UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE SÚMULA VINCULANTE Por: ELISABETE DA SILVA CARDOSO Orientador Prof. JOSÉ ROBERTO BORGES Rio de Janeiro, outubro de 2004 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE SÚMULA VINCULANTE Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil. Por: Elisabete da Silva Cardoso. Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juizes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente. Pontes de Miranda RESUMO Neste trabalho, faz-se uma exposição acerca do que vem a ser a súmula vinculante, de que forma está sendo criada, posições favoráveis e contrárias, bem como seus efeitos, caso venha ser aprovada. um dos objetivo de se instituir a súmula vinculante é tentar resolver os mais diversos problemas que assolam o judiciário brasileiro. O principal deles é tentar desafogar os tribunais, ante a multiplicação dos inúmeros de processos anuais, que emperram o poder judiciário, trazendo inúmeros desconfortos para a sociedade, bem como para os operadores do direito. Atualmente, a realidade fática dos nossos tribunais inferiores e dos juizes de 1º grau, já se encontra consubstanciada no respeito e adoção dos entendimentos fulcrados em precedentes e súmulas oriundos dos nossos tribunais superiores. Assim, os que são favoráveis a sua inserção alegam que as súmulas, se vinculantes, somente virão a formalizar o que já é a praxe em nosso mundo jurídico. Para os contrários, o juiz se tornará um mero repetidor de questões já sumuladas e “chancelador” de decisões. Para estes, decisões vinculantes provocarão o engessamento do direito, subjugarão os juizes e interferirão no exercício da advocacia, já que aniquilará a capacidade criativa do advogado, inerente ao bom profissional, quando visando os princípios do Direito. Outra solução intermediária seria a Súmula Impeditiva de Recurso, aonde para a decisão que não acompanhasse a súmula caberia apelação, do contrário, a questão estaria decidida no primeiro grau, sem chance de qualquer recurso, que na realidade, estaria se prestando a papel meramente procrastinatório. E a Administração Pública como vai encarar a Súmula vinculante, já que é a principal responsável por delongas judiciárias? Uma saída seriam alternativas menos radicais, como se tentar primeiro uma redução racional do número interminável de recursos. Talvez, impensadas, porque o maior interessado na abusiva protelação processual seja justamente a Administração pública. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .....................................................................................................................6 CONCEITO ..............................................................................................7 A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC. 29/2000 ..................................8 OS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO...................................14 O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO...........................................................................16 AS SUMULAS .....................................................................................................................17 A AUTONOMIA DOS JUIZES ..........................................................................................20 DIREITO COMPARADO....................................................................................................27 ARGUMENTOS ..................................................................................................................32 AS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS DA VINCULAÇÃO DAS DECISÕES..................39 O PODER PÚBLICO E A SUMULA VINCULANTE ......................................................51 CONCLUSÃO......................................................................................................................53 BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................57 FOLHA DE AVALIAÇÃO..................................................................................................59 ANEXO ...............................................................................................................................60 INTRODUÇÃO O Governo tem urgência em aprovar diversas reformas, entre elas a do judiciário, a Tributária e a Trabalhista, entretanto, já se considerou, pelo próprio governo uma vitória a aprovação da mini reforma da previdência . 2004 é ano de eleição, consequentemente os projetos à espera de reforma vão ficando de lado, até se chegar a 12 anos como aguarda o do judiciário ou 30 anos como ocorreu com o Código Civil que entrou em vigor em janeiro de 2003. A chamada reforma do Judiciário tramita no congresso desde 1992 e causa divergência até mesmo na cúpula dos Tribunais Superiores. Entre as principais mudanças propostas estão: a criação de um órgão de controle externo da Justiça, que fiscalizaria, entre outras coisas, a atuação de juizes, a instituição da súmula vinculante, de que se ocupa este trabalho, a definição de competência dos Tribunais Superiores e das regras para indicação de ministros destas Cortes. Em tramitação na CCJ do Senado, a reforma tem como escopo principal criar mecanismos legais para resolver a atual endemia do judiciário. Para tanto, está em discussão a aprovação da súmula vinculante. Com isso, tem-se desprezado com toda ênfase, outros efetivos instrumentos normativos, os quais seriam instrumentos efetivos para resolver os diversos problemas que lhe são propostos. Até hoje, a Súmula sempre foi interpretada como sendo o instrumento da jurisprudência predominante nos Tribunais, sem natureza vinculativa, obrigatória. Esta realidade poderá ser modificada com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº. 29/2000, em seqüência à PEC 96/1992, já com texto aprovado na Câmara dos Deputados em06/05/00. De qualquer forma, se alguma dúvida resta em qual seja a verdadeira tarefa do Juiz, interpretar ou criar o direito, não se deve perder de vista que seu objetivo maior é o jurisdicionado. Assim, sua discricionariedade, bem como sua criatividade respeitadas, desde que se aplique a lei preexistente. devem ser 6 CONCEITO A súmula é o resumo de uma tendência, de um entendimento jurídico sobre determinado tema, enunciada por um tribunal superior e publicada em número de ordem. Ela assume o caráter vinculante quando deixa de ser uma referência, uma orientação jurisprudencial, para se tornar obrigatória aos tribunais inferiores, no julgamento de causas idênticas. Chama-se a atenção para o fato da proposta tratar de questões idênticas e não, apenas, semelhantes. Súmula, do latim summula, tem o sentido de sumário ou índice de alguma coisa. Assim, a súmula de jurisprudência é o resumo ou a condensação de vários acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de matéria jurídica, com caráter de orientação. Já a palavra vinculação, em sentido amplo, significa a subordinação de pessoas ou coisas a uma condição ou encargo, fazendo surgir um gravame. Afinal, vincular significa unir, ligar, mas também submeter e ordenar. No nosso ordenamento já existiu a figura da avocação, dispositivo introduzido pela emenda constitucional 7/77, que se manteve até a Constituição de 1988, em período marcado pelo regime totalitário. Hoje, todo o receio que se tem é de que o entendimento político, no futuro, volte a prevalecer sobre o jurídico, nos moldes daquele dispositivo. Antes do instituto da avocação por parte do Supremo, o que de mais próximo existiu em nosso sistema, ocorreu na Constituição de 1937, que previa um limitador para a autonomia do Judiciário. Os dicionários definem súmula como pequena suma, resumo. 7 A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO - PEC 29/2000 A PEC para a chamada reforma do Judiciário tramita há 12 anos no Legislativo e causa divergência até mesmo na cúpula dos Tribunais Superiores. Entre as principais mudanças propostas estão: a criação de um órgão de controle externo da Justiça, que fiscalizaria, entre outras coisas, a atuação de juízes; a instituição da súmula vinculante, de que se ocupa este trabalho, a definição de competência dos Tribunais Superiores e das regras para indicação de ministros destas Cortes. No que se refere a questão da instituição das súmulas vinculantes trata-se de um mecanismo pelo qual os juízes ficam obrigados a seguir o entendimento adotado pelo STF ou pelos Tribunais Superiores sobre temas que já tenham jurisprudência consolidada. O objetivo é reduzir o número de processos na cúpula do Judiciário (haveria menos recursos). A proposta prevê tal prerrogativa, exclusivamente para o STF e quando estiver em debate apenas matéria constitucional. Antes de tratarmos da PEC em questão, cabe demonstrar alguns pontos relevantes a respeito da propositura e tramitação de uma PEC - Proposta de Emenda à Constituição, em conformidade com o texto constitucional de 1988.1 A iniciativa pode ser do Presidente da Republica; de um terço (172) dos 513 deputados; de um terço (27) dos 81 senadores; de mais de metade (14) das 27 Assembléias Legislativas dos Estados, incluída a Câmara Legislativa do Distrito Federal. O quorum para aprovação é de três quintos dos votos (308) dos deputados e três quintos dos votos (49) dos senadores, em duas votações em cada Casa. A tramitação da PEC na Câmara dos Deputados e no Senado Federal se dará de acordo com o que dispõe os Regimentos 1 Artigos 58 à 60 da Constituição Federal. 8 Internos de cada Casa2 , ao tratar da CCJR (Comissão de Constituição e Justiça e Redação) na Câmara dos Deputados e CCJ (Comissão de Constituição , Justiça e Cidadania) no Senado. Uma vez aprovada na segunda Casa, independente de qual delas seja, três serão as alternativas: a) com emenda ou substitutivo retornará à Casa de origem, onde o substitutivo percorrerá todo o processo anterior; b) se, no retorno, for aprovado sem emenda a matéria será promulgada pelo Congresso, c) se a Casa de origem não concordar com as mudanças feitas na Casa revisora, a matéria ficará neste vai e vem eterno, até o dia em que as duas Casas se entenderem. A fim de evitar este pingue-pongue, a saída que o Senado tem adotado é a promulgação parcial incluindo apenas as partes aprovadas nas duas Casas, mandando para o arquivo o texto suprimido e transformando em nova PEC (quando se tratar de acréscimos) as matérias que não obtiveram aprovação nas duas Casas. As vedações às propostas de emendas são: a) limitações temporais ou circunstanciais: não podem ser apresentadas PECs em vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (CF, art. 60, §1°); b) limites quanto ao conteúdo: não será objeto de deliberação emenda constitucional tendente a abolir: I) a forma federativa de Estado; II) o voto direto, secreto, universal e periódico; III) a separação dos Poderes; IV) os direitos e garantias individuais. (cláusulas pétreas, CF, art. 60 § 4º). A Promulgação é de competência privativa do Congresso. Não cabe sanção nem veto. Até hoje, a Súmula sempre foi interpretada como sendo o instrumento da jurisprudência predominante nos Tribunais, sem natureza vinculativa, obrigatória. Esta realidade poderá ser modificada com a aprovação da chamada Reforma do Judiciário, em tramitação pelo Senado Federal, através da Proposta de Emenda à Constituição nº. 29/20003, em seqüência à PEC 96/1992, com texto aprovado na Câmara dos Deputados em 07 de junho de 2000, cuja iniciativa foi encabeçada pelo Deputado Federal Hélio Bicudo. 2 Resolução nº. 17, de 1989, que aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Resolução nº. 93, de 1970, que dá nova redação ao Regimento Interno do Senado. 9 Uma vez aprovada, o texto constitucional no que tange a matéria de que trata este trabalho passará a vigorar com a seguinte redação, correspondente ao artigo 18 da PEC: Art. 103 A – O Supremo Tribunal Federal poderá. de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1ºA súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Assim, pelo texto atual da PEC 29/2000, só serão editadas súmulas vinculantes depois de reiteradas decisões da questão, mediante voto de 2/3 dos membros do Supremo Tribunal Federal, estendida às decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade que o STF realiza através do recurso extraordinário. Desta forma, a jurisprudência a ser vinculada se limitará à matéria constitucional, deixando de fora questões de direito privado, demandadas pelos litigantes em busca de seus interesses particulares. Finalmente, além da possibilidade da aprovação, revisão ou cancelamento das súmulas na forma da PEC, o texto da mesma prevê a possibilidade de lei complementar vir a tratar do assunto. 