como Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE Autor: Filiphe Calazans Araújo Santana Orientador: M.Sc.Mário Sérgio Ferrari Brasília - DF 2011 FILIPHE CALAZANS ARAÚJO SANTANA A RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE Artigo apresentado ao Curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: M.Sc. Mário Sérgio Ferrari. Brasília - DF 2011 Artigo de Autoria de Filiphe Calazans Araújo Santana, Intitulado “A Responsabilidade Civil Por Perda de uma Chance”, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de (Bacharel) em Direito da Universidade Católica de Brasília, em 03 de novembro de 2011, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________________________ Prof. Msc. Mário Sérgio Ferrari Orientador Direito – UCB _________________________________________________ Prof. (titulação). (Nome do membro da banca) Direito – UCB _________________________________________________ Prof. (titulação). (Nome do membro da banca) Direito – UCB Brasília - DF 2011 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE Resumo: O eixo-paradigmático deste artigo é a teoria da responsabilidade por perda de uma chance. Ou seja, cuida-se aqui de uma nova vertente da responsabilidade civil, é a possibilidade de reparação pela perda de uma chance, ou, em outras palavras, o ressarcimento pela perda da oportunidade de almejar determinada vantagem ou é claro evitar um prejuízo. O tema será abordado sob a ótica da responsabilidade civil e representa uma significativa evolução no direito civil constitucional. Conforme se verifica na literatura especializada, a Teoria da Perda de uma Chance nasce, em 1865, na França, onde juristas locais vêem a possibilidade jurídica da indenização à vítima, por perda de uma chance. A teoria em análise tem como precursor o pesquisador italiano Adriano de Cupis (1960), considerado o maior pensador no que tange ao real alcance da perda da possibilidade e sua possível indenização. Trata-se de um tema muito interessante e novo na doutrina e na jurisprudência, porém vem angariando ampla repercussão nas decisões dos tribunais brasileiros. Palavras-chave: Evolução Histórica. Chance. Dano. Indenização. ABSTRACT The axis of this article-is the paradigmatic theory of liability for loss of a chance. That is care is taken here of a new strand of liability is the possibility of redress for the loss of a chance, or, in other cause, the compensation for the loss of the opportunity can a certain advantage or avoid a loss of course. The theme will be approached from the perspective of civil liability and represents a significant evolution in the civil law constitutional. As can be see in the literature, the Theory of Loss of a Chance was born in 1865 in France, where local lawyers see the legal possibility of compensation to the victim, loss of a chance. The theory under consideration is the forerunner of the Italian researcher Adriano de Cupis (1960), considered the greatest thinker in relation to the real extent of the loss of the possibility and possible compensation, It is a very interesting topic and a new doctrine and jurisprudence, but is raising broad impact on the decisions of the Brazilian courts. Keywords: Historical Evolution. Loss. Damage. Indemnificatio. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance é tema novo no mundo do direito civil e logicamente no direito brasileiro. Entende-se por responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance a visualização de um dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Entretanto, este artigo, inicialmente apresenta, ainda que de forma sucinta, os elementos fundamentais inerentes à teoria da perda de uma chance no direito francês e no direito italiano, universos de 4 origem da discutida teoria. É irrefutável que a teoria da responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance, está literalmente ligada ao tema da configuração do dano, onde aqui discutiremos os requisitos básicos e necessários do mesmo, provando ser cabível a aplicação da teoria no direito brasileiro. Nota-se que, com o decorrer do tempo e com novos entendimentos do direito civil e claro da responsabilidade civil, os tribunais vêm passando a aceitar e reconhecer novas formas de dano, tudo com a nova interpretação do direito civil ao contexto Constitucional. Quanto às decisões sobre a matéria posta, sob a forma jurisprudencial, algumas ementas e acórdãos, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, serão apresentados e discutidos, por constituir os primeiros alusivos à temática posta. Desnecessário seria dizer que o presente artigo não tem o escopo de exaurir definitivamente a teoria da perda de uma chance, dentro da responsabilidade civil, visto que não seria possível dispensar uma linha de raciocínio mais elaborada se o objetivo fosse o de examinar todas as vertentes para a compreensão do tema. Ainda, seria necessária uma pesquisa mais ampla para explanar melhor aplicação e interpretação dentro do direito brasileiro. Portanto, foram utilizados estudos, monografias, artigos e manuais de responsabilidade civil, bem como jurisprudências e doutrinas no contexto do tema e no foco em análise. PARTE I – O DANO E SEU CONCEITO NO DIREITO CIVIL O conceito de dano foi escrito por inúmeros doutrinadores, e que detém uma vasta concepção do quer seria dano, porém, todos chegam a uma mesma conclusão, qual seja a perda ou lesão a um bem jurídico. Neste entendimento, o conceito de Sergio Cavalieri Filho, se enquadra assim: Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da 1 vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona trazem o conceito de dano: Nestes termos, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator. Nota-se, neste conceito, que a configuração do prejuízo poderá decorrer da agressão a direitos ou interesses personalíssimos (extrapatrimoniais), a exemplo daqueles representados pelos direitos da personalidade, especialmente o dano 2 moral. O dano dentro de uma ótica técnica é essencial para a obrigação de indenizar. Por conseguinte, o dano é pressuposto de admissibilidade da responsabilidade civil, “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”.3 1 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 40. 