Texto 1 Historiando a População em Situação de Rua Da Grécia Antiga à Idade Média... Para melhor compreensão e conhecimento da temática da população em situação de rua é importante contextualizá-la ao longo da história, observando a maneira como esta foi se constituindo, e sendo reconhecida ou “esquecida” pela sociedade civil e pelo Estado. Segundob Stoffels (1977), há relatos da existência de pessoas itinerantes, que habitavam as ruas desde a Grécia Antiga, decorrentes de desapropriações de terras e do crescimento das cidades. Logo, esse movimento itinerante, incerto, sem emprego ou casa fixa, com deslocamento contínuo, e dificuldade de obter renda, passou então, a entrar em atrito com a ordem estabelecida transformando-se para alguns em anomia, devido ao desrespeito as normas sociais vigentes ou as contradições e divergências entre estas. Desde a Idade Média essas pessoas denominadas itinerantes receberam diversas classificações para nomear quem perambulava pelas ruas (Frangella, 2009), tais como: vagabundos, mendigos, migrantes, incapacitados, sem domicílio fixo. Estes ficavam próximos aos feudos e às cidades que se formavam e buscavam a sobrevivência e “caridade”, já oferecida pelas Igrejas. Diversos autores afirmam que com o desenvolvimento das cidades, houve também a instituição de leis denominadas “antivadiagem” e os espaços das cidades foram se restringindo para esses. Silva (2006, p. 74) afirma que: “essas leis foram utilizadas com o fim de forçar os trabalhadores a aceitarem empregos de baixos salários e de inibir seu deslocamento em busca de melhores condições”. Dessa forma, as pessoas que habitavam as ruas foram e são “sempre um segmento à parte, à margem das ordenações sociais e urbanísticas” (Frangella, 2009, p. 42). TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS Da Idade Moderna à Contemporânea... A história vai se desenrolando, até que no fim do século XIX, com o aumento da racionalidade urbana, da exploração da força de trabalho nas cidades e da criação de modelos sanitários; a população que não foi absorvida pela indústria nascente, seja pela falta de vaga, seja pela dificuldade de adaptaçãoao novo tipo de trabalho e disciplina foi-se juntando a população dita itinerante que faziam do espaço da rua, o espaço de sua sobrevivênciae de moradia. Nesse interim as cidades foram novamente reordenadas, sendo criados inúmeros alojamentos para trabalhadores, próximos às fábricas, as chamadas vilas operárias (início do século XX) a fim de conterem a intensa perambulação pelas ruas (Frangella, 2009). Logo as cidades se tornaram cada vez mais rígidas e segregadoras, universalizando a arquitetura para abrigar a economia capitalista crescente (Santos, 2002). No século XX, podemos relacionar os seguintes aspectos, que corroboraram para essa problemática: Os projetos de revitalização dos centros urbanos Assistência Social foi reformulada na Europa e nos Estados Unidos, passando do atendimento caritativo e piedoso ao “educativo e orientador Cidade como mercadoria (espetacularização da cidade) Modelo de gestão próximo ao da gestão empresarial Regiões metropolitanas em crescimento Competitividade territorial Segregação urbana Podemos observar, então, que a problemática da população em situação de rua não é um fenômeno recente ou novo, mas que com a institucionalização do modo de produção capitalista e suas reformulações necessárias a sua subsistência houve um agravamento não só nesta expressão da questão social, mas também em tantas outras. TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS Analisando o contexto histórico supracitado, observamos que ao longo dos séculos e das mudanças econômicas e sociais ocorridas, a população em situação de rua foi-se expandindo e tomando formas. Do ponto de vista de Silva (2006, p. 75): “Pode-se dizer que essas são as condições histórico- estruturais que deram origem ao fenômeno do pauperismo, no qual se insere, o que se denomina população em situação de rua. Tendo como base a expropriação dos produtores rurais e camponeses e a sua transformação em assalariados, no contexto da chamada acumulação primitiva e da indústria nascente. Portanto, o fenômeno população em situação de rua surge no seio do pauperismo generalizado vivenciado pela Europa Ocidental, ao final do século XVIII, compondo ascondições históricas necessárias à produção capitalista”. Portanto, podemos observar que a ocorrência de pessoas vivendo nas ruas é inerente ao espaço urbano, ao modo de produção e ao fortalecimento das cidades como espaço onde as pessoas passam a viver e a desenvolver suas atividades. É a partir do momento em que as cidades tomaram força e passaram a representar o principal espaço de convivência humana que decorreram diversas mudanças ocorridas na forma de vida. Como conseqüência desse novo modo de vida e de suas implicações econômicas e sociais, passou a existir, em diferentes momentos históricos, registros de pessoas fazendo das ruas seu espaço de moradia. A partir deste ponto aprofundaremos a temática em estudo analisando as características e perfil desta população. Características e Perfil da População em Situação de Rua Em se tratando das características, e de acordo com Bulla, Mendes, Prates e outros autores(2004, p. 113-114), de uma forma geral, as pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos surrados, o que denota a pauperização da condição de moradia na rua; no entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso estético. Outra questão emblemática para a população em situação de rua é a perda de vínculos familiares e quanto a isso as supracitadas autoras afirmam que geralmente decorre das situações de desemprego, violência, perda de algum ente querido, perda de auto-estima, alcoolismo, drogadição, doença mental, entre outros fatores, sendo a ruptura/perda do vínculo o principal motivo que leva as pessoas a morarem nas ruas. São histórias de rupturas sucessivas e que, com muita frequência, estão associadas ao uso de álcool e outrasdrogas, não só pela pessoa que está na rua, mas pelos outros membros da família. São homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia. Essa realidade é característica do processo de exclusão social que existe TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS neste início de milênio. A exclusão social, que passamos a conhecer, tem origens econômicas, já referidas, mas caracteriza-se, também, pela falta de pertencimento social, falta de perspectivas, dificuldade de acesso à informação, recorrentes situações de violação de direito se perda de auto-estima. Também é possível encontrar na rua pessoas que há pouco chegaram às grandes cidades e ainda não conseguiram emprego ou um local de moradia. Além daqueles que possuem um trabalho ou subemprego, mas que seu ganho não é suficiente para o sustento, então acabam vivendo nas ruas. Outras pessoas sobrevivem nas ruas, como os catadores de materiais recicláveis ou de outros trabalhos eventuais, e acabam dormindo em albergues e abrigos, ou em algum espaço na rua, diante da dificuldade de retorno para casa nas periferias distantes. Há, ainda, os “andarilhos”, que se deslocam pelos bairros ou de cidade em cidade, geralmente sozinhos, não se vinculando a nada. Ainda, podemos destacar o que expressa o Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, o qual caracteriza esse público como grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares fragilizados ou rompidos e a inexistência de moradia convencional regular. Essa população se caracteriza, ainda, pela utilização de logradouros públicos (praças, jardins, canteiros, marquises, viadutos) e áreas degradadas (prédios abandonados, ruínas, carcaças de veículos) como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como, unidades de serviços de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória. No tocante ao perfil dessa população, podemos destacar que, buscando efetivar as atribuições de elaborar e gerir uma política integrada de proteção social, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) assumiu o compromisso de formular políticas públicas dirigidas para a população em situação de rua. Sendo assim, em setembro de 2005, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) realizou o I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, onde foram discutidos, em conjunto com os movimentos sociais representativos desse segmento social, os desafios, as estratégias e as recomendações para a formulação de políticas públicas nacionalmente articuladas para essa parcela da população. Surgiu então, enquanto proposta nesse encontro a necessidade da realização de estudos e pesquisas que permitissem quantificar e caracterizar socioeconomicamente essa população,e ainda, que favorecessem a elaboração e implementação de políticas públicas direcionadas a tal público. Uma vez que esta população não vinha sendo incluída nos censos demográficos brasileiros já que este prepondera à coleta de dados na base domiciliar. Buscando responder a essa proposta, no período de agosto de 2007 a março de 2008, foi realizada a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. O Instituto Meta, selecionado por meio de licitação pública, foi o responsável pela execução da pesquisa. Esse trabalho foi fruto de um acordo de cooperação assinado entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS O público-alvo da pesquisa foi composto por pessoas com 18 anos completos ou mais vivendo em situação de rua. O levantamento abrangeu um conjunto de 71 cidades brasileiras. Desse total, fizeram parte 48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais, independentemente de seu porte populacional. Essa pesquisa identificou 31.922 pessoas em situação de rua vivendo em “calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, postos de gasolina, praias, barcos, túneis, depósitos e prédios abandonados, becos, lixões, ferro-velho ou pernoitando em instituições (albergues, abrigos, casas de passagem e de apoio e igrejas)”. Os dados revelaram que a população em situação de rua não é composta por “mendigos” e “pedintes”. De acordo com a pesquisa, apenas 16% dessas pessoas pedem dinheiro para sobreviver. Além disso, 59% dos entrevistados afirmaram ter profissão, principalmente relacionada à coleta de material reciclável, construção civil, ao comércio, ao trabalhado doméstico e ao serviço de mecânica, ou seja, esta é uma população que presta serviços, todavia que é excluída das garantias de trabalho e do direito ao consumo de itens mínimos de sobrevivência. Do universo dos que afirmaram ter profissão, 70,9% exerciam alguma atividade remunerada, e a maioria (52,6%) declarou receberentre R$20,00 e R$80,00 semanais, pelos trabalhos desenvolvidos. Sobre as práticas discriminatórias que cotidianamente vivenciam, as principais queixas do grupo se referiam a possibilidade de entrar em estabelecimentos comerciais e ter acesso a transporte coletivo, como referido nos relatos abaixo: “Quando entramos nos ônibus, por exemplo, as pessoas nos olham como se não fôssemos gente Como se não fôssemos humanos”, contou Anderson Lopes Miranda, representante do Movimento Nacional da População de Rua”. Com relação ao gênero predomina entre a população em situação de rua, o sexo masculino com 82% entre o púbico pesquisado. Em se tratando da faixa etária, 53% dos pesquisados relataram ter idade entre 25 e 44 anos, ou seja, considerada idade produtiva. E ainda do universo pesquisado 67% se autodeclararam negros. Parte considerável dos pesquisados afirmaram ser originário do município onde se encontrava, ou de locais ou cidades próximas. 69,6% costumavam dormir na rua, sendo que cerca de 30% dormiam na rua já há mais de 5 anos. Apenas 22,1% costumavam dormir em albergues ou outras instituições. Em se tratando da participação social, podemos ressaltar que entre os pesquisados, 95,5% declararam não participar de qualquer movimento social ou de associativismo. No que se refere aos direitos e garantia destes, 24,8% afirmaram não possuir qualquer documento de identificação; 61,6% não exercem o direito de cidadania elementar que é o voto; e 88,5% não são atingidos pela cobertura dos programas governamentais, ou seja, afirmaram não receber qualquer benefício dos órgãos governamentais. Dos que declararam receber algum benefício podemos destacar que: 3,2% recebem aposentadoria; 2,3% Programa de Transferência de Renda Bolsa Família e 1,3% o Benefício de Prestação Continuada. Percebe-se, a partir da analise do perfil levantado que as politicas públicas até então não viam dando conta das necessidades dessa população, necessitando, portanto, de adequações e TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS reformulações que os tornasse alcançável as politicas públicas. Isto é o que aprofundaremos no texto seguinte!!!! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social/PNAS. Brasília: MDS. BRASIL. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para População em Situação de Rua. Brasil, 2009. BULLA, L. C.; MENDES, J. M. R.; PRATES, J. C. (Orgs.). As múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre: Federação Internacional de Universidades Católicas: EDIPUCRS, 2004. COSTA, Ana Paula Motta. População em situação de rua: contextualização e caracterização. Revista Virtual Textos & Contextos, n. 4, dez. 2005. 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ARTIGO TEMÁTICA: SUAS E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CONTEUDISTA: TATIANA PEREIRA e PAULA SANTOS