Aulas 12 e 13
Introdução à Filosofia: Ética
FIL028
http://www.introetica.ecaths.com
O Utilitarismo
Jeremy Bentham
John Stuart Mill
O Utilitarismo Clássico
• Teoria da maximização do bem-estar, em que a noção
de bem-estar é hedonista.
• ἡδονή (hedonê) = prazer
• Utilitarismo: teoria segundo a qual a ação correta é
aquela que maximiza a utilidade (isto é, promove o
maior grau possível de prazer e o menor grau possível
de dor ou sofrimento) para todos seres sencientes,
imparcialmente considerados.
O Utilitarismo Clássico
• A teoria hedonista que está na base do
utilitarismo clássico é uma teoria
“metafísica” sobre a natureza do valor.
• Segundo a teoria hedonista, a única coisa
que possui valor intrínseco positivo é
prazer (e a que possui valor negativo
intrínseco é dor ou desprazer).
O Utilitarismo Clássico
• O Utilitarismo é uma forma de
consequencialismo:
Consequencialismo: teoria segundo a
qual a ação correta é aquela que promove
os melhores resultados ou consequências
para todos os seres sencientes,
imparcialmente considerados.
O Utilitarismo Clássico
• Como veremos, há teorias consequencialistas
que não são utilitaristas.
• Tais teorias são distintas da teoria utilitarista
ou no que diz respeito ao objeto de
maximização ou na teoria da natureza do valor
que figura em sua base (qualquer teoria antihedonista).
O Utilitarismo Clássico
• Por exemplo, a teoria do valor e da racionalidade de Hobbes
também pode ser considerada uma forma de
consequencialismo. Não é claro, porém que ela seja uma
teoria hedonista. Mas a diferença fundamental para o
utilitarismo reside no fato de que, para Hobbes, pensar em
consequências e maximização do bem-estar é pensar em
termos egoístas ou da perspectiva individual.
• Para utilitaristas, ao contrário, pensar em consequências e
maximização de bem-estar é pensar coletivamente, naquilo
que é melhor (mais prazeroso) para o todo.
O Utilitarismo Clássico
• Diante de propostas como a de Hobbes,
utilitaristas precisarão, portanto, ou fornecer
uma outra caracterização da natureza
humana (possivelmente social e não-egoísta)
ou fornecer um argumento que mostre que
temos razões para nos preocupar com o bem
do outro e coletivo, mesmo que este bem
não promova diretamente o bem individual.
O Utilitarismo Clássico
Aspectos “intuitivamente” plausíveis do
utilitarismo:
(1) Consequencialismo:
• Parece ser plausível sustentar que um fator
moral relevante seja considerar as
consequências de ações.
O Utilitarismo Clássico
(2) Promoção da felicidade como fim humano:
• Para o utilitarista, a moralidade diz respeito à promoção da
felicidade (maior prazer e menor dor) para o maior número possível
de seres humanos.
• Isto parece, à primeira vista, acomodar-se bem às nossas
expectativas de que o discurso da moralidade não precise apelar a
teorias metafísicas obscuras e torne a prática da moralidade algo
factível da perspectiva humana.
• Parece fazer sentido, ao perguntar sobre como devemos viver e
regrar nossa conduta, que a resposta faça referência à promoção
de um fim tipicamente humano: a felicidade.
O Utilitarismo Clássico
(3) Imparcialidade e igualdade:
•
A moralidade deve considerar cada ser senciente como valendo como um e
não mais do que um.
•
As noções de imparcialidade e igualdade fazem parte da própria
formulação do utilitarismo. Uma vez que aquelas noções parecem ser
constitutivas da própria ideia de moralidade, a teoria utilitarista parece se
acomodar naturalmente a esta. (Como vimos, uma das dificuldades do
projeto Hobbesiano era torná-lo compatível com certas convicções
intuitivas morais nossas.)
•
Por outro lado, a teoria utilitarista parece precisar fornecer uma defesa
daquelas noções de imparcialidade e igualdade.
O Utilitarismo Clássico
(4) Anti-chauvinismo:
[Do fr. chauvinisme.]: 1. Nacionalismo exagerado; 2.
Procedimento ou atitude de alguém que assume posição
extremada, exacerbada.
Sentido estendido chauvinismo: devoção tendenciosas a um
grupo, atitude ou causa.
• Segundo utilitaristas, outros seres (não-humanos) podem
possuir valor moral, na medida em que são passíveis de
prazer e dor.
