Aulas 12 e 13 Introdução à Filosofia: Ética FIL028 http://www.introetica.ecaths.com O Utilitarismo Jeremy Bentham John Stuart Mill O Utilitarismo Clássico • Teoria da maximização do bem-estar, em que a noção de bem-estar é hedonista. • ἡδονή (hedonê) = prazer • Utilitarismo: teoria segundo a qual a ação correta é aquela que maximiza a utilidade (isto é, promove o maior grau possível de prazer e o menor grau possível de dor ou sofrimento) para todos seres sencientes, imparcialmente considerados. O Utilitarismo Clássico • A teoria hedonista que está na base do utilitarismo clássico é uma teoria “metafísica” sobre a natureza do valor. • Segundo a teoria hedonista, a única coisa que possui valor intrínseco positivo é prazer (e a que possui valor negativo intrínseco é dor ou desprazer). O Utilitarismo Clássico • O Utilitarismo é uma forma de consequencialismo: Consequencialismo: teoria segundo a qual a ação correta é aquela que promove os melhores resultados ou consequências para todos os seres sencientes, imparcialmente considerados. O Utilitarismo Clássico • Como veremos, há teorias consequencialistas que não são utilitaristas. • Tais teorias são distintas da teoria utilitarista ou no que diz respeito ao objeto de maximização ou na teoria da natureza do valor que figura em sua base (qualquer teoria antihedonista). O Utilitarismo Clássico • Por exemplo, a teoria do valor e da racionalidade de Hobbes também pode ser considerada uma forma de consequencialismo. Não é claro, porém que ela seja uma teoria hedonista. Mas a diferença fundamental para o utilitarismo reside no fato de que, para Hobbes, pensar em consequências e maximização do bem-estar é pensar em termos egoístas ou da perspectiva individual. • Para utilitaristas, ao contrário, pensar em consequências e maximização de bem-estar é pensar coletivamente, naquilo que é melhor (mais prazeroso) para o todo. O Utilitarismo Clássico • Diante de propostas como a de Hobbes, utilitaristas precisarão, portanto, ou fornecer uma outra caracterização da natureza humana (possivelmente social e não-egoísta) ou fornecer um argumento que mostre que temos razões para nos preocupar com o bem do outro e coletivo, mesmo que este bem não promova diretamente o bem individual. O Utilitarismo Clássico Aspectos “intuitivamente” plausíveis do utilitarismo: (1) Consequencialismo: • Parece ser plausível sustentar que um fator moral relevante seja considerar as consequências de ações. O Utilitarismo Clássico (2) Promoção da felicidade como fim humano: • Para o utilitarista, a moralidade diz respeito à promoção da felicidade (maior prazer e menor dor) para o maior número possível de seres humanos. • Isto parece, à primeira vista, acomodar-se bem às nossas expectativas de que o discurso da moralidade não precise apelar a teorias metafísicas obscuras e torne a prática da moralidade algo factível da perspectiva humana. • Parece fazer sentido, ao perguntar sobre como devemos viver e regrar nossa conduta, que a resposta faça referência à promoção de um fim tipicamente humano: a felicidade. O Utilitarismo Clássico (3) Imparcialidade e igualdade: • A moralidade deve considerar cada ser senciente como valendo como um e não mais do que um. • As noções de imparcialidade e igualdade fazem parte da própria formulação do utilitarismo. Uma vez que aquelas noções parecem ser constitutivas da própria ideia de moralidade, a teoria utilitarista parece se acomodar naturalmente a esta. (Como vimos, uma das dificuldades do projeto Hobbesiano era torná-lo compatível com certas convicções intuitivas morais nossas.) • Por outro lado, a teoria utilitarista parece precisar fornecer uma defesa daquelas noções de imparcialidade e igualdade. O Utilitarismo Clássico (4) Anti-chauvinismo: [Do fr. chauvinisme.]: 1. Nacionalismo exagerado; 2. Procedimento ou atitude de alguém que assume posição extremada, exacerbada. Sentido estendido chauvinismo: devoção tendenciosas a um grupo, atitude ou causa. • Segundo utilitaristas, outros seres (não-humanos) podem possuir valor moral, na medida em que são passíveis de prazer e dor. O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): • Considere quanto o seu bem-estar seria aumentado se você não tivesse nenhum par de meias e ganhasse um. Isto, à primeira vista, faria uma enorme diferença em seu bem-estar já que você sairia de um estado em que você não tem como cobrir os pés para um estado em que você tem como cobri-los. Se você agora ganhar um segundo par de meias, isto provavelmente também fará uma grande diferença em seu bem-estar (pois agora você tem, por exemplo, um par para usar enquanto lava o outro). Este é um aumento significativo no seu bem-estar. Mas, à primeira vista, não é um aumento tão grande quanto aquele que você teve quando ganhou o seu primeiro par de meias. Se você ganhar agora o seu terceiro par de meias, você também provavelmente terá um aumento significativo em seu bem-estar (já que agora você poderá, por exemplo, variar o uso dos pares de meia à vontade). Ainda assim, este aumento no seu bemestar não será equiparável ao aumento do primeiro e do segundo par de meias. E assim por diante. O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): Princípio da utilidade marginal decrescente =def agentes geralmente obtêm uma menor soma de bem-estar (utilidade) proporcionalmente a cada incremento adicional de um bem que adquirem. O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): Considere agora o seguinte cenário: você vive em uma sociedade de dez pessoas e há vinte pares de meias. Como você faria a distribuição das meias? • Daria os vinte pares para uma pessoa e deixaria nove sem nada? • Distribuiria vinte pares entre cinco pessoas e deixaria cinco sem nada? • Distribuiria os vinte pares entre as dez pessoas, cada uma ficando com dois pares? Utilitaristas defendem que, em condições normais, devemos optar pela última forma de distribuição, com base no princípio de que devemos considerar imparcialmente o bem-estar de cada um (isto é, a princípio, não temos nenhuma razão para privilegiar um determinado indivíduo ou grupo) e no princípio da utilidade marginal decrescente. O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): • Porém, o ideal igualitarista não precisa necessariamente fazer parte do utilitarismo. • Considere os dois seguintes cenários: O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): (1) Suponha que eu viva em uma sociedade (de dez indivíduos) em que cada um produz dois pares de meias. A distribuição da produção é igualitária, segundo os princípios utilitaristas. Portanto, cada um ganha dois pares de meias. O problema com um tal cenário igualitarista é que ele pode diminuir o incentivo para contribuir com o sistema. Um indivíduo pode preferir se divertir em vez de trabalhar (na produção das meias). Neste caso, teríamos 18 pares de meias para serem distribuídos entre 10 indivíduos. Isto significa uma redução no bem-estar geral, mas um provável aumento no bem-estar daquele indivíduo (já que ele é integrante da partilha do produto final—ou seja, beneficia-se do sistema—embora não contribua com a sua produção). Portanto, poderia ser justificável em um tal caso, de acordo com os princípios do utilitarismo, a criação de certos incentivos que produziriam cenários de desigualdade, mas maximizassem o bem-estar geral. O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): (2) Considere uma sociedade dividida em dois grupos, A (composto de 10 pessoas) e B (composto de 100 pessoas). Ao considerar a ação correta em uma dada situação, o utilitarista se depara com dois seguintes cenários possíveis, em que o grupo B adquire mais bemestar do que o grupo A: O Utilitarismo Clássico Tabela 1 Unidade de bem-estar por pessoa Unidades de bem-estar por grupo Total de bemestar (agregado) para os 2 grupos Grupo A (10 pessoas) 1 10 10 + Grupo B (100 pessoas) 10 1.000 1.000 = 1.010 O Utilitarismo Clássico Tabela 2 Unidade de bem-estar por pessoa Unidades de bem-estar por grupo Total de bemestar (agregado) para os 2 grupos Grupo A (10 pessoas) 8 80 80 + Grupo B (100 pessoas) 9 900 900 = 980 O Utilitarismo Clássico Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing marginal utility): • Qual cenário deveria ser preferido pelo utilitarista? Se ele calcular bem-estar em termos de valor agregado total, o primeiro cenário (tabela 1) produz mais bem-estar do que o segundo (tabela 2), ainda que no segundo a distribuição de bem-estar seja mais igualitária. O Utilitarismo Clássico Tabela 3 Valor de uma possível consequência Probabilidade de esta possível consequência ocorrer Valor esperado desta possível consequência Valor esperado da ação 10 0.4 10 x 0.4 = 4 4 + 1.2 = 5.2 Ação A 2 0.6 2 x 0.6 = 1.2 Ação B 4 0.8 4 x 0.8 = 3.2 Ação B 9 0.2 9 x 0.2 = 1.8 Ação A 3.2 + 1.8 = 5.0 O Utilitarismo Clássico Aspectos “intuitivamente” implausíveis do utilitarismo: (1) Quantificação do prazer: • Para muitos, a própria ideia de quantificação do prazer é absurda. Se a teoria utilitarista depende de um cálculo matemático do prazer, então a teoria precisa explicar como isto é possível. • Utilitaristas geralmente respondem argumentando que a matematização da natureza é um método ou procedimento científico em curso desde pelo menos a revolução científica do século XVII. Como tal, não está livre de imperfeições e certa “artificialidade”. Mas o ponto do utilitarista é sugerir que, se a crítica se aplica a ele, ela deve ser estendida a quase toda a ciência moderna. O Utilitarismo Clássico • Podemos efetivamente discutir os limites da metodologia da ciência moderna (seu poder explicativo, representativo da realidade, seu caráter metafísico), mas esta é uma outra questão. O utilitarista pode se sentir satisfeito com o fato de sua teoria se inserir no contexto dos princípios metodológicos da ciência moderna. • Assim, como na ciência moderna, atribuir um valor matemático a uma unidade de prazer pode ser efetivamente algo artificial. Não precisamos acreditar que um valor matemático represente adequadamente a natureza. Mas isto pode ser considerado como um instrumento metodológico útil para a explicação dos fenômenos naturais. Como a experiência de prazer é aparentemente um fenômeno natural, não haveria, à primeira vista, restrições à tentativa de aplicar ao mesmo aquele método da ciência moderna. O Utilitarismo Clássico • Ainda assim, alguns podem argumentar que nem todo fenômeno natural é passível de quantificação (sobretudo se ele possuir aspectos subjetivos inelimináveis, que seriam incomensuráveis). • Além disso, o próprio conceito de prazer pode ser muito pouco preciso. Podemos não saber ao certo como aplicar o conceito de prazer. O Utilitarismo Clássico (2) Certas experiências de dor são indispensáveis: • É um fato empírico que ter a experiência de dor em certas ocasiões cumpre um papel vital para a preservação da vida. Por exemplo, evitamos colocar a mão no fogo porque aprendemos que esta experiência é dolorosa; se não sentíssemos dor ao sofrermos alguma lesão em nosso corpo, poderíamos simplesmente não notála e padecer. • A resposta simples do utilitarista é dizer que aquilo que deve ser almejado é o melhor equilíbrio entre prazer e dor (em que prazer é preponderante). Pode ser efetivamente o caso que, para tal, precisemos ter certas experiências dolorosas. Mas se estas possuem algum valor positivo, é meramente instrumental. O Utilitarismo Clássico (3) Resultados “imorais”: • A tese utilitarista não impõe restrições à realização de quaisquer atos. Na medida em que qualquer ato (contingentemente) promova o maior grau possível de prazer para o maior número possível de seres sencientes, imparcialmente considerados, é um ato moral. • Obviamente, o que está em jogo aqui não é uma definição de ‘moral’ ou uma questão meramente verbal, mas nossas intuições substantivas acerca da moralidade. Se a questão fosse meramente verbal, bastaria ao utilitarista dizer que a teoria dele define moralidade de tal forma que a acusação de imoralidade não faz sentido. O Utilitarismo Clássico (4) Ditadura da maioria: • Se a teoria utilitarista prescreve que cada um conta como um e não mais do que um e que o critério de correção moral é dado por um cálculo de valor agregado de prazer de cada uma das partes afetadas por uma ação, não seria o caso que a moralidade passaria a ser pautada pela opinião da maioria (relativamente àquilo que lhes dá mais prazer)? • Mas estamos propensos a dizer que o número de pessoas que é favorável a uma ação pode ser o critério de moralidade da mesma? A maioria poderia ser a favor de uma série de ações que aparentemente julgamos condenáveis. O Utilitarismo Clássico (5) Moralidade de um “suíno”: • Se a promoção do maior grau de prazer possível é o critério último de valor e se a moralidade consiste na promoção deste, então aparentemente seria preferível um suíno feliz a um Sócrates infeliz. • Se a promoção do maior grau possível de prazer for entendida apenas de maneira quantitativa, então não haveria necessariamente a garantia de que certas ações irão ser privilegiadas a outras. Mas nós parecemos julgar certas experiências superiores qualitativamente a outras. Por exemplo, o exercício da liberdade parece ser melhor do que a prisão; certos prazeres intelectuais parecem ser superiores a meros prazeres sensuais; uma vida em contato com manifestações artísticas parece ser superior a uma vida sem tal contato; uma vida em que relações afetuosas (como na amizade) estejam presentes parece ser melhor do que uma vida de isolamento; etc. O Utilitarismo Clássico (6) A teoria é impraticável: • Se a promoção do maior grau de prazer possível envolve a necessidade de um cálculo de consequências de ações, e se a solução deste cálculo não é algo a que temos acesso espontaneamente, teríamos aparentemente que sempre refletir (e calcular) sobre as consequências de nossas ações antes de agir. Mas isto não parece factível para seres humanos, que frequentemente se encontram em condições limitadas de informação e possuem naturalmente limitações cognitivas. O Utilitarismo Clássico (7) Imprevisibilidade do futuro: • Se não há como ter certeza sobre o que será o futuro, então não há como calcular precisamente as consequências das ações. O Utilitarismo Clássico (8) A moralidade é excessivamente exigente: • Somos obrigados (moralmente), segundo a tese utilitarista, a perpetuamente maximizar a utilidade—frequentemente em detrimento de nossos próprios interesses pessoais e dos interesses do nosso círculo estreito de relações afetivas. O Utilitarismo Clássico (9) Inexistência de ações opcionais: • Um dos resultados do utilitarismo parece ser que não há ações que podemos moralmente optar por realizar. A menos que, em um dado cenário, existam duas ações possíveis que promovam igualmente o mesmo grau de prazer—em cujo caso o utilitarista poderia dizer que é opcional escolher qualquer uma das ações— se uma ação promove mais prazer do que outras, somos obrigados moralmente a escolhê-la. • Mas alguns autores estão dispostos a dizer que há certos problemas de nossas vidas práticas para os quais a moralidade ou não fornece uma solução ou não funciona como um guia preciso. O Utilitarismo Clássico • Por exemplo, alguns estão dispostos a dizer que existem genuínos dilemas morais, para os quais não há solução (moral). Mas, se o utilitarismo estiver certo, só existirá um dilema moral quando as ações possíveis tiverem consequências idênticas em termos de maximização do bem-estar geral. Mesmo assim, não parece que estamos aqui diante de um genuíno dilema moral. • Por outro lado, certos autores sugerem que há ações que são obrigatórias apenas em um sentido “indireto”. Tais ações são chamadas de ‘supererrogatórias’ (do latim supererogatio). Ações deste tipo são ações que temos obrigações de realizar, mas a moralidade não especifica precisamente quando e em que circunstâncias. Por exemplo, a moralidade pode exigir que eu ajude necessitados, mas pode não especificar quando e em que circunstâncias devo fazer isto ao longo de minha vida, de tal forma que eu poderia optar por não ajudar um necessitado agora, em minha situação presente. O Utilitarismo Clássico • Exemplo (1): João é um médico que tem cinco pacientes em seu ambulatório. Um deles está plenamente saudável (Pedro), enquanto que os outros quatro precisam urgentemente de transplantes de órgãos (dois precisam de um rim cada, um precisa de um coração, um precisa de um fígado). Se João matar Pedro, retirar seus órgãos e realizar um transplante nos demais, ele terá um cenário em que há quatro vidas salvas e uma perdida. Se, ao contrário, ele não matar Pedro, ele terá um cenário em que há uma vida salva e quatro perdidas. João deve matar Pedro? O Utilitarismo Clássico • Exemplo (2): Paulo é o delegado de uma determinada localidade. Existe a ameaça de um levante popular (com prováveis resultados nefastos para a localidade) em função do fato de a polícia ainda não ter encontrado o indivíduo que praticou um crime terrível na região. Se Paulo incriminar um inocente, ele aplacará os ânimos dos locais e terá um cenário em que os resultados nefastos para a localidade serão evitados. Supondo que Paulo não tenha quaisquer pistas de quem cometeu o crime, ele deve incriminar um inocente? O Utilitarismo Clássico Respostas utilitaristas: O utilitarista poderia dizer, em primeiro lugar, que há muitas variáveis em jogo e que, em última instância, os exemplos são irreais. Em segundo lugar, o utilitarista pode simplesmente tentar mostrar que tanto João matar Pedro quanto Paulo incriminar um inocente não produzem, de fato, os melhores resultados. O Utilitarismo Clássico Respostas: Não é claro que, no caso de João, as cirurgias de transplantes serão bem sucedidas e que os transplantados se adaptarão bem aos novos órgãos, haja vista que o índice de fracasso em cirurgias de transplante é alto e há uma grande chance de rejeição de órgãos novos em transplantados. Assim, o resultado final pode ser ainda pior: seis mortos. Além disso, todas as consequências devem ser levadas em consideração—e não apenas as de curto prazo. Neste caso, uma vez que seria difícil para João matar um paciente e não ser descoberto, a possível descoberta de que um inocente foi morto ao fazer uma visita de rotina ao hospital pode diminuir o nível de confiabilidade da população no sistema de saúde e isto traria muito provavelmente resultados drásticos a longo prazo (muito piores do que o cenário de quatro mortes a curto prazo). O Utilitarismo Clássico Respostas: Por razões similares, no caso de Paulo, a possibilidade de descoberta de que um inocente foi incriminado pode reduzir o nível de confiabilidade da população na polícia, no sistema de justiça, etc. Além disso, pode não haver certeza de que o levante popular será contido (evitando, assim, efeitos nefastos), etc. O Utilitarismo Clássico Respostas: Mas muitos não se sentem convencidos por estas respostas utilitaristas e perguntam: mas se João matar Pedro e Paulo incriminar um inocente, de fato, produzissem os melhores resultados? Utilitaristas podem argumentar que, na medida em que mais detalhes são adicionados aos exemplos, mais irrealistas eles se revelam. Neste sentido, utilitaristas podem simplesmente admitir que, em tais casos irrealistas, a resposta utilitarista deve ser a correta, contrariamente às nossas convicções morais mais básicas. Por outro lado, em casos realistas, a resposta utilitarista produz, em grande escala, resultados que convergem com as nossas convicções morais mais básicas. O Utilitarismo Clássico Respostas: Portanto, o utilitarista pode encontrar vários meios de justificar por que não agir de modo (aparentemente) imoral: no caso de João, não matar Pedro; no caso de Paulo, não incriminar um inocente. A única coisa que o utilitarista não parece poder negar é que, consideradas todas aquelas variáveis, se o ato (à primeira vista contrário às nossas convicções morais) efetivamente promovesse o maior bem-estar geral, e tivéssemos acesso a esta informação, o ato não deva ser realizado. O Utilitarismo Clássico • Em razão de aquele tipo de resposta parecer ser a única disponível à teoria utilitarista (e talvez não ser uma resposta totalmente convincente), certos utilitaristas propuseram uma outra forma de lidar com aquele tipo de objeção: eles propuseram uma distinção entre utilitarismo de atos e utilitarismo de regras. O Utilitarismo Clássico • Utilitarismo de atos: a ação correta é aquela que maximiza (ou que se espera maximizar) diretamente a utilidade. • Utilitarismo de regras: a ação correta é aquela que está de acordo com o sistema de regras que maximiza (ou que se espera maximizar) a utilidade. O Utilitarismo Clássico • De acordo com o utilitarismo de atos, ações são julgadas por uma relação direta com a promoção da utilidade. De acordo com o utilitarismo de regras, ações são julgadas por uma relação indireta com a promoção da utilidade, através de sua consonância a um sistema de regras (maximizador da utilidade). O Utilitarismo Clássico • O utilitarista de regras poderia, então, sugerir que a