DA TAREFA AO PRAZER DE ESTUDAR: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
E ATIVIDADES LÚDICAS
Elvenice Tatiana Zoia 1 - UNIOESTE
Danielly da Rosa 2 - UNIOESTE
Aparecida Favoreto 3 - UNIOESTE
Introdução
Resumo: Este artigo é resultado de um projeto de extensão intitulado “Da tarefa ao prazer de
estudar: homem, escola e ciência”, desenvolvido em 2009 e 2010. De forma geral, o projeto
objetivou construir um espaço permanente de discussão teórico-metodológica do processo de
ensino e de aprendizagem, e, assim, contribuir com o desenvolvimento intelectual dos alunos
integrantes do projeto, com a formação de bolsistas e para a compreensão da dinâmica da
realidade escolar. O projeto iniciou-se com o desafio de trabalhar com crianças dos anos iniciais
do Ensino Fundamental que apresentavam dificuldades no processo de apropriação dos
conteúdos das áreas de Matemática e Língua Portuguesa. A seleção dos alunos participantes do
projeto ocorreu a partir da indicação pela escola daqueles que apresentavam dificuldades na
apreensão dos conteúdos escolares nas referidas áreas. Os alunos foram divididos em quatro
grupos de três integrantes. Semanalmente ocorria um encontro com cada grupo. Ressalta-se a
participação efetiva dos alunos integrantes do projeto, sua demonstração de entusiasmo e seu
envolvimento nas atividades propostas. Observou-se que ao trabalhar de forma lúdica,
especificamente com jogos, os alunos conseguiram concentrar a sua atenção por um tempo
relativamente significativo. Foi possível perceber que além da apropriação dos conteúdos, o
jogo também possibilitou trabalhar com a atenção voluntária, com o controle do comportamento
(volição), com a organização da linguagem e com o raciocínio lógico, elementos estes
constituintes das funções psíquicas superiores, que não são inatas (Vigotski, 2000). Destaca-se
que no desenvolvimento do trabalho com atividades lúdicas ocorreu a constante intervenção da
aluna bolsista, no sentido de problematizar as situações que se apresentavam e solicitar aos
alunos a verbalização acerca dos aspectos que envolviam as atividades propostas. A ação de
conversar antes e depois das atividades revelou-se significativa na medida em que as reflexões
apresentadas possibilitaram relacionar as ações desenvolvidas e orientaram as importantes
decisões tomadas no decorrer da atividade. O desenvolvimento do projeto partiu dos
fundamentos da Teoria Histórico-Cultural, a qual evidenciou que o trabalho por meio de ações
lúdicas requer objetivos previamente definidos para ultrapassar a ideia prevalecente de que tal
metodologia oportuniza apenas a descontração, a socialização e a manipulação de materiais
concretos. Em síntese, a proposição de um trabalho organizado em torno d do desenvolvimento
e apropriação dos conceitos científicos por meio de atividades lúdicas, possibilitou a
compreensão de que o professor tem uma função primordial junto ao aluno. A função de
questionar, de problematizar situações vivenciadas nessas atividades, de fazer apontamentos, de
propiciar reflexões que conduzam à apropriação dos conceitos inseridos em sua ação social, e
assim contribuir para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Com o
1
Mestre em Educação, docente do colegiado de Pedagogia, campus Cascavel, orientadora do Projeto de
extensão “Da tarefa ao prazer de estudar: homem, escola e ciência”, desenvolvido em uma escola
municipal de Cascavel.
2
Discente do curso de Pedagogia, campus Cascavel, bolsista do projeto de extensão “Da tarefa ao prazer
de estudar: homem, escola e ciência”.
3
Doutora em Educação, docente do colegiado de Pedagogia, campus Cascavel, coordenadora do Projeto
de extensão “Da tarefa ao prazer de estudar: homem, escola e ciência”.
desenvolvimento do projeto foi possível vivenciar, questionar e refletir acerca da não
aprendizagem da criança na escola e também afirmar que o professor pode criar condições
favoráveis para o processo de aprendizagem.
Palavras-chave:
Conceitos
científicos,
ensino-
aprendizagem,
atividades
lúdicas.
