UNIVERSIDADE CATOLICA DE SANTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM EDUCAÇÃO JAIRO BARBOSA JUNIOR EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS DE SANTOS Santos 2 2011 JAIRO BARBOSA JUNIOR EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS DE SANTOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu Mestrado em Educação da Universidade Católica de Santos. Orientadora: Profª. Drª. Maria Apparecida Franco Pereira Santos 3 2011 Dedico esse trabalho, como toda a minha existência, à minha família, em especial à esposa Marsia e aos filhos Leonardo, Eduardo e Guilherme. 4 AGRADECIMENTOS À Prof. Dr.ª Maria Apparecida Franco Pereira, exemplo de orientadora. À Mestra Nilza Maria Barbosa, revisora À grande amiga Ana Maria Poggianni, incansável colaboradora e incentivadora. À minha mãe, colaboradora de sempre. A todos aqueles que de alguma forma desempenham a dura missão da formação profissional. 5 O saber não é nativo, faz-se da experiência, que só amanhece para nós com a madureza dos anos. Rui Barbosa 6 RESUMO. BARBOSA JR., Jairo, 2011. Educação e Formação Profissional dos Trabalhadores Portuários Avulsos de Santos. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Católica de Santos, Santos. A presente dissertação trata do ensino profissional no Porto de Santos, inicialmente criado e mantido por fundo específico da Marinha do Brasil, e sua transformação com a criação da Autoridade Portuária a partir da Lei de Modernização dos Portos, Lei 8630/93. Justifica este estudo a necessidade de avaliar a formação educacional dos trabalhadores portuários avulsos do Porto de Santos de maneira ampla, abrangendo a formação diversificada e continuada que compõe essa fatia da sociedade e sua inserção na realidade educacional. Destaca como objetivos a formação e atualização profissional dos alunos, futuros trabalhadores portuários avulsos e esclarecer a real demanda e os efetivos impactos culturais correlacionados com a atividade portuária. Como referências teóricas destaca ENGUITA (1989) que enfatiza como a escola contribuiu para a formação da mão de obra de massa para o sistema capitalista em ascensão; LIMA (2003) que aponta como a Administração Pública avança fórmulas para a construção de escolas eficazes, devolvendo responsabilidades e encargos sob a defesa de uma gestão centrada na escola e de uma autonomia meramente instrumental, bem como em SEVERINO (2006) que discute os limites da educação escolar na cidade de Santos, no contexto da modernização portuária que incide nas formas educacionais. A metodologia procede de análise documental e pesquisa qualitativa, com entrevistas de sujeitos envolvidos na formação cidadã do trabalho portuário avulso. Os resultados parciais de entrevistas já realizadas apontam para a grande preocupação dos educadores com a formação dos jovens e também da escola, impactados pela legislação atual. Palavras-Chave: Educação Profissional, modernização portuária, educação não formal. 7 ABSTRACT BARBOSA Jr., Jairo, 2011. Education and vocational training of Dockworkers in the port of Santos. Dissertation (MA in education), Universidade Católica de Santos, Santos. This dissertation discussed is a professional education in the port of Santos, created and maintained by fund specific of Brazilian Navy and their transformation with the creation of the Port Authority from the Law for modernization of ports, Law 8630/93. Justifies this study, the need to assess the education of Santos dockworkers, comprehensively covering diverse training that composes this slice of society and their integration into the educational reality. Highlights how objectives training and professional students, future workers in port and to clarify the real demand and actual cultural impacts correlated with port activity. As theoretical references highlights ENGUITA (1989) that emphasizes how the school has contributed to the formation of labor of mass for the capitalist system in Ascension, Lima (2003) indicating how public administration advances formulas for the construction of effective schools, returning responsibilities and charges under the defense of management school and a purely instrumental autonomy, as well as in . SEVERINO (2006) that discusses the boundaries of education in the city of Santos, in the context of modernization port on educational forms. The methodology does documentary and qualitative analysis, through interviews of participants with education oriented training citizen in its relationship with the work of the port. The partial results of interviews already carried out points to the great concern of educators with citizen training of young people and also impacted by the law school today. Keywords: Professional education, port modernization, informal culture. 8 LISTA DE FIGURAS E FOTOS: FOTO 1 – EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS I............................................ 27 FOTO 2 – EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS II........................................... 27 FOTO 3- EMBARQUE DE CAFÉ EM SANTOS III........................................... 30 FOTO 4 – EMBARQUE DE AÇÚCAR EM SANTOS........................................ 30 FIGURA 1 HÉLICE TRIPLA.............................................................................. 70 LISTA DE QUADROS E TABELAS: TABELA 1 – BASE E ASSOCIAÇÃO DOS SINDICATOS ATUAIS.................. 24 TABELA 2 – FUNDAÇÃO DOS SINDICATOS PORTUÁRIOS........................ 29 QUADRO 1 – FALA DOS TRABALHADORES PROTUÁRIOS AVULSOS...... 63 QUADRO 2 – FALA DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL.... 65 QUADRO 3 – FALA DOS INSTRUTORES DO ENSINO PROFISSIONAL...... 68 9 LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária CAP - Conselho de Autoridade Portuária. CBTP - Curso Básico do Trabalhador Portuário. CENEP – Centro de Excelência Na Educação Portuária. CF – Constituição Federal CIPANAVE - Comissão de Investigação e Prevenção dos Acidentes da Navegação CIR – Carteira de Inscrição e Registro CIRM - Comissão Interministerial para os Recursos do Mar CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CTE - Curso de Técnicas de Ensino DPC - Diretoria de Portos e Costas EA – Educação Ambiental EF - Ensino Fundamental EP - Educação Profissional EPM - Ensino Profissional Marítimo ES - Ensino Superior FDEPM - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo HUB PORT – Porto Concentrador de Cargas IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IP- Instrutor Portuário LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação. MEC/SEF - Ministério da Educação / Secretaria de Educação Fundamental MMO - Montante de Mão de Obra NEPM - Normas para o Ensino Profissional Marítimo para Portuários e Atividades Correlatas OGMO - Órgão Gestor de Mão de obra PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais PDZP - Plano de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário PREPOM - Programa do Ensino Profissional Marítimo SEPM - Sistema do Ensino Profissional Marítimo SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica TPAs - Trabalhadores Portuários Avulsos. PNEA – Programa Nacional de Educação Aquaviária SINDAPORT – Sindicato dos Trabalhadores Administrativos em Capatazia. SINDOGEESP – Sindicato dos Operadores em Aparelhos Guindastes, Empilhadeiras, Maquinas e Equipamentos Transportadores de Carga. SINTRAPORT - Sindicato dos Operários Trabalhadores Portuários em Geral 10 SUMÁRIO: INTRODUÇÃO...................................................................................................12 CAPÍTULO I – A ATIVIDADE EDUCATIVA NA CIDADE DE SANTOS E SUA ESTREITA RELAÇÃO COM O TRABALHO PORTUÁRIO. 1.1 As atividades dos trabalhadores portuários avulsos....................................23 1.2 - Paradoxos e desafios da educação numa cidade portuária..................... 25 1.3 – Formação profissional do trabalhador portuário avulso............................35 1.3.1 – Fatores históricos da formação profissional do trabalhador portuário avulso.................................................................................................37 1.3.2 – Evolução dentro das facetas atuais............................................38 CAPÍTULO II – A LEI DE MODERNIZAÇÃO E SUAS INFLUÊNCIAS NO ENSINO PROFISSIONAL PORTUÁRIO. 2.1 - A modernização da mão de obra nos países europeus: o novo modelo de formação de mão de obra..................................................................................41 2.2 - A lei de modernização dos Portos (8630/93) como instrumento de educação...........................................................................................................43 2.3 - A LDB e a nova Constituição.....................................................................47 11 CAPITULO III: A PESQUISA: OS SUJEITOS E SUAS FALAS.......................54 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................70 FONTES E REFERÊNCIAS..............................................................................73 ANEXOS Anexo A Convenção 137 da OIT............................................................79 Anexo B – Disciplinas do Curso Básico do Trabalhador Portuário........83 O AUTOR..........................................................................................................84 12 INTRODUÇÃO: O tema desta pesquisa é a educação profissional dos trabalhadores portuários do porto de Santos e sua relação com a sociedade educativa da cidade e o ensino formal. Em que pese à grande gama de trabalhadores portuários, o estudo focou-se em especial nos trabalhadores portuários avulsos que são os trabalhadores portuários por excelência. Sendo assim, inicialmente, para compreender um pouco melhor as mudanças que ocorreram no Porto de Santos para o trabalhador portuário, consideramos que os trabalhadores portuários podem ser divididos em, pelo menos, três grandes grupos: Os avulsos inscritos no OGMO, que são os Trabalhadores Portuários por excelência; Os trabalhadores da Codesp; Os “celetistas.” (GONÇALVES, 2008, p.111) Justifica-se o presente estudo em função da legislação brasileira, desde o advento da Constituição Federal de 1988 que prevê o ensino e a educação para a cidadania e para a profissão, art. 216. Além da obrigação social prevista na Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação também exige que a educação seja dada para a orientação para o trabalho, art. 27, para a preparação para o trabalho, art. 35 e a exigência da educação profissional e tecnológica articulada com o ensino regular, art. 39 e 40., bem como a educação continuada. Desde o advento do Ensino Profissional Marítimo (EPM), criado e mantido por fundo específico da Marinha do Brasil (então Ministério da Marinha) no início do século XX pouco vem sendo feito para adequar o ensino profissional e o regular às necessidades sociais de cada Cidade. 13 A obrigatoriedade da educação profissional marítima passou por gradual transformação com a criação da autoridade portuária, a partir da lei de modernização dos portos, (8630/93). O sistema portuário brasileiro sofreu profundas transformações com o processo de privatização do espaço e das operações portuárias, concretizadas a partir dessa lei, cujo art. 57 obriga a formação multifuncional dos trabalhadores, tornando obrigatória a capacitação contínua dos trabalhadores portuários, a fim de “adequá-los aos modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a sua produtividade” (KITZMANN, 2000, p.128). O termo multifuncionalidade empregado na legislação prevê a adaptação dos trabalhadores avulsos às novas funções e regras do trabalho em todos os níveis: tecnológico, segurança, administrativo, etc. No prazo de cinco anos contados a partir da publicação desta lei, a prestação de serviços por trabalhadores portuários deve buscar, progressivamente, a multifuncionalidade do trabalho, visando adequá-lo aos modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a sua produtividade. (Lei 8630/93, Art. 57). Apesar de meu entendimento, muitos consideram o termo com mais abrangência, levando ao trabalhador a capacitação para exercer mais do que uma função, que eu reputo inviável pela longa tradição e formação consuetudinária dentro das diversas categorias de Trabalhadores Portuários Avulsos (TPAs). Para que a lei se cumpra integralmente, a educação formal e a capacitação contínua dos TPAs se tornam indispensáveis. Essa Lei transformou a relação entre as atividades e o controle da Marinha no ensino profissional, passando a responsabilidade para a autoridade portuária local, sob o comando do Conselho de Autoridade Portuária, CAP e do Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), visando garantir formação profissional aos seus TPAs. O Conselho de Autoridade Portuária (CAP) tem pela Lei, em seu art. 32, a obrigação de instituir centros de treinamento e formação, enquanto o 14 Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), pelo art. 19, deve promover a formação profissional e o treinamento multifuncional dos trabalhadores portuários. Essas determinações legais são um tanto quanto difíceis de se aplicarem na íntegra, em parte por ser o CAP uma entidade consultiva, sem estrutura administrativa, de caráter sazonal, que se reúne esporadicamente, e dessa forma não tem capacidade de gerenciar um centro de formação. Por outro lado o OGMO é uma entidade patronal que não tem gerência sobre a administração das formas educativas, podendo apenas indicar TPAs para a realização dos cursos. A obrigatoriedade de formação continuada dos TPAs deveria ocorrer também para as escolas públicas das cidades portuárias, entre as quais a cidade de Santos, sendo de iniciativa da Prefeitura Municipal por meio da Secretaria dos Portos a criação do Centro de Excelência na Educação Portuária – CENEP, que, no entanto, não abrange a educação formal. Ainda temos um sistema centralizado e diretivo, no qual a participação dos demais elementos é restrita, havendo pouca retroalimentação a partir da base (os OGMOs) para o topo (a DPC). O princípio “democrático e participativo” da PNEA não está contemplado à medida que o SEPM não dá acesso a todos os TPAs que solicitam ingresso nos cursos. No Brasil existem 27.164 TPAs (segundo levantamento realizado pela DPC em 2004). (KITZMANN, 2009, p.116). A criação do OGMO coloca-o no cenário da educação para o trabalho com a efetiva aplicação da lei 8630/93 em seu propósito educacional. Entretanto, o atual sistema de ensino ainda carece de diretrizes específicas e locais que possam propor políticas e sistemas de ensino que atendam a demanda de uma educação para a cidadania dos TPAs. Cremos que a presente pesquisa se torna bastante oportuna uma vez que pouco há em termos de historiografia ou estudos sobre a temática, sendo que por ocasião da pesquisa foi encontrado apenas um trabalho: a tese de doutoramento KITZMANN, Dione I. S.. “Ambientalização Sistêmica na Gestão e na Educação Ambiental. Estudo de Caso com o Ensino 15 Profissional Marítimo EPM”, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, RS, 2009, obra de grande valia na organização desta dissertação. O tema também se prende à minha