ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE POR MULHERES DAS REGIÕES SUDESTE E NORDESTE NO BRASIL EM 1998 Daniela Bacchi Bartolomeu Alexandre Nunes de Almeida RESUMO O trabalho proposto procurou diagnosticar através dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios (PNAD) de 1998 se existe desigualdade no acesso aos serviços de saúde por mulheres das áreas urbana e rural nas regiões Sudeste e Nordeste. Utilizando uma regressão logística verificou-se que existe desigualdade na utilização dos serviços de saúde em favor de indivíduos com maiores rendimentos e maior nível de escolaridade, e, portanto, há uma desigualdade do lado da utilização dos serviços. Por outro lado, há um grande problema de desigualdade também do lado da oferta destes bens e serviços, uma vez que as chances de utilizar serviços de saúde foram distintas quando se comparou regiões (Sudeste e Nordeste), setores (agrícola e não agrícola) e meios (rural e urbano) dos quais as mulheres pertenciam, trabalhavam ou residiam. Todas as análises apontaram para uma maior probabilidade de a mulher utilizar serviços de saúde onde as condições de infra-estrutura são melhores e a disponibilidade dos serviços de saúde são maiores. Palavras-chaves: mulheres, saúde, desigualdade e modelo Logit. 1. Introdução No Brasil, a pesquisa empírica em economia da saúde ainda se encontra em seus estágios iniciais quando comparada à dos Estados Unidos e Inglaterra. Andrade e Lisboa (2001) afirmam que, em parte, esta defasagem é decorrente do pequeno número de pesquisas amostrais com informações suficientes que permitam a estimação de modelos acerca da demanda e utilização de serviços de saúde. Além disso, os autores também citam o fato de que foi só a partir da Constituição de 1988, que o sistema de saúde foi definido. Neste ano, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), formado pelos provedores da rede pública e serviços privados contratados, caracterizando o sistema de saúde como um modelo misto (tanto de provimento quanto de financiamento). Observa-se também que, ao longo do tempo, vem crescendo a participação do setor privado na provisão de serviços de saúde, bem como dos planos e seguros de saúde. Outra mudança verificada no Brasil nas últimas duas décadas é a transição demográfica acompanhada de um processo de transição do padrão de mortalidade, as quais têm resultado em uma mudança significativa no bem-estar social associado aos indicadores de saúde. Tais mudanças, entretanto, não são percebidas de forma semelhante pelas unidades da federação, dadas as disparidades socioeconômicas existentes (Andrade e Lisboa, 2001). Com relação às características do setor de saúde, nota-se que este apresenta algumas particularidades que o diferencia de outros setores da economia. Além disso, a própria demanda por serviços de saúde também possui certas características que a diferencia: grande parte da população não demanda serviços médicos e, dentro do grupo de indivíduos que tem utilização positiva, apenas uma pequena parcela apresenta demanda elevada de serviços médicos (distribuição assimétrica). Desta forma, as leis econômicas não podem ser aplicadas 1 diretamente a este setor; conseqüentemente, observa-se uma grande discussão entre os autores com relação à definições como “demanda”, “necessidade” e “consumo” de serviços de saúde. Este trabalho foca no acesso ou utilização dos serviços de saúde por mulheres com 10 anos ou mais de acordo com algumas características demográficas, (como faixa etária), epidemiológicas (presença de doenças crônicas, auto-avaliação do estado de saúde, dentre outros) e socioeconômicas. A variável dependente utilizada como proxy de consumo é “procurou serviço ou profissional de saúde nas duas últimas semanas?”. Os dados utilizados foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e a estimação dos parâmetros foi realizada utilizando o método de estimação a partir do modelo Lógite. 2. Revisão de Literatura De acordo com Iunes (1995), à primeira vista, os conceitos de demanda e necessidade se chocam diretamente. Enquanto o primeiro reflete a liberdade e autonomia de escolha de acordo com as preferências do consumidor, o segundo é uma definição exógena. Entretanto, o autor afirma que o indivíduo pode demandar serviços de saúde com ou sem a necessidade médica. Neste caso, a demanda é entendida como o desejo de buscar atenção médica, e não como consumo efetivo, já que fatores externos não controlados pelo consumidor, principalmente os relacionados com acesso (como distância, períodos de espera etc.) podem impedir que a demanda se transforme em utilização. O autor ainda afirma que, do mesmo modo que existe demanda sem necessidade, também é possível que haja utilização sem necessidade. Isto ocorre quando a pessoa, mesmo percebendo um problema de saúde, não demanda serviços médicos (por não confiar no serviço prestado, por exemplo). Tais considerações são ilustradas na Figura 1. NECESSIDADE DEMANDA UTILIZAÇÃO (CONSUMO) SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM NÃO NÃO NÃO Figura 1- Possibilidades existentes na procura por serviços de saúde (baseado em Iunes, 1995). Iunes (1995), desta forma, conclui que a quantidade de serviços considerada necessária provavelmente diferirá da demandada. Assim, a necessidade é um dos componentes da demanda. A demanda por um bem ou serviço pode ser definida como a quantidade deste bem ou serviço que as pessoas desejam consumir num determinado período de tempo, dadas suas restrições orçamentárias. Entretanto, algumas características do setor de saúde o diferenciam dos demais setores da economia, e, portanto, certas leis econômicas não são aplicáveis. Segundo Iunes (1995), o trabalho clássico na literatura da saúde, Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care, publicado em 1963 por Kenneth Arrow, já apontava as peculiaridades existentes no setor de saúde que o diferenciam das outras áreas da economia, tais como: 2 a) a demanda por serviços de saúde é irregular e imprevisível, uma vez que o indivíduo não sabe quando e com qual freqüência vai necessitar de atenção médica; b) a demanda por atenção à saúde ocorre em situações anormais (doenças), o que pode comprometer a racionalidade da decisão do consumidor; c) além de o consumo de serviços de saúde envolver riscos para o paciente, o mercado não pode ser utilizado como um processo de aprendizagem, uma vez que o paciente não consegue utilizar experiências anteriores para eliminar tais incertezas. Isto gera a necessidade de um elo de confiança no relacionamento médico-paciente; d) a ética médica condena a propaganda e a competição aberta entre os médicos, o que acaba limitando o volume de informações, inclusive de preços, disponível ao consumidor; e) a entrada de profissionais no mercado é limitada por diversos requisitos (especializações, residências etc.); f) o mercado de atenção médica é caracterizado pela discriminação de preços; g) existe uma importante diferença de informação, por parte do médico, sobre as condições de saúde do paciente (informação assimétrica). Os três primeiros itens referem-se a fatores condicionantes do comportamento da demanda, enquanto os três seguintes são características da oferta que podem distorcer a estrutura de preços e a informação disponível para os consumidores, deslocando a demanda das condições ótimas. A existência de informação assimétrica em favor dos médicos (item g) abre a possibilidade de haver induções na demanda. Iunes (1995) cita como exemplo evidente deste fato a prática, no Brasil, do grande número de cesárias. Fatores econômicos (maiores remunerações) ou comodidade para o médico explicam boa parte da excessiva proporção destes procedimentos. Além disso, o autor afirma que os seguros tornam-se atrativos na presença de incertezas e potencial de perdas econômicas significativas. Assim, a sociedade buscou no seguro, público ou privado, o instrumento para a minimização das incertezas e dos riscos. Entretanto, a presença de seguros no mercado de serviços de saúde reduz os preços que são pagos diretamente pelo consumidor para próximo de zero. A informação fornecida ao consumidor não apresenta mais relação com custos, o que pode levar à má utilização dos recursos (acima do que seria utilizado na ausência de seguros). Esta alteração no comportamento do consumidor decorrente da presença do seguro é chamada risco moral (moral hazard). Nesta mesma linha, Andrade e Lisboa (2001), citam outras características do setor de saúde, tais como a presença de assimetria de informação e bens credenciais (é necessária a certificação de um profissional especializado para indicar o produto ou serviço específico para cada caso), problemas de agência (o consumo de serviços de saúde se caracteriza pela dissociação entre o consumidor final e o médico), elevadas especificidades (elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos), geração de externalidades difusas (uma vez que o consumo médio da sociedade gera impactos no bem-estar de cada indivíduo), inelasticidade-renda da demanda, dentre outros. Para alguns autores, as características do setor de saúde limitam de forma importante a validade de análises econômicas de demanda, uma vez que vários de seus pressupostos básicos são violados. Esta discussão toma corpo no contexto do debate entre a utilização dos conceitos de “demanda” e “necessidade”. Porto (1995) afirma que não existe consenso entre os autores com relação a tais conceitos. Segundo Porto (1995), os indicadores mais freqüentemente utilizados quando se fala em necessidades em saúde estão relacionados com os perfis demográficos, epidemiológicos e socioeconômicos. Resumidamente são: a) Perfil demográfico: os indicadores mais utilizados, de fácil implementação, são elaborados a partir da discriminação da população segundo sexo e faixa etária. 3 Entretanto, tais indicadores possuem baixo poder explicativo das diferenças de necessidades existentes, já que expressam unicamente variações biológicas naturais, não incorporando variações intragrupos decorrentes de outros fatores, como por exemplo, os sociais. b) Perfil epidemiológico: importante critério para avaliar diferenças nos níveis de necessidades, baseado nas correspondentes taxas de morbidade. Entretanto, tal indicador apresenta dificuldades decorrentes da falta de informação pertinente e da pouca confiabilidade da existente. Assim, utiliza-se, alternativamente, o conceito de mortalidade, mas que, segundo o autor, também tem recebido inúmeras críticas. c) Perfil socioeconômico: os indicadores socioeconômicos mais utilizados são o grau de alfabetização, as taxas de desemprego e a porcentagem de habitações ligadas a redes de saneamento básico. Sabe-se que o nível de educação de uma população possui relação com seu estado de saúde. Porto (1995), citando Musgrave (1984), afirma que existe uma correlação significativa entre a educação dos pais e a saúde dos filhos. Com relação aos trabalhos publicados relacionados ao assunto, Neri e Soares (2002) citam Travassos et al. (2000), os quais, utilizando dados da Pesquisa de Padrão de Vida (PPV/IBGE) de 1996/97, avaliam as chances de indivíduos pertencentes a três extratos de rendimentos diferentes utilizarem serviços de saúde. Os autores encontraram desigualdade social na distribuição de cuidado médico favorável aos extratos de maior rendimento, sendo que esta desigualdade se acentuava na Região Nordeste quando comparada à Região Sudeste. Travassos et al. (2002), também citados por Neri e Soares (2002), utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 98), testam, por intermédio de razões de chances, a existência de desigualdade social na utilização dos serviços de saúde. Os autores observaram que características como: ser branco, ter um elevado nível de escolaridade ser empregador ou assalariado com carteira aumentam a probabilidade de procurar serviços de saúde. Neri e Soares (2002) estudam a relação entre desigualdade social e saúde no Brasil e avaliam as necessidades e o consumo dos serviços de saúde, bem como o acesso a seguro saúde ao longo da distribuição de renda com dados retirados da PNAD 98. Os autores observaram que os indivíduos com menores rendimentos necessitam de maiores cuidados médicos, mas consomem menos os serviços de saúde. As características extra-rendimento indicam que os principais determinantes para o consumo dos serviços de saúde estariam fortemente associados aos grupos sociais mais privilegiados (de maior escolaridade, acesso a seguro saúde, água, esgoto, luz, coleta de lixo). De acordo com os mesmos autores, os principais motivos pelos quais as pessoas utilizam serviços de saúde são para: exames de rotina ou prevenção (37%); doença (32%); tratamento ou reabilitação (14%) e acidente ou lesão (5,4%). Além disso, a proporção de indivíduos que procuraram serviços de saúde por motivo de exames de rotina e prevenção tende a ser mais elevada nos décimos mais altos da distribuição de renda. Viscava et al. (2001), citados por Andrade e Lisboa (2001), utilizando dados da PNAD 98 e o método de regressão logística, também encontram desigualdade social na utilização de serviços de saúde. Os autores utilizam como indicadores do status socioeconômicos: posição na ocupação, escolaridade e cor. Para os três critérios, controlando pelo estado de saúde, foi encontrada uma correlação positiva entre utilização dos serviços de saúde e status socioeconômico. Finalmente, Andrade e Lisboa (2001) analisam a relação entre gastos com medicamentos, renda domiciliar e região de moradia. Entre os principais resultados, destacase a expressiva regressividade do gasto médio com medicamentos com relação à renda domiciliar. 4 3. O Modelo Econométrico Para modelar a freqüência ou probabilidade da mulher utilizar serviços de saúde, foi adotado o modelo Lógite, uma vez que a variável dependente (Y) pode assumir valores 0 e 1. Foi pressuposto que as variáveis selecionadas podem influenciar na decisão de “utilizar” ou “não utilizar” produtos ou serviços de saúde. Desta forma, se a mulher escolhe a alternativa “acessar”, Y assume valor 1; caso contrário, Y assume valor 0. Dados o vetor x de variáveis exógenas que explicam a decisão da família, e os parâmetros β que refletem o impacto de mudanças em x na probabilidade, tem-se que: Pr(Y = 1) = F ( β ′x) Pr(Y = 0) = 1 − F ( β ′x) Neste caso, define-se a esperança de Y (variável dependente) como sendo: E (Y ) = Pr(Y = 1) = F ( β ′x) onde F(⋅) é a função de distribuição logística expressa como: F ( β ' x) = 1 1 + e ( β 'x) A estimação dos parâmetros é, então, feita utilizando-se o método de máxima verossimilhança, em que a função de verossimilhança é dada por: n Pr(Y1 = y1, Y2 = y2 ,..., Yn = yn ) = L = ∏ [F ( β ′xi )]yi [1 − F ( β ′xi )]1− yi i =1 ou na forma logarítmica: n ln L = ∑ [ yi ln F ( β ′xi ) + (1 − yi ) ln(1 − F ( β ′xi ))] i =1 Os parâmetros são estimados por métodos não lineares, derivando-se a equação acima com relação a β e igualando a expressão a zero. 3.1 Efeitos Marginais Observe-se que o efeito que uma mudança em x causa na probabilidade de Yi=1 não é β, mas, sim, a função de densidade da distribuição logística (f ) vezes β, isto é: ∂E (Y ) = f ( β ′x) β ∂x o qual é denominado efeito marginal1. 4. Dados e Metodologia Os dados utilizados foram extraídos da PNAD 98, cujo suplemento especial foi dedicado ao tema da saúde. A pesquisa de 1998 correspondeu a um total de 344.975 pessoas pesquisadas, sendo que a amostra utilizada na estimação de uma regressão logística para a análise do consumo de serviços de saúde abrangeu 88.707 mulheres acima de dez anos de idade. 1 Greene (1997). 