3 Ementa: Introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário. Ultima Ação: Data: 04/07/2003. Local: CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Situação: Matéria com a relatoria. Texto: Retorna à 10 CCJ. Encaminhado ao Gabinete do Relator, Senador José Jorge, para prosseguimento da tramitação. A PEC 29/2000 encontra-se tramitando em conjunto com as PECs nºs 21/95; 5, 7, 16, 21, 23, 33, 54, 62, 71, 74, 81, 92/99; 1, 5, 20/2000 e 15/2001. Dentre todas as Propostas que se encontram em tramitação na CCJ do Senado, sobre a reforma que se pretende dar ao Judiciário, a única cujo texto proposto possui proximidade direta com a PEC 29/2000 é a PEC 92/99, a saber: SF PEC 92 1999 DE 15/12/1999 Ementa: Acrescenta alínea ao inciso I do artigo 102 da Constituição para conferir ao Supremo Tribunal Federal competência para julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, os juízos de direito, juízes federais, desembargadores e membros dos Tribunais RegionaisFederais. OutrosNúmeros: SF PEC 00092 1999 Autor: SENADOR- Paulo Souto Localização atual: CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ÚltimaAção: SF PEC 00092/1999 Data: 04/07/2003 Local: CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Situação:MATÉRIA COM A RELATORIA Texto: Retorna à CCJ. Encaminhado ao Gabinete do Relator, Senador José Jorge, para prosseguimento da tramitação. Matéria constante da Pauta da Convocação Extraordinária do Congresso Nacional. (Tramitando em conjunto com as PECs nºs 21/95, 5, 7, 16, 21, 23, 33, 54, 62, 71, 74, 81/99, 1, 5, 20 e 29 /2000 e 15/2001).4 Ao fazer a leitura do texto desta PEC, com a possibilidade de se inserir no texto constitucional a previsão do crime de responsabilidade, ao juiz que decida de modo contrário a uma decisão que detenha efeito vinculativo, a primeira pergunta que se faz é: Estaria o juiz, por acaso, cometendo o crime de hermenêutica a que Rui Barbosa se referiu há mais de cem anos? Exatamente em 1895, ocorreu fato que hoje precisa e deve ser recordado: Um juiz de Direito do Rio Grande do Sul negou aplicação à uma lei estadual por entendê-la inconstitucional. Os desembargadores do Tribunal de Justiça processaram o juiz por crime de prevaricação, por interesses políticos. O grande causídico com sutil ironia já chamava a atenção para tal crime ao perguntar: “Qual a punição que se deveria dar ao juiz quando o Tribunal reprovasse a decisão inferior: A reforma da sentença, ou além dela, a acusação do magistrado?” Depois da brilhante defesa o juiz foi absolvido dos crimes que lhe tentaram imputar, tais quais: desobediência, falta de exação, prevaricação e abuso de autoridade. Segundo o entendimento final do Supremo, à época, o que o magistrado cometeu foi erro de interpretação. Fica, assim, demonstrado que não é de hoje a tentativa de submissão radical dos juízes às decisões dos tribunais superiores. Em 19 de junho de 2002 o Senador José Fogaça apresentou emenda modificativa que introduzia, na proposta de reforma do Poder Judiciário, o instituto da súmula impeditiva de recursos, em substituição ao dispositivo da súmula vinculante. O grande objetivo da súmula vinculante, conforme o senador gaúcho, é o de reduzir o volume de recursos ao STF, mas segundo ele a mesma acaba por ferir a independência funcional do juiz, além de inibir a importante participação do Ministério Público e dos advogados na realização da justiça. A proposta da súmula impeditiva foi formulada a partir de estudos e pesquisas realizadas por juizes de Direito do Rio Grande do Sul. Segundo José Fogaça, sem conter os defeitos da súmula vinculante, a súmula impeditiva tem o mérito de reduzir drasticamente o número de recursos, ficando, não obstante, assegurada ao magistrado a independência jurídica para a apreciação do caso concreto. Caso entenda o juiz haver novas razões e circunstâncias históricas para revisão da decisão sumulada. Proposta rejeitada pelo Senador Bernardo Cabral, relator da CCJ, à época. Opinião seguida pelos demais membros da Comissão (que ao todo é composta de 23 senadores, considerando-se o Presidente e Vice-presidente) e mais 23 suplentes. Sem dúvida, um dos projetos mais polêmicos a serem votados neste ano pelo Congresso é a chamada reforma do Judiciário, hoje em tramitação na CCJ do Senado, que deve manter o texto aprovado pela Câmara em 2000, segundo o atual do relator da proposta, senador José Jorge (PFL-PE), que afirmou hoje não querer incluir mudanças em seu parecer. "Não podemos inventar coisas novas. Meu parecer será feito em cima do que foi realizado pela Câmara dos Deputados. As sugestões do Governo somente serão acatadas se constarem do texto proveniente da Câmara. O que eu não posso permitir é que um texto aprovado pela Câmara seja fatiado, com o relator deixando de lado alguns temas". O senador disse, em 20 de janeiro de 2004, acreditar que seu parecer seria votado na CCJ ainda na convocação extraordinária do Congresso, que terminou em 13 de fevereiro de 2004, mas evitou fazer previsões sobre uma possível data em que possa ser levado a Plenário. José Jorge informou ainda que o prazo para emendas se esgotou e a partir de agora os senadores só poderão apresentar sugestões que, se aceitas, poderão ser apresentadas como emendas do relator. Desde que começou a tramitar no Senado, a reforma do Judiciário já recebeu 239 emendas e 128 destaques. A posição mais atualizada que se tem da tramitação da PEC 29/2000, no Senado Federal, é: Outros Números : Autor Ementa Observação Indexação Localização atual Última Ação CD PEC 96/1992 DEPUTADO - Hélio Bicudo Introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário. (Volume - VIII) (MATÉRIA CONSTANTE DA PAUTA DE CONVOCAÇÃO DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA EXTRAORDINÁRIA DA 52ª LEGISLATURA, NO PERÍODO DE 1º A 31 DE JULHO DE 2003). ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, JUDICIÁRIO. ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, CARREIRA, JUÍZ, CRITÉRIOS, INGRESSO, MINISTÉRIO PÚBLICO, NOMEAÇÃO, PROMOÇÃO, AQUISIÇÃO, VITALICIDADE, PREVISÃO, DISPONIBILIDADE REMUNERADA, ALTERAÇÃO, COMPETÊNCIA, HABEAS CORPUS, HABEAS DATA, DECISÃO DENEGATÓRIA, MEMBROS, MINISTRO, COMPOSIÇÃO, (STF), (STJ), APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, (TRF), TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ORGÃOS, JUSTIÇA DO TRABALHO, JUÍZ DO TRABALHO, (TST), (TRT), EXTINÇÃO, JUIZ CLASSISTA. SUPRESSÃO, DISPOSITIVOS, JUSTIÇA MILITAR, (STM), TRIBUNAL MILITAR, JUÍZ MILITAR, MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. EXIGÊNCIA, MINISTÉRIO PÚBLICO, (OAB), CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, ATIVIDADE, JUDICIÁRIO, HIPÓTESE, CORRUPÇÃO, MAGISTRADO. CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania SF PEC 00029/2000 Data: 10/09/2003 Local: CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Situação: AUDIÊNCIA PÚBLICA Texto: Em Reunião Ordinária, nesta data, é realizada a 10ª Audiência Pública para instruir a PEC nº 29, de 2000, com a presença do Ministro Nilson Naves, Presidente do Superior Tribunal de Justiça - STJ. Usam da palavra, para interpelar os oradores, os Senhores Senadores Jefferson Péres, Antonio Carlos Valadares, Eduardo Suplicy, a Senadora Serys Slhessarenko e o Senhor Senador Edison Relatores Lobão, Presidente da CCJ. CCJ Bernardo Cabral CCJ José Jorge Tramitações SF PEC 00029/2000 21/01/2004 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Em Reunião Ordinária realizada nesta data, é aprovado o Termo aditivo nº 5 ao Requerimento nº 6-CCJ, de 2003, de iniciativa do Senador Antônio Carlos Magalhães (anexei às fls.Vol. ). 10/09/2003 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Situação: AUDIÊNCIA PÚBLICA Em Reunião Ordinária, nesta data, é realizada a 10ª Audiência Pública para instruir a PEC nº 29, de 2000, com a presença do Ministro Nilson Naves, Presidente do Superior Tribunal de Justiça - STJ. Usam da palavra, para interpelar os oradores, os Senhores Senadores Jefferson Péres, Antonio Carlos Valadares, Eduardo Suplicy, a Senadora Serys Slhessarenko e o Senhor Senador Edison Lobão, Presidente da CCJ. 13 OS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. Como já visto, o histórico da existência de vinculação no que se refere as decisões judiciais é bastante antigo. Não obstante, aproveita-se, para trazer as oportunas palavras de Pontes de Miranda: Nos textos reinícolas tem-se de distinguir: a) a regra jurídica sobre prejulgado, pois em caso de dúvida, há o per saltum para a “mesa grande”, com eventual ascensão ao próprio rei; b) a regra jurídica sobre o assento, pois que se havia de escrever no “livrinho”, para depois não vir em dúvida; c) a regra jurídica sobre a adstrição à interpretação que se firmou.5 Depois da leitura do referido texto cabe fazer menção aos institutos citados por Pontes de Miranda, trazendo-os para uma realidade mais próxima da atual. Os prejulgados fizeram parte do nosso sistema jurídico quando a questão era devolvida ao tribunal superior para que previamente decidisse sobre matéria controvertida. Como já demonstrado neste trabalho, inicialmente como precedentes facultativos no CPC de 1939, e depois, por ocasião da CLT, como precedentes obrigatórios, no direito trabalhista. O per saltum (ou by pass) para a apreciação da inconstitucionalidade é instituto que se assemelha ao prejulgado, sem o pressuposto da divergência das câmaras, se atendo puramente a questão da constitucionalidade. O interessado na decretação de inconstitucionalidade requererá, nas câmaras, ou turma o per saltum, para que no tribunal pleno, se decida. Assim, obedecendo ao disposto na Constituição de 1934, não se resolvia questão sobre a inconstitucionalidade das leis ou dos atos dos poderes públicos, em tribunais coletivos, sem o voto concordante da maioria absoluta: Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato 6 do Poder Público. 5 Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VI. 3ª ed. rev. e aumentada. Atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Forense: Rio de Janeiro. 1998. p.6. 6 Art.179 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. 14 A Constituição de 1946 manteve o per saltum para a decretação da inconstitucionalidade da lei e a exigência da maioria absoluta dos juizes do tribunal. Só pelo voto da maioria absoluta dos seus membros poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Poder Público.7 A Constituição do Brasil de 1967/69 teve a redação do artigo 116 dada pela Emenda Constitucional nº. 7/77. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial (artigo 144, V), poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de leis ou ato normativo do Poder Público.8 Depois que a constituição de 1988 ampliou o rol dos que podem ingressar com ação direta de inconstitucionalidade, democratizando essa via excepcional de controle de constitucionalidade das leis, torna-se desnecessário, e mesmo descabido, o incidente de constitucionalidade per saltum no atual sistema jurídico, já que possui um caráter autoritário, que serve para suprimir instâncias à luz de “argumentos políticos”, pondera Luiz Flávio Gomes, que acrescenta ser impensável, por tal razão, retirar do juiz natural o exame da causa. O autor registra o entendimento de Dalmo Dallari, para quem esse incidente é, na verdade, uma “avocatória envergonhada” e que faz do Supremo e do Executivo “parceiros” no acobertamento de práticas ilegais, desmoralizando o Judiciário, eliminando o duplo grau de jurisdição, representando a hierarquização da Magistratura, cassando a liberdade de julgar do juiz e possibilitando a “partidarização” da decisão.9 O Direito Sumular no Brasil já é objeto de estudo dos operadores jurídicos há bastante tempo, da mesma forma, a tendência da jurisprudência à um entendimento que impeça o recurso à decisões já sumuladas: 7 Art.200 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, com a redação dada pela EC nº. 1, de 1969, e as alterações feitas pela EC nºs 2/72 a 27/85. 10 ed..Consolidação, notas e índice de Leyla Castello Branco Rangel. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal. 1986. 15 9 GOMES, Luiz Flávio. A Dimensão da Magistratura. São Paulo: RT. 1997. pp. 246 e ss. 8 O direito sumular traduz o resumo da jurisprudência, sedimentada em incontáveis e uniformes decisões das Cortes Superiores do País, que visam à rapidificação de causas no Judiciário. Ao se dar seguimento ao inconformismo das partes, manifestado em peça recursal, em total colidência com texto de Súmula do Tribunal, estar-se-ia a instaurar um regime anárquico, que afronta o principio da uniformização de decisões. Portanto, a prevalência do entendimento contido em direito sumulado traduz a manifestação de um colegiado, para negar provimento a recurso. (Ac. unân. da 1ª T. do STJ em Agr. Reg. no Agr. nº 4.667-PE, Rel. Min. Pedro Acióli; DJ de 24.09.90; Adcoas, 1991, nº 132.169). 10 Outrossim, o entendimento do STF que determina que da decisão proferida em incidente de uniformização da jurisprudência, descabe recurso ordinário ou extraordinário, que somente poderão ser ventilados contra o acórdão que no órgão julgador aplicar o prejulgado. Cabe aqui a extensão deste entendimento ao recurso especial, já que na ocasião da edição da Súmula 513 não existia o Superior Tribunal de Justiça, que só fora criado quando da promulgação da Constituição de 1988. O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Três, foram os inovadores princípios ou diretrizes que nortearam a Lei 10.406 de 2002, que instituiu o Novo Código Civil Brasileiro: a eticidade, a socialidade e a operabilidade: - A eticidade: a fim de mitigar o apego do Código anterior ao formalismo jurídico, resultado do Direito português com seus glosadores e do Direito alemão com seu tecnicismo institucional, extraído da experiência do Direito Romano. - A socialidade: a fim de suplantar o marcante individualismo do Código anterior, que quando elaborado nem de longe lembrava a atual sociedade contemporânea. THEODORO Jr, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 4ª ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 210. 16 - A operabilidade: a fim de facilitar a interpretação e a aplicação das normas pelo operador do Direito. Como se vê todos os princípios tiveram por escopo substituir o excessivo rigorismo conceitual, visando a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, capazes de promoverem uma contínua atualização dos preceitos legais, através de normas mais genéricas. Tudo isto se resume nas palavras do mestre Miguel Reale em referência ao novo código: “o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma.” Assim, nota-se que o instituto das súmulas (matéria processual) vem de encontro a toda essa expectativa do novo Código Civil que trata do nosso direito material. Todavia, resta claro que quando se refere as súmulas não se vislumbra a possibilidade do seu efeito vinculante tornar-se tão rígido, a tal ponto que impeça ao juiz monocrático a análise do caso concreto, pois as súmulas são poderosos instrumentos de facilitação para o alcance do direito, através de maior celeridade e presteza jurisdicional, mas não podem por conta disto desconsiderar a evolução do direito que se movimenta de acordo com o reflexo social do meio em que está inserido. AS SUMULAS Súmula, do latim summula, tem o sentido de sumário ou índice de alguma coisa. Assim, a súmula de jurisprudência é o resumo ou a condensação de vários acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de matéria jurídica, com caráter de orientação. 17 Já a palavra vinculação, em sentido amplo, significa a subordinação de pessoas ou coisas a uma condição ou encargo, fazendo surgir um gravame. Afinal, vincular significa unir, ligar, mas também submeter e ordenar. No nosso ordenamento já existiu a figura da avocação, dispositivo introduzido pela emenda constitucional 7/77, que se manteve até a Constituição de 1988, em período marcado pelo regime totalitário. Hoje, todo o receio que se tem é de que o entendimento político, no futuro, volte a prevalecer sobre o jurídico, nos moldes daquele dispositivo. Antes do instituto da avocação por parte do Supremo, o que de mais próximo existiu em nosso sistema, ocorreu na Constituição de 1937, que previa um limitador para a autonomia do Judiciário: No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.11 O Supremo Tribunal Federal encontrava-se paralisado em sua produção sumular, já que a última súmula editada até bem pouco tempo, a de nº 621, datava de 1984. Destas, algumas já foram revogadas por súmulas supervenientes, como o caso da Súmula 152 que foi revogada pela Súmula 494, e outras tantas que foram superadas pela legislação. Como visto, as súmulas são fruto de repetidas decisões judiciais sobre determinado assunto e, desta forma, representam uma jurisprudência já cristalizada pelos Tribunais. A súmula é a jurisprudência em forma de enunciados, assim, utiliza-se da experiência de casos concretos para chegar a uma conclusão geral sobre um determinado assunto. Primeiro, se tem a análise de uma série de julgados, que depois de devidamente uniformizados deverão ser aplicados de forma reiterada a todos os casos idênticos - e não apenas semelhantes - que se apresentarem. Coincidentemente o STF editou 99 súmulas de sua jurisprudência, aprovadas na sessão plenária de 24 de setembro de 2003, e publicadas no dia 14 de outubro de 2003, no Diário da Justiça. Esta atitude do Supremo, depois de quase vinte anos, com certeza, está 11 Art. 96, §º ú., Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. 18 ligada ao reclamo social por uma reforma no Judiciário e por toda a celeuma que o tema tem provocado em todas as esferas do governo. Os textos dos enunciados foram apresentados pelo Presidente da Comissão de Jurisprudência do STF, Ministro Sepúlveda Pertence, e lidos pelo Ministro-Presidente, Maurício Corrêa. A princípio, foram aprovados somente 23 verbetes, e os demais sofreram destaques dos ministros, seja pelo conteúdo ou pela redação, e seguiram para revisão. Revisados, os verbetes destacados foram reapresentados para apreciação plenária, em que a maioria foi aprovada pela unanimidade dos ministros. Assim, depois de quase vinte anos, voltaram a ser editadas as Súmulas da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, aprovadas pelo Tribunal Pleno, na sessão de 24 de setembro de 2003 e que se publicou no Diário da Justiça, por três dias consecutivos, nos termos do § 3º do art. 102 do Regimento Interno do STF. Dentre as matérias sumuladas pelos ministros, destacam-se as que versam sobre matéria constitucional, como as que se referem ao mandado de segurança e habeas corpus. A Súmula 622: “Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança” e a Súmula 690: “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de Juizados Especiais Criminais”. Resta claro, tratarem-se, ainda, de sumulas de orientação. Com a introdução da vinculação obrigatória aos temas sumulados, as súmulas terão sua importância muitas vezes ampliada. Embora hoje, o ministro relator do processo, nos casos que a lei faculta, possa arquivar ou negar seguimento a recursos que contrariem a orientação predominante no tribunal, pela força que já detém o incidente de uniformização jurisprudencial, contudo, não são obrigatórias. Caso se tornem obrigatórias, as súmulas deveriam sofrer uma minuciosa análise, passar por um filtro, tendo em vista as implicações que daí surgirão. Hoje, ao editar 99 súmulas, de uma só vez, muitas já foram as respeitáveis vozes que apontaram falhas, excessos e equívocos em seus enunciados. No entendimento de Leonardo Greco, em conclusão ao seu recente estudo sobre as novas súmulas do STF, fica evidenciado de forma precisa toda a dimensão e complexidade da questão, razão pela qual torna-se indispensável o seu registro: (...) ao contrário de pacificarem divergências existentes, as novas súmulas vão estimulá-las, suscitando jurisprudência sobre a jurisprudência, e, o que parece mais grave e preocupante, indica a falta de legitimidade de imposição de doutrinas fundadas em julgamento proferidos por composição totalmente ultrapassada do próprio Tribunal, a que os novos Ministros não deveriam estar dando o seu endosso sem revelarem publicamente, em votos proferidos em causas judiciais, porque aderem às orientações cuja cristalização referendam e que, na verdade, estão sendo impostas à sociedade com base em decisões pretéritas mal costuradas, em cuja elaboração não tiveram eles qualquer influência. A AUTONOMIA DOS JUIZES Os que condenam o efeito vinculante das súmulas, afirmam que o mesmo afetará diretamente a independência do magistrado, retirando a liberdade de questionamento da lei e da jurisprudência em face de seu livre convencimento. Outrossim, impedirá uma releitura da norma de acordo com as necessidades concretas de uma determinada sociedade. Outros, já entendem que o juiz não terá seu prestigio maculado, assim entende Sérgio Bermudes: “a Súmula Vinculante não fará o juiz menos livre do que o sistema da legalidade estrita, pois se ela incide deverá aplicá-la, obrigatoriamente, tal como faz com a lei. O efeito vinculante corre o risco de tornar inútil a criação, característica da advocacia e demais operadores e da própria natureza do direito. A súmula vinculante se arrisca ao considerar cristalizada, a princípio, imutável, uma determinada interpretação, enquanto que a própria lei, por mais clara que seja, sempre é suscetível de uma nova interpretação. Decisões vinculantes constituem o engessamento, a imobilização e conseqüente fossilização do Direito. “A súmula vinculante acabaria tendo uma força que nem mesmo a lei possui” como ponderou o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Para Benjamin Cardozo, (1870-1938), considerado dentre os dez maiores juizes americanos de todos os tempos: “(...) o juiz é um agente ativo, não um mero declarador mecânico do direito, como pretendiam Montesquieu e Marshall. A adaptação da jurisprudência às novas condições não é usurpação do juiz. É apenas o mesmo poder de criação que construiu a common law”. Alega-se, que a súmula vinculante excluirá, definitivamente, a liberdade que têm os tribunais e juízes de interpretar e julgar, e, que a atividade do juiz será reduzida a uma simples conferência dos fatos frente à súmula, comprometendo sua independência e inibindo sua participação no processo de formação da ordem jurídica. O cuidado que se deve ter é aquele para o qual alerta Cappelletti: Por mais importante que possa ser a inovação, não podemos esquecer o fato de que, apesar de tudo, procedimentos altamente técnicos foram moldados através de muitos séculos de esforços para prevenir arbitrariedades e injustiças. E, embora o procedimento formal não seja, infelizmente, o mais adequado para assegurar os “novos” direitos, especialmente (mas não apenas) ao nível individual, ele atende a algumas importantes funções que não podem ser ignoradas.12 Quanto a necessária e mesmo indispensável separação entre os Poderes do Estado, pontuais são as palavras de Zimmermann: “Hoje, a separação horizontal dos poderes é o princípio basilar de organização do Estado na maioria dos países do mundo, ou pelo menos, naqueles verdadeiramente democráticos”, (...) “para que não se possa abusar do poder” 13 Os que defendem a implantação da súmula vinculante apontam que a sua adoção contribuirá para o desafogamento dos tribunais, pois agilizará as suas decisões, reduzindo o numero de recursos e facilitando o trabalho dos magistrados, - bem como dos demais CAPPELLETTI, Mauro e Garth Bryant. Acesso à Justiça. 1988. p. 164. 13 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 1999, p. 83-4. 22 operadores do Direito – mantendo-se o seu poder discricionário para a aplicação, ou não, do enunciado sumulado ao caso em tela, já que a possibilidade de ser apresentada tese fundamentada e que propicie a modificação de entendimento cristalizado em súmula não estará afastada, pois competirá ao tribunal, de oficio ou por provocação, tal incumbência. O problema é que tal provocação, só será possível por aqueles que podem propor ação para o controle da constitucionalidade (artigo 103 CF), não havendo tal previsão para os magistrados de primeiro grau. Portanto a defesa supra torna-se sem efeito. Tal possibilidade, também, se daria, caso o Legislativo optasse pela aplicação das Súmulas Impeditivas de Recursos, de que se tratará mais adiante, o que parece pouco provável. Já para os opositores ao efeito vinculante que se pretende dar às súmulas a sua adoção poderá aliviar as pautas, mas asfixiará por outro lado a consciência jurídica, além do que representará uma grave ameaça ao direito de ação e impedirá, ou ao menos, retardará a aplicação da lei às novas circunstâncias sociais. Seu defensor foi ninguém menos que Rui Barbosa, que defendendo a independência da magistratura e alegando que se o juiz cometera algum crime, foi apenas o de interpretação da lei, a que chamou de “crime de hermenêutica”. Tratando-se este de crime novo, e, portanto, não sendo tipificado em nosso ordenamento jurídico, o réu-magistrado foi absolvido. Tal acontecimento, remoto no tempo, mas atual quanto a matéria, dá uma idéia do problema suscitado pela perda da autonomia do juiz, ao menos, do seu livre convencimento para decidir se o caso concreto está, ou não, amparado pela Súmula. Atualmente, a realidade fática dos nossos tribunais inferiores e dos juizes de 1º grau, já se encontra consubstanciada no respeito e adoção dos entendimentos fulcrados em precedentes e súmulas oriundos dos nossos tribunais superiores. Assim, os que são favoráveis a sua inserção alegam que as súmulas, se vinculantes, somente virão a formalizar o que já é a praxe em nosso mundo jurídico. Por isso, talvez, se deva o fato de muitos juízes favoráveis ao efeito vinculante declararem que não se sentem tolhidos ou inferiorizados por sua adoção. 