XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" CONDIÇÃO DE SAÚDE E NÍVEL DE RENDIMENTO DOS TRABALHADORES DA CANA-DE-AÇÚCAR LUIZ FERNANDO SATOLO; FABIOLA CRISTINA OLIVEIRA; ANA LUCIA KASSOUF. ESALQ/USP, PIRACICABA, SP, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA CONDIÇÃO DE SAÚDE E NÍVEL DE RENDIMENTO DOS TRABALHADORES DA CANA-DE-AÇÚCAR Uma aplicação de modelos de regressão linear múltipla. Grupo de Pesquisa: Mercado de Trabalho Agrícola RESUMO O objetivo deste trabalho é identificar algumas relações entre o nível de rendimento e a condição de saúde dos trabalhadores da cana-de-açúcar, no ano de 2003. As variáveis consideradas como explicativas para o nível de renda foram: sexo, escolaridade, idade, cor ou raça, local de residência, posição na ocupação e número de horas trabalhadas. Os dados foram obtidos PNAD 2003 e seu Suplemento Saúde. Os resultados indicam que a saúde influencia a remuneração dos trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar: os que avaliaram seu estado de saúde como regular, ruim ou muito ruim, recebem em média, 7,87% a menos do que aqueles que se auto-declararam em bom ou muito bom estado de saúde. A influência de problemas de coluna e de tendinite, isoladamente, não é estatisticamente significativa. Entretanto, quando seu impacto sobre o rendimento dos trabalhadores foi testado simultaneamente com o da auto-avaliação da saúde, não se pôde rejeitar a hipótese 1 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" de que as mencionadas variáveis exercem alguma influência sobre a remuneração desses trabalhadores. Palavras-chaves: Remuneração – Saúde – Cana-de-açúcar ABSTRACT The objective of this paper is to identify to some relations between the income level and health status of sugar cane workers, in the year of 2003. The explanatory variables for the income level variations are: gender, education, age, color or race, place of residence, job status and number of worked hours. The data was collected from PNAD 2003 and its Health Supplement. The results indicate that the health condition influences the sugar cane workers’ remuneration: the ones that evaluated their status as regular, bad or very bad, on average, receive 7.87% less than those who identify themselves in good or very good health condition. The influence of tendonitis and column problems, separately, is not statistically significant. However, when their impact over the workers income was tested together with the one from the self-evaluation, the hypothesis that the mentioned variables had some influence on the remuneration level of these workers could not be rejected. Key Words: Earnings – Health – Sugar Cane 1. INTRODUÇÃO Segundo Figueiredo et al. (2003) o estado de saúde da população brasileira apresenta um comportamento bastante desigual entre as unidades da federação, e certamente essas diferenças são encontradas entre os diferentes ramos de atividades, nas quais os indivíduos estão inseridos. Os mencionados autores apontam que a desigualdade em saúde reflete, em parte, as diferenças no acesso e na qualidade dos serviços prestados à população e, em outra parte, está relacionada às condições socioeconômicas, hábitos e condições de vida. Diante desse contexto, o estado de saúde pode se constituir como um componente importante do capital humano individual e social, como destaca Kassouf (2001), e com 2 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" isso pode contribuir para aprofundar o quadro de desigualdade e pobreza que marcam o processo de desenvolvimento econômico brasileiro. Em se tratando de desenvolvimento econômico, é mister destacar que um dos seus principais objetivos é proporcionar melhorias no padrão de vida do cidadão médio de um país. Assim sendo, tais melhorias podem ser alcançadas através de aumentos na renda média per capita, o que exige um modelo razoável de distribuição de renda, mas também podem ser alcançadas através de políticas públicas que proporcionem a esse cidadão melhorias na sua saúde, nas condições de trabalho e na educação, dentre outros aspectos relevantes. As intensas