observância de certas regras produziriam mais utilidade. • Assim, ele poderia sugerir que teríamos nosso bem-estar aumentado se nunca matássemos, nunca mentíssemos, nunca roubássemos, etc. O Utilitarismo Clássico • Mas o utilitarista de atos poderia responder: ainda assim, se soubermos que, em uma dada circunstância particular, uma ação irá efetivamente produzir os melhores resultados, ainda que seja contrária a uma(s) regra(s) geral(is) do melhor sistema de regras, devemos agir contrariamente a tal regra ou adicionar uma exceção à mesma, de tal forma a maximizar a utilidade. • Do contrário, a posição tornar-se-ia uma “idolatria de regras” e deixaria de ser utilitarismo. O Utilitarismo Clássico • Na linha daquela argumentação, alguns autores negam que haja efetivamente uma distinção real entre utilitarismo de atos e de regras. Tais autores argumentam que o utilitarismo de regras pode ser reduzido a um utilitarismo de atos mais sofisticado. • Como? Suponha que saibamos que, na maior parte das vezes, cumprir promessas é o tipo de ação que produz os melhores resultados. Tanto o utilitarista de atos quanto o utilitarista de regras poderia incorporar tal regra em seu modelo. O Utilitarismo Clássico • Suponha agora que nos deparamos com um tipo de situação tal que não cumprir uma promessa nesta situação efetivamente promova mais utilidade. O utilitarista de atos diria que estamos diante de uma ação em que não cumprir a promessa é a ação correta (uma exceção à regra). • Mas, à primeira vista, o utilitarista de regras também se veria obrigado a dizer algo parecido. Este aparentemente teria que incorporar a regra de que mentir é errado, exceto em situações daquele tipo. Nestes termos, o utilitarismo de regras e o de atos convergiriam acerca de seus resultados e não pareceria haver, na prática, nenhuma diferença entre os dois modelos. O Utilitarismo Clássico • Utilitaristas de regras costumam responder dizendo que a seleção de um sistema de regras não se dá por sua observância, mas por sua aceitação ou internalização. • É melhor viver em uma sociedade em que as pessoas não tentam descobrir exceções a regras do que em uma sociedade em que as pessoas estão dispostas a tal prática (as pessoas são frequentemente não-intencionalmente parciais, erram em cálculos de consequências, são passionais, têm restrições de tempo e informação para refletir sobre os resultados de suas ações, etc.)—isto seria o caso mesmo considerando que, em certas situações, tais exceções efetivamente produzissem mais utilidade. O Utilitarismo Clássico • Além disso, ao selecionar um sistema de regras, devemos levar em consideração os custos da aceitação do mesmo sistema. • Assim, se tivermos um sistema de regras muito complexo, com regras muito específicas (em detrimento de um sistema de regras simples), isto pode ser contraproducente à utilidade. O Utilitarismo Clássico • Mas o que dizer que casos catastróficos? • Suponha que uma das regras de nosso melhor sistema inclua não matar. Mas agora suponha que um louco irá extinguir a humanidade ao acionar uma bomba se ele não for detido a tempo. • Em tal caso, o utilitarista de atos poderia sugerir que seria correto matá-lo. Mas o utilitarista de regras poderia dizer o mesmo? O Utilitarismo Clássico • Solução de R. M. Hare (Moral Thinking, 1981): o utilitarismo de atos é compatível com o utilitarismo de regras. • O Arcanjo e a prole: Hare sugere que, se fôssemos arcanjos (i.e., se fôssemos idealmente informados sobre nossas circunstâncias e perfeitamente imparciais), poderíamos pensar como um utilitarista de atos. O Utilitarismo Clássico • Porém, uma vez que não somos arcanjos—somos, ao contrário, prole—devemos incorporar as limitações de nossa própria natureza cognitiva e passional em nosso comportamento moral e pensar como um utilitarista de regras, na maior parte dos casos. • Assim, devemos selecionar regras que produzam os melhores resultados, dadas as nossas limitações, ainda que pudesse haver efetivamente ações que produzissem mais utilidade do que aquelas recomendadas por tais regras. • Não apenas isto. Podemos até mesmo chegar à conclusão de que tentar maximizar a utilidade não deve ser uma regra de nosso sistema de regras morais.