERENTES
18/12/1932
TRABALHADORES
14/05/1933
ADMINISTRATIVOS
VIGIAS
22/08/1938
RODOVIÁRIOS
28/05/1939
EMPREGADOS TERRESTRES
05/07/1939
CONSERTADORES
07/08/1950
OPERADORES DE GUINDASTE
08/06/1964
BLOCO
31/03/1979
Gonçalves, 2008, p. 46.
Uma única diretriz para todo o país vigorou até pouco depois
da Constituição de 1988 que deu novos contornos às atribuições das Forças
Armadas, criando a Marinha o SEPM – Sistema de Ensino Profissional
MARÍTIMO como órgão capaz de administrar o ensino portuário. A Lei 8630/93
determinou serem as autoridades portuárias (aqui Companhia Docas de Santos
atual Autoridade Portuária de Santos) juntamente com os OGMOs os
responsáveis pela administração e implementação do Ensino Profissional
Marítimo (EPM).
Essa última situação se deu durante uma nova e profunda
mudança no trabalho portuário, produzida pelas novas tecnologias que
reduziram ainda mais drasticamente o número de tripulantes a bordo dos
navios, juntamente com o uso em grande escala dos contêineres que
trouxeram uma verdadeira revolução na forma de trabalho portuário,
remanescendo poucos serviços a serem executados da forma tradicional.
30
FOTO 3 - Embarque de café em Santos III - início do sec. XX.
Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10
nov.2010.
Na foto acima, da década de 1930, o embarque de café feito
por TPAs (estivadores), pouco se diferencia da foto abaixo, de 2002, que
mostra o embarque de açúcar com o TPA sobre a pilha de sacos, formando
manualmente a distribuição dos volumes, demonstrando que, como afirmado
anteriormente, ainda subsistem as formas tradicionais de movimentação de
cargas.
FOTO 4 - - Embarque de açúcar em Santos, início do sec. XXI.
Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10
nov.2010.
31
Mesmo com a continuidade de certos tipos de trabalhos
arcaicos, surge a necessidade cada vez maior da formação profissional e
intelectual dos trabalhadores portuários, substituindo-se drasticamente a força
física pela capacitação profissional e técnica que necessita ser contínua e
abrangente, tanto na formação futura como na atualização dos profissionais às
constantes mudanças das técnicas produtivas.
O
choque
cultural
inicial
transformou-se
em
choque
educacional e social, alterando por completo a relação do trabalhador portuário
com a sociedade que o envolve. Urge agora a necessidade de educar-se como
um todo, desde o ensino fundamental até o técnico e superior, crescendo a
demanda sócio-cultural sobre todos os sistemas educacionais das cidades
portuárias.
Nesse sentido KITZMANN (2009, p. 119) também aponta as
necessidades interdisciplinares e sociais, afirmando que as características das
disciplinas do SEPM (técnicas e operacionais) dificultam a integração de
conteúdos e a superação do modelo linear disciplinar de currículo, ao
justaporem as disciplinas arbitrariamente, o que a interdisciplinaridade poderia
superar. Nos cursos do SEPM há pouco sentido em interligar conhecimentos
técnicos muito específicos, embora as muitos dos trabalhos a serem realizados
possam
demandar
competências
compartilhadas
-
as
denominadas
competências cognitivas - comuns a vários empregos ou atividades, também
chamadas de competências transversais. Enquanto a interdisciplinaridade fica
dificultada pelas características peculiares de cada curso, a integração dos
temas transversais – ética, saúde, orientação sexual, meio ambiente, trabalho e
consumo, pluralidade cultural – por trazerem questões sociais urgentes, é
perfeitamente possível e necessária.
A Educação escolar em cidades portuárias brasileiras oscila
entre duas ordens curriculares: de um lado obedece às determinações
curriculares governamentais aplicadas no ensino básico e médio, e de outro
obedece também à especificidade de um ensino profissionalizante voltado para
as atividades portuárias, proposto pela Marinha, tal como o Curso Básico de
Trabalhador Portuário (CBTP), (Anexo B).
32
Assim, as escolas localizadas nessas regiões revelam certa
ambigüidade no âmbito de seus conteúdos, bem como na política de gestão
administrativa.
A partir da implementação da economia globalizada, do
modelo neoliberal de desenvolvimento e da modernização dos portos, as
escolas localizadas em regiões de influência portuária são impactadas pelas
novas modalidades de trabalho, decorrentes da inserção de novos elementos
tecnológicos. A ambigüidade dos conteúdos curriculares evidencia-se, exigindo
o mapeamento das condições objetivas desses espaços escolares que vão
perdendo sua identidade originária. Por um lado, a educação escolar, com forte
influência da cultura comunitária nas suas formas de ensino e aprendizagem,
vai pouco a pouco perdendo esta conotação e seus vínculos comunitários e de
outro lado ela não recebe novos conteúdos que possam preencher essa
lacuna.
O que se observa inicialmente é que ainda não há, nesses
espaços de ensino formal, uma educação especifica para a capacitação do
novo cidadão, ao mesmo tempo em que se deixa de utilizar a forma empírica
de ensino aplicada à formação de jovens para o mercado de trabalho portuário.
Torna-se necessária uma educação atualizada, com maior e efetiva integração
entre o ensino formal de todos os níveis, sobretudo o técnico, e a preparação
do jovem para o ingresso efetivo no mercado de trabalho. Eliminado ou
reduzido o aprendizado por observação e empírico que ainda subsiste, surgem
os choques culturais devido à resistência dos atuais profissionais em aceitar
mudanças a partir dos jovens e seus núcleos familiares.
Em suas observações KITZMANN (2009, p.120) aponta
pontos positivos e negativos desse tipo de educação peculiar:
1 - Além deste contexto particular restritivo, a perspectiva da inter,
multi e transdisciplinaridade ainda está em debate e com poucas
experiências práticas em outros sistemas educativos, como o sistema
escolar formal.
2 - A centralização da gestão do SEPM está relacionada com o
conceito explicitado por L. von Bertalanffy (1977), sobre um sistema
se organizar de modo que uma alteração mínima em qualquer de
suas partes (“parte dirigente” ou “disparador”), provocará alterações
muito maiores no sistema como um todo.
3 - Uma facilidade para o SEPM operacionalizar mudanças é a sua
organização em rede nacional (sistema de capacitação estruturado
em 25 portos).
33
Assim, abre-se espaço para dar voz aos sujeitos em foco
nesta dissertação, tanto para aqueles que já vivenciaram as relações de ensino
e aprendizagem relacionadas à profissionalização do trabalho portuário, em
passado não muito distante, quanto àqueles que hoje buscam no ensino
técnico a sua formação para o mercado de trabalho.
Ao se ouvirem os atores, observa-se um nítido ruído na
interlocução onde o principal tema é a deficiência na formação técnica,
profissional e cidadã dos trabalhadores portuários avulsos.
A fala de um importante dirigente sindical, R.O. S, filho e neto
de estivadores, denota essa dissonância:
Os trabalhadores de Santos aprendem a lidar com os equipamentos
usados pelos terminais na base da raça, sem nenhum preparo.
Claro está que, se existem cursos e os trabalhadores continuam
aprendendo “na raça”, o currículo proposto pelo SEPM não atende à
necessidade de formação.
Por outro lado, tão pouco estão satisfeitos os instrutores do
SEPM como vemos em trechos da fala de J.B., instrutor:
Os alunos vem despreparados do ensino fundamental e médio e
pretendem obter todo o conhecimento aqui (EPM).
Os professores do ensino regular denotam deficiências
peculiares aos alunos oriundos de núcleos familiares de TPAs, como o dito por
J.B.J:
Os alunos filhos de trabalhadores avulsos, no passado, tinham o
sonho de seguirem a profissão do pai que demandava pouco estudo
[...] Era mais importante contarem horas trabalhadas para obter a
“carteira preta” do que o estudo. Viviam seu mundo à parte, fazendo
cursos apenas por obrigação, sem darem qualquer importância ao
aprendizado.
34
Não
se
pode
atribuir
as
deficiências
de
formação
exclusivamente ao SEPM ou ao ensino regular, tendo em vista que tanto
instrutores como professores apontam a falta de uma formação abrangente, a
formação cidadã pregada no art. 205 da Constituição Federal (CF).
A cultura comum não pode ser desprezada no ensino, sob
pena de uma educação incompleta, o que vemos claramente na fala dos
atores.
Os costumes incorporam muitos dos sentidos incluídos no
conceito de cultura, (THOMPSON, 1991, p.15) e a negação do acesso à
educação não dá outra opção aos TPAs, se não a de recorrer à transmissão
oral, com sua pesada carga de costumes.
Deve-se ter em conta que ensinar exige o reconhecimento e a
assunção da identidade cultural da sociedade na qual se está inserida,
(FREIRE, 1998, p.41).
Por ser cidade cosmopolita debruçada sobre o estuário, com
características topográficas únicas que propiciaram a divisão da população de
acordo com suas atividades laborais, também ocorreu tal divisão na criação de
escolas. Aquelas próximas às regiões habitadas por trabalhadores portuários
desenvolveram características únicas, voltadas a esses trabalhadores e seus
filhos adquiriram de forma direta ou indireta a sua vocação portuária. Citamos
como exemplos de escolas com forte vocação para o ensino de futuros
trabalhadores portuários a “Auxiliadora da Instrução”, localizada no coração do
bairro do Macuco, com visão direta do cais santista e tendo como corpo
discente, quase que exclusivamente, filhos de trabalhadores portuários e a
escola “Cidade de Santos”, que também se localizava na região do Bairro do
Macuco.
Além dessas escolas públicas, outras surgiram com vocação
exclusiva tais como a Escola Docas, que, como o nome já o diz destinava-se
principalmente para os filhos de “doqueiros” e o Colégio Modelo, criado e
mantido pelo Sindicato dos Estivadores, também com objetivo de atender aos
filhos daquela classe de trabalhadores.
