Poder Judiciário da União Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Gabinete do Desembargador Sérgio Rocha 396695 Orgão Classe : Câmara Criminal : RPP – Representação para Perda de Graduação de Nº. Processo Representante Praças : 2009 00 2 010977-7 : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E Representado Relator Des. TERRITÓRIOS : ADIJAINE JOSÉ DE OLIVEIRA : SÉRGIO ROCHA EMENTA ADMINISTRATIVO - REPRESENTAÇÃO PARA PERDA DE GRADUAÇÃO DE PRAÇA - POLICIAL MILITAR - CONDENAÇÃO POR CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA CIRCUNSTACIADA - TEMPO TRANSCORRIDO PERSONALIDADE DO MILITAR - FAVORABILIDADE. 1. É conduta ofensiva ao pundonor da classe a dupla prática por Soldado da Polícia Militar do crime de corrupção passiva circunstanciada pela omissão na prática de dever de ofício contra duas vítimas (CPM 308, § 1º c/c 79). 2. Apesar da falha grave que maculou a imagem da Polícia Militar, não se decreta a perda da graduação do Soldado, se, transcorridos mais de 11 anos da conduta delitiva, ele não tornou a transgredir penal ou disciplinarmente, demonstrando realinhamento de sua conduta, não havendo indícios de que tenha personalidade voltada para a prática de crimes. 3. Julgou-se improcedente a Representação ajuizada pelo Ministério Público. ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 ACÓRDÃO Acordam os Senhores Desembargadores da CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SÉRGIO ROCHA - Relator, ARNOLDO CAMANHO, LUCIANO VASCONCELLOS, GEORGE LOPES LEITE, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI e SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS Vogais, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em JULGAR IMPROCEDENTE. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF), 09 de novembro de 2009. SÉRGIO ROCHA Relator 2 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 RELATÓRIO SUMÁRIO Crime: art. 308, § 1º (duas vezes) c/c 79 do Código Penal Militar1 (corrupção passiva circunstanciada pela omissão na prática de ato de ofício). Pena em abstrato – de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão. Causa de Aumento de pena (§ 1º) – 1/3. Representado: Soldado Adijaine José de Oliveira, nascido em 16/09/1965 (com 33 anos à época dos fatos). Registro no INI: 1) art. 147 do CP (ameaça) – inquérito arquivado (fato posterior). Pena fixada: 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto (fls. 262/267 e 312/319 – cópias/apenso). Trânsito em julgado do acórdão: 02/02/09 (fl. 321, cópia/apenso) Fatos – 28/02/98 e 20/03/98 (fls. 02/03, cópia/apenso) DOS FATOS O Ministério Público do Distrito Federal ofereceu Representação para Perda de graduação do Soldado ADIJAINE JOSÉ 1 Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/69). Corrupção passiva Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o agente retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. 3 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 DE OLIVEIRA, Matrícula nº 14.249/2, lotado na 14ª CPMInd2, com base no art. 125, § 4º da CF/883, art. 2º, I, “c” da Lei nº 6.477/77 4 e arts. 195/196 do Regimento Interno deste E. TJDFT5. Narra a representação que: “(...) I – SÍNTESE DOS FATOS: 2 Companhia de Polícia Militar Independente. Constituição Federal/88. Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. (...) § 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. 4 Dispõe sobre o Conselho de Disciplina na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, e dá outras providências. Art. 2º É submetida a Conselho de Disciplina, ex-officio, a praça referida no artigo 1º, e seu parágrafo único, desta Lei: I - acusada oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: (...) c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor ou o decoro da classe. Art. 1º. O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM ou BM e das demais praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal com estabilidade assegurada, para permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se defenderem. Parágrafo único - O Conselho de Disciplina pode, também, ser aplicado ao Aspirante-a-Oficial PM ou BM e às demais praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, da reserva remunerada ou reformados, presumivelmente incapazes de permanecerem na situação de inatividade em que se encontram. 5 Atuais arts. 197 e 198/RITJDFT. Art. 197. Os procedimentos oriundos do Conselho de Disciplina, para exame da perda da graduação das praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal ou das praças dessas corporações nos Territórios Federais, serão julgados pela Câmara Criminal. Art. 198. Quanto ao procedimento para julgamento da representação de que trata o artigo anterior, serão observadas as disposições dos arts. 195 e 196 deste Regimento. Art. 195. Distribuída a representação, os autos serão conclusos ao relator, que determinará a citação do representado para oferecer alegações em cinco dias. §1º A citação será efetuada na forma estabelecida nos arts. 277 a 293 do Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei 1.002, de 21 de outubro de 1969). §2º Decorrido o prazo sem manifestação do representado, o relator designar-lhe-á defensor dativo. §3º Oferecidas as alegações de defesa ou expirado o respectivo prazo, os autos serão remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para emissão de parecer em cinco dias. §4º Devolvidos, os autos serão conclusos ao relator, que, no prazo de dez dias, pedirá a inclusão do processo em pauta de julgamento. Art. 196. No julgamento, a sustentação oral, pelo prazo de quinze minutos individuais, será facultada ao advogado do representado e à Procuradoria-Geral de Justiça, e o Conselho deliberará em sessão, sem a presença do público. 3 4 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 O representado em duas oportunidades diferentes (28.02.98 e 20.03.98) teria recebido, em proveito pessoal e em razão da função que exercia (em barreira policial realizada na BR – 290, próximo à entrada de Santa Maria/DF), indevida vantagem econômica (de JURANDIR DE OLIVEIRA SOUZA, cinquenta reais; de CRISTIAN CORREIRA COELHO, vinte reais). Em razão da vantagem indevida, teria deixado de praticar ato de ofício ‘consistente em multar e recolher os carros ao depósito’. Em razão de tais fatos, à denúncia serviu de base o incluso inquérito policial, iniciado por portaria. Após o devido processo legal, o representado foi submetido a julgamento pelo Conselho de Justiça Militar, sentença às fls. 262/267, restou condenado à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, por dupla violação ao art. 308, § 1º do Código Penal Militar6. Parágrafo único. Se o Tribunal reconhecer que o representado é indigno para o oficialato, decretará a perda do posto e da patente, e a cópia do acórdão será remetida ao Governador do Distrito Federal ou ao Governador do Território Federal. 6 Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/69). Corrupção passiva Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de dois a oito anos. 5 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Não se conformando com a condenação retromencionada, o representado interpôs recurso de apelação à folha 269. (...) O Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por sua 2ª Turma Criminal, ao julgar o recurso, de relatoria do eminente Desembargador Romão C. de Oliveira, negou provimento ao apelo, à unanimidade (fls. 312/318). Certidão de trânsito em sentença à folha 321 (02.02.09), julgado da operado o trânsito em julgado. (...) III – O CASO CONCRETO No caso concreto destes autos, verifica-se que o representado foi condenado a pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, pela dupla prática, de ter recebido, em proveito pessoal e em razão da função que exercia (em barreira policial), indevida vantagem econômica, de pessoas comuns, e em razão de tal vantagem indevida, deixou de praticar ato de ofício, consistente em multar e recolher os carros ao depósito do DETRAN; sentença já transitada em 6 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 julgado, já expedida Carta de Sentença para Execução da pena. Tenho, ainda, que a conduta do representado mostra-se de extrema gravidade, feriu de forma profunda a ética, o pundonor e as regras de conduta impostas aos policiais militares, atingindo, diretamente a imagem de sua própria corporação (Polícia Militar), bem como a sociedade a que o representado jurou defender, a qual não pode permanecer sob tal ameaça. As circunstâncias dos fatos, em que policial militar, homem treinado e preparado para exercer a defesa de cidadãos na linha de frente do combate ao crime, desviou-se frontalmente de todos os princípios para os quais o Estado o preparou, demonstrou despreparo pessoal para o exercício do cargo, envolveu-se em crime de vantagem econômica indevida, para deixar de praticar ato de ofício, contra dois cidadãos comuns do povo, em razão de dinheiro. Com tal conduta, o representado demonstrou despreparo para a função, desrespeito a princípios éticos fundamentais, em especial à sociedade, a que, por dever funcional, cabia-lhe orientar e proteger e não pô-la a mercê de tal ameaça. (...) 7 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Circunstância do crime que esta Procuradoria considera como grave violação do dever do cargo ocupado pelo representado e de relevante importância para a avaliação da conduta do militar sob o ponto de vista da ética, da moral e dos valores que devem imperar na conduta dos policiais, reside no fato de o representado colocar cidadãos comuns do povo, sob ameaças para obter vantagens econômicas indevidas. E com tal conduta deixou de praticar o dever de ato de ofício inerente a sua função de policial militar. Condutas como estas não podem ser toleradas. Violam a honra, o pundonor, a ética e a moral de todo o funcionário público que tem como dever de ofício proteger e respeitar os cidadãos, e, ainda desmerece e envergonha a Corporação a que pertence. (...).” (Representação, fls. 03/10) O representado, Soldado Adijaine José de Oliveira, foi citado em 10/09/09 (fl. 30). DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA DO REPRESENTADO – SOLDADO ADIJAINE JOSÉ DE OLIVEIRA (FLS. 21/23) Em sua defesa, o representado, Soldado Adijaine José de Oliveira, pleiteia que lhe seja permitido continuar nas fileiras da Polícia Militar do Distrito Federal ou, alternativamente, que seja 8 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 decretada sua reforma, alegando que: 1) o crime pelo qual foi condenado, ocorrido há 11 anos, tratou-se de caso isolado em sua vida profissional e privada; 2) serve à Instituição há 21 anos e nunca foi punido, apesar de seu envolvimento no crime em epígrafe; 3) no presente caso, devem ser observados aspectos de oportunidade e conveniência, tendo em vista que já foi suficientemente punido pela condenação e pelos dissabores pelos quais passou em sua vida profissional; 4) atualmente, tem comportamento excepcional e observa os limites da lei, por não querer, jamais, passar pelo que passou; 5) requer sejam ouvidas as vítimas e as testemunhas arroladas na ação penal que resultou em sua condenação. DO PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA (FLS. 25/26) O d. Procurador de Justiça, Amarilio Tadeu Freesz de Almeida, manifestou-se pelo prosseguimento do feito e pelo indeferimento do pedido de oitiva das testemunhas formulado pelo representado, Soldado Adijaine, sob o argumento de que: 1) as testemunhas não foram nominadas pelo representado; 2) os depoimentos de aludidas testemunhas já foram judicializados nos autos da ação penal, em anexo; 3) essa Instância apenas julgará se a conduta do representado violou os deveres militares e afetou a honra, o pundonor e o decoro exigido aos profissionais da caserna7. É o relatório. 7 Habitação de soldados, dentro do quartel ou de uma praça fortificada. (Dicionário Aurélio). 9 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 VOTOS O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA – Relator. PRELIMINAR DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS O representado, Soldado Adijaine José de Oliveira, em suas alegações, requereu nova oitiva das vítimas e das testemunhas arroladas na ação penal que resultou em sua condenação. Entretanto, a meu sentir, é desnecessária a providência requerida. Isso porque, em apenso a esta Representação estão as cópias do processo originário, do qual constam os depoimentos extrajudiciais e judiciais das vítimas e das testemunhas (fls. 230/233 e 242/244, cópias/apenso). De outro lado, na Representação para perda da graduação, analisam-se as circunstâncias do evento criminoso e o comportamento do representado, não mais se discutindo o mérito da 10 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 ação penal que resultou em sua condenação, razão pela qual, as declarações das vítimas e das testemunhas pouco importam no presente procedimento. Ademais, os fatos que deram origem à ação penal contra o representado, Soldado Adijaine, ocorreram há mais de 11 anos, sendo certo que, pelo longo tempo, pouco se lembrariam as vítimas e as testemunhas acerca do ocorrido. Assim, indefiro o pedido de nova oitiva das vítimas e das testemunhas formulado pelo Representado Adijaine José de Oliveira. DA MANUTENÇÃO DA GRADUAÇÃO DO REPRESENTADO – SOLDADO ADIJAINE JOSÉ DE OLIVEIRA Consoante relatado, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ofereceu Representação para Perda da Graduação do Soldado Adijaine José de Oliveira, em razão da condenação deste a 05 anos e 04 meses de reclusão pela dupla prática do crime de corrupção passiva, circunstanciada pela omissão na prática de ato de ofício, em concurso material (Código Penal Militar, art. 308, § 1º (duas vezes) c/c 79) – (fls. 262/267 – cópia da sentença/apenso). Aludidos crimes ocorreram em 28/02/1998 contra Jurandir de Oliveira Souza e, em 20/03/98, contra Cristian Corrêia Coêlho. 11 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Apesar de, nesta sede, não se rediscutir o mérito da ação penal, cuja sentença, in casu, já transitou em julgado em 02/02/09, penso ser importante tomar conhecimento dos fatos para melhor análise da questão, razão pela qual, transcrevo a denúncia ofertada pelo Ministério Público (fls. 02/03, cópias/apenso): “(...) No dia 28 de fevereiro de 1998, por volta das 16:00 hs, em uma barreira policial realizada na BR290, próximo à entrada de Santa Maria/DF, o denunciado abordou o veículo GM/Chevette de cor branca, conduzido pelo Sr. Jurandir de Oliveira Souza (qualificado às fls. 19 e 43 ) e, após constatar que o motorista estava com a habilitação vencida, além de outras irregularidades, informou ao motorista que o veículo seria notificado e recolhido ao depósito do DETRAN. Em seguida, o denunciado passou a insinuar que liberaria o carro, dizendo que sábado era dia da cervejinha e que estava terminando o serviço. Face a estas insinuações o Sr. Jurandir pediu ao denunciado que lhe ‘quebrasse o galho e passasse depois em sua oficina, pois não dispunha de dinheiro naquele momento, sendo-lhe respondido que sem dinheiro não havia como liberar. Jurandir ofereceu R$ 10,00, mas o denunciado disse que a quantia era pouca, mas por R$ 50,00 seria possível liberar o veículo e a multa, mas que deveria andar rápido pois um Tenente estava para chegar. Assim, o Sr. Jurandir resolveu pagar a quantia pedida, sendo que o denunciado pediu que Jurandir entrasse dentro do carro e colocasse o valor solicitado 12 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 dentro do talão de multa. Em seguida o denunciado devolveu os documentos a Jurandir e liberou o veículo. No dia 20 de março de 1998, por volta das 18:00 hs, em uma barreira policial localizada na entrada de Santa Maria/DF, na Av. dos Alagados, o denunciado abordou o veículo VW/Sedan, placa JKQ 3683-DF, conduzido pelo Sr. Cristian Corrêia Coêlho (qualificado às fls. 47), tendo como passageiro o Sr. Afonso Joaquim de Morais (qualificado às fls. 51), proprietário do veículo, e verificou que o IPVA encontrava-se atrasado. Diante disto, o denunciado informou que o carro seria apreendido e passou a perguntar o que poderia fazer, dizendo, também, que era 6ª-feira e que o motorista poderia dar-lhe uma cervejinha, uns R$ 50,00 ou R$ 20,00. O denunciado entregou ao Sr. Afonso um papel, e este foi até o carro, pegou R$ 20,00, embrulhou no papel que havia recebido e devolveu o dinheiro ao denunciado, que em seguida liberou o veículo. Assim agindo, o denunciado, recebeu, para si, diretamente, indevida vantagem econômica em razão da função que exercia e, em consequência, deixou de praticar atos de ofício consistente em multar e recolher os carros ao depósito. (...).” (Denúncia, fls. 02/03, cópia/apenso) Esses os fatos pelos quais foi condenado. 13 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Na análise desta Representação, compete a esta Egrégia Corte verificar se o representado, Soldado Adijaine José de Oliveira, deve ou não permanecer nas fileiras da Polícia Militar. Para tanto, a meu ver, deve-se levar em consideração não apenas sua condenação e o quantum da pena imposta8, mas também, sua vida funcional, seu comportamento anterior e posterior à prática dos delitos e o reflexo de sua conduta junto à sociedade e à Instituição a que serve (Polícia Militar). Nesse sentido, peço vênia para transcrever excerto da sentença proferida pelo d. Juiz, Paulo Prazak, do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, citado pelo E. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, em precedente deste E. Tribunal de Justiça (acórdão nº 351040): “(...) No presente processo, remanesce a exame a análise de ordem ético-disciplinar, apurandose a responsabilidade administrativa do representado. Ressalta-se que a responsabilidade administrativa é independente da penal. A condenação 8 Código Penal Militar. Exclusão das forças armadas Art. 102. A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas. Constituição Federal/88. Art. 125. (...). § 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Grifei) STJ. “(...) 