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing
marginal utility):
•
Considere quanto o seu bem-estar seria aumentado se você não tivesse nenhum par
de meias e ganhasse um. Isto, à primeira vista, faria uma enorme diferença em seu
bem-estar já que você sairia de um estado em que você não tem como cobrir os pés
para um estado em que você tem como cobri-los.
Se você agora ganhar um segundo par de meias, isto provavelmente também fará
uma grande diferença em seu bem-estar (pois agora você tem, por exemplo, um par
para usar enquanto lava o outro). Este é um aumento significativo no seu bem-estar.
Mas, à primeira vista, não é um aumento tão grande quanto aquele que você teve
quando ganhou o seu primeiro par de meias.
Se você ganhar agora o seu terceiro par de meias, você também provavelmente terá
um aumento significativo em seu bem-estar (já que agora você poderá, por exemplo,
variar o uso dos pares de meia à vontade). Ainda assim, este aumento no seu bemestar não será equiparável ao aumento do primeiro e do segundo par de meias.
E assim por diante.
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade
marginal decrescente (diminishing marginal
utility):
Princípio da utilidade marginal decrescente =def
agentes geralmente obtêm uma menor soma de
bem-estar (utilidade) proporcionalmente a cada
incremento adicional de um bem que adquirem.
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing
marginal utility):
Considere agora o seguinte cenário: você vive em uma sociedade de dez
pessoas e há vinte pares de meias. Como você faria a distribuição das meias?
•
Daria os vinte pares para uma pessoa e deixaria nove sem nada?
•
Distribuiria vinte pares entre cinco pessoas e deixaria cinco sem nada?
•
Distribuiria os vinte pares entre as dez pessoas, cada uma ficando com dois
pares?
Utilitaristas defendem que, em condições normais, devemos optar pela última
forma de distribuição, com base no princípio de que devemos considerar
imparcialmente o bem-estar de cada um (isto é, a princípio, não temos
nenhuma razão para privilegiar um determinado indivíduo ou grupo) e no
princípio da utilidade marginal decrescente.
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da
utilidade marginal decrescente (diminishing
marginal utility):
• Porém, o ideal igualitarista não precisa
necessariamente fazer parte do utilitarismo.
• Considere os dois seguintes cenários:
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade marginal decrescente (diminishing
marginal utility):
(1)
Suponha que eu viva em uma sociedade (de dez indivíduos) em que cada um
produz dois pares de meias. A distribuição da produção é igualitária, segundo os
princípios utilitaristas. Portanto, cada um ganha dois pares de meias.
O problema com um tal cenário igualitarista é que ele pode diminuir o incentivo
para contribuir com o sistema. Um indivíduo pode preferir se divertir em vez de
trabalhar (na produção das meias). Neste caso, teríamos 18 pares de meias para
serem distribuídos entre 10 indivíduos. Isto significa uma redução no bem-estar
geral, mas um provável aumento no bem-estar daquele indivíduo (já que ele é
integrante da partilha do produto final—ou seja, beneficia-se do sistema—embora
não contribua com a sua produção).
Portanto, poderia ser justificável em um tal caso, de acordo com os princípios do
utilitarismo, a criação de certos incentivos que produziriam cenários de
desigualdade, mas maximizassem o bem-estar geral.
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade
marginal decrescente
(diminishing marginal utility):
(2) Considere uma sociedade dividida em dois
grupos, A (composto de 10 pessoas) e B
(composto de 100 pessoas). Ao considerar a
ação correta em uma dada situação, o utilitarista
se depara com dois seguintes cenários
possíveis, em que o grupo B adquire mais bemestar do que o grupo A:
O Utilitarismo Clássico
Tabela 1
Unidade de
bem-estar por
pessoa
Unidades de
bem-estar por
grupo
Total de bemestar
(agregado) para
os 2 grupos
Grupo A
(10 pessoas)
1
10
10 +
Grupo B (100
pessoas)
10
1.000
1.000 =
1.010
O Utilitarismo Clássico
Tabela 2
Unidade de
bem-estar por
pessoa
Unidades de
bem-estar por
grupo
Total de bemestar
(agregado) para
os 2 grupos
Grupo A
(10 pessoas)
8
80
80 +
Grupo B (100
pessoas)
9
900
900 =
980
O Utilitarismo Clássico
Imparcialidade, igualdade e o princípio da utilidade
marginal decrescente
(diminishing marginal utility):
• Qual cenário deveria ser preferido pelo
utilitarista?