Logicamente, sem desprezar a influência do porto existente
nas outras escolas, públicas ou não, nítida é a vocação portuária dessas
escolas do ensino regular, não podendo ser desprezados o costume e a cultura
35
comum dessa população e, como sugere FREIRE (1996), devem as escolas e
os educadores estabelecer novas relações e condições de educabilidade entre
si com respeito e rigor.
1.3 – Formação profissional do trabalhador portuário avulso:
Ao pesquisar o tema do ponto de vista do trabalho do
educador formal que militou junto às categorias portuárias e seus filhos,
encontramos a fala característica e altamente indicadora de uma professora do
ensino fundamental (primário) das décadas de1960 a 1980, lecionando nas
escolas mais significativas da região portuária - “Auxiliadora da Instrução’ e
“Cidade de Santos” - que vivenciou várias facetas do ensino”.
Vejamos o que diz essa professora (I.N.C.B. – 2009.):
Alunos do regular indo para o cais – profissionais que aprendem
entre si – o ensino profissional marítimo. O interesse do aluno no
ensino elementar é preparar-se no campo da alfabetização isto é;
saber ler e escrever. Ao sair dessa etapa se acha capacitado para
trabalhar,obviamente isto não basta e ele procura se relacionar com
os companheiros de trabalho para aprender novas vivencias ;Esses
auxílios
só
são
entendidos
entre
eles.
Pretendendo
novas
orientações vão procurar os cursos profissionalizantes a fim de
ampliar o aprendizado.
O trabalhador portuário encontra no ensino profissional marítimo,
informações e treinamento, porém no dia a dia eles verificam que
não sabem ou pouco sabem para usar
“Chegamos à conclusão que vão continuar a usar o que aprenderam
entre si e que a primeira e a última etapa pouco ou nada valeram.
Claro está que o ensino formal apenas serve de valia
enquanto alfabetizador; o ensino profissional é defasado em relação às
necessidades do dia a dia e a mais valia do ensino reside sob a forma de
ensino de pai para filho.
36
A cultura também pode ser vista como um conjunto de
diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o ensino escrito e o
oral (THOMPSON, 1995, p. 17).
Nos anos de ensino profissional, sempre deparamos com a
relutância dos trabalhadores portuários em aprenderem algo que não o
ensinado pelos colegas; o idioma é adulterado não como um linguajar próprio,
mas sim como foi repassado de uns aos outros; as formas de trabalhar fogem
ao corriqueiro do mundo externo e passam a ter conceitos próprios, sendo
ponto de honra a sobrevida a acidentes e assim por diante. Nas palavras de
um aluno de curso técnico que por alguns anos se firmou como dirigente
sindical de uma das principais categorias de portuários, podemos inferir toda a
estrutura do aprendizado (R.O.S. – 2009):
O ensino formal nos ensina para a vida cotidiana, o ensino marítimo
nos ensina a ser marinheiros, mas, no porão do navio, tudo é
diferente [...].
Não há qualquer correlação entre as atividades educacionais
e a profissão. Pior do que isso, os trabalhadores não conseguem vislumbrar
qualquer utilidade no ensino formal, seja ele regular ou técnico, isso vindo a
provocar o engessamento da evolução das atividades por conta da demora na
aceitação de novos conceitos e novas técnicas.
Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer
forma de discriminação (FREIRE, 1996, p. 35), o que tem difícil assimilação
das partes envolvidas, professores, instrutores e alunos.
A formação profissional dos TPAs ainda se dá somente após a
entrada deles nas atividades, sendo convocado a fazer inicialmente o Curso
Básico de Trabalhador Portuário (CBTP), cujo currículo é determinado pelo
Ensino Profissional Marítimo (EPM), (Anexo B), pré-requisito para a realização
de outros cursos, mas não para o exercício das atividades profissionais.
As diretrizes de formação emanam da Marinha do Brasil e a
formação específica não habilita o profissional que normalmente já exerce a
função, levando-o ao desinteresse pelos cursos.
37
1.3.1 – Fatores históricos da formação profissional Portuária.
Como
anteriormente
afirmado,
a
grande
maioria
dos
trabalhadores portuários avulsos, desde as primeiras grandes navegações, era
de homens de classe social baixa, que viriam a ser deixados à própria sorte
após serem abandonados dos navios que tripulavam. Sua formação básica era
empírica e tinha como principal atrativo a força e a resistência física sem
nenhum treinamento mais elaborado.
Com o advento do vapor, no final do século XIX, surgiu a
necessidade do treinamento do pessoal remanescente em terra a fim de serem
atendidas às necessidades de bordo. O trabalhador portuário avulso era
tratado da mesma forma que o embarcado, sendo a Marinha o órgão
responsável em ministrar cursos e treinamento nas novas fainas e funções
profissionais em concomitância com os cursos oferecidos aos trabalhadores de
bordo.
Esse período durou até as primeiras décadas do século
passado, quando mudanças sociais com a criação dos sindicatos profissionais
de trabalhadores portuários possibilitaram a distinção entre trabalhadores
embarcados e trabalhadores avulsos e de terra. Iniciou-se um novo período de
formação profissional ainda administrado integralmente pela Marinha do Brasil,
através da divisão do Ensino Profissional Marítimo (EPM) com uma única
diretriz para todo o país. A nova Constituição Federal alterou esse processo
que se completou com a lei 8630/93 que determinou serem as Autoridades
Portuárias juntamente com o OGMO, responsáveis pela administração e
implementação do ensino profissional marítimo, como já referido.
38
1.3.2 - Evolução dentro das facetas atuais:
Paralelamente aos acontecimentos na sociedade brasileira em
geral, pode-se observar que a sociedade santista também se modernizava,
contudo, sem perder a sua tradição laboral, calcada na manutenção da
oralidade como fundamento para o ensino e aprendizagem bem como, na
manutenção dos usos e costumes familiares e grupais que persistem. Isso vem
ocorrendo mesmo após a referida Lei 8630/93 que, entre outras coisas, legisla
sobre a modernização do ensino profissional e público nas cidades portuárias e
da educação para o trabalho portuário multifuncional.
Com o surgimento dos novos modelos de desenvolvimento
econômico e cultural, logicamente surgem modificações curriculares no ensino
regular, bem como na organização do trabalho de modo geral em todo o Brasil.
Todavia nas cidades portuárias a Lei 8630/93 altera de maneira substancial a
forma de ensino e formação profissional, em particular no tocante ao trabalho
portuário. As novas diretrizes de formação de mão de obra incidem
especialmente sobre aquelas referidas aos trabalhadores avulsos. Sem
considerar os trabalhadores e suas formas seculares de transmissão de
conhecimentos, passa-se aos empregadores a obrigação na formação
profissional. Além disso, ocorrem mudanças substantivas também no interior
das escolas que atendem os filhos dos trabalhadores. Como conseqüência, a
sociedade santista passa a virar as costas ao seu porto e o segmento de
trabalhadores portuários isola-se em um invólucro cultural com práticas
cotidianas bastante peculiares.
Assim, em decorrência da implementação da Lei 8630/93,
mudanças significativas ocorrem na escola e nas relações interpessoais de
trabalho e de vida familiar dos portuários. Tais mudanças incidem na demanda
por educação regular para os filhos dos trabalhadores, sejam eles portuários ou
não. Se por um lado os gestores portuários preocupam-se com a efetiva
formação e reciclagem educacional dos trabalhadores do Porto, levando em
39
conta os processos de globalização, bem como as novas tecnologias e a
multifuncionalidade, por outro lado, os trabalhadores demandam por uma
educação cidadã para seus filhos em escolas regulares. Eles que,
historicamente, também são capazes de formar e capacitar mão de obra
técnica qualificada e passaram a ver-se impedidos dessa atividade de
transmissão do conhecimento profissional de pai para filho.
Com a chegada do OGMO por força legal, centralizam-se
neste órgão as demandas de trabalhadores por educação e, por extensão, por
educação profissionalizante dos jovens aptos ao mercado de trabalho. Insinuase aqui o conflito latente entre Cidade e Porto, conflito inexistente quando as
relações portuárias são analisadas apenas sob o ângulo das suas relações de
trabalho. Se, por um lado, pela ótica dos Gestores e também dos portuários, há
uma relação de reciprocidade e cooperação entre OGMO e trabalhadores, por
outro, quando se trata da escolarização dos filhos desses mesmos
trabalhadores, certa tensão, descontentamento e preocupação se manifestam.
O solapamento da produção da cultura portuária e reconstrução simultânea da
mesma é uma realidade que pode ser observada desde o início da
implementação da Lei 8630. Basta percorrer os antigos estabelecimentos onde
funcionavam as escolas para os filhos de trabalhadores do Porto ou conversar
com as famílias de antigos portuários, que guardam com muito carinho a
memória das práticas escolares.
Santos, como cidade Portuária, sofreu o desgaste educacional.
O fato de o jovem trabalhar desde pequeno tem grande influência no momento
de sua educação regular e formal, modificando e atribuindo peculiaridades de
elementos culturais próprios da vida portuária na etapa educacional. Como há
necessidade de dinheiro para a sobrevivência e sem incentivo casa-escola,
pois ainda hoje algumas famílias consideram a formação recebida pela
transmissão oral mais importante, o aluno abandona a escola. Neste processo
a informação é fundamental para a inserção do jovem no universo escolar e
efetiva participação. Alunos filhos de analfabetos, não têm estímulo para
freqüentar a escola. Trabalhadores portuários (estivadores, conferentes de
carga/ descarga, consertadores etc.) recebem salários altos, incompatíveis com
o seu nível educacional. Criaram um mito, salvo raras exceções, de que não
40
havia necessidade de estudar e sim preparar-se bem cedo para trabalhar no
cais. O fato de receberem diariamente também prejudicava, pois alguns,
principalmente os viciados em drogas e álcool, já chegavam a casa sem
dinheiro.
