GEORGE WILLIAN POSTAI DE SOUZA VÍCIOS REDIBITÓRIOS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS Joinville (SC) 2009 APRESENTAÇÃO O afã de escrever sempre foi uma perseguição pessoal. O sonho de publicar um livro parece estar, definitivamente, saindo do papel. Não que a idéia parecesse nova, pois o desejo de escrever sempre foi intenso. Mas a coragem entre romper a barreira do querer-realizar é grande. A vida nos traz problemas e soluções, realizações e frustrações, e o cotidiano mostra-se tomador de seu tempo de forma que coisas antes desejadas tornam-se adiadas frente à outras prioridades. Prioridades estas que elegemos. E esta foi, agora, minha prioridade: publicar meu primeiro livro, que tem como objetivo divulgar conhecimentos acerca dos vícios redibitórios presentes nos contratos imobiliários, apenas na modalidade de compra e venda. Primeiramente, cabe salientar que este trabalho advém de monografia apresentada na Universidade da Região de Joinville/SC, Univille, obtendo nota máxima, tendo sido entregue em apenas três meses. Todo esse afinco pela conclusão do trabalho deu-se à empolgação que me absorveu, não tanto pela feitura da monografia, mas pela intenção detrás disso: publicar o trabalho como livro. Adentrando-se no trabalho, cabe notar que nosso Código Civil é extremamente atual, visto ter o anterior vigorado por mais de oitenta anos. Contudo, as mudanças no que tange ao assunto referenciado foram mínimas, frisando-se que o conceito e suas particularidades não sofreram alterações. Como conseqüência, teve-se a oportunidade de verificar um assunto há mais de oitenta anos consolidado em nossas leis civilistas, sem contar a perpetuação dos vícios redibitórios nos contratos na história moderna. Sendo previsto desde o Direito Romano, que em muito contribuiu para os códigos civilistas modernos, os vícios redibitórios são, aqui, vistos dentro de um contexto particular: apenas e tão somente nos contratos imobiliários de compra e venda. Para tanto, envolvendo o objetivo deste trabalho no contexto contratual, o primeiro capítulo trata do estudo da Teoria Geral dos Contratos. Desde sua evolução histórica, passando pelos elementos que constituem um contrato, até suas formas de extinção. No que tange ao segundo capítulo, adentra-se ao estudo dos vícios redibitórios propriamente ditos. Sua evolução na história do Direito se constitui, sumariamente, no campo mundial, pois torna-se a voltar ao assunto, desta feita em esfera apenas nacional, mais adiante. Antes, porém, faz-se um apanhado geral de como o assunto é tratado nas principais legislações existentes, num trabalho comparado com diversos países, notadamente europeus, visto terem influenciado por demais o Direito brasileiro. Passado o giro global, adentra-se em campo nacional, com o estudo dos vícios redibitórios e seus requisitos, efeitos e prazos decadenciais. Por fim, há ainda o estudo da cláusula de garantia, estipulada pelas partes e por estas suprimida ou aprimorada, sendo imperiosa a vontade destas. Mas é no terceiro capítulo que chega-se ao ápice deste trabalho. O objetivo matriz é tratado na íntegra: vícios redibitórios nos contratos imobiliários de compra e venda. As chamadas ações edilícias, como são conhecidas as ações redibitória e estimatória (quanti minoris), são objeto deste capítulo, pois primeiro mister conhecer por demais os contratos e os vícios redibitórios, para após poder se proceder ao estudo das ações cabíveis quando do acontecido defeito oculto. Após, trata-se de julgamentos, em forma jurisprudencial, de casos parecidos ao aqui relatado, apenas em hipótese, mas que de certa forma acontecem com certa freqüência no Judiciário brasileiro. Finalizando-se, trata-se ainda de uma particularidade às ações edilícias, a saber, a má-fé do alienante, pois tal configuração irá modificar a forma de julgar do magistrado, ao proceder a sentença de mérito. Para exemplificar o assunto, notadamente a matéria relativa à má-fé do alienante, contribui exemplar julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, verdadeira lição referente ao assunto ora tratado. ÍNDICE INTRODUÇÃO...................................................................................x Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 1.1 APRESENTAÇÃO..........................................................................................x 1.2 CONCEITO DE CONTRATO.........................................................................x 1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA...............................................................................x 1.4. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONTRATO.......................................x 1.5. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DOS CONTRATOS..............................x 1.5.1 Princípio da autonomia da vontade..........................................................x 1.5.2 Princípio da relatividade dos efeitos contratuais....................................x 1.5.3 Princípio da força obrigatória dos contratos e a teoria da imprevisão..............................................................................................................x 1.5.4 Princípio da função social dos contratos................................................x 1.5.5 Princípio da boa-fé objetiva......................................................................x 1.5.6 Princípio da onerosidade excessiva........................................................x 1.6. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ................................................................x 1.7 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS....................................................................x Capítulo 2 VÍCIOS REDIBITÓRIOS 2.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................x 2.2. CONCEITO DE VÍCIOS REBITÓRIOS.........................................................x 2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................x 2.4 DIREITO COMPARADO...............................................................................x 2.4.1 Direito francês............................................................................................x 2.4.2 Direito italiano............................................................................................x 2.4.3 Direito alemão.............................................................................................x 2.4.4 Direito português........................................................................................x 2.4.5 Direito espanhol.........................................................................................x 2.5 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NO DIREITO BRASILEIRO....................................x 2.5.1 Requisitos...................................................................................................x 2.5.2 Efeitos.........................................................................................................x 2.5.3 Prazos decadenciais..................................................................................x 2.5.4 Cláusula de garantia..................................................................................x 2.6 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NO CÓDIGO CIVIL.................................................x Capítulo 3 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS DE COMPRA E VENDA 3.1. INTRODUÇÃO .............................................................................................x 3.2. VÍCIOS REDIBITÓRIOS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS DE COMPRA E VENDA..................................................................................................................x 3.3. AÇÕES EDILÍCIAS .......................................................................................x 3.3.1. Julgamentos .............................................................................................x 3.4 DA MÁ-FÉ DO ALIENANTE............................................................................x 3.4.1 Má-fé do alienante: caso exemplar...........................................................x Capítulo 4 DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE 4.1. DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS.........................................................................x 4.2. DOS CONTRATOS EM GERAL .....................................................................x CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................x REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS............................................................x Capítulo 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 1.1 INTRODUÇÃO Para o encadeamento da idéia central do tema que será abordado no desenvolvimento deste trabalho, necessário se faz uma breve noção do tema contrato. O contrato surgiu como uma manifestação da vontade das partes, tendo essas autonomia e igualdade para contratar, recorrendo ao Estado ao encontrar-se em prejuízo uma das partes, quando do rompimento desses elementos. Convém notar que o estudo da teoria geral dos contratos é requisito primordial deste trabalho, visto ser o instrumento hábil a se negociar um imóvel, advindo este, infelizmente, a ser agraciado por vícios redibitórios em seu corpo, tema central de nosso estudo. Passa-se, portanto, ao estudo deste gênero do negócio jurídico. 1.2 CONCEITO DE CONTRATO A primeira conceituação de contrato veio com Ulpiano1, citado por Paulo Antônio Begalli: est pactio duorum pluriunve in idem placitum consensus2, ou seja, contrato é o mútuo consenso de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objetivo. Para Orlando Gomes, contrato pode ser conceituado como “o negócio jurídico bilateral ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regulam”3. 1 Domício Ulpiano foi um famoso jurisconsulto romano, que viveu entre ~170 – 224 d.C, em muito contribuindo para a evolução do direito romano. 2 BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil, p. 69. 3 GOMES, Orlando. Contratos, p. 04. Ao discorrer sobre o tema, Caio Mário da Silva Pereira coloca que contrato “é um negócio jurídico bilateral, exigindo consentimento e pressupondo conformidade com a ordem legal, tendo como escopo os objetivos específicos descritos em seu corpo”. Sucintamente, se resume a dizer que contrato é “o acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”4. Silvio Rodrigues, por sua vez, os enquadra como uma espécie do gênero negócio jurídico, seguindo a mesma linha de Maria Helena Diniz. Clóvis Beviláqua, citado pelo primeiro, conclui que “contrato é o acordo de vontade para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”5. Maria Helena Diniz conclui que contrato “é o acordo entre a manifestação de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”6. Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges, “contratos são acordos feitos com base na vontade das partes e na autorização jurídica, capazes de criar, regular, modificar ou extinguir relações jurídicas de conteúdo patrimonial”7. Assim conceitua Rogério Marrone de Castro Sampaio: É o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1995, com. art. 1.122). Modernamente, entende-se por contrato o negócio jurídico (espécie de ato jurídico) bilateral que tem por finalidade gerar obrigações entre as partes. Sob esse aspecto, portanto, o acordo de vontades a que chegam as partes em objetivo certo, efeito este antevisto pelas partes (intuitu negocial) que se consubstancia na criação, modificação ou 8 extinção de direitos . 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 7. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 9. 6 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 9. 7 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. A atual teoria geral do contrato. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7267>. 5 Luiz Guilherme Loureiro se aprofunda mais, como se pode notar da belíssima explicação: O contrato é uma categoria – a mais importante – dos negócios jurídicos e consiste em dois elementos fundamentais: um consenso (convenção ou acordo), de uma parte; e os efeitos de direito, por ele produzidos, de outra parte. O mais evidente desses efeitos, mas não necessariamente o único, é a criação de obrigações. Esses efeitos – ou essas obrigações – são de ordem jurídica, isso é, são suscetíveis de ser executados em justiça, produzindo consequências judiciais em caso de inexecução (perdas e danos, por exemplo). Sem obrigação civil, o acordo concluído não é um contrato, mas uma convenção no sentido largo do termo. Se todos os contratos são convenções, o inverso não é verdadeiro, não obstante os termos “contrato” e “convenção” sejam, não é raro, usados como sinônimos. Embora o novo Código Civil (e tampouco o Código de 1916) não traga uma definição de contrato, podemos conceituá-lo como o acordo de duas ou mais pessoas tendente a constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial. A definição dada pelo Código Civil de Québec, nos parece, portanto, apesar de sucinta, completa: “o contrato é um acordo que tem por objeto a criação de uma obrigação, ao menos. Inclui-se no círculo dos contratos os acordos que não criam obrigações em tanto que tais, mas 9 que lhes afetem” . Silvio Luís Ferreira da Rocha explica que o conceito de contrato tem como base três pilares: “o conceito de contrato estrutura-se a partir da conjugação dos seguintes elementos: um acordo de vontade das partes; a referência a uma relação jurídica patrimonial entre elas e a finalidade de constituir, regular ou extinguir essa relação jurídica patrimonial”10. Por fim, Arnaldo Rizzardo assim resume o assunto: 8 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 17. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil, p. 22-23. 10 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso avançado de direito civil: contratos, p. 31. 9 Depreende-se a necessidade de convergência de duas ou mais vontades para conseguir um mesmo fim ou um resultado determinado. Há um acordo simultâneo de vontades para produzir efeitos jurídicos. Não se trata propriamente de coincidência de vontades, mas da reunião delas. Daí a definição de contrato, também aceita, como a convenção surgida do encontro de duas ou mais vontades, que se obrigam entre si, no sentido de dar, fazer ou não 11 fazer alguma coisa . 1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Contratar significa contrair, unir. Essa era a idéia do Direito Romano, de onde provém a maior e mais importante evolução ocorrida nos contratos. Não que não os existissem antes, mas foi em Roma que o Direito, sobretudo o Civil, tomou formas nunca dantes conhecidas. Antes de imergir à Roma, passemos à sua eterna rival, Atenas, com base nos ensinamentos de Luiz Guilherme Loureiro: O direito privado de Atenas da Era Clássica (século V e IV a.C.) já conhecia o contrato, pelo qual os cidadãos podiam dispor livremente de seus bens. A transferência da propriedade, no direito grego, realizava-se apenas por efeito do contrato; mas este efeito era limitado às partes; em relação a terceiros havia um sistema de publicidade semelhante ao nosso sistema de registro dos atos. A proteção de terceiros era, assim, melhor assegurada na Grécia do que em Roma, onde esta publicidade não 12 existia . No entanto, contrato não era a única expressão a ser usada em Roma: pacto, proveniente de pacis si (estar de acordo) e convenção, advindo de conventio, cum venire (vir junto) eram outras expressões utilizadas. Atualmente, as três expressões podem ser utilizadas como uma só coisa, tendo a palavra contrato um sentido mais técnico. No Direito Romano, as 11 12 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 5. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil, p. 25-26. três expressões supra expostas eram diferentes entre si, como se pode notar diante da explicação abaixo: (...) convenção e pacto eram conceitos equivalentes e significavam o acordo de duas ou mais pessoas a respeito de um objeto determinado. O simples acordo, convenção ou pacto, porém, não bastava para criar uma obrigação juridicamente exigível. O simples pacto não criava a obrigação. Essa noção, que vem do Direito clássico, atinge a época de Justiniano. Para que se criasse uma obrigação, havia a necessidade de certas formas que se exteriorizassem à vista dos interessados. A solenidade dava força às convenções. Cada uma dessas convenções, sob certas formalidades, constituía um contractus. Não conhecia, portanto, o Direito Romano uma categoria geral de contrato, 13 mas somente alguns contratos em particular . A convenção, por si só, não tinha o condão de criar obrigações, cabendo somente ao contrato tal missão. No Direito Romano, não havia contrato se não existisse um elemento material, uma forma exteriorizada da obrigação. Posteriormente, os contratos formais ganharam outros modelos, como os contratos consensuais, contratos reais, contratos inominados, mas nada que os fizessem evoluir significativamente. Evolução mesmo somente com o Código Civil francês (Código Napoleônico), que trouxe o conceito de autonomia da vontade como ponto principal a ser observado em um contrato. Antes de 1804, data da publicação do Code Napoleón, a França passara por revoltas que questionavam a relação entre Estado e Sociedade, fundadas numa espécie de transição ocorrida entre o absolutismo impregnado na Europa e o liberalismo econômico advindo de países mais modernos. Esta renovação no direito francês deve ser analisada no contexto do Iluminismo, amplo movimento europeu que criticava o velho regime e a desigualdade diante da lei – concretizada nos privilégios fiscais para as ordens da nobreza e do clero; no acesso limitado aos cargos públicos; 13 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 379. nas limitações às pessoas e à propriedade e nas intervenções arbitrárias e imprevisíveis da Coroa – e que passou a exigir, na essência, “liberdade” e “igualdade” para 14 todos . Os ideais da Revolução Francesa marcaram a época, e o sentimento de liberdade, igualdade e fraternidade dominaram a França naquele início de século, influindo e contribuindo com o Direito contratual. O Código Civil francês consolidou o paradigma da vontade como expressão suprema e inderrogável do indivíduo e de sua liberdade, surgindo o contrato como fonte primordial das obrigações. Atribuiu-se à vontade individual a função de causa primeira do direito privado. Neste, o comércio jurídico cresceu amparado na noção de contrato, entendendo que toda obrigação, por implicar em restrição à liberdade individual, teria de provir de um ato de vontade do devedor, e, além disso, que todos os resultados desse ato eram 15 justos: qui dit contractuel dit juste . Nesse contexto, o que fosse pactuado entre as partes seria o justo, podendo estabelecer regras contratuais livres da manifestação do Estado. Ou seja, observa-se aí o princípio pacta sunt servanda. Disso, tem-se que nem o Estado poderia intervir nas relações pactuadas entre as partes, devendo respeitar a autonomia da vontade das mesmas, desvinculando-se da obrigação de fiscalizador das regras entre particulares, salvo raríssimas exceções, como contrariedade aos bons costumes, questões de ordem pública, entre outras. Tanto poder entre as partes, com a mínima intervenção do Estado, teve consequências drásticas, acabando por explorar o ser humano com o aval do Direito. O Estado era frequentemente acionado para equilibrar as relações contratuais, a fim de proteger os mais fracos. Novamente, o Estado teve que intervir, a fim de buscar a dignidade da pessoa humana. A liberdade de contratar, ampla e irrestrita, sofre cortes: “Mantém-se em termos a liberdade de contratar. Muitos contratos são examinados previamente por organismos estatais. Introduziu-se nas convenções um conteúdo 14 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso avançado de direito civil: contratos, p. 28. de direito público, decorrente da lei, atingindo até pessoas que nelas não participaram, como acontece na chamada convenção coletiva de trabalho”16. Para finalizar, após a II Guerra Mundial, as novas constituições surgidas influíram na teoria geral dos contratos, tendo em vista que a preocupação de todos os países era valorizar o ser humano acima de qualquer ordem patrimonial. 1.4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONTRATO Três são os elementos que constituem o negócio jurídico, donde se enquadram os contratos: a capacidade dos agentes, a licitude do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. Estes são os elementos genéricos de qualquer negócio jurídico, requisitos básicos enunciados no art. 104 do Código Civil de 200217. Arnaldo Rizzardo assim comenta o assunto: Consideram-se elementos constitutivos aqueles que dão condições de validade aos contratos. Possibilitam a coincidência das vontades em torno de um assunto, levando-as a fazer estipulações na ordem jurídica. Discriminam-se na seguinte ordem, segundo o prevê o art. 104 do Código Civil: capacidade das partes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. (...) Acrescenta-se mais um elemento, que é o consentimento, apesar de não contido nos dispositivos acima, mas implicitamente 18 admitido . Roxana Cardoso Brasileiro Borges vai além. Assim relata: Não bastam que estejam presentes as partes, o objeto e o consenso, como exteriorização da vontade das partes. É preciso que os sujeitos sejam capazes e legitimados; que o objeto seja lícito, possível, determinável e econômico; e que 15 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso avançado de direito civil: contratos, p. 29. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 9. 17 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. 18 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 9. 16 a forma de exteriorização das vontades seja a prescrita ou 19 alguma não proibida . Pela capacidade, entende-se ser capaz de contratar as pessoas que não se enquadrem nas hipóteses de incapacidade parcial ou total a que se refere o Código Civil de 2002, notadamente em seu terceiro e quarto artigos. Ainda assim, essa capacidade é genérica, não podendo ser esquecida a capacidade específica, decorrente de impedimento específico que obsta a conclusão do contrato. Essa ausência de capacidade específica não significa que o agente não seja capaz genericamente, mas diz-se que somente a respeito de um determinado objeto de contrato é o seu impedimento. Temos, para ilustrar melhor a idéia, caso como o de casal de amantes que quer oficializar sua união estável, mas é impedido pois ambos são casados, sendo aptos a praticar os atos da vida civil, inclusive contratar outros objetos, mas não especificamente no caso em tela. Outro exemplo é o de João Baptista de Mello Souza Neto, citado por Rogério Marrone de Castro Sampaio: “Cita-se como exemplo a impossibilidade do tutor (pessoa capaz) de adquirir bens do tutelado (art. 1.133, I, do CC)”20. No que diz respeito ao seu objeto, o contrato deve tê-lo lícito, sendo legal e moralmente aceito – não indo de encontro aos bons costumes. Deve ser possível, sendo o contrário passível de anulação do contrato. A possibilidade do objeto deve ser examinada tanto sob o aspecto jurídico ou legal, hipótese em que o óbice se encontra no próprio ordenamento jurídico, porque proibido por ele (exemplo: alienação do bem de família) ou sob o aspecto físico ou material, fato que se verifica quando a operação não puder realizar-se porque contrária, por exemplo, às leis da natureza (exemplo: empreender viagem ao centro da Terra). Também deve ser lícito o objeto, o que vale dizer, conforme à moral, à ordem pública e aos bons costumes. (...) Esse mesmo objeto deve ser certo quanto a sua existência e, no 19 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. A atual teoria geral do contrato. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7267>. 20 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 25. mínimo, determinável quanto à identificação dos fins 21 almejados pelas partes . Ou seja, essa determinabilidade deve ser indicada por gênero, qualidade ou quantidade, mesmo que ainda não o exista – seja só uma previsão futura. Tem-se, ainda, que deve ser econômico, pois sem este requisito, não teria razão de existir, devendo ser um bem ou uma prestação patrimonial. E, finalmente, é na forma que a vontade é exteriorizada. Não há como se ir contra a forma prescrita em lei, ou ao menos não defesa, sob pena de nulidade do contrato. Em nosso ordenamento jurídico, não se exige forma especial, como regra, para a exteriorização da vontade, produzindo efeitos, portanto, a forma verbal, gestual etc. Todavia, para determinados atos jurídicos, exigiu o legislador a forma solene ou especial, e seu desrespeito leva à nulidade do ato (casamento e compra e venda de bem 22 imóvel) . Mas, conforme a citação no inicio deste tópico, Arnaldo Rizzardo considera o consentimento um dos elementos (implícitos) que formam o contrato, e assim explica o consentimento: Define-se como a integração de vontades distintas, ou a conjunção das vontades convergindo ao fim desejado. (...) Importa que a vontade dos declarantes vise escopo imediato um resultado jurídico de natureza obrigacional, além do que ela se deve traduzir por uma manifestação exterior suficiente e inequívoca, que por si só basta para evidenciar o consentimento. O contrato não se forma sem o acordo das vontades sobre todos os pontos que as partes julgam indispensáveis na convenção. (...) É o consentimento que determina a obrigatoriedade do prometido, como manifestação jurídica e recíproca de promessas válidas, livremente consentidas. Sem esse entendimento, o contrato não teria propósito moral, nem 21 22 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 25. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 26. econômico, nem jurídico, nem a lei seria bastante forte para 23 fazer nascer uma relação (...) . 1.5 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DOS CONTRATOS Passemos a compreender os princípios gerais que norteiam o estudo dos contratos, sendo imprescindível o conhecimento desta área para o desenvolvimento do trabalho. A teoria contratual é baseada em três princípios clássicos, a saber: princípio da autonomia da vontade, princípio da relatividade dos contratos e princípio da força obrigatória dos contratos. 1.5.1 Princípio da autonomia da vontade O primeiro diz respeito a liberdade dos indivíduos de criarem relações entre si, manifestando suas vontades, tendo um objeto lícito. Ou seja, ninguém é obrigado a ter ligações contratuais com outrem, mas o fazendo, faz por conta própria e por sua livre escolha. Silvio de Salvo Venosa vê com certa precaução esse princípio, já que para ele “(...) a liberdade de contratar nunca foi ilimitada, pois sempre esbarrou nos princípios de ordem pública”24. Arnaldo Rizzardo anota: Por isso, é o contrato considerado como o acordo de vontades livres e soberanas, insuscetível de modificações trazidas por qualquer outra força que não derive das partes envolvidas. Induziu a tão alto grau a liberdade de pactuar, que afastou quase completamente a interferência estatal. Assim pontificou a doutrina de J. J. ROSSEAU, na qual prepondera a vontade geral, e não a individual, com o menor envolvimento possível do Estado, formada pelo livre consentimento das vontades individuais, vindo a constituir o 25 contrato social . 23 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 11. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 389. 25 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 12. 24 De fato, essa liberdade de contratar do indivíduo encontra uma barreira no Direito, a saber, a ordem pública, que pode ser inclusive traduzida como respeito aos bons costumes. Não que a ordem pública não tenha que ser necessariamente escrita, mas os bons costumes não necessitam estarem escritos, sendo somente indispensável serem regras morais inseridas por certo grupo social em certo local. Com isso, “(...) nítida é (...) a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais”26. Assim, o contrato está limitado pelas barreiras da ordem pública, que Paulo Antônio Begalli define: O conceito de ordem pública é constituído pelo conjunto de interesses jurídicos e morais erigidos pela sociedade e não podem ser modificados por convenção entre os particulares. Surge, então, o dirigismo contratual que diminui e restringe a autonomia da vontade, em face das normas legais que 27 estabelecem regras os contratos não podem olvidar . Ainda assim, o princípio da autonomia da vontade mostra-se o mais forte dos princípios norteadores da teoria contratual, pois é o que de mais importante há num contrato: a livre escolha, sem interferência estatal. Mas, para se chegar a materialização desse princípio, e pô-lo em prática, muitos caminhos tiveram que ser abertos. Georges Rippert assim conduz: Para chegar a esta concepção de vontade soberana, foi preciso que na obra lenta dos séculos a filosofia espiritualizasse o direito para desembaraçar a vontade pura das formas materiais pelas quais se dava, que a religião cristã impusesse aos homens a fé na palavra inescrupulosamente guardada, que a doutrina do direito natural ensinasse a superioridade do contrato, fundando a própria propriedade sobre o contrato, que a teoria do individualismo liberal afirmasse a concordância dos 26 27 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 71. BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil, p. 91. interesses privados livremente debatidos sobre o bem público. Pode então reinar a doutrina da autonomia da vontade que é ao mesmo tempo o reconhecimento e o 28 exagero do poder do contrato . 1.5.2 Princípio da relatividade dos efeitos contratuais Quanto ao segundo princípio, é de se notar que sua síntese traduz a idéia de que os contratos só aproveitarão as partes29 – e somente elas – não interferindo à terceiros. Os compromissos contratuais vinculam, com força de lei, as partes contratantes, mas apenas elas, não podendo criar obrigações a cargo de estranhos ao contrato. Os patrimônios dos contratantes respondem pelo cumprimento das obrigações por estes assumidas, mas o mesmo não se aplica ao patrimônio de terceiro, que não pode ser prejudicado por força de estipulações das quais não 30 participou . Não há como se aceitar a idéia de que terceiros sejam prejudicados, ou aproveitados, quiçá, por uma relação contratual emanada da vontade de duas partes, contratante e contratado. A explicação histórica para a afirmação desse princípio está na estrita personalização da relação obrigacional no direito romano, que a princípio, pelo menos até a edição da lex 31 poetelia papira , caracterizava-se como direito de garantia do credor sob a pessoa do devedor, permitindo ao credor, no caso de inadimplemento, voltar-se contra a pessoa do 32 devedor e privá-lo da liberdade e até mesmo da vida . 28 RIPERT, Georges. A regra moral das obrigações civis, p. 53. Nesse sentido, Venosa (VENOSA, Silvio de Salvo, Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 391) explica que parte contratual é aquela que estipulou diretamente o contrato, esteja ligada ao vínculo negocial emergente e seja destinatário de seus efeitos legais. 30 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil, p. 45. 29 31 Lei romana editada por volta de 428 a.C. que determinou a proibição do encarceramento, da venda como escravo e da morte do devedor em caso de inadimplemento. 32 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso avançado de direito civil: contratos, p. 37. Assim nos ensina Silvio Rodrigues: “Por conseguinte, tal princípio representa um elemento de segurança, a garantir que ninguém ficará preso a uma convenção, a menos que a lei o determine, ou a própria pessoa o delibere”33. Tratando-se da eficácia dos contratos, Rogério Marrone de Castro Sampaio assim relata: (...) para adquirir, modificar ou extinguir direitos, se faz imprescindível a declaração de vontade, não podem terceiros, que não a manifestam, contrair obrigações nem se 34 sujeitar àquelas contraídas por outros . Mas também adverte: Esse princípio, como os demais, não é absoluto, suportando, portanto, algumas exceções, como, por exemplo, a estipulação em favor de terceiro e o contrato coletivo de trabalho. (...) Também se identifica como limitador do princípio da relatividade essa nova concepção social do contrato. Isto é, o contrato, uma vez utilizado para o preenchimento de uma função social, pode gerar efeitos a terceiros, alheios à 35 relação contratual . Portanto, configurado está que o contrato só aproveita as partes, não podendo interferir à terceiros, salvo, conforme evidenciado, direito inerente à função social do contrato. 1.5.3 Princípio da força obrigatória dos contratos e a teoria da imprevisão O terceiro e último princípio clássico, da força obrigatória dos contratos, aduz que o contrato faz lei entre as partes, preenchidos os requisitos legais, não podendo furtar-se nenhuma das partes de suas obrigações, salvo por outra avença no mesmo sentido. 33 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 8. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 24. 35 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 24. 34 Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não 36 cumprida segundo a vontade que a constituiu . Na verdade, o contrato torna-se uma espécie de lei particular entre as partes, sendo somente utilizada entre as partes e somente para as partes. Daí o princípio latino pacta sunt servanda, que estipula que o que foi acordado entre as partes deve ser cumprido. Esta é a base da teoria geral dos contratos. Para Rogério Marrone de Castro Sampaio, “esse é o princípio que dá segurança às relações contratuais e que, portanto, proíbe a retratabilidade pura e simples de uma das partes e mesmo a revogação unilateral das obrigações contraídas ou de algumas cláusulas estipuladas”37. No entanto, existe uma única limitação para tal princípio, que encontra-se nos casos fortuitos ou de força maior, quando a obrigação contratual se torna impossível ou impraticável por motivos outros que não são do controle das partes. Eis aqui a chamada Teoria da Imprevisão: A teoria da imprevisão, consistente na possibilidade de revisão dos contratos já aperfeiçoados, chega a admitir, em seu grau máximo, a própria inexecução das obrigações sem responsabilidade do contratante, ou seja, verificada sua hipótese de incidência, pode, inclusive, gerar efeito liberatório, extinguindo, portanto, o vínculo contratual. Essa revisão judicial dos contratos já devidamente aperfeiçoados encontra, por sua vez, fundamento em princípios superiores, como a ordem pública, a boa-fé dos contratantes, o equilíbrio contratual, de sorte a mitigar a aplicação da força obrigatória que impera nos contratos. Melhor explicando, essa revisão, como exceção à regra, tem lugar quando, verificadas circunstâncias imprevisíveis e anormais, o cumprimento do contrato por uma das partes se torna extremamente oneroso, de modo a beneficiar, indevidamente, a outra, situação esta não prevista quando 36 37 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 74. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 21. da formação do contrato. Verificado tal desequilíbrio, dá-se ensejo, então, a que o Poder Judiciário venha readequar o vínculo contratual, restabelecendo o equilíbrio inicial, ou 38 mesmo extingui-lo . Analisados os três princípios clássicos do direito contratual, passemos a estudar os “novos” princípios do Código Civil de 2002: princípio da função social do contrato, da boa-fé objetiva, da onerosidade excessiva e da teoria da imprevisão. 1.5.4 Princípio da função social do contrato Com relação ao princípio da função social do contrato, é de se esclarecer que alguns julgados anteriores ao Novo Código Civil já vinham decidindo com base neste princípio, apesar de não o existir literalmente, já era aceito no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conhecido por seus ideais sociais. Cumpre esclarecer, ainda, que este trabalho não tem o objetivo de aprofundar-se nas questões sócio-econômicas que levaram o Novo Código Civil a adotar uma postura mais social, em detrimento da postura liberal-individualista do antigo código, analisando sucintamente os princípios norteadores da teoria contratual. Na realidade, tal princípio tem como base a Constituição Federal, que prevê o detrimento individual ao invés do social, em defesa da maioria. Se o contrato afeta determinado grupo de pessoas numa sociedade, é imperioso julgálo sob o prisma do princípio da função social do contrato, a fim de estabelecer um equilíbrio entre o acordado entre as partes e os reflexos negativos que tal contrato traz para a sociedade. A função social do contrato, consequentemente, é velar pela equitativa distribuição de riquezas, de forma a assegurar que o patrimônio inicial das partes por ocasião da celebração da avença, não seja afetado de forma desproporcional por força do cumprimento do contrato. O contrato não deve representar fonte de enriquecimento sem causa ou violar as 38 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 21. noções básicas de equidade. Seu papel fundamental é assegurar a livre circulação de bens e serviços, a produção de riquezas e a realização de trocas, sempre de forma a favorecer o progresso social, evitando o abuso do poder econômico e a relação entre os co-contratantes. Em outras palavras, o contrato não se limita a revestir passivamente a operação econômica de um véu legal de per si não significativo, mas deve orientar as operações econômicas de forma a atender os princípios básicos de nossa sociedade: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a equidade; a solidariedade e a produção de riquezas (arts. 1º e 3o da CF). (...) A inclusão do conceito de função social do contrato significa que o legislador pretende, sem prejudicar a autonomia da vontade, garantir o equilíbrio contratual e preservar o interesse da sociedade quando em contraste com interesse individual, tal como já ocorre com a previsão da função 39 social da propriedade . Nos dizeres de Silvio de Salvo Venosa: “Como procura enfatizar o atual diploma, o contrato não é mais visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido social de utilidade para a comunidade. Neste diapasão, pode ser coibido o contrato que não busca essa finalidade”40. Finaliza Luiz Roldão de Freitas Gomes: “Uma vez não observada sua função social, resulta o contrato atingido no plano de sua validade, porquanto a função, um dos elementos – inderrogável – que o integra, teve um atributo – a sociabilidade – comprometido”41. 1.5.5 Princípio da boa-fé objetiva Em seguida, temos o princípio da boa-fé objetiva, conhecido também por princípio da probidade. Trata-se de um princípio que busca visualizar nos 39 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil, p. 52. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 390. 40 contratantes o parâmetro de homem correto, justo e legal que a sociedade crê. Com base nesse princípio, tem-se encontrado um padrão geral de ética, de respeito, de justiça, ou seja, de probidade. Este é o comportamento buscado para os contratantes. (...) deve-se entender que entre as partes contratantes, embora defendam interesses economicamente opostos, prevalece o espírito de confiança e lealdade. Isto é, cada uma das partes age a fim de buscar, efetivamente, os fins que levaram a convergir suas vontades. Assim, entre credor e devedor deve existir colaboração recíproca que possibilite o cumprimento das obrigações assumidas, sendo-lhes defeso, portanto, praticar atos desleais que obstem a 42 extinção normal das obrigações contraídas . Esse princípio traz o dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, já que pode não haver total cumprimento do contrato por uma das partes, a seu desconhecimento, sendo somente percebido seu inadimplemento contratual após certo tempo. Na verdade, esse princípio já deveria ter sido inserido no Código Civil de 1916, como já o tinha sido feito no código francês e no alemão, anteriores ao brasileiro. E “(...) com a edição do novo Código Civil, o que era princípio passou a ser positivado em seus arts. 113 e 42243. Foi nele introduzida a boa-fé sob o aspecto objetivo (...)”44. Para a inserção de tal princípio num caso concreto, há que ser analisado as condições em que o contrato foi firmado, o momento histórico e até mesmo econômico da celebração do contrato, o nível social e cultural dos contratantes, entre outros. Tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional ou pós-contratual), a 41 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Novos contratos e o atual código civil, p. 6. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 23. 43 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 44 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Novos contratos e o atual código civil, p. 13. 42 boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade précontratual, como a responsabilidade contratual e a póscontratual. Em todas essas situações sobreleva-se a 45 atividade do juiz na aplicação do Direito ao caso concreto . Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira: A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a conduta da 46 parte entre em contradição com conduta anterior (...) . É de se verificar, ainda, que o princípio da boa-fé objetiva vem a servir de barreira contra abusos das partes, conforme observa Rogério Marrone de Castro Sampaio: Assim, a limitar também o princípio da autonomia da vontade, o princípio da boa-fé objetiva vem a impedir que um dos contratantes, mantendo comportamento inadequado, venha a desequilibrar a relação contratual, escudando-se na própria literalidade do dispositivo 47 contratual, em detrimento do outro . 1.5.6 Princípio da onerosidade excessiva Há ainda a teoria da imprevisão, que alguns autores classificam como um princípio, pois é também conhecido por princípio da onerosidade excessiva. Sem mais delongas sobre a validade da classificação acerca desta teoria, esta não era prevista no antigo Código Civil, vindo apenas a oficializar – assim como o princípio da função social do contrato – sua existência no Código Civil atual, pois já era amplamente utilizado pelos tribunais. 45 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 394. 46 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 21. 47 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 23. Convém notar que a simples onerosidade excessiva não é motivo ensejador de uma revisão contratual, mas a imprevisão que resultou nesta onerosidade excessiva é passível de revisão. Essa revisão judicial dos contratos já devidamente aperfeiçoados encontra, por sua vez, fundamento em princípios superiores, como a ordem pública, a boa-fé dos contratantes, o equilíbrio contratual, de sorte a mitigar a aplicação da força obrigatória que impera nos contratos. Melhor explicando, essa revisão, como exceção à regra, tem lugar quando, verificadas circunstâncias imprevisíveis e anormais, o cumprimento do contrato por uma das partes se torna extremamente oneroso, de modo a beneficiar, indevidamente, a outra, situação esta não prevista quando da formação do contrato. Verificado tal desequilíbrio, dá-se ensejo, então, a que o Poder Judiciário venha readequar o vínculo contratual, restabelecendo o equilíbrio inicial, ou 48 mesmo extingui-lo . Assim, vem a desequilibrar a relação contratual, pendendo por demais a um lado, enriquecendo injustamente e excessivamente a outra parte, cabendo, inclusive, ao Poder Judiciário, dar fim ao contrato, conforme explicação de Rogério Marrone de Castro Sampaio: A teoria da imprevisão, consistente na possibilidade de revisão dos contratos já aperfeiçoados, chega a admitir, em seu grau máximo, a própria inexecução das obrigações sem responsabilidade do contratante, ou seja, verificada sua hipótese de incidência, pode, inclusive, gerar efeito 49 liberatório, extinguindo, portanto, o vínculo contratual . 1.6 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS De início, para melhor compreensão, convém notar que antes da formação do contrato propriamente dito, existem outras formas anteriores à tal 48 49 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 21. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 21. fase, a fim de garantir a segurança jurídica de ambas as partes, estando entre elas a minuta, o contrato preliminar, o pacto de opção e o pacto de preferência, que deixaremos de explanar a fim de seguir nosso objetivo preliminar. A formação do contrato se dá com a proposta ou oferta50 de uma parte à outra. “Na proposta, existe uma declaração de vontade pela qual uma pessoa (o proponente) propõe a outra (o oblato) os termos para a conclusão de um contrato”51. Ou seja, “forma-se o contrato pelo encontro concordante de duas declarações receptícias”52. Ao discorrer sobre a função da oferta, FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA afirma que a oferta, “com suas característica temporal, que é a de ser anterior à aceitação, dá a conhecer o que seria o conteúdo do negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Quem oferece nada supõe que tivesse antecedido à manifestação de vontade que lança a determinada pessoa, a determinadas pessoas ou ao público”. A oferta é o resultado da vontade unilateral, da reflexão conduzida pelo ofertante, que considera somente seu interesse na pré-figuração do contrato que objetiva. A oferta é definida como a declaração de vontade receptícia por exigir para completar o negócio jurídico uma declaração 53 de vontade da outra parte, denominada aceitação . Aceitada a proposta, forma-se um consenso entre os contratantes. Pode, ainda, o oblato não aceitar a proposta, modificando-a com uma contraproposta, sendo considerada esta última uma nova proposta, invertendo-se os papéis. Se a aceitação da proposta ocorrer fora do prazo previsto, segue o mesmo procedimento. Destarte, a oferta deve ser inequívoca, precisa e completa, isto é, formulada de tal modo que, em virtude da aceitação, 50 Segundo Orlando Gomes (GOMES, Orlando. Contratos, p. 65), oferta ou proposta “é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público”. 51 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 531. 52 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 68. 53 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Curso avançado de direito civil: contratos, p. 77-78. se possa obter o acordo sobre a totalidade do contrato. Caso contrário, não passará de um convite a fazer oferta, que não é pré-negocial e não tem relevância jurídica. (...) A aceitação de uma tal proposição não aperfeiçoa o 54 contrato . No caso de haver silêncio de uma das partes, não há anuência tácita, não se aplicando aqui o ditado “quem cala, consente”. Há que se ter a declaração da vontade expressa dos contratantes, como nos ensina Silvio de Salvo Venosa: (...) a regra geral, a partir da qual se inicia o exame do problema, é ser o silêncio um fato ambíguo e por si só não representa uma manifestação da vontade: quem cala não nega, mas também não afirma. Ele não se confunde com a manifestação tácita, que deixa perceptível o consentimento 55 pelos atos e fatos externos de comportamento do agente . Em se tratando de lugar do contrato, a regra geral é de que é o da expedição da aceitação, ou seja, o local onde foi celebrado. Faz-se importante para determinar a norma a ser aplicada, o foro competente e a capacidade das partes. Há uma exceção, a saber, o lugar da recepção da aceitação, mas não é muito aplicada. Mas nada impede que ambas as partes elejam o foro que melhor lhes convier. 1.7 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS Primeiramente, cabe comentar que somente cuidar-se-á da extinção normal dos contratos, ou seja, quando de seu efetivo cumprimento e devida liberação do devedor, satisfeito o credor. Por esta razão, e sendo a maneira mais satisfatória de extinção de um contrato, o seu efetivo cumprimento, este será nosso objeto de estudo. Para tanto, cabe citar Caio Mário da Silva Pereira: 54 LOUREIRO, Luiz Guilherme, Teoria geral dos contratos, p. 164. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 527. 55 A vontade humana, declarada em conformidade com a ordem jurídica, é dotada de poder jurígeno, portadora da faculdade criadora deste ente negocial que é o contrato. Uma vez perfeito, o contrato entra em fase de produção de efeitos, o primeiro dos quais é a instituição do nexo que vincula um ao outro contratante, e estabelece a necessidade 56 de seu cumprimento – pacta sunt servanda . Acontece que esse contrato, um dia, acaba. E em nosso estudo, termina com sua execução, a forma satisfativa mais comum. Tanto é assim que Caio Mário da Silva Pereira torna-se taxativo: “normalmente, cessa com a prestação. A solutio é o seu fim natural, com a liberação do devedor e satisfação do credor”57. Ou seja, “(...) o meio normal de extinção dos contratos se dá com o normal cumprimento das obrigações nele geradas”58. Dando o credor a devida quitação, estará livre o devedor de quaisquer ônus acerca de tal contrato. A exoneração do devedor da obrigação por meio da quitação é imprescindível para a cessação da relação contratual, sendo o recibo a prova de quitação da obrigação. Maria Helena Diniz assim se manifesta: A quitação é um direito do solvens, e maneira que, se esta não lhe for entregue ou se lhe for oferecida irregularmente, poderá reter o pagamento, sem que se configure mora, ou consignar a prestação devida. (..) É mister ressaltar que, apesar da quitação ser prova mais completa do pagamento, não é exclusiva, pois o mesmo poderá ser evidenciado por 59 presunções, confissão, testemunhas, etc . Com o fim do contrato, encerra-se o capítulo que trata unicamente dos contratos, em sua teoria geral. Passa-se, agora, pouco mais sobre vícios redibitórios, a fim de dar continuidade em nosso estudo. 56 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 151. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 149. 58 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 57. 59 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 176. 57 Capítulo 2 VÍCIOS REDIBITÓRIOS 2.1 INTRODUÇÃO Neste capítulo, adentrar-se-á às peculiaridades básicas dos vícios redibitórios, com o fito de buscar sua essência, bem como sua história, seus requisitos, sua natureza jurídica, dentre outros. Far-se-á uma breve explanação de como se trata o assunto ao redor do mundo, buscando no Direito Comparado o cotejo de como o tema vícios redibitórios é manejado pelas normas dos países que mais influenciaram o Direito brasileiro. Ainda, necessário destacar e abordar que o assunto é tratado no Código Civil em vigência, como já havia sido no anterior, não podendo este trabalhado furtar-se a comentar esta particularidade. 2.2 CONCEITO DE VÍCIOS REDIBITÓRIOS Necessário se faz abordar os mais diversos conceitos, dos mais renomados autores, sobre o assunto principal deste trabalho. Passa-se, portanto, ao entendimento doutrinário de vários especialistas no assunto. Para Washington Monteiro de Barros, vícios redibitórios são “defeitos ocultos da coisa, que a tornam imprópria ao fim a que se destina, ou lhe diminuem o valor, de tal forma que o contrato não se teria realizado se esses defeitos fossem conhecidos”60. Silvio de Salvo Venoza, no entanto, adverte que “a garantia refere-se a vícios ocultos na coisa, ao tempo da transmissão. Presume-se que o negócio 60 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações, p. 53. não teria sido realizado, ou teria sido realizado de outra forma, se o adquirente soubesse da existência do defeito na coisa”61. Leonardo Nunes assim define: Vícios redibitórios são os defeitos existentes na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar a ação redibitória para a rejeição da coisa e a devolução do preço pago (rescisão ou redibição) ou ação estimatória (actio quanti minoris) para a restituição de parte do preço, a título de 62 abatimento . O advogado Waldir de Pinho Veloso vai além: A denominação de “vícios redibitórios” tem o motivo de que, desconhecidos no ato da feitura do negócio, quando descobertos, ensejam a necessidade imperiosa de que haja a redibição da coisa. Ou seja, a desconsideração do que se encontra contratado, quanto à coisa, causando a rescisão contratual. O nome, porém, ultrapassa a possibilidade jurídica, já que nem sempre há a rescisão contratual, podendo haver soluções intermediárias, como diminuição do preço, ainda que já pago – caso em que haveria apenas a devolução de parte, na proporção da diminuição da prestabilidade do produto adquirido, ou, pelo defeito 63 apresentado, causa uma redução do valor do bem . Para Caio Mário da Silva Pereira, “vício redibitório é o defeito oculto de que portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou lhe prejudica sensivelmente o valor”64. Maria Helena Diniz assim ensina: Os vícios redibitórios, portanto, são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comuns às congêneres, que a tornam imprópria ao uso 61 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 561. 62 NUNES, Leonardo. Novo código civil comentado, p. 412. 63 VELOSO, Waldir de Pinho. Evicção e outros vícios redibitórios, p. 1. 64 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 123. a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação para 65 redibir o contrato ou para obter abatimento no preço . Silvio Rodrigues remete ao próprio Código Civil a conceituação de vícios redibitórios, apenas observando o seguinte: O propósito do legislador, ao disciplinar essa matéria, é aumentar as garantias do adquirente. De fato, ao proceder à aquisição de um objeto, o comprador não pode, em geral, examiná-lo com a profundidade suficiente para descobrir os possíveis defeitos ocultos, tanto mais que, via de regra, não tem a posse da coisa. Por conseguinte, e considerando a necessidade de rodear de segurança as relações jurídicas, o legislador faz o alienante responsável pelos vícios ocultos da 66 coisa alienada . Para Paulo Antonio Begalli, “são falhas ou defeitos ocultos na coisa, objeto de contrato comutativo ou doação com encargo, incomum ao gênero, que a torna imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminui o valor”. E completa: “são defeitos que, se conhecidos antes da avença, impediriam o acordo entre as partes”67. Em geral, os juristas e doutrinadores tratam o assunto, resumidamente, como o fez o advogado José Carlos Fortes: “vícios redibitórios são defeitos ocultos em coisa recebida, em decorrência de contrato comutativo, que tornam a coisa adquirida imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuam o valor”68. Serpa Lopes conclui o estudo: Assim, quando se trata de vícios, o comprador limita-se a se queixar dos defeitos relativos à natureza da coisa, ao passo que a vítima do erro vista a anulabilidade do ato em razão de um ponto que deveria ter reconhecido, mas que lhe ficou ignorado por circunstâncias especiais. Nos vícios 65 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 130. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 103. 67 BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil, p. 160-161. 68 FORTES, José Carlos. Vícios redibitórios, p. 01. 66 redibitórios, toma-se em consideração o ponto inerente às qualidades em suas relações com suas funções, de acordo com as regras do contrato ou com os princípios gerais do 69 comércio (...) . Portanto, várias são as conceituações dos doutrinadores sobre o assunto, sendo que a principal conceituação advém do próprio Código Civil. 2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Os vícios redibitórios foram tratados pela primeira vez com Ulpiano, em seu Digesto70, no Direito Romano. Era restrito à venda de gados e escravos, que apresentavam vícios ocultos, sendo o edil curul, uma espécie de magistrado incumbido de fiscalizar os mercados, responsável pelas normas reguladoras. A princípio, em Roma, não havia uma garantia implícita na coisa, no contrato de compra e venda. Para que surgisse a responsabilidade do alienante, era necessário que, ao concluir a venda, fosse feita uma declaração de que a coisa estava isenta de vícios. (...) Na falta dessas declarações de garantia, surgiam disputas, principalmente relacionadas com a venda de escravos. (...) Em conseqüência dessa garantia surgiram a actio 71 redhibitoria e a actio quanti minoris . Assim trata J. M. Leoni Lopes de Oliveira: 69 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Direito civil: fontes das obrigações: contratos, p. 151. Coleção das decisões dos jurisconsultos romanos mais célebres, transformadas em lei por Justiniano, imperador romano do Oriente (c. 483-565), e que é uma das quatro partes do Corpus Juris Civilis; Pandectas. (Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI, Versão 3.0, 1999, Editora Nova Fronteira). 71 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 562. 70 Segundo a lição de Ernesto C. Wayar, no Direito Romano, para que se reconhecesse a ação própria de redibição era necessário que se encontrassem reunidos os seguintes requisitos: 1) que os vícios tornassem a coisa imprópria para uso ao qual estava destinada, ou diminuísse sensivelmente seu valor, 2) era preciso que os defeitos existissem anteriormente à venda; e que existissem, todavia, no momento em que o comprador quisesse usar de seu direito, e 3) que os vícios deviam ser desconhecidos pelo 72 vendedor . No entanto, Serpa Lopes afirma que já na Lei das XII Tábuas existia uma prevenção contra os vícios: “Entretanto, cumpre não se exagerar a importância do Édito de Edis, do ponto de vista da evolução do instituto, porquanto já na Lei das XII Tábuas figurava uma pena em dobro ao vendedor que afirmasse falsamente qualidades não contidas na coisa”73. No Brasil, os vícios redibitórios vieram acompanhados sob a forte influência do Direito Europeu, notadamente o português, o qual influenciou o Direito Civil como um todo, desde o tempo das Ordenações Filipinas –, passando pela Consolidação das Leis Civis, Código Comercial, Código Civil de 1916 e agora, no atual Código Civil. Assim, passa-se a visualizar, a seguir, como os vícios redibitórios são tratados nas principais ordenações influenciadoras do nosso Direito Civil. 2.4 DIREITO COMPARADO Necessário e imprescindível a comparação do assunto tratado neste capítulo com o Direito dos países europeus, notadamente os que mais influenciaram o Direito brasileiro, sendo apenas um compêndio, a fim de dar uma visão mais abrangente sobre os vícios redibitórios no mundo e sua influência no nosso Direito. 2.4.1 Direito francês 72 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 1. É fato que o Direito francês, com seu Código Napoleônico do século XIX, absorveu muito do Direito romano. Os ensinamentos, as doutrinas, as ações a serem propostas, as melhores soluções à configurar o fato e a dar-lhe a melhor tutela. J. M. Leoni Lopes de Oliveira, em seu estudo histórico de Direito comparado, informa que “o sistema francês exige os seguintes requisitos para a configuração dos vícios redibitórios: a) que o vicio seja grave; b) que o vicio seja oculto, c) que o vicio seja anterior à venda; d) que o vicio seja ignorado pelo comprador”74. Assim, o legislador francês propõe a ação redibitória ou a estimatória (quanti minoris) para melhor solucionar a demanda, sendo sua proposta semelhante ao Direito romano. 2.4.2 Direito italiano A codificação civilista italiana trata dos vícios redibitórios no capítulo da “garantia pelos vícios da coisa vendida”, donde se percebe a importância que o legislador italiano teve ao unificar garantia da coisa com os vícios que possam estar presentes na mesma. Com efeito, trata-se do mesmo princípio romano, usado inclusive no Código Civil francês, de onde se retira que os vícios, para que se configurem, devem tornar a coisa imprópria ao uso a que se destina ou diminua-lhe o valor. Para se configurar, ainda, deve o comprador desconhecer os vícios no momento da celebração do contrato, como prevê as cláusulas excludentes, citadas por J. M. Leoni Lopes de Oliveira: No artigo 1491 do Código Civil italiano estão previstas as hipóteses de exclusão da garantia pelos vícios redibitórios. Realmente, estabelece o referido artigo que não é devida a garantia se, no momento do contrato, o comprador conhecia os vícios da coisa; também não é devida, se os vícios eram 73 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito civil: fontes das obrigações: contratos, p. 148. 74 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 1. facilmente reconhecíveis, salvo, no caso em que o vencedor 75 tenha declarado que a coisa era isenta de vícios . E emenda seu estudo no artigo seguinte, quando trata dos efeitos da garantia: (...) o comprador pode demandar à sua escolha a resolução do contrato ou a redução no preço, salvo se, para determinar os vícios, os usos excluam a resolução. A escolha é irrevogável a partir do momento em que é 76 demandada a ação judicial . 2.4.3 Direito alemão A extensão do assunto no Código civil alemão só retrata a importância do tema no mundo jurídico, tendo mais de 30 artigos a parte referente aos vícios redibitórios. Em seu estudo muito bem elaborado e sucinto sobre os vícios redibitórios no âmbito jurídico europeu, J. M. Leoni Lopes de Oliveira analisa: Efetivamente, no artigo 459 do Código Civil alemão está estabelecido que o vendedor de uma coisa responde ao comprador que, no momento em que foi transferida ao comprador, a coisa não está afetada de vícios que diminuam o seu valor ou sua aptidão para o uso habitual ou para o estabelecido no contrato. Uma diminuição insignificante do valor ou aptidão, para o uso, não se leva em consideração. O vendedor responde também de que a coisa, no momento 77 da tradição, possui as qualidades afirmadas . Quanto às ações a serem ajuizadas por conta de tais infortúnios, o código alemão segue o direito romano, com a redibição da compra, e sua conseqüente resolução do contrato, ou a redução do preço, a fim de abater-se do prejuízo o comprador, permanecendo com a coisa viciada. 2.4.4 Direito português 75 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 2. OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 2. 77 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 2. 76 No que tange ao Direito português, o assunto é tratado no título referente aos contratos de compra e venda, na parte liga à venda de coisas defeituosas, estabelecendo: Se a coisa vendida sofrer de vícios que desvaloriza ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na seção referente à venda de bens onerados, em tudo quanto não seja modificado pelas 78 disposições dos artigos referentes aos vícios redibitórios . Sendo assim, é de se reparar ou substituir a coisa dada viciada, só cabendo a substituição no que tange à coisa fungível. Se não o for, deve o vendedor somente repará-la. A denúncia será feita até trinta dias após o conhecimento do defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa. A caducidade da ação está prevista no artigo 917, estabelecendo que a ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do pedido 79 de anulabilidade (art. 287, nº 2 do Código Civil português) . 2.4.5 Direito espanhol Deixemos por último a comparação da legislação espanhola com a brasileira. São pequenos detalhes que a tornam especial, à visão jurídica brasileira, de modo que merece destaque em nosso trabalho. De primeiro, cabe salientar que, como as outras legislações apresentadas, a parte que regulamenta o estudo dos vícios redibitórios encontrase inserida nos contratos de compra e venda. 78 Artigo 913 do Código Civil português, citado pelo Procurador de Justiça Leoni Lopes de Oliveira (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 3). 79 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 3. Nota-se, porém, que apesar da raiz do artigo 1484 do Código Civil espanhol advir do Direito romano, até aqui em comum com todas as outras estudadas, a última parte merece destaque: Estabelece o artigo 1484, que o vendedor está obrigado ao saneamento pelos vícios ocultos que tiver a coisa vendida, se a torna imprópria para o uso a que se destina, ou lhe diminui de tal modo o uso que, se os houvesse conhecido o comprador, não haveria adquirido ou haveria pago menos por ela; mas não será responsável pelos defeitos manifestos ou que estivessem à vista, nem tão pouco pelos que, apesar de não o estarem, se o comprador é um perito que, por razão de seu oficio ou profissão, deveria facilmente 80 conhecê-los . Ou seja, sendo um expert no assunto, não há como se alegar vícios redibitórios no momento da compra e venda, nem tampouco na tradição, pois entende a codificação civilista espanhola que seria um dever ao perito, de ofício ou profissão, reconhecê-los, não cabendo alegá-los posteriormente. Assim, configurados os vícios redibitórios na coisa, tem o comprador as opções previstas nas ações advindas do Direito romano, melhor nos explicando o Procurador de Justiça Leoni Lopes de Oliveira: O comprador poderá optar entre desistir do contrato, abonando-se os gastos que teve, ou reduzido o preço a uma quantidade proporcional, mediante laudo de peritos (artigo 1486). Se o vendedor conhecia os vícios ou defeitos ocultos da coisa vendida e não os comunicou ao comprador, terá este a mesma opção, além da indenização pelos danos e prejuízos, se optar pela rescisão. Se a coisa vendida se perder por efeito dos vícios ocultos, diz o artigo 1487 do Código Civil espanhol, conhecendo-os o vendedor, sofrerá este a perda, e deverá restituir o preço e abonar os gastos do contrato, com os danos e prejuízos. Se 80 Artigo 1484 do Código Civil espanhol, citado pelo Procurador de Justiça Leoni Lopes de Oliveira (OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 2). não os conhecia, deve somente restituir o preço e abonar 81 gastos do contrato efetuado pelo comprador . Porém, se a coisa vendida era viciada, e perdeu-se, após a venda, por caso fortuito ou força maior, ou ainda por culpa única e exclusiva do comprador, o vendedor somente responderá pela diminuição do valor da coisa até a data em que se perdeu. O prazo para reclamar tal direito extingue-se em seis meses, que contam-se da tradição da coisa viciada. Não se confunde com o Direito português, que separa o conhecimento do vício com a tradição da coisa. Para o legislador espanhol, basta a tradição da coisa viciada para determinar o dies a quo do prazo estipulado. 2.5 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NO DIREITO BRASILEIRO De primeiro, cabe considerar que este trabalho visa o estudo dos vícios redibitórios nos contratos imobiliários de compra e venda, razão porque excluímos o estudo dos trabalhos inseridos no Código de Defesa do Consumidor, bem como os imóveis adquiridos em hasta pública, por terem, ambos, requisitos singulares, desvirtuando do assunto principal. Cabe frisar que, no Brasil, os vícios redibitórios vieram acompanhados sob a forte influência do Direito Europeu, notadamente o português, o qual influenciou o Direito Civil como um todo, desde o tempo das Ordenações Filipinas –, passando pela Consolidação das Leis Civis, Código Comercial, Código Civil de 1916 e agora, no atual Código Civil. A partir de agora, e até a conclusão deste trabalho, passaremos a tratar somente dos vícios redibitórios no Direito brasileiro, focalizando-se ao Código Civil em vigor. Razão não teria a remeter-se à antiga codificação civilista, visto o instituto e seus princípios manterem-se inalterados ao longo do último século; contudo, as alterações com relação aos prazos serão evidentemente estudadas. 81 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Vícios redibitórios no direito comparado, p. 4. 2.5.1 Requisitos Para se caracterizar a atuação de vícios redibitórios na coisa alienada, três são seus requisitos básicos, a saber: - O vício deve ser oculto; - O defeito deve ser grave; - Os defeitos devem existir ao tempo do contrato. Diz-se do primeiro quando não há circunstância que o revele, onde seja impossível argüir sua existência. Quando se mostra visível, sendo “suscetível de ser descoberto por meio de um exame comum, comumente feito por um homem cuidadoso no trato de seus negócios”82, não há que ser falar em ocultação, pois a lei não protege a negligência. Silvio de Salvo Venosa assim explica: Os defeitos aparentes não dão margem à responsabilidade do alienante. Há necessidade de valoração prática desse requisito em cada caso concreto. Há coisas que na vida social são conhecidas pela sociedade em geral. Há coisas que dependem de maior ou menor conhecimento técnico, para serem conhecidas. A noção de homem médio no caso dos vícios redibitórios tem que ser avaliada dessa forma. (...) O que mostra como defeito notório para um especialista não será para um homem médio. (...) Como primeiro enfoque do problema, podemos afirmar que os vícios ou defeitos ocultos são os que poderiam ser descobertos mediante exame atento e cuidadoso da coisa, praticado pela forma usual no caso concreto. Não deve ser entendido que o homem comum tenha o dever de se assessorar de um técnico em qualquer negócio jurídico. O alienante é quem tem o dever 83 de boa-fé no contrato, alertando sobre eventual vicio . Na continuação, o defeito há que ser grave, de tal monta que há desvalorização da coisa, ou até mesmo tornando-a inapropriada ao uso a que se destina. 