história de vida, por ser filho de pai trabalhador portuário, estivador, conferente, dirigente sindical na década de 1960 e também professor e diretor de escola da rede pública, e de mãe professora da rede pública, ambos atuando em escolas com predominância de alunos filhos de TPAs. Freqüentei o Grupo Escolar Auxiliadora da Instrução, fincado no estuário, no Bairro do Macuco, e o Grupo Escolar Cidade de Santos, na época no Bairro do Macuco, atual Embaré, vendo-me desde os primeiros dias de escola em meio a colegas também filhos de portuários e vivenciando uma sociedade singular vivida por TPAs, isolada na própria cidade. O elo comum com o restante da sociedade é a escolarização e a escola deve se familiarizar com o ensino vivenciado pelos alunos através de parentes e amigos. Desde os primeiros momentos, deparei-me com a importância dada pelos alunos ao ensino regular. Alguns com interesses mais próximos aos do restante da sociedade santista, quais sejam, educar-se de forma mais efetiva possível, a fim de galgar destaque nessa sociedade por meio da cultura pessoal. Existiam outros, a maioria nas escolas citadas, com interesses perfeitamente delimitados, herdados ou inculcados pela família, que os levava a instrumentalizar a escola como meio para a inserção no único mercado de trabalho que concebiam: a atividade portuária, sobretudo as atividades dos TPAs avulsos – estivadores, conferentes, vigias, consertadores e trabalho de bloco - onde os ensinamentos comuns à maioria das profissões pouco valiam. Todos os que compartilhavam desses valores que delineavam a “cultura portuária” preferiam ingressar nas atividades laborativas o mais cedo possível. Aprendiam as necessidades do dia a dia com seus parentes e mais antigos de serviço, na maioria das vezes ingressando com cerca de dezoito anos na condição de aprendizes dos pais e irmãos os quais substituíam de forma irregular nos trabalhos menos nobres tais como o “cavalo”, função exercida por trabalhador não registrado, fazendo-se passar pelo registrado. Desse modo, desde jovem, tive meu interesse voltado para essa forma sui generis de educação onde o ensino regular pouco valia, enquanto, em contrapartida, o ensino não formal era de fato a forma mais 16 valorizada e efetiva de instrução para a vida profissional e social. Cria-se uma “sociedade peculiar” com linguagem própria, lideranças, maneiras e modos próprios, ainda que dentro de uma sociedade mais abrangente, no caso específico a sociedade brasileira, em processo de modernização econômica e social. Curiosamente, pode-se observar que a sociedade santista também se modernizava, contudo sem perder a sua tradição de trabalho calcada na manutenção da oralidade como fundamento para o ensino e aprendizagem bem como, na permanência dos usos e costumes familiares e grupais que ainda persistem. Tal ocorre mesmo após o advento da Lei 8630/93, que legisla, entre outras coisas, sobre o ensino continuado dos trabalhadores e a educação para o trabalho portuário. Com o passar dos anos, vendo e admirando as atividades de meus familiares educadores, em especial a de meu pai, que como professor da rede municipal há muitos anos, passou a lecionar no Ensino Profissional Marítimo (EPM) da Marinha Brasileira, tive cada vez mais o interesse voltado para esse tipo tão instigante de educação. Após me formar em engenharia mecânica, ingressei na Marinha do Brasil, Oficial do Quadro do Corpo da Armada onde, dentre outras atividades, ministrava instruções a bordo. Posteriormente comecei a trabalhar como instrutor do Ensino Profissional Marítimo, onde mais de perto passei a ver a necessidade da criação de formas e meios educativos mais efetivos e mais próximos da realidade das atividades portuárias. Durante o período de docência no EPM, acompanhei o desenvolvimento do modelo neoliberal que vem impregnando todo o ensino e organização do trabalho no Brasil. Essa evolução culmina com o surgimento da Lei 8630/93 que altera de forma substancial a forma de trabalho portuário. São especialmente afetados pelo novo modelo os TPAs, pelas novas diretrizes à formação da mão de obra, passando principalmente aos empregadores a obrigação da formação profissional. Por outro lado não há a previsão de se ouvirem os atores envolvidos. Os principais atores dessa atividade educacional são os TPAs e suas formas seculares de transmissão de conhecimentos, mantendo o segmento sócio cultural de portuários em um invólucro cultural isolado. 17 Essas observações e vivências, acompanhadas diretamente ou experimentadas pelos parentes, despertaram-me o interesse no estudo mais apurado da educação dos trabalhadores portuários, a melhor compreensão do processo educativo formal e não formal desses profissionais e os impactos ocorridos nas instituições de ensino da cidade de Santos. Atualmente como professor do Ensino Técnico e Superior no Instituto Federal de Tecnologia (antigo CEFET), tenho observado a necessidade de estudos que esclareçam as diferenças socioculturais dos trabalhadores com vistas a uma integração mais efetiva dos alunos advindos de uma sociedade que efetivamente está impregnada por essa classe numericamente significativa de trabalhadores, a dos trabalhadores portuários avulsos. Dos levantamentos iniciais sobre a temática foram importantes as contribuições dos seguintes pesquisadores: TROMBETTA (2009) que estuda “O Conflito estudo versus trabalho: um estudo de caso sobre educação corporativa on-line”. Pesquisa que contribui, enquanto discute os problemas pessoais na formação profissional, ainda que em outra dimensão, utilizando os mesmos referenciais teóricos desta pesquisa, tais como Paulo Freire, Enguita e Nóvoa, norteando-a no tocante à sociologia da educação. VINHA (2007), com a pesquisa “Tecnologia, trabalho e educação: perspectivas, estratégias e trajetórias dos jovens no mercado de trabalho informacional”, trata da inserção do jovem no trabalho e a relação das novas dinâmicas e técnicas de trabalho com essa inserção, que nem sempre é favorável. E, por outro lado, a flexibilização das formações e a relação instrumental da educação. KITZMANN (2009) estuda a “Ambientalização sistêmica na gestão e na educação ambiental: estudo de caso com o Ensino Profissional Marítimo (EPM)” , trabalho que tem por objetivo propor meios para integrar a Educação Ambiental à capacitação de trabalhadores portuários avulsos através da ambientalização curricular e sistêmica. Esse estudo contribui para uma visão mais pragmática do tema focado no EPM, a necessidade do ensino ambiental na grade curricular e a relação porto-cidade nesse contexto, o que possibilita um direcionamento para a conclusão desta dissertação, a ser completada ou implementada por outros referenciais teóricos. 18 DIÉGUEZ (2007), em sua dissertação estuda a modernização e cultura do trabalho no Porto de Santos, apresentando as formas adquiridas pelo trabalhador portuário avulso, após o processo de modernização, ocorrido em 1993, ano de promulgação da Lei nº 8.630, que rege sobre a reforma portuária brasileira. Trabalho desenvolvido de forma mais linear, com visão sociológica que trata praticamente do mesmo objeto de estudo, fortemente alinhado às nossas observações, utilizando como suporte teórico Tardiff, Bordieu, Thompson e Enguita, assemelhando o momento de transição neoliberal pós lei ao comportamento notado por Weber na comparação da ética protestante. Estuda também as relações de sociabilidade entre os alunos do ensino médio próprias de trabalhadores portuários, assim como linguagem própria, lideranças, maneiras e modos específicos, ainda que dentro de uma sociedade maior, mais abrangente, a sociedade brasileira, em processo de modernização econômica e social. As relações educacionais, cada vez mais complexas, demandam, por parte daqueles que atualmente detêm poderes sobre o ensino (governo federal, OGMO), um conhecimento aprofundado das novas técnicas de produção, movimentação e de administração, do sistema jurídico e da legislação pertinente à área da educação, tendo sempre presente a necessária interdisciplinaridade para a formação multifuncional dos profissionais. Torna-se necessário dotar, tanto os profissionais do porto, carecedores de educação formadora e continuada, como os da educação em todas as fases, do ensino básico ao técnico e superior e da administração - seja ela federal, estadual, municipal ou privada - de uma visão global da formação educacional, oferecendo conhecimentos amplos das doutrinas educacionais e administrativas Foi levantada a contribuição dos autores clássicos que compõem o referencial teórico que sustenta a dissertação, tanto na perspectiva epistemológica que permite a discussão dos aspectos existenciais dos sujeitos envolvidos (THOMPSON, FREIRE, ENGUITA E DUBET); quanto numa perspectiva temática que destaca a especificidade do tema em autores que já se debruçaram sobre a questão na sua articulação com a educação (SEVERINO, ENGUITA, DUBET, KITZMANN). 19 ENGUITA (1989) contribui para a reflexão sobre essa questão com a sua obra: “do Lar à fábrica, passando pela sala de aula: a gênese da escola de massa”. Nesse texto o autor enfatiza o modo como a escola contribuiu para a formação da mão de obra, tão necessária para o sistema capitalista em ascensão nos séculos XVIII e XIX. O autor associa a emergência da escola à necessidade de uma educação formadora de mão de obra para o trabalho. Numa época em que não existia escola, a socialização das crianças ocorria pela participação das mesmas no meio familiar, compartilhando das atividades da vida adulta sem a intervenção sistemática de agentes especializados que representam hoje a escola. Este autor justifica as mediações teóricas para a compreensão da educação no passado que ainda condicionam o presente. O trabalho de ENGUITA (1989) pode ser aplicado para examinar os motivos pelos quais as determinações federais criaram o OGMO, atribuindo-lhe, entre outras tarefas, aquela de gerir a produção do conhecimento escolar direcionado para o trabalho. SEVERINO (2006) discute os limites da educação escolar na cidade de Santos, no contexto da modernização portuária, desencadeada pela lei 8630/93, lei que incide nas instituições escolares desta cidade portuária. LIMA (2008) esclarece como a Administração Pública avança fórmulas para a construção de escolas eficazes, devolvendo responsabilidades e encargos sob uma gestão centrada na escola e de uma autonomia meramente instrumental. THOMPSON, em sua obra “Costumes em Comum” (1991), elabora um painel histórico para esclarecer como se manifestou, na cultura dos trabalhadores do sec. XVIII e parte do XIX, a cultura popular e nela o segmento de trabalhadores, como é produzida na origem de suas práticas cotidianas. As leis e regras que ordenam a vida em comunidade passam a orientar também a vida dos trabalhadores. A contribuição de Thompson é que esclarece o modo como os costumes e as vivências produzem valores que se consolidam pelo senso comum nas práticas populares. Destas práticas, com base no bom senso, derivam as normas jurídicas e direitos sociais que se consolidam no dia a dia dos trabalhadores, inicialmente com base apenas em acordos tácitos verbalizados, ou não, que com o passar do tempo, evoluem para o direito 20 consuetudinário. Entretanto, a transformação das regras populares em Leis demanda tempo de amadurecimento para a sua consolidação. Essa consolidação vai, de acordo com THOMPSON (1998), depender de acordos e pactos tácitos que têm sua justificativa nos benefícios que essas práticas trazem para a vida coletiva. São muito comuns entre os trabalhadores portuários algumas atitudes de solidariedade e compadrio que evoluem para normas comportamentais e que mais tarde impregnam as práticas escolares de seus filhos. Neste caso observa-se a emergência de regras populares, que necessariamente não se transformam em leis, mas que contribuem para a produção de uma peculiar cultura escolar que só é observada em cidades portuárias. Estas acontecem com certa regularidade na comunidade e fazem parte do cotidiano de famílias cujos filhos estão matriculados em escolas públicas. Observa-se nas falas dos entrevistados e seus descendentes regras elaboradas pela comunidade que estão emaranhadas na vida e no imaginário dessas pessoas que as aprovam e conduzem suas vidas a partir delas. THOMPSON (1998) esclarece, em seu trabalho, a necessidade de pesquisas e análises sobre os costumes comuns de um grupo para destacar desses costumes a origem dos valores morais e éticos que fundamentam a emergência histórica do direito consuetudinário. Observandose as mudanças que ocorrem hoje nas lides portuárias e na educação dos jovens, futuros trabalhadores, confirma-se a justeza dessa recomendação de Thompson. Embora a escola de hoje mostre uma faceta diferente da realidade dos trabalhadores portuários (com regras e valores próprios) e currículos determinados por Leis governamentais e que já não fazem parte do contexto social de suas comunidades, é preciso recuperar a memória desta tradição. Na escola não há a discussão ou a reflexão sobre as regras criadas naquele ou para aquele ambiente. A partir deste momento o jovem, por perceber uma regra desnecessária, pode passar a se rebelar contra outras regras que podem ter uma justificativa e serem importantes para o convívio na escola, mas que para ele, perderam o sentido. Se em determinado momento o uso de boné em certos ambientes sociais era desrespeito, agora não é mais. O jovem de certo ponto de vista pode ter razão ao se recusar a retirar o boné, pois essa norma deriva de uma sociabilidade da qual ele nunca fez parte, muito 21 embora, para o professor, essa recusa possa ser absurda e sinal de má educação familiar e rebeldia. Compreende-se que é na escola e também na família o lócus da socialização de acordo com normas do bem viver. As leis devem ser cumpridas e sua aprovação pela sociedade já justifica seu cumprimento. FREIRE, em seu “Pedagogia da Autonomia” (1996), aborda questões do ensino na era neoliberal, onde critica as formas autoritárias de ensino, exigindo o respeito aos saberes dos alunos. Coloca à escola o dever de respeitar os conhecimentos dos educandos, em especial os das classes populares que possuem saberes socialmente construídos, bem como a necessidade de discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos. A comunidade internacional se uniu em 1973 em busca dessas novas metas de ensino na Convenção 137 da OIT que traça, à semelhança da revolução industrial inglesa, novas metas de formação e de educação para os trabalhadores portuários. (anexo A) O objetivo desta pesquisa é refletir sobre a necessidade de revisão e reestruturação dos modelos educacionais vinculados às atividades portuárias atualmente existentes e que se encontram divorciados da produção da cultura escolar e da escola, calcados ainda em modelos do século XIX, em discordância com o currículo escolar seguido na cidade de Santos. Busca indagar sobre a verdadeira vocação das escolas portuárias, do ensino profissional marítimo e sua relação com a sociedade local. Isso se dá a partir dos seus atores, TPAs, professores do ensino regular e professores do EPM, e busca resposta para a pergunta: Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo para o exercício das atividades profissionais portuárias?. Como recurso metodológico a pesquisa realiza levantamento bibliográfico inicial e levantamento documental, composto pela legislação pátria, em especial a LDB e a Lei 8630-93, documentos estatísticos públicos produzidos pelas empresas, órgãos governamentais, gestores ou partícipes da atividade portuária, sindicatos e trabalhadores. Foram realizadas entrevistas com representantes de categorias profissionais, patronais, trabalhadores portuários avulsos de bordo e 22 de terra e seus familiares. As entrevistas abertas foram balizadas por roteiro pré-elaborado com vistas à obtenção dos dados relacionados ao tema tratado. Foram entrevistados dois dirigentes sindicais, quatro trabalhadores dos portos; dois professores do ensino regular e dois instrutores do Ensino Profissional Marítimo, a fim de obter uma visão atual do sistema educacional de Santos, correlacionando-o com a atividade portuária, orientando a linha de ação proposta no projeto inicial. Para melhor compreensão das reais dimensões do problema em questão, num primeiro momento abordaram-se teses e dissertações sobre as mudanças que ocorreram no âmbito do trabalho portuário, a partir da Lei 8630/93 A dissertação divide-se em três capítulos: o primeiro explica as atividades dos TPAs (estivadores, conferentes, vigias, consertadores e bloco) e suas relações com as atividades educativas na cidade de Santos. O segundo capítulo aborda as mudanças sistêmicas no Ensino Profissional Marítimo (EPM) a partir da legislação vigente. O capítulo final busca evidenciar as diversas falas dos atores dos segmentos educacionais, alunos, professores e instrutores e indicar a necessidade de uma interação dinâmica entre as diferentes formas para a criação de um processo educativo específico. 23 CAPÍTULO I – A ATIVIDADE EDUCATIVA NA CIDADE DE SANTOS E SUA ESTREITA RELAÇÃO COM O TRABALHO PORTUÁRIO. 1.1. As atividades dos trabalhadores portuários avulsos (TPAs): Os TPAs são trabalhadores que substituem e complementam a mão de obra de bordo dos navios, não se confundindo com outras categorias portuárias tais como doqueiros, que têm sua atividade em terra com contratação de caráter permanente mas por prazo indeterminado. Os TPAs são avulsos por terem sua contratação vinculada à necessidade momentânea de mão de obra, indo ao porto em busca de trabalho diariamente, sem a certeza de auferirem ganhos. As principais atividades dos TPAs de bordo estão divididas da seguinte forma: Estivadores: principal categoria dentre os TPAs, exercem funções de movimentação de cargas e mercadorias a bordo de navios com a utilização de equipamentos e maquinários do próprio navio ou vindos de terra. Conferentes: verificam a entrada e saída de das cargas movimentadas a bordo pelos estivadores; Vigias de bordo: têm como função anotar a entrada e a saída a bordo dos elementos estranhos à tripulação do navio; Bloco: operam as funções auxiliares dos estivadores, tais como limpeza dos porões e fixação de cargas; Consertadores: auxiliares de estiva com função de reparar avarias provocadas durante a movimentação das cargas. 24 Em que pese algumas dessas categorias estarem se extinguindo, outras se agregaram aos avulsos, como os rodoviários; ou se reforçam com a necessidade sazonal de mão de obra como o que ocorre com os estivadores. Esses trabalhadores ainda se encaixam numa estrutura sindical histórica que, apesar de alterado o papel, convive com uma nova configuração para o trabalho portuário, como pode ser visto na tabela a seguir. (Gonçalves, 2008, P. 110.) Tabela 1 - Base e associação dos sindicatos atuais Sindicato Postos de Total de Sócios ativos Sócios trabalho sócios inativos Estiva 5000 6300 2929 3371 Sintraport 2000 4800 3000 1500 Conferentes 633 633 375 258 Sindaport 1300 4350 1265 1745 Vigias 250 250 210 40 Rodoviários 800 3500 2800 700 Consertadores 146 327 146 174 Sindogeesp 600 1400 600 800 Bloco 392 470 392 400 Subtotal 11121 22030 11717 8988 Settaport 8600 4000 3849 151 Total 19721 26030 15566 9139 Gonçalves, 2008, p.110. Nota-se um universo de quase vinte mil postos de trabalho a serem ocupados por trabalhadores multifuncionais que demandam formação continuada em função das mudanças tecnológicas e administrativas enfrentadas no Porto. A formação para o trabalho não existe diante da falta de cursos técnicos, tecnológicos, etc., ingressando o trabalhador sem qualquer 25 tipo de treinamento, vindo a obter alguma formação profissional dada pela Marinha após o seu ingresso no Curso Básico CBTP (ANEXO B). 1.2-Paradoxos e desafios da educação numa cidade portuária: Ao se desenvolver um estudo sobre o Ensino Profissional no Porto de Santos e sua interrelação com a sociedade e com as escolas de educação regular, faz-se necessário entender o início dessa formação “sui generes”, desde o advento do Ensino Profissional Marítimo. Essa modalidade de ensino foi criada e mantida por fundo específico da Marinha do Brasil (então Ministério da Marinha) Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo – FDEPM, passando por gradual transformação até a criação da Autoridade Portuária a partir da Lei de Modernização dos Portos, 8630/93, que aos poucos vem transformando a relação entre as atividades e controle da Marinha no ensino profissional marítimo, ditando novos currículos a partir das necessidades detectadas com a criação dos Órgãos Gestores de Mão de Obra, em função da efetiva aplicação da referida lei. O atual sistema de Ensino Profissional Marítimo e Portuário ainda carece de diretrizes específicas que possam propiciar sistemas de ensino para a real formação e reciclagem educacional dos TPAs, específicos às suas atividades e capacitadores de mão de obra técnica e superior qualificada, a partir das novas tecnologias, da globalização e da multifuncional idade. [...] O SEPM não conta com espaços de interlocução com os TPAs para a discussão sobre a capacitação oferecida, não propiciando a participação dos mesmos, sendo pouco democrático na tomada de decisão, resultando que não está voltado para os interesses de seu público. Esta situação reflete uma realidade (portuária) em processo de transformação, na qual os TPAs ainda não tomaram consciência da importância da luta para a conquista e ampliação desses espaços educativos [...] (KITZMANN, 2009). 26 A partir desses elementos, a reflexão que subsidia o capítulo pretende questionar a efetividade da participação e do aprendizado que vem sendo imposto ao trabalhador portuário; sua importância na formação dos profissionais já em atividade e dos futuros; bem como a transformação social que o ensino profissional acarreta na sociedade portuária. Por outro lado, por tradição histórica, o núcleo dos trabalhadores portuários, desde o tempo dos grandes descobrimentos, era basicamente formado por homens, de classe social baixa, com pouca ou nenhuma escolaridade que, trazidos como tripulantes dos navios, acabavam sendo deixados nos portos por serem preteridos a bordo pelos motivos mais diversos (de doenças a falta de utilidade). Passam a formar uma mão de obra avulsa que trabalhava no auxílio dos embarcados (tripulação de bordo permanente) sempre que necessário. Agindo à base do empirismo e do imediatismo das funções, sem qualquer tipo de treinamento específico ou formação educacional, na maioria das vezes tem como único requisito a força física. Entre os documentos exigidos para o trabalho no porto estava o atestado de robustez emitido pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva. A mão de obra na estiva das embarcações [...] só poderá ser executada por operários estivadores [...], de preferência sindicalizados, devidamente matriculados nas Capitanias dos Portos ou em suas Delegacias ou Agências [...] § 1º Para essa matrícula, além de outros, são requisitos essenciais: 1) Prova de idade entre 21 e 40 anos; 2) Atestado de vacinação; 3) Atestado de robustez física pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva; 4) Folha corrida; 5) Quitação com o Serviço Militar, quando se tratar de brasileiro nato ou naturalizado. (CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, art.257, Revogado pela Lei nº 8.630, de 25.2.1993) 27 O atrativo da força física para o trabalho, em detrimento de outras capacidades, se exemplifica com imagens da época. Foto 1 - Embarque de café em Santos I - início do sec. XX. Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10 nov.2010. Foto 2 - Embarque de café em Santos II - início do sec. XX. Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10 nov.2010. 28 As fotos anteriores, tiradas no início do século XX, representam TPAs (estivadores) carregando navio com sacos de café e, por si só, demonstram a necessidade de força física para o exercício da atividade A primeira grande mudança na realidade do comércio marítimo iniciou-se no final do século XIX com a criação dos navios movidos a vapor. Primeiro vieram os vapores combinados com velas, logo a seguir vapor puro e a o grande boom dos navios com turbinas a vapor (tipo de propulsão existente até os dias de hoje), tudo isso num curtíssimo espaço de tempo, quando não concomitantemente. Surgiu então a necessidade de treinamento e capacitação de uma reserva de profissionais de terra (oriundos ainda, na sua maioria de bordo), a fim de que os profissionais pudessem operar as máquinas de bordo, livrando os embarcados dessa faina, quer por terem atividades mais importantes a executar quer pela redução natural das tripulações em função da modernização. No início, tratava-se o trabalhador portuário da mesma forma que o embarcado, possuindo Carteira de Registro Marítimo (CIR) expedida por órgão da Marinha, com funções especificadas, passando a Marinha a ministrar instrução e treinamento nas novas fainas e funções profissionais em concomitância com os cursos oferecidos aos trabalhadores embarcados Esse período durou até as primeiras décadas do século passado, quando da criação dos Sindicatos profissionais de trabalhadores portuários avulsos. Iniciou-se a distinção dos trabalhadores embarcados com os trabalhadores avulsos e de terra, inaugurando-se um novo período onde a formação profissional passou a ser administrada pela Marinha do Brasil através da divisão do Ensino Profissional Marítimo da Diretoria de Ensino. A tabela da página seguinte, compilada de Gonçalves, 2008, P. 46, mostra a cronologia da criação dos sindicatos de avulsos no Porto de Santos, originando a nova sistemática profissional e por conseqüência de ensino que viria a ser adotada pela Marinha. 29 Tabela 2 - Fundação dos Sindicatos Portuários SINDICATO DATA DE FUNDAÇÃO ESTIVADORES 01/12/1930 OPERÁRIOS PORTUÁRIOS 14/03/1931 CONFERENTES 18/12/1932 TRABALHADORES 14/05/1933 ADMINISTRATIVOS VIGIAS 22/08/1938 RODOVIÁRIOS 28/05/1939 EMPREGADOS TERRESTRES 05/07/1939 CONSERTADORES 07/08/1950 OPERADORES DE GUINDASTE 08/06/1964 BLOCO 31/03/1979 Gonçalves, 2008, p. 46. Uma única diretriz para todo o país vigorou até pouco depois da Constituição de 1988 que deu novos contornos às atribuições das Forças Armadas, criando a Marinha o SEPM – Sistema de Ensino Profissional MARÍTIMO como órgão capaz de administrar o ensino portuário. A Lei 8630/93 determinou serem as autoridades portuárias (aqui Companhia Docas de Santos atual Autoridade Portuária de Santos) juntamente com os OGMOs os responsáveis pela administração e implementação do Ensino Profissional Marítimo (EPM). Essa última situação se deu durante uma nova e profunda mudança no trabalho portuário, produzida pelas novas tecnologias que reduziram ainda mais drasticamente o número de tripulantes a bordo dos navios, juntamente com o uso em grande escala dos contêineres que trouxeram uma verdadeira revolução na forma de trabalho portuário, remanescendo poucos serviços a serem executados da forma tradicional. 30 FOTO 3 - Embarque de café em Santos III - início do sec. XX. Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10 nov.2010. Na foto acima, da década de 1930, o embarque de café feito por TPAs (estivadores), pouco se diferencia da foto abaixo, de 2002, que mostra o embarque de açúcar com o TPA sobre a pilha de sacos, formando manualmente a distribuição dos volumes, demonstrando que, como afirmado anteriormente, ainda subsistem as formas tradicionais de movimentação de cargas. FOTO 4 - - Embarque de açúcar em Santos, início do sec. XXI. Fonte: HTTP:/www.google.com.br/imagens. Acesso em: 10 nov.2010. 31 Mesmo com a continuidade de certos tipos de trabalhos arcaicos, surge a necessidade cada vez maior da formação profissional e intelectual dos trabalhadores portuários, substituindo-se drasticamente a força física pela capacitação profissional e técnica que necessita ser contínua e abrangente, tanto na formação futura como na atualização dos profissionais às constantes mudanças das técnicas produtivas. O choque cultural inicial transformou-se em choque educacional e social, alterando por completo a relação do trabalhador portuário com a sociedade que o envolve. Urge agora a necessidade de educar-se como um todo, desde o ensino fundamental até o técnico e superior, crescendo a demanda sócio-cultural sobre todos os sistemas educacionais das cidades portuárias. Nesse sentido KITZMANN (2009, p. 119) também aponta as necessidades interdisciplinares e sociais, afirmando que as características das disciplinas do SEPM (técnicas e operacionais) dificultam a integração de conteúdos e a superação do modelo linear disciplinar de currículo, ao justaporem as disciplinas arbitrariamente, o que a interdisciplinaridade poderia superar. Nos cursos do SEPM há pouco sentido em interligar conhecimentos técnicos muito específicos, embora as muitos dos trabalhos a serem realizados possam demandar competências compartilhadas - as denominadas competências cognitivas - comuns a vários empregos ou atividades, também chamadas de competências transversais. Enquanto a interdisciplinaridade fica dificultada pelas características peculiares de cada curso, a integração dos temas transversais – ética, saúde, orientação sexual, meio ambiente, trabalho e consumo, pluralidade cultural – por trazerem questões sociais urgentes, é perfeitamente possível e necessária. A Educação escolar em cidades portuárias brasileiras oscila entre duas ordens curriculares: de um lado obedece às determinações curriculares governamentais aplicadas no ensino básico e médio, e de outro obedece também à especificidade de um ensino profissionalizante voltado para as atividades portuárias, proposto pela Marinha, tal como o Curso Básico de Trabalhador Portuário (CBTP), (Anexo B). 32 Assim, as escolas localizadas nessas regiões revelam certa ambigüidade no âmbito de seus conteúdos, bem como na política de gestão administrativa. A partir da implementação da economia globalizada, do modelo neoliberal de desenvolvimento e da modernização dos portos, as escolas localizadas em regiões de influência portuária são impactadas pelas novas modalidades de trabalho, decorrentes da inserção de novos elementos tecnológicos. A ambigüidade dos conteúdos curriculares evidencia-se, exigindo o mapeamento das condições objetivas desses espaços escolares que vão perdendo sua identidade originária. Por um lado, a educação escolar, com forte influência da cultura comunitária nas suas formas de ensino e aprendizagem, vai pouco a pouco perdendo esta conotação e seus vínculos comunitários e de outro lado ela não recebe novos conteúdos que possam preencher essa lacuna. O que se observa inicialmente é que ainda não há, nesses espaços de ensino formal, uma educação especifica para a capacitação do novo cidadão, ao mesmo tempo em que se deixa de utilizar a forma empírica de ensino aplicada à formação de jovens para o mercado de trabalho portuário. Torna-se necessária uma educação atualizada, com maior e efetiva integração entre o ensino formal de todos os níveis, sobretudo o técnico, e a preparação do jovem para o ingresso efetivo no mercado de trabalho. Eliminado ou reduzido o aprendizado por observação e empírico que ainda subsiste, surgem os choques culturais devido à resistência dos atuais profissionais em aceitar mudanças a partir dos jovens e seus núcleos familiares. Em suas observações KITZMANN (2009, p.120) aponta pontos positivos e negativos desse tipo de educação peculiar: 1 - Além deste contexto particular restritivo, a perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade ainda está em debate e com poucas experiências práticas em outros sistemas educativos, como o sistema escolar formal. 2 - A centralização da gestão do SEPM está relacionada com o conceito explicitado por L. von Bertalanffy (1977), sobre um sistema se organizar de modo que uma alteração mínima em qualquer de suas partes (“parte dirigente” ou “disparador”), provocará alterações muito maiores no sistema como um todo. 3 - Uma facilidade para o SEPM operacionalizar mudanças é a sua organização em rede nacional (sistema de capacitação estruturado em 25 portos). 33 Assim, abre-se espaço para dar voz aos sujeitos em foco nesta dissertação, tanto para aqueles que já vivenciaram as relações de ensino e aprendizagem relacionadas à profissionalização do trabalho portuário, em passado não muito distante, quanto àqueles que hoje buscam no ensino técnico a sua formação para o mercado de trabalho. Ao se ouvirem os atores, observa-se um nítido ruído na interlocução onde o principal tema é a deficiência na formação técnica, profissional e cidadã dos trabalhadores portuários avulsos. A fala de um importante dirigente sindical, R.O. S, filho e neto de estivadores, denota essa dissonância: Os trabalhadores de Santos aprendem a lidar com os equipamentos usados pelos terminais na base da raça, sem nenhum preparo. Claro está que, se existem cursos e os trabalhadores continuam aprendendo “na raça”, o currículo proposto pelo SEPM não atende à necessidade de formação. Por outro lado, tão pouco estão satisfeitos os instrutores do SEPM como vemos em trechos da fala de J.B., instrutor: Os alunos vem despreparados do ensino fundamental e médio e pretendem obter todo o conhecimento aqui (EPM). Os professores do ensino regular denotam deficiências peculiares aos alunos oriundos de núcleos familiares de TPAs, como o dito por J.B.J: Os alunos filhos de trabalhadores avulsos, no passado, tinham o sonho de seguirem a profissão do pai que demandava pouco estudo [...] Era mais importante contarem horas trabalhadas para obter a “carteira preta” do que o estudo. Viviam seu mundo à parte, fazendo cursos apenas por obrigação, sem darem qualquer importância ao aprendizado. 34 Não se pode atribuir as deficiências de formação exclusivamente ao SEPM ou ao ensino regular, tendo em vista que tanto instrutores como professores apontam a falta de uma formação abrangente, a formação cidadã pregada no art. 205 da Constituição Federal (CF). A cultura comum não pode ser desprezada no ensino, sob pena de uma educação incompleta, o que vemos claramente na fala dos atores. Os costumes incorporam muitos dos sentidos incluídos no conceito de cultura, (THOMPSON, 1991, p.15) e a negação do acesso à educação não dá outra opção aos TPAs, se não a de recorrer à transmissão oral, com sua pesada carga de costumes. Deve-se ter em conta que ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural da sociedade na qual se está inserida, (FREIRE, 1998, p.41). Por ser cidade cosmopolita debruçada sobre o estuário, com características topográficas únicas que propiciaram a divisão da população de acordo com suas atividades laborais, também ocorreu tal divisão na criação de escolas. Aquelas próximas às regiões habitadas por trabalhadores portuários desenvolveram características únicas, voltadas a esses trabalhadores e seus filhos adquiriram de forma direta ou indireta a sua vocação portuária. Citamos como exemplos de escolas com forte vocação para o ensino de futuros trabalhadores portuários a “Auxiliadora da Instrução”, localizada no coração do bairro do Macuco, com visão direta do cais santista e tendo como corpo discente, quase que exclusivamente, filhos de trabalhadores portuários e a escola “Cidade de Santos”, que também se localizava na região do Bairro do Macuco. Além dessas escolas públicas, outras surgiram com vocação exclusiva tais como a Escola Docas, que, como o nome já o diz destinava-se principalmente para os filhos de “doqueiros” e o Colégio Modelo, criado e mantido pelo Sindicato dos Estivadores, também com objetivo de atender aos filhos daquela classe de trabalhadores. Logicamente, sem desprezar a influência do porto existente nas outras escolas, públicas ou não, nítida é a vocação portuária dessas escolas do ensino regular, não podendo ser desprezados o costume e a cultura 35 comum dessa população e, como sugere FREIRE (1996), devem as escolas e os educadores estabelecer novas relações e condições de educabilidade entre si com respeito e rigor. 1.3 – Formação profissional do trabalhador portuário avulso: Ao pesquisar o tema do ponto de vista do trabalho do educador formal que militou junto às categorias portuárias e seus filhos, encontramos a fala característica e altamente indicadora de uma professora do ensino fundamental (primário) das décadas de1960 a 1980, lecionando nas escolas mais significativas da região portuária - “Auxiliadora da Instrução’ e “Cidade de Santos” - que vivenciou várias facetas do ensino”. Vejamos o que diz essa professora (I.N.C.B. – 2009.): Alunos do regular indo para o cais – profissionais que aprendem entre si – o ensino profissional marítimo. O interesse do aluno no ensino elementar é preparar-se no campo da alfabetização isto é; saber ler e escrever. Ao sair dessa etapa se acha capacitado para trabalhar,obviamente isto não basta e ele procura se relacionar com os companheiros de trabalho para aprender novas vivencias ;Esses auxílios só são entendidos entre eles. Pretendendo novas orientações vão procurar os cursos profissionalizantes a fim de ampliar o aprendizado. O trabalhador portuário encontra no ensino profissional marítimo, informações e treinamento, porém no dia a dia eles verificam que não sabem ou pouco sabem para usar “Chegamos à conclusão que vão continuar a usar o que aprenderam entre si e que a primeira e a última etapa pouco ou nada valeram. Claro está que o ensino formal apenas serve de valia enquanto alfabetizador; o ensino profissional é defasado em relação às necessidades do dia a dia e a mais valia do ensino reside sob a forma de ensino de pai para filho. 36 A cultura também pode ser vista como um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o ensino escrito e o oral (THOMPSON, 1995, p. 17). Nos anos de ensino profissional, sempre deparamos com a relutância dos trabalhadores portuários em aprenderem algo que não o ensinado pelos colegas; o idioma é adulterado não como um linguajar próprio, mas sim como foi repassado de uns aos outros; as formas de trabalhar fogem ao corriqueiro do mundo externo e passam a ter conceitos próprios, sendo ponto de honra a sobrevida a acidentes e assim por diante. Nas palavras de um aluno de curso técnico que por alguns anos se firmou como dirigente sindical de uma das principais categorias de portuários, podemos inferir toda a estrutura do aprendizado (R.O.S. – 2009): O ensino formal nos ensina para a vida cotidiana, o ensino marítimo nos ensina a ser marinheiros, mas, no porão do navio, tudo é diferente [...]. Não há qualquer correlação entre as atividades educacionais e a profissão. Pior do que isso, os trabalhadores não conseguem vislumbrar qualquer utilidade no ensino formal, seja ele regular ou técnico, isso vindo a provocar o engessamento da evolução das atividades por conta da demora na aceitação de novos conceitos e novas técnicas. Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação (FREIRE, 1996, p. 35), o que tem difícil assimilação das partes envolvidas, professores, instrutores e alunos. A formação profissional dos TPAs ainda se dá somente após a entrada deles nas atividades, sendo convocado a fazer inicialmente o Curso Básico de Trabalhador Portuário (CBTP), cujo currículo é determinado pelo Ensino Profissional Marítimo (EPM), (Anexo B), pré-requisito para a realização de outros cursos, mas não para o exercício das atividades profissionais. As diretrizes de formação emanam da Marinha do Brasil e a formação específica não habilita o profissional que normalmente já exerce a função, levando-o ao desinteresse pelos cursos. 37 1.3.1 – Fatores históricos da formação profissional Portuária. Como anteriormente afirmado, a grande maioria dos trabalhadores portuários avulsos, desde as primeiras grandes navegações, era de homens de classe social baixa, que viriam a ser deixados à própria sorte após serem abandonados dos navios que tripulavam. Sua formação básica era empírica e tinha como principal atrativo a força e a resistência física sem nenhum treinamento mais elaborado. Com o advento do vapor, no final do século XIX, surgiu a necessidade do treinamento do pessoal remanescente em terra a fim de serem atendidas às necessidades de bordo. O trabalhador portuário avulso era tratado da mesma forma que o embarcado, sendo a Marinha o órgão responsável em ministrar cursos e treinamento nas novas fainas e funções profissionais em concomitância com os cursos oferecidos aos trabalhadores de bordo. Esse período durou até as primeiras décadas do século passado, quando mudanças sociais com a criação dos sindicatos profissionais de trabalhadores portuários possibilitaram a distinção entre trabalhadores embarcados e trabalhadores avulsos e de terra. Iniciou-se um novo período de formação profissional ainda administrado integralmente pela Marinha do Brasil, através da divisão do Ensino Profissional Marítimo (EPM) com uma única diretriz para todo o país. A nova Constituição Federal alterou esse processo que se completou com a lei 8630/93 que determinou serem as Autoridades Portuárias juntamente com o OGMO, responsáveis pela administração e implementação do ensino profissional marítimo, como já referido. 38 1.3.2 - Evolução dentro das facetas atuais: Paralelamente aos acontecimentos na sociedade brasileira em geral, pode-se observar que a sociedade santista também se modernizava, contudo, sem perder a sua tradição laboral, calcada na manutenção da oralidade como fundamento para o ensino e aprendizagem bem como, na manutenção dos usos e costumes familiares e grupais que persistem. Isso vem ocorrendo mesmo após a referida Lei 8630/93 que, entre outras coisas, legisla sobre a modernização do ensino profissional e público nas cidades portuárias e da educação para o trabalho portuário multifuncional. Com o surgimento dos novos modelos de desenvolvimento econômico e cultural, logicamente surgem modificações curriculares no ensino regular, bem como na organização do trabalho de modo geral em todo o Brasil. Todavia nas cidades portuárias a Lei 8630/93 altera de maneira substancial a forma de ensino e formação profissional, em particular no tocante ao trabalho portuário. As novas diretrizes de formação de mão de obra incidem especialmente sobre aquelas referidas aos trabalhadores avulsos. Sem considerar os trabalhadores e suas formas seculares de transmissão de conhecimentos, passa-se aos empregadores a obrigação na formação profissional. Além disso, ocorrem mudanças substantivas também no interior das escolas que atendem os filhos dos trabalhadores. Como conseqüência, a sociedade santista passa a virar as costas ao seu porto e o segmento de trabalhadores portuários isola-se em um invólucro cultural com práticas cotidianas bastante peculiares. Assim, em decorrência da implementação da Lei 8630/93, mudanças significativas ocorrem na escola e nas relações interpessoais de trabalho e de vida familiar dos portuários. Tais mudanças incidem na demanda por educação regular para os filhos dos trabalhadores, sejam eles portuários ou não. Se por um lado os gestores portuários preocupam-se com a efetiva formação e reciclagem educacional dos trabalhadores do Porto, levando em 39 conta os processos de globalização, bem como as novas tecnologias e a multifuncionalidade, por outro lado, os trabalhadores demandam por uma educação cidadã para seus filhos em escolas regulares. Eles que, historicamente, também são capazes de formar e capacitar mão de obra técnica qualificada e passaram a ver-se impedidos dessa atividade de transmissão do conhecimento profissional de pai para filho. Com a chegada do OGMO por força legal, centralizam-se neste órgão as demandas de trabalhadores por educação e, por extensão, por educação profissionalizante dos jovens aptos ao mercado de trabalho. Insinuase aqui o conflito latente entre Cidade e Porto, conflito inexistente quando as relações portuárias são analisadas apenas sob o ângulo das suas relações de trabalho. Se, por um lado, pela ótica dos Gestores e também dos portuários, há uma relação de reciprocidade e cooperação entre OGMO e trabalhadores, por outro, quando se trata da escolarização dos filhos desses mesmos trabalhadores, certa tensão, descontentamento e preocupação se manifestam. O solapamento da produção da cultura portuária e reconstrução simultânea da mesma é uma realidade que pode ser observada desde o início da implementação da Lei 8630. Basta percorrer os antigos estabelecimentos onde funcionavam as escolas para os filhos de trabalhadores do Porto ou conversar com as famílias de antigos portuários, que guardam com muito carinho a memória das práticas escolares. Santos, como cidade Portuária, sofreu o desgaste educacional. O fato de o jovem trabalhar desde pequeno tem grande influência no momento de sua educação regular e formal, modificando e atribuindo peculiaridades de elementos culturais próprios da vida portuária na etapa educacional. Como há necessidade de dinheiro para a sobrevivência e sem incentivo casa-escola, pois ainda hoje algumas famílias consideram a formação recebida pela transmissão oral mais importante, o aluno abandona a escola. Neste processo a informação é fundamental para a inserção do jovem no universo escolar e efetiva participação. Alunos filhos de analfabetos, não têm estímulo para freqüentar a escola. Trabalhadores portuários (estivadores, conferentes de carga/ descarga, consertadores etc.) recebem salários altos, incompatíveis com o seu nível educacional. Criaram um mito, salvo raras exceções, de que não 40 havia necessidade de estudar e sim preparar-se bem cedo para trabalhar no cais. O fato de receberem diariamente também prejudicava, pois alguns, principalmente os viciados em drogas e álcool, já chegavam a casa sem dinheiro. 41 CAPÍTULO II – A LEI DE MODERNIZAÇÃO E SUAS INFLUÊNCIAS NO ENSINO PROFISSIONAL PORTUÁRIO. Este capítulo tem por objetivo explicar as transformações no trabalho, ensino e sociedade portuária promovidas pelas alterações estruturais advindas da modernização tecnológica, da globalização e do modelo neoliberal em voga, incutidas na Lei 8630-83. Baseia-se fundamentalmente nos autores, Francisco Vicente A. FERREIRA (1994), Alcindo GONÇALVES, (1995), e, Dione Iara Silveira KITZMANN (2009). 2.1- A modernização da mão de obra nos países europeus, o novo modelo de formação de mão de obra. A influência neoliberal e internacional na criação dessa lei - de importância fundamental no ensino e na educação formal e profissional a ser aplicada nas cidades portuárias - tem sua origem na Convenção 137 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Anexo A). Ela foi convocada pelo Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho em Genebra, onde os membros da OIT, em junho de 1973, discutiram exclusivamente as questões portuárias. Os principais pontos que a motivaram foram: a mudança nos métodos de processamento de cargas, com a adoção das unidades de cargas; técnicas de transbordo horizontal; aumento da mecanização e automação do fluxo comercial e expansão mundial das trocas de mercadorias, que vinham formando um paradoxo na relação capital-trabalho, diminuindo a necessidade 42 de mão de obra braçal com a conseqüente demanda intensa de mão de obra qualificada, inexistente e carente de recursos educacionais que possibilitassem a compreensão dos novos métodos de trabalho, (Ferreira, 1994, p.16). Essa Convenção - ratificada pelo Brasil apenas em agosto de 1995 - propiciou aos países membros a criação e formação de legislação específica, com foco na educação formal dos trabalhadores portuários, sobretudo aqueles advindos de regiões de vocação portuária, sendo os portos europeus pioneiros na criação de legislação específica, especialmente os portos espanhóis que criaram legislação que propiciou o desenvolvimento da Lei 8630 a seu molde, respeitadas as peculiaridades do nosso país, em especial as do porto de Santos. Nosso porto tinha até então características muito semelhantes às do porto de Barcelona, tanto na formação profissional como na sociedade local envolvida intimamente nas atividades portuárias (constatação do autor). Experimentou o mundo uma nova “revolução industrial”, agora tocada em função do aumento vertiginoso das trocas de mercadorias e das mudanças drásticas nas formas de transporte marítimo. Incorporaram-se ao trabalho e à mão de obra portuária, tecnologias e métodos de trabalho completamente desconhecidos, trazendo-se um componente importante até então inexistente: o aprimoramento intelectual se sobrepondo à força física. Além da substituição da força física pelo intelecto, conceitos de cidadania e sociais até então longe das atividades portuárias, onde prevalecia a “lei do mais forte”, passaram a conviver com os conceitos antigos. Aliadas essas mudanças à unificação européia, formou-se a alavanca para a criação de legislação específica nas regiões com vocação portuária, de forma a dar-se o mesmo tipo de formação técnica a todos os trabalhadores. Assim evitou-se a desestruturação social em um primeiro momento e a conseqüente migração de mão de obra mais instruída para onde assim o desejassem e menos instruída para onde fosse preciso. Diante dessa preocupação com os movimentos migratórios internos, criaram-se legislações de organização dos portos europeus, em Portugal, na França, Alemanha, Suécia e demais países com estrutura portuária. A nova organização portuária criou o conceito de porto concentrador (hub port), rota central entre grandes centros de comércio, sendo o porto de 43 Santos o único “Hub Port” da América do Sul. Inicialmente o porto concentrador de Barcelona viria a formar ponte continental com o porto concentrador de Roterdâ, esse último já organizado dentro de um novo modelo respeitando as novas mudanças tecnológicas e sociais, e o seu contraponto espanhol, carecedor de formação de mão de obra. Dessa forma a legislação espanhola foi pródiga em impor modelos educacionais para a formação do novo trabalhador portuário, aplicando-lhe formação “multifuncional”, ensino de novas tecnologias, notadamente a tecnologia da informação e outros conceitos de trabalho e produção que surgem diuturnamente em função dos avanços tecnológicos. Tendo como ponto de partida a Convenção 137, que, por si, iniciou-se superada pela tecnologia, todo o continente europeu - exceção ao Reino Unido que manteve seu modelo consuetudinário - implementou legislação com vistas à educação para o trabalho portuário. Essa legislação estrangeira serviu como paradigma para a nossa, sendo a lei 8630-93 modelada a partir da legislação de Barcelona, com forte viés educacional e notadamente voltada para a educação profissional (Anexo A). 2.2- A lei de modernização dos Portos (8630/93) como instrumento de educação: O projeto de lei nº 8 (PL8), origem da lei de modernização dos portos, Lei 8630-93, desde seu inicio tinha como objetivo primordial a transformação das relações de trabalho e de funções dos trabalhadores portuários em vista das novas técnicas dispostas, tais como a forte implementação da utilização de contêineres e a possibilidade de utilização de equipamentos informatizados colocados à disposição corriqueira dos trabalhadores. A rápida evolução técnica dos equipamentos de movimentação de carga e os novos conceitos de logística portuária herdados da experiência militar, além de alterarem totalmente a configuração dos navios e dos portos, mudaram substancialmente as atividades dos trabalhadores portuários, tanto de bordo como de terra. Essa mudança, em alguns casos, limitou ou mesmo extinguiu a necessidade de algumas funções - é patente à obsolescência das 44 funções de consertadores, vigias e conferentes de bordo – ou, quando não extinguiu as funções, as reduziu ou as alterou substancialmente, tornando necessária a interposição destas e a incorporação de novos conhecimentos (notadamente da informática) em quase todas as atividades profissionais portuárias (FERREIRA, 1994, p. 23). Marcadamente o desenvolvimento social e cultural de Santos proveio das mudanças ocorridas nas atividades portuárias. As idéias de liberdade, autonomia, transformação social e inconformismo sempre fizeram parte da base da cultura local (GONÇALVES, 1995, p. 21 e 33). Em seu corpo a lei determina e cita a responsabilidade e a necessidade de treinamento específico de mão de obra pelos empresários e seus prepostos: Art. 18. Os operadores portuários devem constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário, tendo como finalidade: [...] III - promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro; [...] Art. 19. Compete ao órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário avulso: [...] II - promover a formação profissional e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário, bem assim programas de realocação e de incentivo ao cancelamento do registro e de antecipação de aposentadoria; [...] O Órgão Patronal, chamado pela lei de OGMO, tem como uma das suas principais obrigações o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário e, mais que isso, tem a obrigação de promover um treinamento “multifuncional”, visando à extinção sem traumas das categorias menos aculturadas pela educação formal. Criariam-se novas classes de trabalhadores capazes de entenderem e enfrentarem os novos desafios tecnológicos que não podem ser transmitidos pela educação patriarcal, (Kitzmann, 2009, p.123). 45 Art. 27. O órgão de gestão de mão-de-obra: I - organizará e manterá cadastro de trabalhadores portuários habilitados ao desempenho das atividades referidas no artigo anterior; II - organizará e manterá o registro dos trabalhadores portuários avulsos. § 1° A inscrição no cadastro do trabalhador portuário dependerá, exclusivamente, de prévia habilitação profissional do trabalhador interessado, mediante treinamento realizado em entidade indicada pelo órgão de gestão de mão-de-obra. Passa agora a ser exigência formal da lei que o trabalhador tenha um treinamento e uma habilitação formal em entidade própria para tal fim, com características multifuncionais. Art. 32. Os Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs) instituirão Centros de Treinamento Profissional destinados à formação e aperfeiçoamento de pessoal para o desempenho de cargos e o exercício de funções e ocupações peculiares às operações portuárias e suas atividades correlatas. Além de obrigar taxativamente os empresários a capacitar sua mão de obra em níveis e condições jamais pensados, cria a Lei um órgão regulador de cada setor, em substituição explícita à regulação secular exercida pela Marinha, o Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Esse Conselho é um órgão com característica marcantemente democrática e liberal, onde têm assentos representantes de todos os setores envolvidos, trabalhadores, empresários e governo, com a novidade única em todas as leis existentes no país, que é a participação nominal de representante da federação, do estado e do município envolvido. Possi um caráter representativo e liberal que até hoje não foi compreendido pelas partes, notadamente os trabalhadores que oferecem enorme resistência à co-gestão: Os sindicatos tradicionais que representam os avulsos parecem resistir a isso, (GONÇALVES, 2008, p. 77), principalmente no que toca ao ensino, 46 treinamento e habilitação de trabalhadores, embora esteja nítido o forte viés educacional da legislação em todos os seus níveis, obrigando a lei que todos os entes públicos e privados se dediquem à criação de Centros de Capacitação Profissional. Art. 57. No prazo de cinco anos contados a partir da publicação desta lei, a prestação de serviços por trabalhadores portuários deve buscar, progressivamente, a multifuncionalidade do trabalho, visando adequá-lo aos modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a sua produtividade. § 1° Os contratos, as convenções e os acord os coletivos de trabalho deverão estabelecer os processos de implantação progressiva da multifuncionalidade do trabalho portuário de que trata o caput deste artigo. § 2° Para os efeitos do disposto neste arti go, a multifuncionalidade deve abranger as atividades de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, vigilância de embarcações e bloco. A modernização dos portos dessa forma passa pela necessária e obrigatória modernização da mão de obra, sendo que, apenas onde se aplicou esse conceito houve de fato uma real modernização. Tal não ocorreu de forma efetiva em nosso país, seja pela resistência dos trabalhadores em deixarem a educação patriarcal para se dedicarem a uma educação formal seja pela necessidade primordial de aprenderem-se conceitos de informática, de logística, de idiomas (sobretudo o inglês), em detrimento aos conceitos anteriores passados pelos mais velhos aos mais jovens. Houve a substituição de um modelo de ensino secular que ganhou lugar no mundo todo, mas que, a partir da década de 1980, sofreu uma guinada brusca em favor de um modelo de ensino regular. Por outro lado, os órgãos oficiais deixaram por conta das instituições privadas e do órgão semi oficial (OGMO), a responsabilidade pela criação de um novo modelo de ensino técnico-profissional, sendo certo que esses, até o momento, não conseguiram apresentar esse novo modelo. Repetem os currículos e planos de ensino já existentes, ignorando por 47 completo a necessidade de uma adequação dos currículos do ensino regular, capaz de preparar a população local para assumir o mercado de trabalho. A modernização experimentada nos países que serviram de modelo para a nossa legislação, somente teve real efeito após uma radical transformação educativa e sua conseqüente mudança na qualidade e capacidade intelectual dos trabalhadores. Nosso país, especialmente a cidade de Santos, e seu porto, continuam esperando uma política educacional para o setor, experimentando uma fase de transição que perdura há quase vinte anos, quando se modernizam apenas as máquinas, mas não se atualiza a mão de obra, perdendo-se uma geração que poderia já ter sido educada eficientemente para o setor. É urgente enfrentar-se definitivamente o problema com a criação de cursos superiores voltados especificamente na capacitação dos futuros dirigentes do setor, de cursos técnicos e tecnológicos capazes de preparar a mão de obra operacional e cursos regulares que preparem as crianças, desde o ingresso na escola, para compreenderem e integrarem-se à sociedade portuária. 2.3- A LDB e a nova Constituição: Dentro de nossa pacifica reconstrução da democracia, elaborou-se uma nova Constituição Federal que, queiram ou não, foi influenciada pela nova era neoliberal e incorporou em seu bojo vários elementos dessa nova realidade. Aqui também se encontram fortes elementos de THOMPSON (1991) que ao citar Gerald Sieger bem explica os costumes [...] podem preservar a necessidade da ação coletiva, do ajuste coletivo de interesses, da expressão coletiva de sentimentos e emoções [...]. Os costumes são elementos necessários e preparatórios para uma nova legislação e, assim, uma nova constituição somente teria alguma legitimidade se respeitasse esses costumes. As mudanças ocorreram e os costumes se alteraram. As formas de trabalho cambiaram de forma radical para as necessidades de aplicação das novas tecnologias e assim necessário é que se treinem e se eduquem novos seres sociais, dando-se à escola uma nova 48 dimensão, nova enquanto fruto de mudança, mas com características muito semelhantes às dos modelos de ensino passados. Se olharmos para o modelo de ensino da Escola de Getúlio (1930-1945), veremos já naquela época a tentativa de mudança nas estruturas do ensino que passa a dar importância à educação profissional. Agora, num mundo neoliberal, tais mudanças foram incorporadas à nossa lei maior de forma menos impositiva, posto que não haja um ditador a impô-la e sim um congresso constitucional criado para tal, mas que não deixa de ser revolucionário, tendo em vista a característica de rompimento da atual Constituição com as anteriores. A educação é dada como um direito social: o. Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Em seu art. 21 são estabelecidas as Competências da União e no 23 dos demais membros federativos: Art. 21. Compete à União: [...] XXIV - diretrizes e bases da educação nacional; Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. De forma inédita, reserva nossa Lei Maior um capítulo exclusivo para a educação, o Capítulo III- DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 49 Aqui, deixa claros os objetivos desejados para a educação que serão a formação para a cidadania e a qualificação para o trabalho (grifo nosso). Aparece um forte vínculo, entre a educação, a cidadania e o trabalho, quase que expressando explicitamente a vontade dos brasileiros, de que um não sobrevive sem o outro. A Lei firma esses conceitos como essenciais às novas formas de educação, estabelecendo princípios básicos de liberdade de ensino, princípios esses por muito tempo apregoados por Paulo Freire que em todas suas obras apresenta a necessidade de ensinar com base nos conhecimentos e costumes dos alunos. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; Em que pese o caráter social da nossa Constituição, não há como deixar de impregná-la com os costumes agora vivenciados e a nova realidade mundial e, assim, surge uma sedução cada vez maior pelo projeto neoliberal que acaba por permear nossos costumes e consequentemente nossas leis. O art. 214 assim o mostra claramente: Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: [...] IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. Se por um lado o ensino deve respeitar a liberdade de aprender e as necessidades do aluno, como Freire (2000) o exemplificava, “a educação não autoritária deve respeitar o aluno”, e isso foi incorporado na nossa legislação maior, por outro lado a forte influência neoliberal também foi 50 carreada para ela ao impor a necessidade da formação para o trabalho. Aí se deixa de lado a ideologia para se aplicar o plano pragmático neoliberal: para que educar se não for para formar mão de obra? A lei ordinária, prevista no art. 214 da Constituição, é a Lei nº 9394 de 20/12/1996, Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e só veio à tona após quase dez anos de promulgada a Constituição. Em seu primeiro artigo já coloca a formação para o trabalho como essencial: Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Reforça tal tendência, de caráter fortemente neoliberal em seu parágrafo segundo: § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. A questão da prática social é meramente semântica se analisado o caráter da própria lei. Em seu segundo artigo, continua a reforçar os ditames constitucionais e o forte vínculo da educação com a formação para o trabalho e, a nosso ver, é forte a influência neoliberal em contraponto com as questões sociais: Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A vinculação da educação com o ensino profissional não é uma mera depreensão é uma determinação que a todo o momento encontramos na legislação. Logo a seguir, em seu artigo 3º, determina a LDB: 51 Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Ao definir as finalidades da educação básica, a lei a vincula diretamente à atividade produtiva e esta, como elemento basilar no processo educativo. Essa é uma forma claramente neoliberal de formação de mão de obra produtiva ou simples reserva: Para a igualdade social das oportunidades [...] é necessário mudarse o conceito atual de um programa uma cultura comum escolar fixo a ser seguido para definir-se o que cada um tem direito, permitindose que cada um ao atingir esse limite possa seguir mais adiante, (DUBET, 2008, p.71). Tal ocorre também ao definir as diretrizes para o ensino médio, ainda independente da formação técnica e tecnológica que tem capítulos específicos para tal. Vejamos o que dizem o art. 22, 27 e 35 da LDB: Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: [...] III - orientação para o trabalho; Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; Guarda a LDB lugar específico para a educação profissional e tecnológica. Em seu art. 39, prevê a articulação dessas com as demais modalidades de ensino, prevendo de forma também inédita e extremamente 52 social que: o conhecimento obtido no trabalho poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação, art. 41, algo que ainda não foi absorvido pela grande maioria dos educadores e dirigentes educacionais e que seria de grande valia no ensino técnico portuário, em grande parte promovido pelos conhecimentos orais transmitidos entre as categorias profissionais. A fala do presidente da maior entidade sindical de trabalhadores portuários, o Sindicato dos Estivadores, exemplifica essa necessidade de reconhecimento: no exterior, a mão de obra avulsa é qualificada em cursos práticos, não para a teoria pura e simples. É isso que falta no Brasil. Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. o § 1 . Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão ser organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a construção de diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo sistema e nível de ensino. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Se, por um lado, nota-se uma forte intenção contida na legislação brasileira de incentivar-se a formação profissional, por outro não encontramos ainda muita iniciativa formal de implementar-se essa legislação. Não houve até o momento a criação de cursos técnicos de trabalhadores portuários, cursos de educação continuada, cursos tecnológicos, dentre outros. Permaneceu a cargo de diretrizes da Marinha de Guerra a formação da mão de obra, fugindo aos fatos da atualidade e às premissas legais, carecendo o trabalhador de formação específica que respeite suas peculiaridades e aos educadores, sejam eles do ensino formal, técnico ou 53 tecnológico, a compreensão das reais necessidades de grande parte de seus educandos advindos da classe de trabalhadores portuários. Ensinar exige uma reflexão crítica sobre a prática, sendo importante que os educadores entendam que pensar certo tem que ser produzido pelo próprio aluno em comunhão com o professor formador FREIRE (1996, p.39). 54 CAPÍTULO III- A PESQUISA: OS SUJEITOS E SUAS FALAS. A partir do apurado, elaborou-se uma análise com o pensamento de diversos autores, principalmente, François DUBET, Mariano Fernandes ENGUITA e Paulo FREIRE, que com muita propriedade abordaram em seu tempo e locais o tema da globalização e da formação educacional como um todo, a qual deve respeitar os saberes e condições individuais e sociais de cada educando ou grupo social. Do ponto de vista sociológico, não menos importante é Thompson com seus estudos sobre a cultura popular e tradicional. Para alcançar seus objetivos, François DUBET em seu “O que é uma escola Justa: a escola das oportunidades”, 2008, procura fazer um estudo sistemático das oportunidades oferecidas nas escolas, iniciando pelo conceito republicano e democrático da igualdade meritocrática - inerente às sociedades adotantes desses sistemas que permitem conciliar os princípios da igualdade entre os indivíduos e o da divisão do trabalho - tornando legítimas as desigualdades desde que procedentes de uma competição justa. Tais igualdades distanciam-se dos ideais perseguidos, devido ao “elitismo republicano” (DUBET, 2008, p.22) onde nem todos entravam na mesma competição, sendo os melhores “empurrados” (p.22) pelos professores para ascender socialmente. A partir do final da primeira grande guerra, tal sistema começou a ser combatido sendo necessário substituir o elitismo republicano por uma verdadeira igualdade das oportunidades. Tal passagem, inicialmente apresentada como a ampliação do acesso ao ensino secundário, buscava anular as desigualdades econômicas. A igualdade das oportunidades e a seleção pelo mérito visavam uma sociedade na qual as desigualdades 55 procedam unicamente do mérito e das performances pessoais. O sistema escolar conheceu uma democratização quantitativa incontestável graças à ampliação do acesso aos bens escolares reservados anteriormente a privilegiados. O autor faz uma ligação entre a escola oficial e a aquisição da cultura, deixando claro que a escola não adentra aos temas de interesses de sociedades singulares, ficando relegada a segundo plano a educação como um todo apregoada. Apesar do aumento das oportunidades, outros obstáculos como a origem social e o capital cultural dos alunos continuam a refletir as desigualdades sociais. A inexistência da seleção social fora dos estudos acaba não impedindo uma seleção social durante os estudos. No caso dos TPAs, fica evidenciado na pesquisa essa afirmação quando eles mesmos apontam a inutilidade da escola para com o seu trabalho. A influência das desigualdades sociais sobre as desigualdades escolares não desabilita totalmente o modelo da igualdade das oportunidades, dando-se um tom de neutralidade e objetividade à escola, o que não pode ser simplificado dessa forma. As elites escolares são originárias de grupos favorecidos e a oferta escolar desigual acentua as desigualdades, não prevalecendo o argumento da eficiência coletiva em favor da igualdade. Na fala dos professores apresenta-se a conceituação da eficiência coletiva, desejando uma formação padronizada, igualitária a despeito da cultura particular dos TPAs e seus familiares. François DUBET está convencido de que a igualdade da oferta por si não basta, sendo necessária a distribuição das oportunidades escolares, insistindo no princípio atual da equidade que produziria a “igualdade de maneira mais voluntária” (p.60), contestando o estabelecimento de cotas a determinadas minorias, que levaria à “guetização” dos “guetos” (p.61). Coloca de forma bastante eficaz que “a diferenciação dos meios de ver é determinada a partir dos indivíduos, mas no limite da provação do mérito” (p.63). A informação dos pais e dos alunos pode ser considerada um fator de reforço da igualdade das oportunidades, mas por si só não é suficiente, precisando acentuar a circulação dos indivíduos. 56 Passa a investigar a igualdade social das oportunidades (p.71), coloca como necessário mudar-se o conceito atual de cultura escolar, com um programa fixo a ser seguido, definindo o que cada um tem direito, permitindo que cada um em seu grupo social ao atingir seus limites possa seguir mais adiante. Trata o que ensinar como uma escolha política, dissociando o justo do bem comum, privilegiando este último, definindo-se uma cultura comum, o que deve cada indivíduo aprender, invertendo-se a ordem das prioridades. A aquisição da cultura comum deve ser tarefa da escola comum, do colégio, que deveria ser construído sobre o princípio de diferença, “o da cultura comum garantida a todos” (p.90), devendo ainda a cultura comum atenuar os efeitos da competição meritocrática. Por fim tenta desvendar a igualdade individual das oportunidades (p.94), entendendo que: uma escola justa deve ser útil à integração social, bem como formar indivíduos de uma sociedade democrática e solidária. A preocupação com a formação de indivíduos (continuando DUBET), se mostra presente não somente no sentido de criar-se igualdade das oportunidades, mas também tentando obter uma cultura comum a fim de que os indivíduos obtenham alguma utilidade de sua formação, independentemente de outras oportunidades, sendo tão injusta a perpetuação do estigma profissional de estirpe como a saída da escola sem que qualquer conhecimento sólido ou útil tenha sido aprendido. O princípio meritocrático deve ser analisado juntamente com a escolha de bens escolares, utilitários e sociais, preocupando-se com os efeitos dos diplomas sobre a vida social do individuo, sem deixar que esse conduza sua própria vida com independência do destino escolar. Conclui o autor, de maneira pragmática que, para se construir uma escola justa, ou o menos injusta possível, devem-se articular vários princípios da justiça, a igualdade das oportunidades, a proteção a uma cultura comum e por fim reconhecer e formar os indivíduos com total independência de seu desempenho e de seus méritos pessoais. Com isso observamos que DUBET em seu estudo coloca-se dentro da realidade do EPM e da educação oficial encontrada em Santos, que 57 não forma profissionais ou cidadãos aptos ao trabalho, desprezando a cultura comum. Corrobora com o estudo e essa linha de investigação o renomado ENGUITA, em sua obra “A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo” (1989). O autor procura discutir a origem da escola de massas, tendo como foco a preparação dos discentes para a inclusão no processo produtivo. Ao analisar a educação para o povo, pretendida pelos dominantes, campeou entre a educação dedicada a fazer trabalhar e moralizar as crianças e a educação como forma de socialização, de certa forma libertadora, concluindo que a elite dominante acabou por achar a solução intermediária, a de educar, mas não demasiadamente. Enfoca o doutrinamento escolar, conduzindo os alunos à disciplina desejada, colocando-os entre as paredes da sala de aula submetidos ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para domar seu caráter e dar forma adequada a seu comportamento (p.116), sendo que a ênfase na disciplina acabou por converter as escolas em algo parecido aos quartéis ou aos conventos beneditinos (p.117), ficando o ensino ou a instrução em segundo plano, disseminando-se essa obsessão pela ordem por quase todas as escolas, mesmo as lassianas. O EPM não se preocupa em formar um profissional de acordo com as necessidades locais, mas sim em formar indivíduos que atendam às suas realidades internas de origem militar. Interessante ainda é notar que os autores acima citados referem-se a modelos educacionais europeus que em grande parte vêm sendo copiados em nosso país, sobretudo o modelo francês que emprega duas linhas bem distintas de educação, a educação acadêmica e a educação profissional, que nos últimos tempos viraram alvo de severas críticas dentro da própria nação, pelos que entendem que se reserva a educação acadêmica à elite e a educação profissional aos menos favorecidos, outros obstáculos como a origem social e o capital cultural dos alunos continuam a refletir as desigualdades sociais. As elites escolares são originárias de grupos favorecidos e a oferta escolar desigual acentua as desigualdades, não 58 prevalecendo o argumento da eficiência coletiva em favor da igualdade. (DUBET, 2008, p.43). Não menos atual é Paulo Freire que em sua última obra, “Pedagogia da Autonomia” (1996), aborda a questão do modelo neoliberal globalizado que privilegia o ensino de massa, especialmente a formação de mão de obra para a produção, deixando muitas vezes de lado os saberes e práticas do ser humano inserido na sociedade local, em busca de atenderemse interesses meramente financeiros. Vislumbra-se claramente na pesquisa essa verdade, onde os trabalhadores são formados para exercer sua tarefa sem preocupações com a sua cultura local e pessoal. FREIRE deixa bem exposta sua preocupação com os problemas que podem advir da globalização, sem que se respeitem às realidades dos educados, a natureza do ser humano, para que o conteúdo não seja alheio à sua formação moral. [...] faz parte da natureza do educador a pesquisa; Respeito aos saberes dos educandos, propondo que o educador deve discutir a realidade concreta associando-a a disciplina do conteúdo a ser ensinado; Criticidade explicando que esta virá a se tornar curiosidade epistemológica (1996, p.31) Aceitando-se o reconhecimento e assunção da identidade cultural, a prática educativa-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com os professores ensaiam a experiência de assumir-se. FREIRE reconhece que ensinar exige consciência do inacabamento, Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Reconhecimento de ser condicionado Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele (p.52); Respeito à autonomia do ser do educando, O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor [...] (p.59). 59 No ensino, se quer o aluno pronto em qualquer fase sem reconhecer seu estágio de desenvolvimento. Por outro lado, o aluno quer em cada etapa ter uma formação completa sem se reconhecer carecedor de conhecimentos. Essa é a principal interferência encontrada nas falas dos entrevistados. A fim de sustentar a pesquisa e a partir dos conceitos analisados, interrogamos os atores do Ensino Profissional Marítimo de Santos professores da rede regular, especialmente do ensino fundamental e médio, instrutores do Ensino Profissional Marítimo e Trabalhadores Portuários Avulsos (estivadores, conferentes, vigias de bordo, operários portuários e trabalhadores de bloco) - para poder auferir as reais necessidades do ensino na sua vida profissional e social. Foi feita diretamente a seguinte pergunta aos diversos atores dessa realidade de ensino: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o exercício das atividades profissionais portuárias?” O caráter da pergunta visa à criação da interferência na fala onde o locutor, ao tentar explicar sua fala justifica a fala de outros interlocutores. Ao negar ou afirmar a importância da educação na sua formação, a fala, pelo ruído, aponta para outra realidade (como ruído entendem-se as falas comuns depreendidas das falas diretas). Dessa pergunta obtiveram-se as seguintes falas: 60 I.N.C. B, professora do ensino fundamental-: Alunos do regular indo para o cais – profissionais que aprendem entre si o ensino profissional marítimo”. O interesse do aluno no ensino elementar é preparar-se no campo da alfabetização, isto é; saber ler e escrever. Ao sair dessa etapa se acha capacitado para trabalhar. Obviamente isto não basta e ele procura se relacionar com os companheiros de trabalho para aprender novas vivencias; Esses auxílios só são entendidos entre eles Pretendendo novas orientações vão procurar os cursos profissionalizantes, a fim de ampliar o aprendizado. O trabalhador portuário encontra no ensino profissional marítimo, informações e treinamento. Porém no dia a dia eles verificam que não sabem ou pouco sabem para usar. Chegamos à conclusão que vão continuar a usar o que aprenderam entre si e que a primeira e a última etapa pouco ou nada valeram. J.B., professor do ensino regular, fundamental: Os alunos filhos de trabalhadores avulsos, no passado, tinham o sonho de seguirem a profissão do pai que demandava pouco estudo. Bastava iniciar-se no trabalho por meio de parentes, trabalhando irregularmente como auxiliares ou substituindo os parentes nas suas referências (cavalo). Era mais importante contarem horas trabalhadas para obter a “carteira preta” do que o estudo. Viviam seu mundo à parte, fazendo cursos apenas por obrigação, sem darem qualquer importância ao aprendizado. Agora, com as novas tecnologias, encontram dificuldades em absorvê-las pela falta de estudo e colocam a responsabilidade na escola. R. O. S, estivador e dirigente sindical: O ensino formal nos ensina para a vida cotidiana, o ensino marítimo nos ensina a ser marinheiros, mas no porão do navio, tudo é diferente [...]. 61 P.C.N., estivador: Estão faltando cursos técnicos, pois as aulas básicas são oferecidas para nós, mas o básico conseguimos fazer hoje em dia S.S:, operário portuário: Tem que ter mais cursos de qualificação. Hoje as aulas são boas, mas não usamos tudo que eles ensinam. A prática é diferente. A. M., operário portuário: Eu fiz as aulas e elas foram fracas. Não adianta nada eles quererem repetir as aulas da Marinha. Onde está o simulador? A.S., operário portuário: Os cursos têm que mudar. As aulas caem nos horários de trabalho. Ou faço os cursos ou ganho dinheiro trabalhando. Aí, eu trabalho. J.B, instrutor do Ensino Profissional Marítimo: Os alunos vêm despreparados do ensino fundamental e médio e pretendem obter todo o conhecimento aqui (EPM). Falta conhecimento de matemática, informática, idiomas (especialmente o inglês) e os alunos vêm com uma formação e linguajares próprios e muitas vezes se confundem com a linguagem técnica marítima, daí surgem os conflitos. Não há como suprir a falta de base em aulas de ensino profissional. W.R.R, instrutor do Ensino Profissional Marítimo: Atualmente o ensino regular está muito deficiente. Os alunos que possuem o ensino médio muitas vezes não sabem fazer operações básicas de matemática e tem dificuldades para compreender um texto mais elaborado. Fica difícil explicar algumas matérias que dependam desses conhecimentos. 62 Com base nas respostas dos entrevistados, visualiza-se a possibilidade de se encontrarem pontos em comum a partir dos ruídos obtidos, além das considerações diretas Os partícipes, sejam eles trabalhadores, instrutores ou professores do ensino regular, não estão satisfeitos com os modelos atualmente apresentados: uns por não verem utilidade na sua vida prática profissional, outros por se verem frustrados na sua pratica educativa que acaba tendo pouco proveito na vida de seus alunos e outros ainda se vendo obrigados a vivenciar conflitos e a demandar esforços maiores pela falta de adequação do ensino às características da sociedade em que vivem. Baseado nessas observações, passei a elaborar quadros polifônicos onde, a partir da resposta espontânea para uma pergunta direta, se permite observar, o motivo real dessa fala - a polifonia- produto nítido do ruído de interpretação. Nos quadros a seguir, baseados nas fontes estudadas, conseguem-se detectar nitidamente os ruídos, indicando tendências para o problema da educação profissional dos TPAs. 63 Quadro I: Fala dos trabalhadores portuários avulsos. Polifonia Objetivo ou motivo da fala Ruído Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o exercício das atividades profissionais portuárias?” Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial, profissional e regular. “O ensino formal nos ensina para a vida cotidiana, o ensino marítimo nos ensina a ser marinheiros, mas no porão do navio, tudo é diferente [...]”. “Estão faltando cursos técnicos, pois as aulas básicas são oferecidas para nós, mas o básico conseguimos fazer hoje em dia”. “Tem que ter mais cursos de qualificação. Hoje as aulas são boas, mas não usamos tudo que eles ensinam. A prática é diferente. Eu fiz as aulas e elas foram fracas. Não adianta nada eles quererem repetir as aulas da Marinha. Onde está o simulador? Demonstrar que Tanto a prática como a está capacitado e educação formal carecem formado na prática. de complementação. Demonstrar capacidade mínima adquirida tanto na escola como na prática. Reconhece não estar completamente habilitado para o exercício de suas funções. Apresentar a falta Apresenta sua formação de formação deficiente em face a uma profissional má educação oficial. adequada. Apresentar a falta de formação profissional adequada. Fonte: Entrevistas trabalhadores portuários avulsos. Autoria: Jairo Barbosa Jr. Apresenta sua formação deficiente em face a uma má educação. 64 Na fala dos trabalhadores, a deficiência educacional é um mal crônico, sendo eles carentes de maior formação profissional. Por outro lado não existe uma formação educacional que espelhe a realidade da sociedade em que se inserem. O currículo do ensino profissional é elaborado, ignorando-se as necessidades sociais e as características peculiares do trabalho portuário avulso. Claro está que o profissional tem o anseio por estudar, mas vê-se impedido em função de ter que trabalhar em horários e dias variados, optando sempre pela sua fonte de renda. De forma indireta, o trabalhador é jogado para a formação não formal, prática e costumeira, aprendendo no dia a dia sua profissão. Esse conceito de cultura particular, numa perspectiva ultraconsensual, é entendido como sistema de atitudes, valores e significados compartilhados (THOMPSON, 1998, p. 17). Por outro lado um mundo globalizado impõe outras expectativas, sendo as necessidades e as expectativas, os componentes constitutivos da “cultura” dos TPAs, o que mais requereria a atenção atualmente (THOMPSON ibd, p. 22). 65 Quadro II – Fala dos professores do ensino regular fundamental: Polifonia Objetivo ou motivo da fala Ruído Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo, para o exercício das atividades profissionais portuárias?” Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial, profissional e regular. “Alunos do regular indo para o cais – profissionais que aprendem entre si [...]. O interesse do aluno no ensino elementar é preparar-se no campo da alfabetização, isto é: saber ler e escrever. Ao sair dessa etapa se acha capacitado para trabalhar, obviamente isto não basta e ele procura se relacionar com os companheiros de trabalho para aprender novas vivências [...]. Esses auxílios só são entendidos entre eles. O trabalhador portuário encontra, no ensino profissional marítimo, informações e treinamento. Porém no dia a dia eles verificam que não sabem ou pouco sabem para usar. Chegamos à conclusão que vão continuar a usar o que aprenderam entre si e que a primeira e a última etapas pouco ou nada valeram.” Apresentar a falta de interesse dos alunos do ensino regular no aprendizado do núcleo comum. Falta de percepção da realidade dos alunos. Dissociação do ensino com a vida do cidadão. 66 Os alunos filhos de trabalhadores avulsos, no passado, tinham o sonho de seguirem a profissão do pai que demandava pouco estudo. Bastava iniciar-se no trabalho por meio de parentes, trabalhando irregularmente como auxiliares ou substituindo os parentes nas suas referências (cavalo). Era mais importante contarem horas trabalhadas para obter a “carteira preta” do que o estudo. Viviam seu mundo à parte, fazendo cursos apenas por obrigação, sem darem qualquer importância ao aprendizado. “Agora, com as novas tecnologias, encontram dificuldades em absorvê-las pela falta de estudo e colocam a responsabilidade na escola.” Apresentar como deficiência a falta de interesse do aluno nas disciplinas do ensino regular. Fonte: Entrevistas professores da rede pública (fundamental) Autoria: Jairo Barbosa Jr. Falta de adequação do currículo escolar à realidade e necessidade dos alunos. 67 Da fala dos educadores extrai-se que há uma dissonância entre o que se ensina na escola e o que necessita o aluno para a sua vida cidadã. Mantêm-se o ensino voltado para a sala de aula nos moldes passados, apesar das novas premissas constitucionais e da LDB que propagam a necessidade de educação para o trabalho e educação para a cidadania, ou seja, educação para a vida. DUBET (2008, p.37) deixa clara a responsabilidade do professor do ensino regular na educação dos profissionais: A aquisição da cultura comum deve ser tarefa da escola comum, do colégio, que deveria ser construído sobre o princípio de diferença, o da cultura comum garantida a todos [...]. Essa preocupação não é privilégio dos educadores formais mas também dos instrutores e dos alunos. A manutenção de um sistema educativo que não atenda às necessidades do ser humano como um todo gera esse tipo de ruído que acaba em uma fala comum de todos os atores envolvidos. Não muito distante dessa realidade, está ENGUITA (1989), que enfoca o doutrinamento escolar, ficando o ensino ou a instrução em segundo plano. O senso comum não pode ser desprezado sob pena de se desprezar o ensino em si: [...] faz parte da natureza do educador [...] respeito aos saberes dos educandos [...] (FREIRE, 1996, p.33). 68 Quadro III– Fala dos instrutores do Ensino Profissional Marítimo: Objetivo ou motivo da Ruído fala Polifonia Pergunta: “Qual a importância da educação formal, tanto o ensino regular (fundamental e médio) como o ensino profissional marítimo para o exercício das atividades profissionais portuárias?” Objetivo: Analisar a realidade da profissão em relação ao ensino oficial, profissional e regular. a ”Os alunos vêm despreparados Mostrar deficiência de do ensino fundamental e médio e formação regular pretendem obter todo o do aluno para um bom treinamento conhecimento aqui (EPM). Falta profissional. conhecimento de matemática, informática, A formação profissional não é vista como um todo na formação do aluno. idiomas (especialmente o inglês) e os alunos vêm com uma formação e linguajares próprios vezes confundem se e muitas com a linguagem técnica marítima, daí surgem os conflitos. Não há como suprir a falta de base em aulas de ensino profissional.” a ”Atualmente o ensino regular está Mostrar deficiência de muito deficiente. Os alunos que formação regular possuem o ensino médio muitas do aluno para um bom treinamento vezes não sabem fazer operações profissional básicas de matemática e tem dificuldades para compreender um texto mais elaborado. Fica difícil explicar algumas matérias que dependam desses conhecimentos.” Fonte: Entrevistas Instrutores do Ensino Profissional Marítimo Autoria: Jairo Barbosa Jr. A formação profissional não é vista como um todo na formação do aluno 69 A partir das colocações dos instrutores concluí-se que não há uma visão humana e cidadã na formação profissional, estando inculcados conceitos e formas de ensino “bancários” onde o ensino anterior ou básico é dado como de responsabilidade de terceiros e o ensino profissional trata de transferir conhecimentos obtidos de maneira mecânica. Quem tem o conhecimento o transmite para os que não o têm, sem se preocupar com a capacidade de absorção dos conceitos. [...] o educador deve discutir a realidade concreta associando-a a disciplina do conteúdo a ser ensinado (FREIRE, 1996, p.33); Esses instrutores, muito mais cerceados pela formatação de quase dois séculos de cursos, sentem um total distanciamento dos trabalhadores que educam. KITZMANN (2009) mostra a dissociação entre a formação dos profissionais da educação na área portuária e a realidade encontrada na prática profissional e social. A formação para a cidadania e para o trabalho ainda não se encontra plenamente incutida na mente dos profissionais da educação, em que pesem os ditames constitucionais da LDB e da própria Lei 8630/93. 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Falas diferentes levam a uma mesma observação. Numa visão administrativa pode ser utilizado o modelo da Hélice Tripla III (Fig. 1), conceito definido por ETZKOWITZ (2000), que tem como argumento básico a articulação eficaz entre o governo, a indústria (no caso a indústria portuária administrada pelo OGMO) e as instituições de ensino, apontando o caminho para a construção de uma interface sólida entre os atores para que o ensino de maneira integral flua e produza benefícios à sociedade por meio do aumento da capacitação dos trabalhadores. Órgão Gestor da Mão de Obra. Entidades de Governo Instituições. de Ensino Fig. 1 – Hélice tripla. Autoria: Jairo Barbosa Jr. Nesse modelo, cabe ao governo a estruturação de mecanismos capazes de articular e estimular as parcerias por meio de políticas públicas de ensino que promovam as atividades produtivas. Às empresas cabe procurar criar valor econômico por meio do ensino. Essa deve ser parte integrante da cultura organizacional, sendo tratada como uma estratégia de 71 negócio. As instituições públicas de ensino, como parte integrante desse sistema, devem utilizar-se da ciência para a pesquisa e desenvolvimento voltados à geração de produtos e serviços que satisfaçam aos anseios das empresas e da sociedade. A sobreposição das estruturas indica a necessidade da interação dinâmica e atuação conjunta entre os sujeitos, em que os processos educativos são intensificados. Esses atores são elementos-chave para o gerenciamento da atividade educativa e para a criação de ambientes favoráveis à educação. A inexistência de um modelo educacional atual, que espelhe a realidade do dia a dia dos trabalhadores provoca a discrepância encontrada nas falas dos sujeitos que, no fundo, buscam um mesmo objetivo que é a formação educacional para o trabalho. A legislação estudada comporta elementos essenciais para uma boa formação educacional mas não encontra contrapartida nos elementos educacionais e sociais envolvidos, sejam eles profissionais, industriais ou oficiais. Apesar da modernidade da Lei 8630/93, as sociedades educacionais das cidades portuárias continuaram a utilizar um modelo arcaico sem o envolvimento eficaz das partes. As mudanças produtivas, sociais e tecnológicas são um caminho evolutivo natural e necessário e, dessa forma, a escola agora se torna mais necessária. Conclusão semelhante obteve KITSMANN (2009, p.194), propondo quatro formas de se abordar o problema do EPM: uma proposta metodológica e três propostas de operacionalização para o caso específico de inclusão do ensino ambiental que, numa visão mais holística, podem ser transportados para todo o EPM. No primeiro caso, visando efetivar as mudanças no currículo, propomos a seqüência diagnóstico direcionadores conceitos integradores temas e critérios conteúdos ambientalização curricular, um percurso que deve base nos princípios e objetivos da Educação Ambiental e da gestão ambiental, ambas contextualizadas para o meio portuário. Por sua vez, as três propostas de operacionalização (Estratégia de Ambientalização Curricular; Capacitação Ambiental do Docente Portuário; Sistema de Indicadores de Avaliação 72 Ambiental Portuária – SIAAP), buscam embasar e avaliar a implementação do currículo ambientalizado. De modo geral, podemos considerar que, dos pontos negativos identificados no diagnóstico realizado, o que mais preocupa são os fatores ligados aos professores-instrutores e aos TPAs. Em relação aos primeiros, há falta de interação e de compromisso mútuo de longo prazo e, por conseqüência, uma rotatividade que pode afetar os resultados das ações propostas. Dentre os TPAs, o problema maior é a baixa escolaridade, que pode excluí-los das oportunidades de participação nos cursos do EPM. Conclui-se que, em que pesem a moderna constituição federal e a Lei de diretrizes e bases do ensino - que prestigiam e inserem a educação no âmbito social - muito há que se caminhar para que se alcancem os objetivos incutidos nessas leis. A educação para a cidadania e para o trabalho, anseio de uma sociedade que tem como princípio fundamental a valorização do trabalho, não se promove apenas pela letra fria da lei. Precisamos de atitudes efetivas por parte de todos os atores envolvidos (trabalhadores e suas famílias, governo e empresas), a fim de que essa evolução social aflore. Não só o currículo está desligado da realidade do trabalhador mas também a metodologia de ensino carece de reparos. As novas tecnologias e formas de administração do porto não estão incorporadas nas atividades do trabalhador e este tem de aprendê-las por meios próprios, pouco adequados às velozes mudanças e novidades surgidas diuturnamente. A educação formal, caminho introdutório para o cidadão a todo tipo de ensino e de apreensão da cultura, deve incutir a responsabilidade dos educadores em entender as necessidades de seus educandos e nesses a entenderem a necessidade de estudar sempre. Aos alunos é essencial aprender a estudar, a buscar e extrair do mundo e dos educadores o que lhes é necessário. O valor e o gosto pelo estudo deixou de ser exercitado sem que alunos ou professores se importem com isso. Alunos querem uma resposta imediata para suas necessidades e, das escolas, se espera sempre toda a responsabilidade. 73 FONTES E REFERÊNCIAS: FONTES PRIMÁRIAS: BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. ______. Lei n. 8630 de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurÍdico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 26 fev. 1993. ______. Lei de diretrizes e Base da Educação Nacional, n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federeativa do Brasil, Poder executivo, Brssília, 23 de dez. 1996. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Wilma Therezinha F. de. 1989. O discurso do progresso: a evolução urbana de Santos 1870-1930. Tese (doutoramento em História), FFLCH, USP, São Paulo. BOAS, Sergio Vila. Santos: Centro Histórico, Porto, Cidade. 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Entrevistado pelo autor. R.O.S. TPA estivador – Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 14 de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor. S.S. TPA operário portuário – Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 14 de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor. Waldemar da Rocha Ramos. Vigia Portuário, Instrutor do EPM –. Local: Rua Alexandre Herculano, 193, Santos. Em: 20 de janeiro de 2010. Entrevistado pelo autor. 79 ANEXO A CONVENÇÃO 137 CONVENÇÃO REFERENTE ÀS REPERCUSSÕES SOCIAIS DOS NOVOS MÉTODOS DE PROCESSAMENTO DE CARGA NOS PORTOS (Adotada em 25 de junho de 1973 e assinada em 27 de junho de 1973, em Genebra) A Conferência-Geral da Organização Internacional do Trabalho, Convocada pelo Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho, em Genebra, onde se reuniu em 6 de junho de 1973, em sua Quinquagésima-Oitava Sessão; Considerando que os métodos de processamento de carga nos portos se modificaram e continuam a se modificar – por exemplo, a adoção de unidades de carga, a introdução de técnicas de transbordo horizontal (roll on/roll off), o aumento da mecanização e automatização – enquanto que novas tendências aparecem no fluxo das mercadorias, e que semelhantes modificações deverão ser ainda mais acentuadas no futuro; Considerando que essas mudanças, ao acelerarem o transporte da carga e reduzirem o tempo passado pelos navios nos portos e os custos dos transportes, podem beneficiar a economia do país interessado, em geral, e contribuir para elevar o nível de vida; Considerando que essas mudanças têm também repercussões consideráveis sobre o nível de emprego nos portos e sobre as condições de trabalho e vida dos portuários e que medidas deveriam ser adotadas para evitar ou reduzir os problemas que decorrem das mesmas; Considerando que os portuários deveriam beneficiar-se das vantagens que representam os novos métodos de processamento de carga e que, por conseguinte, o estudo e a introdução desses métodos deveriam ser acompanhados da elaboração e da adoção de disposições, tendo por finalidade a melhoria duradoura de sua situação, por meios como a regularização do emprego, a estabilização da renda e por outras medidas relativas á condições de vida e de trabalho dos interessados e á segurança e higiene do trabalho portuário; Depois de ter resolvido adotar diversas moções relativas ás repercussões sociais dos novos métodos de processamento de carga nos portos, que constituem o quinto item da agenda da Sessão; 80 Depois de ter resolvido que essas moções tomariam a forma de uma Convenção internacional, adota, neste vigésimo quinto dia de junho de mil e novecentos e setenta e três, a Convenção abaixo que será denominada Convenção sobre o Trabalho Portuário, de 1973. Artigo 1 1. A Convenção se aplica ás pessoas que trabalham de modo regular como portuários, e cuja principal fonte de renda anual provém desse trabalho. 2. Para os fins da presente Convenção, as expressões “portuários” e “trabalho portuário” designam pessoas e atividades definidas como tais pela legislação ou a prática nacionais. As organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas devem ser consultadas por ocasião da elaboração e da revisão dessas definições ou serem a ela associadas de qualquer outra maneira; deverão, outrossim, ser levados em conta os novos métodos de processamento de carga e suas repercussões sobre as diversas tarefas dos portuários. Artigo 2 1. Incumbe á política nacional estimular todos os setores interessados para que assegurem aos portuários, na medida do possível, um emprego permanente ou regular. 2. Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda deve ser assegurado aos portuários, sendo que sua extensão e natureza dependerão da situação econômica e social do país ou do porto de que se tratar. Artigo 3 1. Registros serão estabelecidos e mantidos em dia para todas as categorias profissionais de portuários na forma determinada pela legislação ou a prática nacionais. 2. Os portuários matriculados terão prioridade para a obtenção de trabalho nos portos. 3. Os portuários matriculados deverão estar prontos para trabalhar de acordo com o que for determinado pela legislação ou a prática nacionais. Artigo 4 1. Os efetivos dos registros serão periodicamente revistos a fim de fixá-los em um nível que corresponda às necessidades do porto. 2. Quando uma redução dos efetivos de um registro se tornar necessária, todas as medidas úteis serão tomadas, com a finalidade de prevenir ou atenuar os efeitos prejudiciais aos portuários. 81 Artigo 5 Para obter dos novos métodos de processamento de carga o máximo de vantagens sociais, incumbe à política nacional estimular os empregadores ou suas organizações, por um lado, e as organizações de trabalhadores, por outro, a cooperarem para a melhoria da eficiência do trabalho nos portos, com a participação, se for o caso, das autoridades competentes. Artigo 6 Os Membros farão com que as regras adequadas, referentes à segurança, higiene, bem-estar e formação profissional dos trabalhadores, sejam aplicadas aos portuários. Artigo 7 Exceto nos casos em que forem implementadas mediante convênios coletivos, sentenças arbitrais ou qualquer outro modo conforme a prática nacional, as disposições da presente Convenção deverão ser aplicadas pela legislação nacional. Artigo 8 As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas ao DiretorGeral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas. Artigo 9 1. A presente Convenção vinculará apenas os Membros da Organização Internacional do Trabalho cuja ratificação tenha sido registrada pelo DiretorGeral. 2. A presente Convenção entrará em vigor 12 (doze) meses após terem sido registradas, pelo Diretor-Geral, as ratificações de dois Membros. 3. Posteriormente, está Convenção entrará em vigor para cada Membro, 12 (doze) meses depois da data em que sua ratificação tiver sido registrada. Artigo 10 1. Qualquer Membro que tenha ratificado a presente Convenção poderá denunciá-la, ao expirar um período de 10 (dez) anos após a data de entrada em vigor inicial da Convenção, mediante um ato comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A denúncia só se tornará efetiva 1 (um) após ter sido registrada. 2. Qualquer Membro que tenha ratificado a presente Convenção que, no prazo de 1 (um) ano, após expirar o período de 10 (dez) anos mencionado no parágrafo anterior, não fizer uso da faculdade de denúncia, prevista pelo presente Artigo, ficará vinculado por um novo período de 10 (dez) anos e, 82 posteriormente, poderá denunciar a presente Convenção ao término de cada período de dez anos, nas condições previstas no presente Artigo. Artigo 11 1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho o registro de todas as ratificações e denúncias que lhe sejam comunicadas pelos Membros da Organização. 2. Ao notificar os Membros da Organização do registro da segunda ratificação que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral chamará a atenção dos Membros da Organização sobre a data na qual a presente Convenção entrará em vigor. Artigo 12 O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao Secretário-Geral das Nações Unidas, para fins de registro, de acordo com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas, informações completas a respeito de todas as ratificações e atos de denúncia que tiverem sido registrados nos termos dos artigos precedentes. Artigo 13 Cada vez que o julgar necessário, o Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho apresentará à Conferência Geral um relatório sobre a aplicação da presente Convenção, e examinará a conveniência de inscrever na agenda da Conferência a questão de sua revisão total ou parcial. Artigo 14 1. No caso de a Conferência adotar uma nova Convenção, com revisão total ou parcial da presente, e a menos que a nova Convenção o determine de outra maneira: a) a ratificação, por um Membro, da nova Convenção revista acarretará de pleno direito, não obstante o Artigo 10 acima, denúncia imediata da presente Convenção, sob reserva de que a nova Convenção revista tenha entrado em vigor; b) a partir da data de entrada em vigor da nova Convenção revista, a presente Convenção deixará de estar aberta á ratificação dos Membros. 2. A presente Convenção permanecerá em todo caso em vigor, em sua forma e teor, para os Membros que a tiverem ratificado e que não tenham ratificado a Convenção revista. Artigo 15 As versões francesa e inglesa do texto da presente Convenção fazem igualmente fé. 83 ANEXO B Disciplinas e Carga horária do Curso Básico do Trabalhador Portuário – CBTP I - CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ..................................................................................................................18h II - NOÇÕES DE HIGIENE E PRIMEIROS SOCORROS .............................14 h III - PORTOS E TERMINAIS PORTUÁRIOS................................................ 11 h IV - SEGURANÇA NO TRABALHO PORTUÁRIO....................................... 14 h V - PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIO............................................. 14 h VI - NAVIOS E NAVEGAÇÃO MERCANTE.................................................. 13 h VII - MERCADORIAS, EMBALAGENS E AVARIAS.................................... 17 h VIII MEIO AMBIENTE.................................................................................. 06 h CARGA HORÁRIA REAL: ........107 HORAS ATIVIDADES EXTRA CLASSE.. 08 HORAS TEMPO DE RESERVA: ..............05 HORAS CARGA HORÁRIA TOTAL: ......120 HORAS 84 O AUTOR: Jairo Barbosa Jr. Professor Efetivo do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Assessor do Núcleo de Inovação Tecnológica do IFSP (NIT-IFSP), Engenheiro de Produção, Mecânica (FEI), Engenheiro de Segurança (FEI), Advogado (UNISANTOS), Especialista em Análise de Riscos Ambientais (UNICAMP), Oficial (2º ten.) do Quadro Complementar da Marinha de Guerra do Brasil, Instrutor dos Cursos do Ensino Profissional Marítimo (EPM) de 1989 a 2002.