4. Esta Corte já firmou compreensão de que o art. 102 do Código Penal Militar foi derrogado pela parte final do art. 125, § 4º, da Constituição Federal. Exige-se, desde então, para a decretação da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, procedimento específico perante o Tribunal competente. (...).” (STJ, HC 37.260/MS, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª Turma, julgado em 06/11/08, DJe de 24/11/08) 14 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 penal, por si só não pode fundamentar a decretação da perda da graduação ou vincular a decisão do juiz. Há que se aferir a natureza dos fatos cometidos pelo representado, ou seja, se moralmente reprováveis, afetando a ética, o pundonor militar e o decoro da classe, tornando-o indigno ou, ainda, se tais atos demonstraram a incompatibilidade para o exercício da função policial militar. Tal interpretação advém da própria legislação pátria. A submissão da matéria ao crivo da Justiça Militar denota a vontade do legislador constitucional em garantir a apreciação dos fatos sob a ótica administrativa, firmando o juízo de mérito quanto à conveniência ou não da presença do militar na Corporação.” (Perda de Graduação de Praça n. 719/04, Processo n. 44.944/91, 4ª Auditoria) – (Grifei) Nessa linha de raciocínio, o recente julgado do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais: “Prevalece, nesta Corte Castrense, o entendimento de que a presente representação possui como finalidade a avaliação se o militar possui condições ou não de continuar integrando as fileiras da Corporação. Para tanto, além da gravidade do delito, deverão ser considerados seu histórico funcional, o comportamento antes e após a conduta delituosa e a repercussão do crime perante a tropa e a sociedade. (...).” (TJMMG, Processo de Perda da Graduação Nº 15 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 166, Rel. Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos, julgado em 19/08/09, publicado em 11/09/08) No caso em tela, é indiscutível que a conduta do representado, Adijaine José de Oliveira, foi gravíssima e maculou a imagem da Corporação à qual pertence (Polícia Militar). Além disso, é incontestável que a prática de delitos por policiais militares repercutem negativamente no seio da sociedade, já que se espera deles que promovam a segurança dos cidadãos e não que adentrem à marginalidade. No entanto, neste caso em específico, verifica-se pela ficha funcional do representado, Adijaine José de Oliveira (fl. 88, cópia/autos em anexo), que antes dos delitos em epígrafe, ocorridos em 1998, ele não sofreu qualquer tipo de punição e não há notícia nos autos de que, após tais ilícitos, tenha sofrido alguma punição penal ou disciplinar. Em consulta ao Instituto Nacional de Identificação, encontrei 01 registro contra o representado, referindo-se à instauração de 01 inquérito, no ano de 2000, para apuração da suposta prática, por ele, do crime de ameaça (CP 147), mas, aludido inquérito foi arquivado. Também realizei consulta ao site deste E. TJDFT não encontrando registros de inquéritos ou ações penais em andamento contra o Soldado Adijaine, nem antes e nem após os fatos em comento. 16 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Noutro giro, de acordo com a dosimetria da pena, nada se verificou que desabone a personalidade do representado, sendo que a pena-base foi fixada no mínimo legal (fl. 266, cópia/apenso). Ainda, a meu ver, deve ser considerado o fato de que o representado já serve à Polícia Militar do Distrito Federal há 21 anos (fl. 88, cópia/apenso); de que já se passaram mais de 11 anos da prática dos ilícitos (28/02/98 e 20/03/98 - fls. 02/03 – cópias/apenso) e de que, nesse período, não há notícia de novas transgressões penais ou disciplinares pelo mesmo, tudo indicando que a conduta que o levou à condenação, foi um caso isolado em sua vida. Desse modo, tenho que a pena aplicada na r. sentença já é suficiente para puni-lo. Nesse sentido, confira-se a ementa do seguinte julgado desta E. Corte de Justiça: “(...) 1. Malgrado tenha o militar falhado em sua conduta, não é pessoa de má índole, tanto que a pena foi fixada no mínimo legal, e, além do mais, os juízes militares não vislumbraram agressão ao pundonor militar. 2. Se após doze anos do evento delituoso, o militar não cometeu nenhum outro ilícito penal ou 17 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 transgressão funcional, torna-se excessivamente severa a perda da graduação. 3. Portanto, ao se analisar os fatos, o tempo decorrido e a sua personalidade, torna-se o representado digno de permanecer na Organização Militar. 4. Representação improcedente. (TJDFT, RPP nº 2008.00.2.015098-5, Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, Câmara Criminal, acórdão nº 351040, julgado em 09/03/09, DJ de 16/04/09, p. 56) Assim, não se afigurando o representado, Soldado Adijaine José de Oliveira, pessoa de má índole, tendo ele demonstrado realinhamento de sua conduta, considero exacerbada a perda do cargo. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo improcedente a presente Representação apresentada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. É como voto. O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO – Vogal. Peço vista. 18 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 O Senhor Desembargador LUCIANO VASCONCELLOS – Vogal. Aguardo. O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal. Aguardo. O Senhor Desembargador ROBERVAL Desembargador SILVÂNIO CASEMIRO BELINATI – Vogal. Aguardo. O Senhor BARBOSA DOS SANTOS – Vogal. Aguardo. DECISÃO Após o voto do Relator, pediu vista o Desembargador Arnoldo Camanho. O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO – Vogal. 19 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Cuida-se de representação formulada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para que o soldado Adijaine José de Oliveira perca a sua graduação. Segundo a representação, o representado, em duas oportunidades (28.02.98 e 20.03.98) teria recebido indevida vantagem econômica, na medida em que, atuando em barreira policial próxima à entrada de Santa Maria, recebera setenta reais (cinquenta de Jurandir de Oliveira Souza; vinte de Cristian Correia Coelho) para, em razão disso, deixar de praticar ato de ofício (aplicação de multa e recolhimento dos veículos ao depósito). À conta de tais fatos, foi processado e punido criminalmente, nas penas do art. 308, § 1º, do Código Penal Militar (por duas vezes). A sentença restou confirmada, à unanimidade, por este egrégio Tribunal de Justiça, em acórdão que transitou em julgado. Por meio da presente representação, o Ministério Público pede a perda da graduação do praça. Na sessão passada, o eminente Relator, Des. Sérgio Rocha, indeferiu, em preliminar, pedido formulado pelo representado, no sentido de serem ouvidas testemunhas, e, no mérito, julgou improcedente a representação. Pedi vista, então, para melhor analisar os fatos. 20 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Ao exame dos autos, tenho que procedeu com inexcedível acerto, o eminente Relator. No que se refere ao pedido de oitiva de testemunhas, destaque-se que, em apenso aos autos da presente representação, estão as cópias do processo originário, do qual constam os depoimentos extrajudiciais e judiciais das vítimas e das testemunhas (fls. 230/233 e 242/244 ― cópias nos autos em apenso), sendo certo, ademais, que, na representação para a perda da graduação, cabe analisar apenas o comportamento do representado e as circunstâncias do evento criminoso, daí porque seriam de pouca valia os depoimentos pretendidos. Assim, indefiro o pedido de nova oitiva de vítimas e testemunhas. Quanto ao mérito da representação em si, note-se que o só fato de o militar ter sido punido criminalmente, por decisão transitada em julgado, não é suficiente para impor-lhe a perda da graduação. Isso porque a perda do cargo, após a Constituição de 88, deixou de constituir-se em pena acessória da condenação criminal. Esta egrégia Câmara Criminal já se debruçou sobre o tema, em hipótese em que se prestigiou voto do digno Des. Silvanio Barbosa dos Santos, litteris: 21 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 “De fato, esta orientação apontada por tão eminente magistrado encontra apoio no magistério jurisprudencial do excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no sentido de que, no pertinente aos POLICIAIS MILITARES ESTADUAIS, com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 125, §4º), não mais subsiste a pena acessória da condenação criminal de perda do posto ou da graduação, nos termos do art. 102, do Código procedida Penal, devendo mediante tal exclusão procedimento ser adequado perante o segundo grau (v.g., RE N. 121.533 MG, relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 133/1342). E este ‘procedimento’ se caracteriza como sendo de natureza administrativa. Confirase precedente do excelso STF: ‘Natureza administrativa do procedimento de perda do posto e da patente, indignidade com o em ou virtude de incompatibilidade oficialato: STF – ‘Policial Militar: - Praça. Perda da Graduação. Exclusão da Procedimento Polícia de Militar. caráter administrativo. Instaurado perante o Tribunal de Justiça local (CF, art. 125, causa, §4º). para extraordinário. Não-configuração fins de de recurso Descabimento do apelo extremo. Agravo improvido. 