82 BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil, p. 164. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 563. 83 Não é, portanto, qualquer falha que fundamenta o pedido que visa responsabilizar o alienante por vício redibitório. Defeitos insignificantes ou que possam ser removidos são insuficientes para justificar a invocação da garantia, visto que não tornam o bem inapto a seu uso, nem diminuem a sua expressão econômica, o que apenas poderá acontecer se houver ocorrência de defeitos graves e irremovíveis da 84 coisa . Silvio de Salvo Venosa comenta: O defeito deve ser grave. E deve ser de tal importância que, se dele tivesse tomado conhecimento anteriormente, o contrato não teria sido concluído. Essa importância vista no caso concreto é que torna a coisa imprópria para o uso destinado, ou lhe diminui o valor, como dispõe o art. 441 (antigo, art. 1.101). A impropriedade para o uso, ou a diminuição do valor, norteará a escolha da ação a ser proposta pelo prejudicado, a redibitória, para desfazimento do negócio, ou a quanti minoris, para abatimento do preço. 85 A escolha da ação, no entanto, incumbe à parte . Note-se que o defeito deve prejudicar a utilidade da coisa, não sendo visíveis aos olhos do leigo, quando da tradição do bem imóvel. De acrescentar, por último, ser indispensável que se constate certa gravidade nos defeitos, o que não se tipifica se a coisa revelar se a coisa revelar apenas algumas deficiências secundárias, restritas às aparências. Deste modo, não conduz ao reconhecimento do vício se não apresenta tanta beleza, ou não se revelar tão agradável e perfeita como esperava o adquirente. Tais precariedades não retiram a qualidade do bem, nem prejudicam a 86 funcionalidade . 84 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 132. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 564. 86 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 197. 85 Mesmo assim, faz uma ressalva, ao dizer que “defeitos irrelevantes que não alteram a destinação da coisa, nem seu preço, não são considerados vícios”87. Com a mesma tese, Maria Helena Diniz faz o seguinte comentário: (...) se a coisa for menos excelente, menos vela, menos agradável, estiver desfalcada em sua quantidade, em relação ao número mencionado pelo alienante, ou apresentar ausência de uma qualidade não se terá vícios redibitórios. Não é, portanto, qualquer falha que fundamenta o pedido que visa responsabilizar o alienante por vicio redibitório. Defeitos insignificantes ou que possam ser removidos são insuficientes para justificar a invocação da garantia, visto que não tornam o bem inapto a seu uso, nem diminuem a sua expressão econômica, o que apenas poderá acontecer se houver ocorrência de defeitos graves e irremovíveis da 88 coisa . Para Serpa Lopes, existem duas situações a serem retiradas do art. 441 do Código Civil, como explica: Esse dispositivo estabelece notável distinção entre as duas situações que podem envolver a coisa, isto é, de absoluta inutilidade ao seu destino econômico ou a de menor rendimento quanto ao seu uso. Essa distinção, por outro lado, põe em evidência a terminologia empregada – vícios redibitórios – por isso que tais vícios produzem a redibição da coisa: redhibere est facere rursus venditor quod habuerit, dando lugar à rescisão do contrato, com a restituição da coisa que dele era objeto – (re-habere). Mas tal expressão é incompleta, pois dessa espécie de garantia não surge tão-somente a ação redibitória, senão igualmente a quanti minoris, por força da qual se pede exclusivamente 89 o abatimento do preço . 87 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 564. 88 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 130. 89 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito civil: fontes das obrigações: contratos, p. 147. No que tange à existência dos vícios ao tempo da celebração do contrato, importante a observação abaixo transcrita: A questão da fixação do momento da origem do vício é resolvida por meio de prova, nem sempre muito fácil. É matéria complexa, por exemplo, saber se a umidade de um prédio provém de vazamento de tubulação anterior ao negócio. Os vícios que eclodem após a transferência são de responsabilidade do adquirente. É importante fixar, nesse diapasão, que será considerado vicio ou defeito oculto aquele cujo fato gerador é anterior ou concomitante ao 90 negocio jurídico . Silvio Rodrigues assim comenta: O defeito deve existir no momento do contrato – se sobreviver após a tradição da coisa, o ônus pelo surgimento incumbe ao adquirente, que se tornou seu dono. (...) Todavia é possível que o defeito, por isso que oculto, se manifeste somente após a tradição da coisa, causando seu perecimento. Neste caso a responsabilidade do alienante 91 subsiste, devendo indenizar o adquirente . Portanto, vários são os requisitos para a configuração dos vícios redibitórios na coisa alienada, sendo todos de obrigação conjunta, não podendo a configuração de um deles suprimir a falta de outro. 2.5.2 Efeitos Da caracterização dos vícios redibitórios, cabem duas ações, a saber: ação redibitória e ação quanti minoris. 90 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 564. 91 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 110. Das ações possíveis, a que melhor convier ao adquirente da coisa viciada será intentada na Justiça. Não cabe à esta escolher pelo comprador, mas cabe ao comprador saber o que lhe é melhor: a resolução do contrato ou o abatimento do preço da coisa, com a manutenção de sua posse. Desde que se configurem as condições de sua ocorrência, o alienante responde pelos vícios redibitórios. Não se exime, ainda que os ignore (...), pois que o fundamento de sua responsabilidade, como vimos, não é a sua conduta, mas a pura e simplesmente a aplicação do direito de garantia. E não se exonera, igualmente, se a coisa, já em poder do adquirente, vier a perecer em razão do vício oculto e preexistente (...), pois se é certo que res perit domino, a relação de causa e efeito, contudo, entre o perecimento e o 92 defeito implica a responsabilidade do alienante . No entanto, não nos aprofundaremos no assunto neste tópico, que foi gerado apenas para não gerar um vazio no estudo dos vícios redibitórios. Voltar-se-á ao assunto no tópico “Ações Edilícias”, ao adentrarmos no capítulo seguinte, quando teremos mais elementos e um campo de atuação mais concentrado. 2.5.3 Prazos decadenciais Ainda que se tenha dois estatutos a regular os prazos decadenciais vigentes, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, ater-se-á ao primeiro, pelas razões que já foram expostas nesse trabalho. No que se refere aos prazos decadenciais, mister se faz suscitar o art. 445 do Código Civil brasileiro, in verbis: Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzindo à metade. 92 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 124. § 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria. O prazo decadencial encontrado na codificação civilista é de um ano, contado da entrega efetiva da coisa imóvel. Contudo, se o adquirente já estava na posse da coisa imóvel, este prazo reduz-se à metade, contado da alienação. Como já reportamos no estudo da teoria geral, o mais recente estatuto preocupa-se em inserir os respectivos prazos de decadência na Parte Especial, em cada um dos institutos jurídicos pertinentes. Em matéria de vícios redibitórios, foram atendidos os reclamos da doutrina e da realidade negocial, com inovações sobre os prazos e sua forma de contagem. Peca, porém, o legislador do Código, aqui com alhures, ao permitir que tenhamos dois estatutos, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, para regular o mesmo instituto, em matéria que poderia ser perfeitamente unificada, evitando-se 93 o desnecessário desgaste jurisprudencial . Em seus estudos, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho advertem para a redação do Código Civil: Cuidou-se, aqui, de regular a situação muito comum de o vício redibitório apenas ser detectado após a tradição, ou, como quer o legislador, “ser conhecido mais tarde”, hipótese em que o prazo será contado a partir do momento em que o adquirente tiver ciência do defeito (termo a quo), até o prazo 93 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 568. máximo de 180 dias, se a coisa for móvel, e de um ano, se for imóvel. Saliente-se este ponto: tal prazo somente correrá a partir do momento em que o dono da coisa detectar o vício, o qual, obviamente, não poderá decorrer da má utilização, e sim, 94 ser anterior à tradição da coisa . Mas para Arnaldo Rizzardo, ao tratar do assunto, tem a seguinte observação a ser feita: No caso de imóveis, se a abertura de matrícula e o registro no oficio imobiliário se procedem anteriormente ao uso ou ocupação do bem, ou a tradição da posse, não se concebe falar em vício redibitório. Por ser uma das condições, para o reconhecimento, que seja oculto, é indispensável o uso. Daí que o prazo inicia com o uso, ou a experimentação do 95 imóvel . Rogério Marrone de Castro Sampaio traz à tona discussão acerca da expressão a ser utilizada em nosso ordenamento jurídico, citando João Batista de Mello Souza Neto: “Embora tenha o legislador, para o caso, se valido do termo prescrição, prevalece, nos meios doutrinários, tratar-se de prazo decadencial (...)”96. No entanto, este prazo é alterado, e até mesmo suprimido, se as partes assim concordarem e estipularem no contrato, como ver-se-á no item subseqüente. 2.5.4 Cláusula de garantia Com o fito de evitar transtornos futuros e a desconfiança da outra parte, podem os contratantes estabelecer menor ou maior prazo de garantia. Com isso, os prazos decadenciais contam-se após a fluência dessa cláusula especial, regida pelo art. 446 do Código Civil, in verbis: 94 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos, p. 217. 95 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p. 202. 96 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 51. “Não correrão os prazos os artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.” Jones Figueiredo Alves comenta o dispositivo: Cláusula de garantia é cláusula obstativa de decadência e como cláusula contratual, pela qual o alienante acoberta a indenidade da coisa, é complementar da garantia obrigatória e legal, a que responde. Não exclui, portanto, a garantia 97 legal . Ou seja, ainda que o prazo decadencial seja estabelecido pelo Código Civil em um ano, se estipulada cláusula de garantia e constatada a existência de vício redibitório, não sendo informada ao vendedor em trinta dias, não há que se falar em prazo decadencial de um ano. Não se trata de prazo para o ingresso de ação, mas para a simples comunicação, denúncia do defeito, solicitando as providências cabíveis. (...) Como os prazos decadenciais não correm durante o período da garantia, conforme a dicção legal, eles somente se iniciam após o término final desta garantia. Trata-se de obstáculo legal do prazo 98 decadencial . Para Maria Helena Diniz, poderá o adquirente do bem inclusive constar que não opta pela cláusula de garantia nem mesmo por qualquer outra garantia contra vícios redibitórios: Os limites da garantia, isto é, o quantum do ressarcimento e os prazos respectivos poderão ser ampliados, restringidos ou até mesmo suprimidos pelos contraentes; entretanto, nessa última hipótese, o adquirente assumirá o risco do 99 defeito oculto . 97 ALVES, Jones Figueiredo. Novo código civil comentado, p. 397-398. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 570. 99 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 133. 98 Caio Mário da Silva Pereira comenta a cláusula de garantia nos seguintes moldes: Equivale a cláusula a uma suspensão convencional da decadência e, aplicada à espécie, importante em que, até o advento do termo ajustado, está inibindo o alienante de invocar a decadência do direito do adquirente, que pode postular a efetivação da responsabilidade pelo vício redibitório além do prazo legal de decadência da ação. O prazo de garantia constitui, pois, um reforçamento, e chega a ser mais do que a responsabilidade do vício oculto, porque abrange a segurança do bom funcionamento 100 . A cláusula de garantia, em suma, visa a proteger dos vícios ocultos o bem imóvel objeto de alienação, podendo estender o prazo legal, restringi-lo a certos parâmetros convencionados pelas partes ou até mesmo suprimi-lo. Instaurou-se, na prática, discussão a respeito do início desse prazo, notadamente quando se trata de bens móveis. Em que pese a clareza do texto, considerado, como dies a quo para o inicio do prazo decadencial, a data em que se deu a tradição do bem, há quem sustente seu início apenas com o surgimento da vício, considerado-se, contudo, com um inegável situação de insegurança, já que, na prática, se correria o risco de prolongar, indefinidamente, o início do prazo decadencial. (...) Ainda quanto ao tema, prevalece o entendimento de que há prorrogação do início desse prazo quando as partes estabelecem prazo de garantia ou, então, quando os bens adquiridos são máquinas, ocasião em que ele apenas tem início quando termina a garantia ou posta em funcionamento a coisa, respectivamente 100 101 101 . PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 128. SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos, p. 50-51. Paulo Antonio Begalli faz última observação, para encerrar-se o assunto: “As partes podem estipular livremente sobre o vício redibitório, inclusive aboli-lo, mediante cláusula expressa. No silêncio, presume-se a garantia”102. 