41
CAPÍTULO II – A LEI DE MODERNIZAÇÃO E SUAS INFLUÊNCIAS NO
ENSINO PROFISSIONAL PORTUÁRIO.
Este capítulo tem por objetivo explicar as transformações no
trabalho, ensino e sociedade portuária promovidas pelas alterações estruturais
advindas da modernização tecnológica, da globalização e do modelo neoliberal
em voga, incutidas na Lei 8630-83.
Baseia-se fundamentalmente nos autores, Francisco Vicente
A. FERREIRA (1994), Alcindo GONÇALVES, (1995), e, Dione Iara Silveira
KITZMANN (2009).
2.1- A modernização da mão de obra nos países europeus, o novo modelo
de formação de mão de obra.
A influência neoliberal e internacional na criação dessa lei - de
importância fundamental no ensino e na educação formal e profissional a ser
aplicada nas cidades portuárias - tem sua origem na Convenção 137 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT (Anexo A).
Ela foi convocada pelo Conselho Administrativo da Repartição
Internacional do Trabalho em Genebra, onde os membros da OIT, em junho de
1973, discutiram exclusivamente as questões portuárias.
Os principais pontos que a motivaram foram: a mudança nos
métodos de processamento de cargas, com a adoção das unidades de cargas;
técnicas de transbordo horizontal; aumento da mecanização e automação do
fluxo comercial e expansão mundial das trocas de mercadorias, que vinham
formando um paradoxo na relação capital-trabalho, diminuindo a necessidade
42
de mão de obra braçal com a conseqüente demanda intensa de mão de obra
qualificada, inexistente e carente de recursos educacionais que possibilitassem
a compreensão dos novos métodos de trabalho, (Ferreira, 1994, p.16).
Essa Convenção - ratificada pelo Brasil apenas em agosto de
1995 - propiciou aos países membros a criação e formação de legislação
específica, com foco na educação formal dos trabalhadores portuários,
sobretudo aqueles advindos de regiões de vocação portuária, sendo os portos
europeus pioneiros na criação de legislação específica, especialmente os
portos espanhóis que criaram legislação que propiciou o desenvolvimento da
Lei 8630 a seu molde, respeitadas as peculiaridades do nosso país, em
especial as do porto de Santos. Nosso porto tinha até então características
muito semelhantes às do porto de Barcelona, tanto na formação profissional
como na sociedade local envolvida intimamente nas atividades portuárias
(constatação do autor).
Experimentou o mundo uma nova “revolução industrial”, agora
tocada em função do aumento vertiginoso das trocas de mercadorias e das
mudanças drásticas nas formas de transporte marítimo. Incorporaram-se ao
trabalho e à mão de obra portuária, tecnologias e métodos de trabalho
completamente desconhecidos, trazendo-se um componente importante até
então inexistente: o aprimoramento intelectual se sobrepondo à força física.
Além da substituição da força física pelo intelecto, conceitos de cidadania e
sociais até então longe das atividades portuárias, onde prevalecia a “lei do
mais forte”, passaram a conviver com os conceitos antigos. Aliadas essas
mudanças à unificação européia, formou-se a alavanca para a criação de
legislação específica nas regiões com vocação portuária, de forma a dar-se o
mesmo tipo de formação técnica a todos os trabalhadores. Assim evitou-se a
desestruturação social em um primeiro momento e a conseqüente migração de
mão de obra mais instruída para onde assim o desejassem e menos instruída
para onde fosse preciso.
Diante dessa preocupação com os movimentos migratórios
internos, criaram-se legislações de organização dos portos europeus, em
Portugal, na França, Alemanha, Suécia e demais países com estrutura
portuária. A nova organização portuária criou o conceito de porto concentrador
(hub port), rota central entre grandes centros de comércio, sendo o porto de
43
Santos o único “Hub Port” da América do Sul. Inicialmente o porto concentrador
de Barcelona viria a formar ponte continental com o porto concentrador de
Roterdâ, esse último já organizado dentro de um novo modelo respeitando as
novas mudanças tecnológicas e sociais, e o seu contraponto espanhol,
carecedor de formação de mão de obra. Dessa forma a legislação espanhola
foi pródiga em impor modelos educacionais para a formação do novo
trabalhador portuário, aplicando-lhe formação “multifuncional”, ensino de novas
tecnologias, notadamente a tecnologia da informação e outros conceitos de
trabalho e produção que surgem diuturnamente em função dos avanços
tecnológicos. Tendo como ponto de partida a Convenção 137, que, por si,
iniciou-se superada pela tecnologia, todo o continente europeu - exceção ao
Reino Unido que manteve seu modelo consuetudinário - implementou
legislação com vistas à educação para o trabalho portuário. Essa legislação
estrangeira serviu como paradigma para a nossa, sendo a lei 8630-93
modelada a partir da legislação de Barcelona, com forte viés educacional e
notadamente voltada para a educação profissional (Anexo A).
2.2- A lei de modernização dos Portos (8630/93) como instrumento de
educação:
O projeto de lei nº 8 (PL8), origem da lei de modernização dos
portos, Lei 8630-93, desde seu inicio tinha como objetivo primordial a
transformação das relações de trabalho e de funções dos trabalhadores
portuários em vista das novas técnicas dispostas, tais como a forte
implementação da utilização de contêineres e a possibilidade de utilização de
equipamentos
informatizados
colocados
à
disposição
corriqueira
dos
trabalhadores. A rápida evolução técnica dos equipamentos de movimentação
de carga e os novos conceitos de logística portuária herdados da experiência
militar, além de alterarem totalmente a configuração dos navios e dos portos,
mudaram substancialmente as atividades dos trabalhadores portuários, tanto
de bordo como de terra. Essa mudança, em alguns casos, limitou ou mesmo
extinguiu a necessidade de algumas funções - é patente à obsolescência das
44
funções de consertadores, vigias e conferentes de bordo – ou, quando não
extinguiu as funções, as reduziu ou as alterou substancialmente, tornando
necessária a interposição destas e a incorporação de novos conhecimentos
(notadamente da informática) em quase todas as atividades profissionais
portuárias (FERREIRA, 1994, p. 23).
Marcadamente o desenvolvimento social e cultural de Santos
proveio das mudanças ocorridas nas atividades portuárias. As idéias de
liberdade, autonomia, transformação social e inconformismo sempre fizeram
parte da base da cultura local (GONÇALVES, 1995, p. 21 e 33).
Em seu corpo a lei determina e cita a responsabilidade e a
necessidade de treinamento específico de mão de obra pelos empresários e
seus prepostos:
Art. 18. Os operadores portuários devem constituir, em cada
porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho
portuário, tendo como finalidade: [...]
III - promover o treinamento e a habilitação profissional do
trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro; [...]
Art. 19. Compete ao órgão de gestão de mão-de-obra do
trabalho portuário avulso: [...]
II - promover a formação profissional e o treinamento
multifuncional do trabalhador portuário, bem assim programas de
realocação e de incentivo ao cancelamento do registro e de
antecipação de aposentadoria; [...]
O Órgão Patronal, chamado pela lei de OGMO, tem como
uma das suas principais obrigações o treinamento e a habilitação profissional
do trabalhador portuário e, mais que isso, tem a obrigação de promover um
treinamento “multifuncional”, visando à extinção sem traumas das categorias
menos aculturadas pela educação formal. Criariam-se novas classes de
trabalhadores capazes de entenderem e enfrentarem os novos desafios
tecnológicos que não podem ser transmitidos pela educação patriarcal,
(Kitzmann, 2009, p.123).
45
Art. 27. O órgão de gestão de mão-de-obra:
I - organizará e manterá cadastro de trabalhadores portuários
habilitados ao desempenho das atividades referidas no artigo anterior;
II - organizará e manterá o registro dos trabalhadores portuários
avulsos.
§ 1° A inscrição no cadastro do trabalhador portuário dependerá,
exclusivamente, de prévia habilitação profissional do trabalhador
interessado, mediante treinamento realizado em entidade indicada pelo
órgão de gestão de mão-de-obra.
Passa agora a ser exigência formal da lei que o trabalhador
tenha um treinamento e uma habilitação formal em entidade própria para tal
fim, com características multifuncionais.
Art. 32. Os Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs) instituirão
Centros de Treinamento Profissional destinados à formação e
aperfeiçoamento de pessoal para o desempenho de cargos e o
exercício de funções e ocupações peculiares às operações portuárias
e suas atividades correlatas.
Além de obrigar taxativamente os empresários a capacitar sua
mão de obra em níveis e condições jamais pensados, cria a Lei um órgão
regulador de cada setor, em substituição explícita à regulação secular exercida
pela Marinha, o Conselho de Autoridade Portuária (CAP).
Esse Conselho é um órgão com característica marcantemente
democrática e liberal, onde têm assentos representantes de todos os setores
envolvidos, trabalhadores, empresários e governo, com a novidade única em
todas as leis existentes no país, que é a participação nominal de representante
da federação, do estado e do município envolvido. Possi um caráter
representativo e liberal que até hoje não foi compreendido pelas partes,
notadamente os trabalhadores que oferecem enorme resistência à co-gestão:
Os sindicatos tradicionais que representam os avulsos parecem resistir a isso,
(GONÇALVES, 2008, p. 77), principalmente no que toca ao ensino,
46
treinamento e habilitação de trabalhadores, embora esteja nítido o forte viés
educacional da legislação em todos os seus níveis, obrigando a lei que todos
os entes públicos e privados se dediquem à criação de Centros de Capacitação
Profissional.
