Existencialismo Importante corrente francesa pós guerra (50-60). Exerceu grande influência na filosofia, literatura, teatro e cinema. Surge da época de crise posterior ao otimismo romântico do século XIX (noções de razão e progresso afirmadas por filosofias otimistas como o idealismo, positivismo, marxismo). O existencialismo considera o homem como ser finito, “lançado no mundo”, se interessa pelo homem em sua singularidade. Caravaggio 1 A existência é indedutível e a realidade não se identifica com, nem se reduz à racionalidade. Características do pensamento existencialista: 1) A centralidade da existência como modo de ser do homem (finitude) 2) A transcendência do ser (mundo, Deus) com o qual a existência se relaciona. 3) A possibilidade como modo de ser da existência A existência é um modo de ser finito e é possibilidade (poder ser), não é essência (coisa dada por natureza, realidade pré-determinada). Diferente dos animais que são o que são e permanecem o que são, o homem será o que ele decidiu ser. 2 A existência é um poder ser sair para fora, mas em direção a quê? correntes surgem : Deus, mundo, homem, liberdade, nada. 3 Kierkegaard (1813 -1855) A Filosofia mais em voga depois da 2ª Guerra foi o existencialismo. Kierkegaard é seu fundador. Escreveu em uma época em que a filosofia dominante era a de Hegel. Anti-hegeliano: para ele, o saber não é um bem absoluto, rebela-se contra a idéia de sistema. Pensador da subjetividade: “Só a subjetividade é verdade; o seu elemento é a interioridade. Não se exprime em termos de certeza, ela é a incerteza objetiva, mantida na apropriação da interioridade mais apaixonada, que é a verdade, a maior verdade de um existente.” 4 Com o conceito de indivíduo (homem singular, não conceitual), Kierkegaard ataca a filosofia especulativa de Hegel. A categoria de Indivíduo mostra que se sistemas filosóficos se preocupam com os conceitos e não com a existência. “Se eu devesse encomendar um epitáfio para o meu túmulo, não pediria mais do que ‘aquele Indivíduo’, ainda que, agora, essa categoria não seja compreendida. Mas o será mais tarde. Com essa categoria ‘o Indivíduo’, quando aqui tudo era sistema em cima de sistema, eu tomei polemicamente o sistema como alvo e, agora, não se fala mais em sistema.” 5 Para Kierkegaard Hegel encarna a pretensão de tentar ‘explicar tudo’ e mostrar a ‘necessidade’ de todo acontecimento e cai no ridículo. É impossível engaiolar a existência. Ao presumir falar do absoluto, não compreende a existência humana e cria um ‘fundamento ridículo’. Kierkegaard ataca a natureza retórica do hegelianismo, mas sua crítica não adentra a base do sistema hegeliano. X 6 Kierkegaard dá importância ao indivíduo, à religião e à relação individual com Deus. Não devemos buscar o sentido do indivíduo numa harmonia racional que anula as singularidades, mas na afirmação radical da própria individualidade. O finito perante o infinito. O homem aceita o destino pela fé: modo de existir = colocame em relação ao absurdo e o paradoxo: Deus feito homem e advento da verdade. 7 O ‘Indivíduo’ e a fé são correlatos e isso constitui o dado central da existência. A verdade cristã não é para ser demonstrada, mas testemunhada, reproduzindo a ‘revelação’ na própria vida, implica testemunho total porque qto a Deus é impossível assumi-lo ‘até certo ponto’. Kieerkegaard contesta a çonsideração especulativa do cristianismo’, a tentativa de explicá-lo com a filosofia. Não se trata de justificar, mas de crer (para crer não é necessário ser contemporâneo de Jesus). 8 Para Kierkegaard a “verdade é subjetividade”: ninguém pode se por no meu lugar diante de Deus. Mas esse isolamento é para o homem algo angustiante e consequentemente, ele fica com medo, não ousa se pôr em relação a Deus e considera mais prudente ‘ser com os outros’. Essa atitude fere a relação com Deus que concedeu a graça ao Indivíduo. “Quando os homens preferem ser como os outros, isso é delito de lesa-majestade contra Deus. A massa dos macaquinhos é culpada de lesa-majestade! E a punição será que Deus os ignorará.” 