3 CAVALIERI FILHO, op.cit., p.73. 2 5 No cerne das discussões ora apresentadas, são observadas algumas formas elementares de o sujeito sofrer um dano: a) quando há uma diminuição do seus bens materiais, ou seja, o dano material; b) quando se sofre algum tipo de dano a sua personalidade que nesse aspecto configura-se um dano moral; c) quando ocorre um dano físico (perda de um membro, por exemplo). Ocorrendo um fato danoso, caracteriza-se, quando há uma diminuição econômica do patrimônio da vítima, um dano patrimonial, isso se mostra após uma análise pecuniária da vítima e de seu patrimônio depois do dano. Já nos casos de dano moral, não se vê uma diminuição direta e econômica no patrimônio da vítima, mas sim, uma violação a um bem personalíssimo. No que concerne ao dano físico, o prejuízo poderá ser imediato ou futuro. Considera-se imediato quando impede a vítima, logo após a ocorrência da lesão, de exercer seu trabalho. Entende-se por prejuízo futuro, quando se verifica que a vítima ficará impedida, a curto, médio ou longo prazo, de exercer determinadas atividades laborais. I.I – FATO GERADOR DE INDENIZAR: O DANO. Tem-se o dano como elemento central da responsabilidade civil. Não haverá ato punível, para os efeitos da responsabilidade, sem o dano causado, “o dano é o grande vilão da responsabilidade civil”.4 Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.5 José de Aguiar Dias, assim entende em relação ao dano: O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que suscita menos controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos autores convém em que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente 6 não pode concretizar-se onde nada há que reparar. (...). Pode-se dizer que dentre os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: culpa, nexo causal e o dano, este último se apresenta de forma mais peculiar do que os outros. Isto porque, com as novas tendências e novos paradigmas da sociedade, o conceito de dano ganhou seu espaço nas mentes dos magistrados, como paradigma de ser possível a indenização pela perda de uma chance. Concomitantemente, o nexo causal e a culpa perderam um pouco de sua relevância nas decisões do poder judiciário. Explica-se: muitas ações, antigamente ficavam prejudicadas devido à complexidade de se provar a culpa e o nexo causal. Esta inovação na concepção de dano, com a aplicação do dano passível de ressarcimento, vem contribuir para que ao decidir, os magistrados possam desconsiderar, no mérito, alguns pressupostos da responsabilidade para assim promover a reparação do dano sofrido. Percebe-se que está havendo certa flexibilidade dos julgadores e consequentemente da jurisprudência para essa nova forma de obrigação de indenizar. Nesta visão, Anderson Schreiber evidencia: 4 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 72. Ibid., p. 70. 6 AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.713-716. 5 6 Longe de ser restrita ao âmbito probatório, esta flexibilização indica uma alteração gradativa e eminentemente jurisprudencial na estrutura da responsabilidade civil, a refletir a valorização de sua função compensatória e a crescente necessidade de assistir a vítima em uma realidade social marcada pela insuficiência das políticas públicas na administração e reparação dos danos. Neste contexto, os pressupostos da responsabilidade civil relacionados à imputação do dever de indenizar (culpa e nexo causal), perdem relevância em face de uma certa ascensão daquele elemento que 7 consiste, a um só tempo, no objeto e ratio da reparação: o dano. Neste contexto, novas espécies de dano vêm sendo apontadas pela doutrina e jurisprudência, com a tutela do Poder Judiciário. Esses novos interesses chegaram para ficar, e são dignos de proteção, que antigamente jamais se pensava em divergir do tradicional sistema de indenização adotado no Brasil. Essa nova visão dos julgadores, em relação à análise do fato gerador de indenizar que é o dano, está sendo reconhecida como uma nova forma de tutela das diversas situações geradoras de dano, o que de fato contribui para minimizar o raciocínio materialista e patrimonial que norteiam as ações de reparação. No atual momento já se reconhece outras formas de dano ressarcísseis como, por exemplo, o dano decorrente da perda de uma chance. I.II – APLICABILIDADE DO DANO A análise do dano tem uma visão tradicional e materialista, o que, se resume em permitir o ressarcimento de algum dano, geralmente são os casos de diminuição econômica patrimonial que seja fácil de detectar, como o dano emergente e o lucro cessante. Em outros casos, ficavam carentes de indenização por falta de uma maior análise do caso em concreto. Acontece que, nas decisões judiciais dos Tribunais estão ocorrendo mudanças inevitáveis, são questões sociais que refletem positivamente ou negativamente na mente dos magistrados, que na maioria das vezes vem ampliando os critérios de assimilação do evento que nasce o dano. Neste cenário, a aplicação do dano está visível, pois, com toda essa transformação social abordada acima, os casos de indenizações por dano moral aumentaram bastante, e consequentemente o nascimento de novas teorias a cerca de tipos específicos de danos como o dano pela perda da oportunidade, ou perda de uma chance. I.III – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DANO Como instrumento de regulação social temos o Direito, sempre se adaptando às novas modificações sociais para desenvolver seu papel da melhor forma possível, levando a jurisdição para seus jurisdicionados. Já no direito privado, essas mutações que o ocorrem na sociedade vêm influenciando as relações entre os particulares, o que ajuda a forçar o judiciário a ser mais crucial em suas decisões. 