2
Introdução
Este artigo é resultado de um trabalho desenvolvido nos anos de 2009 e 2010,
em um projeto de extensão intitulado “Da tarefa ao prazer de estudar: homem, escola e
ciência” que, de forma geral, objetivou construir um espaço permanente de discussão
teórico-metodológica do processo de ensino e de aprendizagem, e buscou contribuir
com o desenvolvimento intelectual dos alunos integrantes do projeto, com a formação
de bolsistas e na compreensão da dinâmica da realidade escolar. Neste propósito, o
projeto iniciou-se com o desafio de trabalhar com crianças dos anos iniciais do Ensino
Fundamental que apresentavam dificuldades no processo de apropriação dos conteúdos
das áreas de Matemática e Língua Portuguesa. Assim, foram selecionadas três bolsistas
para trabalhar em três escolas diferentes: uma em Francisco Beltrão e duas em
Cascavel. Destas, apresentamos neste texto algumas reflexões elaboradas a partir da
experiência realizada em uma escola pública municipal de Cascavel, envolvendo o
trabalho desenvolvido por uma das alunas bolsistas.
A elaboração do plano de ação na escola exigiu que se fizessem alguns estudos
das teorias educacionais, tanto para distinguir alguns pontos fundamentais entre estas
como para aprofundar os estudos sobre a Psicologia Histórico-Cultural, a qual passou a
ser a condutora teórica do desenvolvimento do trabalho e análises realizadas. Neste
trabalho, direcionamos as reflexões para a compreensão da relação entre atividades
lúdicas e conceitos científicos, pois durante o desenvolvimento do projeto, embora
tenhamos procurado organizar a ação pedagógica por meio do lúdico, o foco sempre foi
direcionado em função dos conceitos que precisavam ser compreendidos pelos
discentes.
Metodologia
A atividade de extensão intitulada “Da tarefa ao prazer de estudar: homem,
escola e ciência”, formulada com o propósito de resolver tarefas escolares, ao chegar à
escola, teve como preocupação primeira diagnosticar as principais dificuldades
apresentadas pelos alunos, e, por meio do uso de materiais de apoio didático, de ações
lúdicas e de estudos sistematizados, suprimir algumas dificuldades. O desenvolvimento
das atividades centrou-se na realidade escolar, nas dificuldades apresentadas pelos
alunos e na reflexão constante sobre a relação entre teorias pedagógicas, conhecimento
3
e fracasso escolar, visando problematizar os mitos e os preconceitos quase que sempre
presentes nessa relação.
A seleção dos alunos participantes do projeto ocorreu com a ajuda da escola,
com a indicação daqueles que apresentavam dificuldades na apreensão dos conteúdos
escolares na área de Língua Portuguesa e de Matemática. Os selecionados foram
divididos em quatro grupos de três alunos, e, semanalmente, acontecia um encontro com
cada grupo. A distribuição de três alunos por grupo ocorreu devido às características
dos alunos, que exigiam muita atenção da aluna bolsista que estava no segundo ano do
Curso de Pedagogia.
A princípio, a aluna bolsista conversou com os professores dos alunos,
buscando informações sobre as possíveis defasagens que estes poderiam apresentar. Na
sequência, ao iniciar o trabalho com as crianças, atividades foram propostas para
diagnosticar as dificuldades específicas em relação à leitura, à escrita, à oralidade e à
compreensão do sistema de numeração decimal.
Aspectos teóricos
Conforme artigo publicado nos anais do II Simpósio Nacional de Educação
(2010), Correa, Favoreto e Zoia enfatizam que nos últimos anos, no círculo das políticas
educacionais, a discussão sobre o fracasso escolar no Brasil tem migrado da
responsabilidade exclusiva do aluno que não aprende, para a responsabilidade dos
professores que necessitam estar mais bem preparados para a tarefa de ensinar crianças
e adolescentes. Entretanto, em que pese o desvio da responsabilidade do aluno para o
professor, a justificativa continua focada no indivíduo. A fim de refutar essa concepção
que paira a responsabilização sobre o fracasso na escola neste ou naquele indivíduo, e,
refletir sobre alguns resultados apresentados no referido projeto de extensão, tomamos
como parâmetro os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. Sobretudo, por
entendermos a relevância dessa teoria na discussão e reflexão sobre a formação de
professores, em um dado contexto social.