Art. 57. No prazo de cinco anos contados a partir da publicação
desta lei, a prestação de serviços por trabalhadores portuários deve
buscar, progressivamente, a multifuncionalidade do trabalho, visando
adequá-lo aos modernos processos de manipulação de cargas e
aumentar a sua produtividade.
§ 1° Os contratos, as convenções e os acord os coletivos de
trabalho deverão estabelecer os processos de implantação progressiva
da multifuncionalidade do trabalho portuário de que trata o caput deste
artigo.
§
2° Para
os
efeitos
do
disposto
neste
arti go,
a
multifuncionalidade deve abranger as atividades de capatazia, estiva,
conferência de carga, conserto de carga, vigilância de embarcações e
bloco.
A modernização dos portos dessa forma passa pela
necessária e obrigatória modernização da mão de obra, sendo que, apenas
onde se aplicou esse conceito houve de fato uma real modernização. Tal não
ocorreu de forma efetiva em nosso país, seja pela resistência dos
trabalhadores em deixarem a educação patriarcal para se dedicarem a uma
educação formal seja pela necessidade primordial de aprenderem-se conceitos
de informática, de logística, de idiomas (sobretudo o inglês), em detrimento aos
conceitos anteriores passados pelos mais velhos aos mais jovens. Houve a
substituição de um modelo de ensino secular que ganhou lugar no mundo todo,
mas que, a partir da década de 1980, sofreu uma guinada brusca em favor de
um modelo de ensino regular.
Por outro lado, os órgãos oficiais deixaram por conta das
instituições privadas e do órgão semi oficial (OGMO), a responsabilidade pela
criação de um novo modelo de ensino técnico-profissional, sendo certo que
esses, até o momento, não conseguiram apresentar esse novo modelo.
Repetem os currículos e planos de ensino já existentes, ignorando por
47
completo a necessidade de uma adequação dos currículos do ensino regular,
capaz de preparar a população local para assumir o mercado de trabalho.
A modernização experimentada nos países que serviram de
modelo para a nossa legislação, somente teve real efeito após uma radical
transformação educativa e sua conseqüente mudança na qualidade e
capacidade intelectual dos trabalhadores. Nosso país, especialmente a cidade
de Santos, e seu porto, continuam esperando uma política educacional para o
setor, experimentando uma fase de transição que perdura há quase vinte anos,
quando se modernizam apenas as máquinas, mas não se atualiza a mão de
obra, perdendo-se uma geração que poderia já ter sido educada eficientemente
para o setor. É urgente enfrentar-se definitivamente o problema com a criação
de cursos superiores voltados especificamente na capacitação dos futuros
dirigentes do setor, de cursos técnicos e tecnológicos capazes de preparar a
mão de obra operacional e cursos regulares que preparem as crianças, desde
o ingresso na escola, para compreenderem e integrarem-se à sociedade
portuária.
2.3- A LDB e a nova Constituição:
Dentro de nossa pacifica reconstrução da democracia,
elaborou-se uma nova Constituição Federal que, queiram ou não, foi
influenciada pela nova era neoliberal e incorporou em seu bojo vários
elementos dessa nova realidade. Aqui também se encontram fortes elementos
de THOMPSON (1991) que ao citar Gerald Sieger bem explica os costumes
[...] podem preservar a necessidade da ação coletiva, do ajuste coletivo de
interesses, da expressão coletiva de sentimentos e emoções [...].
Os costumes são elementos necessários e preparatórios para uma nova
legislação e, assim, uma nova constituição somente teria alguma legitimidade
se respeitasse esses costumes. As mudanças ocorreram e os costumes se
alteraram. As formas de trabalho cambiaram de forma radical para as
necessidades de aplicação das novas tecnologias e assim necessário é que se
treinem e se eduquem novos seres sociais, dando-se à escola uma nova
48
dimensão, nova enquanto fruto de mudança, mas com características muito
semelhantes às dos modelos de ensino passados. Se olharmos para o modelo
de ensino da Escola de Getúlio (1930-1945), veremos já naquela época a
tentativa de mudança nas estruturas do ensino que passa a dar importância à
educação profissional.
Agora,
num
mundo
neoliberal,
tais
mudanças
foram
incorporadas à nossa lei maior de forma menos impositiva, posto que não haja
um ditador a impô-la e sim um congresso constitucional criado para tal, mas
que não deixa de ser revolucionário, tendo em vista a característica de
rompimento da atual Constituição com as anteriores.
A educação é dada como um direito social:
o.
Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Em seu art. 21 são estabelecidas as Competências da União
e no 23 dos demais membros federativos:
Art. 21. Compete à União: [...]
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: [...]
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à
ciência.
De forma inédita, reserva nossa Lei Maior um capítulo
exclusivo para a educação, o Capítulo III- DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E
DO DESPORTO:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
49
Aqui, deixa claros os objetivos desejados para a educação
que serão a formação para a cidadania e a qualificação para o trabalho (grifo
nosso).
Aparece um forte vínculo, entre a educação, a cidadania e o
trabalho, quase que expressando explicitamente a vontade dos brasileiros, de
que um não sobrevive sem o outro.
A Lei firma esses conceitos como essenciais às novas formas
de educação, estabelecendo princípios básicos de liberdade de ensino,
princípios esses por muito tempo apregoados por Paulo Freire que em todas
suas obras apresenta a necessidade de ensinar com base nos conhecimentos
e costumes dos alunos.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber;
Em que pese o caráter social da nossa Constituição, não há
como deixar de impregná-la com os costumes agora vivenciados e a nova
realidade mundial e, assim, surge uma sedução cada vez maior pelo projeto
neoliberal que acaba por permear nossos costumes e consequentemente
nossas leis. O art. 214 assim o mostra claramente:
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que
conduzam à:
[...]
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
Se por um lado o ensino deve respeitar a liberdade de
aprender e as necessidades do aluno, como Freire (2000) o exemplificava, “a
educação não autoritária deve respeitar o aluno”, e isso foi incorporado na
nossa legislação maior, por outro lado a forte influência neoliberal também foi
50
carreada para ela ao impor a necessidade da formação para o trabalho. Aí se
deixa de lado a ideologia para se aplicar o plano pragmático neoliberal: para
que educar se não for para formar mão de obra?
A lei ordinária, prevista no art. 214 da Constituição, é a Lei nº
9394 de 20/12/1996, Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e só veio à tona após
quase dez anos de promulgada a Constituição.
Em seu primeiro artigo já coloca a formação para o trabalho
como essencial:
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Reforça tal tendência, de caráter fortemente neoliberal em seu
parágrafo segundo:
§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social.
A questão da prática social é meramente semântica se
analisado o caráter da própria lei.
Em seu segundo artigo, continua a reforçar os ditames
constitucionais e o forte vínculo da educação com a formação para o trabalho
e, a nosso ver, é forte a influência neoliberal em contraponto com as questões
sociais:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A vinculação da educação com o ensino profissional não é
uma mera depreensão é uma determinação que a todo o momento
encontramos na legislação. Logo a seguir, em seu artigo 3º, determina a LDB:
51
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais.
Ao definir as finalidades da educação básica, a lei a vincula
diretamente à atividade produtiva e esta, como elemento basilar no processo
educativo. Essa é uma forma claramente neoliberal de formação de mão de
obra produtiva ou simples reserva:
Para a igualdade social das oportunidades [...] é necessário mudarse o conceito atual de um programa uma cultura comum escolar fixo
a ser seguido para definir-se o que cada um tem direito, permitindose que cada um ao atingir esse limite possa seguir mais adiante,
(DUBET, 2008, p.71).
Tal ocorre também ao definir as diretrizes para o ensino
médio, ainda independente da formação técnica e tecnológica que tem
capítulos específicos para tal. Vejamos o que dizem o art. 22, 27 e 35 da LDB:
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o
exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho
e em estudos posteriores.
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão,
ainda, as seguintes diretrizes:
[...]
III - orientação para o trabalho;
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;
Guarda a LDB lugar específico para a educação profissional e
tecnológica. Em seu art. 39, prevê a articulação dessas com as demais
modalidades de ensino, prevendo de forma também inédita e extremamente
52
social que: o conhecimento obtido no trabalho poderá ser objeto de avaliação,
reconhecimento e certificação, art. 41, algo que ainda não foi absorvido pela
grande maioria dos educadores e dirigentes educacionais e que seria de
grande valia no ensino técnico portuário, em grande parte promovido pelos
conhecimentos orais transmitidos entre as categorias profissionais. A fala do
presidente da maior entidade sindical de trabalhadores portuários, o Sindicato
dos Estivadores, exemplifica essa necessidade de reconhecimento: no exterior,
a mão de obra avulsa é qualificada em cursos práticos, não para a teoria pura e
simples. É isso que falta no Brasil.
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos
objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e
modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da
tecnologia.
o
§ 1 . Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão
ser organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a construção de
diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo
sistema e nível de ensino.
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação
com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação
continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e
tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação,
reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de
estudos.
Se, por um lado, nota-se uma forte intenção contida na
legislação brasileira de incentivar-se a formação profissional, por outro não
encontramos ainda muita iniciativa formal de implementar-se essa legislação.
Não houve até o momento a criação de cursos técnicos de
trabalhadores portuários, cursos de educação continuada, cursos tecnológicos,
dentre outros. Permaneceu a cargo de diretrizes da Marinha de Guerra a
formação da mão de obra, fugindo aos fatos da atualidade e às premissas
legais, carecendo o trabalhador de formação específica que respeite suas
peculiaridades e aos educadores, sejam eles do ensino formal, técnico ou
53
tecnológico, a compreensão das reais necessidades de grande parte de seus
educandos advindos da classe de trabalhadores portuários. Ensinar exige uma
reflexão crítica sobre a prática, sendo importante que os educadores entendam
que pensar certo tem que ser produzido pelo próprio aluno em comunhão com
o professor formador FREIRE (1996, p.39).
54
CAPÍTULO III- A PESQUISA: OS SUJEITOS E SUAS FALAS.
A partir do apurado, elaborou-se uma análise com o
pensamento de diversos autores, principalmente, François DUBET, Mariano
Fernandes ENGUITA e Paulo FREIRE, que com muita propriedade abordaram
em seu tempo e locais o tema da globalização e da formação educacional
como um todo, a qual deve respeitar os saberes e condições individuais e
sociais de cada educando ou grupo social.
Do ponto de vista sociológico, não menos importante é
Thompson com seus estudos sobre a cultura popular e tradicional.
Para alcançar seus objetivos, François DUBET em seu “O
que é uma escola Justa: a escola das oportunidades”, 2008, procura fazer um
estudo sistemático das oportunidades oferecidas nas escolas, iniciando pelo
conceito republicano e democrático da igualdade meritocrática - inerente às
sociedades adotantes desses sistemas que permitem conciliar os princípios da
igualdade entre os indivíduos e o da divisão do trabalho - tornando legítimas as
desigualdades desde que procedentes de uma competição justa. Tais
igualdades distanciam-se dos ideais perseguidos, devido ao “elitismo
republicano” (DUBET, 2008, p.22) onde nem todos entravam na mesma
competição, sendo os melhores “empurrados” (p.22) pelos professores para
ascender socialmente. A partir do final da primeira grande guerra, tal sistema
começou a ser combatido sendo necessário substituir o elitismo republicano
por uma verdadeira igualdade das oportunidades. Tal passagem, inicialmente
apresentada como a ampliação do acesso ao ensino secundário, buscava
anular as desigualdades econômicas. A igualdade das oportunidades e a
seleção pelo mérito visavam uma sociedade na qual as desigualdades
55
procedam unicamente do mérito e das performances pessoais. O sistema
escolar conheceu uma democratização quantitativa incontestável graças à
ampliação do acesso aos bens escolares reservados anteriormente a
privilegiados.
O autor faz uma ligação entre a escola oficial e a aquisição da
cultura, deixando claro que a escola não adentra aos temas de interesses de
sociedades singulares, ficando relegada a segundo plano a educação como um
todo apregoada.
Apesar do aumento das oportunidades, outros obstáculos
como a origem social e o capital cultural dos alunos continuam a refletir as
desigualdades sociais. A inexistência da seleção social fora dos estudos acaba
não impedindo uma seleção social durante os estudos.
No caso dos TPAs, fica evidenciado na pesquisa essa
afirmação quando eles mesmos apontam a inutilidade da escola para com o
seu trabalho.
A
influência
das
desigualdades
sociais
sobre
as
desigualdades escolares não desabilita totalmente o modelo da igualdade das
oportunidades, dando-se um tom de neutralidade e objetividade à escola, o que
não pode ser simplificado dessa forma. As elites escolares são originárias de
grupos favorecidos e a oferta escolar desigual acentua as desigualdades, não
prevalecendo o argumento da eficiência coletiva em favor da igualdade.
Na fala dos professores apresenta-se a conceituação da
eficiência coletiva, desejando uma formação padronizada, igualitária a despeito
da cultura particular dos TPAs e seus familiares.
François DUBET está convencido de que a igualdade da
oferta por si não basta, sendo necessária a distribuição das oportunidades
escolares, insistindo no princípio atual da equidade que produziria a “igualdade
de maneira mais voluntária” (p.60), contestando o estabelecimento de cotas a
determinadas minorias, que levaria à “guetização” dos “guetos” (p.61). Coloca
de forma bastante eficaz que “a diferenciação dos meios de ver é determinada
a partir dos indivíduos, mas no limite da provação do mérito” (p.63).
A informação dos pais e dos alunos pode ser considerada um
fator de reforço da igualdade das oportunidades, mas por si só não é suficiente,
precisando acentuar a circulação dos indivíduos.
56
Passa a investigar a igualdade social das oportunidades
(p.71), coloca como necessário mudar-se o conceito atual de cultura escolar,
com um programa fixo a ser seguido, definindo o que cada um tem direito,
permitindo que cada um em seu grupo social ao atingir seus limites possa
seguir mais adiante.
Trata o que ensinar como uma escolha política, dissociando o
justo do bem comum, privilegiando este último, definindo-se uma cultura
comum, o que deve cada indivíduo aprender, invertendo-se a ordem das
prioridades.
A aquisição da cultura comum deve ser tarefa da escola
comum, do colégio, que deveria ser construído sobre o princípio de diferença,
“o da cultura comum garantida a todos” (p.90), devendo ainda a cultura comum
atenuar os efeitos da competição meritocrática.
Por
fim
tenta
desvendar
a
igualdade
individual
das
oportunidades (p.94), entendendo que: uma escola justa deve ser útil à
integração social, bem como formar indivíduos de uma sociedade democrática
e solidária. A preocupação com a formação de indivíduos (continuando
DUBET), se mostra presente não somente no sentido de criar-se igualdade das
oportunidades, mas também tentando obter uma cultura comum a fim de que
os indivíduos obtenham alguma utilidade de sua formação, independentemente
de outras oportunidades, sendo tão injusta a perpetuação do estigma
profissional de estirpe como a saída da escola sem que qualquer conhecimento
sólido ou útil tenha sido aprendido. O princípio meritocrático deve ser analisado
juntamente com a escolha de bens escolares, utilitários e sociais,
preocupando-se com os efeitos dos diplomas sobre a vida social do individuo,
sem deixar que esse conduza sua própria vida com independência do destino
escolar.
Conclui o autor, de maneira pragmática que, para se construir
uma escola justa, ou o menos injusta possível, devem-se articular vários
princípios da justiça, a igualdade das oportunidades, a proteção a uma cultura
comum e por fim reconhecer e formar os indivíduos com total independência de
seu desempenho e de seus méritos pessoais.
Com isso observamos que DUBET em seu estudo coloca-se
dentro da realidade do EPM e da educação oficial encontrada em Santos, que
57
não forma profissionais ou cidadãos aptos ao trabalho, desprezando a cultura
comum.
Corrobora com o estudo e essa linha de investigação o
renomado ENGUITA, em sua obra “A face oculta da escola: educação e
trabalho no capitalismo” (1989).
O autor procura discutir a origem da escola de massas, tendo
como foco a preparação dos discentes para a inclusão no processo produtivo.
Ao analisar a educação para o povo, pretendida pelos
dominantes, campeou entre a educação dedicada a fazer trabalhar e moralizar
as crianças e a educação como forma de socialização, de certa forma
libertadora, concluindo que a elite dominante acabou por achar a solução
intermediária, a de educar, mas não demasiadamente.
Enfoca o doutrinamento escolar, conduzindo os alunos à
disciplina desejada, colocando-os entre as paredes da sala de aula submetidos
ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para domar seu caráter e dar
forma adequada a seu comportamento (p.116), sendo que a ênfase na
disciplina acabou por converter as escolas em algo parecido aos quartéis ou
aos conventos beneditinos (p.117), ficando o ensino ou a instrução em
segundo plano, disseminando-se essa obsessão pela ordem por quase todas
as escolas, mesmo as lassianas.
O EPM não se preocupa em formar um profissional de acordo
com as necessidades locais, mas sim em formar indivíduos que atendam às
suas realidades internas de origem militar.
Interessante ainda é notar que os autores acima citados
referem-se a modelos educacionais europeus que em grande parte vêm sendo
copiados em nosso país, sobretudo o modelo francês que emprega duas linhas
bem distintas de educação, a educação acadêmica e a educação profissional,
que nos últimos tempos viraram alvo de severas críticas dentro da própria
nação, pelos que entendem que se reserva a educação acadêmica à elite e a
educação profissional aos menos favorecidos, outros obstáculos como a
origem social e o capital cultural dos alunos continuam a refletir as
desigualdades sociais. As elites escolares são originárias de grupos
favorecidos e a oferta escolar desigual acentua as desigualdades, não
58
prevalecendo o argumento da eficiência coletiva em favor da igualdade.
(DUBET, 2008, p.43).
Não menos atual é Paulo Freire que em sua última obra,
“Pedagogia da Autonomia” (1996), aborda a questão do modelo neoliberal
globalizado que privilegia o ensino de massa, especialmente a formação de
mão de obra para a produção, deixando muitas vezes de lado os saberes e
práticas do ser humano inserido na sociedade local, em busca de atenderemse interesses meramente financeiros.
Vislumbra-se claramente na pesquisa essa verdade, onde os
trabalhadores são formados para exercer sua tarefa sem preocupações com a
sua cultura local e pessoal.
FREIRE deixa bem exposta sua preocupação com os
problemas que podem advir da globalização, sem que se respeitem às
realidades dos educados, a natureza do ser humano, para que o conteúdo não
seja alheio à sua formação moral.
[...] faz parte da natureza do educador a pesquisa; Respeito aos
saberes dos educandos, propondo que o educador deve discutir a
realidade concreta associando-a a disciplina do conteúdo a ser
ensinado; Criticidade explicando que esta virá a se tornar
curiosidade epistemológica (1996,
p.31)
Aceitando-se o reconhecimento e assunção da identidade
cultural, a prática educativa-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos com os professores
ensaiam a experiência de assumir-se.
FREIRE reconhece que ensinar exige consciência do
inacabamento, Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é
próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Reconhecimento
de ser condicionado Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser
condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além
dele (p.52); Respeito à autonomia do ser do educando, O respeito à autonomia
e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor [...] (p.59).
59
No ensino, se quer o aluno pronto em qualquer fase sem
reconhecer seu estágio de desenvolvimento. Por outro lado, o aluno quer em
cada etapa ter uma formação completa sem se reconhecer carecedor de
conhecimentos. Essa é a principal interferência encontrada nas falas dos
entrevistados.
A fim de sustentar a pesquisa e a partir dos conceitos
analisados, interrogamos os atores do Ensino Profissional Marítimo de Santos professores da rede regular, especialmente do ensino fundamental e médio,
instrutores do Ensino Profissional Marítimo e Trabalhadores Portuários Avulsos
(estivadores, conferentes, vigias de bordo, operários portuários e trabalhadores
de bloco) - para poder auferir as reais necessidades do ensino na sua vida
profissional e social.
Foi feita diretamente a seguinte pergunta aos diversos atores
dessa realidade de ensino:
“Qual a importância da educação formal, tanto o ensino
regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o
exercício das atividades profissionais portuárias?”
O caráter da pergunta visa à criação da interferência na fala
onde o locutor, ao tentar explicar sua fala justifica a fala de outros
interlocutores. Ao negar ou afirmar a importância da educação na sua
formação, a fala, pelo ruído, aponta para outra realidade (como ruído
entendem-se as falas comuns depreendidas das falas diretas).
Dessa pergunta obtiveram-se as seguintes falas:
60
I.N.C. B, professora do ensino fundamental-:
Alunos do regular indo para o cais – profissionais que aprendem
entre si o ensino profissional marítimo”.
O interesse do aluno no ensino elementar é preparar-se no campo
da alfabetização, isto é; saber ler e escrever. Ao sair dessa etapa se
acha capacitado para trabalhar. Obviamente isto não basta e ele
procura se relacionar com os companheiros de trabalho para
aprender novas vivencias; Esses auxílios só são entendidos entre
eles
Pretendendo
novas
orientações
vão
procurar
os
cursos
profissionalizantes, a fim de ampliar o aprendizado. O trabalhador
portuário encontra no ensino profissional marítimo, informações e
treinamento. Porém no dia a dia eles verificam que não sabem ou
pouco sabem para usar.
Chegamos à conclusão que vão continuar a usar o que aprenderam
entre si e que a primeira e a última etapa pouco ou nada valeram.
J.B., professor do ensino regular, fundamental:
Os alunos filhos de trabalhadores avulsos, no passado, tinham o
sonho de seguirem a profissão do pai que demandava pouco estudo.
Bastava iniciar-se no trabalho por meio de parentes, trabalhando
irregularmente como auxiliares ou substituindo os parentes nas suas
referências
(cavalo).
Era
mais
importante
contarem
horas
trabalhadas para obter a “carteira preta” do que o estudo. Viviam seu
mundo à parte, fazendo cursos apenas por obrigação, sem darem
qualquer importância ao aprendizado. Agora, com as novas
tecnologias, encontram dificuldades em absorvê-las pela falta de
estudo e colocam a responsabilidade na escola.
R. O. S, estivador e dirigente sindical:
O ensino formal nos ensina para a vida cotidiana, o ensino marítimo
nos ensina a ser marinheiros, mas no porão do navio, tudo é
diferente [...].
61
P.C.N., estivador:
Estão faltando cursos técnicos, pois as aulas básicas são oferecidas
para nós, mas o básico conseguimos fazer hoje em dia
S.S:, operário portuário:
Tem que ter mais cursos de qualificação. Hoje as aulas são boas,
mas não usamos tudo que eles ensinam. A prática é diferente.
A. M., operário portuário:
Eu fiz as aulas e elas foram fracas. Não adianta nada eles quererem
repetir as aulas da Marinha. Onde está o simulador?
A.S., operário portuário:
Os cursos têm que mudar. As aulas caem nos horários de trabalho.
Ou faço os cursos ou ganho dinheiro trabalhando. Aí, eu trabalho.
J.B, instrutor do Ensino Profissional Marítimo:
Os alunos vêm despreparados do ensino fundamental e médio e
pretendem
obter
todo
o
conhecimento
aqui
(EPM).
Falta
conhecimento de matemática, informática, idiomas (especialmente o
inglês) e os alunos vêm com uma formação e linguajares próprios e
muitas vezes se confundem com a linguagem técnica marítima, daí
surgem os conflitos. Não há como suprir a falta de base em aulas de
ensino profissional.
W.R.R, instrutor do Ensino Profissional Marítimo:
Atualmente o ensino regular está muito deficiente. Os alunos que
possuem o ensino médio muitas vezes não sabem fazer operações
básicas de matemática e tem dificuldades para compreender um
texto mais elaborado. Fica difícil explicar algumas matérias que
dependam desses conhecimentos.
62
Com base nas respostas dos entrevistados, visualiza-se a
possibilidade de se encontrarem pontos em comum a partir dos ruídos obtidos,
além das considerações diretas
Os partícipes, sejam eles trabalhadores, instrutores ou
professores do ensino regular, não estão satisfeitos com os modelos
atualmente apresentados: uns por não verem utilidade na sua vida prática
profissional, outros por se verem frustrados na sua pratica educativa que acaba
tendo pouco proveito na vida de seus alunos e outros ainda se vendo
obrigados a vivenciar conflitos e a demandar esforços maiores pela falta de
adequação do ensino às características da sociedade em que vivem.
Baseado nessas observações, passei a elaborar quadros
polifônicos onde, a partir da resposta espontânea para uma pergunta direta, se
permite observar, o motivo real dessa fala - a polifonia- produto nítido do ruído
de interpretação.
Nos quadros a seguir, baseados nas fontes estudadas,
conseguem-se detectar nitidamente os ruídos, indicando tendências para o
problema da educação profissional dos TPAs.
63
Quadro I: Fala dos trabalhadores portuários avulsos.
Polifonia
Objetivo ou motivo
da fala
Ruído
Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular
(fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o exercício
das atividades profissionais portuárias?”
Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial,
profissional e regular.
“O ensino formal nos ensina
para a vida cotidiana, o
ensino marítimo nos ensina a
ser marinheiros, mas no
porão do navio, tudo é
diferente [...]”.
“Estão
faltando
cursos
técnicos, pois as aulas
básicas são oferecidas para
nós,
mas
o
básico
conseguimos fazer hoje em
dia”.
“Tem que ter mais cursos de
qualificação. Hoje as aulas
são boas, mas não usamos
tudo que eles ensinam. A
prática é diferente.
Eu fiz as aulas e elas foram
fracas. Não adianta nada eles
quererem repetir as aulas da
Marinha.
Onde
está
o
simulador?
Demonstrar
que Tanto a prática como a
está capacitado e educação formal carecem
formado na prática. de complementação.
Demonstrar
capacidade mínima
adquirida tanto na
escola como na
prática.
Reconhece não estar
completamente habilitado
para o exercício de suas
funções.
Apresentar a falta Apresenta sua formação
de
formação deficiente em face a uma
profissional
má educação oficial.
adequada.
Apresentar a falta
de
formação
profissional
adequada.
Fonte: Entrevistas trabalhadores portuários avulsos.
Autoria: Jairo Barbosa Jr.
Apresenta sua formação
deficiente em face a uma
má educação.
64
Na fala dos trabalhadores, a deficiência educacional é um mal
crônico, sendo eles carentes de maior formação profissional. Por outro lado
não existe uma formação educacional que espelhe a realidade da sociedade
em que se inserem.
O currículo do ensino profissional é elaborado, ignorando-se
as necessidades sociais e as características peculiares do trabalho portuário
avulso.
Claro está que o profissional tem o anseio por estudar, mas
vê-se impedido em função de ter que trabalhar em horários e dias variados,
optando sempre pela sua fonte de renda. De forma indireta, o trabalhador é
jogado para a formação não formal, prática e costumeira, aprendendo no dia a
dia sua profissão.
Esse conceito de cultura particular, numa perspectiva
ultraconsensual, é entendido como sistema de atitudes, valores e significados
compartilhados (THOMPSON, 1998, p. 17). Por outro lado um mundo
globalizado impõe outras expectativas, sendo as necessidades e as
expectativas, os componentes constitutivos da “cultura” dos TPAs, o que mais
requereria a atenção atualmente (THOMPSON ibd, p. 22).
65
Quadro II – Fala dos professores do ensino regular fundamental:
Polifonia
Objetivo ou motivo da
fala
Ruído
Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular
(fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o exercício
das atividades profissionais portuárias?”
Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial,
profissional e regular.
“Alunos do regular indo para o cais
– profissionais que aprendem entre
si [...]. O interesse do aluno no
ensino elementar é preparar-se no
campo da alfabetização, isto é:
saber ler e escrever. Ao sair dessa
etapa se acha capacitado para
trabalhar, obviamente isto não
basta e ele procura se relacionar
com os companheiros de trabalho
para aprender novas vivências [...].
Esses auxílios só são entendidos
entre eles. O trabalhador portuário
encontra, no ensino profissional
marítimo,
informações
e
treinamento. Porém no dia a dia
eles verificam que não sabem ou
pouco sabem para usar. Chegamos
à conclusão que vão continuar a
usar o que aprenderam entre si e
que a primeira e a última etapas
pouco ou nada valeram.”
Apresentar a falta
de interesse dos
alunos do ensino
regular
no
aprendizado
do
núcleo comum.
Falta de percepção
da realidade dos
alunos.
Dissociação
do
ensino com a vida
do cidadão.
66
Os alunos filhos de trabalhadores
avulsos, no passado, tinham o
sonho de seguirem a profissão do
pai que demandava pouco estudo.
Bastava iniciar-se no trabalho por
meio de parentes, trabalhando
irregularmente como auxiliares ou
substituindo os parentes nas suas
referências (cavalo). Era mais
importante
contarem
horas
trabalhadas para obter a “carteira
preta” do que o estudo. Viviam seu
mundo à parte, fazendo cursos
apenas por obrigação, sem darem
qualquer
importância
ao
aprendizado. “Agora, com as novas
tecnologias, encontram dificuldades
em absorvê-las pela falta de estudo
e colocam a responsabilidade na
escola.”