transformações de alguns indicadores de morbimortalidade da população brasileira nas últimas décadas, como destacam Barreto & Carmo (2000), em especial o aumento significativo da expectativa de vida e a redução nas taxas de mortalidade infantil e por doenças infecciosas, implicam na idéia de que houve melhorias significativas nos padrões de saúde dos brasileiros. Contudo, tais modificações ocorrem de forma heterogênea nos diferentes espaços sociais, onde se tem a consolidação de novos problemas e a persistência das grandes endemias. Por outro lado, a perversa distribuição de rendimentos, associada à fragilidade da organização política dos segmentos excluídos, além dos elevados índices de desemprego e subemprego, que resultam em precárias condições de vida de expressiva parcela da população, são alguns dos problemas que determinam as condições de saúde e tornam complexo o desempenho dos serviços de saúde no Brasil (OPAS, 2001, p. 1). Dentro desse contexto de desenvolvimento econômico, marcado por realidades regionais e setoriais díspares, este presente trabalho pretende identificar algumas relações entre o nível de rendimento e algumas variáveis socioeconômicas, incluindo as condições de saúde, entre os trabalhadores da cana-de-açúcar, no ano de 2003. As variáveis consideradas como explicativas para o nível de renda, neste estudo, foram sexo, escolaridade, idade, cor ou raça, local de residência, posição na ocupação e número de horas trabalhadas. Os dados foram obtidos a partir de uma amostra de trabalhadores na cana-de-açúcar com base na PNAD 2003 e seu Suplemento Saúde. 2. BASE DE DADOS E METODOLOGIA 3 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Este estudo é uma investigação empírica que tem como base de dados informações extraídas dos microdados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD-2003), e de seu suplemento especial, que nesse referido ano contemplou o tema da saúde. O sistema de pesquisas domiciliares, implantado progressivamente no Brasil a partir de 1967, com a criação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), tem por objetivo básico a produção de informações para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do país. Desde 1971, a PNAD tem periodicidade anual, sendo interrompida apenas por ocasião dos censos demográficos dos anos 1970, 1980, 1991 e 2000. É um sistema de pesquisas por amostra de domicílios que investiga diversas características socioeconômicas, em que determinadas variáveis possuem caráter permanente, como as características gerais da população, educação, trabalho, rendimento e habitação, enquanto outras apresentam periodicidade variável, como as características sobre migração, fecundidade, nupcialidade, nutrição e saúde. Frente ao exposto, no presente estudo optou-se por trabalhar com amostras extraídas entre os trabalhadores do cultivo de cana-de-açúcar, ano de 2003, com a finalidade de investigar a influência da saúde dos mesmos em sua remuneração. A partir dessa amostra, realizou-se uma análise exploratória de suas características (faixa etária, educação, renda, local de residência, condição de ocupação) e das condições de saúde das pessoas, de acordo com as características extraídas do perfil desta população. Com a finalidade de analisar a influência da saúde na remuneração dos trabalhadores foi realizada a estimativa de uma regressão linear múltipla para uma equação de rendimentos análoga à proposta por Hoffmann & Ney (2004) em um estudo sobre a desigualdade de rendimentos entre as pessoas ocupadas na agricultura, na indústria e no setor de serviços. O modelo geral de regressão é: Yj = α + ∑ βi Xij + u j (1) i onde α e βi são parâmetros e uj são erros aleatórios heterocedásticos com as propriedades usuais. 4 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Nesse estudo, foram consideradas as seguintes variáveis explanatórias: a) Uma binária para sexo, que assume valor 1 para homens. b) A idade da pessoa em anos completos e o seu quadrado (já que a variável Y não varia linearmente com a idade). c) Como o efeito da educação é mais intenso ao final de cada ciclo de estudos, a escolaridade, que varia de 0 (no caso de pessoa sem instrução ou com menos de 1 ano de estudo) a 14 (no caso de pessoa com 14 anos de estudo) e assumindo o valor 15 para a pessoa com 15 anos ou mais de estudo, foi agrupada da seguinte forma: analfabetos (binária com valor 1 para os indivíduos com menos de 1 ano completo de estudos), ciclo básico (binária que assume valor 1 para os trabalhadores que possuem de 1 a 4 anos de estudos); ciclo fundamental (binária com valor 1 para os indivíduos que apresentaram de 5 a 8 anos de estudos); ciclo médio (binária com valor 1 para as pessoas com 9 a 11 anos de estudos) e ensino superior (binária com valor 1 para os indivíduos com escolaridade acima de 12 anos). d) Uma variável binária para distinguir cor, que assume o valor 0 para branca e 1 para as demais. e) Uma variável binária para distinguir duas posições na ocupação no trabalho principal: empregado (tomado como base) e empregador (onde assume o valor 1). f) Uma variável binária que assume o valor 1 quando o domicílio é urbano e 0 quando o domicílio é rural. g) Variáveis binárias destinadas a captar o efeito da saúde na remuneração dos trabalhadores. Supondo-se que a maior parte dos trabalhadores no cultivo da cana-deaçúcar desenvolve trabalhos manuais – por exemplo, como o realizado durante a colheita – a saúde dos trabalhadores foi representada por alguns dos problemas contemplados pelo questionário da PNAD e que podem ser diretamente relacionados à produtividade desses trabalhadores: auto-avaliação da saúde (que assume o valor 0 para muito boa e boa e o valor 1 para regular, ruim e muito ruim), dores de coluna (0 para quem declarou não sofrer dessa afecção e 1 para quem declarou que sofre) e tendinite (0 para quem declarou não sofrer dessa doença e 1 para quem declarou que sofre). A equação de rendimentos para pessoas ocupadas na agricultura foi ajustada pelo método de Mínimos Quadrados Ponderados, usando o fator de expansão associado a cada 5 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" pessoa da amostra como fator de ponderação. A variável dependente (Y) foi representada de duas formas diferentes: o logaritmo natural do rendimento mensal do trabalho principal dividido pelo logaritmo natural do número de horas semanais trabalhadas ou, sem o tratamento, apenas o primeiro logaritmo natural do rendimento mensal do trabalho principal (neste caso, acrescentando o logaritmo natural do número de horas semanais trabalhadas como variável explicativa no modelo). Assim, os modelos alternativos podem ser escritos da seguinte forma: Y = α + β1Sexo + β2Idade + β3 (Idade)2 + K + β13 Tendinite + u (2) Y = α + β1Sexo + β2Idade + β3 (Idade)2 + K + β13 Tendinite + β14 ln(Horas) + u (3) 3. RESULTADOS 3.1 Breve perfil dos trabalhadores na cana-de-açúcar do estado de São Paulo Ao admitir nesse estudo apenas os trabalhadores na cana-de-açúcar paulistas, verificou-se através da amostra de 940 observações coletadas pela PNAD em 2003 que esse universo correspondia a 491.351 pessoas, das quais 52,87% residem nos Estados de São Paulo e Pernambuco (Ver Figura 1). 6 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" TO SE SC RS MA MS ES RN UF PI RJ MG GO PR PB CE BA MG AL SP PE 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 número de trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar Figura 1. Número de trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar por Unidade da Federação, 2003. Fonte: Microdados da PNAD 2003. Dentre o universo de análise investigado, verifica-se que apenas 9% da mão-deobra na cana-de-açúcar no ano de 2003 correspondem a pessoas do sexo feminino, destacando a concentração da mão-de-obra masculina nessas atividades (Ver Figura 2). Isso é muito comum quando se trata de atividades do setor primário como um todo. 9% 91% Feminino Masculino 7 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Figura 2. Distribuição dos trabalhadores na cana-de-açúcar segundo o gênero, 2003. Fonte: Microdados da PNAD 2003. Barros et al. (2001) afirmam que a combinação de um sistema educacional público precário com graves imperfeições no mercado de crédito tem feito com que o nível de investimentos em capital humano se situe abaixo dos padrões internacionais. O próprio processo de desenvolvimento econômico brasileiro nas últimas décadas acabou reforçando as conseqüências da heterogeneidade educacional no país, pois a acelerada expansão tecnológica brasileira esteve sistematicamente associada a um lento processo de expansão educacional (Barros, Henriques e Mendonça, 2002). Os dados sobre educação para esse estudo evidenciam que cerca de 77,5% dos trabalhadores em atividades de cana-de-açúcar completaram no máximo o primeiro ciclo escolar, que corresponde a 4 anos de estudos, enquanto que menos de 5,6% possuem um grau escolar superior a nove anos de estudos. Para uma melhor ilustração ver Figura 3. 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% menos de 1 1a4 5a8 9 a 11 12 ou mais anos de estudo Figura 3. Distribuição dos trabalhadores na cana-de-açúcar conforme o nível de escolaridade, 2003. Fonte: Microdados da PNAD 2003. Com relação à idade, verifica-se que em torno de 32% das pessoas que trabalham em atividades de cana-de-açúcar possuem entre 20 e 39 anos de idade. Essa é a faixa etária de maior concentração desses trabalhadores, conforme demonstra a Figura 4 com os grupos selecionados de idade. 8 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 14 ou menos 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 ou mais grupo de idade (em anos) Figura 4. Distribuição dos trabalhadores na cana-de-açúcar conforme grupos selecionados de idade, 2003. Fonte: Microdados da PNAD 2003. Quanto à situação da saúde auto-declarada, verifica-se através da Tabela 1 que aproximadamente 76% dos trabalhadores que compõem a população deste trabalho afirmaram possuir uma condição de saúde como sendo boa e muito boa. É preciso advertir que muitos trabalhos que analisam as questões de saúde na PNAD, como o de Dachs (2002), apontam para a questão da subjetividade desta medida de saúde, já que o indivíduo responde por sua situação de saúde não com base num laudo médico, mas de acordo com a sua percepção sobre a mesma. Tabela 1. Distribuição dos trabalhadores da cana-de-açúcar conforme a situação de saúde auto-declarada, 2003. Situação de saúde muito boa boa regular ruim muito ruim % 20,35 55,54 20,34 3,31 0,46 Fonte: microdados da PNAD 2003. 9 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Ademais, na PNAD - 2003 foram listadas 12 doenças crônicas, entendidas como sendo afecções que acompanham o indivíduo por um longo período de tempo, podendo ter fases agudas, momentos de piora ou melhora sensível. É preciso destacar que, entre essas doenças crônicas, existem algumas que impactam diretamente na mortalidade. Conforme destacam Lotufo & Lolio (2000), as doenças crônicas não-transmissíveis constituem uma das principais causas de morte nos países desenvolvidos e nas grandes cidades brasileiras. Entre essas doenças estão os cânceres, o diabetes, as doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas. Por outro lado, há doenças que podem provocar impacto direto no nível de rendimento do trabalhador. Dessa forma, ao analisar as pessoas que trabalham em atividades da cana-de-açúcar, considerou-se os problemas relacionados à coluna1 e à tendinite2, tendo em vista o trabalho extensivo em que a maior parte dos trabalhadores nesse setor de atividade estão expostos, e que tais afecções podem influenciar o nível de produtividade dos mesmos. Por conseguinte, a partir dos dados da Tabela 2, verifica-se que dentre os indivíduos analisados, em torno de 15% declararam o problema de dor nas costas, enquanto que o problema de tendinite foi auto-diagnosticado por apenas 1,21% dos trabalhadores na cana-de-açúcar. Tabela 2. Distribuição conjunta do percentual de trabalhadores na cana-de-açúcar que referiram doenças crônicas do tipo dor de coluna e artrite, 2003. Afecção Problema de coluna Total não sim Tendinite não sim 84,46% 0,57% 14,33% 0,64% 98,79% 1,21% Total 85,02% 14,98% 100,00% Fonte: microdados da PNAD 2003. 1 A doença de coluna ou costas foi definida por problema crônico localizado na coluna ou nas costas por enfermidade, desvio, curvatura anormal ou deformidade na coluna vertebral, incluído dor nas costas por esforço muscular. PNAD-IBGE 2 Problema de saúde que ocorre em conseqüência da inflamação aguda de tendões (tendinite) ou de suas bainhas (tenossinovite) causada por esforços repetitivos decorrente de fatores ocupacionais (bursite de ombro, síndrome de Quervain ou de túnel do carpo etc.). PNAD-IBGE 10 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" É importante destacar que na análise deste artigo tanto a saúde auto-declarada, que é uma medida subjetiva, quanto a existência dessas duas doenças crônicas, as quais são consideradas medidas objetivas do estado de saúde, foram incorporadas ao modelo. 3.2 Análise Econométrica O resultado das regressões múltiplas usando o método de Mínimos Quadrados Ordinários encontram-se organizados nas Tabela 4 e 5. No primeiro caso, representando a variável dependente como a razão entre os logaritmos da remuneração mensal e do número de horas trabalhadas por semana, os coeficientes estimados para as variáveis sexo, idade, idade ao quadrado, auto-avaliação da saúde e problemas de coluna apresentaram sinal contrário ao esperado. Quando apenas o logaritmo da remuneração foi considerado como variável dependente, a única variável a apresentar sinal contrário ao esperado foi a que indica que o trabalhador possui problemas de coluna. Tabela 4. Resultados da estimativa da equação (2) de rendimentos por MQO. R2 ajustado = 0,2857 F = 29,89* Variável Constante Sexo Idade Idade ao quadrado Ensino Básico Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Cor Posição na ocupação Local de domicílio Auto-avaliação da saúde Problemas de coluna Tendinite Coeficiente 1,6456* -0,0327 -0,0116* 0,0002* 0,0163 0,0492** 0,2493* 0,6947* -0,0506* 0,3929* 0,0424* 0,0087 0,0305 -0,0922 Var. dependente = ln (remuneração) / ln (horas trab.) Intervalo de confiança ± 0,1227 ± 0,0496 ± 0,0054 ± 0,0001 ± 0,0322 ± 0,0443 ± 0,0678 ± 0,2351 ± 0,0297 ± 0,0883 ± 0,0289 ± 0,0348 ± 0,0411 ± 0,1280 * Significativo até o nível de significância de 1%. ** Significativo até o nível de significância de 5%. Tabela 5. Resultados da estimativa da equação (3) de rendimentos por MQO. 11 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" R2 ajustado = 0,3861 Variável Constante Sexo Idade Idade ao quadrado Primário Ginásio Colegial Ensino Superior Cor Posição na ocupação Local de domicílio Auto-avaliação da saúde Problemas de coluna Tendinite Ln (Horas Trabalhadas) Var. dependente = ln (remuneração) F = 43,19* Coeficiente Intervalo de confiança 2,4806* ± 0,5230 0,1437** ± 0,1226 0,0239* ± 0,0139 -0,0002** ± 0,0002 0,1193* ± 0,0790 0,2604* ± 0,1087 0,7600* ± 0,1663 2,4971* ± 0,5763 -0,1628* ± 0,0727 1,1332* ± 0,2164 0,1648* ± 0,0709 -0,0820*** ± 0,0855 0,0561 ± 0,1008 -0,1822 ± 0,3139 0,6114* ± 0,1345 * Significativo até o nível de significância de 1%. ** Significativo até o nível de significância de 5%. *** Significativo até o nível de significância de 10%. A relação diretamente proporcional entre a remuneração dos trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar e a presença de problemas de coluna, apesar de não ser estatisticamente significativa até o nível de 10%, pode ser explicada se a última for considerada conseqüência – e não causa – da variação da primeira. Ou seja, na busca por uma melhor remuneração, esses trabalhadores (que são pagos por tonelada de cana colhida) se dedicam mais do que o suportável, chegando à exaustão física e desenvolvendo problemas de coluna. A presença de heterocedasticia, por hipótese existente na estimativa da equação de rendimentos, é confirmada pelo resultado do teste de Breusch-Pagan / Cook-Weisberg. A idéia básica por trás desse teste é que, supondo que a variância do erro, σ i2 , possa ser descrita como: σ i2 = f (α1 + α 2 Z 2i + K + α m Z mi ) (4) ou seja, σ i2 é uma função de variáveis não-estocásticas Zs, pode-se testar a homocedasticia através da hipótese: α2 = α3 = ... = αm = 0 (GUJARATI, 2000). Para este estudo, o 12 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" resultado do teste (χ2 = 108,46) é significativo a 1% e, por isso, rejeita-se a hipótese de que a variância dos resíduos é constante. Dessa forma pode-se afirmar que, mesmo que as estimativas de MQO para os parâmetros sejam não-tendenciosas, elas podem não ser as estimativas não-tendenciosas de menor variância. Para corrigir o problema de heterocedasticia, uma nova estimativa dos parâmetros foi realizada, agora com as variâncias e os erros-padrão com a heterocedasticidade corrigida conforme White (GUJARATI, 2000). Os novos intervalos de confiança para as estimativas dos parâmetros são apresentados na Tabela 6. A variação na amplitude do intervalo de confiança é apresentada entre parênteses, ao lado da respectiva estimativa. De acordo com Gujarati (2000) e conforme pode ser observado na Tabela 6 as estimativas com heterocedasticia corrigida não apresentam um padrão de aumento ou redução do intervalo de confiança. Nos casos mais extremos, o intervalo de confiança foi reduzido em 17% (no caso da variável que indica a presença de tendinite) e ampliado em 64% (no caso da constante). Tabela 6. Resultado da estimativa da equação (3) de rendimentos com heterocedasticidade corrigida. R2 ajustado = 0,3861 Variável Constante Sexo Idade Idade ao quadrado Primário Ginásio Colegial Ensino Superior Cor Posição na ocupação Local de domicílio Auto-avaliação da saúde Problemas de coluna Tendinite ln (Horas Trabalhadas) Var. dependente = ln (remuneração) F = 43,19* Coeficiente Intervalo de confiança 2,4806* ± 1,4367 (+64%) 0,1437*** ± 0,1602 (+23%) 0,0239*** ± 0,0241 (+42%) -0,0002 ± 0,0003 (+47%) 0,1193* ± 0,0773 (-02%) 0,2604* ± 0,1028 (-06%) 0,7600* ± 0,2600 (+36%) 2,4971* ± 0,8635 (+33%) -0,1628* ± 0,0788 (+08%) 1,1332* ± 0,4993 (+57%) 0,1648* ± 0,0722 (+02%) -0,0820*** ± 0,0917 (+07%) 0,0561 ± 0,1179 (+14%) -0,1822 ± 0,2674 (-17%) 0,6114* ± 0,3001 (+55%) * Significativo até o nível de significância de 1%. ** Significativo até o nível de significância de 5%. *** Significativo até o nível de significância de 10%. 13 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Segundo Hoffmann & Ney (2004), a diferença percentual entre a remuneração estimada da categoria considerada e da categoria tomada como base pode ser calculada através da expressão: ∆%remuneração = 100[exp(b) - 1]% (5) sendo b o coeficiente estimado para a variável binária. Essas diferenças percentuais encontram-se organizadas na Tabela 7. De acordo com os resultados estimados, os homens brancos, analfabetos, empregados e que residem no meio rural ganham, em média, 15,45% a mais que as mulheres com o mesmo perfil – ou seja, brancas, analfabetas, empregadas e que moram no meio rural. Esse raciocínio pode ser estendido para as demais variáveis. Tabela 7. Diferença percentual na remuneração estimada. Variável Sexo Primário Ginásio Colegial Ensino Superior Cor Posição na ocupação Local de domicílio Auto-avaliação da saúde Problemas de coluna Tendinite Diferença 15,45% 12,67% 29,75% 113,82% 1114,78% -15,03% 210,55% 17,92% -7,87% 5,77% -16,66% Além da posição na ocupação, já que a remuneração dos empregadores é mais de 3 vezes a remuneração dos empregados, a variável que apresenta maior impacto sobre o rendimento dos trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar é a escolaridade: a remuneração média dobra se o trabalhador, ao invés de ser analfabeto, tiver chegado ao colegial (ou seja, se tiver entre 9 e 11 anos de estudo) e é aumentada em mais de 1000% se o mesmo chegar ao ensino superior. As variáveis relacionadas à saúde mostraram pequeno 14 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" impacto sobre a remuneração média dos trabalhadores: os resultados mais expressivos estão relacionados aos trabalhadores com tendinite (as pessoas que sofrem com essa doença recebem, em média, 16,66% a menos). Para verificar se a saúde do trabalhador possui um impacto significativo em sua remuneração, testou-se conjuntamente a significância dos parâmetros para as variáveis: auto-avaliação da saúde (β14), problemas de coluna (β15) e tendinite (β16). Algebricamente, esse teste pode ser expresso como: H0: β14 = β15 = β16 = 0 HA: β14 ≠ 0 e/ou β15 ≠ 0 e/ou β16 ≠ 0 Esse teste, que segue a distribuição F com (3, 925) graus de liberdade, é significativo ao nível de 10%: o valor do F calculado foi 2,13. Dessa forma, pode-se afirmar que a saúde – de acordo com o modelo proposto – influencia na remuneração dos trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar. 4. CONCLUSÃO A relação do nível de rendimento dos trabalhadores da cana-de-açúcar no ano de 2003 com as variáveis socioeconômicas, incluindo a situação de saúde e doenças crônicas foi estimada através de um modelo de regressão linear múltipla. Os resultados mostraram que as variáveis posição na ocupação e educação são as que mais têm influência sobre o nível de rendimento desses trabalhadores. Com relação ao modelo ajustado pelo método dos mínimos quadrados ordinários foram implementadas técnicas como a análise dos resíduos, testes t e F dos coeficientes e teste de Breusch-Pagan / Cook-Weisberg, que demonstraram a violação de algumas das pressuposições do modelo de regressão linear múltipla, como a existência de heterocedasticia. Os resultados indicam que a saúde influencia a remuneração dos trabalhadores no cultivo da cana-de-açúcar: os trabalhadores que avaliaram seu estado de saúde como regular, ruim ou muito ruim, recebem em média, 7,87% a menos do que aqueles que se 15 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" auto-declararam em bom ou muito bom estado de saúde. A influência de problemas de coluna e de tendinite, entretanto, não foi estatisticamente significativa. Como sugestão para estudos posteriores, fica a validação da hipótese levantada no tocante à relação diretamente proporcional da presença de problemas de coluna e da remuneração dos trabalhadores cultivo de cana-de-açúcar. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, M. L. & CARMO, E. H., 1995. Mudanças em padrões de morbimortalidade: conceitos e métodos. In: MONTEIRO, C. A. (org.). Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 17-30. BARROS, R. P. de, MENDONÇA, R., SANTOS, D. D. & QUINTAIS, G. Determinantes do desempenho educacional no Brasil. Texto para discussão n. 834. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. BARROS, R. P. de, HENRIQUES, R. & MENDONÇA, R. Pelo fim das décadas perdidas: educação e desenvolvimento sustentado no Brasil. Texto para discussão n. 857. Rio de Janeiro: IPEA, 2002. DACHS, Norberto W. Determinantes das desigualdades na auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/ 98. Ciência e Saúde Coletiva, ABRASCO, v. 7, n. 4, p. 641-670, 2002. 16 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" FIGUEIREDO, L., NORONHA, K. V. & ANDRADE, M. V. Os imactos da saúde sobre o crescimento econômico na década de 90: uma análise para os estados brasileiros. Texto para Discussão. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 2003. GUJARATI, D. N. Econometria básica. São Paulo: Makron Books, 2000. HOFFMANN, R. & NEY, M. G. Desigualdade, escolaridade e rendimentos na agricultura, indústria e serviços, de 1992 a 2002. Economia e Sociedade, Campinas, v.13, n.2 (23), p.51-79, jul.dez. 2004. KASSOUF, A. L. Accounting for education, experience and health as investments in human capital. In: GUILHOTO, J. J. M. & GEOFFREY, J. D. H. Structure and structural change in the brazilian economy: the political economy of Latin America series. Illinois: ASHGATE, 2001. p. 219-246. LOTUFO, P. A. & LOLIO, C. A. Tendências de evolução da mortalidade por doenças cardiovasculares: o caso do Estado de São Paulo. In: MONTEIRO, C. A. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 279-288. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE – OPAS. O perfil do Sistema de Serviços de Saúde no Brasil. 2. ed., 2001, 35p. Disponível em http:// www.opas.org.br/. Acesso em 20 set. 2006. PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICILIOS – PNAD: SAÚDE. Rio de Janeiro: IBGE, CD-ROM, 2003. 17 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural