XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 INFLUÊNCIA DE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES NO DESEMPENHO DOS ALUNOS Eliane Kiss de Souza - UFRGS Beatriz Vargas Dorneles - UFRGS Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar um programa de formação continuada de professores envolvendo conceitos iniciais da matemática e a influência desta formação no desempenho dos alunos. A análise tem como referência teórica a LDB 9394/96, o Parecer CNE/CP 9/2001, a Resolução CNE/CP 1/2002, o Parecer CNE/CEB 7/2010 e a Resolução CNE/CP 4/2010 referente a aspectos da formação continuada de professores. Também, autores como Tardif e Lessard (1999), Tardif (2000), Freire (2000), Perrenoud (2000), Souza (2006), Canário (2006), Fürkotter et al (2007), Demo (2009) e Luckesi (2011), abordando a construção dos saberes docentes e a formação continuada de professores, compuseram o referencial teórico do trabalho. Foi aplicado um pré-teste aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental no início do ano letivo de 2011 e um questionário aos professores que aceitaram participar da pesquisa, além destes alunos considerados o grupo experimental, também foi aplicado o pré-teste no grupo controle. Os professores do grupo experimental participaram de um programa de formação continuada de curta duração (20 horas), com encontros quinzenais, organizado a partir dos dados coletados no pré-teste e no questionário aplicado aos professores. Após a formação, no final do ano letivo foi aplicado um pós-teste, igual ao pré-teste, aos alunos. Os resultados parciais apontam evidências de que uma formação continuada em serviço com base nos conhecimentos prévios dos alunos permite aos professores analisar as situações do contexto de trabalho em que estão inseridos, refletindo sobre sua prática e decidindo em torno delas, revendo ações pedagógicas e influenciando positivamente no desempenho dos alunos. Palavras-chave: formação continuada, saberes docentes, desempenho dos alunos. Introdução Estudos sobre a formação dos professores e a construção dos saberes docentes realizados por Tardif (2000), Souza (2006), Canário (2006), entre outros, e a legislação que inclui a LDB 9394/96, o Parecer CNE/CP 9/2001, a Resolução CNE/CP 1/2002, o Parecer CNE/CEB 7/2010 e a Resolução CNE/CP 4/2010 apontam para a constatação de que os saberes docentes não se constroem somente na formação inicial, sendo fundamental a formação continuada em serviço. Com base em aspectos legais e estudos sobre formação continuada para professores, neste trabalho faz-se uma análise de um programa de formação continuada realizado em 2011, organizado com base em dados coletados sobre o desempenho dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, envolvendo conceitos inicias da matemática. Também foram utilizados dados coletados em questionário aplicado aos professores, Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002090 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 envolvendo tempo de serviço, formação profissional, motivos para participar do programa, regência no 3º ano, recursos e conhecimentos sobre conceitos iniciais da matemática. Esta análise faz parte de uma pesquisa de doutorado, tendo como sujeitos professores e alunos da rede municipal de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Na atualidade, a construção dos saberes docentes não se restringe a formação inicial com visão aplicacionista, a qual se reduz a aplicação dos conhecimentos teóricos aprendidos na formação. Partiremos de outro ponto de vista: a formação tendo como foco a formação permanente dos professores que exige uma reflexão e estudos por parte destes sobre sua prática, com análise e compreensão do processo ensino-aprendizagem no contexto escolar. Serão abordados os aspectos legais que constam na legislação brasileira quanto à formação continuada para professores como forma de propiciar situações para construção de saberes docentes durante a carreira profissional, os quais não são desenvolvidos somente na formação inicial, por serem, como refere Tardif (2000), temporais, plurais, heterogêneos, personalizados e situados. Após a descrição do método de pesquisa, a apresentação dos resultados parciais da pesquisa e análise destes, discute-se a importância da formação continuada e as concepções dos professores que os levam a mudança de postura frente à participação ativa em programas de formação continuada, melhorando o desempenho dos alunos. Formação continuada para professores Na visão aplicacionista, a construção do conhecimento necessário à prática educativa