Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica e I Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas 27 e 28 de setembro de 2011 ISSN 1982-0178 CONTRATUALISMO MORAL EM KANT E COERÇÃO EXTERNA: CONDIÇÕES DE POSSIBILIDADE PARA O PACTO POLÍTICO Raphael da Rocha Rodrigues Ferreira Faculdade de Direito Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas [email protected] Resumo: Parte-se do pressuposto de que o pacto político pressupõe a adesão moral do conjunto dos cidadãos às leis e instituições básicas da sociedade. Em outras palavras, o pacto moral antecede e é um pressuposto do pacto político. É importante ressaltar, porém, que esse pressuposto não indica uma superioridade ontológica da moral sobre a política. Esta ênfase na anterioridade da moral sobre a política, portanto, tem a intenção apenas de efetuar uma reconstituição genética do contrato político, e ao mesmo tempo mostrar a necessária vinculação de ambas. Palavras-chave: Kant; contratualismo; direito. Área do Conhecimento: Aplicadas - Direiro – CNPq. Ciências Sociais 1. INTRODUÇÃO As principais perguntas levantadas neste trabalho remetem ao estudo de conceitos filosóficos e políticos, como o conceito de poder, de soberania, de liberdade, de legitimidade, daquilo que é direito e justiça. Observamos que esses conceitos são criações, e justamente por serem criações humanas encontramos uma subjetividade intrínseca a eles, o que lhes dificultam assumir uma forma definida e que produzam efeitos determinados. Isso se dá, pois a todo o momento, tais conceitos tentam se efetivar em termos práticos diversos, trazendo a percepção de que pela complexidade do mundo atual existe uma profunda incoerência entre valores reais e valores ideias; vulga teoria e prática. Analisar a maneira com que tais valores e conceitos se efetivam, seria o mesmo que estudar os critérios no quais repousam sua facticidade e validade dentro da sociedade, servindo de justificativa e de base para a realização de nossas pesquisas. Prof. Dr. Douglas Ferreira Barros Grupo de Pesquisa: Ética e Filosofia Política [email protected] Pelo o que já foi exposto, é possível dizer que as pesquisas e estudos do grupo influenciaram diretamente o tema deste projeto; surgiram de discussões que envolveram a leitura de autores dos períodos moderno e contemporâneo, como Immanuel Kant, John Rawls, Jürgen Habermas e Rainer Forst. Nesses autores percebemos forte produção em campo moral, e que esta se relaciona juntamente a agir humano, por exemplo; em Kant moral se manifesta no imperativo categórico; em Rawls a moral assume o corpo de justiça; nas obras de Habermas deságua em condições para as práticas comunicativas e coletivas; e em Forst num debate do contexto da moral, da justiça e de sua efetividade em outros autores. Também foram utilizadas interpretações de contratualista clássicos como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e 1 Thomas Hobbes. Em qualquer proposta em que se coloquem em discussão conceitos subjetivos como o agir humano lastreado pela política, ou a natureza humana e o surgimento do pacto político, de certo, se chegará muito rápido à questão contratualista. Por contratualistas entendem-se as teorias que pretendem justificar, pela filosofia moral e filosofia política, princípios diretores das ações humanas, bem como de suas instituições. A teoria contratualista utiliza-se de um contrato hipotético celebrado entre indivíduos autônomos, livres e iguais, numa espécie de posição inicial constituidora de sociedade. Há uma tradição filosófica-política de se encarar o início da sociedade resultante de um Contrato Social, ou seja, que a sociedade de indivíduos naturais, isolados e autônomos, somente constituiu-se numa sociedade civil a partir da adesão à um contrato implícito no qual tais 1 BOBBIO, N. Teoria Geral da política: a filosofia e as lições de clássicos, trad. Daniela Beccaccia Versani, 20ª ed. Rio de Janeiro : Elsevier, 2000. indivíduos abririam mão da liberdade e dessa forma natural autônoma e individual, em prol de um governo ou de uma autoridade na finalidade de obter as vantagens vitais numa ordem políticosocial. Por essa lógica, o contrato social seria um acordo entre os indivíduos de uma sociedade que anteriormente encontrava-se num estado de natureza, forma de organização anterior à constituição da sociedade civil, onde percebemos a ausência de um órgão gestor, de um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante. Por esse contrato, tal sociedade reconheceria a autoridade do Estado e das leis, legitimando-os no campo de atuação social. A construção teórica sobre a questão do contratualismo moral nos remete a Jean-Jacques Rousseau, mas podemos desenvolver o tema muito bem também em outros autores como Thomas Hobbes e John Locke. Aqui, porém por sua abrangência e pertinência, iremos nos limitar a expor reflexões sobre a obra dos autores citados na finalidade de alcançar maior certeza à construção do contratualismo moral em Immanuel Kant, uma vez que este, em sua vasta obra, constrói o pensamento de que após a saída do indivíduo do estado de natureza, na a constituição da sociedade civil, permanece na categoria humana a liberdade praticada no estado natural que estaria atrelada à moral, como também a autonomia típica da sociedade civil. Tal argumentação se dá, pois, nas obras de Kant, onde observamos que o ser humano, por excelência, além de ser um ser prático-racional é um ser moral. Justamente pelo seu caráter livre e autônomo pode-se afirmar, na doutrina kantiana, que a liberdade diferencia os homens autônomos entre sim pelo seu agir, mas que pelo fato da liberdade ser um conceito universal, os deixaria também em pé de igualdade. Observam-se dois campos de liberdade, o interno e o externo. Homens são livres em seu próprio agir por sua autonomia racional (interno), mas na medida em que todos possuem as mesmas liberdades, constituem-se em iguais (externo). Temse por essa proposição a moral, justamente o juízo de valor tanto do indivíduo em seu agir interno, 2 quanto no externo. A moral, portanto, é coexistente ao homem enquanto não havia Estado e nem leis. Conceitos semelhantes à justiça de hoje, poderiam muito bem ter sido praticados antes do pacto político, justamente pelos atributos que caracterizavam o homem como ser humano.3 A liberdade, a autonomia e a razão, nos dão artifícios para refletir sobre a existência de um pacto moral anterior ao pacto político, e não mais pensar num moralismo político-social que forje aquilo que é moral, ou numa moral surgida posteriormente ao contrato social. Entretanto, para se chegar a tal conceito será preciso percorrer tais questões em outros pensadores na finalidade de traça o quadro filosófico que propiciou Kant a pensar na validade moral enquanto lei condicionada pela razão. 2. LEVANTAMENTOS SOBRE O CONTRATUALISMO EM HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU Não nos é estranho que a doutrina moderna do Estado liberal e democrático seja facilmente comparada às teorias do contratualismo. Tal acertativa pode parecer estranho se pensarmos na solução radical que Thomas Hobbes encontrou para explicar a saída do homem do estado de natureza na constituição de uma sociedade civil. Hobbes, na obra Leviatã, reconhecia que a anarquia e o Estado eram duas condições absolutamente distintas. No primeiro, os indivíduos viveriam mergulhados no medo do estado de guerra, no qual reina somente a força; enquanto no segundo, os homens estariam submetidos a um soberano, devendo então obediência aos seus prazeres, bem como, renunciando a toda e qualquer liberdade. Dentre tais diferentes condições, o segundo seria o menor dos males, já que o estado de natureza, sendo um estado de guerra perpétua, contradizia o instituto fundamental do homem, que é a conservação da vida. Seria melhor, então, a servidão. Nesse sentido Bobbio afirma que: Para sair dele (do estado de natureza) precisava suprimi-lo; para suprimi-lo os homens renunciavam a todos os direitos naturais e os atribuíam, segundo um acordo recíproco, a uma pessoa ou a um grupo de pessoa às quais conferiam o poder supremo de comandar e comprometiam-se a obedecer em qualquer circunstância (a não ser no caso em que estivesse ameaçada a sua própria vida). Os 2 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes e A doutrina do direito, trad. Edson Bini, 1ª ed. São Paulo : Edipro, 2003. pág 75 à 88. 