23 Não obstante, são situações bem diferentes: a jurisprudência que orienta da que vincula. Num caso elas são instrumentos predominantes, e noutro, elas são determinantes, obrigatórias. O que significa uma distinção nada sutil. Nas palavras de B. Cardozo: (...) o conhecimento do juiz deverá provir das mesmas fontes que inspiram o legislador, a experiência, o estudo, a reflexão; em resumo, da própria vida. Aqui, encontra-se o ponto de contacto entre o trabalhado do legislador e o do juiz. A escolha de métodos, a estimativa de valores, tudo deve ser guiado, no fim, por considerações semelhantes, seja no caso de um, seja no caso de outro. Cada um deles, realmente, está legislando dentro dos limites de sua competência. Não há dúvida de que os limites para o juiz são mais estreitos. Ele legisla apenas para suprir lacunas e encher espaços vazios no direito positivo. (...) Portanto, não hesitarei, quando as fontes formais silenciarem ou forem inadequadas, em indicar a seguinte linha geral de direção para o juiz: seu julgamento do direito deve obedecer aos mesmos intuitos que guiariam o legislador se este se propusesse a regular a questão. Não obstante, importante distinção separa, aqui, a atividade judicial da legislativa. Enquanto o legislador na está cerceado por quaisquer limitações ao apreciar uma situação geral, que regula de maneira totalmente abstrata, o juiz, que decide à vista de casos particulares e com referência a problemas absolutamente concretos, deve, aderindo ao espírito da nossa organização moderna e o fim de escapar aos perigos da ação arbitrária, libertar-se, tanto quanto possível, de qualquer influência pessoal ou proveniente da situação particular que lhe é apresentada e basear sua decisão judicial sobre elementos de natureza objetiva. Vale salientar que muitos magistrados ressalvam seus entendimentos pessoais e curvam-se às decisões dos tribunais superiores pela coerência e justiça contida nas mesmas e, ainda, para evitar o prolongamento infrutífero das lides, evitando criar nos jurisdicionados a esperança de vencerem a demanda, quando se sabe que em grau de recurso serão vencidos. À primeira vista, tal afirmação poderia dar a impressão de que o magistrado é um eterno subordinado das decisões firmadas pelos tribunais e consolidadas em jurisprudência, mas a realidade é outra, pois o juiz tem a função estatal de prestar jurisdição, – eficiente e eficaz – assim, se verificar que, apesar de contrária a seu entendimento a jurisprudência firmada nos tribunais superiores é a mais adequada, nada mais correto que a aplique na solução do litígio que lhe é submetido para resolução, o que fatalmente implicará em economia, celeridade e na eficiência que tanto se espera do Judiciário. Desta forma, a afirmação de que o juiz pode interpretar a lei como entender, decidindo contra os tribunais superiores, é valida e elogiável, contudo, nada prática. Não é justo fazer nascer nos jurisdicionados uma esperança de vitória, se a Justiça, através de seus órgãos maiores, apontam em sentido contrário. Não há como se pretender a confiança da coletividade se nem mesmo os órgãos incumbidos de dizer o Direito conseguem harmonizar decisões em temas absolutamente iguais. Assim, apesar de ainda não estar em vigor qualquer obrigatoriedade para o juiz aplicar a interpretação dada às leis pelos tribunais, muitos já o fazem, com o escopo de afastar a variedade de interpretações sobre o mesmo tema, o que se traduziria em intranqüilidade no meio social pela insegurança jurídica e falta de confiança na Justiça, e conseqüentemente, no desprestigio do Judiciário. Vencida, assim, esta questão, mesmo porque o objetivo maior é o jurisdicionado e não a figura do julgador, que evidentemente merece e deve gozar de todo o respeito, mas desprovido de qualquer vaidade. O Respeito é algo natural, que não precisa ser imposto, faz-se por merecer e por espontaneamente ser merecedor, exatamente como ocorre na distinção entre um chefe e um líder. O melhor juiz será aquele que tem como objetivo maior a consecução da justiça e não o que tiver o maior numero de decisões condenatórias. O magistrado não perderá a sua liberdade de decidir, pois se assim o fosse, a lei também teria esse condão. Além do que, no dizer do mestre Cappelletti “o bom juiz pode ser criativo, dinâmico e “ativista” e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse deixaria simplesmente de ser juiz”. De qualquer forma, se alguma dúvida resta em qual seja a verdadeira tarefa do juiz, interpretar ou criar o direito, melhor explicação não poderia se ter do que a do próprio Cappelletti, quando do estudo sobre o movimento de aproximação dos sistemas jurídicos da Civil Law e da Common Law: 25 O juiz, inevitavelmente, reúne em si uma e outra função, mesmo no caso – que constitui, quando muito, regra não sem muitas exceções – em que seja obrigado a aplicar uma lei preexistente. Nem poderia ser de outro modo, pois a interpretação sempre implica um certo grau de discricionariedade e escolha e, portanto, de criatividade, um grau que é particularmente elevado em alguns domínios, como a justiça constitucional e a proteção judiciária de direitos sociais e interesses difusos.14 A questão da rebeldia à vinculação das súmulas por parte dos órgãos inferiores é considerada, por muitos, mais fantasia do que outra coisa. Na realidade a imensa maioria dos julgadores já utiliza a orientação das súmulas para fundamentarem suas decisões. O acumulo de processos, com o recebimento de feitos repetitivos, nem permitiria que fosse de outra forma. O problema é que desta decisão, com base em enunciado sumulado, cabem inúmeros recursos que atrapalham o andamento do feito. Assim, a questão é que, por não terem efeito vinculante, pouco ajudam o Judiciário e o jurisdicionado. A diferença está na sua obrigatoriedade, sob o ponto de vista da parte vencida, que deverá se conformar com a decisão. Aqui se chama a atenção para o fato de que a jurisprudência, pelo menos até que seja modificada, poderá indicar uma decisão menos acertada, embora, por muitos, preferível à insegurança pela sua falta de efetividade, onde ninguém sabe quem tem direito a que, culminando em injustiça maior. 26 DIREITO COMPARADO Antes de se entrar propriamente no tema deste capítulo, faz-se necessário esclarecer que no mundo ocidental se distinguem dois tipos de Ordenamento Jurídico: o de origem romano-germânica (civil law) e o de origem inglesa (common law). Nesta, o Direito revelase muito mais pelos usos e costumes e pela força da jurisprudência, - que tem reconhecida supremacia na formação do direito – sendo provável daquele cujos precedentes judiciais lhe forem favoráveis sair vitorioso de uma lide. Por outro lado, na civil law, sistema no qual estamos inseridos, se destaca a prevalência do processo legislativo, com valoração secundária às demais fontes do direito, incluindo-se aí, a jurisprudência. Até não muito tempo atrás, ao invés de se ter como vitória provável se teria como vitória certa, aquela consubstanciada no precedente judicial. Esta mudança se dá pela flexibilização que atualmente se apresenta quanto a doutrina do stare decisis, até mesmo na Inglaterra, mas sobretudo nos E.U.A., para a alteração do precedente judiciário e, de outro lado, por antiga tradição reconhece-se também nos sistemas de civil law a autoridade, não formal e nem vinculante, mas persuasiva, do precedente judiciário. É o que Cappelletti denomina de “emergente tendência evolutiva de convergência”. Como a crescente criação em países da família do civil law, (entre esses a Áustria, Alemanha, Itália,, Espanha e Portugal) de tribunais constitucionais, cujos juízes em grande parte são nomeados politicamente, como ocorre no sistema da common law. 15 Chegando-se ao ponto de, atualmente, se defender a existência de sistemas mistos, como: o americano, com prevalência do sistema da common law e o direito da Escócia, com maior peso para o sistema da civil law. Não é fato novo no Direito alienígena o efeito vinculante de decisões judiciais anteriores, muito embora, se saiba que cada Estado tem características próprias de formação, de constituição política, econômica e culturais, que exercem influência e são decisivos para o resultado na utilização e aplicação de um determinado modelo jurídico. De qualquer forma, a Inglaterra é o exemplo clássico da autoridade do precedente vinculante. Só a partir de 1966 é que a Casa dos Lords passou a admitir a revisão de seus precedentes. CAPPELLETTI, Mauro. 27 Os americanos se distanciaram mais da vinculação absoluta ao precedente, tornando possível a revisão dos mesmos sem a necessidade de se apelar a uma Corte específica, ou seja, mesmo no sistema do common law/stare decisis o juiz já pode interpretar diferente do precedente, sobretudo quando se alteram as relações sociais e culturais. Não reconhecer a necessidade de tal flexibilização seria um grande equivoco. São mais que oportunas as palavras do professor Leonardo Greco sobre este entendimento, sintetizando bem a questão: No direito anglo-americano, a jurisprudência não é intocável. Ao contrário, a evolução mais recente é no sentido de uma progressiva flexibilização. O próprio Tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro (overruling). Ele próprio ou qualquer juízo ou tribunal inferior pode deixar de aplicá-lo se, cuidadosamente comparados o precedente e o novo caso, existir alguma circunstância fundamental que caracterize este último como um caso diverso do anterior (distinguishing).16 Não obstante, já ter tido mitigado o seu rigorismo exagerado, o sistema da common law 17 adota o instituto do stare decisis (et non quieta se movere), para estabelecer o principio legal aplicável que deverá ser seguido por todos os tribunais, evitando assim, que ações repetitivas tenham longo caminho e, até mesmo, decisões divergentes. Aqui se registra as palavras, em 1920, do consagrado jurista italiano Piero Calamandrei: No sistema de precedentes do ordenamento anglo-americano, através do qual o juiz torna-se um verdadeiro criador do direito positivo (judge made law), sistema que supõe uma técnica jurídica absolutamente estranha ao nosso direito, rende, ao menos, teoricamente, impossibilidade da prolação de uma sentença que resolva uma questão jurídica abstrata de modo diverso de como a mesma questão já tenha sido decidida em outra sentença anteriormente julgada. Porque o segundo juiz é sempre obrigado a conformar-se a uma decisão antecedente (stare decisis).18 A experiência jurídica brasileira segue a tradição da Codificação Justiniana. Assim, como já visto, a lei é a própria expressão do Direito, não há nada que lhe compare ou que GRECO, Leonardo. “O Direito americano evoluiu sob a influência de fatores próprios, e é profundamente diferente do tipo inglês. Os próprios conceitos se tornaram diferentes, e os dois Direitos já não se identificam pela sua estrutura. Não se deve, contudo, exagerar nas diferenças. Apesar delas, existe um fundo comum aos dois direitos que é muito importante: o bastante para que os americanos se considerem membros da família da common law. Cfe. David e Jauffret-Spinosi, Apud Lenio Luiz Streck. 28 tenha a sua força, razão pela qual, mesmo uma decisão judicial, não irá impedir que se invoque uma pretensão idêntica àquela já decidida. Muitos alegam que aí é que se encontra a beleza do Direito romanista, pois cada ação será única, igualmente, a sentença final. Aliás, já diz o ditado: Cada cabeça uma sentença. Nos países que adotam a common law, nas relações privadas prevalecem as normas estabelecidas pelos usos e costumes, consagrados pelas decisões judiciais. Bobbio citando Bentham comenta que seus projetos de codificação nascem da sua critica radical ao sistema da common law e da produção judiciária do direito por parte deste sistema, que apresenta cinco defeitos: incerteza; retroatividade; não se funda no principio da utilidade; falta de competência específica; falta de controle por parte do povo. Na França, Itália, Espanha, Portugal, e demais países que pertencem a família jurídica romano-germânica, a importância que se dá à jurisprudência é bem menor que a da lei positivada. Caso do Brasil, que adota o sistema da civil law. Em Portugal existe o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional de Portugal, - este sim, com decisão contra todos e efeito vinculante que lhe dá força obrigatória e geral, pois trata de matéria estritamente constitucional -. O primeiro perdeu o caráter vinculativo de suas decisões por força do Acórdão 810/93, que considerou inconstitucional a vinculação. Na França e na Itália não existe a figura dos precedentes, lá funcionam as Cortes de Cassação que acabam tendo força e autoridade maiores do que qualquer precedente de jurisprudência com força vinculante. No sistema constitucional francês existe a figura do efeito vinculante no que de mais próximo existe em relação a nossa ação declaratória de constitucionalidade, que é um controle a priori, a partir da análise por um Conselho Constitucional, dos projetos de leis especiais aprovadas pelo Congresso, mas ainda não sancionadas. Na Alemanha, a figura do precedente é antiga e como ensina o professor e magistrado mineiro Antonio Álvares da Silva: “No direito comparado o fato não é novo. Já existe também, há muito tempo, no Direito alemão. Lá, quando o Tribunal Constitucional decide uma questão, ela é vinculante para todas as instâncias e para a administração pública.”19 O professor da UFMG afirma que lá os magistrados não se queixam desta vinculação e acrescenta que aqui, a figura do juiz rebelde, cultivada por alguns, que não se conforma com o decidido na Corte mais alta, é mais uma questão de vaidade do que de resultados práticos. De fato, o efeito vinculante, implantado em nosso sistema jurídico, através da ação declaratória de constitucionalidade, que veremos mais adiante, e que agora se pretende dar a vinculação das sumulas do STF está estritamente relacionado com o modelo germânico adotado pela Lei Orgânica da Corte Constitucional, que assegura força vinculante às suas decisões. O controle abstrato de normas foi iniciativa do sistema jurídico alemão, através da Constituição de Weimar, em 1919, e mais tarde pela Lei Fundamental de Bonn, já em 1949. Desde então, o sistema germânico reconhece neste controle uma função de defesa e de segurança jurídica que justificam o efeito vinculante de suas decisões. Cabe salientar o registro que faz o professor Gilmar Ferreira Mendes, referente a um projeto de um sistema de controle abstrato de normas, por ocasião da discussão para elaboração da Constituição de Weimar, que dizia: “O Tribunal de Justiça do Estado é competente para aferir a constitucionalidade das leis e dos atos normativos mediante provocação de 100 membros do Parlamento. A decisão do Tribunal tem efeito vinculante”. No modelo germânico, tem-se por oportuno lembrar a figura do jurista Carl Schmitt; a Alemanha, antes da Segunda Grande Guerra, encontrava-se afundada em graves problemas sociais e econômicos, em razão disso o jurista afirmava que o Estado Jurisdicional (fazendo alusão aos Estados Unidos da América) é aquele em que a ultima palavra pertence ao juiz, árbitro supremo dos conflitos de direito, e não ao legislador, criador de normas. Segundo Schmitt, o Estado Jurisdicional se aproxima mais do desejável Estado de Direito, porque o juiz nesse Estado, faz justiça diretamente e suas sentenças prevalecem contra o legislador e suas leis. Neste sentido, pontual é o registro do jurista Afonso Arinos: “Para Schmitt, só nos Estados fracos a legitimidade do poder se apóia na lei”. VELLOSO, Carlos Mário da Silva in Jornal Folha de São Paulo, O Judiciário e o efeito vinculante, 4 Ago. 1997, ano 77, nº 24.960, 1º caderno, p. 3. 30 Aqui se prova que todo radicalismo é extremamente perigoso e nocivo. A partir do pensamento do grande constitucionalista alemão deduz-se a sua linha de raciocínio, que numa ordem de importância política considerava o Legislativo dispensável frente ao Judiciário. E, na medida que o Judiciário devesse se submeter ao Executivo, sua idéia de um Estado forte, coeso, centralizado, uniforme sob as ordens de um único governante, poderoso, que estivesse acima do bem e do mal, que triunfasse no interesse de seus governados, se concretizou. Carl Schmitt, desenvolveu a tese segundo a qual o Führer (O Poder Executivo) deve ser o verdadeiro guardião, “o defensor da Constituição”. Para ele os tribunais formados por magistrados não apresentam condições necessárias para a manutenção da unidade do sistema político e jurídico, implícitos na Constituição.20 Assim, deduz-se que depois da supremacia do Judiciário sobre o Legislativo, tem-se a subordinação daquele frente ao Executivo. Nos Tribunais Constitucionais da Europa, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões são considerados modos de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, porque, além de impedirem a eternização das demandas, desestimulam as aventuras judiciais. O professor Fábio Comparato, em seu Anteprojeto de Constituição já havia proposto a criação de um Tribunal Constitucional, inspirado em modelos europeus, composto de juízes com mandato fixo. A idéia não vingou. No Brasil, ao STF, é que cabe a função de controlar a constitucionalidade das leis e de atos governamentais, e como está inserido em estrutura institucional que lhe reservou papel marcadamente político ao criar, abaixo dele, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)21, as características de uma Corte aos moldes da Europa fica prejudicada. No Brasil nós dispomos das ADIn e ADC, que quando consideram uma lei inconstitucional ou constitucional têm efeito vinculante e eficácia erga omnes. No caso da ADIn entende-se que esteja mais para atribuições de uma Corte de Cassação, como na Itália e na França e quanto a ADC não existe qualquer similaridade no Direito comparado. 31 No caso brasileiro a questão fica prejudicada pela extensão exagerada de matéria a que se dedica o texto constitucional. Característica, na maioria das vezes, de países que alcançaram a pouco a democracia, com sistema democrático ainda frágil, e, portanto, com tendência a inserir na Constituição o maior numero possível de normas, sobre os mais variados assuntos. Como que, aquilo que ficasse de fora se tornasse vulnerável, sem a mesma garantia de proteção. Cabe aqui registrar que o sistema brasileiro de controle difuso da constitucionalidade das normas utiliza o modelo americano de fiscalização das normas, onde no decorrer de qualquer processo o Judiciário americano pode apreciar a questão da inconstitucionalidade, incidentalmente, como questão prejudicial de mérito. Na hipótese, caberá ao órgão judicial, decidindo a prejudicial, declarar a inconstitucionalidade da lei, para o efeito de subtrair o caso de sua esfera de incidência ou reconhecer a sua legitimidade aplicando-a para a solução da lide. ARGUMENTOS Muitas são as posições, muitas vozes a favor e tantas outras contrárias. Até mesmo dentro do próprio Supremo a questão não é pacífica, bem como entre os demais operadores do Direito. São vários os argumentos em ambas as posições que aqui serão apontados. À grosso modo, há os que consideram o efeito vinculante a solução para o problema do emperramento do Judiciário; e os que advertem que o projeto que tramita no Congresso é um perigoso dirigismo estatal, que frustra a função transformadora e criadora da jurisprudência. Favoráveis 32 A súmula vinculante afastará as decisões judiciais conflitantes, propiciando maior harmonia e segurança das relações jurídicas. Com sua eficácia erga omnes e efeito vinculante vão impedir a eternização das demandas e, sobretudo, a repetição de recursos já decididos. O mais importante é se garantir o bom funcionamento da Justiça. Há entre os magistrados das instâncias ordinárias o receio de que o novo mecanismo afastará a figura do juiz-natural (responsável pelo primeiro exame da causa). O problema é que hoje, para grande parte dos demais operadores do Direito e para os jurisdicionados, o que importa não é a opinião do juiz, mas a eficiência do Estado em distribuir a Justiça. È preciso haver uma decisão uniforme para todo o País a fim de evitar as questões repetitivas e que desgastam a todos. Além do mais, o poder discricionário dos juizes não será eliminado e nem estará ameaçado com a implementação das decisões vinculantes, uma vez que a instituição destas não afastará o juiz da sua livre criação jurídica, pois existirá sempre a possibilidade do magistrado apresentar fundamentação que propicie a modificação do entendimento sumulado. A implantação da súmula vinculante contribuirá para o desafogamento dos Tribunais, uma vez que agilizará as suas decisões reduzindo o número de recursos. Desta forma, estará em consonância com a busca da maior economia e celeridade processual, tão almejada por nosso ordenamento jurídico e clamada pelos jurisdicionados. É de se salientar que no projeto da Reforma, a aprovação, revisão ou cancelamento das súmulas vinculantes poderá ocorrer por proposta, de oficio ou por provocação, por parte daqueles que já possuem tal prerrogativa prevista na Constituição de 1988, para propor a ação direta de inconstitucionalidade. Outrossim, só serão editadas tais súmulas depois de reiteradas decisões sobre a matéria, mediante dois terços dos membros do STF. 33 O efeito vinculante alcançará o Poder Público que ficará, igualmente, obrigado a respeitar a súmula vinculante (ponto que trataremos em capítulo próprio). Isso significa que o Estado não poderá mais recorrer por recorrer, a fim, apenas, de ganhar tempo. Por ultimo existe a alegação de que a súmula vinculante virá, tão somente, formalizar a praxe já adotada em nosso mundo jurídico, considerando que a realidade fática de nossos órgãos inferiores é consubstanciada no respeito e adoção do entendimento dos Tribunais superiores sobre determinado tema. A importância do magistrado não será atingida, que, simplesmente, deixará de se ocupar de tema já pacificado pelo STF e poderá ter toda sua atenção direcionada à questões mais relevantes, que careçam de maior apreço. As súmulas vinculantes provocam a redução do número de processos e assegura rapidez às decisões judiciais, gerando descongestionamento dos órgãos judicantes, o que é vital, pois, quanto maior o volume de trabalho, menor será a possibilidade de um desempenho mais eficiente do magistrado, que terá a sua capacidade laborativa e intelectual comprometida, resultando, aí sim, em prestação jurisdicional de qualidade inferior, sob todos os aspectos. O magistrado não perderá a sua liberdade de decidir, já que nem mesmo a lei lhe retira essa prerrogativa, e nem muito menos, se poderia afirmar que ao decidir de acordo com a lei o juiz estaria maculando a sua liberdade decisória. Não constitui, o efeito vinculante das súmulas nada de perigoso, pois, estendendo-se a milhares de casos idênticos estará produzindo resultado análogo ao das declarações de inconstitucionalidade pelo STF, que obrigam a todos os operadores jurídicos e ao Estado, e não apenas aos magistrados de várias instâncias. Além do que a súmula vinculante não provoca a cristalização do direito, não leva ao engessamento da jurisprudência, na medida em que existam órgãos com competência e mecanismos próprios para propor a alteração ou cancelamento da mesma, caindo por terra a tese de que ela funcionará como uma “camisade-força” sobre a evolução jurisprudencial. 34 Kelsen, mesmo, era favorável ao efeito vinculante para a decisão que cria o chamado precedente judicial, quer dizer: quando a decisão judicial do caso concreto é vinculante para decisões de casos idênticos. As Principais Vantagens: 1) Redução do número de recursos, sobretudo daqueles meramente protelatórios, com a redução significativa do numero de processos em tramitação e contribuindo para uma melhor qualidade da prestação jurisdicional; 2) Economia e celeridade processuais, inclusive, facilitando o trabalho dos advogados e simplificando o julgamento das questões mais freqüentes, tornando o Judiciário mais racional e colocando fim a “mora judicialmente legalizada”; 3) Segurança jurídica com a eliminação de decisões judiciais conflitantes sobre a mesma questão de direito, - que não inovam nem em matéria de fato, nem em matéria de direito elidindo a possibilidade de convivência de tais decisões, que acabam sendo uniformizadas, lá na frente, depois de longo percurso, no STF; 4) Melhora da eficiência jurisdicional do Estado ao descongestionar o Judiciário, antecipando o julgamento de casos repetitivos e assegurando a uniformidade na aplicação do Direito, garantindo a constância, previsibilidade e objetividade das decisões judiciais para causas idênticas que venham a surgir no futuro; 5) Perante a jurisprudência uniforme cada um sabe com que pode contar, perante a jurisprudência incerta ninguém está seguro do seu direito. Evita-se, assim, que em situações idênticas haja uma duplicidade de soluções em sentidos antagônicos e que se privilegie uns sobre os outros; 35 6) Evita o desgaste das partes, dos seus procuradores, do juiz, e a longo e médio prazo, do próprio Poder Judiciário que poderá resgatar grande parte de sua credibilidade, impedindo que juízes recalcitrantes em orientar-se pelas súmulas continuem a dar ensejo à recursos infundados. Os contrários à sua implantação no nosso sistema jurídico alegam, sobretudo, a questão da independência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Muitos criticam afirmando que o Judiciário não pode criar leis, mas os defensores do instituto contra-atacam que não se trata exatamente de legislar e que em pleno século XXI a função do Judiciário não deve se limitar a aplicação das leis, mas sim comportar a devida articulação jurídica para se chegar à justiça, pois a questão maior do efeito vinculante é unificar e tornar aplicável o direito controvertido, a partir da própria lei e não contrário a ela. O efeito vinculante estaria assim, na busca do que há de mais importante na lei: a sua relevância social e a equidade, através do equilíbrio e a garantia do ordenamento jurídico no País. Contrários Haverá a subtração da independência e autonomia dos juizes, que perderá a liberdade de questionamento da lei, interpretação da mesma e da jurisprudência, e sua prerrogativa do livre convencimento encima do caso concreto. Os favoráveis condenarão o Direito a uma involução, já que deixará de acompanhar a realidade social. O juiz se tornará um mero repetidor de questões já sumuladas e “chancelador” de decisões. Situação absurda se pensado que até mesmo a lei é suscetível de interpretação. As decisões vinculantes provocarão o engessamento do direito, subjugarão os juizes e interferirão no exercício da advocacia, já que aniquilará a capacidade criativa do advogado, inerente ao bom profissional, quando visando os princípios do Direito. 