7 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 79. 7 Com esse contexto já se discute a constitucionalização do direito civil, que concebe “a aplicação das normas constitucionais às relações privadas”.8 Como a dignidade da pessoa humana é valor fundamental consagrado pela Constituição Federal de 1988, conclui-se que todas as relações privadas deveram observar esse preceito fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto se houver desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, nas relações privadas, será necessária a interferência do judiciário nessas relações, para assim adequá-las as normas consagradas na Constituição Federal de 1988. Portanto, todas as novas teorias do direito civil acerca do dano, como a teoria da perda de uma chance dentro da responsabilidade civil, tem como fundamento essencial o princípio da dignidade da pessoa humana. É irrefutável que este prodígio da constitucionalização do direito civil combinado com o princípio da dignidade da pessoa humana, vem sendo a base para as novas teorias dentro da responsabilidade civil, e claro o reconhecimento de novos danos ressarcísseis. Anderson Schreiber, entende: Um novo universo de interesses merecedores de tutela veio dar margem, diante da sua violação, a danos que até então sequer eram considerados juridicamente como tais, tendo, de forma direita ou indireta, negada a sua 9 ressarcibilidade. PARTE II – TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE Deverá ser indenizado, aquele que deixa de obter um ganho ou que evita uma perda, em razão da conduta de outrem, esse é o entendimento de vários doutrinadores brasileiros a respeito da teoria da perda de uma chance. Um dos exemplos clássicos dessa teoria é quando um determinado cliente perde a possibilidade de ganhar uma vantagem em razão do advogado que deixa decorrer o prazo para recorrer ao Tribunal, sendo assim a decisão de primeiro gral sendo desfavorável para seu cliente. Caso o advogado tivesse recorrido em tempo hábil, o cliente teria a chance de ter a sentença reformada, e assim ganhando seu direito, mas perdeu essa chance por causa do advogado que foi desidioso em sua conduta. Assim sendo, a doutrina entende que, este cliente deve ser indenizado pelo seu advogado, pela perda da oportunidade de ver seu caso ser reexaminado pelo Tribunal. Sérgio Cavalieri Filho sustenta sobre a teoria da responsabilidade por perda de uma chance: Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença 10 desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Nota-se que a teoria da perda de uma chance, se consagra na reparação da perda de uma possibilidade de galgar um ganho futuro, nas concretas situações que 8 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. São Paulo:Atlas, 2007, p. 85 Ibid., p. 85/86. 10 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 74/75. 9 8 tinha grande probabilidade de se ter uma vantagem e não, a perda da vantagem em si, por não se tratar de uma certeza absoluta de que conseguiria tal vantagem. Como a melhor doutrina consagra, fica a critério do Juiz, realizar os pressupostos para que se dê essa indenização. Para melhor compreensão o que se pretende indenizar não é a perda da vantagem futura, porque esta é sem duvida incerta, mas sim, a perda da possibilidade de conseguir uma vantagem. Caracteriza-se como dano não a perda do benefício futuro e sim a perda da chance de conseguir tal benefício. Um dos maiores problemas enfrentados pelos magistrados nesta teoria, é justamente a quantificação em valor desse dano decorrente da chance perdida, a doutrina majoritária entende que deve ser realizado um calculo das probabilidades de ocorrência da vantagem caso a chance de consegui-la não tivesse sido exterminada. Com esse entendimento, o consagrado doutrinador Maurizio Bocchiola: A estatística e cálculo das probabilidades adquiriram, nos dias de hoje, uma grande importância em diversas áreas do conhecimento. Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, é possível hoje predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que, inicialmente, parecia entregue apenas à sorte, ao ponto de poder considerá-lo um valor normal, quase estável, dotado de uma certa 11 autonomia em relação ao resultado definitivo. Sendo assim, a quantidade da indenização não deve por hipótese alguma a mesma da vantagem perdida, e sim o valor da vantagem esperada. Neste caso, no caso em que, o advogado perde o prazo do recurso, o valor da indenização não deve ser o valor da causa e sim o valor que ele possivelmente conseguiria ao final do processo. Aqui se fala em lucros cessantes e não da perda de uma chance. Para uma correta compreensão da teoria da perda de uma chance, se faz necessário o estudo da sua origem e evolução. II.I – ORIGEM E EVOLUÇÃO Em 1960 na França, nasce a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, onde e quando, doutrina e jurisprudência, começavam a se importar com a situação em que, uma determinada pessoa se via privada da possibilidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar uma perda, devido a uma conduta de outrem. Por muito tempo o dano decorrente da perda da chance ficou sem ser indenizado, por se tratar de uma teoria nova, e a antiga doutrina e jurisprudência não aceitavam esse tipo de indenização. Com o novo mundo contemporâneo e suas mudanças significativas na sociedade, novos interesses passaram a ser mais bem observados pelo Direito Pátrio, dentre estes o dano decorrente da perda de uma chance, que dai em diante foi reconhecido na França, como abaixo vemos: 11 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di una chance e certezza Del dano. In Revista Trimestrali di Diritto e Procedura Civile. Anno XXX, p. 93-94 apud, SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 20. 