5 Para estimar a probabilidade de a mulher utilizar serviços de saúde, foi utilizada como proxy de acesso ao serviço de saúde a variável “procurou serviço ou profissional de saúde nas duas últimas semanas?” = “1” se “sim” e “0” do contrário, istoé, “não”. Desta forma, o trabalho enfoca o uso de serviços de saúde, e que não necessariamente se traduz na demanda por saúde, uma vez que, segundo Neri e Soares (2002), existem fatores que restringem o acesso, tais como distância, tempo, custo etc. As variáveis utilizadas correspondentes às características sócio-econômicas e demográficas foram: a) idade: dividida em três faixas etárias: mulheres entre 10 e 30 anos (Id1030), de 31 a 50 anos (Id3150) e acima de 50 anos (Id51); b) região: considerou-se apenas as regiões Nordeste (NE) e Sudeste (SE), uma vez que concentram mais da metade da população brasileira, além de apresentar grandes disparidades econômicas, principalmente nas áreas rurais; c) cor: foram consideradas as mulheres brancas (BRANCA), pretas (PRETA) e pardas (PARDA); d) número de componentes da família: excluindo-se agregados (CFAM); e) renda per capita: dividida em cinco categorias: mulheres que recebem até um salário mínimo (SM1), aquelas que recebem entre 1 e 2 salários (SM2), entre 2 e 3 salários (SM3), de 3 a 4 salários (SM4) e acima de 5 salários mínimos (SM5); f) escolaridade: dividida em 5 grupos: mulheres com menos de 1 ano de estudo (AEST1), de 1 a 4 anos de estudo (AEST14), entre 5 e 8 anos de estudo (AEST58), entre 9 e 12 anos de estudo (AEST912) e mulheres com 13 anos de estudo ou mais (AEST13); g) trabalho: mulheres que trabalharam (TRAB) ou não (NTRAB) na semana de referência da pesquisa; h) setor: setor em que a mulher trabalha: agrícola (AGRIC) ou não agrícola (NAGRIC); i) local de residência: residência no meio urbano (URBANO) ou rural (RURAL). Para o cálculo da renda per capita considerou-se o rendimento mensal familiar exclusive agregados dividido pelo número de pessoas na família (composição da família), também desconsiderando agregados. Além disso, também foram consideradas variáveis indicadoras da condição de saúde (perfil epidemiológico): a) auto-avaliação do estado de saúde: as respostas sobre a percepção da própria saúde foram divididas em duas categorias: ‘BOM’ para as mulheres que consideravam sua saúde muito boa, boa ou regular e ‘RUIM’ para aquelas que responderam muito ruim e ruim; b) doenças crônicas: se a mulher apresenta alguma doença como: doença de coluna ou costas, artrite ou reumatismo, câncer, diabetes, bronquite ou asma, hipertensão, doença do coração, doença renal crônica, depressão, tuberculose, tendinite ou tenossinovite, e/ou cirrose. Todas estas doenças foram agrupadas na variável DOENCA ou NDOENCA, no caso de possuir ou não alguma delas, respectivamente; e c) acesso a plano de saúde: não possui plano de saúde (NPLANO), possui plano privado (PPRIV), possui plano de saúde público (PPUBL). Segundo Neri e Soares (2002), a auto-avaliação do estado de saúde é uma variável que procura mensurar o estado de saúde através de um critério subjetivo, uma vez que depende da percepção da pessoa acerca do seu estado. Os autores consideram esta variável como uma importante medida de necessidade em saúde, pois pode ser vista como uma escala de bemestar geral do indivíduo. Por outro lado, também existem críticas a este modo de avaliação, pois é bastante subjetivo e está correlacionado com o grau de instrução do indivíduo. Os efeitos marginais dos parâmetros do modelo Logit foram estimados utilizando o software LIMDEP. 6 5. Análise Preliminar dos Dados A seguir, é feita uma análise estatística dos dados, relacionando-os com o acesso dos serviços de saúde. Todas as variáveis foram ponderadas pelo fator de expansão da amostra. A média e o desvio-padrão de cada variável podem ser vistos na Tabela 1. Tabela 1: Média e desvio-padrão das variáveis. Variáveis exógenas Região Nordeste (NE) Descrição Média d.p. =1 se mora na região NE 0.3863 0.0027 Cor Preta (PRETA) Parda (PARDA) =1 se é preta =1 se é parda 0.0678 0.4052 0.0049 0.0027 Ocupação Não trabalha (NTRAB) =1 se não trabalha 0.6307 0.0026 Setor do trabalho Agrícola (AGRIC) =1 se trabalha no setor agrícola 0.0772 0.0054 Residência Zona rural (RURAL) =1 se reside no meio rural 0.1900 0.0038 =1 se a renda per capita é entre 1 e 2 SM =1 se a renda per capita é entre 2 e 3 SM =1 se a renda per capita é entre 3 e 4 SM =1 se a renda per capita é maior que 5 SM 0.1614 0.0568 0.0273 0.0493 0.0033 0.0050 0.0067 0.0056 0.1515 0.2623 0.1888 0.0588 0.0037 0.0032 0.0036 0.0057 0.3213 0.2064 0.0029 0.0037 4.085 0.0007 0.0493 0.0043 0.4088 0.0026 0.0050 0.0137 0.0137 0.0082 Renda per capita Entre 1 e 2 salários mínimos (SM2) Entre 2 e 3 salários mínimos (SM3) Entre 3 e 4 salários mínimos (SM4) Mais do que 5 salários mínimos (SM5) Anos de estudo Menos de 1 (AEST0) Entre 5 e 8 (AEST58) Entre 9 e 12 (AEST912) Mais de 13 (AEST13) =1 se tem menos de 1 ano de estudo =1 se tem entre 5 e 8 anos de estudo =1 se tem entre 9 e 12 anos de estudo =1 se tem mais de 12 anos de estudo Idade (anos) Entre 31 e 50 anos (ID3150) Acima de 51 anos (ID51) =1 se tem entre 31 e 50 anos =1 se tem mais de 50 anos Tamanho da família Número de componentes (CFAM) Auto-avaliação do estado de saúde Ruim (ESRUIM) Presença de doenças crônicas Possui algum tipo de doença (DOENCA) Acesso a plano de saúde Plano de saúde público (PPUBL ) Plano de saúde privado (PPRIV) = número de componentes da família (sem agregado) =1 se considera seu estado de saúde ruim ou muito ruim =1 se tem alguma doença crônica =1 se tem plano de saúde público =1 se tem plano de saúde privado Fonte: IBGE/PNAD 1998. Verificou-se que apenas 16,2% das mulheres acima de 10 anos utilizaram serviços ou bens de saúde nas duas semanas anteriores à pesquisa, das quais apenas 5,6% eram da Região 7 % Nordeste e 10,6% eram da Região Sudeste. Esta região concentra 61,37% das mulheres estudadas. A elevada utilização de serviços de saúde pelas mulheres residentes na região Sudeste em relação às residentes na Região Nordeste deve ser reflexo da relação entre consumo e oferta de bens de saúde: como a Região Sudeste apresenta maior infra-estrutura e oferta de serviços de saúde, esta região também apresenta maiores taxas de utilização dos serviços, pelo menos por parte das mulheres. Com relação à cor, 52,7% das mulheres eram brancas, 40,52% eram consideradas pardas e as demais eram negras. Em geral, a freqüência de uso de serviços de saúde situou-se entre 14,99%, no caso das mulheres pardas, e 17,35%, no caso das mulheres brancas. (Figura 2). 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 82,65 85,01 84,76 17,35 14,99 15,24 branca parda preta Cor utilizou não utilizou Figura 2 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde por cor. Fonte: PNAD 1998. Observou-se predomínio das famílias com 3 e 4 componentes, sendo que famílias com até 5 pessoas representavam 82% da amostra. As mulheres cujas famílias possuíam poucos indivíduos utilizaram mais serviços de saúde do que aquelas com tamanho da família maior. Nota-se, portanto, uma queda na procura por bens de saúde conforme o número de pessoas na família aumenta (Figura 3). Considerando o total de serviços médicos utilizados por mulheres, 74% deles foram consumidos por mulheres cujas famílias possuíam até 4 pessoas. A partir daí, a participação da mulher no consumo de bens de saúde cai acentuadamente conforme aumenta o tamanho da família. 8 100 90 80 70 % 60 50 40 30 20 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Número de componentes da família utilizou não utilizou Figura 3 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde por tamanho da família. Fonte: PNAD 1998. Cerca de 63% das mulheres pesquisadas trabalhavam. Destas, aproximadamente 92% trabalhavam no setor não agrícola. A Figura 4 mostra que as mulheres que trabalhavam utilizaram menos os serviços de saúde em relação às que não trabalhavam. Em geral o custo do tempo de espera para pessoas que trabalham é maior do que para as que não trabalham, e, portanto, aquelas acabam consumindo menos bens de saúde. 70 60 % 50 40 30 20 10 0 nao trabalha trabalha Ocupação Figura 4 - Porcentagem das mulheres que utilizaram serviços de saúde de acordo com a situação de emprego. Fonte: PNAD 1998. Aproximadamente 81% das mulheres residiam no meio urbano. As mulheres que residem no meio urbano ou trabalham no setor não agrícola utilizaram de forma mais freqüente os serviços de saúde. Neste caso, quase 94% das mulheres que utilizaram serviços de saúde trabalhavam no setor não agrícola. A análise é semelhante ao que ocorre entre as regiões estudadas, cujo consumo é “incentivado” pela maior disponibilidade de serviços. 9 Quanto à idade, observou-se maior freqüência de mulheres jovens (de 10 a 30 anos), seguida de mulheres entre 31 e 50 anos de idade (32%) e acima de 50 anos (representavam 20,6% das entrevistadas). A Figura 5 mostra que há uma correlação positiva entre faixa etária e uso de serviços de saúde, uma vez que pessoas mais velhas requerem maiores cuidados com a saúde. 100 90 80 70 % 60 50 40 30 20 10 0 10 a 30 31 a 50 51ou mais Anos de idade utilizou não utilizou Figura 5 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde de acordo com a faixa etária. Fonte: PNAD 1998. A maior parte das mulheres tinha de 1 a 4 anos de estudo (33,85%) e apresentava uma renda per capita de até 1 salário mínimo (70,5%). Através da Figura 6, nota-se que, apesar de pouco acentuado, há um aumento da utilização dos serviços de saúde conforme aumenta o nível de escolaridade, uma vez que a mulher passa a ter maior conhecimento dos efeitos dos tratamentos, das áreas médicas específicas para cada situação e tratamentos preventivos. Enquanto apenas 15,3% das mulheres com nível de escolaridade entre 1 e 4 anos consumiram bens de saúde, 21,2% das mulheres com mais de 12 anos de estudo o fizeram. 100 90 80 70 % 60 50 40 30 20 10 0 menos1 de 1-4 de 5-8 de 9-12 mais de 12 Anos de estudo utilizou não utilizou Figura 6 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde por estratos de anos de estudo. Fonte: PNAD 1998. 10 A Figura 7 mostra uma relação positiva um pouco mais acentuada entre estratos de renda per capita e consumo de bens de saúde. Apenas 14,5% das mulheres com renda de até 1 salário mínimo consumiram bens de saúde, enquanto esta proporção aumenta para 23,3% nas estratos mais elevados de renda (acima de 5 salários mínimos). 100 90 80 70 60 % 50 40 30 20 10 0 SM1 SM2 SM3 Renda per capita utilizou SM4 SM5 não utilizou Figura 7 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde por estratos renda. Fonte: PNAD 1998. Quanto às características relacionadas aos indicadores de saúde, 95% das mulheres considerou seu estado de saúde bom. Como era esperado, mulheres que considerassem seu estado de saúde ruim deveriam apresentar maior freqüência de utilização de serviços de saúde. Desta forma, 40% delas consumiu algum tipo de bem de saúde, enquanto entre as mulheres que auto-avaliaram seu estado de saúde como ‘bom’, a utilização foi de 15% (Figura 8). 100 90 80 70 % 60 50 40 30 20 10 0 Ruim bom Auto-avaliação do estado de saúde utilizou não utilizou Figura 8 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde pela autoavaliação do estado de saúde. 11 Fonte: PNAD 1998. Quase 60% das mulheres não possuíam algum tipo de doença crônica; portanto, estas são as que mais utilizam serviços de saúde. Observa-se o mesmo comportamento da variável relacionada à auto-avaliação. 100 90 80 % 70 60 50 40 30 20 10 0 não possui possui Doença Crônica utilizou não utilizou Figura 9 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde pela presença de alguma doença crônica. Fonte: PNAD 1998. % A maioria das mulheres não possui plano de saúde (quase 73% delas), enquanto do restante que possuía, notou-se predomínio dos planos privados (21%) em relação aos públicos (6%). Verifica-se, através da Figura 10, que o uso de serviços de saúde por mulheres que possuem plano é maior, ultrapassando a faixa dos 22%, enquanto somente 13,9% daquelas que não possuem seguro de saúde consomem algum bem de saúde. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 não possui privado público Plano de saúde utilizou não utilizou Figura 10 - Porcentagem das mulheres que utilizaram ou não serviços de saúde pela posse de plano de saúde. Fonte: PNAD 1998. 6. Resultados 12 Tomando como base as mulheres que consumiram serviços de saúde, o resultado do teste do multiplicador de Lagrange (testa se todos os coeficientes possuem inclinação zero) indica que as variáveis escolhidas explicaram de maneira satisfatória a variável dependente, uma vez que foi significativo ao nível de 1% de probabilidade. Os valores dos efeitos marginais para as variáveis utilizadas, bem como os valores do teste z para os coeficientes podem ser vistos na Tabela 2. Em geral, pode-se observar que grande parte dos testes z foram significativos, sendo que apenas as variáveis PRETA, PARDA e AGRIC apresentaram baixo nível de significância. A seguir, é feita uma análise dos resultados para cada variável estudada. a) Idade Tomando como controle as mulheres que possuem entre 10 e 30 anos, verifica-se que a probabilidade da mulher acessar os serviços de saúde quando elas possuem entre 31 e 50 anos e acima de 51 anos aumenta, conforme o esperado. Resultado semelhante foi obtido por Neri e Soares (2002), para a população como um todo. Os autores verificam que as chances de procurar serviços de saúde aumentam à medida que os indivíduos ganham anos de idade. Ademais, a partir dos 50 anos inicia-se uma fase mais vulnerável das chamadas doenças crônicos-degenerativas. Almeida (2002) também chega a um resultado semelhante quando estuda consumo de pessoas acima de 60 anos. Segundo o autor, utilizando dados da pesquisa de orçamento familiar de 1996, com o aumento da idade dos idosos eleva a probabilidade destes consumirem bens e serviços relacionados à saúde. b) Região Foram consideradas apenas as regiões Nordeste (NE) e Sudeste (SE), na análise. Os resultados indicam que a probabilidade das mulheres nordestinas acessarem os serviços de saúde é menor quando comparada às mulheres residentes na região Sudeste. Pode-se sugerir que na região Nordeste exista uma carência de estabelecimentos de saúde, uma vez que, a construção de novos estabelecimentos de saúde depende de recursos municipais como foi estabelecido pela constituição de 1998 com a criação do SUS. Desta forma, o simples acesso seja para tratamentos preventivos ou doenças não só pelas mulheres ou toda a população esteja sendo dificultado. c) Cor Com relação à cor, notou-se que as mulheres negras possuem menor probabilidade de consumir serviços de saúde em relação às mulheres brancas. Por outro lado, as mulheres pardas apresentam maior probabilidade de utilizar tais serviços. No entanto, ambas as variáveis não se mostraram significativas na análise (significativas a 10%), indicando que a cor da mulher não explica de maneira satisfatória as chances da mulher acessar ou não bens de saúde. Por isso, nenhuma conclusão a respeito de discriminação com relação ao acesso devido a cor pode não ser diagnosticada. 13 Tabela 2. Efeitos Marginais da regressão de lógites para mulheres que utilizaram serviços de saúde igual a “1” se utilizou e “0” do contrário. e freqüência das variáveis. Procurou serviço de saúde nas duas últimas semanas Variáveis exógenas Constante Região Nordeste (NE) Cor Preta (PRETA) Parda (PARDA) Ocupação Não trabalha (NTRAB) Setor do trabalho Agrícola (AGRIC) Residência Zona rural (RURAL) Renda per capita Entre 1 e 2 salários mínimos (SM2) Entre 1 e 2 salários mínimos (SM3) Entre 1 e 2 salários mínimos (SM4) Entre 1 e 2 salários mínimos (SM5) Anos de estudo Menos de 1 (AEST0) Entre 5 e 8 (AEST58) Entre 9 e 12 (AEST912) Mais de 13 (AEST13) Idade (anos) Entre 31 e 50 anos (ID3150) Acima de 51 anos (ID51) Coeficiente (teste z) -0.25146 (0.000)* -0.008657 (0.001)* -0.00657 (0.182)*** 0.003812 (0.162)*** 0.009867 (0.000)* -0.001978 (0.718)*** -0.032698 (0.000)* 0.016832 (0.000)* 0.029275 (0.000)* 0.035206 (0.000)* 0.037563 (0.000)* -0.013052 (0.000)* 0.008110 (0.012)** 0.020277 (0.000)* 0.025782 (0.000)* 0.015678 (0.000)* 0.012742 (0.000)* 14 Continuação do tabela 2. Tamanho da família Número de componentes (CFAM) Auto-avaliação do estado de saúde Ruim (ESRUIM) Presença de doenças crônicas Possui algum tipo de doença (DOENCA) Acesso a plano de saúde Plano de saúde público (PPUBL ) Plano de saúde privado (PPRIV) -0.009459 (0.000)* 0.12415 (0.000)* 0.10907 (0.000)* 0.058355 (0.000)* 0.080112 (0.000)* Número de observações: 88.707 Chi-Quadrado: 5028.45* * Denota significância ao nível de 5%. ** Denota significância ao nível de 10%. *** Denota significância ao nível de 1%. Fonte: IBGE/PNAD 1998. d) Número de componentes da família Conforme aumenta o tamanho da família, reduz a probabilidade da mulher acessar os bens de saúde. Os resultados indicam que cada indivíduo a mais na família reduz em 0,094 as chances de a mulher utilizar os serviços de saúde. e) Renda per capita Os efeitos marginais da renda sobre o acesso de bens de saúde indicam que, quanto maior o estrato da renda em que a mulher está inserida, maior a probabilidade desta acessar algum serviço de saúde. Tomando-se como referência as mulheres que possuem uma renda per capita de até um salário mínimo, as chances da mulher utilizar serviços de saúde quando a renda aumenta em 1 unidade serão de 0,0168, 0,0292, 0,0352 e 0,0375 para mulheres que recebem entre 1 e 2 salários mínimos, entre 2 e 3 salários mínimos, de 3 a 4 salários e acima de 5 salários mínimos, respectivamente. Os resultados obtidos estão de acordo com a maioria dos estudos na área que enfocam a questão de equidade. Os autores concluem que existe uma desigualdade na utilização de serviços de saúde em favor dos indivíduos com maiores rendimentos. Portanto, estudando somente as mulheres, percebe-se que elas apresentam o mesmo comportamento. f) Escolaridade Em relação às mulheres que possuem entre 1 e 4 anos de estudo, verifica-se que a probabilidade de utilizar serviços de saúde diminui em 0,013 para aquelas mulheres com menor nível de escolaridade (menos de 1 ano), enquanto para as outras faixas de escolaridade, superiores a 4 anos, as chances aumentam. Assim, pode-se afirmar que existe uma correlação positiva entre faixas de escolaridade e uso de serviços de saúde, refletindo, provavelmente, maiores níveis de conhecimento sobre seu próprio estado de saúde. Por exemplo, indivíduos 15 com maior escolaridade tendem a ter uma melhor percepção dos efeitos do tratamento sobre a saúde, assim como um maior conhecimento das especialidades médicas para cada tipo de tratamento. g) Trabalho A probabilidade de as mulheres que não trabalham acessarem os serviços de saúde é 0,0098 maior em relação àquelas que trabalham. Tal resultado confirma o fato de poder existir um maior custo de tempo de espera, por parte das mulheres que trabalham, o que reduz seu freqüência de utilização dos serviços. h) Setor de trabalho Pelo resultado observar-se que as mulheres que trabalham no setor rural têm menor probabilidade de acessar os serviços de saúde. Infelizmente, diversas suposições contraditórias advêm deste resultado. Se por um lado, esperava-se que as trabalhadoras no meio rural, devido, possivelmente, a um trabalho mais forçado houvesse uma depreciação mais gradativa do corpo do que quem trabalha no meio urbano e, portanto, mais demanda por serviços de saúde2. Por outro lado, o alto custo de espera mais o fator distância, variável não controlada, reduz a freqüência de utilizar os serviços de saúde e com isso, o resultado apresenta um sinal esperado. i) Local de residência A variável que indica o setor de residência da mulher mostrou-se altamente significativa, ao contrário daquela selecionada para explicar a influência do setor de trabalho sobre o acesso de bens de saúde. Assim, pode-se concluir que é o local de residência, e não o local de trabalho, que explica a utilização de serviços de saúde. Como esperado, as mulheres que trabalham no meio rural têm menor probabilidade de acessar bens de saúde do que as que residem no setor urbano. Isto pode ser reflexo da pior condição de infra-estrutura e menor oferta de serviços de saúde nas zonas rurais, além da distância, efeito não controlado no modelo. j) Auto-avaliação do estado de saúde A utilização desta variável é criticada por Noronha e Viega (2002), citados por Neri e Soares (2002), pois acreditam que esta resulta numa subestimação das doenças, especialmente nas camadas mais pobres da população, uma vez que essas tendem a desconhecer seu real estado de saúde, já que possuem menor oportunidade de acesso aos serviços de saúde. Por outro lado, Neri e Soares (2002) acreditam que esta é uma variável importante, uma vez que caracteriza o bem-estar geral do indivíduo. De qualquer forma, a variável de auto-avaliação foi altamente significativa neste modelo. Os resultados indicam que as chances de a mulher acessar os serviços de saúde aumentam se ela considera seu estado de saúde ruim ou muito ruim, como é esperado que ocorra. l) Doenças crônicas Como já era esperado, a probabilidade de utilizar serviços de saúde aumenta em 0,109 se a mulher possui algum tipo de doença crônica em relação à que não possui nenhum tipo de doença entre as que foram consideradas no questionário da PNAD. m) Acesso a plano de saúde 2 Não está incluído atividade doméstica. 16 As mulheres que possuem plano de saúde apresentam maior probabilidade de utilizar serviços de saúde em relação às que não possuem nenhum tipo de plano. Em especial, as chances das mulheres acessarem bens de saúde são maiores para aquelas que possuem plano privado de saúde. Isto ocorre porque, segundo Neri e Soares (2002), as chances de “consumir” estes serviços aumentam mais à medida que os indivíduos gastam mais com a mensalidade do plano de saúde, principalmente com tratamentos preventivos. No estudo, Neri e Soares (2002) destacam que a diferença da posse de seguro de saúde entre a parcela da população que representa os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de 16 vezes. Os autores também observaram que, além da desigualdade na posse de seguros de saúde, há desigualdade em relação à cobertura do plano, ou seja, há um aumento ao longo da distribuição de renda em relação aos exames complementares. 7. Conclusões O presente trabalho procurou analisar os determinantes da utilização de serviços de saúde por mulheres acima de 10 anos que residem nas regiões Sudeste e Nordeste. Com exceção das variáveis relacionadas à cor (PRETA e PARDA) e ao setor de ocupação (AGRIC), todas as demais apresentaram alto nível de significância. Assim como outros estudos citados na revisão bibliográfica, foi verificada uma desigualdade com relação ao uso de serviços de saúde quando se analisa a renda per capita. A probabilidade de a mulher utilizar serviços de saúde é maior quando ela pertence a um estrato de renda maior. Chama a atenção para o fato de que 70,5% das mulheres possuem uma renda per capita de até 1 salário mínimo, e quase 87% delas ganham até 2 salários mínimos, ou seja, a maior parte da população feminina possui as menores freqüências de uso dos serviços de saúde. A idade e os anos de escolaridade também apresentaram correlação positiva com a utilização de serviços de saúde: quanto maiores os estratos (faixa etária e escolaridade) em que a mulher se insere, maior a probabilidade desta consumir os serviços, em relação às mulheres mais jovens ou que têm menor nível de escolaridade, respectivamente. Mulheres que não trabalham possuem chances maiores de consumir algum bem de saúde em relação às que trabalham. Foi verificado que o setor em que a mulher trabalha não tem grande influência sobre sua decisão de consumir. O que é mais relevante para explicar o consumo de bens de saúde é o local de residência. Neste contexto, as mulheres que trabalham na zona rural têm menor probabilidade de consumir bens de saúde quando comparadas às que residem no setor urbano, talvez em decorrência da pior condição de infra-estrutura e menor oferta de serviços de saúde nestes locais. Talvez o mesmo raciocínio possa ser aplicado ao se comparar as chances da mulher residente na Região Sudeste com a residente na Região Nordeste, pois foi observado que a probabilidade das mulheres nordestinas consumirem serviços de saúde é menor se comparadas às primeiras. Outra variável analisada diz respeito à composição da família. Foi visto que, conforme aumenta o tamanho da família, reduz a probabilidade da mulher consumir bens de saúde. Com relação às variáveis indicativas das condições de saúde, apesar de representarem pequena parcela da população, as mulheres que consideram seu estado de saúde ruim ou muito ruim apresentam maiores chances de utilizar serviços de saúde, o que é esperado. Da mesma forma, a probabilidade aumenta caso a mulher possui alguma doença crônica. As mulheres que possuem plano de saúde apresentam maior probabilidade de utilizar serviços de saúde. No entanto, as mulheres que possuem plano de saúde representam apenas 27% da população, sendo que destes, 21% referem-se a plano privado e apenas 6% são planos 17 de saúde públicos. Mais uma vez, portanto, verifica-se de forma indireta, a falta de equidade com relação à utilização dos serviços de saúde, uma vez que a grande maioria da população não possui planos. Em suma, verifica-se que existe desigualdade na utilização dos serviços de saúde em favor de indivíduos com maiores rendimentos e maior nível de escolaridade, e, portanto, há uma desigualdade do lado da utilização dos serviços. Por outro lado, há um grande problema de desigualdade também do lado da oferta destes bens e serviços, uma vez que as chances de utilizar serviços de saúde foram distintas quando se comparou regiões (Sudeste e Nordeste), setores (agrícola e não agrícola) e meios (rural e urbano) dos quais as mulheres pertenciam, trabalhavam ou residiam. Todas as análises apontaram para uma maior probabilidade de a mulher utilizar serviços de saúde onde as condições de infra-estrutura são melhores e a disponibilidade dos serviços são maiores. Desta forma, políticas voltadas para a área da saúde devem levar em consideração não só a existência de deficiências do lado do acesso ou consumo dos serviços de saúde, mas também as desigualdades do lado da oferta, para que produzam resultados efetivos ou mais próximos do esperado. Além disso, como existe uma certa causalidade entre rendimentos e estado de saúde, ou seja, um pior rendimento provoca uma saúde mais precária, o que, por sua vez, gera um menor rendimento, deve-se atentar para o fato de que políticas voltadas para saúde também terão impactos nas condições econômicas da população. Referências Bibliográficas Almeida, A.N. de. Determinantes do Consumo de Famílias com idosos e sem idosos com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares 1995/96. Dissertação de Mestrado (ESALQ/USP). Piracicaba, 2002. Andrade, M.V; Lisboa, M.B. A Economia da Saúde no Brasil. In: Lisboa, M.B.; MenezesFilho, N.A. Microeconomia e sociedade no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2001. Greene, W. 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