36 A vinculação às súmulas do STF em matéria constitucional é desnecessária, porque já têm esse efeito, por sua natureza, e operam obrigatoriamente erga omnes. Nas demais matérias orientação sim, vinculação não, do contrário os juízes perderão sua independência, pois estarão previamente manietados pela força vinculante das súmulas, desta forma, atingindo e maculando a autonomia e imagem do próprio Poder Judiciário, com a “esterilização” da atividade jurisdicional”. Afronta aos incisos XXXV e LV, do artigo 5º, da Constituição Federal, que estão protegidos por cláusula pétrea, - ao obstaculizar o acesso ao judiciário e suprimir o contraditório e a ampla defesa - além de banir o duplo grau de jurisdição e ofender o principio do devido processo legal. O efeito vinculante torna o direito menos permeável às mudanças da sociedade, ao inibir que a consciência jurídica construa-se a partir de decisões muitas vezes conflitantes, mas que com o tempo decantam-se e encaminham-se para um consenso sem necessidade de atribuir função do Poder Legislativo ao Judiciário. As Principais Desvantagens: 1) Extingue o principio do juiz natural, responsável pelo primeiro exame da causa, que fica impedido de decidir conforme a lei e o seu livre convencimento, e, até mesmo, de questionar a própria jurisprudência; 2) Não permite a evolução e o avanço histórico do direito, o acompanhamento das transformações sociais, mecanizando o julgamento, perpetuando o erro e obstaculizando o progresso natural do direito; 37 3) O efeito vinculante é antidemocrático e centralizador, estabelecendo a ditadura das cúpulas judiciais, pois os juizes passarão a decidir conforme as súmulas, que não passam de normas abstratas, genéricas, retirando do juiz de primeiro grau, que está mais próximo do fato, a possibilidade de vivenciar a questão, de sentir o problema e formar seu convencimento encima do caso concreto; 4) A dialética democrática fica comprometida ao se impedir que matérias relevantes sejam discutidas e amadurecidas pelos órgãos de base do Judiciário, além de levar a um “abastardamento da função jurisdicional”; 5) O efeito vinculante das súmulas tem, na verdade, o perverso efeito de constituir-se no pior dos controles do Judiciário, embora internamente, castrando a independência das instâncias inferiores; 6) A jurisprudência não se renova, é o direito que se cristaliza, na pior de suas interpretações, mesmo que o STF tenha consagrado um entendimento equivocado sobre um determinado tema; Cabe lembrar que o Judiciário faz lei individual, para um caso especifico, quando julga e decide prolatando uma sentença. Já o Legislativo não faz lei para um cidadão, pois isto é julgar, mas sim leis gerais, que devem alcançar a todos. O Judiciário tem por competência, justamente, analisar o caso concreto, enquadrá-lo dentro da lei, ou, na falta de uma que seja específica, basear-se nos princípios norteadores do Direito. 38 AS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS DA VINCULAÇÃO DAS DECISÕES A Jurisprudência Denomina-se jurisprudência ao conjunto dos pronunciamentos dos Tribunais sobre as lides e questões submetidas à sua decisão. A jurisprudência serve para se aplicar a lei da forma mais justa possível, em consonância com as necessidades sociais, e para suprir as lacunas que porventura existam. Neste caso, o julgador ao decidir um caso concreto faz uso do que prevê a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Assim, quando o tribunal decide de forma uniforme e reiterada sobre determinada matéria de direito, a jurisprudência passa a ter peso de fonte formal do Direito. O procedimento jurisprudencial unificador encontra a sua maior expressão nos pronunciamentos dos tribunais, através das súmulas, que nada mais representam do que a jurisprudência consolidada, de caráter até aqui, meramente de entendimento predominante, ou seja, sem qualquer conotação obrigatória ou de efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário, mesmo os ditos inferiores. A elaboração da jurisprudência faz uso da indução quando parte do particular para o geral. O uso do raciocínio que considera casos isolados para uma conclusão geral é o que se aplica a construção da jurisprudência, já que ela se constrói a partir de decisões dos tribunais a respeito da mesma matéria. A jurisprudência pode revelar o conjunto de todas as decisões de um determinado tribunal, como pode num sentido mais restrito indicar o conjunto das decisões uniformes destes órgãos. “Não se trata, porém, de simples conhecimento que proceda do particular até o geral, porque é essencial que a passagem do particular ao geral se funde na experiência, ensina Miguel Reale. 39 Enquanto o costume é fruto de uma criação natural do povo, em suas relações sociais, a jurisprudência é fruto do raciocínio daqueles que detém o dever e o poder de julgar. Embora, se possa num primeiro momento pensar o contrário, os conceitos de jurisprudência e sentença são distintos. A primeira é uma das fontes de direito que conhecemos e que retrata a conclusão geral a que se chega pelo estudo de situações idênticas, que tiveram as mesmas decisões particulares. Como verificado no capitulo que se destina ao estudo do Direito comparado o nosso sistema jurídico tem na jurisprudência uma fonte secundária do Direito, sem que a mesma seja obrigatória, já que seguimos, até aqui, o sistema romanístico que privilegia o direito positivo e considera a jurisprudência fonte interpretativa da lei. A jurisprudência contribui para a produção legislativa, pois é ela o termômetro que deve sinalizar quando uma lei precisa ser revisada, enfocando uma determinada particularidade, até então desconhecida e que somente toma corpo no momento que as partes procuram o Judiciário para a solução de seus conflitos. A lei foi feita para o cidadão, mas ela muitas vezes encontra-se distante de seus anseios e realidade, razão pela qual caberá a jurisprudência cumprir o seu papel de aplicar a lei ao caso concreto e provocar mais adiante a revisão de algo que não vai bem, que não resolve aquilo à que se destina, nem aos anseios daquele que se pretende proteger. Partindo deste entendimento, a jurisprudência é uma fonte de direito consuetudinário. Ela é o costume de determinado povo depois de estudado, interpretado e consignado pelos tribunais. Para quem considera a jurisprudência como fonte do direito a explicação para tal é a de que ela se faz presente nas sentenças - que nada mais são do que normas jurídicas individuais – bem como na produção do direito normativo, como visto. Já para os que não consideram a jurisprudência como tal, os argumentos seriam exatamente os mesmos, ao se ter que a sentença só tem efeito entre os litigantes, além de que o juiz não pode decidir contra a lei, caso contrário sua decisão está sujeita a recurso. Mas a questão é: não cabe ao juiz buscar a justiça através da aplicação social da lei? A jurisprudência não seria justamente a interpretação concreta do juiz sobre uma determinada lei com o fim de se alcançar a justiça? Parece que sim. 40 A partir do momento que o juiz pode e deve por previsão legal dizer o direito com fundamento na analogia, costumes e princípios gerais do direito, está aberta a porta para se ter a jurisprudência como fonte do direito. A jurisprudência exerce um valioso papel de completar ou mesmo emendar a lei, já que nem todas as circunstâncias possíveis estarão sempre contempladas com algum dispositivo legal. Inegável, portanto, seu papel de fonte, ao menos, subsidiária do direito. Entre os exemplos de contribuição da jurisprudência para o aprimoramento do direito estão as decisões de magistrados pelo Brasil afora, sem qualquer previsão legal, que acabou culminando na lei da união estável, bem como, as decisões de direito previdenciário e de sucessão em casos de falecimento de um dos companheiros em relação homossexual, que tudo indica, acabará se tornando previsão legal em nosso ordenamento jurídico. A súmula da jurisprudência predominante não se confunde com a do precedente do Direito britânico. Para que um juiz inglês possa julgar, basta existir um precedente que se enquadre no caso concreto. Já na formulação da súmula exige-se a repetição dos julgados num mesmo sentido, pressupondo a sedimentação de decisões, a repetição e a uniformidade do entendimento do Tribunal, tudo conforme disposto nos seus Regimentos Internos22. No caso do STF: Art. 102 - A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1o A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta. § 2o Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados. § 3o Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça. Exemplificarmente, o Regimento Interno do STJ: Art. 122 – A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do... Art. 123 – Os enunciados da súmula, seus adendos e emendas, datados e numerados.... Art. 124 - A citação da súmula pelo número correspondente dispensará, perante o .... Art. 125 – Os enunciados da súmula prevalecem e serão revistos na forma ... Art. 126 – Qualquer Ministro poderá ropor, na Turma, a remessa do feito à Corte.... Art. 127– Quando convier pronunciamento da Corte Especial ou da Seção, em razão... 41 § 4o A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido. Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário A jurisprudência revela o direito tal como é interpretado pelos tribunais, no momento em que o aplicam aos casos concretos. A interpretação e a jurisprudência são idéias correlatas e inseparáveis, pois para aplicar o Direito o juiz deve, previamente, realizar um trabalho de interpretação das normas jurídicas. As leis jurídicas, ao contrário das leis da física, retratam momentos de vida que se integram na experiência humana, exigindo um esforço para superação de posicionamentos divergentes a fim de que seja possível a aplicação, em consonância com as necessidades sociais, em cada época e lugar. A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica. Como fonte do direito estabelece normas além do previsto no dispositivo legal, resultado de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessa oportunidade, o juiz compõe uma norma que vem completar o Direito objetivo, a fim de se aplicar ao caso concreto. O que se deseja através da jurisprudência é estabelecer uma uniformidade e constância das decisões para casos idênticos, criando-se o chamado precedente judicial. A jurisprudência é, pois, a interpretação dada à lei pelos juizes, estabelecendo, de certa forma, o parâmetro pelo qual deverão ser julgados os casos idênticos, sem contudo, vincular o julgador. 