9 Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria 12 da responsabilidade civil por perda de uma chance. Em 1940, o professor da Universidade de Milão Giovani Pacchioni, começou a analisar fortemente na Itália, as primeiras construções da teoria iniciada na França. Esse grande professor, para aprofundar em seu estudo da teoria da perda de uma chance, teve como base alguns exemplos clássicos da responsabilidade civil, analisados dentro do Direito Francês e assim sendo para construir o seu pensamento a respeito dessa teoria. Com todo esse estudo e dedicação este doutrinador, não acreditava na possibilidade de ressarcimento do dano decorrente da perda de uma chance, pois seria impossível mensurar a certeza do dano.13 Já na Itália, logo após Pacchioni, Adriano de Cupis, professor de direito civil da Universidade de Perugia, ao se dedicar aos mesmo exemplos usados por Pacchioni, concluiu que era possível se indenizar detectando o dano independentemente do resultado final. Com analise dos estudos de Adriano de Cupis, se percebe que ele enquadrou o dano decorrente da perda de uma chance como dano emergente e não como lucro cessante, contrariando o pensamento dos outros doutrinadores que o antecederam. Logo, todos os outros doutrinadores ao estudar a teoria, aos olhos de Cupis, compreenderam que ao colocar o dano da perda de uma chance como dano emergente ele sanou o problema da certeza do dano e do nexo causal, e interpretando que a chance já integraria o patrimônio da vítima, portanto, havendo assim a diminuição do patrimonial e consequente configuração do dano. Depois de Adriano de Cupis, Maurisio Bocchiola foi quem melhor interpretou e quem formulou os pilares da teoria. Com a contribuição dos doutrinadores italianos e franceses, a jurisprudência começou a aceitar o dano decorrente da perda de uma chance e assim aplicando-a nos casos concretos. Foi na Itália que a teoria teve maior aceitação e desenvolvimento devido Cupis e Bocchiola, dai em diante os Tribunais passaram a analisar com mais atenção os casos que envolviam a perda de uma chance. Sendo assim, na Itália, em 19 de novembro de 1983, na Corte de Cassazioni, julgou o primeiro caso dando como a perda de uma chance a solução mais adequada para caracterizar o dano e haver sua respectiva indenização. A empresa Stefer, foi condenada a pagar uma indenização, por ter proibido que alguns candidatos, após terem participado das primeiras fases de processo de seleção, não participassem da prova subsequente, fulminando assim a chance que estes candidatos tinham de ingressar no emprego. Para a Corte de Cassazione, a indenização se refere à perda da possibilidade de conseguir o emprego e não pela perda do emprego em si.14 12 SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 1. São Paulo: Atlas, 2006. p. 03. PACCHIONI, Giovani. Diritto Civile Italiano. Parte seconda: Diritto delle obbligazioni, v.IV: Cedam. 1940. p. 109, apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 10. 14 SAVI, op. cit., p. 27. 13 10 Os Tribunais de muitos países passaram a reconhecer essa teoria, por causa dos estudos realizados na França e na Itália. II.II – A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO PÁTRIO No Brasil, o estudo da responsabilidade civil por perda de uma chance não teve o adequado aprofundamento por parte dos doutrinadores, isso ocorreu por muito tempo, sendo que só alguns estudiosos cederam comentários a respeito da teoria. O tema só teve maior relevância e ganhou destaque, a partir da dissertação de mestrado, defendida pelo jurista Rafael Peteffi da Silva, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que teve como título Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance15, em 2001, neste trabalho o autor teve um aproveitamento total do tema, e foi considerado o primeiro trabalho no Brasil, a conseguir encarar o tema com tanta profundidade. Só a partir de 2001 que a teoria da perda de uma chance ganha espaço no ordenamento jurídico pátrio. Outro jurista logo depois de Pettefi deu sua grande contribuição acerca do tema, com a dissertação de mestrado defendida por Sergio Savi, intitulada, Responsabilidade Civil por perda de uma Chance16, na qual, o autor dedicou totalmente à aplicação dessa teoria no direito Brasileiro, fazendo toda a análise jurisprudencial dos tribunais pátrios. Agostinho Alvim, Aguiar Dias, Carvalho Santos, Caio Mario e Miguel Maria de Serpa Lopes foram os doutrinadores que reconheceram a teoria da perda de uma chance dentro do ordenamento jurídico. O maior exemplo que se pode dar para a teoria é o caso do advogado, que perde o prazo para interposição de um recurso contra sentença desfavorável ao cliente, todos estes doutrinadores reconheceram a existência do dano diverso da perda da ação, que é o dano decorrente da perda da oportunidade de ver a matéria reexaminada pelo tribunal em grau de recurso. E assim ver a possibilidade de ganhar a ação. Agostinho Alvim declarou-se a respeito do caso: Alguém vê julgada improcedente uma ação, que intentou para haver certa quantia. A sentença, proferida por juiz inexperiente, certamente não subsistirá, por haver mal apreciado a prova. Todavia, o advogado, por negligência, deixa de apelar. Impossibilitado o recurso e não sendo o caso de ação rescisória, não poderá o autor obter o restabelecimento do seu direito. Pensará, então, em voltar-se contra o seu advogado, a fim de conseguir que este o indenize. Mas a prova do prejuízo é absolutamente impossível. Com efeito, a cauda apontada do dano é a não-interposição do recurso. Mas como fazer a prova de que interposto, teria logrado provimento? Par estes casos, há o preventivo da cláusula penal, que autoriza o credor a cobrar a multa prevista, vastando que prove a infração do advogado, dispensado da alegação de prejuízo (Código Civil Art. 927). Dado, porém, que o credor não tenha usado este preventivo, será de todo irremediável seu mal? Tal conclusão seria exagerada. Com efeito, se ele está inibido de provar a existência direta do dano, tal como o supusemos, outro dano há, resultante da mesma origem o qual se pode provar e é, 15 PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. 2001. Dissertação(mestrado)-Faculdade de Direito UFRGS, Porto Alegre, sob a orientação da Professora Doutora Judith Martins-Costa. No prelo. 16 SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2006. 11 portanto, indenizável. A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a cauda em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir; favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o 17 grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos técnicos. Os doutrinadores clássicos, José de Aguiar Dias, Miguel Maria de Serpa Lopes e Caio Mario da Silva Pereira, reconhecem a teoria da perda de uma chance nesses casos, desde que a possibilidade perdida fosse real e séria. Os recentes doutrinadores adeptos à teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, como Sergio Cavalieri Filho, o qual abre um tópico no seu Programa de Responsabilidade Civil para tratar o tema, e o ilustríssimo doutrinador Silvio de Salvo Venosa, que afirma ser a perda de uma chance é um terceiro gênero de indenização, que se posicionaria “a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”, pois, havendo certo grau de probabilidade, a teoria passa a figurar na esfera do dano ressarcível.18 Tanto os doutrinadores clássicos quanto os mais novos da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, não se tem um posicionamento pacifico no que diz respeito ao dano decorrente da perda de uma chance. Percebese que os doutrinadores clássicos tenderam a configurar a perda da chance com lucro cessante, já os doutrinadores mais novos, como Sergio Savi, tenderam a enquadrar como sendo uma subespécie de dano emergente, e há quem defenda a idéia de haver uma terceira espécie de dano, como uma categoria autônoma, como consagra Silvio de Salvo Venosa. Conclui-se que, mesmo havendo discordância entre os doutrinadores no que diz respeito ao enquadramento do dano como dano emergente ou lucro cessante, e ainda como uma categoria autônoma, uma nova espécie de dano, é que até os dias atuais toda a doutrina reconhece o dano da perda da chance. A jurisprudência atualmente vem reconhecendo a existência de um dano a ser indenizado, mas devido à divergência doutrinaria, a jurisprudência sente dificuldade em reconhecer a teoria da perda de uma chance. II.III – APLICABILIDADE DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS No Rio Grande do Sul, pelo então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Junior, a aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance foi tratada pela primeira vez em um acórdão editado pelo então Desembargador, porém não logrou êxito o advogado, pois o acórdão foi no sentido de que a teoria não se aplicava ao caso concreto. Este caso tratava-se de indenização por erro médico, outro exemplo clássico da aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance, em que um determinado paciente se submetia a uma cirurgia de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe acarretou névoa no olho operado.19 17 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências.3. ed. Atualizada. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Jurídica Universitária, 1965, p. 190-91, apud, SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 37. 18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3.ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 198- 200. 19 SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 45. 12 Em outro caso, um ano mais tarde o então Desembargador, Ruy Rosado de Aguiar Junior, já neste caso o advogado logrou êxito e a teoria foi aplicada ao caso concreto. Neste segundo caso, tratava-se de um típico caso de responsabilidade civil por perda de uma chance com responsabilidade do advogado. O acórdão foi assim ementado: RESPONSABILIDADE CIVIL. AVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato â sua cliente e nem trata de restaurá-los, 20 devendo indenizar a mandante pela perda de uma chance. A autora deste caso constituiu o réu seu advogado para ajuizar ação em desfavor do INPS, para receber a pensão por morte de seu cônjuge. Ocorre que, o processo foi extraviado devido à distribuição feita no Foro de Novo Hamburgo em 1975. O advogado errou justamente em não informar a autora sobre o extravio nem providenciar a restauração dos autos, o que impediu a autora que tivesse seu pedido examinado pelo judiciário. Neste sentido, cabe transcrever trecho do voto do relator, que reconheceu a perda de uma chance: “Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não-restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. Françõis Chabas:” Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado 21 esperado), mas da chance que teria de alcançá-la [...] “ Nos casos médicos, a teoria da perda de uma chance também teu seu espaço e é bastante aplicada, porém, os juízes aplicam a teoria como sendo uma modalidade de dano moral e não como dano emergente ou lucro cessante. Percebe-se tal afirmativa na análise do seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: RESPONSABILIDADE CIVIL. DIAGNÓSTICO TARDIO. DANO MORAL CONFIGURADO. O perito vislumbrou demora no atendimento da paciente, fato que teria provocado retardamento no início do tratamento da doença que acometia a autora, comportamento profissional conhecido na literatura pericial francesa como perda de uma chance (perte d’une chance), que preconiza a perda da possibilidade de cura do paciente pela intervenção errada de profissional, pois as possibilidades de recuperação são muito maiores quando descoberta a doença no início. É o quanto basta para estabelecer-se a responsabilidade do réu, cuja culpa assenta em uma das três hipóteses: erro médico, erro de procedimento e erro de diagnóstico. Configurando o dano imaterial, pelos sofrimentos físicos e sensoriais que o erro no procedimento provocou na autora, até que as providências para correção da perfuração de seu útero fossem tomadas, dando-se início ai tratamento adequado, que não produziria o mesmo resultado se iniciado o quanto antes. Redução da capacidade física atestada pelo expert oficial. 20 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC. nº 591064837, 5ª Câmara Cível. Rel: Des. Ruy Rosado de Aguiar Junior, julgada em 29, de agosto de 1991. 21 SAVI,Sergio. Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 46. 13 Honorários de sucumbência corretamente fixados. Improvimento de 22 recurso. Percebe-se que a boa parte da jurisprudência já reconhece a teoria da perda de uma chance como forma de indenização pelo dano sofrido, mas a doutrina ainda não pacificou o entendimento acerca da espécie de dano decorrente da perda da chance. Em muitos casos essa divergência na jurisprudência dos tribunais é visível, pois, a teoria da perda de uma chance é enquadrada muitas vezes como dano moral, em outras como lucro cessante e em algumas como dano emergente. PARTE III – APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE SOB A ÓTICA DO LUCRO CESSANTE, DANO MORAL E DANO EMERGENTE III.I – LUCRO CESSANTE APLICADO NA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Ainda que não se refira totalmente à teoria, a jurisprudência enquadra a perda de uma chance como lucro cessante. Para efeito didático, elege-se como doutrina, aquela a evidenciar que a teoria da perda de uma chance visa reparar a perda da oportunidade de lograr êxito em uma vantagem e não a total perda do ganho esperável, este sim, configura o lucro cessante. Sergio Cavalieri Filho, conceitua o que seria lucro cessante, “consiste na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vitima”.23 Percebe-se que a vítima em momento futuro terá seu ganho, só não se sabe a quantia exata deste ganho. Por conseguinte, na teoria da perda de uma chance essa certeza que a vítima receberá um ganho, já não existe. Todavia, no tocante lucro cessante aplicado na teoria da perda de uma chance, é justamente o que se pretende indenizar, ou seja, não é a perda do lucro e sim a perda da oportunidade de auferir esse lucro. Há uma grande diferença entre conceitos de lucro cessante e a indenização ou ressarcimento decorrente da perda de uma chance. O lucro cessante é a possibilidade de se aferir resultados (ressarcimento, indenização, compensação, etc.) futuros de corrente de uma perda, como resultado de decisão judicial ou acordo entre as partes homologado judicialmente. Já, a teoria da perda de uma chance implica no prejuízo motivado pela inépcia da vítima em fazer valer os seus direitos. Sergio Savi conceitua o lucro cessante e a perda de uma chance: Contudo, é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto a natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um interesse 24 subjetivo. 22 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. AC. nº 2006.001.53158. 17ª Câmara Cível. Rel: Des. Edson Vasconcelos, julgada em 24 de janeiro de 2007. 23 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 72. 24 SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil por perda de uma Chance. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 15. 14 Nesta definição, percebe-se a diferença entre estes dois institutos, concluindo que o dano da perda de uma chance jamais será o mesmo que o do lucro cessante, precisamente em razão da certeza do ganho esperável. Com certeza há uma semelhança entre os dois institutos, daí a possível dificuldade em diferenciá-los, pois, tanto o lucro cessante quanto a perda de uma chance estão inteiramente ligados ao prejuízo a um ganho futuro. III.II – DANO MORAL APLICADO NA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Conforme ementa analisada abaixo pode-se perceber que a perda de uma chance tem como agregador o dano moral: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇAO. CONCURSO PÚBLICO. DESCUMPRIMENTO PELOS FISCAIS DAS NORMAS DO MANUAL DE INSTRUÇÕES. EXTRAVIO DE PROVA. ÔNUS DA PROVA. DANO MORAL. Demonstrada a falha na aplicação de prova prática de datilografia em concurso público pela inobservância das regras do manual de instruções para fiscalização, segundo as quais, deveriam ser recolhidas todas as cinco folhas entregues ao candidato, cabia à Administração Pública comprovar que este não as restituíra. Na falta desta prova, é de se presumir que a prova restou extraviada por culpa da Administração. Hipótese em que restou demonstrada a violação ao principio da acessibilidade aos cargos públicos com a perda da chance concreta de 25 lograr aprovação e ser nomeado. Embargos acolhidos. Votos vencidos. Ocorre neste caso, que um candidato que perdeu a chance de ingressar no serviço público em razão da administração ter atribuído nota zero à sua prova prática de datilografia, pelo fato de a prova não ter sido encontrada. A administração pública reconheceu o extravio da prova e enquadrou a indenização como dano moral como se verifica na leitura da ementa acima. Conforme se verifica na jurisprudência, não são raros os casos em que as decisões contenham esse teor, atribuindo dano moral onde se enquadra a teoria da perda de uma chance. O fato é que, a teoria da perda de uma chance decorre de uma violação a um bem extra patrimonial, ou seja, de natureza objetiva. Depreende-se que o cerne do ideário implícito na teoria da perda de uma chance se aproxima, mutatis mutandis, bastante do dano moral. Porém, estes dois institutos devem ser compreendidos como distintos na aplicação dentro dos tribunais. O dano moral se enquadra na violação de um bem inteiramente da personalidade. Em situações em que se aplicam a perda de uma chance, o dano é em virtude da violação de um interesse sério, e que no futuro possa ter grandes probabilidades de gerar um ganho futuro, seja de fato o bem patrimonial ou extra patrimonial. O que se entende é que, em alguns casos a perda de uma chance, além de se enquadrar na possibilidade de conseguir um ganho futuro material (patrimonial), também poderá figurar como um agregador do dano moral, quer dizer que em algumas situações que o ato ilícito do infrator causa prejuízo tanto patrimoniais e podem também configurar em danos morais. Portanto, considera-se adequado aplicar, no caso em tela, a fixação de indenização por perda de uma chance, cumulados com indenização por dano moral, 25 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infrigentes nª 598164077, 1º grupo das Câmaras Cíveis, Rel: Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, julgado em 6 de novembro de 1998. 15 devido o constrangimento do vitima. Como vislumbra Sergio Savi, “o que não se pode admitir, é considerar o dano da perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral”.26 III.III – DANO EMERGENTE APLICADO NA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE Ressalte-se que há na doutrina que se refere à perda de uma chance como lucro cessante outros como dano moral, mas há estudiosos que vêem a possibilidade em enquadrar a perda de uma chance como subespécie de dano emergente, está inteiramente ligado ao dever de indenizar, pois, quando essa chance já esta dentro do patrimônio da vítima e ocorre o termino desta chance, ai já esta configurado o dano, pois, neste caso, a chance já integrava o patrimônio da vítima. Como Sergio Savi assevera, “a simples mudança de lucro cessante para dano emergente, torna a admissão de sua indenizabilidade muito mais tranqüila”.27 Com outras palavras Sergio Savi assim se posiciona: Isto porque, repita-se, ao considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente, consistente na perda da chance de vitória e não na perda da vitória, eliminam-se as dúvidas acerca da certeza do dano e da 28 existência do nexo causal entre o ato danoso do ofensor e o dano. Desta forma, esta parece ser a melhor aplicação e a mais adequada para a teoria da perda de uma chance, pois, considerando a chance como parte do patrimônio da vítima, já configura a certeza do dano, já que a chance em si é um direito adquirido. Existe um problema quando enquadram a chance como dano emergente, é quando a chance se integra dentro do patrimônio da vítima, pois, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona conceituam patrimônio como: “é o conjunto de direitos e obrigações pecuniariamente apreciáveis”.29 É difícil considerar a chance como patrimônio da vítima, já que a chance, mesmo sendo real e séria, não caracteriza como parte do patrimônio. Considerar a chance como parte do patrimônio, parece inviável, pois, elevaria a chance a um patamar mais alto como bem economicamente apreciável, o que na prática não ocorre. Como exemplo, se a chance já integrasse o patrimônio, um determinado candidato a concurso público poderia contrair obrigações dando como garantia o salário a ser recebido caso fosse aprovado no concurso, garantia esta que, juridicamente, não é provável: o fato de haja uma chance de ser aprovado no concurso não pode ser considerado ao ponto de garantir uma obrigação de cunho patrimonial, visto não haver a certeza de que o candidato seria aprovado de fato. Portanto, considerando que resolve o problema da certeza do dano, ao enquadrar a perda de uma chance como dano emergente30. Por outro lado esbarra26 SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil por perda de uma chance. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 53 Ibid,. p. 11. 28 Ibid,. p. 12. 29 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 261. 30 Considera-se dano emergente (do Latim "damnum emergens") o equivalente à perda efetivamente sofrida. É o prejuízo material ou moral, efetivo, concreto e provado, causado a alguém. Em outras palavras é o efeito danoso, direto e imediato, de um ato considerado ilícito que enseja reparação pelo autor nos termos do artigo 186 do CC, 27 16 se na problemática de considerar a chance como parte do patrimônio, que juridicamente não ocorre. III.IV – A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE COMO CATEGORIA INDEPENDENTE Conforme apresentado no presente trabalho, percebe-se que existem situações que geram danos às pessoas, e que os tribunais encontram dificuldades para reconhecer estas obrigações, que de fato são novas e que precisam de maior dedicação por parte dos juristas para que possam ser sanadas. Atualmente, existe uma ampliação dos danos ressarcísseis justamente com a evolução do judiciário em acolher pretensões indenizatórias, que até os dias de hoje não eram reconhecidas como passíveis de reparação. Dentre estes novos danos, existe a perda de uma chance. Porém, o judiciário parece encontrar dificuldade em aplicar essa teoria de forma geral. Denota-se que há uma dificuldade em enquadrar a perda de uma chance como um dos tipos de danos tradicionalmente tratados pelo direito brasileiro: a) dano patrimonial, dividido em lucro cessante e dano emergente; b) dano extra patrimonial que se subdivide em dano moral e dano estético. Contudo, o que não pode ocorrer é a não indenização pela perda de uma chance, até porque o Código Civil consagrou o princípio da reparação integral, qual seja o art. 402 do CC, que dispõe: “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar”.31 Ocorre, que onde há um dano há também a obrigação de indenizar. No entanto, a quem enquadre a perda de uma chance como uma terceiro categoria de dano, capaz de gerar obrigações de indenizar nos casos que interesses devem ser respeitados. Deste modo, cabe ressaltar aqui o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde dentro da ementa o acórdão resulta na concessão de indenização por perda de uma chance, diferenciando-a do lucro cessante, bem como do dano emergente: APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS CAUSADOS EM RAZÃO DE MANDATO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. NEGLIGÊNCIA. PERDA DE CHANCE. Teoria da perda de chance é utilizada para calcular indenização quando há um dano atual, porém incerto, dito “dano hipotético”. O que se analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a “vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Ausência de produção de prova testemunhal na ação trabalhista patrocinada e a consequente insuficiência de demonstração da justa causa, sendo que o advogado tinha perfeitas condições de fazê-lo. Ocorrendo a perda da chance, nisso já reside o prejuízo. QUANTUM CONDENATÓRIO. Critérios para mensuração. Inexistência de parâmetros legais, sendo deixada ao prudente arbítrio do julgador. Deve atentar este para a função reparadora da indenização, que, antes de tudo, demanda a aplicação do princípio da equidade, a fim de que a parte sofredora do abalo moral não venha a locupletar-se com enriquecimento indevido. Julgada in verbis: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". 31 BRASIL. Vade Mecum universitário de direito. Anne Joyce Angler (org ). Constituição Federal do Brasil de1988. 2.ed. São Paulo: Riedeel, 2011, p. 175. 17 parcialmente procedente a demanda. Invertidos os ônus da sucumbência. 32 DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. Isto posto, percebe-se a correta aplicação, no julgado, da teoria da perda de uma chance, onde não se enquadrou, nem como dano emergente nem como lucro cessante, e, tampouco, como dano moral. Portanto, cabe ressaltar que, essa evolução no direito civil brasileiro, bem como da própria responsabilidade civil, vem reconhecendo a teoria da perda de uma chance no sentido de tutelar novos interesses sociais. Por fim pode-se concluir que, na maioria dos casos em que alguém perde uma possibilidade de ganho ou perde uma oportunidade de obter um lucro ou evitar uma perda, deverá este ser indenizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio do estudo, pode-se assegurar que a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance vem encontrando grande aceitação nos tribunais, levando em consideração as divergências que possa ocorrer em alguns casos. O presente trabalho demonstrou que o tema é novo e merece reflexões para se evitar desvirtuamentos, enquadramentos errôneos e até mesmo corrida desenfreada e irresponsável na busca de indenizações para qualquer situação. Apesar de tudo, o importante é que o direito brasileiro, ao seu tempo, vem se adaptando à realidade social, a qual não para de se transformar, obrigando o direito a também se transformar para que cumpra seu papel enquanto regulador social. Observou-se que atualmente, as pessoas que tiveram seus interesses lesados, com relação à perda de oportunidade de obter um ganho ou evitar uma perda, terá seu pleito analisado, e terá grande chance de vitória se a teoria da responsabilidade civil por aplicada. Ademais constitui a perda de uma chance uma nova modalidade de responsabilidade civil e não uma mitigação da responsabilidade subjetiva consoante entendimento de uma vertente doutrinaria. Ante o exposto, conclui-se que é preciso buscar muito mais do que a simples indenização pelo dano sofrido, e sim fazer com que essa teoria seja aplicada quando no caso concreto estiverem presentes todos os requisitos para o seu devido aproveitamento e assim consagrar esse entendimento perante os juízes e a jurisprudência. 32 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. AC. 70025788159, 17ª Câmara Civel. AC. nº 70025788159, Rel. Des. Egio Roque Menine, julgado em 23/07/2009. 18 REFERÊNCIAS AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. BRASIL. Constituição Federal do Brasil de1988. Vade Mecum universitário de direito. Anne Joyce Angler (org ). 2.ed. São Paulo: Riedeel, 2011. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003. Manual para apresentação de trabalhos acadêmicos da Universidade Católica de Brasília / coordenação Maria Carmem Romcy de Carvalho ...[ET AL.], Universidade Católica de Brasília, Sistema de Bibliotecas, - 3. ed. – Brasília : [s.n], 2010. PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. AC. 70025788159, 17ª Câmara Civel. AC. nº 70025788159, Rel. Des. Egio Roque Menine, julgado em 23/07/2009. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infrigentes nª 598164077, 1º grupo das Câmaras Cíveis, Rel: Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, julgado em 6 de novembro de 1998. ROSSI, Júlio César. Responsabilidade Civil do Advogado e da Sociedade de Advogados. São Paulo: Atlas, 2007. SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003.