FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Deise Aparecida Souza de Sales A FORMAÇÃO ÉTICA DO PROFISSIONAL DO DIREITO FUNDAMENTADA NOS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIAS JURÍDICAS DESENVOLVIDOS POR MIGUEL REALE. Pará de Minas 2013 Deise Aparecida Souza de Sales A FORMAÇÃO ÉTICA DO PROFISSIONAL DO DIREITO FUNDAMENTADA NOS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIAS JURÍDICAS DESENVOLVIDOS POR MIGUEL REALE. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Direito. Orientador: Prof. Ms. Geová Nepomuceno Mota Pará de Minas 2013 Deise Aparecida Souza de Sales A FORMAÇÃO ÉTICA DO PROFISSIONAL DO DIREITO FUNDAMENTADA NOS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIAS JURÍDICAS DESENVOLVIDAS POR MIGUEL REALE. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Direito. Aprovada em _____ / _____ / _____ ________________________________________________ Orientador: Prof. Ms. Geová Nepomuceno Mota ___________________________________________________ Examinador: Prof. Ms. Márcio Eduardo da Silva Pedrosa Morais AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado forças para enfrentar todas as dificuldades a qual passei, se não fosse por elas eu não teria saído do lugar. Agradeço às pessoas que contribuíram para o meu sucesso e para o meu crescimento como pessoa. Esse trabalho é o resultado da confiança e da força de cada um de vocês. Agradeço também a todos os professores que me acompanharam durante a graduação, em especial ao Prof. Geová Nepomuceno Mota pela paciência na orientação e incentivo, que tornaram possível a conclusão desta monografia Este trabalho é dedicado às pessoas que sempre estiveram ao meu lado pelos caminhos da vida, me acompanhando, me apoiando e principalmente acreditando em mim: Meus queridos pais Márcio e Conceição; meus irmãos Denise e Diogo e a meu amado Harley, que durante todo este tempo esteve pacientemente ao meu lado me fazendo acreditar que sempre é possível alcançar nossos sonhos. Amo muito todos vocês! RESUMO A monografia é o resultado da investigação sobre as contribuições deixadas por Miguel Reale para os operadores do direito, no que atine a sua formação ética filosófica. Dessa forma, suscitamos qual seria a importância da formação ética moral no mundo contemporâneo, uma vez que não raramente nos deparamos com infringências graves cometidas por esses profissionais. Investigamos como deveriam agir se seguissem os princípios das ciências jurídicas que foram desenvolvidos pelo jurista. Procurando fazer frente a esse pensamento, trabalhou-se com a hipótese principal de que a boa formação ética filosófica se faz de suma importância, principalmente para os profissionais do Direito, uma vez que eles são incumbidos de lidar diretamente com o indivíduo, podendo o fruto deste trabalho gerar reflexos na sociedade como um todo. Na sequência, a abordagem investigatória teve como objetivo principal analisar os ensinamentos e pensamentos deixados por esse jusfilósofo e a contribuição que ele deixou para quem lida diretamente com a norma positivada. A pesquisa buscou manter uma forma didática de abordar o tema, e salientar que essas bases devem ser observadas desde a faculdade, que é o local onde se molda o profissional. Enfim, buscou-se confirmar a postura pela qual, os operadores devem adotar perante as divergências sociais, a formulação, interpretação e aplicação da lei, de forma a agir ativamente posicionando-se de uma maneira reflexiva ativa, baseando-se em princípios epistemológicos. Palavras chave: Ética. Filosofia. Direito. Profissional. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 07 2 DESCRIÇÃO SOBRE ÉTICA E MORAL NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ...................................................................................................... 08 2.1 2.2 Conceito de ética .................................................................................. 09 Conceito de moral ................................................................................. 10 3 3.1 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA REFLETIDA NA SOCIEDADE ............... Valorização do ensinamento ético ...................................................... 12 13 4 4.1 4.2 ÉTICA PROFISSIONAL ......................................................................... Aspectos gerais sobre a ética profissional ........................................ Relevância da ética Profissional ......................................................... 15 15 16 5 5.1 5.,2 ÉTICA JURÍDICA ................................................................................... 18 Ética Jurídica e seu compromisso social ........................................... 18 Ética do Professor do Direito ............................................................... 18 6 6.1 6.1.1 6.1.2 6.2 6.3 6.4 6.4.1 6.4.2 6.4.3 ÉTICA JURÍDICA NA VISÃO DE MIGUEL REALE .............................. Ontognoseologia jurídica ..................................................................... Deontologia Jurídica ............................................................................... Crítica ao apriorismo jurídico .................................................................. Ato e Valor na estrutura jurídica .......................................................... Normas éticas e sua aplicabilidade ..................................................... Momentos da Conduta no âmbito do comportamento Conduta Moral e profissão jurídica ......................................................... Conduta Jurídica ..................................................................................... Bilateralidade ética e jurídica .................................................................. 7 AS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE PARA A FORMAÇÃO ÉTICA E FILOSÓFICA DO PROFISSIONAL DO DIREITO ........................................................................................... 34 8 CONCLUSÃO ......................................................................................... 38 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 40 21 21 22 23 24 26 27 28 30 31 7 1 INTRODUÇÃO À guisa de introdução é bom destacarmos que é de fundamental importância que o operador do direito tenha conhecimento do verdadeiro valor da ética, da moral e da filosofia refletida nessa ciência humana, qual seja, o direito. Todas as pessoas que vivem em sociedade se relacionam com o direito e contribuem para a sua história. Atualmente, a começar nas faculdades de direito, há um grande descrédito para o ensinamento filosófico e ético relacionado com as ciências jurídicas e isso vem refletindo diretamente nos profissionais que passam a ingressar o mercado de trabalho com um grande despreparo, não teórico, mas de condutas. Quando nos referimos à profissão, logo deve nos vir a mente a ideia de um código normativo cuja importância é nortear os profissionais a tomar decisões coerentes e sensatas frente a tantos problemas que se fazem presentes, seja ante a sociedade, seja ante aos próprios profissionais. A ética ilumina a consciência humana, ela é responsável por dirigir as ações dos homens, norteando as suas condutas individuais e sociais. Por isso é que ela se faz universal, enquanto estabelece um código de condutas morais válidas para todos os membros de uma determinada sociedade e, ao mesmo tempo tal código se faz relativo, uma vez que recebe influências relativas ao contexto sócio político, político econômico e cultural onde vivem os sujeitos éticos e onde esses realizam suas ações. Enfim, para adentrarmos no tema, é importante fazer uma breve distinção conceitual entre ética e moral e a importância delas frente à sociedade e ao próprio profissional, por isso a relevância de seu ensinamento, principalmente nas faculdades de direito onde o indivíduo começa a sua formação profissional. Faremos um estudo direcionado aos pensamentos de um jusfilósofo brasileiro que muito contribui para a história da filosofia do Brasil, Miguel Reale. O referido autor participou ativamente de grandes transformações jurídicas pelas quais nosso país passou. Ele não apenas foi um grande filósofo, mas também um grande jurista, e seus estudos, suas descobertas, sua forma de pensar o direito nos deixou grandes ensinamentos, que serão brevemente explanadas neste trabalho. 8 2 DESCRIÇÃO SOBRE ÉTICA E MORAL NO DESENVOLVIMENTO HUMANO Há quem faça confusão entre a distinção da ética e da moral. Para alguns, ética e moral são sinônimos, e não apresentam nenhuma diferença entre si. A verdade é que, a priori realmente não há que se falar em diferenças, uma vez que ambas têm como significado etimológico costume. Contudo, faz-se uma diferenciação a respeito da terminologia. A palavra ética vem da palavra grega ethos, que significa ‘costumes’ e a palavra moral, vem da palavra latina mores, que também significa ‘costumes’. Nota-se então, que a respeito da terminologia elas se diferem apenas pela língua originária. Apesar disso, alguns filósofos aproveitam o fato de existirem dois termos e os diferenciam. Para a maioria, a ética se caracteriza essencialmente pelo comportamento do ser humano. A moral, no entanto, é um conjunto dos princípios gerais, sendo concretizado pela ética. Dessa forma, podemos concluir que sempre que tratarmos de ética, automaticamente estaremos tratando de moral, uma vez que aquela se encontra dentro dessa. Segundo Nalini (2006), ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. E assim, se classifica por ter objeto próprio, um estudo direcionado tão somente a ela. As questões éticas por terem sido estudadas sempre por filósofos adquiriram autonomia própria. Além disso, ela deve ser observada em outras ciências e em todos outros seguimentos. Para o autor, ética é a ciência dos costumes, já a moral é objeto da ciência. A ética reveste de conteúdo mais teórico que a moral, e como ciência, ela procura extrair dos fatos morais os sentidos gerais a eles aplicados. Dessa forma, há uma semelhança entre ‘valores éticos’ e ‘valores morais’, porque ambos estão atrelados a costumes, porém, não se pode tomar como ponto de partida a etimologia da palavra. A ética como ciência irá organizar, sistematizar dentro do seu limite os fatos morais (NALINI, 2006). De forma divergente e minoritária entende Eduardo C. B. Bittar, ao dizer que: “[...] a ética não é ciência e sim filosofia prática, que tem por conteúdo o agir humano. Por se tratar de um saber especulativo voltado para a crítica conceitual e valorativa. A ética firma-se em solo filosófico como forma de fortalecimento das construções e deveres morais hauridos ao longo do tempo pela experiência. Seu cunho especulativo não a permite ser senão um grande jogo especulativo, característica central do saber filosófico”. (BITTAR, 2007) 9 O autor entende que o estudo da ética é muito abrangente para ser classificado como uma ciência, ele é complexo e seu conteúdo ilimitado, porque o ser humano encontra-se em profunda movimentação e transformação. “A ciência delimita o seu objeto de estudo, não consegue acompanhar essa movimentação constante, o que a difere da filosofia prática”. (BITTAR, 2007). Reale (1962) entende que a ética determina os valores que fundam o comportamento humano e a moral refere-se à posição mais subjetiva em relação a esses valores, dessa forma, para ele, a ética é concretizada pela moral. O autor entende que a ética é a parte da filosofia que tem por objeto os valores que norteiam o comportamento do ser humano em todas as suas expressões existenciais, sendo a moral a representação da realização ética presente em nossas experiências cotidianas. Reale (1962) salienta ainda, que a palavra ética veio aos poucos atingindo um sentido mais genérico do que aquele precipuamente atribuído por Aristóteles, atualmente sendo posta em novos termos, com a substituição do conceito de bem, tradicionalmente apontado como finalidade da ética, pelo conceito mais amplo de valor. 2.1 Conceito de ética Para Bittar (2007) o conceito ético está intimamente ligado ao comportamento do ser humano através das ações tomadas por eles de forma habitual, conferindo ao indivíduo características de ser único e poder governar a si mesmo, encontrado na mais robusta fonte de inquietação humana. Segundo o autor o poder de deliberar e decidir qual a melhor forma de conduzir a própria personalidade em interação é uma liberdade da qual faz uso todo ser humano; a ética é a capacidade coligada a essa liberdade. A ética demanda do agente conduta livre e autônoma, dirigida pela convicção pessoal e insuscetível de coerção. Para Lima Vaz, o ethos como lei é verdadeiramente a casa ou a morada da liberdade. Todavia, apesar das condutas éticas estarem intimamente ligadas à liberdade, é necessário o agente consciente, ou seja, aquele que realmente conheça o que é certo e o que é errado, o que é permitido e o que é proibido, o que é virtude e o que é vício, não bastando apenas 10 ser livre para praticar uma conduta ética, é necessário ter consciência dos atos praticados. Todavia, o problema é a existência de regras que nos permitam distinguir o que é certo e o que é errado. Como a ética está vinculada à norma, que é criada a partir de costumes constituídos historicamente, cada cultura articula termos estabelecendo um modo de percepção da realidade, na qual o sujeito se familiariza e adapta ao meio em que vive. Diante das diferenças culturais, a consciência se manifesta. É ela que direciona os sujeitos à procura de princípios que possam auxiliá-los na decisão a ser tomada. A consciência é o instrumento que os seres humanos possuem para alertá-los quando infringem normas éticas, ela não dita o que é certo ou errado, apenas alerta, pois é moldada pelas diversas condições culturais externas. No campo da ética, compreender as diversidades culturais implica respeitar valores que são diferentes, uma vez que as culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo de suas histórias na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida social e política, nas suas relações com grupos, na produção de conhecimentos (BITTAR, 2007). 2.2 Conceito de moral O termo “moral” vem do latim mos ou mores que remete a hábitos. A moral constitui-se como sendo um conjunto de regras de condutas consideradas válidas para um grupo ou para uma pessoa. Ela é um conjunto de normas que orienta a ação dos sujeitos nos grupos, estabelece um parâmetro de organização social que depende do modo como se sistematiza a lei no tempo. A moral tem um caráter normativo, enquanto a ética tem caráter reflexivo. Nesse sentido, um grupo pode existir tendo a moral como princípio normativo para o agir dos sujeitos, sem despertar neles a reflexão necessária para a tomada de decisões, pois, os indivíduos só praticam condutas éticas quando têm consciência de que, ou de quem as praticam. Ao seguir os preceitos normativos da moral, sem refletir sobre os mesmos, eles não agem com ética, somente com moral. As normas morais são aprendidas em instituições a começar da mais genuína como a própria família e aprende-se nas escolas, na religião, nos países, entre 11 outros. Cada local, cada espaço historicamente constituem suas bases morais, modificando-se de cultura para cultura (FERREIRA, 2001). 12 3 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA REFLETIDA NA SOCIEDADE Ao se deparar com o fenômeno da pluralidade cultural surge a questão da pluralidade das ações éticas. É certo que cada lugar tem a sua cultura, tem seus preceitos morais fundados nos mais diversos e remotos acontecimentos históricos. Essa diversidade implica um desejo de se construir uma ética universal que permita aos seres humanos a pautar suas ações. Nesse sentido, além da consciência vinda do interior de cada um, o “outro” também entra em cena, tornando-se uma referência necessária para o agir do sujeito no mundo tão diversificado como este em que vivemos. A ética é necessária para nos ensinar a viver juntos e com os outros, de forma a nos permitir a conviver. Na visão de Ferreira (2001), o aprender a viver juntos e a conviver desdobra-se em duas vertentes: o da descoberta progressiva do outro e a da participação em projetos para se evitar e também resolver conflitos latentes. É necessário descobrir progressivamente o outro, tendo conhecimento de que o outro não é uma “coisa” e sim um sujeito com desejos, projetos, carências e que também pertence ao mundo, indiferentemente do lugar em que esteja. Tendo em vista a grande diversidade cultural que possuímos, é fundamental que saibamos conviver com elas e a descobrir cada dia mais os sujeitos, igualando-os na condição humana. Dessa forma, a violência, entendida aqui como a “coisificação” do sujeito é evitada, pois se reconhece um eu diferente de mim, que se denomina outro. Já a participação em projetos para se evitar e também resolver conflitos latentes é uma tendência de se procurar objetivos comuns. No entanto, esses objetivos processam-se no território do conflito. Ao se conviver com o outro necessariamente surge a relação de reciprocidade, e o conflito se faz subjacente ao processo de ensino-aprendizagem, o que torna a interiorização e a exteriorização de valores partes integrantes na formação do indivíduo. Quando surge um conflito se faz necessário a instauração de uma ordem construída sob um ponto comum capaz de satisfazer provisoriamente e parcialmente as partes envolvidas. Por isso, a lei moral é necessária à organização sociocultural e a mudança da mesma só ocorre quando a transgressão do que está posto implica um processo radical de transformação dos valores. 13 Conflitos podem possibilitar o surgimento de uma nova ética que valorize o ser humano e expresse o respeito às diferenças. O outro, como pertencente à espécie humana, passa a ser o limite da não violência, ou seja, deixa de ser “coisificado”. O sujeito abre-se ao diálogo, exigindo-se justiça, respeito e solidariedade para que a convivência seja possível (FERREIRA, 2001). 3.1 Valorização do ensinamento ético Preocupar-se com a conduta ética não é uma inquietação dos idosos, de pais ou mães que já possuem uma experiência a mais de vida do que os jovens, não é uma preocupação de quem já se formou, por já ter estudado na faculdade preceitos éticos que são comuns a qualquer tipo de graduação ou licenciatura. A preocupação com a ética é algo que deve ser genuíno, deve fazer parte da formação da pessoa desde seu berço, e do profissional desde a época da faculdade, onde ele começará a aprender gradativamente sobre sua profissão e sobre a importância dela para a sociedade. Contudo, não é fácil tornar a ética um primado originário no mundo pelo qual vivemos. Ensinar as crianças o verdadeiro significado da ética na era competitiva, consumista e egoísta na qual vivemos, não é tarefa fácil. Tão pouco é fácil formar profissionais éticos, quando os mesmo a veem como mera disciplina acadêmica, pois ao se formar, o que se vivencia é muito diferente do que se aprendeu teoricamente. A melhor lição para esse ensinamento é o exemplo. Mas como dar exemplo no mundo tão desnorteado em que vivemos? As crianças já nascem vivenciando o egoísmo, o hedonismo, o imediatismo, o consumismo. O egoísmo, porque o homem primeiro pensa em si, para depois pensar no próximo, e se for preciso prejudica os demais para a realização de seus desejos pessoais, atropelando-lhes muita das vezes as próprias regras morais. O hedonismo porque nos dias atuais o homem exageradamente prega o prazer a qualquer custo e quer fazer da vida uma eterna festa, sem se preocupar com as consequências que isso pode vir a trazer, esquecendo-se das obrigações que a vida lhe impõe. O imediatismo porque as pessoas estão vivendo de forma tão eufórica como se o mundo estivesse sempre prestes a acabar. Vivem cada minuto de forma tão 14 intensa que esquecem que o amanhã também existe e pode vir repleto de problemas que poderiam ter sido evitados. O consumismo sempre existiu, porém cada dia que passa ele ganha mais força. O consumismo em massa vem descartando valores, descartando a velhice, descartando os sacrifícios, descartando tudo aquilo que dele não se pode desfrutar economicamente. Como esperar que as crianças cresçam conscientemente éticas se os exemplos não são condizentes? Mães que brigam quase se agredindo fisicamente por uma vaga no estacionamento da escola, portando o filho no banco de traz, transmitindo um belo exemplo de falta de educação, tolerância, e paciência. Pais que levam os filhos para trabalhar com eles com intuito de incentivá-los, de transmitir experiências, mas que sonegam o fisco na presença desses futuros profissionais e até mesmo pedindo o auxilio desses jovens para a realização de tão absurda prática. Seria esse o exemplo de honestidade? Que modelos morais esses jovens seguirão? Vão acabar se referindo a honestidade como um atributo dos tolos. Não obstante, a ética que deveria se fazer presente nas escolas, nas faculdades nem sempre se faz. A exemplo, temos os estudantes do Curso de Direito, que deveriam primar sempre pela justiça, de saber lidar com o certo e com o errado, de conhecer o que é moralmente certo e eticamente reprovável. Nos anos iniciais de uma faculdade estuda-se ética, e alguns alunos têm essa disciplina apenas como uma disciplina a mais na grade curricular. Não percebem a essência que ela traz consigo e deixam para vivenciá-la ao saírem da faculdade. Tão pouco são cobrados sobre ela. Lamentável! Ao se formar se deparam com o Código de Ética e não raramente cometem gritantes infringências a ele. Só aí percebem que é necessário pensar em ética como algo mais sério. Por isso a necessidade dos mais experientes agirem de maneira consciente, não é que a ética seja voltada para os mais velhos, mas eles de um modo em geral espelharão os mais jovens em suas condutas. Ética deve ser aprendida e vivenciada no “hoje”, não no ontem, nem no amanhã. (NALINI, 2010). 15 4 ÉTICA PROFISSIONAL 4.1 Aspectos gerais sobre a ética profissional A ética profissional se destaca de dentro da ética geral como um ramo específico relacionado aos mandamentos, às regras, às normas basilares das relações laborais. Todas as profissões reclamam um proceder ético. A propagação de códigos deontológicos de diversas categorias profissionais evidenciam a oportunidade e a relevância do tema. Houve a disseminação de códigos deontológicos de muitas categorias profissionais e cada uma delas possuem um código deontológico diferente, sendo que o fator preponderante para a definição do código de ética é justamente a responsabilidade que dela provém em face dos outros. Não estamos nos referindo à hierarquia de valores ou de profissões, estamos nos referindo a responsabilidade que provém de uma profissão específica em face de um indivíduo ou de uma coletividade. Por esse motivo há princípios deontológicos de caráter universal e os específicos que se vinculam a cada profissão. Por exemplo: o código de ética de um engenheiro não é o mesmo do código de ética de um médico, que não será o mesmo de um advogado, etc. Pode haver normas éticas gerais aplicadas a todas as profissões, mas também há as especificas correlatas à cada uma delas. Bittar (2007), entende que os códigos de ética profissional foram criados, talvez, na esperança de implementar e de imediatizar na consciência dos profissionais os princípios e deveres éticos, partindo para uma tentativa de torná-los concretos. Os códigos de ética profissional poderiam ser chamados de código do dever, específicos para cada profissão. Dessa forma, ao serem regulamentados, deixam de ter um conteúdo de espontaneidade, o que caracteriza a ética, e passa a ser desde a sua regulamentação um conjunto de prescrições de conduta, tornandose normas jurídicas de direito administrativo, uma vez que o infrator recebe sanções administrativas ao infringí-las, tais como suspensão, perda do cargo, cancelamento da carteira profissional, dentre outras. Isso significa, em outras palavras, que as normas éticas são transformadas em normas jurídicas e as lições fundamentais da ética que são a livre consciência e autodeterminação são deturpadas. Nesse contexto, será que essa codificação realmente é benéfica? 16 Ao se codificar as normas éticas, o homem é afastado da reflexão que dela demanda para fazer-se um mero cumpridor de códigos de conduta, consequentemente, corre-se o risco de uma perversão de valores e de um esvaziamento de uma das principais raízes humanas, pois o pensamento e a prática ética são reduzidos a um conjunto de preceitos de caráter formulador e abstrato, sem liame com a práxis efetiva. (BITTTAR, 2007 e NALINI, 2008). 4.2 Relevância da ética Profissional Bittar salienta que: A profissão deve ser entendida como uma prática reinterada e lucrativa, da qual extrai o homem os meios para sua subsistência, para sua qualificação, e para seu aperfeiçoamento moral, técnico, intelectual, da qual decorre, pelo simples fato de seu exercício, um benefício social. (BRITTAR, 2007) Dessa forma, sem dúvida alguma, o exercício profissional é de extrema importância e não deve ser visto apenas sob um aspecto singular na vida de uma pessoa. Ele tem grandes reflexos no meio social, pois ao exercer uma profissão, o profissional estará engajado numa teia de comprometimentos, uma vez que o mesmo não vive sozinho, sendo assim, uns dependem dos outros para que se perfaçam os objetivos pessoais e coletivos. Ademais, analisando-a sob um aspecto moral ela é uma atividade pessoal, mas que deve ser desenvolvida sempre de maneira estável e honrada, a serviço não apenas de quem a exerce, mas principalmente dos outros, de conformidade com a própria vocação, não objetivando apenas lucros e primordialmente em atenção à dignidade da pessoa humana. O exercício profissional é uma atividade social, é uma atividade a serviço dos outros, e por essa razão deve estar implícita nessa atividade o espírito de serviço, de solidariedade, de cooperação, de entendimento, de doação ao próximo. O valor social do trabalho impõe-se acima do aspecto meramente técnico, uma vez que representa uma atividade moral, visto que, por meio dela, pode transformar o ambiente de trabalho, a conduta, as condições de vida de quem a pratica e de quem dela dependa. Em decorrência desse aspecto moral, se justifica a formulação de princípios éticos em diversos ramos profissionais, por exemplo, os empresários têm que se 17 esforçarem para direcionarem suas atividades para além do lucro, tornando-as um importante foco de dispersão de preceitos éticos. Dessa forma, a profissão como uma atividade social, deve ser exercida observando os aspectos técnicos, éticos, morais. O conhecimento técnico, adequado é exigível a todo profissional. O primeiro dever ético do profissional é dominar as regras para um desempenho eficiente na atividade que exerce, procurando a cada dia inovar seus conhecimentos, atualizar suas técnicas, para assim estar preparado para as novas exigências do mercado e principalmente para fazer sempre o melhor para o próximo. Por exemplo: um advogado deve renovar, atualizar seus conhecimentos técnicos, e se assim não fizer poderá prejudicar os clientes que dele dependam. Mas além desses conhecimentos técnicos, o profissional deverá atuar com consciência, tendo em vista que existe uma função social a ser desenvolvida na profissão. Ele não pode estar dela descomprometido, devendo ter empenho em sua concretização. Conclui-se então que todas as profissões reclamam por deveres éticos profissionais, porque o propósito do exercício ético profissional é a prestação de uma utilidade a terceiros, e todas as qualidades pertinentes à satisfação da necessidade, de quem requer a tarefa, passam a ser uma obrigação perante o desempenho (BITTTAR, 2007 e NALINI, 2008). 18 5 ÉTICA JURÍDICA 5.1 Ética Jurídica e seu compromisso social Segundo Bittar (2007) as profissões jurídicas são, se não em sua totalidade, ao menos em quase a totalidade, profissões regulamentadas, legalizadas, regidas por normas e princípios jurídicos e éticos, de modo que o exercício das profissões jurídicas são vinculados a deveres expressos em legislações, regulamentos, códigos de ética, regimentos internos, portarias, circulares e até mesmo no texto constitucional. Isso tudo porque o exercício da profissão envolve questões de alto grau de interesse coletivo. Todas as profissões jurídicas existem mandamentos éticos comuns, pelo fato de desenvolverem importante função social. Contudo, não existe uma regra capaz de resolver todos os problemas éticos profissionais das diversas carreiras jurídicas. Cada qual possui peculiaridades que devem ser respeitadas. Devido a essas peculiaridades é impossível falar em uma ética comum a todas as carreiras jurídicas, contudo, existem princípios gerais que são comuns a todas elas, tais como o princípio da cidadania, o princípio da efetividade, o princípio da probidade, o princípio da liberdade, o princípio da informação, da solidariedade dentre tantos outros. Assim, deve-se respeitar e obedecer as nuances que caracterizam cada carreira jurídica, mas deve-se acima de tudo, estar ciente de que pelo grau de importância que tais carreiras refletem na sociedade, elas sempre, cada qual de sua maneira, devem vir regulamentadas por um conjunto de regras e normas, e seus atos devem sempre refletir uma conduta ética. (BITTTAR, 2007) 5.2 Ética do Professor do Direito Quando falamos em carreira jurídica logo nos vem à mente a imagem de juízes, promotores, desembargadores, funcionários públicos, mas raramente as pessoas se lembram dos professores, que também são profissionais do direito, se não for o mais importante dos profissionais pela sua essência. 19 Ao professor de direito é incumbido não apenas a formação teórica dos estudantes, mas acima de tudo a formação ética. Não raramente, vemos professores que não são capacitados para lecionar, não por falta de títulos, que na maioria das vezes são muitos, mas sim por não passarem aos graduandos noções do que realmente vem a ser ética. Então vem a pergunta: porque escolher o magistério como profissão? A resposta muitas vezes atormenta. Pelo salário obviamente não é. Sabe-se que salário de professor, ainda que universitário, no Brasil é muito defasado. Professores de universidades federais, de quem são exigidos dedicação exclusiva auferem uma remuneração pouco estimulante. Muitos veem na profissão um refúgio, apenas para saírem de casa e estarem em contato com outras pessoas, na maioria das vezes jovens que se tornam amigos de noitadas. Outros, por não terem uma boa relação familiar, assim, preferem sair de casa que seja por duas vezes na semana. Tem aqueles que pensam no prestígio que ainda hoje, apesar de toda a crise ética que vem passando a profissão, essa lhe reflete, uma vez que a imagem de professor universitário, em especial o de direito,é de uma pessoa sóbria, dotada de conhecimentos, de ética, de eficiência e capacidade, afinal, são eles os responsáveis por ensinarem os futuros profissionais de direito o que eles devem aprender na teoria e posteriormente na prática. É como se fossem incapazes de errar, pelo fato de serem professores, de ter necessariamente a obrigação de saber e de entender o direito para passarem para os alunos. Nesse caso, deveriam ser bons por excelência. Eis a questão, como ser um bom professor? Para ser um bom professor é preciso muito mais que títulos, que cursos, que mestrado, doutorado, ou pós, é preciso além de ensinar a teoria formar profissionais éticos. E essa não é uma tarefa muito fácil. Exige-se muito de quem ensina. Atualmente, percebe-se uma falha no sistema universitário do país, tanto na formação e na seleção dos profissionais do direito – os professores – quanto na cobrança e formação acadêmica dos alunos. As faculdades tendem a ensinar e a preparar os alunos apenas para a resolução de provas objetivas, como OAB, concursos públicos dentre outras tantas, e esquecem que estão formando profissionais que antes de tudo devem ter bases éticas. Sem elas fica difícil enfrentar os problemas, as nuances da profissão. A cobrança da sociedade não é somente da formação teórica do profissional do direito. Exige-se mais. Eles devem 20 ter sensibilidade, idoneidade, boa-fé ao receber uma causa e a lidar com ela. Não basta aplicar o direito no caso concreto, adotando apenas a teoria positivista das normas. É preciso agir acima de tudo com bases morais e éticas que deveriam existir desde sempre em todo ser humano e acima de tudo ser reeinterada na faculdade de direito, voltada especialmente para a ética profissional. Contudo, isso vem se tornando cada vez mais difícil. Há uma deficiência no preparo dos profissionais, e o sistema universitário de forma geral, passa por sérios problemas didáticos e pedagógicos. Nesse aspecto, percebe-se que muitas instituições de direito não oferecem aos professores qualquer tipo de formação didática, ou seja, qual é a melhor maneira de passar aos alunos o conhecimento jurídico, moral e científico que sabem. A maior preocupação e exigência é com títulos e nomes. Esse é um dos grandes motivos, pelos quais, muitos profissionais do direito não passam ensinamento ético apropriado aos alunos, pois, em muitos casos eles não sabem como fazê-los. A consequência, obviamente, é que os futuros profissionais saem da faculdade vazios de preceitos morais e éticos e na maioria das vezes pensam no lucro acima de qualquer coisa ou pessoa. Simplesmente “coisificam” o sujeito tratando-o como algo capaz de lhe render lucros. Pouco importando se o cliente está certo ou errado, a única coisa que lhe interessa é lucro (NALINI, 2010). 21 6 ÉTICA JURÍDICA NA VISÃO DE MIGUEL REALE 6.1 Ontognoseologia jurídica Ontognoseologia jurídica, para Miguel Reale, é a teoria do conhecimento. É a parte geral da filosofia do direito que se destina a determinar a natureza, a consciência e a essência do direito, suas estruturas objetivas e subjetivas. É o estudo da realidade social do direito, da qual vivemos e em razão das quais elaboramos nossas cogitações, formulando juízos e teorias. Dessa forma, o autor entende que a realidade jurídica não pertence à esfera dos objetos ideais, nem dos psíquicos, eles têm uma estrutura própria, a dos objetos culturais tridimensionais, pois implicam sempre em um fato ordenado por valores em um processo normativo. Para definirmos o Direito é necessário envolvê-lo à realidade à qual ele se refere, não podendo definí-lo de uma maneira puramente formal, pois se assim fizéssemos, seu conceito ficaria vazio, sem conteúdo. Sob o prisma ontognoseológico, o Direito é percebido no âmbito do processo cognitivo, ou da relação sujeito-objeto, evitando apreciá-lo como algo perfeito e acabado pronto para ser reproduzido pelo jurista, mas como também em sua pura expressão formal capaz de dar cunho de juridicidade a uma conduta humana em si mesma, de natureza estética, econômica, religiosa, mas nunca jurídica. A consideração do fenômeno jurídico, sob o ponto de vista do filósofo do Direito e do jurista se diferem. O jurista realiza um estudo sistemático de preceitos já dados, como algo que ele deve apreender e reproduzir na prática, a fim de delimitar o âmbito da conduta lícita ou as consequências resultantes da violação das normas reveladas pelo Estado, caracterizando-se assim a Ciência do Direito. Já o filósofo do direito procura ir até a fonte originária e primordial de onde aqueles ditames de ação necessariamente surgiram, ou seja, não observa a experiência jurídica de fora como um dado ou objeto externo. Eles tentam analisar de onde, como, e porque elas surgiram. Surge dessas indagações a Filosofia do Direito. “O Direito, porém, não é uma coisa, como uma árvore ou uma casa que o espírito compreende em suas estruturas, mas é um momento da atividade 22 espiritual mesma, objetivada em relações sociais. Daí dizermos que o espírito na especulação filosófica , dobra-se sobre si mesmo e torna a encontrar-se com o foco de todas as projeções práticas e volitivas, cuja a trama compõe a convivência social, para indagar o porquê da experiência jurídica e não como ela se processa”. (REALE, 1962, p. 268) Dessa forma, a conexão entre Direito e Moral, Direito e política e Direito e economia objetivamente encontram suas conexões nos comportamentos exteriores e subjetivamente na própria unidade espiritual, que indaga o porquê das experiências jurídicas, razão última e verdadeira dessas conexões. A ontognoseologia jurídica nada mais é do que o estudo crítico da realidade jurídica e de sua compreensão conceitual. Seus elementos são suscetíveis de serem vistos como valor, norma e como fato implicando em perspectivas éticas, lógicas, histórico-culturais. Dessa forma, Reale dividiu os aspectos da experiência jurídica em parte Geral e parte especial. A parte geral: Ontognoseologia jurídica. As partes especiais ficaram divididas em: a) Epistemologia jurídica ou doutrina da ciência do Direito – estuda o problema da vigência e dos valores lógicos do Direito. b) Deontologia jurídica, ou doutrina dos valores éticos do Direito – problema do fundamento do Direito. c) Culturologia jurídica ou doutrina do sentido da concretização histórica dos valores do Direito – problema da eficácia do Direito. 6.1.1Deontologia Jurídica “A deontologia jurídica é a indagação do fundamento da ordem jurídica e da razão da obrigatoriedade das normas de Direito, da legitimidade da obediência às leis, o que quer dizer indagação dos fundamentos ou dos pressupostos éticos do Direito e do Estado.” (REALE, Miguel,1962, p. 271) A deontologia jurídica cuida de questões filosóficas, voltadas à justiça. Questões como: qual o fundamento do direito na sua universalidade? Por que o Direito obriga? Quais as razões pelas quais nós que somos seres livres somos obrigados a nos subordinar as leis que não foram postas por nossa inteligência e por nossa vontade? Qual o problema que se põe para os operadores do Direito como para os juízes e para os estadistas quando uma lei se revela impressionantemente injusta? É lícito contrariar ás leis injustas? Qual o fundamento do Direito na sua universalidade? Repousa ele apenas no fundamento empírico da força? Reduz-se o Direito no valor utilitário do êxito? A estrutura jurídica brota dos processos técnicos de produção econômica ou, representa algo capaz de se contrapor, muitas vezes, às 23 exigências cegas da técnica? Ou o direito terá fundamento contratual? Esta última pergunta é muito importante, uma vez que o contratualismo ocupa um vasto campo na história da cultura jurídico-política, e ainda hoje há doutrinas que se vangloriam dessa pureza metódica. Surge uma série de problemas quando Rousseau ou Kant fundamentam o direito contratualmente. Podemos nos indagar se é exato que o autor do Emílio admitia a realização histórica de um contrato em determinado momento ou se, ao contrário, a sua concepção tem caráter puramente lógico ou hipotético. A nosso ver, Rousseau não imaginou o contrato social como fato efetivamente verificado, como por exemplo, o encontro dos homens em uma sociedade para combinarem regras de “bem viver”. Sua ideia de “pacto social” é a de um modelo ideal como pressuposto da convivência humana conforme doutrina que depois foi burilada magistralmente Poe Emmanuel Kant, que concebeu um contrato originário de puro valor transcendental. Segundo Kant, no momento em que os homens se encontram já são governados por um contrato condicionante da vida social, com um valor puramente lógico, isso faz parte da convivência comum. Podemos dizer, segundo contratualistas mais evoluídos que nós vivemos como se tivéssemos havido um contrato. É uma ficção de ordem ética e lógica, para se explicar o fundamento da sociedade, do poder político e do Direito. Esses são apenas alguns exemplos para demonstrar que tipo de problemas cuida a deontologia jurídica e, dessa maneira, Reale (1962) entende que a deontologia jurídica é a teoria da justiça e dos valores fundamentais do Direito. Assim sendo, existe um valor fundamental para a esfera jurídica, que é o valor do justo, ele implica na coordenação harmônica de outros valores fundantes do Direito, cuja harmonia em unidade compõe o justo. A justiça social, por exemplo, é o resultado de uma composição harmônica em valores sociais, em que toda uma coletividade se beneficia. 6.1.2 Crítica ao apriorismo jurídico Reale (1962) faz algumas observações acerca das ponderações feitas entre dois grandes representantes do neocriticismo, quais sejam, Del Vecchio e Stammler. 24 Para o autor, o conceito de Direito de Del Vecchio e Stammler não é puramente formal, eles pretenderam atingir um conceito universal de Direito, contudo vazio de qualquer tipo de conteúdo, pois fora destituído de qualquer elemento axiológico, fora desconstituído de qualquer dado histórico ou econômico. No entanto, os dois representantes do neocriticismo partiram do valor da liberdade humana para conceituar o fenômeno jurídico, e ancorar suas construções formais. Para Reale (1962) toda moral é sempre axiológica, pois tem sempre um conteúdo valorativo que a envolve, sendo impossível uma ética puramente formal. Dizemos que a própria visão de Stammler e Del Vecchio não é puramente formal porque no fundo eles mesmos colocam o direito à liberdade como um valor supremo, do qual resulta a experiência jurídica. 6.2 Ato e Valor na estrutura jurídica Miguel Reale (1962) tem como ponto de partida o estudo da ação e da conduta para verificar que espécie de conduta vem a ser a jurídica. O autor faz um paralelo entre ato, conduta e valor. O direito como uma ciência jurídica não se refere ao homem em sua totalidade e sim um ser capaz de agir em sociedade, assumindo posições perante aos demais homens, capazes de gerarem pretensões recíprocas ou correlatas. Dessa forma, onde quer que exista Direito, haverá uma ação positiva ou negativa do homem, algo que se relaciona com uma modalidade de ação. O homem age quando tem conhecimento desse “agir”, ou seja, quando atua de forma racional. O que diferencia um homem de um animal é justamente a racionalidade que existe em seus atos. Os animais repetem processos que lhes são próprios da natureza, que são comuns a todos os demais, como algo já causado em seu ser, não como algo escolhido por eles. Eles não têm e nem sabem o significado da palavra “escolha”, pois não agem por si só, agem de forma repetitiva, apenas reproduzindo os atos típicos da espécie. Os animais são incapazes, portanto, de transmitir valores e é justamente pela falta dessa transmissão que eles não praticam atos, simplesmente repetem movimentos comuns. Diferentemente da espécie humana, que lhe é própria a transmissão de valores, o que demonstra a lição fundamental entre cultura, pedagogia e educação. O homem é capaz de agir e é esse agir que o difere dos animais e que os posiciona na sociedade. 25 Todo ato é carregado de valores. Não há ato sem valor. Não se discute aqui a origem nem a modalidade desse valor, o fato é que, se é ato tem valor, sendo passível de ser transmitido. Quem tem a capacidade de educar é só o homem porque só ele se conduz. Se ele fosse meramente conduzido ele não teria a consciência dos motivos determinantes do seu agir e por isso seria incapaz de transmitir e transferir valores a outrem. Essa capacidade de se conduzir é peculiar da espécie humana. A ação dirigida finalisticamente é algo que só pertence aos homens, porque quem tem liberdade de praticá-la é aquele que tem liberdade para agir e consciência do que faz. O agir não é ato repetitivo, é algo que se modifica sempre, seja pela cultura, seja pelo aprimoramento das atitudes, seja pelo aperfeiçoamento dos moldes de ser, seja pelo contexto social em que vive, enfim, as atitudes dos seres humanos não são um sistema repetitivo de movimentos comuns da espécie como os dos animais, são atos racionais. Os seres humanos são livres para escolherem suas atitudes e as condutas a serem seguidas, tudo isso de forma consciente, sendo conduzido por si só. A atuação pressupõe consciência de fins, possibilidade de escolhas, de projeções subjetivas e singulares no seio da espécie. Reale (1962) destaca os problemas da ação para examinar seus elementos constitutivos. A ação ou ato é energia dirigida para algo, que é sempre um valor. O valor é aquilo que a ação humana tende, porque se reconhece em um determinado momento ser o motivo, positivo ou negativo da ação da mesma. O valor reconhecido em um determinado momento é que faz o ser humano agir positiva ou negativamente, ele é quem determina a ação humana. Não se indaga aqui a natureza ou espécie dos valores, mas apenas se nota que toda vez que o homem atua, ele objetiva ou contraria algo de valioso estando “influenciado” pelos valores. Quando um homem age sem motivos, ele age de forma alienada, não se conduz, perde o sentido de sua direção e de sua dignidade. Então vem o problema da alienação – estado em que o homem se desvincula de sua essência e ao invés de se conduzir ele se deixa ser conduzido – que deveria estar sempre na cabeça dos juristas e políticos, para que tomem cuidado para não criar uma ordem de convivência na qual o homem viva alienado. O homem que não se dirige, não pratica condutas nem atos, é vago em valores. 26 Quando o homem pratica um ato, ele pratica de forma racional e esse ato é repleto de valores. A atuação, portanto, implica sempre em um valor. Todo valor, por conseguinte, é a abertura do dever ser. Quando se fala em valor, fala-se sempre em uma solicitação de comportamento ou em uma direção para atuar. Reale (1962) salienta que sem a ideia do valor, não temos a compreensão do dever ser, porque todo dever ser deriva do valor, eles exigem reciprocamente. Quando agimos de forma racional embasados nos valores, no dever ser, que é o motivo da atuação ou do ato, temos o que se chama de fim. Ele salienta que o fim é decorrência do valor. O fim é o valor captado racionalmente e reconhecido como motivo de agir. O valor transcende às nossas formas de compreensão racional e para chegarmos ao fim é necessário adequar esse valor, passando por nossa racionalidade limitada, adequando-o ao meio. Sempre devemos nos ater a racionalidade, que é o nexo entre o meio e fim, contudo, a referibilidade a um valor pode ocorrer de forma que a própria razão não explica. Miguel Reale (1962) cita que o fim é o dever ser do valor, reconhecido racionalmente como o motivo de agir. “Os valores estão sempre em mudança, mudam com a sociedade, mudam com o tempo, mudam com os princípios, isso tudo porque o próprio ser humano está sempre mudando, e eles tendem a se adaptarem a elas”. (REALE, 1962, p. 329 ) 6. 3 Normas éticas e sua aplicabilidade Reale (1962) reitera que a norma exprime a congruência e a integração de dois elementos: valor e ação, no momento da dinâmica social e da existência coletiva entre passado e futuro. Isso resulta a ação do tipo normativa, que nessa categoria damos o nome de conduta ética, podendo ser religiosa, moral, política, jurídica. A ação se subordina a um fim ou a um alvo, dessa forma, há uma direção assinalando a linha de desenvolvimento de um ato. A expressão dessa pauta de comportamento do ato é o que nós chamamos de norma ou regra. Desse modo, todo comportamento social é prescindido de uma norma ou pauta que lhe corresponda. Cada forma de conduta corresponde à norma que lhe é própria. A conduta moral implica norma ou regras de ordem moral, a conduta religiosa implica regras ou normas de ordem religiosa, a conduta jurídica implica normas ou regras de ordem jurídica e assim sucessivamente. 27 Comportar-se de certa forma, é posicionar-se diante de uma regra, integrando no processo da ação aquela pauta que marca a sua razão de ser, levando em consideração o momento histórico, a dinâmica social, que a prescinde. É por esse motivo que, por exemplo, não podemos interpretar a norma jurídica ou moral como simples entidades lógicas, é necessário sabermos a referência do problema da ação, da realidade social. Para Reale (1962) norma e conduta são termos que se exigem e se implicam, mas não reduzem um ao outro, eles subsistem em uma relação recíproca. Uma regra arraigada da conduta a que se refere, é apenas abstração do problema da conduta, o que não a torna norma jurídica e sim lógica jurídica. Essa lógica jurídica é necessária, porém, deve ser completada com a implicação da realidade social ordenada para que tenha valor de norma jurídica. Por isso, que elas coexistem, porque uma complementa a outra. Essa implicação recíproca é denominada de “dialética de implicação e polaridade”, que leva em consideração todo o processo histórico. (Reale, 1962). Salienta Miguel Reale: “Elucidada a correspondência entre norma e conduta, podemos esclarecer que a ética não é a doutrina da ação em geral, mas propriamente a doutrina da conduta, enquanto inseparável de sua razão ou critério de medida, de sua norma, mediante a qual expressa teleologicamente um valor. A ética é, em suma, a ordem da conduta, o que equivale a dizer: a teoria normativa da ação”. (REALE, 1962) Dessa forma, é nítida a correspondência entre a norma e conduta, uma complementa a outra. A norma é o “dever ser do indivíduo”, são as regras, os princípios morais intimamente ligados ao momento, aos costumes, à história de uma sociedade, enquanto a conduta é a ação racional praticada por um indivíduo, que expressa um valor, por isso que a conduta ética é chamada de teoria normativa da ação, uma vez que toda conduta para ser ética deve se sobrepor de forma racional a uma regra, a uma norma de validade universal. 6. 4 Momentos da Conduta no âmbito do comportamento Toda a ação tende a um valor para realizá-la, para garantí-la ou para negá-la, indiferentemente de sua natureza. Atribuir a um valor força determinante da conduta, é no domínio da “prática” convertê-lo em um fim ético, é assumir a dignidade de concepções morais da vida. 28 Por isso, temos valores objetivados na ciência, nas artes, nas instituições jurídicas, valendo como bens morais, sem alterações de seu conteúdo axiológico específico. Reale (1962) explica que o bem ético implica sempre, em regra ou norma, postulando sempre em medida de comportamento em que obrigados têm a livre escolha de segui-la ou não, justamente pelo fato de ter um caráter de dever ser e não de ter que ser. Em todas as modalidades do agir, há o fato de uma energia espiritual, imantada por um valor dominante, que se inclina a realizá-lo como lei, como forma, como posse ou como norma. A lei reflete o fato e o envolve, mesmo quando reconhecida a margem de incerteza, de insegurança, ou de probabilidade de seus esquemas ideais. (REALE, 1962, p. 340) 6.4.1 Conduta Moral e profissão jurídica Quando a ação se dirige para um valor, cuja instância é dada pela própria subjetividade, nós estamos diante de um ato de natureza moral. O homem, muitas das vezes, age ligado a algo que está nele mesmo, ou nos outros homens. Eles não ficam presos tão somente a valores transcendentais. Em certas formas de comportamento nos ligamos a nós mesmos, aos nossos sentimentos, a direção que seguimos é ditada por nosso próprio interior, dessa forma, a prática de determinados atos é o reflexo da expressão de nossa própria personalidade, por conseguinte, o motivo de nosso agir é o motivo que se põe em nós. A instância última do agir é o homem na sua subjetividade consciente. Por isso que falamos de ato de natureza moral, porque o homem pratica-os guiados por um valor, cuja instância é dada pela própria subjetividade, ou seja, é algo que vem de dentro dele, mesmo em sintonia com a sociedade. Reale (1962) entende que de certa forma pode-se dizer que no plano da conduta moral, o homem é o legislador de si mesmo. É necessário apenas que ele tenha tornado a regra como sua. Os ditames da conduta moral veem dele mesmo. Quando o nosso comportamento se conforma a uma regra, a aceita de forma espontânea como sendo legítima, autêntica, o ato que praticamos embasado nessa regra é um ato moral. 29 Reale (1962) entende que a recepção da regra não precisa ser fruto de uma compreensão racional da mesma como regra, basta de forma espontânea ou natural recebê-la. O autor cita o exemplo de um homem rústico que jamais teve noção do significado de uma norma ou conduta. Quando ele pratica uma conduta ele recebe essa norma de forma natural, agindo seguindo as premissas ditadas pelo seu próprio interior. Esse homem rústico nesse caso não deixou de praticar uma conduta moral. No comum dos atos morais, a regra é vivida em seu sentido pleno e espontâneo. O que realmente importa para a configuração da prática de um ato moral é que ele seja praticado de livre e espontânea vontade, sem ser coagido por nenhuma pessoa. Ninguém pode praticar um fato moral coagido, ou forçado, seja fisicamente, seja psiquicamente, e se assim fizer, o ato deixa de ser moral. O homem é pessoa enquanto age segundo sua natureza e motivos, na totalidade de seu ser, sem se alienar a outrem. O indivíduo é o homem alienado, é o homem enquanto causalmente determinado; a pessoa é o homem enquanto propõe fins de ação, sendo raiz inicial do processo estimativo. Enfim, o homem enquanto mero indivíduo, enquanto ser puramente biológico, não age instaurado por valores e fins, ele foge as regras determinadas causalmente, ele só supera esse plano meramente naturalístico quando age instaurado de valores e de fins. O homem que age de forma a constituir valores, que tem possibilidade de escolhas, é pessoa, ao revés, àquele que não se propõe a fins de ação, que é causalmente determinado é simplesmente um indivíduo que não pratica qualquer tipo de conduta moral. A conduta moral, portanto, é aquela que o homem a busca de forma espontânea, ou cuja direção se encontra no próprio homem como instância que valoriza o seu agir e dá pauta aos comportamentos. Os valores transcendentais também pautam a conduta humana, a exemplo da conduta religiosa em que o homem, nesse caso, é integrado nela. A conduta religiosa é o reconhecimento de um valor que não tem a medida do humano, ela transcende. Portanto, há um valor transcendente em toda atitude ou conduta de natureza religiosa. 30 6.4.2 Conduta Jurídica Miguel Reale (1962) frisa que a conduta jurídica é uma conduta bilateral, assim como a conduta moral. A bilateralidade deve levar em consideração a relação ou o nexo entre dois ou mais indivíduos. Dessa forma, por ser o direito e a moral fatos sociais que implicam na presença de dois ou mais indivíduos, consequentemente tanto o direito quanto a moral são bilaterais. O autor entende que não existe um ato moral fora do meio social. Quando se fala em bilateralidade do direito o que se procura visar é o sentido dessa relação entre os sujeitos, é a instância valorativa ou deontológica que nela se verifica, e não o aspecto de puro enlace social que também se encontra na moral. Dessa forma, ao discriminar a conduta bilateral, colocamos sempre um sujeito perante o outro, assim tanto na conduta religiosa, quanto na jurídica e nas demais, há sempre uma relação de homem para homem. O direito está permeado de moral e a moral está permeada de ditames e convenções sociais. Reale (1962) salienta que no plano da moral, como é o sujeito mesmo à medida de seu agir, a regra diz-se axiologicamente unilateral. Já nas convenções, como o indivíduo encontra na sociedade, no outro sujeito, a pauta do seu agir, nós devemos dizer que, axiologicamente, são bilaterais. A exemplo do ato de cumprimentar e de saudar, uma das características desse tipo de regra é ser bilateral, contudo, essa bilateralidade não é exigível, uma vez que ninguém sofre uma coação ao deixar de cumprimentar o próximo. Por outro lado, Reale (1962) evidencia que ao chegarmos em uma sala de audiências é necessário que cumprimentemos o magistrado sendo que o tratamento de excelência devido ao magistrado não é meramente uma cortesia. É uma obrigação que reconhecemos ser jurídica. É o que ocorre, por exemplo, com o soldado que deve continências ao capitão. O fato é que o capitão pode pedir que o soldado lhe preste continências e ante a recusa, o capitão pode e deve lhe aplicar uma penalidade. Aquilo que para os demais homens é apenas um costume, ou uma simples convenção, para um determinado ponto da atividade humana passa a ser uma obrigação jurídica. A medida desse comportamento então, nem sempre é recíproca, uma vez que esse comportamento não é dado nem pelo sujeito que a pratica nem 31 pelo sujeito a quem se destina, é dada por algo que nos entrelaça, por uma objetividade discriminadora de pretensões. A relação jurídica apresenta sempre a intenção de unir os sujeitos em razão de que atribui aos dois, certos comportamentos e certas exigibilidades. A razão de medir o diretito não se polariza em um sujeito ou em outro sujeito, ela é transubjetiva. Esse enlace que é o objetivo de conduta, é que delimita e fica entre esses dois sujeitos de forma a interligá-los a algo que se chama de bilateralidade atributiva. Na relação jurídica há sempre um valor que integra os comportamentos de dois ou mais sujeitos de forma a permitir e assegurar pretensões exigíveis. Esse entendimento é consagrado no Direito Positivo Brasileiro, quando o código civil constitui que não se pode cobrar a prestação de um sujeito sem antes ter satisfeito a sua obrigação, ou seja, temos uma obrigação recíproca, banhada por normas morais, há um superamento da subjetividade no plano social. Essa é a essência da vida jurídica a exigibilidade objetiva. Veja o entendimento de Miguel Reale: “- O homem pode situar-se perante outros homens segundo padrão ou medida que os transcende – diríamos, mesmo, que está além da existência de um e de outros. - Que o ser humano pode se relacionar com outro, encontrando cada qual no outro a medida ou o fim de seu agir; - Que o homem pode se por em relação com os outros, conservando-se senhor e juiz último de sua conduta; - O homem pode se situar em face aos demais, adequando-se, confortandose à sociedade; - Que o homem pode se situar perante outros homens de tal maneira que todos, em tal momento, se liguem em razão de algo que seja transobjetivo”; (REALE, 1862) Reale deixa claro a “relação entre os sujeitos, de um homem para outro homem ou homens, é a partir daí, dessa relação transubjetiva que brota as condutas morais e jurídicas”. (REALE, 1962, p. 350-354) 6.4.3 Bilateralidade ética e jurídica O ato moral é pertinente à dignidade, à essência do homem, sendo que qualquer introdução externa macularia a sua natureza. O sujeito deve sempre aderir de livre e espontânea vontade o ato, se houver alguma forma de coação esse ato já perde a natureza moral que lhe era inerente. Só quando o sujeito o adere de forma 32 espontânea ele é fiel a si mesmo. Por essa razão é que o ato moral não pode ser dado a outrem para realizá-lo, há uma impossibilidade de substituição e impossibilidade de execução forçada. Ele pertence exclusivamente ao sujeito. Ao revés, a conduta jurídica, não pertence exclusivamente ao indivíduo como sujeito universal, pois ela somente é jurídica na medida em que se proporciona a outrem. Por exemplo, a exigibilidade do credor só tem significado quando em confronto com a posição do devedor. Em uma relação jurídica contratual, por exemplo, haverá sempre a necessidade de ter um polo ativo e um polo passivo, ou seja, credor e devedor. Mas vale aqui salientar que o sujeito é ativo no sentido da obrigação principal, mas é por sua vez passivo com referência a outros elementos da relação. Se um indivíduo celebrar um contrato com outrem estabelecendo a forma de pagamento em reais, o outro, não pode lhe pagar em dólar, dessa forma o sujeito ativo só o é nos limites da relação, de tal maneira que, quando ele ultrapassa seu âmbito de atributividade, o sujeito passivo torna-se ativo, opondo-lhe um direito seu. (REALE, 1962, p. 379). Isso é possível porque a relação jurídica jamais pertence só ao sujeito ativo e nem só ao passivo, nem pode ser medida pelo ângulo de um ou outro separadamente, é preciso analisar o conjunto. A relação jurídica se coloca acima dos sujeitos, é algo que transcende, é capaz de unir as pessoas em um verdadeiro laço de exigibilidade ou de pretensões. Onde quer que haja o fenômeno jurídico encontramos sempre um nexo transubjetivo, estabelecendo um âmbito de ações possíveis entre ou para dois ou mais sujeitos. A norma jurídica não se limita a obrigar, também faculta, atribui um âmbito de atividades autônomas a um ou mais sujeitos, legitimando pretensões ou exigibilidades, assim como um recurso a um poder, expressão do dever comum expresso na regra, para que se cumpra o “devido”. A bilateralidade então é conhecida como uma qualidade de ação humana, e é mister distinguir dois prismas no problema da alteridade, em primeiro, a instância valorativa que reside na pessoa do agente, que é a medida do ato, embora deva pôr-se necessariamente em relação com outrem, no outro caso a validade da ação decorre de sua coordenação objetiva, superando o ego e o alter e os envolvendo em um nexo comum, em razão dos quais são possíveis entre os participantes pretensões recíprocas ou não. 33 Vale aqui frisar uma diferença interessante entre Moral e Direito. A Moral determina que se faça, sendo que o destinatário do comando é quem irá decidir se fará ou não. Já o Direito se caracteriza porque ordena e, ao mesmo tempo, assegura a outrem o poder de exigir que se cumpra. Daí a conclusão de um grande jurista e filósofo do Direito polonês chamado Petrasisk, que a Moral é puramente imperativa enquanto o Direito é imperativo atributivo. É desse sentido que surge a exigibilidade, sendo o Direito exigível justamente porque ele decorre da bilateralidade, a coercibilidade então é um elemento resultante da bilateralidade. Contudo, nem sempre essa relação é exigível, ela só será no momento em que uma parte cumpre com sua obrigação perante a outra, a partir desse momento é que surge a exigibilidade. Quando um sujeito falha em sua obrigações frente ao outro – de forma voluntária ou não – ao outro é facultado exigir. Conclui-se então que o Direito é coercível porque é exigível, e é exigível porque é bilateral atributivo. Dessa forma, vale-nos salientar mais uma vez que para que haja uma relação jurídica, necessariamente deve haver uma conduta bilateral, pois no mínimo devem estar presentes dois sujeitos, deles decorrerão obrigações e direitos. A relação jurídica não toca somente em um sujeito isoladamente, nem ao outro, nem quando se trata do Estado, mas sim ao nexo de implicações e polaridades entre os dois sujeitos. Existe relação jurídica justamente porque existe medida de comportamento que não se reduz a um único sujeito, implica na polaridade de ambos de forma concomitante. 34 7 AS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE PARA A FORMAÇÃO ÉTICA E FILOSÓFICA DO PROFISSIONAL DO DIREITO Não há ninguém que não viva sob o Direito e que não seja por ele constantemente afetado e dirigido. O direito é uma ciência humana que afeta diretamente a sociedade, por isso cheio de indagações, questionamentos e rodeados por "problemas". Por possuir todas essas características é que há uma íntima relação entre ética, filosofia e direito. O operador do direito está incumbido de lidar diretamente com o indivíduo, por isso a necessidade de sua conduta exprimir a congruência e a integração de dois elementos básicos, quais sejam: valor e ação. Ao mesmo tempo, por ser uma ciência humana está ladeada por indagações e questionamentos onde entra o papel da filosofia, já que esta tenta problematizar o direito a cada dia, com o intuito de promover o seu amadurecimento. Miguel Reale (1962), grande jusfilósofo brasileiro, contribui muito com seus ensinamentos para a formação ética e moral do profissional. O jurista entende que cabe ao operador do direito conhecer as ciências jurídicas pela sua essência, por suas estruturas objetivas e subjetivas. Ao analisar a lei positivada, principalmente os juristas incumbidos de participar na elaboração e no exame das leis, os mesmos devem se ater à realidade social, pois será em razão dessa realidade que serão elaboradas todas as cogitações permitindo a elaboração de juízos e teorias. O fato de existir uma lei, uma norma formal, não permite ao profissional analisar somente o que no papel está transcrito. É preciso ir além. Muitas vezes será a partir dessas normas positivadas que brotarão outras, acompanhando o ritmo acelerado das transformações sociais. Esse olhar crítico, ativo está intimamente ligado à filosofia jurídica, se o profissional do direito não "olhar" a norma com essa visão crítica ele apenas reproduz o que no papel está escrito e se desvincula de qualquer conduta ética, uma vez que essa reprodução não está ladeada por valores, é mera reprodução. Miguel Reale (1962), sabidamente, salienta a diferença do jurista e do filósofo do direito. Ele entende que o jurista trabalha sobre a norma positivada, buscando as consequências desta e que o filósofo do direito trabalha sobre a essência, sobre o fundamento da norma, sempre a problematizando. 35 Dessa maneira, seria coerente dizer que todo o profissional do direito tem que lapidar o "filósofo" que há dentro de si, tentando, ao aplicar a lei no caso concreto, averiguar a sua origem, seus fundamentos, sua fonte originária, o momento sócio histórico de sua criação, porque tudo isso influência na essência de sua aplicação, fazendo com que ela atinja verdadeiramente o seu objetivo, o seu fim - ligado intimamente com valores -. Reale (1962) salienta que o jurista que analisa a norma apenas sob o aspecto formal, de preceitos já dados e acabados, pronto simplesmente para serem reproduzidos na prática, a destitui de qualquer valor, tornando-a vazia e sem conteúdo. Cabe ao operador do direito fazer um estudo crítico da realidade jurídica e da sua compreensão conceitual. A lei ao ser elaborada deve obedecer a uma série de requisitos, dentre eles um estudo da realidade social, para que ela possa no caso concreto surtir efeitos. Ela, portanto, carrega consigo, independentemente da época que fora elaborada, valores axiológicos. Por isso, quando o profissional do direito não fica atento aos preceitos que ensejaram a sua criação, ele estará de certa forma infringindo uma norma que também é moral. Diante disso, é que se faz de suma importância ao profissional do direito interpretar a norma valendo-se de indagações, especulações, para que dessa forma possa se alcançar o seu valor transcendental, não correndo o risco de ferir preceitos éticos e morais. Toda a conduta praticada pelo profissional do direito deve ser racional. Não é porque a norma está ali positivada que ele deve segui-la a risca, atropelando até mesmo os seus próprios valores. É justamente isso que a filosofia do direito tenta evitar. Reale (1962) reitera que o que difere as condutas praticadas pelos homens e das praticadas pelos animais é justamente a racionalidade. Diz ele que os animais simplesmente repetem processos que lhes são próprios da natureza, comuns a todos os demais, agindo de forma repetitiva, enquanto os homens são sujeitos capazes de transmitir valores, capazes de agir de forma a posicioná-los na sociedade. Uma pergunta que se faz é: todo profissional do direito pratica atos jurídicos de forma consciente, capaz de transmitir valores, ou há aqueles que simplesmente repetem algo que já lhes são impostos como algo pronto e acabado, destituídos de valor axiológico, sem racionalidade, e sem a opção de fazer escolhas? Para responder a essa pergunta é importante ter consciência que todo ato para ser ato é 36 carregado de valores. Por isso se faz tão importante que o profissional do direito não reproduza simplesmente o que lhe foi imposto como algo certo e acabado, o que está simplesmente positivado. Cabe ao profissional do direito escolher entre simplesmente aplicá-la ao caso concreto, porque assim lhe é permitido, ou indagar as consequências que aquela aplicação causará ao indivíduo e a toda coletividade. Ao indagar o que lhe foi imposto, ele age de forma moral e ética e ao simplesmente reproduzir os atos, essa conduta se esvazia, não sendo o sujeito ético, nem moral, analogicamente ele se torna semelhante a um animal, pois se torna vazio de personalidade. Quando o profissional simplesmente reproduz o que lhe é imposto, nenhuma ação é por ele praticada, porque essa reprodução é destituída de valor e, por conseguinte, ele acaba infringindo uma norma ética, já que esta é a integração entre valor e ação. Por isso que o profissional do direito não pode interpretar a norma como uma simples entidade lógica, se faz sempre necessário saber a referencia entre problema da ação e realidade social. Cabe ao profissional do direito agir de forma atrelada a valores, ou seja, atribuindo a sua conduta um cunho ético. A conduta moral é a ação praticada embasada em valores de cunho subjetivo. Quando nos referimos à profissão jurídica e conduta moral, significa dizer que cabe ao profissional ponderar suas condutas, afim de não extrapolar os limites morais a ela atribuídos. A subjetividade a que nos referimos é a possibilidade de o profissional do direito olhar para dentro de si, tentando se conectar aos seus sentimentos, deixando-se guiar por uma força interior não se prendendo apenas a valores transcendentais. Dessa forma, podemos também indagar: diante de um certo acontecimento, como por exemplo um homicídio em que o autor tenha confessado a autoria dos fatos, seria moral o advogado negar-lhe assistência? Seria moral o advogado prestar-lhe assistência, defendendo-o perante o tribunal e a toda coletividade, sabendo ser ele o autor do crime? Na visão de Reale (1962) o profissional não estaria ferindo a moral se lhe negasse assistência, tendo em vista que a direção ditada pelo seu interior foi outra, dessa forma nenhum profissional poderá ser coagido a agir de uma determinada forma. Havendo coação, seja ela física ou psíquica a conduta deixa de ser moral. Por outro lado, o profissional também agiria 37 moralmente se aceitasse a defender esse criminoso perante o tribunal do júri e da sociedade, ele não estaria contrariando diretamente os interesses da coletividade, porque se nós vivemos em um Estado Democrático de Direito e somos regrados por normas elaboradas diretamente ou indiretamente pela própria sociedade, temos que estar cientes que a todos é garantido o direito de contraditório e ampla defesa, ao devido processo legal e não podemos nos opor a esse direito fundamental. Diante disso, cabe ao profissional do direito aplicar a lei de forma ponderada, permitindo que ela atinja seu real objetivo, que no caso ilustrado é impedir que o Estado - ente dotado de poder punitivo - extrapole sua competência, aplicando a penalidade de forma exorbitante. O profissional, nestes dois exemplos citados, estará agindo guiado por um valor cuja instância é dada pela própria subjetividade, ou seja, algo que vem de dentro dele mesmo, de forma livre e racional, em sintonia com toda a sociedade. Dessa forma, o operador do direito tende a agir buscando analisar requisitos valorativos, que ensejaram a criação da lei, sejam eles históricos ou culturais. O profissional se torna legislador de si mesmo, buscando praticar atos de acordo com mandamentos subjetivos encontrados no seu próprio interior. Assim, ele atingirá a conduta moral, pois os ditames da conduta moral partem dele mesmo. Ao revés, o que não pode ocorrer é o profissional agir divorciado de sua vontade, ou seja, a norma pode estar até positivada, mas se ele não aceitá-la em seu interior e aplicá-la de livre e espontânea vontade ele não estará praticando nenhum ato moral. Isso se faz inadmissível a um profissional. Diante de todo o exposto, levando em consideração o atual estágio em que vivemos, é fundamental que o operador do direito transcenda o conhecimento positivado e faça uma análise crítica reflexiva, porque é dessa análise que será proporcionado a ele um conhecimento integrativo de sua própria realidade, sob a aplicação na norma no caso concreto, na sua elaboração, interpretação, vigência, eficácia, em todo o seu processo hermenêutico. Esta análise jusfilósofa, englobante e existencialista, do ser pensante observa e valoriza o processo de formação dos autores do direito, ou seja, dos juristas, dos profissionais do direito, dos operadores do direito de forma geral, estimulando-os e conscientizando-os a uma atividade crítica filosófica, de modo a desenvolver atividade que exijam reflexão, poder de valoração, avaliação e julgamento de sua própria realidade. 38 8 CONCLUSÃO Filosofia e ética andam em comunhão com o direito. Estas ciências humanas se relacionam diretamente com a sociedade. Então, se faz de suma importância que o profissional do direito compreenda que muito mais que um título é necessário ter uma boa formação ética filosófica para atuar no mercado de trabalho, evitando a ocorrência de deslizes aos preceitos éticos e morais e impedindo a reflexão dessa postura na sociedade como um todo. À luz dos ensinamentos de Miguel Reale, a reflexão maior que se pode extrair do presente trabalho, é referente à visão que o operador do direito tem que ter em relação ao contexto social em que vive, as normas positivadas que lhe são impostas e a estrutura jurídica como um todo. É preciso analisá-las de uma maneira crítica e ativa permitindo constantemente a construção de novos pensamentos e a obediências da estrutura legislativa em voga. É a partir dessa visão - que o autor chama de crítica reflexiva - é que o profissional do direito irá contribuir para as mudanças sociais e jurídicas, de forma a agir sempre ligado aos preceitos éticos e morais. A partir desta evolução no pensamento, aumentam-se as condições de apresentar alternativas eficazes aos problemas e práticas vivenciados pela sociedade e pela comunidade jurídica. O operador do direito desempenha grande importância na função social, por isso é fundamental que ele se direcione, de forma a aprimorar as suas formas de pensar. Para tanto é necessário usar como método a investigação crítica e racional daquilo que toma como objeto, que muitas vezes é a própria lei. Essa visão crítica reflexiva se evidencia no decorrer de todo o trabalho desenvolvido profissionalmente em prol da sociedade. O trabalho versou em contemplar toda a reflexão em torno da postura ético profissional do operador de Direito, uma vez que tal comportamento é indispensável a qualquer cidadão em quaisquer que sejam as suas profissões. Por isso para o operador de Direito esse compromisso não é só uma prática rotineira, mas uma responsabilidade social e profissional uma vez que o mesmo assumiu a incumbência de ser um constante zelador reflexivo da lei e sua aplicabilidade jurídica. Diante de tal postura ética e moral, procurou-se expor de forma clara e objetiva, com base em teóricos da nossa literatura, da necessidade de se buscar 39 uma coerência entre a teoria e a prática no que corresponde à formação e profissão no campo jurídico. 40 REFERÊNCIAS BITTTAR, Eduardo C.B. Curso de Ética Jurídica: ética geral e profissional. São Paulo: Saraiva, 2007. COMPARATO, Fábio K.; SERRA, Carlos Henrique Aguiar. Em busca da dignidade Humana. Resenha. Eletrônica Portas, n. 0, p.49-54. Jun/2007. FERREIRA, Amauri Carlos. Ensino Religioso nas Fronteiras da Ética. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2001. FIGUEIREDO, Cristiane Xavier. A filosofia na formação ética profissional: um extrato para análise. Artigo Cientifico. 24fls. Unipac-TO. NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. ______, José Renato. Panóptica. A Ética do Estudante de Direito. Julho-Outubro – 2010. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 3 ed. 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