ocorre num determinado espaço e tempo, a formação inicial, sendo posteriormente, aplicado na prática. Atualmente, entretanto, a legislação apresenta uma proposta diferente. O Parecer CNE/CP 9/2001, a Resolução CNE/CP 1/2002, o Parecer CNE/CEB 7/2010 e a Resolução CNE/CP 4/2010 apresentam a formação continuada para professores, alegando a impossibilidade de esgotar o desenvolvimento dos conhecimentos, saberes e habilidades necessárias à docência na formação inicial. Cabe destacar o artigo 58, da Resolução CNE/CP 4/2010, o qual define que o Projeto Político Pedagógico das instituições educativas deve contemplar a formação continuada de professores. O desafio de superar a fragmentação na formação de professores, pautadas pela legislação, tem como base um conjunto de estudos e pesquisas realizadas sobre a formação dos professores e a construção de seus saberes. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002091 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 Nesse sentido, pontuando a importância da formação continuada, para Tardif e Lessard (1999), os saberes são construídos pelos professores, em função dos contextos de trabalho e não em função de seu potencial de transferência e de generalizações. Tardif (2000) refere que os saberes docentes são temporais, plurais, heterogêneos, personalizados e situados. Temporais em três sentidos. No primeiro sentido, o autor afirma que boa parte dos saberes dos professores sobre o ensinar advém de sua história de vida escolar. No segundo sentido, os saberes vêm de experiências adquiridas nos primeiros anos de prática, onde são estabelecidas rotinas de trabalho. Já no terceiro sentido, as experiências são adquiridas durante o processo de vida profissional, em duas dimensões, a identitária e a de socialização profissional, pelo convívio na escola, por ser um processo de identificação e de incorporação das práticas e rotinas institucionalizadas. São plurais também em três sentidos: no primeiro porque procedem da cultura pessoal, da história de vida e da experiência escolar. No segundo, porque são adquiridos em curso de formação inicial, conhecimentos disciplinares (didáticos e pedagógicos). Por fim, no terceiro, porque esses conhecimentos são oriundos do conhecimento curricular, ou seja, dos programas, guias e manuais escolares. São heterogêneos, porque dependendo da necessidade, o professor usa em sua prática diferentes teorias, concepções e técnicas, de forma que os saberes docentes não formam um repertório de conhecimento unificado em torno de uma disciplina ou concepção do ensino. Os professores procuram atingir diferentes objetivos que exigem diferentes conhecimentos, competências ou aptidões, por isso envolvem diversas tarefas numa relação dinâmica de interação humana durante o ano letivo, implementando um sistema de regras sociais. São personalizados porque são apropriados em suas experiências e situações de trabalho docente, sendo decorrentes das relações humanas, com os outros profissionais no local de trabalho e com os alunos, constituindo-se a partir da mediação da interação. São situados porque são construídos em função de uma situação particular de trabalho, na qual ganham sentido. Complementando os autores citados acima, pode-se lembrar a relação dialética entre os que aprendem e os que ensinam (FREIRE, 2000). Também vale lembrar as duas competências, dentre as dez para ensinar propostas por Perrenoud (2000): organizar e dirigir situações de aprendizagem e administrar a própria formação continuada. Para a organização e direção de situações de aprendizagem, o autor ressalta que é necessário conhecer os conteúdos a serem ensinados e traduzi-los em objetivos de aprendizagem. Para isso é necessário construir e planejar dispositivos e sequências Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002092 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 didáticas, levando em conta as representações dos alunos, os erros e obstáculos à aprendizagem e envolver os alunos em atividades de pesquisa e em projetos de conhecimento. Em relação à administração da própria formação continuada, esta requer uma reflexão, por parte do professor, sobre a sua própria prática, suas competências e o programa pessoal de formação continuada com participação ativa. Nesse contexto, discutir a importância da formação continuada para professores não é mais o foco, mas sim as formas de ações práticas mais adequadas a melhorar a qualidade do ensino. As pesquisas sobre formação continuada vêm se destacando e ganhando espaço em razão da reforma curricular do sistema educacional do país, que exige cada vez mais uma atualização contínua, por parte do professor. Souza (2006) refere que a formação continuada não pode ser vista como elemento estratégico para forjar a competência do professor, em função de uma visão negativa sobre o mesmo e sua prática, ou uma forma de sanar as lacunas/deficiências da formação inicial, sob um caráter compensatório. Frente à formação continuada e ao argumento da incompetência, Souza (2006) enfatiza a importância de levar em conta elementos como contexto de trabalho do professor, condições concretas de ensino da escola, o contexto social e institucional, para elaborar programas de formação continuada. Canário (2006) é contra as “ações de formação” em obtenção de “créditos”, por se transformarem em uma corrida às certificações, como forma de adaptação às mudanças. O autor refere que, em geral, nestas “ações de formação”, os professores veem a formação continuada como um tempo de atividade extra, que se adiciona à carga horária, sobrecarregando as tarefas cotidianas, participando por “obrigação”, de “modo penoso”. A formação continuada deve consistir “[...] em criar situações que permitem aos professores pensar e agir de modo diferente” (CANÁRIO, 2006), deve ser uma proposta de formar-se agindo, centrada na escola, fundamentada na autonomia e no exercício de responsabilidade, frente ao ambiente de trabalho. Nesta proposta, “[...] o professor forma-se a partir de um trabalho sobre si mesmo, de ação dos outros e da influência do contexto de trabalho em que está inserido” (CANÁRIO, 2006). O professor analisa situações e decide em torno delas, refletindo sobre sua prática. Diante da defasagem conceitual do professor e da necessidade de formação continuada em serviço, (FÜRKOTTER et al., 2007), defendem uma proposta de formação continuada para professores, contemplando a possibilidade dos mesmos experimentarem atitudes, modelos e modos de organização e a realização de uma reflexão da prática, num enfoque de investigação-ação e formação para a compreensão. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002093 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 Demo (2009) afirma que o professor deve ser capaz de renovar, reconstruir e refazer suas práticas para acompanhar as mudanças constantes do cotidiano. Para Luckesi, a avaliação da aprendizagem dos alunos subsidia o professor em sua atividade de gestor do ensino, permitindo reconhecer a eficácia ou ineficácia de sua ação prática (atos e recursos) para, se necessário, proceder à intervenção de correção frente às atividades em busca do melhor resultado possível para a sua ação. Método da Pesquisa No início do ano letivo de 2011 foi realizada uma reunião com os professores regentes do 3º ano do Ensino Fundamental que não haviam participado do Programa Pró-Letramento, ofertado pela rede municipal de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Assim, das 138 turmas de 3º ano do Ensino Fundamental, foram convidados 75 professores regentes, para participar da formação. Destes, 25 fizeram adesão à pesquisa proposta. Os professores que aceitaram participar da pesquisa fizeram uma inscrição de adesão ao programa de formação continuada, o qual envolvia conceitos iniciais da matemática, especialmente composição aditiva, raciocínio aditivo e multiplicativo. Após, foi aplicado um questionário aos professores. O programa de formação continuada foi de 20 horas, sendo um encontro semanal de duas horas, totalizando 10 encontros, durante o ano letivo de 2011. Nos meses de abril e maio foi aplicado o pré-teste aos alunos, constituído por dez questões. No primeiro encontro foi ministrada uma palestra com informações teóricas; nos demais encontros, foram realizadas oficinas. Nas oficinas, os professores participaram de atividades práticas e refletiram sobre a ação prática em sala de aula e sobre as dificuldades que os alunos apresentam quanto às relações numéricas e estratégias metodológicas que propiciam o desenvolvimento destas relações. Ao final de cada encontro os professores realizaram uma autoavaliação com registro em uma ficha individual. Após o programa, foi aplicado um questionário aos professores e a Secretaria Municipal de Educação forneceu certificado aos participantes e foi aplicado um pós-teste, o mesmo instrumento utilizado no pré-teste. Programa de formação continuada para professores Dos dez encontros, escolhemos um para ilustrar a formação.. No terceiro encontro o trabalho concentrou-se em atividades práticas que envolviam tarefas de compra, com pagamento usando cédulas e moedas de brinquedo. Após recepção e acolhida