42 A jurisprudência é uma realidade jurídica que surpreende o jurisdicionado, especialmente aquele que é cidadão comum, leigo nas ciências jurídicas, que não compreende, e nem admite, que ações e recursos idênticos, possam ter decisões diferentes, muitas das vezes, em sentenças e acórdãos proferidos num mesmo dia. O alcance da jurisprudência como fonte do Direito tende a aumentar a cada dia, como decorrência cogente de ajustar o grande volume de leis - na maior parte das vezes genéricas - às relações sociais, extremamente mutáveis. Os tribunais são chamados a aplicar a lei e dizer o Direito, através dela; porém, não raro, o trabalho jurisprudencial vai tão além que a lei adquire sentido diverso daquele que o legislador pretendia alcançar, quando da sua elaboração. O magistrado interpreta a norma legal situada numa “estrutura de poder” que lhe confere competência para converter em sentença, - norma jurisdicional e particular - o seu entendimento da lei, que é uma norma geral. Buscando a unidade da jurisprudência interna de determinado Tribunal, a fim de evitar a quebra da homogeneidade jurisprudencial, é que se instaura o incidente de uniformização da jurisprudência prevista em capitulo próprio, do Código de Processo Civil brasileiro. Uniformização da Jurisprudência Depois do Império e a tradição lusa dos assentos, na República com a federação dos Estados se fez necessária a criação de um instrumento capaz de assegurar a unidade e supremacia das leis federais. Foi criado o recurso extraordinário com o fim primeiro de passar a ser unificada a jurisprudência, pelo STF. Remédio jurídico que foi recepcionado pela Constituição de 1891 e que persiste até hoje. 43 Decisões contraditórias em matéria constitucional e ameaça de uma possível anarquia, pela insegurança jurídica23 dentro do atual sistema são remotas, por força de tal recurso (art. 102, III da CF), que permite ao Supremo Tribunal Federal a uniformização da matéria. Em 1988, a nova Carta Magna criou o Superior Tribunal de Justiça que passou a ter a atribuição de unificação da jurisprudência, em matéria infraconstitucional. Em 1963, o STF já havia instituído a súmula da jurisprudência predominante em seu Regimento Interno, mas dentre os vários incidentes capazes de ocorrer no julgamento de grau superior, tem disciplina específica em capítulo próprio do Código de Processo Civil, o da Uniformização da Jurisprudência. A matéria passou a ser tratada pelos artigos 476 e seguintes do CPC, desde 1973, em seu Capitulo I, Titulo IX, do Livro I. Oportunas são as palavras do professor Lenio Streck: “A tendência de uniformização da jurisprudência tem sua ratio ligada à existência de uma pluralidade de órgãos judicantes no seio do aparelho estatal, que podem ter de enfrentar teses jurídicas iguais ou semelhantes”.24 Neste sentido, também, é a lição é do professor José Carlos Barbosa Moreira sobre a questão da uniformização da jurisprudência, quando ensina que o que leva a se adotar o procedimento, legalmente previsto, da uniformização da jurisprudência é a grande quantidade, a pluralidade de órgãos judicantes que podem ter (e com freqüência têm) de enfrentar idênticas questões de direito, daí a necessidade de enunciar teses jurídicas em matérias que sejam igualmente idênticas, que se traduzirão nas súmulas de orientação da jurisprudência predominante.25 Uniformização de Jurisprudência. Conveniência. A regra contida no art. 476 do Código de Processo Civil não é vinculativa, mas meramente discricionária, daí porque a instauração do incidente de uniformização de jurisprudência deva atentar para os critérios de conveniência e oportunidade. A uniformização da jurisprudência não se destina a impugnação de uma decisão, mas é um meio de se atingir o ideal de segurança jurídica, muitas vezes frustrada pela divergência de julgados sobre uma mesma tese jurídica. Realmente, não pode ser recurso, porque ainda não se decidiu, na Turma ou Câmara, a questão. (...) não pode o interprete restringir apenas ao recorrente o direito de ver atingida a segurança jurídica, com o julgamento uniforme de um mesmo dispositivo de lei. (Ac. unân. da 1ª T. do STF de 02.05.78, no RE nº 88.854-3-RJ, Rel. Min. Cunha Peixoto: DJ , de 30.06.78, p. 4.851). Lenio Luiz Streck. Súmulas no Direito Brasileiro. 1998, p. 101. José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código Processo Civil. v. V. 10ª ed.. 2002, p.4. 44 A previsão legal da uniformização da jurisprudência, expressamente prevista em nosso direito processual, criou a possibilidade deste instrumento incidental, pois a análise de casos concretos e particulares pode gerar entendimentos divergentes o que pode levar a quebra da homogeneidade da jurisprudência, o que poderia levar a uma situação desconfortável ao tribunal que precisa ter decisões coesas e demonstrar unidade interna sob pena de macular sua imagem e não alcançar o seu objetivo maior de equidade em suas decisões. Cabe lembrar que a disciplina não trata apenas do julgamento de recurso, podendo verificar-se no julgamento de causa da competência originária do Tribunal, e ainda, de qualquer das que obrigatoriamente se submetam ao duplo grau de jurisdição. O incidente de uniformização da jurisprudência pode ser instaurado por provocação de qualquer juiz, ao dar o voto na Turma, Câmara ou Grupos de Câmaras, devendo a solicitação ocorrer antes de iniciada a votação do julgamento do recurso. O incidente de uniformização pode, ainda, ser requerido por qualquer das partes, por quem recorre ou por quem é recorrido e até mesmo pelo MP, na hipótese de ter recorrido contra decisão em processo em que funcionou como fiscal da lei.26 A fundamentação consistirá na invocação de julgamento de outra Turma, de outra Câmara, de outro Grupo, em que se concretize a divergência, provada por certidão do acórdão, ou pela indicação do número da página de repertório de jurisprudência que o tenha publicado. O Tribunal é livre para reconhecer ou não, de acordo com seu próprio convencimento, acerca de tal questão discrepante, muito embora, haja a Turma, a Câmara, ou o Grupo, afirmado a diversidade de interpretação, sem o que não seriam os autos remetidos ao Tribunal. No caso de solicitação do pronunciamento prévio do Tribunal, o julgamento ficará suspenso até a decisão pelo reconhecimento, ou não, da divergência na interpretação do direito. Em caso negativo segue-se sem qualquer formalidade, a retomada do julgamento Poderá a parte requerer a instauração do incidente, se preexistir divergência entre órgãos do Tribunal. Não pela simples possibilidade que isso ocorra, em face do julgamento a ser proferido. (Ac. da 3ª T. do STJ de 28.11.94, Rel. Min. Eduardo Ribeiro; DJ 24.4.95, p. 10.404). 45 suspenso, mas em sendo acolhido o requerimento, será lavrado acórdão - tudo conforme artigos 556, 563 e 564 do CPC - e encaminhado os autos ao Presidente do Tribunal para que seja levado a julgamento. O resultado deste, tomado pelo vota da maioria absoluta dos membros que integram o Tribunal será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. No caso da deliberação ser tomada pela maioria, sem se atingir o quorum previsto no artigo 479 do CPC, a interpretação fixada prevalecerá para o caso concreto, ou seja, neste caso não será objeto de súmula. O Tribunal se limitará a assentar, dentre as teses jurídicas contrastantes, a que deve prevalecer. Não conhecerá outras questões de direito estranhas ao objeto do incidente, nem questão de fato, sejam quais forem. A aplicação da interpretação fixada à espécie será de competência do órgão suscitante. O fato de ser incluída na Súmula do Tribunal não confere à tese jurídica a eficácia vinculativa própria das normas legais, pois caberá aos Regimentos Internos (RISTF, arts. 102 e 103; RISTJ, arts. 122 a 127)27, a sua regulamentação. O ponto essencial da questão para a adoção das Súmulas vinculantes é impedir a enxurrada de ações repetidas nas diversas instâncias. A conseqüência lógica e necessária é a uniformização da decisão de mérito, definitivamente julgada, de todos os casos semelhantes, por meio de uma jurisprudência superior e obrigatória. No caso da súmula vinculante, tal efeito decorre do fato de a decisão do Tribunal, acerca da questão de direito, ser irrecorrível, pois no que tange à matéria que constitui objeto de julgamento, a solução dada à questão de direito pelo tribunal incorpora-se ao julgamento da espécie, como premissa inafastável e vinculativa para o órgão suscitante, seja qual for a interpretação fixada pelo Tribunal. Perdem toda e qualquer relevância os votos por ventura já emitidos no órgão suscitante, acerca da questão de direito. 46 Como já visto no primeiro capitulo deste trabalho, há quarenta anos, o Supremo Tribunal Federal criou a figura das Súmulas de seus acórdãos, para definir em pequenos enunciados o que a Corte Suprema vinha decidindo de modo reiterado sobre temas constantes de seus julgados. Fora de um Estado Democrático de Direito a uniformização se torna um grande problema, pois todo desejo de uniformizar enseja um certo perigo, já que a tendência é uniformizar a partir das próprias convicções. No Brasil, por exemplo, os Atos Institucionais uniformizaram condutas e vincularam a sociedade ao interesse maior da Nação. Grandes ditadores, entre eles como já visto Adolf Hitler, soube criar uma atmosfera e espírito de uniformidade como ninguém e por isso era respeitado e idolatrado pelo povo alemão, que depositou em um único homem todas as suas esperanças, acreditando na máxima: O Führer protege o Direito. Todos os ditadores assim pensaram ao longo da história, a fim de justificar a sua supremacia sobre o Judiciário. O eminente processualista Barbosa Moreira registra o ensinamento do jurista italiano Piero Calamandrei, que em La Cassazione Civile declara: “(...) seria absurdo desejar que a jurisprudência, que por sua mutabilidade no tempo é a mais sensível e a mais preciosa registradora das oscilações, mesmo leves, da consciência jurídica nacional, fosse cristalizada e contida em sua liberdade de movimento e de expressão”. 28 Por sua vez, o jurista Roberto Rosas registra o entendimento do professor português José Alberto dos Reis: “Que importa a lei ser igual para todos, se for aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes jurisprudência errada, mas uniforme, do que jurisprudência incerta”.29 Pontualmente, Roberto Rosas, em referência ao entendimento do autor luso adverte: “o fato de uniformizar-se a jurisprudência não significa estiolar a interpretação do direito e da lei”.30 Piero Calamandrei Apud José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. 1978. p.5. Roberto Rosas. Comentários ao Código de Processo Civil. 1988. p. 28. 47 De qualquer forma, difícil é imaginar justa a aplicação de uma norma fora de seu contexto real, do caso concreto; torna-se praticamente impossível, a não ser que se trate de ações repetidas, exatamente iguais. Na questão dos direitos humanos existe a máxima: “Tratar desigualmente os desiguais”. Não podemos crer que a interpretação da lei, onde se tem interesse particular, possa se dar de outra forma. Diferentemente, das questões judiciais que envolvam a Administração Pública, onde se tem ações idênticas sendo demandadas por todos os cantos do país, objetivando o mesmo resultado. Na lição do professor Augusto Zimmermann “o Direito não exprime a verdade absoluta: a sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode, mas deve mesmo ser infinitamente variado. O médico não receita o mesmo medicamento a todos os doentes, mas adapta o remédio à doença, já definia Jhering Aliás, essa idéia já é preconizada logo no inicio do livro do celebre autor de Do Espírito das Leis: “As leis devem ser de tal forma adequadas ao povo para o qual foram feitas (...)., e já quase no fim da mesma obra, exatamente no Livro XXIX, questiona: “O mal de mudar será sempre menor do que o mal de resignar-se? E a grandeza do gênio não consistirá talvez em saber melhor em que caso é preciso uniformidade, em que caso são necessárias as diferenças? Ao mesmo tempo em que é favorável a vinculação dos juizes às sumulas, e da conseqüente uniformização da jurisprudência dominante, Miguel Reale alerta que se deve prevenir contra o indefinido congelamento delas, a despeito de exigências essenciais supervenientes em razão de mudanças operadas no plano dos valores, dos fatos e da própria ordem normativa: “O aggiornamento das súmulas será, assim, um dever primordial dos tribunais, pois elas, representam um horizonte normativo sujeito a ser atualizado à medida que a ciência avança.” Se com o advento do instituto das Súmulas Vinculantes o novo mecanismo de uniformização da jurisprudência adquirir força de lei, importantíssimo será que se obrigue, que se vincule as decisões tomadas contra a Administração Pública, direta e indireta, da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. 48 A explicação mais precisa sobre a questão é do mestre Barbosa Moreira: Nasce daí a possibilidade de que, num mesmo instante histórico – sem variação das condições culturais, políticas, sociais, econômicas, que possa justificar a discrepância -, a mesma regra de direito seja diferentemente entendida, e às espécies semelhantes se apliquem teses jurídicas divergentes ou até opostas. Assim se compromete a unidade do direito – que não seria posta em xeque, muito ao contrário, pela evolução homogênea da jurisprudência dos vários tribunais – e não raro se semeiam, entre os membros da comunidade, o descrédito e o cepticismo quanto à efetividade da garantia jurisdicional. Nesses limites, e somente neles, é que se põe o problema da uniformização da jurisprudência. Não se trata, nem seria concebível que se tratasse, de impor aos órgãos judicantes uma camisa-de-força que lhes tolhesse o movimento em direção a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já não corresponda às necessidades cambiantes do convívio social.31 Um dos melhores ensinamentos acerca da uniformização da jurisprudência é a do magistrado americano Benjamin Cardozo: A uniformidade deixa de ser um bem quando se torna uniforme de opressão. O interesse social servido pela simetria ou certeza deve, portanto, ser equilibrado com o interesse social servido pela equidade e pelo sentimento de justiça, ou ainda, por outros elementos relativos ao bem-estar social. Tais elementos poderão impor ao juiz o dever de traçar a linha partindo de outro ângulo, de se arriscar por novos caminhos, de marcar novo ponto de partida, do qual começarão sua jornada outros que virão depois dele(...).32 A uniformização da jurisprudência é indispensável a segurança jurídica e, portanto ao bom desempenho do sistema jurídico e da prestação jurisdicional, mas sempre tendo em mente a opinião unânime daqueles que lhe são favoráveis: manter-se a possibilidade, sempre, de sua atualização, evolução, pois o direito nada mais é do que o reflexo, o fruto das mudanças sociais pelas quais passa a sociedade e a própria humanidade como um todo. 31 José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil.. v. V. 10ª ed.. 2002,. p. 5. Benjamin N. Cardozo. A Natureza do Processo e a Evolução do Direito. Editora Nacional de Direito. 