9 O homem deve ter coragem, como Indivíduo de pôr-se em relação com Deus. O homem não pode absolutamente nada, Deus dá tudo em que possibilita crer, aí se têm a Graça que é o princípio do cristianismo. Isso torna autêntica a existência pois permite separá-la dos disfarces e ilusões. “Para nadar é preciso ficar nu; para aspirar à verdade, é preciso ficar nu em sentido muito mais íntimo, é preciso desfazer-se de vestimentas muito mais interiores de pensamento, de idéias, de egoísmo e de coisas similares, antes de poder ficar nu o quanto é necessário.” 10 Diferente dos animais (que possuem essência, reino do necessário) o homem possuem existência (reino do devir, contingente e histórico). A existência é o reino da liberdade, da possibilidade, mas “a possibilidade é a mais pesada das categorias”. Aí surge a angústia que é o puro sentimento do possível, é o sentido daquilo que pode acontecer e que pode ser muito mais terrível que a realidade. A realidade é mais leve que a possibilidade. A angústia caracteriza a condição humana. 11 “A angústia destrói todas as finitudes, descobrindo as suas ilusões. Em nenhum grande inquisidor tem prontas tantas torturas tão terríveis quanto a angústia; nenhum espião sabe atacar com tanta astúcias a pessoa suspeita, precisamente no momento em que está mais fraca, nem sse sabe preparar tão bem os laços para agarrá-la, como sabe a angústia; por mais sutil que seja, nenhum juiz sabe examinar tão a fundo o acusado como a angústia, que não o deixa escapar nunca, nem na diversão, nem na algazarra, nem no trabalho, nem de dia ou de noite”. 12 É preciso viver a angústia: ilustrado pelo sacrifício de Abraão (absurdo). Abraão não é o herói trágico que deve escolher entre valores subjetivos (individuais e familiares) e objetivos (cidade, comunidade), o que está em jogo é sua fé. Deus não quer testar a sabedoria de Abraão (como de Édipo). “Não se trata, nesse caso, de optar entre dois códigos de Ética ou entre dois sistemas de valores. Abraão é colocado diante do incompreensível e do infinito. Ele não possui razões para medir ou avaliar qual deve ser sua conduta. Tudo está suspenso, exceto a sua relação com Deus.” 13 Do ponto de vista humano, o sacrifício é um abandono da ética. A fé é, portanto, um salto para o absoluto: ausência da mediação humana. A fé reúne a reflexão e o êxtase. 14 Enquanto a angústia é típica do homem na sua relação com o mundo, o desespero é próprio do homem na sua relação consigo mesmo. O desespero é a culpa do homem que não sabe aceitar a si mesmo em sua profundidade: por sair de si mesmo (fuga): odeia a existência ou por querer demais a si (endeusamento). O desesperado está mortalmente doente, é viver a morte do eu. O desespero brota no não querer se aceitar como estando nas mãos de Deus. Mas, negando Deus o homem aniquila-se a si mesmo, separar-se de Deus equivale a arrancar suas próprias raízes e ‘afastar-se do único poço do qual se pode beber água’. 15 Kierkegaard critica a ciência positivista, a ciência deste mundo não tem importância, para o cristão a existência autêntica se estabelece no plano da fé. É insensato propor uma ‘teologia científica’ da mesma forma como é insensato propor uma ‘teologia sistemática’, faz-se isso porque se tem medo e não se tem fé. 16 esfera da fé está onde se trata de que ‘tu deves crer’ (ainda que todo o mundo ardesse em chamas e todos os elementos se fundissem). Aqui não se deve ficar esperando pelas últimas notícias do correio ou pelas novidades dos navegantes. Essa sabedoria do espírito, a mais humilde de todas, a mais mortificante para alma vaidosa (porque observar ao microscópio é tão aristocrático!), é no entanto a única certeza.” “A ciência é o modo mais terrível de viver: o de encantar todo mundo e se extasiar com as descobertas e a genialidade, sem no entanto conseguir compreender-se a si mesmo.” “A 17 Sartre (1905 – 1980) Foi não somente um escritor brilhante, mas dramaturgo e romancista de fama. Em 1964 foi indicado ao Prêmio Nobel de literatura mas não o aceitou. Simone de Beauvoir, sua companheira foi a 1º autora feminista de fama internacional. Escreveu “O segundo sexo”, no qual pleiteia a abolição do mito do feminismo. Com Merleau Ponty Sartre fundou o jornal “Les temps Modernes” 18 O existencialismo de Sartre é um projeto ambicioso: a interpretação total do mundo. Baseado principalmente na fenomenologia de Husserl e em 'Ser e Tempo' de Heidegger, o existencialismo sartriano procura explicar todos os aspectos da experiência humana. A maior parte deste projeto está sistematizada em seus dois grandes livros filosóficos: "O ser e o nada" e "Crítica da razão dialética". 19 Sustenta a literatura como tarefa necessária: “Escrevo sempre. O que há de diferente para fazer? Nulla dies sinie linea. É o meu hábito e, ademais, é o meu ofício. Durante muito tempo, tomei a pena por uma espada; agora conheço a nossa impotência. Não importa: faço, farei livros – isso é necessário. E, apesar de tudo, serve. A cultura não salva nada nem ninguém, não justifica. Mas é um produto do homem: nela ele se projeta e se reconhece´; esse espelho crítico é o único a oferecer-lhe a sua imagem.” 20 Sartre iniciou sua atividade de pensador com a análise da psicologia fenomenológica. Retoma Husserl e a idéia de intencionalidade mas critica o solipsismo do sujeito transcendental, é preciso tirar as coisas da consciência. “Uma mesa não está na consciência, nem mesmo a título de representação. Uma mesa está no espaço, próxima à janela, etc. O primeiro passo que a filosofia tem de dar é precisamente o de expelir as coisas da consciência e restabelecer a verdadeira relação com o mundo, isto é, de que a consciência é a consciência posicional do mundo.” 21 Alguns conceitos sartrianos: O Em-si: qualquer objeto existente no mundo e que possui uma essência definida. Uma caneta, por exemplo.Um ser Em-si não tem potencialidades nem consciência de si ou do mundo. Ele apenas é. Os objetos do mundo apresentam-se à consciência humana através das suas manifestações físicas O Para-si: Consciência do homem. Para-si faz as relações temporais e funcionais entre os seres Em-si e ao fazer isso constrói um sentido para o mundo em que vive, não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma idéia pré-existente. Como o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o Para-si exista e durante essa existência ele define, a cada momento o que é sua essência. 22 Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante. Nada me compele a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto. Podemos afirmar que meu ser passado é um Em-si, possui uma essência conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. Por isso se diz no existencialismo que "a existência precede e governa a essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o que quiser. 23 Na obra A náusea Sartre fala da angústia da existência. A contingência essencial, o absurdo do real e a gratuidade dessa situação (vida desprovida de sentido) . “Tudo é gratuito: este jardim, esta cidade e eu próprio. E quando acontece de nos darmos conta disso, revolta-se-nos o estômago e tudo se põe a flutuar...eis a Náusea.” Assim como a náusea é a experiência metafísica que revela a gratuidade e o absurdo das coisas, a angústia é a experiência metafísica do nada (liberdade) junto a responsabilidade Todas as atitudes se equivalem pois estão condenadas à falência. Ex: bêbado e condutor de povos. “A liberdade consiste na escolha do próprio ser. E essa escolha é absurda.” 