Assim, firmamos nossa posição de que a aprendizagem é um processo
fundamental na constituição do sujeito, pois possibilita a apropriação da experiência
elaborada pela humanidade e também a aquisição de características e desenvolvimento
de capacidades humanas. Essas capacidades, segundo Leontiev (1978) não são inatas,
ou seja, não se transmitem pela hereditariedade biológica, mas são adquiridas por meio
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da apropriação da cultura e, por isso, precisam necessariamente da mediação dos
sujeitos mais desenvolvidos culturalmente para serem apropriadas pelas crianças. Isso
significa que as funções psíquicas superiores, entre as quais a atenção voluntária, o
pensamento, a linguagem, a memória, a volição, desenvolvem-se na interação social.
Nessa perspectiva, a educação tem papel fundamental no processo de
desenvolvimento e, por isso, discute-se a função da escola e do ensino nesse processo.
De acordo com trabalhos anteriores, Correa, Favoreto e Zoia (2010) reforçam ser
importante que se diga que o fracasso escolar não pode ser atribuído como
responsabilidade individual, mas é, também, resultado da desigualdade entre os homens.
Essa
[...] desigualdade entre os homens não provém das suas diferenças
biológicas naturais. Ela é produto da desigualdade econômica, da
desigualdade de classes e da diversidade consecutiva das suas relações
com as aquisições que encarnam todas as aptidões e faculdades da
natureza humana [...] (Leontiev, 1978, p. 293).
Leontiev compreende ainda que
O verdadeiro problema não está, portanto, na aptidão ou na inaptidão
das pessoas para se tornarem senhores das aquisições da cultura
humana, fazer delas aquisições da sua personalidade e dar-lhes a sua
contribuição. O fundo do problema é que cada homem, cada povo
tenha a possibilidade prática de tomar o caminho de um
desenvolvimento que nada entrave (Leontiev, 1978, p. 302).
Nesse sentido, o processo de ensino e de aprendizagem deve ser pensado em
relação ao contexto sócio-histórico. O que, por sua vez, não exclui a responsabilidade
da escola do processo de ensino e de aprendizagem. Ou seja, de acordo com Vigotski
(2000), é necessário considerar que a relação do homem com o mundo não é uma
relação direta, mas uma relação mediada. E é dessa forma que a escola assume um
importante papel na transmissão dos conteúdos científicos para o desenvolvimento
psíquico dos alunos. Isso implica em pensarmos nos instrumentos e signos presentes na
relação ensino e aprendizagem.
De acordo com Vigotski (2000), quando a criança inicia o seu processo de
escolarização ela já possui habilidades, técnicas, equipamentos, informações que
aprendeu diante das situações e problemas do seu contexto social e cultural. Entretanto,
Luria (2001, p. 101) ressalta que “[...] este equipamento é primitivo e arcaico; ele não
5
foi forjado pela influência sistemática do ambiente pedagógico, mas pelas próprias
tentativas primitivas feitas pela criança para lidar por si mesma, com tarefas culturais”,
pois “psicologicamente, a criança não é um adulto em miniatura”.
A compreensão vigotskiana de que a aprendizagem da criança inicia-se muito
antes de a mesma ingressar na escola é de grande relevância para a área da Psicologia e
também para a Educação, especialmente porque a esta cabe a responsabilidade de
organizar didaticamente os conteúdos científicos a serem trabalhados pela/na escola.Se
é certo que a aprendizagem antecede o processo de escolarização, necessário faz-se
esclarecer as diferenças entre a aprendizagem do cotidiano e a aprendizagem escolar.
Vigotski (2000, p. 110) discorda dos pesquisadores que enfocam que a diferença
consiste em função de que a aprendizagem escolar é sistematizada e a não escolar é não
sistematizada. Não se pode desconsiderar essa diferenciação, mas a questão central vai
além, caminha na direção de que “a aprendizagem escolar dá algo de completamente
novo ao curso do desenvolvimento da criança”. O processo de aprendizagem que se
inicia antes da criança ingressar na escola, “difere de modo essencial do domínio de
noções que se adquirem durante o ensino escolar” (Vigotski, 2000, p. 110). Desde o
momento de seu nascimento, a criança é inserida em um universo cultural, logo
necessita aprender, compreender os objetos, sua função social, os instrumentos e signos,
para se humanizar. Desse modo, a aprendizagem e o desenvolvimento relacionam-se
desde os primeiros dias de vida da criança.
A compreensão da relação entre desenvolvimento e aprendizagem na idade
escolar parte, inicialmente, de um pressuposto básico: a obviedade do fato que “existe
uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial de
aprendizagem” (Vigotski, 2000, p. 111). Compreender essa relação implica a
determinação de dois níveis de desenvolvimento da criança: nível de desenvolvimento
real e nível de desenvolvimento proximal.
O primeiro nível refere-se ao desenvolvimento efetivo da criança. São as
funções psicointelectuais que ela já domina, não necessitando de apoio, auxílio, ou seja,
corresponde àquilo que ela é capaz de fazer sozinha, de forma independente; refere-se à
capacidade atual da criança.
Segundo a Psicologia Histórico-Cultural, definir somente o nível de
desenvolvimento real da criança é insuficiente para determinar as suas potencialidades,
pois, “na atividade guiada pelos adultos, a criança pode fazer muito mais do que com a
sua capacidade de compreensão de modo independente. [...] O que uma criança é capaz
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de fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona de seu desenvolvimento potencial”, o
que permite “medir não só o processo de desenvolvimento até o presente momento e os
processos de maturação que já se produziram, mas também os processos que ainda estão
ocorrendo, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se” (Vigotski, 2000,
p.112). Portanto, pensar no estado de desenvolvimento mental da criança implica em
considerar o nível de desenvolvimento real, efetivo e a área de desenvolvimento
potencial ou proximal.
Esse entendimento remete-nos às implicações pedagógicas; conduz-nos à
necessidade de considerar não somente o que a criança é capaz de fazer sozinha, mas a
dinâmica de seu desenvolvimento potencial, pois aquilo que consegue fazer com a
ajuda, com o auxílio de outrem, poderá fazer por si só posteriormente.
É importante frisar que, segundo Vigotski (2000, p. 115),
a característica essencial da aprendizagem é que engendra a área de
desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na
criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito das
inter-relações com outros, que, na continuação, são absorvidos pelo curso
interior de desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança
Significa entender a existência de uma inter-relação entre desenvolvimento e
aprendizagem. A aprendizagem não é desenvolvimento, mas a organização da
aprendizagem conduz ao desenvolvimento mental; pode-se dizer que esse processo
ativa o desenvolvimento que, por sua vez, não poderia produzir-se sem a aprendizagem.
Nesse contexto resgatamos a diferença entre a aprendizagem da vida cotidiana
e a aprendizagem escolar, pois, de acordo com a Psicologia Histórico-Cultural, a
aprendizagem escolar orienta, estimula os processos internos de desenvolvimento; há
uma dependência recíproca, complexa e dinâmica entre ambas.
O desenvolvimento mental não é simplesmente o resultado da maturação dos
neurônios ou um aspecto espontâneo e constante (Luria, 2001). Destaca-se a influência
da realidade objetiva, resultante da história social e a constante influência da
comunicação entre adultos e crianças.
Cabe, então, retomar a concepção de Vigotski (2000, p. 114), ao entender que o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores
aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira
vez nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções
interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades
internas do pensamento da criança, isto é, como funções intrapsíquicas.
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Essa concepção alerta-nos sobre a capacidade do professor em planejar, pensar
estratégias, para organizar a situação de aprendizagem. Porém, apesar de voltar-se para
a ação do adulto, o ensinar não se isola do contexto sócio-histórico.
Com base nesses pressupostos é que desenvolvemos a atividade de extensão na
escola, pois segundo Saviani (2005), a escola tem a função de transmitir os
conhecimentos científicos. Para isso, faz-se necessário dosar e sequenciar os saberes
para que sejam apropriados pelos alunos. Tais conhecimentos têm uma função social,
qual seja, ao possibilitar o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade,
ocorre o processo de humanização, conforme Leontiev (1978).
É nesta perspectiva de apropriação dos conhecimentos científicos, que
aprofundamos as nossas reflexões advindas do projeto efetivado, pois entendemos, a
partir do referencial da Teoria Histórico-Cultural, que é possível trabalhar com
atividades lúdicas, também nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sem cair em
práticas espontaneístas. Sabemos que ao encerrar a fase pré-escolar (conforme concebe
Mukina, 1995), a atividade principal, entendida por Elkonin (2009) e Leontiev (1978)
como a que mais possibilita transformações no desenvolvimento do sujeito, é a
atividade de estudo; entretanto, os sujeitos de tal faixa etária não deixaram de pertencer
à infância, portanto, o lúdico ainda produz mudanças significativas no processo de
desenvolvimento e de aprendizagem.
Não se trata, entretanto, de qualquer atividade lúdica e muito menos de ser
realizada de maneira espontaneísta, sem direção; pelo contrário, defendemos a sua
utilização de maneira intencional, planejada, consciente. Conforme atestam Giardinetto
e Mariani (2007, p. 186),
Para que as atividades lúdicas se coloquem a serviço da prática
educativa, é necessário um professor consciente de uma teoria que o
oriente na articulação dos conteúdos trazidos pelos alunos com os
conteúdos culturais e científicos e que reconheça no jogo, nos
brinquedos e nas brincadeiras instrumentos culturais que
desencadeiam o desenvolvimento e a aprendizagem, através da
mediação do educador.
Giardinetto e Mariani (2007) ainda enfatizam a necessidade de o professor ter
clareza de como trabalhar conteúdos inerentes aos brinquedos, jogos e brincadeiras, de
maneira a favorecer o processo de apropriação de conceitos. Reforçam os autores que,
por meio destes, é possível desenvolver situações-problema, conceitos relacionados às
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operações matemáticas, cálculos mentais, estimativas, podendo ser utilizados também
como suporte para representações e ações. Além do proposto pelos estudiosos acima
referenciados, podemos acrescentar, por meio do projeto desenvolvido e por outros
estudos realizados (Zoia, 2007), que as atividades lúdicas são recursos que possibilitam
o trabalho com conceitos e favorecem o enriquecimento no trabalho com a linguagem,
em suas diversas manifestações.
Para Vigotski (2001), a linguagem desempenha uma função decisiva no
processo de desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Com base nessa
concepção, durante a realização do projeto a linguagem ocupou um lugar de destaque,
pois, constantemente, os participantes eram solicitados a verbalizar as suas ações, os
procedimentos efetuados, as regras e os conceitos envolvidos. Destacamos, também, a
importância da sistematização do jogo, do brinquedo e da brincadeira, seja de forma
oral, por meio de desenho ou em forma de escrita.
A fim de organizarmos didaticamente situações de aprendizagem por meio do
lúdico, com o objetivo de possibilitar aos alunos a apropriação de conceitos e também
contribuir com o processo de desenvolvimento das funções psíquicas superiores,
buscamos os estudos desenvolvidos por Facci (2004, p. 231), acerca da escola e do
trabalho do professor. Com base nos teóricos russos, a autora evidencia que: “Na
atividade de estudo, com a orientação do professor, o aluno pode apropriar-se da
experiência histórico-social por meio das diversas esferas de conhecimento da ciência”.
É por meio do processo de internalização que os sujeitos apropriam-se do mundo
externo e desenvolvem as funções psíquicas superiores.
Ao compreender a aprendizagem e o desenvolvimento como processos
interdependentes (Vigotski, 2000), o trabalho de intervenção proposto durante o projeto,
por meio de um planejamento semanal, organizado, orientado, sistematizado, pretendeu
possibilitar aos alunos a apropriação dos conceitos científicos. Nestes conforme Nuñez
e Pacheco (apud Facci, 2004), é que ocorrem os níveis mais elevados de tomada de
consciência, pois envolvem a formalização de regras lógicas, e o seu processo de
compreensão implica em procedimentos analíticos com definições verbais, operações
mentais de abstração e generalização.
É importante ressaltar que a compreensão dos conceitos científicos depende da
aprendizagem, nesse sentido é função da escola ensinar à criança aquilo que não está
disponível em sua aparência.
Duarte (apud Giardinetto e Mariani, 2007, p. 190) esclarece que:
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Cabe ao ensino escolar, portanto, a importante tarefa de transmitir à criança
os conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários,
selecionando o que desses conteúdos, encontra-se a cada momento do
processo pedagógico, na zona de desenvolvimento próximo. Se o conteúdo
escolar estiver além dela, o ensino fracassará, porque a criança ainda é
incapaz de apropriar-se daquele conhecimento e das faculdades cognitivas a
ele correspondentes. Se, no outro extremo, o conteúdo escolar se limitar a
requerer da criança aquilo que já se formou no seu desenvolvimento
intelectual, então o ensino torna-se inútil, desnecessário, pois a criança pode
realizar sozinha a apropriação daquele conteúdo e tal apropriação não
produzirá nenhuma nova capacidade intelectual nessa criança, não produzirá
nada qualitativamente novo, mas apenas um aumento quantitativo das
informações por ela dominadas.
Compete ao professor, como já dito anteriormente, trabalhar no sentido de
atuar na zona de desenvolvimento proximal, uma vez que esta provoca o
desenvolvimento de processos internos que constituem as funções psíquicas superiores.
Por meio da atividade lúdica, especificamente os jogos, é possível criar uma zona de
desenvolvimento proximal, constituindo-se estes, assim, em um instrumento mediador
entre a ação realizada pela criança e os conceitos a serem apreendidos.
Diante dessa compreensão, citamos alguns aspectos apontados por Grando
(apud Giardinetto e Mariani, 2007, pp. 197-199) e que precisam ser considerados ao se
trabalhar com jogos pedagógicos:

O aluno precisa familiarizar-se com o material do jogo: implica no
contato dos alunos com o material do jogo, identificando-o e o
experimentando por simulações de possíveis jogadas.

Reconhecimento das regras: podem ser explicadas ou lidas por um
aluno que aprendeu o jogo, por meio de partidas-modelo, para que os
outros as entendam.

“O jogo pelo jogo”: jogar para garantir regras; momento do jogo para
compreensão das regras.

Intervenção pedagógica verbal: intervenções do mediador durante o
jogo; são questionamentos e observações para que o aluno analise suas
jogadas. Momento direcionado à resolução de problemas do jogo,
relacionando esse processo com a conceitualização.

Registro do jogo: registro dos pontos, procedimentos e cálculos
utilizados, na forma de sistematização. É um importante instrumento
em que o aluno pode analisar as jogadas “erradas” e a construção de
estratégias.
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
Intervenção escrita: problematização de situações do jogo. Isso propicia
uma análise específica do jogo, aspectos não ocorridos durante as
partidas.
Concordamos com Giardinetto e Mariani (2007) sobre o fato de que o trabalho
envolvendo jogos, brinquedos e brincadeiras, em uma perspectiva Histórico-Cultural,
permite considerar a linguagem com uma função central, pois quando a criança defende
a sua posição, o seu ponto de vista, busca compreender o pensamento e a ação dos
colegas, faz previsões, lança possibilidades, está desenvolvendo o processo de
organização do seu pensamento. Ao ser solicitada a explicar as regras, os procedimentos
do jogo, ou como chegou a um determinado resultado, desenvolve a sua linguagem, que
por intermédio das intervenções do docente, passa a ser mais organizada e
contextualizada.
Em síntese, por meio do lúdico, a criança, além de compreender a estrutura do
jogo, apropria-se dos conceitos científicos envolvidos e desenvolve as funções psíquicas
superiores, principalmente a linguagem, a atenção, a memória e aprende também a
controlar o seu próprio comportamento.
Considerações finais
É possível atestar que os alunos integrantes do projeto participaram
efetivamente do mesmo, demonstrando entusiasmo e envolvimento nas atividades
encaminhadas. Observamos que ao trabalhar de forma lúdica, especificamente com
jogos, os alunos conseguem concentrar a sua atenção por um tempo relativamente
significativo. Percebemos então que além da apropriação dos conteúdos, o jogo também
possibilita trabalhar com a atenção voluntária, com o controle do comportamento
(volição), com a organização da linguagem, com o raciocínio lógico, que constituem as
funções psíquicas superiores, as quais não são inatas (Vigotski, 2000).
Vale destacar que no trabalho com o lúdico o processo de intervenção por parte
da aluna bolsista foi constante. Essa intervenção ocorreu no sentido de constantemente
os alunos serem questionados e solicitados a verbalizarem acerca dos aspectos que
envolviam as atividades propostas. A ação de conversar antes e depois do jogo revelouse significativa, já que as reflexões apresentadas ligam as ações desenvolvidas e
orientam importantes decisões tomadas no decorrer da atividade.
11
A partir dos fundamentos da Teoria Histórico-Cultural, o desenvolvimento do
projeto evidenciou que o trabalho com jogos, brinquedos e brincadeiras requer objetivos
previamente definidos para ultrapassar a ideia prevalecente de que tal metodologia
concretos.
Em relação ao afirmado acima, Kalmykova (Luria; Leontiev; Vigotski, 1977,
p. 13) compreende que uma sólida formação de conceitos também depende dos
materiais concretos utilizados, o que significa que “quanto mais variado for o material
concreto, tanto mais fácil e correcto se tornará o processo de abstração”.
Dessa forma, o jogo não é apenas um momento de prazer, de socialização, de
relaxamento e diversão; trata-se de uma metodologia de trabalho que se constitui como
um momento significativo desde que ocorram as intervenções ou mediações necessárias
pelo professor. Essa ação pedagógica permite aos alunos a discussão de seus pontos de
vista, a crítica em relação à atitude dos colegas, o levantamento de hipóteses, etc.
Assim, destacamos que o trabalho com o lúdico torna possível o diálogo, a
linguagem e a apropriação do conhecimento de forma interiorizada. E, reafirmamos a
extrema importância do papel do professor como mediador neste e em demais processos
pedagógicos.
Reforçamos que em relação às crianças, por meio do trabalho realizado, foi
possível perceber que a mediação planejada, consciente, direcionada, aproxima com
mais facilidade o aluno da cultura produzida historicamente pela humanidade. Ou seja,
contribui para quebrar a barreira entre o conteúdo formal e o cotidiano da criança.
O conhecimento teórico que a aluna bolsista teve de se apropriar para a
realização das tarefas permitiu-lhe clareza sobre os encaminhamentos e resultados
obtidos. Nesse caso, ocorreu um maior desenvolvimento do aprendizado das crianças
que inicialmente apresentavam dificuldades na apropriação do conteúdo escolar. Uma
ação que para além de romper com o mito da criança que não aprende, ajuda-nos a
afirmar que o professor pode criar condições favoráveis para que o processo de ensino e
de aprendizagem possa ser incentivado. No caso, permite-nos, inclusive, questionar
outro mito, aquele que grifa o processo de desenvolvimento e de aprendizagem como
natural.
Em síntese, ao propormos um trabalho por meio de atividades lúdicas,
compreendemos que o professor tem uma função primordial, no sentido de questionar
os alunos, fazer apontamentos, discussões, reflexões que os conduzam à apropriação
12
dos conceitos científicos, contribuindo, em decorrência, para o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores.
Referências bibliográficas
ELKONIN, D. B. (2009). Psicologia do jogo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
FACCI, M. G. D. (2004). Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um
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GIARDINETTO, J. R. B. & MARIANI, J. M. (2007). O lúdico no ensino da
Matemática na perspectiva vogtskiana do desenvolvimento infantil. In: ARCE, A &
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SP: Editora Alinea.
KALMYKOVA, Z. I. (1977). Pressupostos psicológicos para uma melhor
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LEONTIEV, A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Editora Moraes.
LURIA, A.R. (2001). A Psicologia experimental e o desenvolvimento infantil. In:
VIGOTSKI, L. & LEONTIEV, A. & LURIA, A. Linguagem, desenvolvimento e
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MUKINA, V. (1995). Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins Fontes.
SAVIANI, D. (2005). Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. (5ª
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VIGOTSKI, L. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes.
CORRÊA. D. R. & FAVORETO, A. & ZOIA, E. T. (2010, outubro). Da tarefa ao
prazer de estudar: a relevância da mediação pedagógica. Anais do II Simpósio Nacional
de Educação e XXI Semana de Pedagogia, Unioeste, Cascavel.
ZOIA, E. T. (2007, setembro). O jogo nunca dez e a mediação do professor: a
contribuição da Psicologia Histórico-Cultural. Anais do III Congresso Internacional de
Psicologia e IX Semana de Psicologia, UEM, Maringá.
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