Casos Práticos / CARPE DIEM E BANCO REAL
Inclusão que dá certo
Carol, Zeca e Debora (da esq. para dir.) na
Academia Banco Real: cursos e tarefas
sob medida para desenvolver o potencial
A
maior parte das empresas tem
contratado funcionários com alguma
deficiência física, mas são raras
as que cogitam aproveitar profissionais
com deficiência mental. No Estado de
São Paulo, por exemplo, apenas 4% dos
empregados portadores de deficiência
têm dificuldade intelectual. O Banco
Real encontrava-se na mesma posição da
maioria das companhias quando, em 2004,
a organização não-governamental Carpe
Diem procurou a instituição para obter
apoio financeiro. O Carpe Diem trabalha
com o desenvolvimento de pessoas com
síndrome de Down e uma de suas funções
1
é capacitá-las profissionalmente . Durante
1 No
a reunião, a diretora de desenvolvimento
sustentável Maria Luiza Pinto e Paiva disse
que era melhor tratar da questão financeira
depois. Antes, ela queria saber: por que o
Banco Real não tinha funcionários com
síndrome de Down?
Foram então escolhidas duas alunas do
Carpe Diem que demonstraram aptidão para
atuar no mundo empresarial. Mariana Amato,
29 anos, gostava de ambientes tranqüilos
e silenciosos. Foi alocada na biblioteca
do banco. Carolina Reis Costa Golebski,
27 anos, extrovertida, desejava atender o
público. Foi contratada na Academia Banco
Real, que recebe, diariamente, entre 200 e
250 pessoas, em vários cursos e programas
Brasil, de acordo com as estimativas do IBGE realizadas no censo 2000, existem 300 mil pessoas com síndrome de Down.
Os pacientes com os sintomas apresentam retardo mental (de leve a moderado) e alguns problemas clínicos associados.
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de aperfeiçoamento da instituição. Tudo
parecia se encaixar. Mas, como diz o ditado,
na prática, a teoria é outra. “Estávamos
entusiasmados, pois iríamos fazer um
trabalho maravilhoso de inclusão”, conta
Silvia Martinelli, coordenadora de educação e
treinamento do Real e responsável pela gestão
e acompanhamento das duas funcionárias.
“No dia-a-dia, fomos descobrindo que não
era fácil.”
No início, essa profissional achou que estava
perdendo seu precioso tempo de almoço.
“Hoje, ela fala que investiu uma hora por
dia porque pôde perceber o retorno de tanto
esforço.” Depois da primeira experiência,
Carolina recebeu mais seis treinamentos
em CD-ROM – entre eles, um nada trivial,
de língua portuguesa do professor Pasquale
Cipro Neto.
“Levou algum tempo para percebemos que
elas faziam tudo que era necessário, no ritmo
Lidando com as dificuldades
delas e sem stress”, conta Silvia. A convivência
A primeira questão que veio à tona foi
profissional com pessoas com síndrome
em relação ao ritmo de trabalho. No caso
de Down fez com que os funcionários
de Carolina, que trabalhava mais próxima a
refletissem sobre a maneira como tratavam
Silvia, no começo a relação era de muito afeto
uns aos outros. Tornaram-se mais tolerantes
e pouca cobrança. Nas reuniões periódicas
e o clima de trabalho melhorou. “No ritmo
com a equipe de psicólogas do Carpe Diem,
acelerado em que vivemos, nos estressávamos
tal comportamento foi reprovado. Silvia foi
à toa. Aprendemos que cada um tem o seu
orientada a tratar as meninas com síndrome
tempo e que é possível fazer tudo”, reflete a
de Down como qualquer outro funcionário
coordenadora de educação e treinamento.
do banco. Resolveu mudar de atitude, mas os
Depois do ajuste fino, as duas funcionárias
resultados também não foram satisfatórios.
com síndrome de Down passaram a
“Passamos do 8 ao 80”, diz Silvia. Todos
assumir compromissos como qualquer
ficavam impacientes com o que consideravam
outro empregado do banco – dentro das
uma lentidão excessiva da Carolina.
suas possibilidades. O símbolo maior disso
Silvia lembra que delegou a tarefa de treinar
foi a definição das metas de desempenho
Carolina a uma profissional de sua equipe mais para Carolina e Mariana. Como todos os
ansiosa por resultados rápidos. Para isso, seria
funcionários, elas precisaram definir cinco
utilizado um CD-ROM básico, que mostrava,
objetivos de trabalho e um objetivo pessoal e
por exemplo, como funciona a porta giratória
cumpri-los num determinado prazo, definido
de uma agência. Essa funcionária decidiu usar
por elas junto com Silvia. Entre as metas de
uma hora do seu período
Carolina, estão a contribuição
de almoço, durante uma
com todos os aniversariantes
Ficha da prática
Empresa:
Banco
Real
e
Carpe
Diem
semana, para concluir o
da Academia, a participação
O que faz: A parceria trabalha pela
treinamento – uma pessoa
em três eventos da área de
inclusão de deficientes intelectuais no
quadro de funcionários do Banco, com
sem deficiência conseguiria
recursos humanos em um ano
treinamentos específicos e adaptação.
Prática: Contratação e treinamento de
concluir o CD-ROM em,
e o cuidado com a postura
funcionário com Síndrome de Down.
no máximo, duas horas.
(às vezes, as meninas perdem
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a paciência caso não sejam as primeiras a
entrar ou a sair do elevador, por exemplo). A
definição de objetivos teve ótimos resultados,
elas ficam preocupadíssimas em cumprir as
metas. “Para elas, o que está escrito no papel
é lei”, diz Silvia. “São honestas, sinceras,
aprendemos muito com esse comportamento.”
Adaptação necessária
Como gestora das duas funcionárias com
síndrome de Down, Silvia, num determinado
episódio, deparou-se com os limites da
inclusão. Todos os empregados foram
obrigados a fazer um curso sobre princípios
de compliance e lavagem de dinheiro. Caso
Mariana e Carolina não fizessem esses
complexos cursos sobre como estar em
conformidade com as leis, regulamentos
e princípios corporativos, elas perderiam
a senha de acesso ao sistema do banco.
Durante uma semana, as meninas ficaram
ao lado de Silvia, que achou o curso difícil.
Silvia acabou fazendo o curso para elas.
No final, elas mantiveram a senha de
acesso, mas a esqueciam o tempo todo.
Ironicamente, Silvia não podia ajudar,
pois o curso tinha sido claro: nenhum
funcionário pode saber ou usar a senha
de outro empregado. “Não dá para fazer
inclusão nesse negócio”, protestou Silvia.
Ela juntou as áreas de compliance, tecnologia
da informação, auditoria e diversidade e,
com a ajuda de todos, criou-se um curso
lúdico de quatro horas sobre princípios de
compliance e lavagem de dinheiro, somente
para os funcionários portadores de síndrome
de Down. Além disso, montou-se um
sistema mais simples de desbloqueio de
senhas com o apoio da área de tecnologia da
informação. Tal troca de idéias foi frutífera
para os envolvidos. “Descobrimos que,
Zeca, Carol e Debora conversam com Suzana na
biblioteca: inclusão e diversidade
quando não conseguimos fazer algo sozinhos,
podemos falar com outras áreas”, afirma a
coordenadora.
Ou seja, há benefícios na inclusão para
ambas as partes. “As pessoas com síndrome
de Down sentem-se orgulhosas de participar
de uma organização como o Banco
Real,”, diz Isabel Carneiro de Francischi,
coordenadora da área de empresas do Carpe
Diem. Isabel ficou muito impressionada
quando, num treinamento que envolvia
profissionais de vários países do ABN
AMRO (controlador do Banco Real até julho
de 2008), somente o Real destacou-se com
a inclusão de profissionais com síndrome de
Down. “Isso mostra que de fato o banco está
tendo boas práticas”, diz Isabel.
Em outubro de 2008, além de Mariana
e Carolina, o Real contava com mais três
funcionários com síndrome de Down entre as
1.356 pessoas com deficiência que trabalham
no banco. O exemplo do Real tem estimulado
outras empresas a seguir o mesmo caminho.
O Carpe Diem, que acabou recebendo
também apoio financeiro do Banco Real, tem
trabalhado com a inclusão de profissionais
com síndrome de Down em outras empresas,
como as redes de fast food Applebee’s, TGI
Friday’s e Baked Potato, o banco JP Morgan
e as faculdades Ibmec São Paulo.
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Inclusão que dá certo