3 FORST, Rainer. Contextos da Justiça. Trad. Denilson Luís Werle. São Paulo: Boitempo, 2010. pág 34 à 37. homens, portanto, compravam 4 segurança ao preço da servidão. a Por essa lógica, Hobbes partiu da convicção de que entre o medo recíproco na obrigação de viver sob o estado de natureza, ou sob as leis de um soberano, era preferível a convivência e a obediência incondicional a um Estado. Assim, o estado natural era superado somente com sua total eliminação e em seu lugar erguia-se o Estado Absoluto, o próprio Leviatã. Todavia, sabemos que o estado moderno surgiu justamente em contraposição ao Estado Absoluto, não podendo a teoria hobbesiana fazer jus à acertativa que vinculam as teorias contratualistas à doutrina liberal e democrática, uma vez que a coerção do Estado soberano e a submissão externa do indivíduo, configurada na servidão, são tão intensas que suprimem aquilo que é de direito natural. Nesse sentido, pelos conceitos de liberal e democrático iluministas, os direitos naturais não podem ser suprimidos, muito menos se constituem num mal. A acertativa revela que eles assumem posição contraria, justamente pelo fato de preexistirem ao Estado, os direitos naturais devem se garantidos, e tal garantia deve ser reconhecida integralmente pelo Estado. Além do mais, os direitos naturais constituem-se limite ao próprio poder do Estado. Das teorias contratualista na qual o Estado reconhece os direitos naturais podemos citar as teorias de John Locke, Jean-Jacques Rousseau e por fim a de Kant, objetivo deste trabalho. Será notório que todas possuem um fundo invariável quanto ao tratamento em defesa da liberdade advinda dos direitos naturais, não permitindo sua violação pelo Estado, mas pelo contrário, é este que em busca de legitimidade deve assegura-la aos seus cidadãos no seu livre exercício. Em suma, Locke parte do mesmo ponto que Hobbes, ambos teorizam que a necessidade de se evitar o estado de guerra seria o único motivo fundamental para que os homens se reúnam em sociedade e abandonem o estado de natureza. Entretanto, Locke adiciona que além da constituição do Estado para conservação da vida, os homens também o constituem para a conservação de outro direito natural e fundamental, para ele a propriedade. Locke inaugura a ideia de que o estado cível seja caracterizado pela criação de uma 4 BOBBIO, N. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. De Alfredo Fait, 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 1997. pág.45. autoridade, não absoluta como se mostrava no Leviatã, mas simplesmente superior aos indivíduos comuns, para proteção de direitos naturais e fundamentais destes. Significa dizer que o direito natural não deriva da sociedade civil, mas sim precede justamente porque é anterior ao pacto político, e logo é um direito que se encerra e permanece no próprio indivíduo, independente de qualquer forma Estado. É como ponto de partida do direito natural como principio preexistente ao Estado que Locke discute possibilidades políticas como o poder de resistência, do poder limitado, do Estado baseado no consenso, da subordinação do poder executivo ao poder legislativo, expondo as diretrizes fundamentais do estado liberal. Assim: No estado civil, o homem não perde os seus direitos naturais, mas os conserva garantidos pelo poder supremo. Em outras palavras, é possível dizer que o Estado, para Locke, nasce com um fim fundamental: o de fazer com que os indivíduos possam conservar os próprios direitos naturais.5 Pela lógica, se os homens queriam sair do estado de natureza para evitar os malefícios da guerra, a degradação e o medo que esta lhe causava, não seria sensato constituir ou se submeter a um Estado que também se utilizaria da força e do medo em sua regência. A conservação de direitos naturais e fundamentais é um dos grandes pilares articuladores do Estado liberal e democrático. Este ponto deve ser levado em consideração, pois também veremos que em Kant os direitos naturais presentes no estado de natureza, pela moralidade intrínseca a eles, são transportados e conservados na a sociedade civil. Diferentemente do jusnaturalismo lockeano, Rousseau retorna à posição de Hobbes, no sentido de que na escolha entre o estado de natureza ou sociedade civil deve-se optar pelo segundo. Isso se faz presente, pois entre o estado natural e estado civil não pode existir meio termo. A semelhança, porém, não é absoluta; em sentido contrario a Hobbes, Rousseau nega que o estado civil seja incompatível com a liberdade. Sua grande pertinência teórica, então, é conciliar a liberdade com a existência