Apresentar
como
deficiência a falta
de interesse do
aluno
nas
disciplinas
do
ensino regular.
Fonte: Entrevistas professores da rede pública (fundamental)
Autoria: Jairo Barbosa Jr.
Falta
de
adequação
do
currículo escolar à
realidade
e
necessidade
dos
alunos.
67
Da fala dos educadores extrai-se que há uma dissonância
entre o que se ensina na escola e o que necessita o aluno para a sua vida
cidadã. Mantêm-se o ensino voltado para a sala de aula nos moldes passados,
apesar das novas premissas constitucionais e da LDB que propagam a
necessidade de educação para o trabalho e educação para a cidadania, ou
seja, educação para a vida.
DUBET (2008, p.37) deixa clara a responsabilidade do
professor do ensino regular na educação dos profissionais: A aquisição da
cultura comum deve ser tarefa da escola comum, do colégio, que deveria ser
construído sobre o princípio de diferença, o da cultura comum garantida a
todos [...]. Essa preocupação não é privilégio dos educadores formais mas
também dos instrutores e dos alunos. A manutenção de um sistema educativo
que não atenda às necessidades do ser humano como um todo gera esse tipo
de ruído que acaba em uma fala comum de todos os atores envolvidos.
Não muito distante dessa realidade, está ENGUITA (1989),
que enfoca o doutrinamento escolar, ficando o ensino ou a instrução em
segundo plano.
O senso comum não pode ser desprezado sob pena de se
desprezar o ensino em si: [...] faz parte da natureza do educador [...] respeito
aos saberes dos educandos [...] (FREIRE, 1996, p.33).
68
Quadro III– Fala dos instrutores do Ensino Profissional Marítimo:
Objetivo ou motivo da
Ruído
fala
Polifonia
Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular
(fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo para o exercício
das atividades profissionais portuárias?”
Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial,
profissional e regular.
a
”Os alunos vêm despreparados Mostrar
deficiência
de
do ensino fundamental e médio e
formação
regular
pretendem
obter
todo
o do aluno para um
bom
treinamento
conhecimento aqui (EPM). Falta
profissional.
conhecimento de matemática,
informática,
A
formação
profissional não é
vista como um todo
na
formação
do
aluno.
idiomas
(especialmente o inglês) e os
alunos vêm com uma formação e
linguajares
próprios
vezes
confundem
se
e
muitas
com
a
linguagem técnica marítima, daí
surgem os conflitos. Não há como
suprir a falta de base em aulas de
ensino profissional.”
a
”Atualmente o ensino regular está Mostrar
deficiência
de
muito deficiente. Os alunos que
formação
regular
possuem o ensino médio muitas do aluno para um
bom
treinamento
vezes não sabem fazer operações
profissional
básicas de matemática e tem
dificuldades
para
compreender
um texto mais elaborado. Fica
difícil explicar algumas matérias
que
dependam
desses
conhecimentos.”
Fonte: Entrevistas Instrutores do Ensino Profissional Marítimo
Autoria: Jairo Barbosa Jr.
A
formação
profissional não é
vista como um todo
na
formação
do
aluno
69
A partir das colocações dos instrutores concluí-se que não há
uma visão humana e cidadã na formação profissional, estando inculcados
conceitos e formas de ensino “bancários” onde o ensino anterior ou básico é
dado como de responsabilidade de terceiros e o ensino profissional trata de
transferir conhecimentos obtidos de maneira mecânica. Quem tem o
conhecimento o transmite para os que não o têm, sem se preocupar com a
capacidade de absorção dos conceitos. [...] o educador deve discutir a
realidade concreta associando-a a disciplina do conteúdo a ser ensinado
(FREIRE, 1996, p.33);
Esses instrutores, muito mais cerceados pela formatação de
quase dois séculos de cursos, sentem um total distanciamento dos
trabalhadores que educam. KITZMANN (2009) mostra a dissociação entre a
formação dos profissionais da educação na área portuária e a realidade
encontrada na prática profissional e social.
A formação para a cidadania e para o trabalho ainda não se
encontra plenamente incutida na mente dos profissionais da educação, em que
pesem os ditames constitucionais da LDB e da própria Lei 8630/93.
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Falas diferentes levam a uma mesma observação. Numa
visão administrativa pode ser utilizado o modelo da Hélice Tripla III (Fig. 1),
conceito definido por ETZKOWITZ (2000), que tem como argumento básico a
articulação eficaz entre o governo, a indústria (no caso a indústria portuária
administrada pelo OGMO) e as instituições de ensino, apontando o caminho
para a construção de uma interface sólida entre os atores para que o ensino de
maneira integral flua e produza benefícios à sociedade por meio do aumento da
capacitação dos trabalhadores.
Órgão Gestor
da Mão de
Obra.
Entidades
de Governo
Instituições. de
Ensino
Fig. 1 – Hélice tripla.
Autoria: Jairo Barbosa Jr.
Nesse
modelo,
cabe
ao
governo
a
estruturação
de
mecanismos capazes de articular e estimular as parcerias por meio de políticas
públicas de ensino que promovam as atividades produtivas. Às empresas cabe
procurar criar valor econômico por meio do ensino. Essa deve ser parte
integrante da cultura organizacional, sendo tratada como uma estratégia de
71
negócio. As instituições públicas de ensino, como parte integrante desse
sistema, devem utilizar-se da ciência para a pesquisa e desenvolvimento
voltados à geração de produtos e serviços que satisfaçam aos anseios das
empresas e da sociedade.
A sobreposição das estruturas indica a necessidade da
interação dinâmica e atuação conjunta entre os sujeitos, em que os processos
educativos são intensificados. Esses atores são elementos-chave para o
gerenciamento da atividade educativa e para a criação de ambientes favoráveis
à educação.
A inexistência de um modelo educacional atual, que espelhe a
realidade do dia a dia dos trabalhadores provoca a discrepância encontrada
nas falas dos sujeitos que, no fundo, buscam um mesmo objetivo que é a
formação educacional para o trabalho.
A legislação estudada comporta elementos essenciais para
uma boa formação educacional mas não encontra contrapartida nos elementos
educacionais e sociais envolvidos, sejam eles profissionais, industriais ou
oficiais. Apesar da modernidade da Lei 8630/93, as sociedades educacionais
das cidades portuárias continuaram a utilizar um modelo arcaico sem o
envolvimento eficaz das partes.
As mudanças produtivas, sociais e tecnológicas são um
caminho evolutivo natural e necessário e, dessa forma, a escola agora se torna
mais necessária.
Conclusão semelhante obteve KITSMANN (2009, p.194),
propondo quatro formas de se abordar o problema do EPM: uma proposta
metodológica e três propostas de operacionalização para o caso específico de
inclusão do ensino ambiental que, numa visão mais holística, podem ser
transportados para todo o EPM. No primeiro caso, visando efetivar as
mudanças no currículo, propomos a seqüência diagnóstico
direcionadores
conceitos
integradores
temas
e
critérios
conteúdos
ambientalização curricular, um percurso que deve base nos princípios e
objetivos
da
Educação
Ambiental
e
da
gestão
ambiental,
ambas
contextualizadas para o meio portuário. Por sua vez, as três propostas de
operacionalização (Estratégia de Ambientalização Curricular; Capacitação
Ambiental do Docente Portuário; Sistema de Indicadores de Avaliação
72
Ambiental Portuária – SIAAP), buscam embasar e avaliar a implementação do
currículo ambientalizado. De modo geral, podemos considerar que, dos pontos
negativos identificados no diagnóstico realizado, o que mais preocupa são os
fatores ligados aos professores-instrutores e aos TPAs. Em relação aos
primeiros, há falta de interação e de compromisso mútuo de longo prazo e, por
conseqüência, uma rotatividade que pode afetar os resultados das ações
propostas. Dentre os TPAs, o problema maior é a baixa escolaridade, que pode
excluí-los das oportunidades de participação nos cursos do EPM.
Conclui-se que, em que pesem a moderna constituição federal
e a Lei de diretrizes e bases do ensino - que prestigiam e inserem a educação
no âmbito social - muito há que se caminhar para que se alcancem os objetivos
incutidos nessas leis.
A educação para a cidadania e para o trabalho, anseio de uma
sociedade que tem como princípio fundamental a valorização do trabalho, não
se promove apenas pela letra fria da lei. Precisamos de atitudes efetivas por
parte de todos os atores envolvidos (trabalhadores e suas famílias, governo e
empresas), a fim de que essa evolução social aflore.
Não só o currículo está desligado da realidade do trabalhador
mas também a metodologia de ensino carece de reparos. As novas tecnologias
e formas de administração do porto não estão incorporadas nas atividades do
trabalhador e este tem de aprendê-las por meios próprios, pouco adequados às
velozes mudanças e novidades surgidas diuturnamente.
A educação formal, caminho introdutório para o cidadão a todo
tipo de ensino e de apreensão da cultura, deve incutir a responsabilidade dos
educadores em entender as necessidades de seus educandos e nesses a
entenderem a necessidade de estudar sempre.
Aos alunos é essencial aprender a estudar, a buscar e extrair
do mundo e dos educadores o que lhes é necessário. O valor e o gosto pelo
estudo deixou de ser exercitado sem que alunos ou professores se importem
com isso. Alunos querem uma resposta imediata para suas necessidades e,
das escolas, se espera sempre toda a responsabilidade.
73
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Em: 14 de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor.
Ileusa N. de Castro Barbosa. Professora do ensino fundamental – Local: Rua
Alexandre Herculano, 195, Santos. Em: 15 de outubro de 2009. Entrevistado
pelo autor.
José Barbosa. Professor do ensino fundamental, Instrutor do EPM – Local: Rua
Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 20 de janeiro de 2010. Entrevistado
pelo autor.
P.C.N. TPA estivador –Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 14
de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor.
R.O.S. TPA estivador – Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 14
de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor.
S.S. TPA operário portuário – Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos.
Em: 14 de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor.
Waldemar da Rocha Ramos. Vigia Portuário, Instrutor do EPM –. Local: Rua
Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 20 de janeiro de 2010. Entrevistado
pelo autor.
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ANEXO A
CONVENÇÃO 137
CONVENÇÃO REFERENTE ÀS REPERCUSSÕES SOCIAIS DOS NOVOS
MÉTODOS DE PROCESSAMENTO DE CARGA NOS PORTOS
(Adotada em 25 de junho de 1973 e assinada em 27 de junho de 1973, em
Genebra)
A Conferência-Geral da Organização Internacional do Trabalho,
Convocada pelo Conselho Administrativo da Repartição Internacional do
Trabalho, em Genebra, onde se reuniu em 6 de junho de 1973, em sua
Quinquagésima-Oitava Sessão;
Considerando que os métodos de processamento de carga nos portos se
modificaram e continuam a se modificar – por exemplo, a adoção de unidades
de carga, a introdução de técnicas de transbordo horizontal (roll on/roll off), o
aumento da mecanização e automatização – enquanto que novas tendências
aparecem no fluxo das mercadorias, e que semelhantes modificações deverão
ser ainda mais acentuadas no futuro;
Considerando que essas mudanças, ao acelerarem o transporte da carga e
reduzirem o tempo passado pelos navios nos portos e os custos dos
transportes, podem beneficiar a economia do país interessado, em geral, e
contribuir para elevar o nível de vida;
Considerando que essas mudanças têm também repercussões consideráveis
sobre o nível de emprego nos portos e sobre as condições de trabalho e vida
dos portuários e que medidas deveriam ser adotadas para evitar ou reduzir os
problemas que decorrem das mesmas;
Considerando que os portuários deveriam beneficiar-se das vantagens que
representam os novos métodos de processamento de carga e que, por
conseguinte, o estudo e a introdução desses métodos deveriam ser
acompanhados da elaboração e da adoção de disposições, tendo por
finalidade a melhoria duradoura de sua situação, por meios como a
regularização do emprego, a estabilização da renda e por outras medidas
relativas á condições de vida e de trabalho dos interessados e á segurança e
higiene do trabalho portuário;
Depois de ter resolvido adotar diversas moções relativas ás repercussões
sociais dos novos métodos de processamento de carga nos portos, que
constituem o quinto item da agenda da Sessão;
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Depois de ter resolvido que essas moções tomariam a forma de uma
Convenção internacional, adota, neste vigésimo quinto dia de junho de mil e
novecentos e setenta e três, a Convenção abaixo que será denominada
Convenção sobre o Trabalho Portuário, de 1973.
Artigo 1
1. A Convenção se aplica ás pessoas que trabalham de modo regular como
portuários, e cuja principal fonte de renda anual provém desse trabalho.
2. Para os fins da presente Convenção, as expressões “portuários” e “trabalho
portuário” designam pessoas e atividades definidas como tais pela legislação
ou a prática nacionais. As organizações de empregadores e de trabalhadores
interessadas devem ser consultadas por ocasião da elaboração e da revisão
dessas definições ou serem a ela associadas de qualquer outra maneira;
deverão, outrossim, ser levados em conta os novos métodos de
processamento de carga e suas repercussões sobre as diversas tarefas dos
portuários.
Artigo 2
1. Incumbe á política nacional estimular todos os setores interessados para que
assegurem aos portuários, na medida do possível, um emprego permanente ou
regular.
2. Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda
deve ser assegurado aos portuários, sendo que sua extensão e natureza
dependerão da situação econômica e social do país ou do porto de que se
tratar.
Artigo 3
1. Registros serão estabelecidos e mantidos em dia para todas as categorias
profissionais de portuários na forma determinada pela legislação ou a prática
nacionais.
2. Os portuários matriculados terão prioridade para a obtenção de trabalho nos
portos.
3. Os portuários matriculados deverão estar prontos para trabalhar de acordo
com o que for determinado pela legislação ou a prática nacionais.
Artigo 4
1. Os efetivos dos registros serão periodicamente revistos a fim de fixá-los em
um nível que corresponda às necessidades do porto.
2. Quando uma redução dos efetivos de um registro se tornar necessária, todas
as medidas úteis serão tomadas, com a finalidade de prevenir ou atenuar os
efeitos prejudiciais aos portuários.
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Artigo 5
Para obter dos novos métodos de processamento de carga o máximo de
vantagens sociais, incumbe à política nacional estimular os empregadores ou
suas organizações, por um lado, e as organizações de trabalhadores, por
outro, a cooperarem para a melhoria da eficiência do trabalho nos portos, com
a participação, se for o caso, das autoridades competentes.
Artigo 6
Os Membros farão com que as regras adequadas, referentes à segurança,
higiene, bem-estar e formação profissional dos trabalhadores, sejam aplicadas
aos portuários.
Artigo 7
Exceto nos casos em que forem implementadas mediante convênios coletivos,
sentenças arbitrais ou qualquer outro modo conforme a prática nacional, as
disposições da presente Convenção deverão ser aplicadas pela legislação
nacional.
Artigo 8
As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas ao DiretorGeral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas.
Artigo 9
1. A presente Convenção vinculará apenas os Membros da Organização
Internacional do Trabalho cuja ratificação tenha sido registrada pelo DiretorGeral.
2. A presente Convenção entrará em vigor 12 (doze) meses após terem sido
registradas, pelo Diretor-Geral, as ratificações de dois Membros.
3. Posteriormente, está Convenção entrará em vigor para cada Membro, 12
(doze) meses depois da data em que sua ratificação tiver sido registrada.
Artigo 10
1. Qualquer Membro que tenha ratificado a presente Convenção poderá
denunciá-la, ao expirar um período de 10 (dez) anos após a data de entrada
em vigor inicial da Convenção, mediante um ato comunicado ao Diretor-Geral
da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A denúncia só se
tornará efetiva 1 (um) após ter sido registrada.
2. Qualquer Membro que tenha ratificado a presente Convenção que, no prazo
de 1 (um) ano, após expirar o período de 10 (dez) anos mencionado no
parágrafo anterior, não fizer uso da faculdade de denúncia, prevista pelo
presente Artigo, ficará vinculado por um novo período de 10 (dez) anos e,
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posteriormente, poderá denunciar a presente Convenção ao término de cada
período de dez anos, nas condições previstas no presente Artigo.
Artigo 11
1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a todos os
Membros da Organização Internacional do Trabalho o registro de todas as
ratificações e denúncias que lhe sejam comunicadas pelos Membros da
Organização.
2. Ao notificar os Membros da Organização do registro da segunda ratificação
que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral chamará a atenção dos
Membros da Organização sobre a data na qual a presente Convenção entrará
em vigor.
Artigo 12
O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao
Secretário-Geral das Nações Unidas, para fins de registro, de acordo com o
artigo 102 da Carta das Nações Unidas, informações completas a respeito de
todas as ratificações e atos de denúncia que tiverem sido registrados nos
termos dos artigos precedentes.
Artigo 13
Cada vez que o julgar necessário, o Conselho Administrativo da Repartição
Internacional do Trabalho apresentará à Conferência Geral um relatório sobre a
aplicação da presente Convenção, e examinará a conveniência de inscrever na
agenda da Conferência a questão de sua revisão total ou parcial.
Artigo 14
1. No caso de a Conferência adotar uma nova Convenção, com revisão total ou
parcial da presente, e a menos que a nova Convenção o determine de outra
maneira:
a) a ratificação, por um Membro, da nova Convenção revista acarretará de
pleno direito, não obstante o Artigo 10 acima, denúncia imediata da presente
Convenção, sob reserva de que a nova Convenção revista tenha entrado em
vigor;
b) a partir da data de entrada em vigor da nova Convenção revista, a presente
Convenção deixará de estar aberta á ratificação dos Membros.
2. A presente Convenção permanecerá em todo caso em vigor, em sua forma e
teor, para os Membros que a tiverem ratificado e que não tenham ratificado a
Convenção revista.
Artigo 15 As versões francesa e inglesa do texto da presente Convenção fazem
igualmente fé.
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ANEXO B
Disciplinas e Carga horária do Curso Básico do Trabalhador Portuário –
CBTP
I - CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
..................................................................................................................18h
II - NOÇÕES DE HIGIENE E PRIMEIROS SOCORROS .............................14 h
III - PORTOS E TERMINAIS PORTUÁRIOS................................................ 11 h
IV - SEGURANÇA NO TRABALHO PORTUÁRIO....................................... 14 h
V - PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO............................................. 14 h
VI - NAVIOS E NAVEGAÇÃO MERCANTE.................................................. 13 h
VII - MERCADORIAS, EMBALAGENS E AVARIAS.................................... 17 h
VIII MEIO AMBIENTE.................................................................................. 06 h
CARGA HORÁRIA REAL: ........107 HORAS
ATIVIDADES EXTRA CLASSE.. 08 HORAS
TEMPO DE RESERVA: ..............05 HORAS
CARGA HORÁRIA TOTAL: ......120 HORAS
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O AUTOR:
Jairo Barbosa Jr.
Professor Efetivo do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia de São Paulo (IFSP), Assessor do Núcleo de Inovação Tecnológica
do IFSP (NIT-IFSP), Engenheiro de Produção, Mecânica (FEI), Engenheiro de
Segurança (FEI), Advogado (UNISANTOS), Especialista em Análise de Riscos
Ambientais (UNICAMP), Oficial (2º ten.) do Quadro Complementar da Marinha
de Guerra do Brasil, Instrutor dos Cursos do Ensino Profissional Marítimo
(EPM) de 1989 a 2002.
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Jairo Barbosa