24 A consciência é vazia de ser, é possibilidade, liberdade. “A liberdade não é um ser: ela é o ser do homem, isto é o seu nada ser.” Uma vez lançado à vida, o homem é responsável por tudo que faz do projeto, sem desculpas (se falirmos foi pq escolhemos a falência). Procurar por desculpas significa estar de má-fé, a má-fé apresenta o desejável como necessidade inevitável. As pessoas fogem da angústia pela má-fé, fingindo que estão presas a regras e normas já existentes Ex: guerra. O homem pode escolher, sua liberdade é absoluta, mas ele está condenado a liberdade. 25 Ser para os outros: o homem para si é também ser para os outros. O outro é aquele que invade a minha subjetividade e, de sujeito, passo a objeto do seu mundo. O outro não é aquele que é visto por mim, mas aquele que me vê, me torna presente sob a opressão do seu olhar. Mas Sartre não defende o solipsismo. O homem por si só não pode se conhecer em sua totalidade. Só através dos olhos de outras pessoas é que alguém consegue se ver como parte do mundo. Sem a convivência, uma pessoa não pode se perceber por inteiro. "O ser "Para-si só é Para-si através do outro“. 26 Cada pessoa, embora não tenha acesso às consciências das outras pessoas, pode reconhecer neles o que têm de igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Por mim mesmo não tenho acesso à minha essência, sou um eterno "tornar-me", um "vir-a-ser" que nunca se completa. Só através dos olhos dos outros posso ter acesso à minha própria essência, ainda que temporária. Só a convivência é capaz de me dar a certeza de que estou fazendo as escolhas que desejo. Caravaggio Heitor dos Prazeres 27 Minha experiência se modifica, por um projeto que não me pertence. O olhar alheio me fixa, me paralisa (perco a liberdade). Qdo aparece o outro nasce o conflito. “Minha queda original é a existência do outro”. “O inferno são os outros.” EX: vergonha e amor. Embora sejam eles que impossibilitem a concretização de meus projetos, colocando-se sempre no meu caminho, não posso evitar sua convivência. Sem eles o próprio projeto fundamental não faria sentido. Lasar Segall 28 Na Crítica da Razão dialética Sartre começa a repensar a liberdade total do sujeito e adota uma perspectiva marxista. Se questiona sobre a possibilidade de um método que combinasse existencialismo e marxismo. “O marxismo é a filosofia inevitável do nosso tempo.” Torna-se militante. 29 Bibliografia sugerida: ABBAGNANO, Nicola. Introdução ao Existencialismo. São Paulo: Martins Editora, 2006. BEAUFRET, Jean. Introdução às filosofias da existência. Duas Cidades, 1976. BORHEIM. Gerd. Sartre: Metafísica e Existencialismo. Coleção Debates. São Paulo: Perspectiva, 2000. NUNES, Benedito. No Tempo do Niilismo. São Paulo, 1993. Editora Ática. COLETTE, Jacques. Existencialismo. São Paulo: L&PM Editores, 2014. REYNOLDS, Jack. Existencialismo. Petrópolis: Vozes, 2013. Literatura: Kafka e Camus. 30 SARTRE, Jean-Paul. O Ser e O Nada. Tradução e notas de Paulo Perdigão. Petrópolis, 2001. 10ª edição. Vozes. _______, Que é a Literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo, 1989. Ed. Ática. _______, O Imaginário: psicologia fenomenológica da imaginação. Tradução de Duda Machado. São Paulo, 1996. Editora Ática. _______, O existencialismo é humanismo. Os Pensadores. São Paulo, 1973. Editora Abril, S. A. KIERKEGAARD, S. B. O desespero humano. In: Os pensadores. Tradução de Carlos Grifo; Maria José Marinho; Adolfo Casais Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1979. KIERKEGAARD, S. B. O conceito de angústia. Petrópolis: Vozes, 2011. Entrevista: Franklin Leopoldo da Silva: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/17/artigo699461.asp Vídeo Paradigmas do Séc XXI: https://www.youtube.com/watch?v=ct1FfOGvBkY 31