de um Estado. Se Hobbes apresentava uma alternativa: ou liberdade ou Estado; Rousseau nos apresenta um problema entre a adição: liberdade e Estado, 5 BOBBIO, N. Op. Cit.. pág.39. mostrando que tal renuncia ao estado de natureza não é feita em favor de um terceiro, mas sim por cada um em favor de todos. Esta ideia de negar o estado de natureza em favor de terceiro e para terceiros esta presente na obra Do Contrato Social e será base para a estruturação moral que Kant elabora, na qual pode ser resumida na máxima: age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tu pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio. A proposta de um pactum subiectionis por Rousseau ocorre em favor de uma comunidade inteira ou de um corpo político que manifesta aquilo que é de vontade geral. Assim, se o homem natural é livre porque permanece num estado anárquico sem regras, o homem civil é livre, pois segue somente as leis que prescreve a si mesmo. Antecipa-se ai o conceito de autonomia do indivíduo explorado por Kant em suas obras, nessa lógica o homem no estado civil é livro porque é autônomo. Esse pensamento é importante, pois sob certos aspectos, o pensamento de Kant alude a uma filosofia da autonomia moral do indivíduo, considerando a liberdade moral (nos mesmo molde da liberdade política de Rousseau) como uma liberdade baseada obediência à lei fundamental da própria razão, logo uma liberdade prático-racional autônoma. Nesse ponto, após tal exposição interessada sobre os três contratualistas, podemos tirar os elementos da teoria contratualista política que configuram base para a explicação do contrato moral presente em Kant. Se a autonomia, presente em Rousseau, é principio no qual o estado democrático se funda, e a heteronomia, escolhida por Hobbes, constitui princípio para o estado autocrático absoluto; outrossim, permanecem em Locke as bases do estado liberal. Tal diferenciação é importante, pois apontam usos diferentes para o conceito de liberdade, do qual podemos citar a liberdade negativa e a liberdade positiva. O contratualismo lockeano faz uso da liberdade negativa, enquanto o contratualismo rousseuaniano se utiliza do segundo conceito de liberdade para explicar o pacto social. Agora, é na teoria de Kant que encontramos ambas atuando em conjunto em dois planos, o interno e o externo, na constituição do contratualismo moral. Para entender melhor tais conceitos: A diferença entre estado liberal do tipo de Locke e estado democrático poder ser reduzida em última análise a uma diferença entre suas concepções da liberdade: o liberal entende a liberdade como não-impedimento (...) o âmbito no qual pode mover-se sem encontrar obstáculos; o democrático, todavia, entende a liberdade como autonomia, e cada um então tem liberdade tão maior quanto mais a vontade de quem faz as leis se identificar com a vontade de quem deve obedecer a essa leis.6 Observa-se que o problema fundamental da liberdade no tipo de Locke, consiste na proteção da liberdade natural, ou seja, a liberdade que não impõe impedimentos facultando ao agente agir livremente. Encontraremos esta forma de liberdade na ação moral de Kant. No tipo democrático, de Rousseau, a liberdade constitui-se em liberdade civil, pois se encerra na obediência da vontade geral, ou seja, nos mandamentos civis. Este tipo apresenta-se na teoria do direto de Kant, como ação jurídica. 3. DOUTRINA DO DIREITO EM POSTULADO MORAL CARACTERIZADORES DE CONTRATUALISMO KANT E COMO UM Como já foi exposto, a doutrina liberal e democrática inaugura uma nova modalidade de sociedade. Se antes observávamos indivíduos livre no estado de natureza anárquico, ou então presos pelo dever ao seu governante num estado absoluto, agora nos deparamos com o pacto político que vai além da sociedade como simples união de corpos. A sociedade civil moderna (comunidade de indivíduos livres de interesses coletivos, aspirantes ao bem comum) segundo Kant baseou-se em “uma 7 disposição moral da espécie humana”. Segundo o próprio Kant, existem duas legislações atuando sobre o indivíduo, uma legislação interna e uma legislação externa. A primeira faz referencia à moral, obedecendo à lei do dever ser, uma busca máxima do que devemos ser num critério universalista. A segunda revela-se no direito positivado, na forma de leis que regulam ações externas. Assim, na ação moral o homem 6 BOBBIO, N. Op. Cit.. pág.48. KANT, I. se il genere umano sai in constant progresso verso il meglio (1798), in ID., Scritti politici e di filosofia dela storia e del diritto, Utet, Turim, 1956, 2ª ed., 1965, reimp. 1978, pp. 219, 220, 225. 7 age por dever e na ação jurídica conforme o dever 8 imposto. Para Kant, existe o império das leis morais, que se realiza pela autocorreção e pelo imperativo categórico. Por tal força, o dever moral e o dever jurídico não se diferenciariam na sua substância, sendo as leis externas um mero acessório e as leis internas o objeto principal. Pela lógica de que o acessório segue sempre ao principal, o direito se fundamentaria na moral, não havendo então desacordo. De fato, esse era a idealização iluminista. A análise de uma filosofia jurídica kantiana teve seu início na Crítica da Razão Prática, sendo na Metafísica dos Costumes que Kant materializa seu estudo jus-filosófico. Entretanto, houve antes disso, uma construção filosófica sobre o conceito conhecimento. Para análise do exposto, utilizaremos a razão pura como conceito já consolidado de um conjunto de conceitos puros "a priori", deduzidos pela razão da experiência, enquanto que a razão prática entenderemos como a abrangência de princípios puros do exercício da razão pura prática no campo da moral. Kant observa que existem duas legislações atuando sobre o indivíduo, uma legislação interna e uma legislação externa. A primeira faz referencia à moral, obedecendo à lei do dever ser, enquanto a segunda revela-se no Direito, com leis que regulam ações externas. Nesse sentido, a vontade jurídica é heterônima, na proporção que é condicionada por fatores externos de exigência, enquanto que a vontade moral é autônoma, já que esta é conduzida pelo dever. Existe um desenvolvimento paralelo dos conceitos de direito e moral, delimitando seus campos e traçando suas características fundamentais na ideia da coerção. Num duplo sentido, somos exigidos a atuar de acordo com a lei e pela moralidade. Nota-se aí uma confusão do dever, posto que a concordância com a norma encontra-se num plano jurídico de legalidade, enquanto que para o plano moral exige uma concordância com valores internos. Entretanto, um dever moral não deve agir dependente a um dever jurídico. A moral derivada de valores e de vontades internas, para Kant, constitui-se na razão prática e seus princípios são instituídos à partir da categoria daquilo que é universal. Ou seja, a moral tem de nascer da própria vontade desprovida de conteúdos externos 8 KANT, Immanuel, A metafísica dos costumes e A doutrina do direito, trad. Edson Bini, 1ª ed. São Paulo : Edipro, 2003. p. 63. e não se determinando por nada, mas por si 9 mesma como vontade pura. Ao agir sob a ordem moral, o homem cria princípios universais, não agindo por si só, mas por toda a humanidade, introduzindo a existência do dever como modalidade "a priori" da razão, que se traduz por fim, no imperativo categórico. O dever moral é, portanto, dever por dever. Por outro lado, enquanto a moral disciplina o dever interior, a norma jurídica regula um dever exterior, e para isso se reveste de uma autoridade de poder coercivo. A coerção só é atributo essencial do direito, pois cuida das ações exteriorizadas, projetadas para fora do ser humano. Para Kant, o dever moral e o dever jurídico não se diferenciam na sua substância. Na ação moral o homem age por dever e na ação jurídica 10 conforme o dever . Seguindo a lógica, em ambos os casos o dever só se cumpri, pois derivada da vontade como razão pura e prática, sob o imperativo categórico da razão. Isso se efetiva porque tanto o direito quanto a moral se justificam 11 na liberdade que possui o homem. A diferença entre moral e direito, está no fato de que na moral a força coerciva é interna e advinda da própria razão do indivíduo, enquanto que no Direito é externa, visando à garantia da liberdade do outro. O Direito como fonte lógica do imperativo categórico da moral deve exercer controle externo de modo que o livre uso do seu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal. A ação do direito só será justa se puder conviver com a liberdade do outro segundo leis universais, e ao contrário, será injusta se impedir a ação do outro que agir pelas leis universais, sendo 12 obstáculo à liberdade. De fato, a relação entre o direito e a moral estabelecida por Kant, trouxe seus pensamentos para um campo de maior praticidade e visualização na sociedade. Introduziu no conceito de direito a ideia de coerção, o conceito de liberdade e justiça, não podendo hoje ser estudados sem passar pela análise filosófica deste pensador, constituindo objetivo deste desenvolvimento, que pretende 9 KANT, I. A paz perpétua, trad. J. Guinburg. São Paulo : Perspectiva, 2004. Pág 76 à 78. 10 GOMES, Alexandre Travessoni. A relação entre direito e moral: Kant e Habermas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. pág 195 à 217. 11 GOMES, Op. Cit. Idem. 12 KANT, I. Op. Cit. Idem. traçar na análise de relações do conceito de moral 13 ligado ao direito e por fim do contrato social. ________. Teoria Geral da política: a filosofia e as lições de clássicos, trad. Daniela Beccaccia Versani, 20ª ed. Rio de Janeiro : Elsevier, 2000. 4. CONCLUSÃO O pacto político pressupõe a adesão moral do conjunto dos cidadãos às leis e instituições básicas da sociedade. Em outras palavras, o pacto moral antecede e é um pressuposto do pacto político onde se confluem elementos internos da categoria humana anteriores à sociedade (moral) e elementos externos da sociedade civil (direito). É importante ressaltar, porém, que esse pressuposto não indica uma superioridade ontológica da moral sobre a política. Esta ênfase na anterioridade da moral sobre a política, portanto, tem a intenção apenas de efetuar uma reconstituição genética do contrato político, e ao mesmo tempo mostrar a necessária vinculação de ambas.14 O que se procurou demonstrar aqui foi o caráter de pressuposto da moral sobre o direito no contratualismo kantiano. É fundamentalmente uma motivação política que leve o homem a preferir o Estado civil ao estado de natureza, mas é sobretudo a pré-disposição moral, na qual se utilizam os indivíduos da sua autonomia práticoracional, que o Estado civil moderno realizando assim a vocação da espécie humana do ponto de vista individual e coletivo. Assim, Estado de Direito somente é possível porque as pessoas estão dispostas, a priori, a obedecer às leis. Por outro lado, ele é necessário porque nem todos estão dispostos da mesma maneira a obedecer a essas leis. Dada a natureza dual do ser humano, composto de instinto e de razão, ele não é nem “santo” nem “demônio”: se todos seguissem apenas ao instinto, nenhuma polícia, nenhum poder estatal seria capaz de fazêlos obedecer às leis; se todos seguissem apenas à razão, nenhuma coerção seria necessária. É justamente devido à “insociável sociabilidade” do homem que este “é um animal que necessita de um senhor” FERREIRA, Raphael da R. R. A filosofia jurídica em Kant como ligação pura do direito com a moral, apresentado no XII Colóquio Kant da UNICAMP, em julho de 2010. FORST, Rainer. Contextos da Justiça. Trad. Denilson Luís Werle. São Paulo: Boitempo, 2010. GOMES, Alexandre Travessoni. A relação entre direito e moral: Kant e Habermas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes e A doutrina do direito, trad. Edson Bini, 1ª ed. São Paulo : Edipro, 2003. ________. A paz perpétua, trad. J. Guinburg. São Paulo : Perspectiva, 2004. ________. Textos selecionados, SP: Abril Cultural (Os Pensadores), 1980. ________. Crítica da razão pura, 2 ª ed., tradução Valerio Rohden e e Udo Baldur Moorsburger, SP, Abril Cultural, 1983. RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ROUANET, Luiz Paulo. Paz, justiça e tolerância no mundo contemporâneo. São Paulo: Loyola, 2010. _________. “A questão do contratualismo moral em Kant”, apresentado no XII Colóquio Kant da UNICAMP, em julho de 2010. TAVARES, M. Análise da obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” de Kant, Lisboa: Editorial Presença, 1995. 5. Referências Bibliográficas BOBBIO, N. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. De Alfredo Fait, 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 1997 13 FERREIRA, R. A filosofia jurídica em Kant como ligação pura do direito com a moral, apresentado no XII Colóquio Kant da UNICAMP, em julho de 2010. 14 ROUANET, L. P. A questão do contratualismo moral em Kant, apresentado no XII Colóquio Kant da UNICAMP, em julho de 2010. WALKER, Ralph. Kant e a lei moral. Trad. Oswaldo Giacóia Junior. São Paulo: Editora UNESP, 1999.