ao encontro, foram apresentados os resultados do pré-teste, contendo Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002094 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 percentual de acertos das questões 1 e 2 do pré-teste, relativos à composição aditiva. No inicio refletiu-se sobre os resultados, os professores mostraram-se surpresos com o percentual de 56,1% para as respostas corretas. Destacam-se algumas falas das professoras: “não pode ser, eles costumam comprar no bar da escola”; “na nossa época entrávamos na escola sabendo lidar com dinheiro, com as horas, a professora não precisava ensinar, hoje estão na quinta série e não conhecem horas em relógio de ponteiros”; “também com a violência de hoje, os pais não deixam os filhos saírem sozinhos para comprar algo”; “as crianças de hoje não tem o cofrinho para juntar moedas e fazer compras, como nós tínhamos e contávamos toda hora para ver a quantia”; “e quando participam de atividades envolvendo compras, os pais pagam com cartão de crédito, nem vêem dinheiro”; “tudo fica para ser ensinado pela escola, até comprar e pagar que faz parte do dia a dia da pessoa”. A primeira atividade foi a participação em tarefas de compra, em dupla, organizando pagamento utilizando cédulas de brinquedo. A pesquisadora organizou o material disponível para a compra, usando brinquedos agrupados por valores até 9 reais. Em um grupo, brinquedos de 2 a 5 reais, no outro grupo, de 6 a 9 reais. Cada professor poderia comprar dois produtos, um de cada grupo, os valores para o pagamento não ultrapassavam o valor de 19 reais. Como não há cédulas nestes valores, as duplas precisavam compor e decompor e expor ao grande grupo a forma como realizaram o pagamento, como se pode ver na Figura 1. Figura 1 - Tarefas de compra e venda. Ao término da atividade discutiram-se formas de realizar a atividade com alunos, formas de registros, relacionando as dificuldades dos alunos em não conseguir pensar uma forma de realizar o pagamento no valor entre 11 e 19 reais por não existir cédulas nestes valores. Assim, o desafio proposto para relato no próximo encontro foi desenvolver uma atividade prática envolvendo tarefas de compra. Outra atividade desenvolvida foi a construção de moedas de brinquedo com valores de 1 real, 50 centavos, 25 centavos, 10 centavos e 5 centavos, a partir de moedas reais. Para a construção foi usada a técnica frotagem (frottegé), apresentada nas Figuras 2a e 2b. Foram criadas também moedas de outras formas, apresentadas na Figura 2c. Entre os participantes foram levantadas outras sugestões para a construção das moedas, como xerox com recorte e colagem em tampinhas. Uma professora havia levado moedas Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002095 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 de brinquedo de plástico, mostrou às colegas e comentou sobre a aquisição do material feito pela escola. Após a confecção do material, em duplas foi realizado uma tarefa de compra de produtos que custavam um real, mas que somente poderiam ser pagos com moedas em centavos, apresentado na Figura 2c. Cada dupla explicou ao grande grupo como havia realizado o pagamento. Figura 2 - Atividades com moedas. No final foi feito uma reflexão sobre a importância da realização de tal atividade. Assim, surgiu no grupo a discussão de que os alunos aprendem os números naturais usando a correspondência termo a termo relacionando sempre a um elemento, em geral, usando tampinhas, palitos de picolé, cubinhos da base dez. Logo, quando surgem situações com sistemas de medidas, eles não compreendem, pois nestes sistemas o “um” pode ser composto por diferentes unidades. Destaco um exemplo dado por uma professora, “quando temos três tampinhas o aluno vê as três, quando pula corda no pátio ele vê uma corda que tem três metros, mas ele não vê três cordas (3 metros separados)”. Assim, chegou-se a discussão sobre as relações numéricas entre quantidades continuas e descontínuas e valor posicional dos números, em especial, os professores destacaram a dificuldade que os alunos têm para entender que o quatro pode valer quarenta/quatrocentos, depende da ordem de escrita do algarismo em um determinado número. Do mesmo modo entender que um e dois (12) é doze. Assim, para o próximo encontro ficou combinado que fariam relatos de atividades com tarefas de compra e alguns professores se responsabilizaram pela base dez, material para atividades práticas. No final do encontro cada professor fez uma autoavaliação com registro em uma ficha individual. Apresentação e análise dos resultados Em relação ao questionário aplicado antes da formação, sobre o tempo de serviço na rede, um grupo de professores está iniciando a carreira, em estágio probatório, e outro grupo está prestes a encerrar sua carreira, isto é aposentar-se, com mais de 20 anos de serviço. Diante do questionário constatou-se que os professores, tanto no início como no final da carreira, que tinham pouca experiência com o 3º ano do Ensino Fundamental, demonstraram maior interesse em buscar informações sobre os conceitos iniciais da matemática. Estes dados mostram que os conhecimentos dos Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002096 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 professores não são oriundos exclusivamente da formação inicial, sendo necessária atualização constante, como refere a legislação e o referencial teórico deste trabalho. Constatou-se que não é comum encontrar professores das séries iniciais com curso normal e com graduação em cursos de Matemática: os únicos cursos citados foram História, Pedagogia e Letras. Tal constatação pode explicar o fato de encontrarmos 14 respostas incorretas sobre questões específicas envolvendo valor posicional. Isso explicaria também as solicitações dos professores a respeito de como usar a base dez e o ábaco, e o não uso do livro didático de matemática, alegando que os alunos têm dificuldades em realizar as atividades, por não estar de acordo com a realidade dos mesmos. Os professores elencaram a compreensão do valor posicional, dos procedimentos utilizados em operações de subtração e a escolha de qual operação utilizar em determinada situação-problema como dificuldades dos alunos. Os conteúdos trabalhados no 3° ano, em geral, resumem-se a um dos blocos de conteúdos dos PCNs, o Sistema de Numeração. Esta constatação retrata a incompetência profissional legada aos professores por defasagem de saberes oriundos da formação inicial. Frente a esta limitação profissional, Souza (2006) e Canário (2006) advertem que a formação continuada não pode resumir-se em programa compensatório ou de certificações. Em relação às autoavaliações com registros na ficha individual, pode-se dizer que a participação de alguns professores foi devido à convocação que receberam por parte da direção ou coordenação da escola e dos outros foi por interesse em buscar aperfeiçoamento. Desta forma cabe destacar algumas escritas que justificam o interesse em aperfeiçoar-se: “precisamos estar sempre buscando aprimorar nossos conhecimentos”; “rever conceitos aprendidos no curso de formação e com a prática”; “melhorar a qualidade da aprendizagem dos meus alunos”; “descobrir e construir novas alternativas de ferramentas didáticas para o ensino da matemática”; “para enriquecer e aperfeiçoar minha prática pedagógica, em função do 3º ano ser algo novo para mim, ... este curso virá de encontro às minhas necessidades como docente”; “já há algum tempo vinha sentindo necessidade e desejo de participar de um curso de matemática inicial, ao longo de minha carreira haviam surgidos poucas oportunidades de aprimoramento a atualização para o ensino da matemática”; “não tenho muita experiência de trabalho com o 3º ano e gostaria de saber se o trabalho que estou desenvolvendo está correto”. Da mesma forma o grupo que foi convocado: “a escola fez minha inscrição”; “fui convocada pela direção da minha escola (...) aproveitando que tenho livre nas Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002097 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 quintas resolvi aproveitar (...) a turma que tenho é uma turma com muitas dificuldades e preciso ter diversas idéias para tentar sanar as dificuldades existentes”; “recebi a informação da formação em matemática através da coordenação da escola (...) confesso que não me senti atraída já que sou formada em Letras. No entanto, ao conhecer a proposta de formação, comecei a ficar motivada”. O grupo convocado fez um resumo do que ocorreu no encontro descrevendo e citando as atividades desenvolvidas e os materiais utilizados. O grupo que foi pelo aperfeiçoamento realizou reflexões, relacionando os momentos de formação com a ação prática em prol da melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem. Assim, destacam-se algumas escritas do grupo que foi além de simples resumos, diante dos resultados em percentual de acertos dos alunos e das atividades das oficinas “podemos direcionar mais atividades realizadas em sala para atingir essas defasagens”, “consegui compreender como funciona o raciocínio das crianças”, “tornou-se mais compreensível a forma pelo qual o aluno nos dá tal resposta”, “ao contrário do que pensamos, muitas vezes o aluno não tem construído plenamente tais conceitos”, “tenho aplicado as sugestões aprendidas em sala de aula e meus alunos estão mais espertos e felizes com as aulas, tenho observado que minhas aulas estão mais prazerosas”, “ficou claro que é importante identificar o nível de raciocínio dos alunos, identificar suas dificuldades e procurar recuperar lacunas de anos anteriores”. Ficou claro que mesmo propondo situações na formação continuada de forma a permitir que o professor possa pensar e agir de modo diferente frente ao ambiente de trabalho, ainda ocorre, na prática, a corrida pela certificação por parte de alguns professores, como aborda Canário (2006). Muitos professores demonstraram, em suas concepções, empenhar-se em renovar, reconstruir e refazer suas práticas para acompanhar as mudanças. Esta busca, Demo (2009) afirma ser fundamental na atualidade. Verificou-se que os professores que conseguiram fazer uma reflexão relacionando o que foi desenvolvido nos encontros com sua prática, realmente tentaram renovar sua prática, pela descrição de atividades que desenvolveram e material utilizado. Pôde-se verificar que os professores modificaram os termos usados em suas respostas comparando-se os questionários inicial e final, embora estejam se referindo a construção numérica e o uso do sistema de numeração em operações, passaram a usar na escrita termos apresentados e analisados nos encontros de formação continuada. Tudo indica que os professores procuraram modificar suas estratégias no processo Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002098 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 ensino-aprendizagem, implementando atividades que envolviam os conceitos iniciais da matemática, foco da formação continuada. Quanto ao desempenho dos alunos, pelos resultados parciais apresentados no, Quadro 1, pode-se inferir que, organizar uma proposta com base no desempenho dos alunos ajuda a refletir sobre possíveis intervenções que exigem repensar sua prática e assumir uma nova postura docente. Os professores que conseguiram fazer as reflexões na autoavaliação proposta no final de cada encontro, apresentaram concepções de que estes dados são relevantes por serem decorrentes da aprendizagem, indicando a necessidade de uma intervenção e constituem-se como parâmetros admitidos como adequados frente ao exigido pela legislação em vigor como proposta educacional. Assim, diante do pré-teste alguns assumiam uma posição de conformidade e outros uma tomada de posição que conduz a uma intervenção para atingir uma qualidade aceitável com resultados desejados. As ações dos professores envolvendo os conceitos iniciais da matemática, frente ao ato pedagógico foram coerentes com a concepção teórica que a sustenta, ou seja, as crenças que possuem (LUCKESI, 2011). Quadro 1 - Percentual de acertos nos dois grupos quanto a cada habilidade cognitiva dos alunos Considerações finais Muitos professores assumiram uma posição de conformidade em relação ao diagnóstico do desempenho dos alunos e ao que foi proposto na formação continuada enquanto outros procuraram rever sua ação prática. Por isso, diante do resultado geral do desempenho dos alunos no pós-teste, não é possível afirmar se o resultado é significativo, faz-se necessário uma análise por cada questão após a aplicação do segundo pós-teste que será feito no início do ano letivo de 2012. Levando em conta o grupo que não assumiu a posição de conformidade, os resultados parciais apontam evidências de que uma formação continuada em serviço com base nos conhecimentos prévios dos alunos permite aos professores analisar as situações do contexto de trabalho em que estão inseridos, refletindo sobre sua prática e decidindo em torno delas para rever ações pedagógicas. Em relação à formação continuada para professores, frente aos resultados apresentados e a análise realizada, fica claro que estamos num período de transição diante das mudanças propostas pela legislação e das tendências pedagógicas e que o Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002099 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 foco da formação continuada é a busca por uma forma adequada de colocá-la em prática tendo como meta a qualidade do ensino. Referências bibliográficas BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, [da República Federativa do Brasil], Brasília. DF, Vol. 134, n.248, 23 dez. 1996. Seção I, p. 27834-27841. ______. Parecer CNE/CP nº. 9/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. 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