2.6 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NO CÓDIGO CIVIL Imprescindível citar, ainda que tardiamente, o Código Civil de 2002, na parte referente aos Vícios Redibitórios, tema deste trabalho; assunto este inserido no título dos Contratos em Geral, na Parte Especial da codificação civilista. Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas. Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço. Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato. Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. 102 BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil, p. 167. § 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria. Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao 103 seu descobrimento, sob pena de decadência . Com isso, encerra-se o segundo capítulo deste trabalho, que teve como objeto o estudo dos vícios redibitórios, em âmbito geral, comparando-o às diversas legislações que influenciaram o Direito brasileiro. Passa-se ao terceiro, último e mais interessante capítulo deste estudo, donde visualizar-se-á o tema central do trabalho. 103 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Capítulo 3 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS DE COMPRA E VENDA 3.1 INTRODUÇÃO Astucioso foi o caminho manejado por este trabalho, ao pretender o estudo dos vícios redibitórios em contratos de compra e venda, sem adentrar nos contratos locatícios, não abrangendo apenas bens em geral, mas bens específicos, num enfoque imobiliário. O fato de não trabalhar utilizando-se o Direito do Consumidor, como já bem explanado, deve-se ao entendimento de que caberia, certamente, um estudo único e específico sobre o tema, pois muito há que ser explorado neste aspecto, sobrepujando os limites do presente estudo. Portanto, passa-se ao tema central deste trabalho, num encontro certo do estudo com a pesquisa. 3.2 VÍCIOS REDIBITÓRIOS NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS DE COMPRA E VENDA Para que se configurem vícios redibitórios nos contratos imobiliários de compra e venda, necessários se fazem os seguintes pressupostos: - Vícios redibitórios; - Contratos imobiliários; - Contratos de compra e venda. Por vícios redibitórios tem-se inúmeros conceitos, expostos no segundo capítulo do presente trabalho. Em suma, Washington Monteiro de Barros conclui por vícios redibitórios os “defeitos ocultos da coisa, que a tornam imprópria ao fim a que se destina, ou lhe diminuem o valor, de tal forma que o contrato não se teria realizado se esses defeitos fossem conhecidos”104. Em seguida, imprescindível que se configurem tais defeitos ocultos em contratos imobiliários, objeto deste estudo. Por contato imobiliário entende-se o acordo entre duas ou mais pessoas que tenha por objeto bem imóvel, transferindo direito e/ou obrigações. Ainda, mister se faz que sejam contratos de compra e venda, pois nem todo contrato imobiliário oneroso é de compra e venda. Pode-se ter uma doação onerosa, o que descaracterizaria a primária pretensão. Portanto, presentes os requisitos à configuração do presente trabalho, tem-se que perfeitos e sanados os pressupostos à elucidação do estudo desencadeado. 3.3 AÇÕES EDILÍCIAS Verificada a existência dos vícios redibitórios nos contratos imobiliários de compra e venda, duas ações existem a fim de fazer valer o exposto no Código Civil brasileiro: a ação redibitória e a ação estimatória – quanti minoris. Quando o adquirente opta pelo abatimento do preço da coisa adquirida em vez da devolução pura e simples, com rescisão contratual, a ação própria leva o nome de “estimatória” ou quanti minoris. Se porém, a opção é pela rescisão contratual, com a devolução da coisa e a conseqüente cobrança do preço anteriormente pago, acrescido da atualização monetária, toma por mão a “ação redibitória”. Ambas as ações pertencem às chamadas “ações edilícias”. Os princípios que autorizam a reclamação, em juízo, pelo adquirente que se vê em seus direitos, voam pelos lados dos que desautorizam o enriquecimento sem causa, bem como o princípio da boa-fé contratual 104 105 . MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações, p. 53. Diferente não é o posicionamento dos demais doutrinadores, como se denota a seguir: O adquirente, em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato, poderá reclamar o abatimento no preço (C.C. art. 442). Infere-se daí que, havendo vicio redibitório, terá o adquirente duas alternativas à sua escolha: a) ou rejeitará a coisa defeituosa, rescindindo o contrato, por meio da ação redibitória, reavendo o preço pago e obtendo o reembolso de suas despesas, além das perdas e danos, se o alienante conhecia o vicio; b) ou conservará o bem, reclamando o abatimento no preço, sem acarretar a redibição do contrato, lançando mão da ação estimatória ou quanti minoris. Sua escolha será irrevogável, tendo o efeito de concentrar a prestação: uma vez feita a opção, não poderá mais desistir após a citação do alienante 106 . Caio Mário da Silva Pereira também contribui, conforme a citação abaixo transcrita: Pode acontecer que, portadora embora do vício oculto, a coisa ainda tenha utilidade para o adquirente, e não seja de seu interesse, nem de sua conveniência, enjeitá-la, devolvendo-a ao alienante por via da ação redibitória (actio reddhibitoria no Direito Romano, Wandelung do direito alemão). Em tal caso, faculta-lhe a lei outra ação, a estimatória ou de abatimento de preço (actio aestimatoria ou quanti minoris no Direito Romano, Minderung no alemão), pela qual o adquirente, conservando a coisa defeituosa, reclama seja o seu preço reduzido daquilo que o defeito oculta a depreciou, para que não a pague por inteiro, ou, se já o tiver feito, para obtenha restituição parcial do despedido (art. 442). Esta faculdade não pode ser levada ao extremo de criar para o adquirente uma fonte de enriquecimento, mas deve ser de damno vitando, limitada a proporcionar ao adquirente uma solução eqüitativa, que o resguarde de pagar pela coisa defeituosa o preço de uma perfeita. 105 106 VELOSO, Waldir de Pinho. Evicção e outros vícios redibitórios, p. 3. DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, p. 133. A lei cria, desta sorte, uma obrigação alternativa a beneficio do adquirente. O alienante deve a redibição do contrato ou a diferença de preço, e, como a escolha cabe ao credor fará esta opção, com o efeito de concentrar a prestação. Daí afirmar-se, com boa extração, que a escolha é irrevogável 107 . Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a ação redibitória é a mais dispendiosa, conforme se denota a seguir: A primeira solução é a mais drástica. O alienatário, insatisfeito pela constatação do vício, propõe, dentro do prazo decadencial previsto em lei, uma ação redibitória, cujo objeto é, precisamente, o desfazimento do contrato e a devolução do preço pago, podendo inclusive pleitear o pagamento das perdas e danos. No segundo caso, prefere o adquirente, também no prazo decadencial da lei, propor ação para pleitear o abatimento ou desconto no preço, em face do defeito verificado. Tal 108 ação denomina-se ação estimatória ou quanti minoris . As ações edilícias, tanto redibitória quanto estimatória, já eram conhecidas desde os tempos romanos, como se verificou no estudo histórico dos vícios redibitórios. Mas cabe a observação de Arnaldo Rizzardo, para quem existe uma terceira via: a simples reparação. Por este prisma, tem-se que o alienante simplesmente repara pecuniariamente ou sana o vício através de profissional habilitado, sem redibir o contrato, nem abater-lhe o preço de venda. Assim, o comprador permanecerá com o bem, agora sem defeitos. Todavia, acaso o adquirente do bem imóvel opte por intentar uma das ações edilícias, não pode o mesmo desistir da ação, a fim de intentar outra de mesma espécie. No caso, escolhida a ação redibitória, não há que se falar em desistência, a fim de que se proceda ação quanti minoris, pois uma vez escolhida a competente ação, não se pode voltar atrás. 107 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, p. 127. (...) escolhido um remédio judicial, não pode o autor dele desistir para recorrer ao outro. Pois aqui se aplica a máxima: electra uma via non datur regressus ad alteram 109 . No entanto, tudo o que se refere a essas ações edilícias tem o seguinte objetivo: não provocar o enriquecimento ilícito de uma das partes, em detrimento da outra. 3.3.1 Julgamentos Neste tópico, passa-se a expor algumas jurisprudências a respeito do assunto ora tratado, como podemos comprovar: RESCISÃO DE AVENÇA - VÍCIO REDIBITÓRIO INEXISTÊNCIA - DEVOLUÇÃO DE ARRAS - ART. 1.097 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA ÉTICA E DO FIM SOCIAL DO CONTRATO RECURSO ADESIVO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - RECURSOS IMPROVIDOS - I Não se pode acatar a alegação de vício redibitório na compra e venda de uma casa, consubstanciado na ausência de garagem, porquanto o suposto defeito é de percepção evidente, ainda mais quando a parte reconhece ter vistoriado o imóvel em questão. II - À autora deve ser imputada a culpa pela inexecução do contrato, porquanto ela, com base em vício redibitório inexistente, desistiu do negócio, e por isso, nos termos do art. 1.097 do Código Civil de 1916, normativo vigente à época da celebração da avença, deverá perder as arras dadas em favor da outra parte. III - As normas relativas à boa-fé objetiva, ética e fim social do contrato referem-se a parâmetros de interpretação e integração dos contratos, mas não se prestam a esvaziar dispositivo legal que expressamente autoriza a retenção do sinal no caso em questão. IV - O pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé formulado em contestação 108 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos, p. 211-212. 109 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 111. deixou de ser apreciado na sentença vergastada, e a parte deixou de interpor embargos de declaração a fim de suprir a mencionada omissão. Assim, não se permite a discussão do tema em sede de recurso adesivo, sob pena de supressão de instância. V - Ausente o interesse recursal quando a irresignação é apenas contra a fundamentação de sentença que lhe foi favorável. VI - Apelação e recurso adesivo conhecidos e improvidos 110 . APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULAÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA – VÍCIO REDIBITÓRIO – INEXISTÊNCIA – RECURSO ADESIVO – PRETENSÃO RECURSAL DA PARTE À MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – FALTA DE INTERESSE RECURSAL – NÃO-CONHECIMENTO – 1. Comprovado nos autos que os defeitos do imóvel já eram conhecidos pelo comprador na oportunidade em que o contrato foi celebrado não há que se falar em vício redibitório. 2. Os autores/apelantes não se desincumbiram do ônus previsto no art. 333, inciso I, do CPC, quanto ao vício que alegaram, sendo correta a sentença monocrática que julgou improcedente o pedido formulado na inicial. 3. Recurso conhecido e improvido recurso adesivo não tem a parte interesse para apresentar recurso visando a majoração dos honorários advocatícios, já que não se trata de gravame contra si nem de defesa de direito de sua titularidade. 111 Recurso não conhecido . VÍCIO REDIBITÓRIO - IMÓVEL - PRESCRIÇÃO - PRAZO TERMO INICIAL - TRADIÇÃO - "Vício redibitório. Prescrição. Imóvel. Data inicial. Começa a correr da tradição do bem imóvel o prazo de prescrição da ação redibitória. O cedente dos direitos sobre apartamento construído por outrem não pode ficar perpetuamente responsável pelos vícios ocultos. Recurso conhecido e provido 110 112 . Julgamento do TJDF - AC 2002.01.1.077974-3 - 1ª T.Cív. - Rel. Des. Nívio Gonçalves - DJU 23.08.2005 - p. 244. 111 TJES – AC 035990019636 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. José Luiz Barreto Vivas – J. 06.09.2005) JCPC.333 JCPC.333.I 112 STJ - REsp 431.353 - SP - 4ª T. - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 17.03.2003 p. 236. ADMINISTRATIVO – VÍCIO REDIBITÓRIO EM IMÓVEL FINANCIADO PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – 1. Os vícios redibitórios são defeitos ocultos que existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. 2. Salvo cláusula expressa no contrato, a ignorância de tais vícios pelo alienante não o exime de responsabilidade, podendo o adquirente ingressar com ação para redibir o contrato ou obter abatimento no preço. 3. O imóvel financiado mediante o sistema financeiro da habitação acarreta solidariedade do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança do bem alienado. 4. Agravo de instrumento improvido 113 . 3.4 DA MÁ-FÉ DO ALIENANTE Em vista do que se configura, os vícios redibitórios são sanados por duas vias, cabíveis pelas ações edilícias, ou pela terceira via assinalada por Arnaldo Rizzardo, devidamente exposta. Todavia, a configuração, ou não, da má-fé do alienante é de suma importância para o tema, visto estar amparada pelo Código Civil brasileiro, sendo indenizável por perdas e danos. Se o vendedor não conhecia os vícios ou defeitos ocultos da coisa vendida, a sua responsabilidade se cingirá a tãosomente restituir o valor recebido e mais as despesas do contrato; se, ao contrário, conhecia o vício ou o defeito, restituirá o que recebeu com perdas e danos (Código Civil, artigo 1.103). Há uma distinção, assim, resultante do estado de boa ou má-fé do contratante. No primeiro caso (boa-fé), além da restituição do preço recebido, sua responsabilidade é acrescida apenas com o reembolso das despesas do contrato, e a isto se limitando. Ao vendedor de má-fé, a 113 TRF 4ª R. – AI 2005.04.01.022551-0 – 4ª T. – Rel. Juiz Fed. Márcio Antônio Rocha – DJU 07.12.2005 – p. 913. responsabilidade se define na medida do prejuízo e do lucro 114 cessante . Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho tratam do assunto como dever de lealdade do alienante, que deveria ter informado ao comprador, acaso tinha prévio conhecimento dos vícios. (...) se o alienante conhecia o vício ou defeito oculto da coisa, deverá restituir o que recebeu com perdas e danos, mas, se não o conhecia, apenas restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato. Trata-se, pois, de um dispositivo que guarda íntima conexão com a noção, já trabalhada de boa-fé objetiva. A quebra do dever de lealdade, consistente na alienação de coisa que sabe ser defeituosa, sujeita, pois, o alienante a pagar, a título indenizatório, perdas e danos à parte adversa. Caso, entretanto, desconheça o defeito, apenas restituirá o status quo ante, devolvendo o preço pago mais as despesas do 115 contrato . Leonardo Nunes observa que há pena mais severa para o alienante que de má-fé age. O valor das perdas e danos que responderá serão de direito subjetivo ao magistrado, que arbitrará valor a fim de não enriquecer ilicitamente o comprador e punir exemplarmente o alienante. (...) diante da má-fé haverá uma previsão legal mais severa que obrigue o alienante a responder por perdas e danos. As ações cabíveis serão sempre a redibitória quando o adquirente tiver interesse de enjeitar a coisa defeituosa e reclamar a repetição da importância paga, bem como das despesas do contrato, alegando as perdas e danos no caso de má-fé do alienante; ou a quanti minoris que envolve uma reclamação apenas pelo abatimento no preço em virtude do defeito oculto e descaracteriza as perdas e danos 114 116 . SERPA LOPES, Miguel Maria de. Direito civil: fontes das obrigações: contratos, p. 153. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos, p. 214. 116 NUNES, Leonardo. Novo código civil comentado, p. 41. 115 O próprio Leonardo Nunes antevê situação que, infelizmente, tornouse comum em nossos Tribunais, qual seja, do enriquecimento ilícito através da tutela jurisdicional, em que, neste caso, o adquirente comprador tinha prévio conhecimento dos vícios redibitórios, e age de má-fé. Assim, não é o alienante, mas sim o adquirente que responderá por perdas e danos, pois “havendo má-fé do adquirente estaremos diante de um caso em que o defeito não era oculto, mas de conhecimento do adquirente que não poderá alegar vício redibitório”117. 3.4.1 Má-fé do alienante: caso exemplar Para melhor elucidação da matéria, une-se a este trabalho exemplar julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em Apelação Cível de no 97.012018-4, de autoria do Relator-Desembargador Dr. Silveira Lenzi, conforme transcrito abaixo. Imprescindível notar que, in casu, foi caracterizada a má-fé do alienante por conhecer o vício oculto à época da tradição, razão porque condenado à reparar o dano, além da rescisão do contrato de compra e venda. Jurandir Klein aforou na comarca de São José do Cedro, ação de rescisão contratual contra Oscar Broilo, alegando, em síntese, que no dia 04.10.93, as partes celebraram um contrato particular de compromisso de compra e venda no qual o réu comprometeu-se a vender para o autor o lote urbano de 400 m², situado na rua Padre Aurélio, sobre o qual está edificada uma casa de madeira. Aduziu que em contrapartida pagaria ao réu, no dia 15.10.93, o valor de CR$ 640.000,00, representado pelo cheque n. 514.541, emitido contra o Banco do Brasil S/A. Afirmou que posteriormente a celebração do contrato verificou que vertia água sob a edificação, formando um lençol d'água de aproximadamente cinqüenta centímetros de profundidade, o quê, diante dos problemas de saúde como reumatismo e bronquite que o autor e sua esposa possuem, tornou inviável a aquisição do imóvel para moradia. 117 NUNES, Leonardo. Novo código civil comentado, p. 41. Sustentando a existência de vicio redibitório, pois desconhecia tal defeito oculto, pugnou pela rescisão do contrato de compromisso de compra e venda. O réu apresentou contestação. Réplica às fls. 26/28. Deferida a prova pericial, as partes foram intimadas para apresentarem quesitos, sendo o laudo juntado posteriormente aos autos. As partes manifestaram-se a respeito da perícia, tendo o réu sustentado a sua nulidade, requerendo a realização de outra, o que restou indeferido pelo Togado a quo. Desta decisão foi interposto agravo de instrumento, que restou não conhecido por esta Terceira Câmara Civil. Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas seis testemunhas arroladas pelas partes. Após a apresentação das alegações finais, o Togado a quo julgou procedente o pedido, para declarar rescindido o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e condenar o réu no pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$ 350,00. Irresignado, apelou o demandado, buscando a reforma do decisum, dizendo que houve cerceamento de defesa, pois não pôde produzir provas e que a sentença não analisou adequadamente a prova testemunhal existente nos autos. Sustentou que a casa é habitável, tendo servido de moradia para os seus filhos, e, após, alugada até a data em que foi vendida para o autor. Em contra-razões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum, requerendo ainda a condenação do apelante nas penas de litigância de má-fé, por ter o mesmo provocado incidente - apelação - manifestamente infundado. É o relatório. A preliminar de cerceamento de defesa deve ser afastada. Durante a instrução do processo foi possibilitado ao réu ampla defesa. A alegada nulidade do laudo pericial foi rejeitada em momento oportuno pelo Togado a quo, tendo sido esta decisão alvo de recurso não conhecido por esta Câmara Civil, o que torna a matéria preclusa. No mérito não há qualquer reparo a ser feito no decisum recorrido que decidiu a matéria com base na legislação, doutrina e jurisprudência aplicáveis ao caso em apreço. A sentença da lavra do Dr. Roberto Lepper está muito bem fundamentada e analisou minuciosamente as provas testemunhais e pericial produzidas, razão pela qual colhe-se como razão de decidir parte dos argumentos do Magistrado de primeiro grau: O punctum saliens a ser deslindado reside, justamente, em investir se, de fato, existia o vício oculto a contaminar o real propósito no ato de contratar, ou se isso não passa de mera desculpa do autor para travestir arrependimento posterior, do promissário-comprador, quanto à vontade de contratar. No escólio da renomada Professora MARIA HELENA DINIZ, 'os vícios redibitórios são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comum às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o negócio não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação para redibir o contrato ou para obter abatimento no preço' (In Código Civil Anotado', pág. 708, Saraiva, 1995). ARNOLD WALD, mais sintético, informa que 'vício redibitório é, pois, oculto, impedindo o uso normal da coisa, ignorado pelo adquirente, e existente no momento da execução do contrato e subsistente na época do exercício da ação própria' (In 'Curso de Direito Civil Brasileiro - Obrigações e Contratos', vol. II, pág. 181, 6ª ed., RT, 1983)." (fl. 88) Mais adiante salientou o Magistrado: "As testemunhas confirmaram que a bolsa d'água permanente que existia sob a edificação de madeira não era visível de plano, ou seja, seria necessária uma minuciosa e atenta verificação para se detectar o local onde a água estava acumulada. Os testigos Itacir Tonetti (fls. 69) e Alcides Brum (fls. 70) informaram que o autor ficou bastante irritado quando descobriu o veio d'água sob a casa, fato que, segundo o próprio demandante lhes contou, ele (adquirente) desconhecia quando celebrou o contrato. O autor esteve no imóvel uma vez antes da celebração do negócio, sendo que a visita ocorreu após as 18:30 horas, quando já havia anoitecido. Tudo indica que o requerido nada mencionou sobre a água depositada sob a edificação. E, como a água ficava acumulada sob a edificação, em local de difícil visualização, o autor, que nada suspeitou, decidiu adquirir o imóvel, sem ter conhecimento deste vício oculto. A perícia judicial realizada confirmou que o vício informado pelo autor era, de fato, oculto, tornando a residência imprópria para moradia, devido a prejudicialidade à saúde dos habitantes da casa, justamente em razão do alto teor de umidade provocado pelo permanente acúmulo de água sob o assoalho. O expert teve o cuidado de visitar várias vezes o imóvel e, em todas estas ocasiões, mesmo em períodos de estiagem prolongada, verificou que o porão da casa estava sempre inundado (fls. 47/48)." (fl. 89) Importante ressaltar que o fato de anteriormente ao contrato a casa ter sido habitada pelos filhos do apelante, ou por terceiros, não retira dela o vício que a tornou imprópria à finalidade que o apelado pretendia dar à mesma, qual seja, habitação. Não há qualquer dúvida que, no caso em apreço, estamos diante da existência de vício redibitório, pois não se trata de simples defeito, mas de divergência substancial entre aquilo que se quis adquirir e o que realmente se adquiriu. Portanto, indiscutivelmente o vício oculto existente contamina a essência do contrato firmado entre os demandantes, o que possibilita ao lesado buscar a rescisão do contrato. Finalmente, com relação à aplicação da pena por litigância de má-fé, não assiste razão ao apelado, pois o presente recurso não se revela manifestamente infundado, a ponto de permitir a aplicação daquela sanção. Diante o exposto, nega-se provimento ao recurso. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Des. Silveira Lenzi, e participaram do mesmo, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Cláudio Barreto Dutra e Vanderlei Romer. Florianópolis, 31 de março de 1998. Eder Graf Presidente para o acórdão Silveira Lenzi Relator 118 . Diante de todo o exposto, o presente estudo encerra-se com brilhante julgado, contribuindo para este trabalho, o qual visou explanar os vícios redibitórios presentes em contratos imobiliários, notadamente de compra e venda. 118 TJSC. AC no 97.012018-4.Des. Silveira Lenzi. Julgado em 31/03/1998. Capítulo 4 DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE 4.1 DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS O tema Vícios Redibitórios encontra-se inserido no Código Civil Brasileiro, notadamente na Seção V do Título referente aos Contratos em Geral. Dos Vícios Redibitórios Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas. Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço. Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato. Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria. Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência. 4.2 DOS CONTRATOS EM GERAL Importante constar, ainda, acerca dos contratos em geral, tema inserido no Código Civil Brasileiro, notadamente no Capítulo I acerca das Disposições Gerais referentes aos Contratos em Geral. Seção I Preliminares Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Seção II Da Formação dos Contratos Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada. Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos. Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta. Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa. Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. Seção III Da Estipulação em Favor de Terceiro Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade. REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo dicionário da língua portuguesa. CD-Rom, versão 3.0: Nova Fronteira, século XXI. ALVES, Jones Figueiredo. Arts. 421 a 729: dos contratos em geral: dos contratos em espécie. In: FIÚZA, Ricardo (coord.). Novo código civil comentado. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. BEGALLI, Paulo Antonio. Direito contratual no novo código civil. 1a ed. São Paulo: LED, 2003. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. A atual teoria geral do contrato. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 811, 22 set. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7267>. Acesso em: 22 set. 2005. BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível no 97.012018-4. Apelante: Jurandir Klein. Apelado: Oscar Broilo. Relator: Desembargador Silveira Lenzi. Florianópolis. Julg: 13 mar. 1998. Disponível em: <http://200.215.6.211/jurisprudencia/VerIntegra.do?p_id=AAAG5%2FAAHAAABW FAAE&p_query=redibit%F3rio&corH=FF0000>. Acesso em: 14 jun. 2006. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão no 2002.01.1.077974-3 da 1ª Turma Cível. Rel. Des. Nívio Gonçalves. Brasília, 23 ago. 2005, p. 244. BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Acórdão no 035990019636 da 1ª Câmara Cível. Rel. Des. José Luiz Barreto Vivas. Vitória, 06 set. 2005, JCPC.333. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial no 431.353 da 4ª Turma. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, 17 mar. 2003, p. 236. BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Região). Agravo de Instrumento no 2005.04.01.022551-0 da 4ª Turma. Rel. Juiz Fed. Márcio Antônio Rocha. Porto Alegre, 07 dez. 2005, p. 913. DANTAS, Edna. Responsabilidade solidária: CEF paga por vício na construção de imóvel que financiou. Revista Consultor Jurídico, 21 jun. 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/35655,1>. 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