Se ele calcular bem-estar em termos de valor
agregado total, o primeiro cenário (tabela 1)
produz mais bem-estar do que o segundo
(tabela 2), ainda que no segundo a distribuição
de bem-estar seja mais igualitária.
O Utilitarismo Clássico
Tabela 3
Valor de uma
possível
consequência
Probabilidade
de esta
possível
consequência
ocorrer
Valor esperado
desta possível
consequência
Valor esperado
da ação
10
0.4
10 x 0.4 = 4
4 + 1.2 = 5.2
Ação
A
2
0.6
2 x 0.6 = 1.2
Ação
B
4
0.8
4 x 0.8 = 3.2
Ação
B
9
0.2
9 x 0.2 = 1.8
Ação
A
3.2 + 1.8 = 5.0
O Utilitarismo Clássico
Aspectos “intuitivamente” implausíveis do utilitarismo:
(1)
Quantificação do prazer:
•
Para muitos, a própria ideia de quantificação do prazer é absurda. Se a
teoria utilitarista depende de um cálculo matemático do prazer, então a
teoria precisa explicar como isto é possível.
•
Utilitaristas geralmente respondem argumentando que a matematização da
natureza é um método ou procedimento científico em curso desde pelo
menos a revolução científica do século XVII. Como tal, não está livre de
imperfeições e certa “artificialidade”. Mas o ponto do utilitarista é sugerir
que, se a crítica se aplica a ele, ela deve ser estendida a quase toda a
ciência moderna.
O Utilitarismo Clássico
• Podemos efetivamente discutir os limites da metodologia da ciência
moderna (seu poder explicativo, representativo da realidade, seu
caráter metafísico), mas esta é uma outra questão. O utilitarista
pode se sentir satisfeito com o fato de sua teoria se inserir no
contexto dos princípios metodológicos da ciência moderna.
• Assim, como na ciência moderna, atribuir um valor matemático a
uma unidade de prazer pode ser efetivamente algo artificial. Não
precisamos acreditar que um valor matemático represente
adequadamente a natureza. Mas isto pode ser considerado como
um instrumento metodológico útil para a explicação dos fenômenos
naturais. Como a experiência de prazer é aparentemente um
fenômeno natural, não haveria, à primeira vista, restrições à
tentativa de aplicar ao mesmo aquele método da ciência moderna.
O Utilitarismo Clássico
• Ainda assim, alguns podem argumentar que nem
todo fenômeno natural é passível de quantificação
(sobretudo se ele possuir aspectos subjetivos
inelimináveis, que seriam incomensuráveis).
• Além disso, o próprio conceito de prazer pode ser
muito pouco preciso. Podemos não saber ao certo
como aplicar o conceito de prazer.
O Utilitarismo Clássico
(2) Certas experiências de dor são indispensáveis:
• É um fato empírico que ter a experiência de dor em certas ocasiões
cumpre um papel vital para a preservação da vida. Por exemplo,
evitamos colocar a mão no fogo porque aprendemos que esta
experiência é dolorosa; se não sentíssemos dor ao sofrermos
alguma lesão em nosso corpo, poderíamos simplesmente não notála e padecer.
• A resposta simples do utilitarista é dizer que aquilo que deve ser
almejado é o melhor equilíbrio entre prazer e dor (em que prazer é
preponderante). Pode ser efetivamente o caso que, para tal,
precisemos ter certas experiências dolorosas. Mas se estas
possuem algum valor positivo, é meramente instrumental.
O Utilitarismo Clássico
(3) Resultados “imorais”:
• A tese utilitarista não impõe restrições à realização de
quaisquer atos. Na medida em que qualquer ato
(contingentemente) promova o maior grau possível de prazer
para o maior número possível de seres sencientes,
imparcialmente considerados, é um ato moral.
• Obviamente, o que está em jogo aqui não é uma definição de
‘moral’ ou uma questão meramente verbal, mas nossas
intuições substantivas acerca da moralidade. Se a questão
fosse meramente verbal, bastaria ao utilitarista dizer que a
teoria dele define moralidade de tal forma que a acusação de
imoralidade não faz sentido.
O Utilitarismo Clássico
(4) Ditadura da maioria:
• Se a teoria utilitarista prescreve que cada um conta como um
e não mais do que um e que o critério de correção moral é
dado por um cálculo de valor agregado de prazer de cada
uma das partes afetadas por uma ação, não seria o caso que
a moralidade passaria a ser pautada pela opinião da maioria
(relativamente àquilo que lhes dá mais prazer)?
• Mas estamos propensos a dizer que o número de pessoas
que é favorável a uma ação pode ser o critério de moralidade
da mesma? A maioria poderia ser a favor de uma série de
ações que aparentemente julgamos condenáveis.
O Utilitarismo Clássico
(5) Moralidade de um “suíno”:
• Se a promoção do maior grau de prazer possível é o critério
último de valor e se a moralidade consiste na promoção deste,
então aparentemente seria preferível um suíno feliz a um
Sócrates infeliz.
• Se a promoção do maior grau possível de prazer for entendida
apenas de maneira quantitativa, então não haveria
necessariamente a garantia de que certas ações irão ser
privilegiadas a outras. Mas nós parecemos julgar certas
experiências superiores qualitativamente a outras. Por exemplo,
o exercício da liberdade parece ser melhor do que a prisão;
certos prazeres intelectuais parecem ser superiores a meros
prazeres sensuais; uma vida em contato com manifestações
artísticas parece ser superior a uma vida sem tal contato; uma
vida em que relações afetuosas (como na amizade) estejam
presentes parece ser melhor do que uma vida de isolamento;
etc.
O Utilitarismo Clássico
(6) A teoria é impraticável:
• Se a promoção do maior grau de prazer possível envolve a
necessidade de um cálculo de consequências de ações, e
se a solução deste cálculo não é algo a que temos acesso
espontaneamente, teríamos aparentemente que sempre
refletir (e calcular) sobre as consequências de nossas
ações antes de agir. Mas isto não parece factível para
seres humanos, que frequentemente se encontram em
condições limitadas de informação e possuem
naturalmente limitações cognitivas.
O Utilitarismo Clássico
(7) Imprevisibilidade do futuro:
• Se não há como ter certeza sobre o que
será o futuro, então não há como calcular
precisamente as consequências das
ações.
O Utilitarismo Clássico
(8) A moralidade é excessivamente exigente:
• Somos obrigados (moralmente), segundo a tese
utilitarista, a perpetuamente maximizar a
utilidade—frequentemente em detrimento de
nossos próprios interesses pessoais e dos
interesses do nosso círculo estreito de relações
afetivas.
O Utilitarismo Clássico
(9) Inexistência de ações opcionais:
• Um dos resultados do utilitarismo parece ser que não há ações
que podemos moralmente optar por realizar. A menos que, em
um dado cenário, existam duas ações possíveis que promovam
igualmente o mesmo grau de prazer—em cujo caso o utilitarista
poderia dizer que é opcional escolher qualquer uma das ações—
se uma ação promove mais prazer do que outras, somos
obrigados moralmente a escolhê-la.
• Mas alguns autores estão dispostos a dizer que há certos
problemas de nossas vidas práticas para os quais a moralidade
ou não fornece uma solução ou não funciona como um guia
preciso.
O Utilitarismo Clássico
•
Por exemplo, alguns estão dispostos a dizer que existem genuínos
dilemas morais, para os quais não há solução (moral). Mas, se o
utilitarismo estiver certo, só existirá um dilema moral quando as ações
possíveis tiverem consequências idênticas em termos de maximização
do bem-estar geral. Mesmo assim, não parece que estamos aqui
diante de um genuíno dilema moral.
•
Por outro lado, certos autores sugerem que há ações que são
obrigatórias apenas em um sentido “indireto”. Tais ações são
chamadas de ‘supererrogatórias’ (do latim supererogatio). Ações deste
tipo são ações que temos obrigações de realizar, mas a moralidade
não especifica precisamente quando e em que circunstâncias. Por
exemplo, a moralidade pode exigir que eu ajude necessitados, mas
pode não especificar quando e em que circunstâncias devo fazer isto
ao longo de minha vida, de tal forma que eu poderia optar por não
ajudar um necessitado agora, em minha situação presente.
O Utilitarismo Clássico
• Exemplo (1): João é um médico que tem cinco
pacientes em seu ambulatório. Um deles está
plenamente saudável (Pedro), enquanto que os
outros quatro precisam urgentemente de
transplantes de órgãos (dois precisam de um rim
cada, um precisa de um coração, um precisa de um
fígado). Se João matar Pedro, retirar seus órgãos e
realizar um transplante nos demais, ele terá um
cenário em que há quatro vidas salvas e uma
perdida. Se, ao contrário, ele não matar Pedro, ele
terá um cenário em que há uma vida salva e quatro
perdidas. João deve matar Pedro?
O Utilitarismo Clássico
• Exemplo (2): Paulo é o delegado de uma
determinada localidade. Existe a ameaça de um
levante popular (com prováveis resultados
nefastos para a localidade) em função do fato
de a polícia ainda não ter encontrado o
indivíduo que praticou um crime terrível na
região. Se Paulo incriminar um inocente, ele
aplacará os ânimos dos locais e terá um cenário
em que os resultados nefastos para a localidade
serão evitados. Supondo que Paulo não tenha
quaisquer pistas de quem cometeu o crime, ele
deve incriminar um inocente?
O Utilitarismo Clássico
Respostas utilitaristas:
O utilitarista poderia dizer, em primeiro lugar, que há
muitas variáveis em jogo e que, em última instância, os
exemplos são irreais.
Em segundo lugar, o utilitarista pode simplesmente
tentar mostrar que tanto João matar Pedro quanto Paulo
incriminar um inocente não produzem, de fato, os
melhores resultados.
O Utilitarismo Clássico
Respostas:
Não é claro que, no caso de João, as cirurgias de transplantes
serão bem sucedidas e que os transplantados se adaptarão bem
aos novos órgãos, haja vista que o índice de fracasso em cirurgias
de transplante é alto e há uma grande chance de rejeição de órgãos
novos em transplantados. Assim, o resultado final pode ser ainda
pior: seis mortos.
Além disso, todas as consequências devem ser levadas em
consideração—e não apenas as de curto prazo. Neste caso, uma
vez que seria difícil para João matar um paciente e não ser
descoberto, a possível descoberta de que um inocente foi morto ao
fazer uma visita de rotina ao hospital pode diminuir o nível de
confiabilidade da população no sistema de saúde e isto traria muito
provavelmente resultados drásticos a longo prazo (muito piores do
que o cenário de quatro mortes a curto prazo).
O Utilitarismo Clássico
Respostas:
Por razões similares, no caso de Paulo, a possibilidade
de descoberta de que um inocente foi incriminado pode
reduzir o nível de confiabilidade da população na polícia,
no sistema de justiça, etc. Além disso, pode não haver
certeza de que o levante popular será contido (evitando,
assim, efeitos nefastos), etc.
O Utilitarismo Clássico
Respostas:
Mas muitos não se sentem convencidos por estas respostas
utilitaristas e perguntam: mas se João matar Pedro e Paulo
incriminar um inocente, de fato, produzissem os melhores
resultados?
Utilitaristas podem argumentar que, na medida em que mais
detalhes são adicionados aos exemplos, mais irrealistas eles se
revelam. Neste sentido, utilitaristas podem simplesmente admitir
que, em tais casos irrealistas, a resposta utilitarista deve ser a
correta, contrariamente às nossas convicções morais mais básicas.
Por outro lado, em casos realistas, a resposta utilitarista produz, em
grande escala, resultados que convergem com as nossas
convicções morais mais básicas.
O Utilitarismo Clássico
Respostas:
Portanto, o utilitarista pode encontrar vários meios de
justificar por que não agir de modo (aparentemente)
imoral: no caso de João, não matar Pedro; no caso de
Paulo, não incriminar um inocente. A única coisa que o
utilitarista não parece poder negar é que, consideradas
todas aquelas variáveis, se o ato (à primeira vista
contrário às nossas convicções morais) efetivamente
promovesse o maior bem-estar geral, e tivéssemos
acesso a esta informação, o ato não deva ser realizado.
O Utilitarismo Clássico
• Em razão de aquele tipo de resposta
parecer ser a única disponível à teoria
utilitarista (e talvez não ser uma resposta
totalmente convincente), certos utilitaristas
propuseram uma outra forma de lidar com
aquele tipo de objeção: eles propuseram
uma distinção entre utilitarismo de atos e
utilitarismo de regras.
O Utilitarismo Clássico
• Utilitarismo de atos: a ação correta é
aquela que maximiza (ou que se espera
maximizar) diretamente a utilidade.
• Utilitarismo de regras: a ação correta é
aquela que está de acordo com o sistema
de regras que maximiza (ou que se
espera maximizar) a utilidade.
O Utilitarismo Clássico
• De acordo com o utilitarismo de atos,
ações são julgadas por uma relação direta
com a promoção da utilidade. De acordo
com o utilitarismo de regras, ações são
julgadas por uma relação indireta com a
promoção da utilidade, através de sua
consonância a um sistema de regras
(maximizador da utilidade).
O Utilitarismo Clássico
• O utilitarista de regras poderia, então, sugerir
que a observância de certas regras produziriam
mais utilidade.
• Assim, ele poderia sugerir que teríamos nosso
bem-estar aumentado se nunca matássemos,
nunca mentíssemos, nunca roubássemos, etc.
O Utilitarismo Clássico
• Mas o utilitarista de atos poderia responder: ainda
assim, se soubermos que, em uma dada circunstância
particular, uma ação irá efetivamente produzir os
melhores resultados, ainda que seja contrária a
uma(s) regra(s) geral(is) do melhor sistema de regras,
devemos agir contrariamente a tal regra ou adicionar
uma exceção à mesma, de tal forma a maximizar a
utilidade.
• Do contrário, a posição tornar-se-ia uma “idolatria de
regras” e deixaria de ser utilitarismo.
O Utilitarismo Clássico
• Na linha daquela argumentação, alguns autores negam
que haja efetivamente uma distinção real entre
utilitarismo de atos e de regras. Tais autores
argumentam que o utilitarismo de regras pode ser
reduzido a um utilitarismo de atos mais sofisticado.
• Como? Suponha que saibamos que, na maior parte das
vezes, cumprir promessas é o tipo de ação que produz
os melhores resultados. Tanto o utilitarista de atos
quanto o utilitarista de regras poderia incorporar tal regra
em seu modelo.
O Utilitarismo Clássico
• Suponha agora que nos deparamos com um tipo de situação
tal que não cumprir uma promessa nesta situação
efetivamente promova mais utilidade. O utilitarista de atos
diria que estamos diante de uma ação em que não cumprir a
promessa é a ação correta (uma exceção à regra).
• Mas, à primeira vista, o utilitarista de regras também se veria
obrigado a dizer algo parecido. Este aparentemente teria que
incorporar a regra de que mentir é errado, exceto em
situações daquele tipo. Nestes termos, o utilitarismo de
regras e o de atos convergiriam acerca de seus resultados e
não pareceria haver, na prática, nenhuma diferença entre os
dois modelos.
O Utilitarismo Clássico
• Utilitaristas de regras costumam responder dizendo que a
seleção de um sistema de regras não se dá por sua
observância, mas por sua aceitação ou internalização.
• É melhor viver em uma sociedade em que as pessoas não
tentam descobrir exceções a regras do que em uma
sociedade em que as pessoas estão dispostas a tal prática
(as pessoas são frequentemente não-intencionalmente
parciais, erram em cálculos de consequências, são
passionais, têm restrições de tempo e informação para refletir
sobre os resultados de suas ações, etc.)—isto seria o caso
mesmo considerando que, em certas situações, tais
exceções efetivamente produzissem mais utilidade.
O Utilitarismo Clássico
• Além disso, ao selecionar um sistema de
regras, devemos levar em consideração os
custos da aceitação do mesmo sistema.
• Assim, se tivermos um sistema de regras
muito complexo, com regras muito
específicas (em detrimento de um sistema de
regras simples), isto pode ser
contraproducente à utilidade.
O Utilitarismo Clássico
• Mas o que dizer que casos catastróficos?
• Suponha que uma das regras de nosso melhor sistema
inclua não matar. Mas agora suponha que um louco irá
extinguir a humanidade ao acionar uma bomba se ele
não for detido a tempo.
• Em tal caso, o utilitarista de atos poderia sugerir que
seria correto matá-lo. Mas o utilitarista de regras poderia
dizer o mesmo?
O Utilitarismo Clássico
• Solução de R. M. Hare (Moral Thinking, 1981): o
utilitarismo de atos é compatível com o utilitarismo
de regras.
• O Arcanjo e a prole: Hare sugere que, se
fôssemos arcanjos (i.e., se fôssemos idealmente
informados sobre nossas circunstâncias e
perfeitamente imparciais), poderíamos pensar
como um utilitarista de atos.
O Utilitarismo Clássico
• Porém, uma vez que não somos arcanjos—somos, ao contrário,
prole—devemos incorporar as limitações de nossa própria
natureza cognitiva e passional em nosso comportamento moral e
pensar como um utilitarista de regras, na maior parte dos casos.
• Assim, devemos selecionar regras que produzam os melhores
resultados, dadas as nossas limitações, ainda que pudesse
haver efetivamente ações que produzissem mais utilidade do
que aquelas recomendadas por tais regras.
• Não apenas isto. Podemos até mesmo chegar à conclusão de
que tentar maximizar a utilidade não deve ser uma regra de
nosso sistema de regras morais.
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