22 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 Por não existência se achar de configurada ‘causa’, a revela-se incabível a interposição de recurso extraordinário contra decisão, que, embora emanada judiciário, de foi proferida procedimento de materialmente instaurado Tribunal e, caráter administrativo, com o objetivo de viabilizar a decretação da perda da graduação de praça por razão de incompatibilidade de seu comportamento com o exercício da função policial militar. Precedentes’ (SRT – Pleno – Ag. Instr nº 252.3913/AC – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 7 jun. 2000, p. 08). Como destacou o Ministro-Relator Celso de Mello: ‘Sendo assim, ainda que judiciária a autoridade de que pronunciamento terá emanou impugnado, pertinência o o não recurso extraordinário, se a decisão houver sido proferida em sede estritamente administrativa, exemplo, praticados como com os em ocorre, atos por judiciais procedimento destinado a viabilizar a decretação da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, 23 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 por razão de indignidade incompatibilidade ou de de seu comportamento com o exercício da função militar ou com o desempenho de atividade 94/1188 – policial-militar’ RTJ 102/440 – 127/669).’ (‘CONSTITUIÇÃO BRASIL INTERPRETADA LEGISLAÇÃO (RTJ RTJ DO E CONSTITUCIONAL’, Alexandre de Morais, Editora Atlas, 2007, pág. 1796)” (TJDFT, Câmara Criminal, RPP nº 2008.00.2.0150985, Relator designado SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, julgado em 09/03/2009, DJ 16/04/2009 p. 56). No caso ora em exame, e sem desconsiderar a gravidade do delito praticado, bem como a mácula que tal conduta trouxe ao seio da corporação, há de se ponderar, como bem fez o eminente Relator, Des. Sérgio Rocha, que, do exame da ficha funcional do representado, não consta qualquer ato desabonador que tenha sido praticado antes ou depois de tais condutas. Mesmo por ocasião do exame de sua personalidade, ao ensejo da análise das circunstâncias judiciais para efeito de aplicação da sanção penal, à época dos fatos, a personalidade do representado foi valorada positivamente (fls. 266). Assim, é correta a conclusão a que chegou o eminente Relator, no sentido de que “deve ser considerado o fato de que o representado já serve à Polícia Militar do Distrito Federal há 21 24 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 anos (fl. 8, cópia/apenso); de que já se passaram mais de 11 anos da prática dos ilícitos (28/02/09 e 20/03/98 – fls. 02/03 – cópias/apenso) e de que, nesse período, não há notícia de novas transgressões penais e disciplinares pelo mesmo, tudo indicando que a conduta que o levou à condenação foi um caso isolado em sua vida”. Não se pode concluir, pois, e após analisar os fatos, o tempo decorrido e a personalidade do representado, que este seja indigno de permanecer nas fileiras da Polícia Militar. A pena aplicada no processo penal, por si, já terá sido suficiente para punilo. Dessa forma, peço venia para subscrever as considerações e conclusões do douto voto do eminente Relator, para indeferir o pedido de oitiva de testemunhas e, no mérito, julgar improcedente a representação. É como voto. O Senhor Desembargador LUCIANO VASCONCELLOS – Vogal. Com o Relator. 25 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 O Senhor Desembargador MARIO MACHADO – Vogal. Senhora Presidente, considero que a natureza do ilícito cometido, no caso, justifica a perda do cargo por si só. Ocorre que há um fato importante, que é o decurso do prazo de onze anos desde que praticada a falta, e, como explicitado, de lá até hoje não se registra qualquer outra falta cometida. Então, o requisito da atualidade não está presente para que se acolha o pedido. Acompanho o eminente Relator, por esses fundamentos. O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal. Com o Relator. O Senhor Desembargador ROBERVAL Desembargador SILVÂNIO CASEMIRO BELINATI – Vogal. Com o Relator. O Senhor BARBOSA DOS SANTOS – Vogal. Com o Relator. 26 ____________________________________________________________________ RPP 2009.00.2.010977-7 396695 DECISÃO Improcedente. Unânime. 27