MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 RECLAMADO: BANCO BRADESCO S/A. Decisão Administrativa: I - Relatório: Trata-se de Procedimento Administrativo, instaurado de Ofício por esta Secretaria Executiva do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor DECON-CE, no dia 06 de junho de 2014, em face de BANCO BRADESCO S/A., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº 60.746.948/2830-76, estabelecida à Av. Washington Soares, 4055, Loja 2, Sapiranga, Fortaleza/Ce, em virtude de denúncia na qual o Sr. Francimar Alves Cunha declara que passou mais do que o tempo máximo previsto em lei para ser atendido na agência Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br nº 60506 – URB ALDEOTA, configurando infração ao art. 39, inciso VIII da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor) c/c os arts.1º e 2º da Lei Estadual 13.312/03. Segundo a denúncia de fls. 05, o consumidor foi atendido em desacordo com a legislação. No dia 22/04/2014, retirou senha 0170 às 14h19min, só vindo a ser atendido às 16h05min. Anexou o comprovante de atendimento para provar suas alegações. A empresa foi regularmente notificada para apresentar defesa, conforme Notificação às fls. 08/09. Desse modo, às fls. 10/27, a parte autuada apresentou defesa escrita, a qual analisaremos no momento oportuno. Eis o relatório. Segue a decisão. II - Fundamentação A Lei Complementar Estadual n° 30/2002, que criou o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor - DECON, nos termos previstos na Constituição do Estado do Ceará, estabelecera as normas gerais para exercício do Poder de Polícia e para aplicação das Sanções Administrativas previstas no CDC, como dispõe seu art. 14: Art. 14. A inobservância das normas contidas na Lei nº 8.078 de 1990, Decreto nº 2.181 de 1997 e das demais normas de defesa do consumidor, constitui prática infrativa e sujeita o fornecedor às penalidades da Lei 8.078/90, que poderão ser aplicadas pelo Secretário-Executivo, isolada ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, antecedente ou incidente a processo administrativo, sem prejuízo das de natureza cível, penal e das definidas em normas específicas Além do estabelecido na legislação complementar, acima elencada, o art. 6º da Lei Estadual nº 13.312 de 2003 afirma que são competentes para a fiscalização e eventuais aplicações de penalidades administrativas, o órgão Estadual de Defesa do Consumidor. Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Conforme aduz-se da leitura do dispositivo: Art. 6º. A fiscalização do cumprimento desta Lei e aplicação das penalidades referidas no artigo anterior compete ao órgão estadual de defesa do consumidor, que poderá, para tanto, valer-se de sua própria estrutura administrativa ou firmar convênios com entes públicos estaduais e municipais. Dessa forma, fica claro a competência deste Órgão – desde que verificada infração às relações de consumo – de fiscalizar e, se for o caso, aplicar as penalidades cabíveis. Passaremos adiante, pois, a discorrer sobre o mérito da questão. II.2 – Da competência estadual para legislar sobre o atendimento nas instituições financeiras e a constitucionalidade da Lei nº 13.313/03 A ordem jurídica constitucional partilha competências de acordo com os interesses de cada ente federativo. Muita vez, a Carta Magna estabelece que a aptidão para legislar será concorrente entre os entes políticos que compõem a estrutura da Federação. Assim, o direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico, urbanístico e de consumo apetecem a força legiferante dos Estados e Municípios. É o que podemos extrair do art. 24, inciso I da Lex Mater: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...) V - produção e consumo; (...) §1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (...) Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Neste cariz, as competências legislativas concorrentes (exercício simultâneo e limitado por mais de um ente federativo) são delineadas principalmente no dispositivo acima. Nos temos dos §§ 1º e 2º, cabe, aos Estados, suplementar as normas gerais elaboradas pela União. Assim, tanto o direito financeiro, quanto o consumerista, deverão ser regulados pelos Estados, atendendo as normas gerais federais. Corroborando com o entendimento esposado, colacionamos ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal que decreta sobre o assunto: STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO : RE 418144 PR “DECISÃO: 1. Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e assim ementado: “ CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO E DO ESTADO. LEI ESTADUAL Nº 13.400/2001. CONSTITUCIONALIDADE. TEMPO DE ESPERA EM FILA BANCÁRIA. 1. Inexiste ilegalidade do Estado ou do Município na exigência de tempo máximo de espera em fila bancária, visto que não há interferência com as leis federais que regulam as instituições financeiras. 2. Não há invasão de competência, por ser esta concorrente, tendo em vista que não se está alterando matéria relativa ao sistema financeiro, mas, sim, dispondo sobre normas para a proteção do consumidor bancário com relação ao tempo de espera em filas. 3. O Estado tem competência para suplementar a legislação concorrente da União, Estados Federados e Distrito Federal, desde que não interfira no funcionamento harmônico do sistema financeiro nacional. 4. Apelação desprovida. ” (fl. 97) A recorrente, com base no art. 102, III, a, alega violação aos arts. 48, XIII, 163, V, e 192, IV, da Constituição Federal. 2. Inconsistente o recurso. É que o tema diz respeito, claramente, a interesse local, donde não se caracteriza violação da competência constitucionalmente atribuída ao Congresso Nacional para legislar sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras.” (…) (g.n.) Destarte, o Estado pode legislar sobre direito financeiro, desde que em caráter suplementar, não modificando o sistema nacional, porque aí contrariaria as normas federais de caráter geral. A Lei Estadual nº 13.313/03, embora não lhe seja vedado tratar Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br suplementarmente sobre direito financeiro, não dispõe sobre o tema, mas tão somente sobre questões relacionadas à relação de consumo estabelecida entre as instituições financeiras e Consumidores, em cumprimento ao art. 55, § 1º, da Lei 8.078/90, conforme se vê: Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias De fato, a referida lei, ao dispor sobre o tempo máximo de atendimento nas instituições bancárias, está promovendo o bem-estar do consumidor. Visa, pois, realizar o mandamento do art. 6º, inciso IV, do CDC, que estabelece como direito básico do consumidor a proteção contra práticas abusivas. Além de buscar que o serviço público seja prestado adequada e eficazmente, o Diploma Consumerista prevê no rol dos direitos básicos, a responsabilidade do fornecedor prestar serviços de interesse público de maneira eficaz e adequada, nos termos do art. 6º, inciso X: Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: […] X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Desse modo, como averiguado, não houve prestação adequada e eficaz de serviço pela fornecedora em comento, configurando infração ao diploma consumerista, no tocante aos direitos básicos do consumidor, que foram prejudicados com o tempo de espera exagerado para atendimento. O próprio sítio eletrônico1 do Banco Central informa essa competência: 1 - <http://www.bcb.gov.br/pre/portalCidadao/bcb/tempoFilas.asp?idpai=PORTALBCB> Acesso em 07/04/2014, às 15:08 Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br "O Banco Central não regulamenta o tempo de espera em filas. Existem Leis estaduais e municipais que tratam do assunto. Cabe aos órgãos de defesa do consumidor (Procon, Prodecon, Decon) a orientação sobre o tema". Cumpre ressaltar, outrossim, que para que uma legislação seja declarada inconstitucional e perca sua eficácia é necessário o ingresso judicial de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Esta, por sua vez, é “[...] constitui ação cujo objeto é a aferição da inconstitucionalidade da norma.”2 Além disso, após acurada pesquisa constatamos que não há qualquer indício de Ação Direta de Inconstitucionalidade atacando a legislação supedânea desta decisão administrativa. Deste modo, fica demonstrada a legalidade e constitucionalidade do dispositivo em comento, sendo válido em todo o Estado do Ceará, cabendo aos Órgãos de Proteção ao Consumidor a fiscalização e a aplicação de sanções administrativas em caso de descumprimento. II.3 - Da violação ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei Estadual nº 13.312/03 Ultrapassada a questão da competência, bem como da constitucionalidade da Lei Estadual nº 13.312/03, oferece-se argumentos, nesta oportunidade, acerca do mérito da questão. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso IV, estabelece como direito do consumidor a proteção contra práticas abusivas. Estas estão elencadas em rol nãotaxativo no art. 39 do diploma legal: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) 2 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012., p. 904. Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (…) Quando as instituições bancárias, com o fulcro de maximizar os lucros, tem o número de funcionários reduzido e, em consequência, aumenta o tempo de espera, está exigindo vantagem manifestamente excessiva, haja vista que está transferindo o risco empresarial ao consumidor. A pouca contratação de pessoal para atendimento induz à espera excessiva dos clientes, uma vez que o reduzido número de funcionários prejudica o bom andamento das filas de espera, gerando maior lucro, porquanto se verifica menor gasto com bancários. É notório a abusividade de grande espera em filas de atendimento nas agências bancárias, gerando desconforto moral, físico, e, porque não, econômico, sobretudo se considerada a máxime de que “tempo é dinheiro”. Mas as instituições financeiras, como um predador sedento de lucro, ultrapassam todos os limites da razoabilidade e da dignidade, esta última que constitui objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo, bem como fundamento da República Federativa do Brasil: CDC - Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…) CF - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (g.n.) Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Visando realizar tais mandamentos, que possuem caráter de direito fundamental; e evitar que os consumidores venham a esperar em demasia para serem atendidos em instituições financeiras – prática infelizmente comum – a Lei Estadual nº 13.312/03 regulamenta o tempo de espera ao qual os Consumidores podem ser submetidos, vejamos: Art. 2º. Considera-se tempo razoável, para os fins desta Lei: I – até 15 (quinze) minutos, em dias normais; II – até 30 (trinta) minutos: a) em véspera ou em dia imediatamente seguinte a feriados; b) em data de vencimento de tributos; c) em data de pagamento de vencimentos a servidores públicos; d) em data de início e final de cada mês Art. 3º. Os bancos ou as entidades que os representam informarão ao órgão de defesa do consumidor sobre as datas referidas nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso II do artigo anterior. A tecnologia, por sua vez, inovou o funcionamento das operações bancárias, que agora podem ser realizadas por telefone, internet ou terminais de autoatendimento. Não obstante, muitas pessoas não sabem utilizar o aparelhamento eletrônico de movimentações bancárias, sem contar que algumas transações ainda necessitam do atendimento pessoal. Desse modo, ao estabelecer novos padrões de atendimento, com um maquinário de alto desenvolvimento tecnológico, não se pode esperar que todos os usuários utilizam-se deste aparato, porquanto opcional e de preferência daqueles que já conseguem manusear com facilidade a novel tecnologia. Tratando-se de grandes instituições financeiras, a demanda de Consumidores é previsível, e o atendimento a todos eles em tempo hábil é economicamente viável, sendo Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br possível à empresa controlar o período de espera nas filas, com várias medidas que agilizariam o atendimento. O que se exige, portanto, é o estrito cumprimento das normas consumeristas, visando adequar o mercado e evitar abusos contra aqueles que são a força motriz do mercado nacional e internacional: a classe consumidora. De seu turno, o DECON tem o dever precípuo de buscar o aprimoramento das fornecedoras atuantes no mercado cearense no que tange o respeito aos seus usuários. É, assim, poder-dever do Estado contemporâneo. Ressalta-se que o tema em questão é de importância tão relevante que se somam muitos casos de aplicação de sanções administrativas no Ceará e em outros Estados, não sendo raras as reportagens jornalísticas tratando do tema, mostrando longas esperas nas filas , ao ponto de fazerem os Consumidores desistirem do atendimento. É a fundamentação. Passamos a decidir. II.4 - Da análise da defesa administrativa Primeiramente, alegou, em síntese, a defesa que não merece aplicação o comando da Lei Estadual referida, porquanto a matéria em questão não é de competência estadual, mas unicamente, de competência federal. Cumpre ressaltar, contudo, a constitucionalidade do Lei Estadual nº 13.312 de 2003, haja vista a União ter competência privativa para regular a atividade-fim exercida pelos Bancos, o que não ocorre com o Decreto Estadual, ora em comento, que regula a forma pertinente de proteção e defesa do Consumidor. Assim, entes federativos, que não a União, têm competência para regulamentar as formas de atendimento aos seus usuários, os meios e equipamentos pertinentes para proteção e defesa do consumidor, por se tratarem de matérias de interesse local. Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Seguindo este entendimento, o colendo Supremo Tribunal Federal entende competente o ente federativo diverso da união (Estados/Municípios), quando a matéria legislada trate de interesse local e que não se confunda com a atividade-fim bancária. É o que se colhe de vasta jurisprudência: EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DOS MUNICÍPIOS. TEMPO DE ESPERA. ATENDIMENTO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte de que os Municípios detêm competência para legislar sobre o tempo máximo de espera por atendimento nas agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de consumo, não se confundindo com a atividade-fim das instituições bancárias. 2. Agravo regimental não provido. (STF - AI: 495187 SP , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 30/08/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-102011 EMENT VOL-02605-02 PP-00242)(grifo nosso) Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL NO RE 610.221-RG PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. TEMA 272 DA GESTÃO POR TEMAS. 1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local. 2. A repercussão geral da matéria foi reconhecida pelo Plenário da Corte, que na oportunidade ratificou a jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Precedente: RE n. 610.221-RG, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 20.8.2010. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FILA DE BANCO – DEMORA NO ATENDIMENTO PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA – PERMANÊNCIA COMPROVADA POR PRAZO SUPERIOR A 45 (QUARENTA E CINCO) MINUTOS – AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIA EM SENTIDO Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br CONTRÁRIO – CONSTITUCIONALIADE DA LEI MUNICIPAL 4.069/01 – ATO ILÍCITO CONFIGURADO – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – VALRO DA INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – SENTENÇA MANTIDA PELSO PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.” 4. Agravo regimental não provido. (STF - ARE: 715138 MT , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 18/12/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 18-02-2013 PUBLIC 19-02-2013) (grifo nosso) Destarte, podemos aferir, pela jurisprudência da Corte Excelsa, que as legislações que visem o melhor e mais confortável atendimento ao consumidor condiz com o conceito de interesse local, sendo, portanto, competente subsidiariamente o ente municipal para traçar os ditames legais que dizem respeito aos limites temporâneos, os quais devem ser observados por todas as empresas indistintamente. Alegou, outrossim, que outro aspecto merece ênfase: aquele que diz respeito à prova do fato que levou o cliente denunciar o Banco Bradesco, pois, ausente na denúncia, os fundamentos que nortearam e justificaram a posssibilidade de aplicação de qualquer sanção, alegando que a simples juntada da senha não indica o tempo que o mesmo permaneceu na fila. Impende ressaltar, todavia, que foram colacionadas ao Procedimento de Ofício os dispositivos violados da legislação em comento, não cabendo para tanto a alegativa de que não houve a atribuição dos ditames vilipendiados. Este Órgão, de seu turno, respeita fielmente a legislação pertinente, cumprindo o devido processo legal, altamente despido de arbítrio e subjetivismo. Além disso, o que se quer ressaltar é que o formalismo exagerado não cabe mais na terceira onda renovatória da processualística atual, haja vista que preza pela instrumentalidade do processo, ou seja, a efetividade do processo. O formalismo, ora vergastado, é necessário, mas o óbice ocorre quando os próprios operadores do Direito, intentam anular os atos administrativos beneficiantes a toda uma coletividade com formalismo Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br desnecessários e inexistentes, uma vez que restou cumprido todos os requisitos elencados na legislação. Cumpre destacar, por oportuno, que “o processo que nos serve hoje há de ser o espelho e salvaguarda dos valores individuais e coletivos que a ordem constitucional vigente entende de cultuar”3. O processo, seja ele administrativo ou judicial, deve resguardar os direitos coletivos, sendo o Ministério Público, que ostenta o custus legis, cumpridor e fiscal das leis federais, estaduais e municipais. Outro argumento utilizado pela defesa administrativa foi o de afirmar que o princípio da isonomia, ao invés de observado, foi claramente violado pela Lei Estadual, tendo em vista que a formação de filas é fenômeno nacional e não atinge somente atividade bancária; atinge todos os setores da sociedade, incluindo-se setores essenciais. Todavia, o princípio da isonomia aplicado hodiernamente diz respeito a igualdade material e não meramente formal, como pretende a defedente. Ora, no contexto atual do mercado, o Direito do Consumidor se torna um instrumento do princípio da igualdade, haja vista que busca extinguir ou, pelo menos, diminuir o desequilíbrio da relação entre os consumidores e os detentores dos meios de produção. Trata-se, pois, de uma forma de tratar desigualmente os desiguais, nada mais que uma implementação do conceito de justiça aristotélico4, consagrado nos mais diversos ordenamentos. Portanto, não há falar em ofensa ao princípio da isonomia por este Órgão, porquanto não legisla, apenas, cumprindo a função constitucional de custus legis, fiscaliza a escorreita aplicação da lei. O legislador ordinário estadual, de seu turno, teve a sensibilidade de perceber a crescente demanda por serviços bancários e o consequente constrangimento dos 3 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994., p. 30. 4 O que se tem em comento é o princípio da igualdade proporcional, assim descrito por Aristóteles: "a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional" Aristóteles apud Morris.C, Os grandes Filósofos do Direito, Martins fontes, 2002, pág. 9. Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br consumidores que eram submetidos a longos períodos de espera, muita vez, abdicando de atividades cotidianas, em razão do sobejo lapso temporal de aguardo. Assim, a Legislação ora atacada veio justamente para equilibrar as relações entre particulares, conferindo o respeito a isonomia. Alegou, ainda, que não seria razoável que se imponha as agências prever exatamente o tempo de atendimento de cada cliente, de modo a mensurar o número suficiente de funcionários para atender a todos no prazo máximo estipulado na lei, ainda mais nos dias de maiores movimentos, nos quais vencem a maioria das contas. Neste cariz, colacionou aos autos doutrinamentos do Professor José Afonso da Silva e do Professor Marco Aurélio Greco, afirmando a irrazoabilidade da legislação estadual em regrar esse tipo de assunto. Ocorre que, em nenhum momento, foram indicadas as fontes em que os doutos argumentos foram extraídos, não sendo oportuno tecer mais comentários sobre este ponto específico. Diga-se, por oportuno, que este tipo de conduta configura infração disciplinar ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, porquanto deturpa o teor de citação doutrinária, uma vez que colaciona à defesa administrativa doutrina que não possui nenhuma referência bibliográfica indicando sua origem. Vejamos o art. 34, inciso XIV da Lei Federal 8.906 de 4 de julho de 1994: Art. 34. Constitui infração disciplinar: [...] XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa; Superada a discussão de cariz doutrinário, é cediço que a agência bancária deve Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br estruturar-se de modo a atender todo o fluxo corriqueiro que se dispõe a atender. É princípio da atividade empresarial, que o proprietário do negócio arque com os riscos de sua empresa. Neste contexto, o consumidor insere-se como usuário do serviço, sendo a força motriz do empreendimento, o que exige do empresário dedicação em oferecer o máximo de conforto possível, porquanto sem clientes, não há sentido de se continuar com a atividade. Destarte, deve-se respeitar o consumidor, cumprindo o que o Estado dita, pois este é e, sempre será, o representante da coletividade. Assim, sujeitar o consumidor a demoras exacerbadas em espera por atendimento é, antes de tudo, desrespeito ao próprio Estado e, consequentemente, a própria coletividade. Portanto, diante da constatação de que a irregularidade existiu, deve o Procedimento Administrativo de Ofício seguir o seu regular processamento, aplicando à autuada sanções administrativas cabíveis ao caso, uma vez que violados os art. 39, inciso VIII da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor) c/c os arts.1º e 2º da Lei Estadual 13.312/03. IV DA DECISÃO: Da Dosimetria da Pena As sanções administrativas previstas para as praticas infratoras contra o Consumidor estão determinadas no art. 56 da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) e no art. 18 do Decreto nº 2181, de 20 de Março de 1997 (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC), entre elas a pena de multa e interdição total ou parcial. A pena de multa deverá ser graduada de acordo com a gravidade da infração, a Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (UFIR), como dispõe o art. 57, parágrafo único da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC); levando-se, também, em conta as circunstancias atenuantes e agravantes, além dos antecedentes do infrator, nos termos dos arts. 24 a 28 do Decreto nº 2181, de 20 de Março de 1997 (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC). Fixa-se, a priori, a multa em 8.000 (oito mil) UFIRCE para cada irregularidade ocorrida. Sendo, no caso, uma irregularidade, a pena base se mantém, adicionando-se o valor de 100 (cem) UFIRCE para cada usuário prejudicado de acordo com o art. 5º, inciso II da Lei Estadual nº 13.312 de 2003 (Art. 5º. A infração do disposto nesta Lei acarretará ao estabelecimento a aplicação das penas de: […] II – multa de 100 (cem) UFIRCE´s (Unidades Fiscais do Estado do Ceará), por usuário prejudicado). Desse modo, apenas 1 (um) usuário, o que totaliza 100 (cem) UFIRCE, perfazendo o total de 8.100 (oito mil e cem) UFIRCE. No entanto, cumpre ressaltar que não existem nos autos informações quanto aos antecedentes da parte infratora, supondo-se que se trata de primária, circunstância atenuante, o que nos leva a diminuir a multa em 1/3 (hum terço), prefazendo o valor de 5.400(cinco mil quatrocentas) UFIRCE. Ao levar em consideração: a) a gravidade da infração e b) a condição econômica da empresa, entendemos por bem dobrar a pena-base, alcançando o valor de 10.800 (dez mil e oitocentas) UFIRCE. Some-se a este fato as agravantes aplicáveis ao caso, correspondentes aos incisos IV - deixar o infrator, tendo conhecimento do ato lesivo, de tomar as providências para evitar ou mitigar suas consequências; VI - ocasionar a prática infrativa dano coletivo ou ter caráter repetitivo; o que nos leva a aumentar a multa em 1/3 (hum terço) para cada um, totalizando 2/3 (dois terços), alcançando o valor final de 18.000 (dezoito mil) UFIRCE. Dispositivo: Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Assim sendo, julgo procedente o processo de ofício, tendo em vista que a parte autuada infringiu o art. 6º, inciso X e art. 39 inciso VIII da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor c/c Art. 1º e 2º, inciso I, da Lei Estadual 13.312/03; aplicando-lhe a pena de multa correspondente a 18.000 (dezoito mil) UFIR do Ceará, nos termos do art. 57, parágrafo único da Lei n° 8.078/90 e dos arts. 24 a 28 do Decreto nº 2.181/97. Intime-se à parte autuada da presente decisão, através dos correios, nos termos do art. 41 da Lei Estadual Complementar nº 30, de 26 de julho de 2002, para efetuar seu recolhimento no prazo de 10 (dez) dias (Caixa Econômica Federal, agência 919 Aldeota, conta nº 23.291-8, operação 006), ou se pretender, ofereça recurso administrativo, no mesmo prazo, contra a referida decisão, à Junta Recursal do Programa Estadual de Proteção ao Consumidor – JURDECON, como dispõe o art. 23 § 2º e art. 25, do mesmo diploma legal. O recolhimento da multa deverá ter seu valor convertido em moeda nacional, com a atualização monetária correspondente. Caso a empresa autuada não apresente recurso da decisão administrativa, ou não apresente o comprovante original de pagamento da multa aqui aplicada, ficará sujeito as penalidades do artigo 29 da Lei complementa nº 30 de 26.07.2002 (D.O 02.08.02). Informo ainda, que o valor atual da UFIR Ce (Unidade Fiscal de Referência do Ceará) corresponde a R$ 3,2075 (três reais e dois mil e setenta e cinco décimos de milésimo de real). Cumpra-se. Fortaleza, 26 de agosto de 2014 Ann Celly Sampaio Cavalcante Promotora de Justiça Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DECON Rua Barão de Aratanha, 100 – Centro – CEP 60.050-070 – Fortaleza/CE. Tels.: (085)3452-4516/3454-1195 Página na Internet: www.decon.ce.gov.br Secretária Executiva do DECON/CE Processo Administrativo de Ofício nº 0114-011.923-2