DESENHO E PROGRESSO NO SÉCULO XIX: O LICEU
DE ARTES E OFÍCIOS DO RIO DE JANEIRO
Doralice Duque Sobral Filha
UFRJ – FAU – PROARQ, Programa de Pós Graduação em Arquitetura.
[email protected]
Resumo
Durante quase todo o século XIX defendeu-se a crença que um dos
principais fatores de modernização, progresso e civilidade advinha do
poder da instrução escolar nos seus mais diversos níveis. O presente
artigo busca resgatar o papel do desenho no inicio do desenvolvimento
profissional e tecnológico no Brasil, com a inauguração do Liceu de Artes e
Ofícios do Rio de Janeiro, pelo seu fundador, o arquiteto Francisco
Joaquim Bethencourt da Silva, em 1856. A partir do livro do jornalista e
crítico de arte Felix Ferreira, „Do Ensino Profissional: o Lycêo de Artes e
Officios‟, publicado em 1876, buscaremos resgatar os discursos referentes
à educação profissional, que antecederam as conhecidas reformas de Rui
Barbosa na década de 1880." A valorização da arte surgiu como temática
central para o uso do desenho no Liceu e a sua vinculação na mudança da
realidade física, social e moral da cidade. O papel do desenho, em seus
diferentes matizes, se insere no discurso como regra a ser apreendida por
toda a população como qualitativo de ordem, desenvolvimento e
enobrecimento da jovem nação que se formava.
Palavras-chave: desenho, século XIX, ensino técnico, Liceu de Artes e
Ofícios.
Abstract
For almost the entire nineteenth century have been defended the belief that
one of main factors of modernization, progress and the civility became from
power of schooling in all its various levels. This article seeks to rescue the
role of drawing in early professional and technology development in Brazil,
with the inauguration of the "Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro", by
its founder architect Francisco Bethencourt Joaquim da Silva in 1856.
From the book by journalist and art critic Felix Ferreira, 'The Vocational
Education: the Lycée of Arts and Despatches', published in 1876, we´ll
seek to recover the discourses about professional education contributed by
design, since the prior Rui Barbosa known reforms in the 1880s. The
appreciation of art has emerged as a central theme for the use of drawing
in the "Liceu" and its linking to the change of physical, social and moral
reality of the city. The role of drawing in its various hues, is part of the
discourse as rule to be grasped by the whole population and quality of
order development and ennoblement of the young nation that was forming.
Keywords: drawing, nineteenth century, technical education, Liceu de
Artes e Ofícios.
1
Introdução
Em um país emergente como o Brasil, a importância da profissionalização como
possibilidade de se obter uma colocação no mercado de trabalho, altamente
competitivo, é tema que vem sendo discutido e ampliado nas perspectivas do ensino
básico e técnico a nível nacional.
A globalização do mercado de trabalho é realidade e resultado dinâmico da
revolução científica e tecnológica em que vivemos, e não é de agora a importância
desse tema como desenvolvimento nacional. É mister perceber alguns impasses que
transcendem essa realidade quando se depara com a diminuição das disciplinas de
desenho nos currículos escolares a nível básico, técnico e superior, dado que a nova
base tecnológica demanda mais educação geral e desenvolvimento das capacidades
abstratas, exigindo uma formação mais polivalente possível.
Embora o Brasil apresente um pensamento pouco desenvolvido sobre as
demandas disciplinares para a atual temática Arte, Ciência e Tecnologia, que ao longo
dos anos vêm desprezando os conteúdos de desenho e geometria, nem sempre se
pensou assim no país.
Desde
o
século
XIX,
com
a
institucionalização
do
ensino
superior,
profissionalizante e primário, arte, técnica e artesanato foram alvos de investimentos
para aumentar qualitativamente a massa trabalhadora que se formava, especialmente
após a abolição da escravatura e da imigração que ocorrera no país1, em prol do
progresso e civilidade. O desenho passou a ser, desde então, um dos carros chefe do
ensino para a realização de mudanças na realidade social, com todo o sentido de
organização e racionalização que este propõe.
Ao retrocedermos ao período acima, iniciamos importantes questionamentos
sobre a importância desse aprendizado para a formação cultural e técnica das
cidades, especialmente nas áreas de arquitetura e engenharia, que se revelaram
como grandes fomentadoras de ordem e racionalidade por meio das práticas de
intervenção urbana. Com isso, das instituições que iniciaram o processo de
1
"O apoio à imigração era uma das reivindicações mais constantes dos proprietários rurais
desde que o fim do tráfico colocou o problema da substituição da mão de obra escrava"
(CARVALHO, 1996, p. 259)
modernização do ensino durante o século XIX2, podemos destacar a Academia Real
Militar inaugurada em 1811 e a Academia Imperial de Belas Artes inaugurada em 1826
que contribuíram para a inserção no pensamento técnico e artístico do Brasil.
No entanto, quando se fala em ensino profissionalizante sem referência à classe
elitizada, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, fundado em 1856, foi um dos
principais agentes motivadores para formação e capacitação artística da população
nos mais variados ofícios. É por meio desta instituição que buscamos regatar, junto
aos estudos atuais já desenvolvidos sobre a mesma (MURASSE, 2001; BIELINSKI,
2003), uma visão sobre a instituição que teve seu foco de ensino no papel do desenho
como fomentador de um desenvolvimento artístico voltado à ordem e ao progresso,
legendas de um futuro republicano.
Na profusão dos discursos referentes à educação profissional que incluíam o
ensino do desenho durante o século XIX, utilizamos como principal fonte de pesquisa
os estatutos do ensino do Liceu de Artes e Ofícios, sob as palavras do seu fundador
Francisco Joaquim Bethencourt da Silva e frisadas pelo jornalista e crítico de arte Felix
Ferreira em 1876. Neste sentido, Azevedo (1996, p. 561) vai dizer que, “Um dos
preciosos documentos para o estudo de uma sociedade e do caráter de uma
civilização se encontra na legislação escolar, nos planos e programas de ensino e no
conjunto de suas instituições educativas”.
É importante lembrar que um dos documentos essenciais que nos faz pensar a
propagação do ensino de desenho e as suas influências para o desenvolvimento
nacional foi escrito por Rui Barbosa em 1883, intitulado Reforma do ensino primário e
várias instituições complementares da instrução pública. Tal documento ecoa os
discursos e tentativas de estabelecimento da disciplina pelos seus precedentes – os
fundadores do Liceu de Arte e Ofícios do Rio de Janeiro –, logo que foi uma tentativa
de compilação e organização pedagógica. A ligação entre Rui Barbosa e o Liceu fica
também evidente no seu discurso O desenho e a Arte Industrial, de 1882.
2
A institucionalização do ensino de desenho no Brasil do século XIX
A valorização da arte e dos ofícios por meio do desenho constitui uma visão
racionalista, comum ao século XIX nos países ditos civilizados como França,
Inglaterra, Alemanha, porém ainda herdada dos períodos anteriores, principalmente do
Iluminismo e da Revolução Industrial. O fato de essa disciplina constar no ensino
profissionalizante brasileiro evidencia uma preocupação política nacional com a
2
A lembrar das aulas de Fortificação e Desenho iniciadas durante o século XVIII em várias
localidades do país (N. da A.).
capacitação e a inserção da população como 'agente' da mudança da realidade social
e cultural das cidades.
Buscando priorizar o cultivo do Belo, foram necessários profissionais habilitados
na área do desenho visando a modernização e o progresso artístico, e,
consequentemente, econômico do país. A harmonia e a ordem, ideias de civilização e
a cresça na „indústria‟ persistiram no discurso dos primeiros pensadores que
antecederam ao ideal republicano. Segundo Souza (2000), no final do século XIX, a
escola primária, por exemplo, foi elevada a condição de redentora da nação e de
instrumento de modernização.
A crença no poder da instrução como fator de mudança social e física das cidades
difundiu-se, sobretudo, com a introdução de novas disciplinas nos currículos dos
cursos profissionais e primários como Ciências e o Desenho. Diversos meios
possibilitaram a circulação dessas idéias e modelos: as Exposições Universais, os
congressos de instrução, relatórios oficiais elaborados por ministros do ensino,
publicações em jornais, livros, revistas, etc (SOUZA, 2000).
O desenho como elemento curricular imprescindível para educação, vinculado à
noção de progresso, teve forte presença nas duas Academias fundadas no século XIX,
a Militar e a de Belas Artes. Essas duas instituições tiveram importante papel na
difusão artística e técnica nacional, especialmente com a inserção de novos métodos
de composição e projetos, e tinham como principal tônica o respaldo do desenho no
ensino.
Na Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810 da criação da Academia Militar, já
estavam prescritas algumas atribuições do método adotado para o ensino, apontando
diversas literaturas bases, como Le Gendre e Gaspar Monge, para solução de
problemas práticos com a utilização do desenho e geometria (BARATA, 1973, p.4853). Os alunos possuíam aulas diárias de desenho e arquitetura civil. No decreto nº
140 de 09 de março de 1842 lê-se com clareza a distribuição das disciplinas por ano
demonstrando que a cadeira de desenho era importante em todos os níveis da
formação do engenheiro (Quadro 01).
Mesmo com a mudança de perfil e de nome da Academia Militar (Escola Central
em 1858 e Politécnica em 1878) as disciplinas que envolviam o desenho – Desenho
Linear e Topográfico; Noções de Topografia, Teoria Geral das Projeções, Resolução
Gráfica dos problemas de Geometria Descritiva e suas aplicações à Teoria das
Sombras, Desenho de Máquinas, Desenho Topográfico, Desenho de Arquitetura,
Ordenação de Edifícios Civis e Militares, Execução de Projetos, Desenho de
Construção e Máquinas – foram sendo progressivamente empregadas e distribuídas
ao longo os anos do curso.
Quadro 01 – Curso de 07 anos com dezesseis cadeiras da Real Academia Militar - 1842
1º ano
Aritmética, Álgebra Elementar, Geometria e Trigonometria Plana, Desenho.
2º ano
Álgebra Superior, Geometria Analítica, Calculo Diferencial e Integral, Desenho.
3º ano
Mecânica Racional e Aplicação às Máquinas, Desenho.
4º ano
Trigonometria Esférica, Astronomia e Geodésica, Química e Mineralogia,
Desenho.
5º ano
Topografia, Tática, Fortificação Passageira, Estratégia e História Militar, Direito
das gentes, Militar e Civil, Desenho.
6º ano
Artilharia, Minas, fortificações Permanentes, Ataque e defesa, Botânica e
Zoologia, Desenho.
7º ano
Arquitetura e Hidráulica Militares, Geodésica, Montanhística e Metalurgia,
Desenho.
Fonte: BARATA, 1973, p. 60-61.
A Academia Imperial de Belas Artes3 também adotou o desenho como prioridade
no ensino durante toda formação do artista. Segundo Galvão (1954, p. 72), pelos
Decretos de 1816, 1826 e 1831, o ensino de cada arte seria feito, integralmente, por
um só professor. Assim, para o estudo de arquitetura os alunos deviam provar apenas
o conhecimento do desenho do natural e a freqüência às aulas de geometria
elementar e ótica da Academia Militar. Segundo Amaral (2005, p. 147), Lebreton, líder
da missão artística francesa, pretendia fundar duas escolas, uma para as Belas Artes
e outra para as Artes e Ofícios. As idéias de Lebreton eram revolucionárias para o
Brasil no início do século XIX, pois pretendia dar início à fase industrial do país
pautada no ensino do desenho.
Manuel de Araújo Porto-alegre, nomeado diretor da Academia em 1854, foi
responsável por profundas mudanças no currículo acadêmico, que passou a ser
dividido em seções de pintura, escultura, arquitetura, música e ciências acessórias,
com aulas noturnas. Ao aluno de arquitetura, por exemplo, cabia freqüentar os cursos
de desenho geométrico e industrial; desenho de ornatos, e arquitetura civil, tendo
como suporte os cursos específicos à arquitetura como a aritmética, geometria
descritiva, trigonometria, estereotomia, além de história das artes, estética,
arqueologia, perspectiva e teoria das sombras (UZEDA, 2000-2001, p. 52).
Em 1859, por decreto de 25 de maio, o ensino da Academia foi dividido em dois
cursos: diurno e noturno transferindo-se para este último o Ensino Industrial, previsto
na reforma de 1855 e a aula de modelo vivo. O Ensino Industrial que constava das
3
Joaquim de Lebreton (literato, jornalista, crítico de arte francês) – chefe da Missão francesa
de artistas e artífices vinda para o Brasil em 1816, funda a Escola Real de Sciencias, Artes e
Officios, posteriormente denominada Academia Imperial de Belas Artes.
aulas de matemáticas aplicadas (noções de aritmética, de geometria, de descritiva, de
trigonometria, de topografia, de estereotomia, de perspectiva); desenho geométrico
(desenho linear, as três ordens gregas, teoria das sombras); desenho de ornatos,
escultura de ornatos, passou a ser constituído de: Desenho Industrial (regida pelo prof.
de desenho de ornatos), escultura de ornatos e de figuras (regida pelo prof. de
escultura de ornatos), Matemáticas elementares (aritmética, geometria prática, e
elementos de mecânica) regida pelo prof. de matemáticas aplicadas. (GALVÃO, 1954,
p. 114)
Manuel de Araújo Porto Alegre (Apud, Ferreira, 1876, p. 28) abrindo as aulas de
desenho geométrico da Academia de Belas Artes em 1855, pronunciou o seguinte
discurso:
Os espíritos vulgares consideram o dezenho como a arte de luxo, ou
passatempo agradável, porém, os homens que pensam, as
intelligencias superiores, o encaram como uma necessidade para a
civilização; porque elle é uma revelação do pensamento, a escripta
universal da linguagem das formas.
As cadeiras de desenho geométrico, desenho de ornatos, escultura de ornatos e
matemáticas aplicadas, previstas na reforma de 1855, visam, além de servir direta e
indiretamente ao desenvolvimento das artes, “auxiliar os progressos da indústria
nacional” (CUNHA, 2000, p. 119).
Quando o ensino profissional entra em ação em 1858, uma grande marca em prol
dos feitos artísticos como fonte de progresso foi deixada pelo seu fundador o arquiteto
Francisco Joaquim Bethencourt da Silva4. A intenção de uma mudança na realidade
física e social das cidades só poderia acontecer pela arte e pela população educada
para esse fim.
Sr. Bethencourt da Silva em um relatório sobre a Exposição Nacional
de 1861 acrescenta que: “a geometria, primário alicerce de um
incessante progresso artístico e industrial não deveria ser ignorada,
como é, por nenhum artista ou operário; e bom seria que na entrada de
todas as officinas se gravasse aquella sabia inscrição que Platão
mandou lavrar sobre a porta da academia: não pode entrar quem não
sabe geometria” (FERREIRA, 1876, p. 20-21).
A preocupação com o progresso do país buscou relacionar os conhecimentos
específicos em diversas áreas, a técnica, artística e artesanal, em todas as camadas
da população, priorizando o cultivo do belo, da harmonia e da ordem, a fim de civilizar
a população. O desenho associa, dessa forma, a noção de norma, padrão a uma
4
Fundou o Liceu de Artes e Ofícios, a Sociedade Propagadora das Belas Artes, foi arquiteto da
Casa Imperial, professor de desenho da Escola Central, professor de arquitetura da Academia
de Belas Artes.
regularidade racional onde o trabalho passa prioritariamente do ensino escolar,
teórico, para a atividade prática.
3
O Desenho e a formação profissional: O Liceu de Artes e Ofícios do
Rio de Janeiro
Segundo o depoimento de Felix Ferreira em 1876, duas questões tornaram-se parte
do atraso do Brasil frente ao desenvolvimento das „artes industriais‟: a primeira relata o
autor, “provem da vulgarização do dezenho – a segunda desse cancro social que se
chama escravidão” (FERREIRA, 1876, p. 25).
É importante salientar que o Brasil, a partir da década de 1850, tinha extinguido o
tráfico negreiro o que repercutiu em um grande aumento populacional nas áreas
centrais urbanas. É também a fase de grandes acontecimentos que modificaram
substancialmente a paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Intensifica-se a imigração
portuguesa no país, a sociedade se organiza a favor do desenvolvimento da indústria,
a aprovação da Lei de Terra tão necessária aos proprietários rurais, grandes
epidemias acometem a população, dentre várias questões que viriam a mobilizar o
pensamento político e social da época.
É desse pequeno panorama mostrado, com a intervenção cada vez maior do
Estado e a presença da figura do Imperador, que surgem as idéias de estabelecer a
escola elementar universal, leiga, gratuita e obrigatória. Enfatizam-se a relação entre
educação e bem-estar social, estabilidade, progresso e capacidade de transformação.
Daí, o interesse pelo ensino técnico ou pela expansão das disciplinas científicas.
A harmonia, que deve existir entre a educação e as exigências
industriais da atualidade, exige também que o dezenho occupe um
lugar conspícuo na educação popular, como também pela sua utilidade
prática, deve ser elle ensinado em todas as escolas públicas
(FERREIRA, 1876, p. 28-29).
Este importante depoimento da época demonstra a representatividade que a
disciplina de desenho teve, nos seus mais variados ramos, no processo de inserção
do país na nova era industrial que há muito havia sido lançado em diversos países
europeus. Assim, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro fora idealizado pela
Sociedade Propagadora das Belas Artes, ambas fundadas em 1856, pelo arquiteto
Bethencourt da Silva.
O artigo 1º do regulamento do Lyceu prescreve que a instituição tem como missão
especial, além de disseminação pelo povo do belo como educação, propagar e
desenvolver, pelas classes operárias, a instrução indispensável ao exercício racional
da parte artística e técnica das artes, ofícios e indústrias. Essa visão ficou muito bem
sedimentada quando verificamos na seção de Estudos do regulamento, as matérias
constituintes do ensino do Liceu, divididas em dois grupos: Seção de Ciências
Aplicadas e Seção de Artes. Esses dois grupos por sua vez foram divididos em 17
cadeiras, como apresentados no quadro abaixo:
Quadro 2: O ensino Principal do Lyceo de Artes e Officios do Rio de Janeiro
Artes
Ciências
Grupos
Cadeiras
Aulas teóricas
Nº de Professor
1º
Aritmética
4
2º
Álgebra até eq. do 2º grau
1
3º
Geometria plana e no espaço
2
4º
Geometria Descritiva e estereotomia
1
5º
Física Aplicada
1
6º
Química Aplicada
1
7º
Mecânica Aplicada
1
8º
Desenho de figura (Corpo Humano)
6
9º
Desenho Geométrico, inclusive as três
ordens clássicas.
2
10º
Desenho de ornatos, flores e animais
2
11º
Desenho de máquinas
1
12º
Desenho de arquitetura civil e regras de
construção.
2
13º
Desenho de arquitetura naval
1
14º
Escultura de ornatos e arte cerâmica
1
15º
Estatuária
1
16º
Gravura a talho doce, água forte e xilografia
1
17º
Pintura: estudo a tempera, estudo particular
de diversas tintas, mordentes, vernizes,
processos, etc., empregados na pintura e
douradura de artefatos.
2
Fonte: FERREIRA, 1876, p. 84.
O liceu representou, tanto em seus estatutos quanto em seu programa disciplinar,
a percepção que o desenho seria um meio de “propagar o ensino artístico pelas
classes operárias” (Ibid, p. 25). Para o fundador da instituição, o arquiteto Bethencourt
da Silva:
(...) é preciso que o povo se eduque, se adestre, se aperfeiçoe, se
familiarize com o dezenho em sua mais pura e franca manifestação,
que se identifique com essa linguagem gráfica das idéias que povoam
as faculdades do entendimento; e para que a coletividade inteira
adquira essa peculiaridade, é indispensável grande esforço dos que
governam, trabalho tenaz, perseverante e infatigável de annos e annos,
e, as vezes, de séculos e séculos.
Educar portanto nosso operário, o artífice, na prática do dezenho,
familiarizal-o com a sciencia e especialmente com as artes plásticas, é
promover, com probabilidade de bom êxito, a originalidade da indústria
brasileira (BETHENCOURT DA SILVA, 1901)
Diferente da Academia de Belas Artes, que oferecia cursos a nível superior com
elevada peculiaridade de cada arte, o Liceu se pronunciava como uma escola de artes
aplicadas às diferentes ramificações da industria fabril e manufatureira, indispensável
para a existência de uma sociedade civilizada. Segundo FERREIRA (Ibid, p. 78):
A arithmetica, a álgebra, a geometria, o dezenho de figura, o de
ornatos, o geométrico e o de machinas são ali ensinados com
aplicação aos officios e as profissões industriais. A aprendizagem das
bellas-artes não é ali feita para o exercício da mesma arte
propriamente dita, mas para o aperfeiçoamento dos officios de
carpinteiro, pedreiro, canteiro, torneiro, ourives, estucador, etc, etc, e
das industrias fabril de tapeçaria, louças, armas, chitas, papeis
pintados, etc.
A seção de Artes e sua grade curricular (Quadro 02) centrada no ensino de
desenho, reforçam a prerrogativa da instituição em sua missão de disseminar o gosto
pelas belas artes sua vinculação aos ofícios e espalhá-la em vários aspectos físicos da
produção industrial da cidade.
Apesar de o Liceu ter sido fundado em 1856, só em março de 1858 suas aulas
começaram a funcionar, com 351 alunos matriculados, sendo o desenho a primeira
aula lecionada na instituição (BIELINSK, 2003). Com filantrópica que era, a instituição
oferecia cursos gratuitos sem qualquer discriminação de raça, idade, crença,
nacionalidade. Tinha o corpo docente e institucional formado por médicos, juristas,
artistas, engenheiros, arquitetos, etc., que não recebiam nada em troca dos serviços
prestados.
Os cursos do Liceu inicialmente se subdividiam em Profissional e Livre,
e compreendiam cerca de 50 ou mais profissões, sendo que na década
de 1880, foram acrescentados os cursos Profissional Feminino (1881)
e o Comercial Noturno de 4 anos (1882), ambos também pioneiros e
com número elevado de matriculas. (BIELINSK, 2009)
Desde sua fundação cumpria, a escola, de fornecer uma revista semestral, O
Brazil Artístico, que durou apenas um ano, além de organizar uma biblioteca, sessões
públicas para apresentação dos trabalhos dos alunos, concursos públicos para prêmio
dos melhores trabalhos, viagem dos melhores alunos dentre outras ofertas. As
exposições, iniciadas em 1859, feitas pelo Liceu tiveram um aspecto vanguardista.
Nelas eram colocados à mostra, os trabalhos dos alunos de pintura, escultura,
desenho, gravura, arquitetura, dentre outros, onde concorriam a prêmios e medalhas.
Nas seções de desenho, por exemplo, os alunos expunham cópias de gesso de
sólidos geométricos, desenho de máquinas e desenho e cópias de ornatos, figuras etc.
É interessante colocar que o próprio Bethencourt da Silva, além de ser 1º
secretário perpétuo e posteriormente diretor da instituição, foi professor de desenho
geométrico, desenho de máquinas, de ornatos e de arquitetura e um grande entusiasta
das exposições organizadas pelo Liceu.
Apesar da grande fama da instituição, durante os anos de 1863 a 1867, o Liceu
teve que fechar as portas, não por falta de alunos, pois tinha por volta de 2.378
matriculados (BELINSK, 2009), mas por falta de recursos. Volta a funcionar em 1869 e
em 1871 as matriculas chegaram a 3.068. “Em 1880, o Liceu de Artes e Ofícios já
havia se tornado e era considerado o mais importante estabelecimento de ensino
técnico-profissional do país, sem rival, também, na América Latina” (Ibid).
Ainda na década de 1880 dois novos cursos foram inseridos no programa do
Liceu, o Profissional Feminino (1881) e o Comercial Noturno (1882). O curso destinado
a mulheres, além de ter sido pioneiro e causado bastante polêmica na época, tinha
uma grande curricular bastante diversificada. As cadeiras de desenho eram
distribuídas ao longo das quatro séries anuais: 1º ano – desenho elementar; 2º ano –
desenho de sólidos geométricos; 3º ano – desenho de ornatos, cópia de estampa; 4º
ano – desenho de ornatos (cópia de gesso). Já no curso comercial as disciplinas de
desenho eram divididas nos dois primeiros anos em: desenho linear e noções de
geometria com aplicação à estereotipia (CUNHA, 2000, p. 126).
O Liceu alcançava, assim, várias camadas da população e ao visar, sobretudo,
uma ação estética sobre o meio urbano, buscava transformar a cidade em uma obra
de arte. Por meio do ensino do desenho, expressou a necessidade de um rigor
geométrico e um gosto sensível pela arte na composição e organização dos processos
industriais do país. Dotando a instituição de um valor ético, D. Pedro II frisou bem
quando o Liceu tornou-se uma escola Imperial: “O liceu não é só educador é também
moralizador” (BARROS, 1956). Para Amaral (2005, p. 155), “uma cidade totalmente
desenhada expressaria uma sociedade organizada para o trabalho”, o que caracteriza
também uma noção ordenadora da sociedade pela ação de uma educação
direcionada.
(...) Além disto, que vantagens não resultarão deste ensino artístico
para o povo e para a nação! Que valor não terão as obras da indústria
nacional, quando as Bellas-Artes tiverem enriquecido os adornos de
todas as nossas produçções melhorando o seu fabrico, harmonizando
as suas linhas, dando-lhes uma nova forma, aplicando-lhes todos os
recursos da natureza brasileira!... (BETHENCOURT DA SILVA, 1911,
p. 40)
Uma nova estética para os produtos brasileiros se insere, também, num discurso
nacionalista que despontava com mais intensidade no final do século XIX com Rui
Barbosa. O ensino público ganha força e o ensino do desenho atinge o auge com o
pensamento ruibarbosiano, o que nos permite compreender a história desta disciplina
como de fundamental importância para a história da educação brasileira, que
atualmente inicia um novo processo de promoção das instituições técnicas voltadas a
formação e capacitação de mão de obra qualificada.
4
Conclusão
O fato de o desenho, em suas mais variadas acepções, constar no ensino
profissionalizando durante o século XIX, evidencia uma preocupação política e social
com a formação de uma mão de obra capacitada para a execução dos mais variados
ofícios. Como linguagem de modernidade, o desenho tornou-se, para o Liceu de Artes
e Ofícios do Rio de Janeiro, elemento curricular imprescindível para a educação e
inclusão das classes populares nos processos produtivos, além de promover saída
para o atraso em que se encontravam as artes, a indústria e a manufatura no país.
É, sobretudo, com este pequeno panorama, que validamos a ideia de que a
formação para o trabalho passando por um espaço escolar diferente da oficina, com
disciplinas integradoras como o desenho, buscam valorizar a integração entre teoria e
prática, e é um dos suportes para a organização, espírito de iniciativa que tanto vem
sendo cobrado aos futuros profissionais.
Resgatar
a história do Liceu,
evidenciando seus aspectos
curriculares
fundamentados pelo seu fundador Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, o coloca
como pioneiro do ensino técnico destinado à formação mão de obra para atender as
necessidades materiais da população. No contexto do século XIX e para a instituição
os diferentes sujeitos que promoveram o ensino técnico concordavam em um aspecto
básico: o ensino do desenho é essencial na formação do trabalhador. Tal fato nos
permite compreender esta disciplina como parte integrante da história do ensino
profissional brasileiro.
Referências
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BIELINSK, Alba Carneiro. Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro – dos
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UZEDA, Helena Cunha de. O ensino da arquitetura na Academia de Belas Artes:
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