1956, p. 64. 49 32 A uniformização do entendimento sobre uma determinada matéria é instituto de suma importância, desde que sirvam de valioso elemento de orientação, até mesmo de persuasão, mas sem vincular, obrigar os demais órgãos do Judiciário, nem mesmo os juízes de primeiro grau, em matéria que não seja, estritamente, constitucional, a fim de que não se engesse a capacidade de evolução do Direito que precisa acompanhar os movimentos sociais e evoluir como e com as demais ciências. Oportuno e importante se faz registrar o ensinamento, já do inicio do século XX, do jurista italiano Piero Calamandrei: “uniformità del diritto non vuol dire immobilitá del diritto, il quale, come tutte le manifestazioni dello spirito umano, si svolge ininterrottamente atraverso um continuo divenire.”33 Finalizando , registra-se mais uma lição do professor José Carlos Barbosa Moreira sobre a questão da uniformização da jurisprudência: Nada mais natural, assim, que a evolução da jurisprudência através da constante revisão das teses jurídicas fixadas. Na inércia do legislador, – atestam-no conhecidos e abundantes exemplos históricos - ela funciona como respiradouro indispensável para permitir o progresso do direito e impedir a fossilização dos textos normativos. (...) o fenômeno que se tem em vista quando se alude a conveniência de adotar medidas tendentes a uniformização dos pronunciamentos judiciais é o fato da existência, no aparelho estatal, de uma pluralidade de órgãos judicantes que podem ter (e com freqüência tem) de enfrentar iguais questões de direito e, portanto, de enunciar teses jurídicas em idêntica matéria. 34 33 “Uniformidade do direito não significa dizer imobilidade do direito, que como toda manifestação do espírito humano, se desenvolve ininterruptamente através de uma continua evolução”. Piero Calamandrei. (op. cit., p. 51). 34 José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código Processo Civil. v. V. 3ª ed.. 1978, p.13-15. 50 O PODER PÚBLICO E A SUMULA VINCULANTE É fato, que a maioria das ações promovidas contra o Poder Público são repetitivas, sobre as quais já se tem pronunciamento firmado pelo STF e que versam sobre direito individual homogêneo. Em verdade, após o juiz prolatar a sentença, esta deverá gerar uma série de recursos até alcançar o STF. Tudo isto, sobre uma determinada questão para a qual já se sabia o desfecho, quando a ação foi proposta. É evidente que hoje se está diante de um sistema injusto. Legal, mas não legítimo e nem equânime. No mínimo, um sistema dispendioso, elitista, retrógrado e demorado demais. Se a proposta da súmula vinculante tem como escopo resolver o inchaço do Judiciário, que passará a ter tempo para apreciar os verdadeiros conflitos, - assuntos sobre os quais ainda existam divergências na jurisprudência - é fundamental para que seu desiderato seja alcançado, que a força obrigatória do julgado sumulado se faça sentir perante as ações contra a administração pública. Aliás, especialmente contra esta deveria ser utilizada a força da súmula vinculante, por duas razões: 1) A quase totalidade das ações que chegam e se arrastam pelos Superiores Tribunais têm como parte ré, e então apelante, o Estado, como já evidenciado na simulação de julgamentos em instâncias inferiores; 2) O juiz monocrático continuaria a decidir as questões privadas, interpretando a lei, levando em conta o caso concreto, acompanhando os fatos sociais, a evolução do Direito, e principalmente não se tornaria um mero repetidor, um carimbador de sentenças, e manteria, assim, sua independência e seu livre arbítrio, em prol do Estado democrático de direito. 51 A máxima da Administração pública tem que deixar de ser, de uma vez por todas, a de: “Ganha, mas não leva”; “Pode ganhar a ação, mas demora para levar”. O Estado conta sempre, em seu favor, com a demora em se atingir a coisa julgada e dos precatórios. Nos casos contrários, em que a súmula fosse favorável ao Estado, o advogado sem critério e nada ético, estaria impedido de induzir o cliente a falsas expectativas. O efeito vinculante aplicado ao Poder Público traria uma grande economia ao Estado, que resiste em entender que Ele acaba tendo uma verdadeira carteira de advogados, seus “clientes”, a serem creditados pelos honorários de sucumbência a que fazem jus. Imaginem a economia, só levando-se em conta, por exemplo, o montante referente as ações contra a Previdência Social. Até hoje, o Estado prefere protelar o pagamento, o que por si só já não é uma coisa inteligente, mas, pior, prefere fazer com que o cidadão percorra uma via cruxis, em busca de seu pleito, o que já é uma crueldade. Será que o Poder Público, recorrente contumaz aos Tribunais Superiores aprenderá a sucumbir? Acatará a súmula vinculante contrária aos seus interesses? Ou, será mais uma norma constitucional ineficaz, como é a que diz que todos devem ter direito a saúde, a educação, ou a que diz que o salário mínimo deve atender as necessidades de lazer, habitação.... . Se o objetivo de se atribuir efeito vinculante às súmulas se destina somente aos “pobres mortais”, então é melhor que tal instituto nasça morto ou, melhor ainda, que sofra um aborto espontâneo. Uma saída seriam alternativas menos radicais, como se tentar primeiro uma redução racional do número interminável de recursos. Talvez, impensadas, porque o maior interessado na abusiva delonga e protelação processual seja justamente a Administração pública. Assim, se não for aprovada outra opção, nem mesmo, a da Súmula Impeditiva de Recursos, o efeito vinculante jamais poderá deixar de alcançar questões exaustivamente repetidas, que tenham na parte Ré a figura da Administração Pública. 52 CONCLUSÃO A súmula vinculante é um mecanismo pelo qual os juizes ficam obrigados a seguir o entendimento adotado pelo STF ou pelos Tribunais Superiores sobre temas que já tenham jurisprudência consolidada. O objetivo principal é reduzir o número de processos na cúpula do Judiciário (haveria menos recursos). A proposta prevê tal prerrogativa, exclusivamente para o STF e quando estiver em debate apenas matéria constitucional. Caso se tornem obrigatórias, as súmulas devem sofrer uma minuciosa análise, passar por um filtro, tendo em vista as implicações que daí surgirão. fica evidenciado de forma precisa toda a dimensão e complexidade da questão. Os que defendem a implantação da súmula vinculante apontam que a sua adoção contribuirá para o desafogamento dos tribunais, pois agilizará as suas decisões, reduzindo o numero de recursos e facilitando o trabalho dos magistrados, - bem como dos demais operadores do Direito – mantendo-se o seu poder discricionário para a aplicação, ou não, do enunciado sumulado ao caso em tela, já que a possibilidade de ser apresentada tese fundamentada e que propicie a modificação de entendimento cristalizado em súmula não estará afastada, pois competirá ao tribunal, de oficio ou por provocação, tal incumbência. Tal provocação, só será possível por aqueles que podem propor ação para o controle da constitucionalidade (artigo 103 CF), não havendo tal previsão para os magistrados de primeiro grau. Portanto a defesa supra torna-se sem efeito. Tal possibilidade, também, se daria, caso o Legislativo optasse pela aplicação das Súmulas Impeditivas de Recursos, o que parece pouco provável. Já para os opositores ao efeito vinculante que se pretende dar às súmulas a sua adoção poderá aliviar as pautas, mas asfixiará por outro lado a consciência jurídica, além do que representará uma grave ameaça ao direito de ação e impedirá, ou ao menos, retardará a aplicação da lei às novas circunstâncias sociais. 53 Houve época em que havia uma forte reação contrária a qualquer tipo de efeito vinculante, que em nenhum momento fora pretendido. Hoje, a questão volta à tona com uma diferença, o ponto agora é, justamente, vincular a Súmula. Por outro lado, não se pode aceitar que o efeito vinculante não atinja o poder público, quando na realidade tal efeito deveria ser direcionado justamente à Ele, réu contumaz, que recorre por recorrer. De nada adiantará a aprovação da súmula vinculante se tal efeito não alcançá-lo, como ocorreu com o instituto da antecipação de tutela, que muitos avanços trouxe ao moderno processo civil, mas que deixou imune o poder público. Portanto, a súmula vinculante para desempenhar o verdadeiro papel de desafogar o Judiciário, precisa ser concebida de forma a impor à Administração pública o cumprimento dos direitos sumulados pelo Tribunal superior, sem que haja necessidade de o cidadão procurar a Justiça. Na verdade, se o efeito vinculante se tornar eficaz no cumprimento do Direito, por parte do Poder Público, será um grande avanço. Aliás, é o que se deseja, um Poder Público mais próximo do cidadão, o que só se atingirá tanto quanto mais próximo se estiver da realidade. Algumas conquistas já foram alcançadas e não se pode retroceder “Os estudiosos do direito, como do próprio sistema judiciário, encontravam-se afastados das preocupações reais da maioria da população”. Montesquieu, a quem se deve a elaboração da teoria do Estado em três Poderes distintos, afirmava: “Se o poder Legislativo unir-se ao Executivo nas mãos de uma só pessoa ou de um único grupo de funcionários, não haverá liberdade nem poderá haver qualquer liberdade se o poder que Julga não estiver separado dos poderes Legislativo e Executivo”. Portanto, caso venha ser aprovada a súmula vinculante, devem os operadores do direito, incluídos aí os poderes legislativo, executivo e judiciário, se cercar de todos os cuidados para que, no afã de criar novos mecanismos legais para resolver a atual endemia do judiciário, não venham produzir efeitos tais que elevem mais ainda o descrédito deste poder, sendo este o pilar sustentador da justiça brasileira. 54 Acrescenta-se, que submeter o juiz monocrático a chancelar decisão prevista na súmula obrigatória, significa condenar sua dependência dentro do Poder, e, avançando mais um pouco, percebemos que tal invasão extrapola a esfera do Judiciário, pois pode representar uma perigosa invasão do Executivo naquele Poder, haja vista o Executivo exercer uma forte influência sobre o Supremo Tribunal Federal, com a nomeação de seus Ministros. Por efeito conclusivo, parece dispicienda a edição da súmula vinculante, por agredir o princípio da independência dos juizes e engessar os magistrados, os quais são livres para decidirem na forma como determina o art. 93, inciso IX da Carta Maior, sob pena de se afrontar preceito constitucional, sendo certo que, bastaria reduzir a quantidade de Recursos existentes no ordenamento jurídico Pátrio e apenas fazer valer a solução legislativa já existente, em vez de propalar por necessidade de criar mais mecanismo, que só trarão retrocesso ao já tão criticado sistema judiciário brasileiro. 55 BIBLIOGRAFIA 1-Gomes, Luiz Flávio, Súmulas vinculantes e independência Judicial, RT, 1997 2-Reale, Miguel, Novo Código Civil Brasileiro, 2ª ed, RT, São Paulo, 2000. 3-Reale, Miguel, Nova fase do Direito Moderno, 2001 4-Cláudio Brandão de Oliveira, Constituição da República Federativa do Brasil, 3ª ed, editora Roma Victor, 2004. 5-Costa, Edgar, Os grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, 1994 6-Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil anotado. Atualização Sérgio Bermudes, ed Forense, 1998 7-Theodoro, Jr., Humberto, Código de Processo Civil anotado, 1998 8-Bermudes, Sérgio, A Súmula Vinculante e a independência Jurídica do Juiz, Revista Finaspe, Recife, 1997 9-Zimmerman, Augusto, Teoria Geral do Federalismo Democrático, 1999 10-Streck, Lenio Luiz, Súmulas do Direito Brasileiro: eficácia, poder e função, Porto Alegre, 1998 11-Barbosa Moreira, Jose Carlos, Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª ed, 2002 12-Velloso, Carlos Mario da Silva, Jornal Folha de São Paulo, O Judiciário e o efeito Vinculante, agosto,1997 56 13-Martins, Ives Gandra da Silva e Mendes, Gilmar Ferreira. Ação Declaratória de Constitucionalidade, São Paulo, 1995 14-Silva, José Afonso, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 9ª ed, São Paulo,1992 15-Temer, Michel, Elementos de Diraito, Constitucional, 14ª ed, 1998 16-Súmulas do Supremo Tribunal Federal 57 ANEXO 58 FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES SÚMULA VINCULANTE Autora: ELISABETE DA SILVA CARDOSO Data da entrega: 25/10/2004 Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Conceito Final: 59 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE