Rev. Bras. Farm. 92(1): 23-32, 2011
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL RESEARCH
Experiência de utilização de ferramentas lúdicas na abordagem
do tema uso racional de medicamentos para alunos do ensino
fundamental
Experience of using ludic tools to broach the subject rational drug use for basic education students
Recebido em 10/12/2009
Aceito em 13/01/2011
Michelle Moreira de Matos Pinto1, Vivian Boschesi Barros2, Renata Viegas Cardamoni3, Fernando Luis Marcussi1,
Terezinha de Jesus Andreoli Pinto1*
1
Universidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, SP, Brasil
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, São Paulo, SP, Brasil
3
Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, São Paulo, SP, Brasil
2
RESUMO
O uso irracional de medicamentos é um grave problema de saúde pública e um grande desafio para a Organização Mundial da
Saúde. Programas de educação em saúde na escola são apontados por diversos autores como importantes no combate a essa
prática, já que possibilitariam ao indivíduo obter desde cedo informações sobre hábitos saudáveis. Uma das maiores iniciativas
nacionais nesta área é o projeto Educação em Vigilância Sanitária (Educanvisa), que busca formar multiplicadores de hábitos
desejáveis e atua treinando e oferecendo material didático a professores. A Universidade de São Paulo foi convidada a
colaborar com o mesmo através do Projeto de Educação e Informação, com o objetivo de desenvolver oficinas de atividades
lúdicas sobre medicamentos e saúde para alunos de uma das escolas participantes, em Taboão da Serra – SP, abordando temas
como cuidados no uso de medicamentos, riscos da automedicação e aspectos gerais da saúde. As oficinas ocorreram em 17 e
18 de novembro de 2009, tendo como principais ferramentas discussões, um quebra-cabeças, um vídeo, um teatro e uma
cartilha de atividades; os estudantes se mostraram receptivos. Acredita-se que os resultados foram positivos, já que o uso de
ferramentas lúdicas contribuiu para o aprendizado e assimilação dos assuntos abordados no Educanvisa.
Palavras-chave: Educação Infantil, Educação em Saúde, Uso de Medicamentos, Automedicação
ABSTRACT
The irrational use of drugs is a serious public health problem and a great challenge for the World Health Organization. In an
attempt to solve this important issue, several authors claim that measures, such as health education programs, should become
part of children’s routine at school since an early age, so that they are taught to be responsible towards their own health. In
Brazil, the project Educação em Vigilância Sanitária – Educanvisa (Education in Sanitary Surveillance) has become one of the
most important initiatives in this area. The University of São Paulo was invited by Educanvisa to collaborate in the project
Educação e Informação (Education and Information), what resulted in the development of a workshop aimed at students from a
school of a region named Taboão da Serra, in which they took part in activities created with the purpose of not only
entertaining them, but above all supplying information about drugs and health. The main topics of these activities concerned
care in the use of drugs, the risks of self-medication and general aspects of health, which were taught by means of discussions,
a puzzle, a video, the performance of a theater play and a book of activities, all important learning tools.
Keywords: Child Rearing, Health Education, Drug Utilization, Self Medication
* Contato: Terezinha de Jesus Andreoli Pinto, Universidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Departamento de
Farmácia, CEP 05508-900, São Paulo, SP, Brasil, e-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Conforme estabeleceu em 1986 a Organização Mundial
da Saúde (OMS), o uso racional de medicamentos requer
“que os pacientes recebam a medicação apropriada para
sua situação clínica, nas doses que satisfaçam as
necessidades individuais, por um período adequado, ao
menor custo possível” (Gandolfi & Andrade, 2006). O uso
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de fármacos contrariando esse preceito é muito prevalente
e consiste em grave risco sanitário: a própria OMS
considera o problema um de seus maiores desafios e
estima que no planeta “mais da metade de todos os
medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos
inapropriadamente e que metade dos pacientes não os
usam corretamente” (Queluz, 2009).
Em alguns casos a população tem pouco controle sobre a
exposição a medicamentos indevidos. É o que se
apresenta, por exemplo, na ocorrência de prescrições
inapropriadas ou quando são comercializados produtos
com “qualidade, segurança e eficácia comprometidas,
como os medicamentos falsos” (Luchessi et al., 2005).
Tais situações requerem medidas como maior rigidez no
controle da produção e distribuição de fármacos e
investimentos na formação de prescritores mais
qualificados, e, portanto, fogem aos objetivos deste estudo.
Entretanto, em outros casos, há contribuição importante da
coletividade,
notavelmente
na
automedicação
indiscriminada, incluindo o uso irracional de substâncias
“naturais” e herbais, e no mau armazenamento, os quais
refletem um posicionamento imaturo frente ao uso de
medicamentos.
A automedicação consiste na utilização de um fármaco
por um indivíduo ou seus responsáveis sem supervisão de
um profissional de saúde capacitado (Pereira et al., 2007).
Várias pesquisas indicam que a automedicação
desenfreada é preocupante em todo o mundo (Loyola Filho
et al., 2002) e no Brasil (Arrais et al., 2007). No entanto,
trabalhos que estimam sua ocorrência no país são escassos,
pouco abrangentes e têm metodologias diversas, alguns
apontando taxas de 42% a 74% (Simões & Farache Filho,
1988; Vilarino et al., 1998; Arrais et al., 2007). Tal
fenômeno se associa a um aumento dos riscos diretos e
indiretos do consumo dos medicamentos (intoxicações,
reações adversas, mascaramento de sintomas de doenças
graves, resistência bacteriana), inibe condutas preventivas
de saúde e desvia recursos de áreas como moradia e
educação (Brasil, 2005).
Observa-se que “várias são as maneiras de a
automedicação ser praticada: adquirir o medicamento
sem receita, compartilhar remédios com outros membros
da família ou do círculo social e utilizar sobras de
prescrições, reutilizar antigas receitas e descumprir a
prescrição profissional, prolongando ou interrompendo
precocemente a dosagem e o período de tempo indicados
na receita” (Loyola Filho et al., 2006). Em algumas
situações a automedicação é necessária por questões
socioeconômicas: o sistema de saúde não permite que a
população tenha acesso a atendimento médico frente a
qualquer sintoma (Neto et al., 2006). É importante, porém,
que isso somente ocorra com medicamentos isentos de
prescrição, que devem ser “consumidos com consciência e
responsabilidade” (Brasil, 2005), respeitando as instruções
do farmacêutico e da bula.
É muito comum ainda que o indivíduo se automedique
com medicamentos naturais, herbais ou fitoterápicos, que
são de venda livre. Uma pesquisa realizada nos Estados
Unidos em 1997 mostrou que 42% da população havia
utilizado itens do tipo no ano anterior; a prevalência é
ainda maior em países subdesenvolvidos. A grande
freqüência de uso tem relação com a facilidade de
obtenção; com a promessa presente nos rótulos ou
veiculada na mídia de que tais produtos não causam
malefícios por serem naturais; e com a tradição, pois o uso
de plantas medicinais é uma prática sedimentada e
utilizada por muitas famílias há gerações - afinal consiste
em uma das mais antigas formas de medicação. Ocorre,
porém, que o controle das condições de fabricação e
comercialização desses itens é muitas vezes falho; muitos
não obtiveram comprovação científica de suas
propriedades farmacológicas; os dispensadores não têm
preparo para orientar a população quanto à forma
adequada de uso; há possibilidade de interação com outras
drogas; e frequentemente tais produtos oferecem
toxicidade - o que configura um sério problema de saúde
pública (Junior et al., 2006).
Também é preocupante o comum hábito de se guardar os
medicamentos em locais inapropriados. O armazenamento
adequado e a preservação são indispensáveis para manter
as características físicas, químicas e farmacológicas dos
mesmos e são fatores fundamentais para a sua eficácia e
segurança (Lima et al., 2007). Além disso, grande parte
dos fármacos utilizados para automedicação é guardado
nos domicílios, trazendo risco de serem utilizados por
crianças, sem supervisão, podendo causar intoxicações.
Um levantamento realizado em Santa Catarina evidenciou
que mais de metade dos medicamentos armazenados em
residências estavam expostos ao calor e à umidade
(Shenkel et al., 2005). Outro estudo, no Piauí, permitiu
constatar que mais da metade estava ao alcance de crianças
e cerca de 15% não possuíam qualquer identificação,
sujeitos a trocas que favorecem envenenamentos (Lima et
al., 2007). A esse respeito, dados do Sistema Nacional de
Informações Tóxico-Farmacológicas demonstraram que
30,7% dos casos registrados de intoxicações em 2008
foram causados por medicamentos (Brasil, 2008).
Contribui consideravelmente para todo esse quadro o
fato de grande parte da população enxergar saúde como a
simples ausência de doenças – e os medicamentos são
vistos, nesse contexto, como símbolos de saúde (Vilarino
et al., 1998) e do poder da ciência e da tecnologia (Brasil,
2005) no combate às enfermidades. Cabe salientar que o
conceito atual de vida saudável transcende as questões
biológicas, abrangendo aspectos sociais, culturais,
ecológicos, psicológicos, econômicos e valorizando o
modo de vida, o acesso a serviços públicos de saúde, a
educação, o trabalho, o lazer, a alimentação, o saneamento
básico, entre outros (Brasil, 2008). Tem-se pensado, ainda,
em um modelo de saúde não utópico, já que “por mais que
um indivíduo seja saudável, ele passará, ao longo de sua
vida, por períodos em que estará doente” (Ievorlino,
2000). O ato de se medicar, entretanto, é muitas vezes
considerado uma “economia” de trabalho pessoal,
constituindo uma solução simples e rotineira para qualquer
problema de saúde. Poupam-se esforços como exercer
medidas preventivas e higiênicas, ter uma alimentação
correta, praticar exercícios físicos. Esquece-se do risco
sanitário intrínseco a todos os medicamentos e que eles de
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modo algum substituem tais cuidados (Vilarino et al.,
1998).
Muitos estudos (Brasil, 2005) afirmam que essa
mentalidade é influenciada pela frequente exposição da
população a campanhas publicitárias tendenciosas. O
marketing farmacêutico, que movimenta milhões de
dólares no mundo todo, muitas vezes atua de forma nãoética, privilegiando a ampliação de lucros em detrimento
da qualidade da informação veiculada (Brasil, 2005). São
criadas necessidades de saúde falsas, divulgam-se
informações não comprovadas por publicações científicas
ou promete-se cura ou bem-estar sem considerar outras
variáveis importantes para uma vida saudável (Brasil,
2009). Os medicamentos são considerados produtos de
consumo, em vez de serem instrumentos a serviço da
promoção da saúde, estimulando-se o uso irracional
(Brasil, 2005).
Diversos autores (Arrais et al., 1997; Shenkel et al.,
2005; Neto et al., 2006) enfatizam a importância de
programas educativos que possibilitem à população um
uso mais consciente de medicamentos e a prevenção de
doenças. As escolas são apontadas como ambientes
propícios em razão de sua capilaridade e abrangência. Para
o Ministério da Saúde, o desenvolvimento de tais ações é
fundamental, já que o período escolar é uma época em que
os jovens estão criando e revendo seus hábitos (Brasil,
2002).
Desde o final do século XIX (Silva, 2007) são previstas
ações de educação em saúde no Brasil e desde a década de
20 é prevista a participação das escolas no processo.
Observamos, contudo, diversas dificuldades relacionadas
ao ensino como um todo no Brasil, particularmente nas
escolas públicas: o mau preparo e as condições de trabalho
inadequadas dos educadores; o pouco tempo semanal
utilizado para o ensino de ciências; o fato de tais
programas predominarem no ensino médio, ao qual parcela
importante da população não tem acesso; a carência de
materiais didáticos específicos sobre o processo saúdedoença. (Schall et al., 1987) Além disso, o jovem em
idade escolar “já possui conhecimentos, atitudes e práticas
de saúde adquiridos no lar” (Leonello & L´abatte, 2006) e
há dificuldade em fazer com que os conceitos adquiridos
modifiquem práticas já sedimentadas.
Catalán (Leonello & L´abatte, 2006) observou ainda que
historicamente há a tendência de que as atividades de
educação em saúde sejam realizadas de “maneira
autoritária, impositiva e coercitiva e com caráter
exclusivamente informativo, dando ênfase à prevenção das
doenças”, atitude que estaria cristalizada na prática de
alguns profissionais. Por outro lado, diversos autores
lembram que a educação em saúde na escola deve levar o
aluno ao comportamento inteligente, capaz de analisar e
avaliar diferentes fontes de informações e fazer escolhas
conscientes com base em seu conhecimento (Leonello &
L´abatte, 2006; Gonçalves et al., 2008). Fica claro,
portanto, que as atividades não devem ser a simples
transmissão de conceitos a serem aceitos sem
questionamento.
O ideal é formar indivíduos que sejam agentes no
processo educativo e na construção de reflexões sobre suas
condições de vida e de saúde (Leonello & L´abatte, 2006).
Estratégias de ensino que utilizam a ludicidade têm
conquistado espaço no panorama nacional, sobretudo na
educação infantil, e uma de suas maiores vantagens é
justamente a capacidade de favorecer uma atitude proativa
dos indivíduos na situação de aprendizagem. A utilização
de brincadeiras colabora para o desenvolvimento de
habilidades como a interpretação, a tomada de decisões, o
levantamento de hipóteses, a obtenção e organização de
dados e o enfrentamento de novas situações. Além disso,
as crianças são motivadas a usar a inteligência e superar
obstáculos, pois querem jogar bem. Uma aula com
características
lúdicas,
porém,
não
depende
necessariamente de jogos, mas sim de comprometimento
dos professores e alunos a fim de tornar o momento de
aprendizado dinâmico e prazeroso (Maurício, 2006).
Uma das maiores iniciativas do Brasil na atualidade
voltada à educação em saúde é o projeto Educação em
Vigilância Sanitária (Educanvisa), criado em 2005 pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). “O
Educanvisa busca formar multiplicadores dos conceitos e
práticas desejáveis no uso de medicamentos e na opção
pela alimentação saudável. É um dos projetos
desenvolvidos pela Agência para atingir as metas
firmadas com o Ministério da Saúde no Programa Mais
Saúde, integrante do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) do Governo Federal” (Brasil, 2009).
O projeto ocorre em diversas regiões e atua treinando
professores e oferecendo material didático aos mesmos.
Em 2009 foram realizados cursos de capacitação com
cerca de 200 unidades de ensino (Brasil, 2009). No
município de Taboão da Serra, a ANVISA e a
Universidade de São Paulo (USP) realizaram uma parceria,
constituindo o Projeto de Educação e Informação. Este foi
o responsável por organizar, entre outros eventos, uma
oficina de atividades lúdicas para algumas turmas de
alunos de uma escola de ensino fundamental participante
do Educanvisa - aqui descrito. A oficina abordou temas
como Conceito de Saúde e Uso Racional de Medicamentos
- paralelamente às ações do projeto Educanvisa. Procurouse utilizar exercícios lúdicos e atividades não rotineiras a
fim de reforçar conceitos já trabalhados durante o projeto,
relativos à obtenção de uma vida mais saudável. Definiuse como meta criar um ambiente onde os alunos pudessem,
por meio da brincadeira, da espontaneidade e da
imaginação, aprender e esclarecer suas dúvidas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram planejados dois dias (17 e 18 de novembro de
2009) de atividades, cada um com uma hora de duração, a
serem desenvolvidas com três turmas de alunos do quinto
ano (antiga quarta série) do ensino fundamental na EMEF
Vinícius de Moraes no Município de Taboão da Serra - SP,
participante do Projeto Educanvisa durante três meses
aproximadamente. Cada sala de aula era composta de
cerca de trinta alunos. A equipe realizadora foi composta
por universitários da Universidade de São Paulo (USP) e o
projeto foi aprovada no Comitê de Ética da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da USP e possui CAAE:
0031.018.000-09.
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Utilizou-se
se como roteiro para guiar a sequência de temas a
serem abordados dois livretos institucionais da ANVISA:
“A Informação é o Melhor Remédio – o que vale a pena
saber sobree a propaganda e o uso de medicamentos”
(Brasil, 2008) e “A Informação é o Melhor Remédio –
dicas para trabalhar com os vídeos e os spots da
campanha” (Brasil, 2008).
As atividades a serem realizadas nos dois dias de projeto
foram compostas, sobretudo, por materiais e outras formas
de comunicação que fogem à rotina das crianças. Houve a
preocupação de que o momento de aprendizado fosse
prazeroso para elas.
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Planejou-se
se iniciar a atividade com uma pergunta à toda
a sala: “O que é saúde?”. Após uma rápida discussão,
seriam oferecidos à turma três quebra-cabeças,
quebra
que
deveriam ser montados por grupos de aproximadamente
dez alunos, para que a relação peça-aluno
peça
fosse próxima de
um e todos pudessem participar. Os alunos teriam cerca de
cinco minutos para a montagem e em seguida se
perguntaria a eles, esclarecendo-os
esclarecendo
em seguida caso
houvesse necessidade: Qual a importância de cada uma das
peças que se encaixam na vida de um indivíduo? Por que
houve peças que não se encaixaram? Por que não havia
uma peça
ça com o desenho de um remédio?
Os temas escolhidos e a estratégia de abordagem foram:
conceito de saúde e efeito da vida moderna:
moder
quebracabeças; conceito de medicamento e automedicação:
vídeo; cuidados em relação aos medicamentos: figuras e
brincadeira com uma criança voluntária; propaganda de
medicamentos: figuras e vídeo; cuidados gerais com a
saúde (saúde bucal, tratamento de água e vacinação):
teatro.
1) Primeiro dia
a) Conceito de saúde e efeitos da vida moderna: quebraquebra
cabeças
O objetivo da primeira atividade planejada seria verificar
como os alunos entendem o conceito de saúde e levá-los
levá
a
reconhecer que ela depende de diversos fatores e que não é
sinônimo de medicamento ou de ausência de doenças. Para
tanto, foi elaborado um quebra-cabeças
cabeças de nove peças
(Figura 1), onde cada uma tem o desenho de um item
importante para a saúde: alimentação, moradia, descanso,
lazer, meioo ambiente, paz, estudo e renda. Junto a cada
quebra-cabeças há duas
uas peças dentre as seguintes (Figura
(F
2) que não têm encaixe com as outras e representam
conceitos não relacionados à saúde: doença, estresse,
poluição, sedentarismo, sujeira e comidas pouco
saudáveis.
Figura 2. Peças sem encaixe.
A seguir, seria dito rapidamente que a vida moderna
impõe um cotidiano apressado e desregrado, e a falta de
tempo muitas vezes motiva as pessoas a ignorar
ig
os
preceitos de uma vida saudável. Por esse motivo, tem
aumentado a prevalência de problemas de saúde como
depressão, diabetes e hipertensão. Nesse contexto, os
medicamentos aparecem como a solução, apesar do seu
uso sempre apresentar um risco.
b) Conceito de medicamento e automedicação
Figura 1. quebra cabeças sobre saúde.
A fim de discutir alguns conceitos básicos sobre uso
correto de medicamentos, produziu-se
produziu
um vídeo caseiro
em que os atores são
ão os próprios universitários (Figura 3).
A filmagem conta a história da vida de uma bruxa
bru caricata
que tem hábitos de vida nada saudáveis (come só doces e
lanches; gosta de sujeira; costuma fazer chá com todas as
ervas que vê pelo caminho etc.) e acha que, se ficar doente,
isso pode ser resolvido facilmente ingerindo medicamentos
por sua conta.
ta. Ela possui muitos em sua casa e toma-os
toma
sem qualquer responsabilidade, além de distribuí-los
distribuí
e
incentivar outras pessoas a se automedicarem. A intenção
do vídeo foi chamar a atenção dos alunos para como os
medicamentos são vistos erroneamente como uma solução
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“mágica”. A pretensão era que as crianças criassem
empatia com o mesmo, uma vez que eles poderiam
reconhecer os atores do filme, além de que associassem a
imagem da bruxa a atitudes erradas que todos nós temos
no dia-a-dia. Questionar-se-ia, então,
ão, quais eram os
problemas retratados, salientando os perigos das atitudes
desregradas da bruxa.
Figura 3. Vídeo caseiro da bruxa cujos hábitos de vida
não são saudáveis.
quarto (melhor local, onde o remédio pode ser armazenado
em lugar alto,
to, sem umidade ou altas temperaturas). Em
seguida, proporíamos uma discussão das vantagens e
desvantagens de cada local.
d) Propaganda de medicamentos
A fim de explicar de que forma a indústria farmacêutica
induz a compra do medicamento, foram coletadas
coletada algumas
imagens de propagandas famosas com a intenção de
mostrar para as crianças como elas são convincentes e
podem manipular as pessoas. Em seguida, planejou-se
planejou
projetar um vídeo institucional da ANVISA, que conta a
história da propaganda de forma cômica
cômi
em preto e
branco, ao estilo filme-mudo.
mudo. O filme mostra que desde
tempos remotos a propaganda de medicamentos tenta nos
convencer de que eles são a salvação e também retrata a
consequência da automedicação – muitas personagens
acabam se intoxicando. Após
Apó o vídeo, haveria uma
conversa sobre os problemas que os alunos haviam
observado.
Em seguida, seria abordado o próprio conceito de
medicamento, que é diferente de remédio: “Medicamentos
“
consistem em recursos utilizados para curar ou aliviar
dores, desconfortos e doenças. São fórmulas elaboradas
em farmácias, hospitais ou empresas farmacêuticas e
devem atender às especificações técnicas e legais da
legislação brasileira
ileira de vigilância sanitária. Já a palavra
remédio, termo mais amplo, inclui conceitos, além dos
medicamentos, sobre cuidados além dos medicamentos,
sobre cuidados e recursos terapêuticos com a mesma
finalidade”” (Brasil, 2008). Seria salientado que, caso um
indivíduo esteja doente, há outras opções para a sua
melhora, como descanso, banho quente, psicoterapia,
exercícios físicos, fisioterapia, entre outros – os alunos
seriam inquiridos se conheciam outras opções. Nesse
momento seriam comentados os perigos das substâncias
“naturais”.
O último tema a ser abordado nessa parte seria a
automedicação. De forma simplificada, através de
esquemas na lousa em forma de organogramas e
remetendo ao vídeo da bruxa, seria explicado o que é a
automedicação e que a mesmaa pode causar males a saúde
(intoxicações) e dispêndio financeiro inútil – salientando a
importância do profissional da saúde, médico ou
farmacêutico.
Figura 4. Qual o lugar ideal para armazenar o
medicamento?
c) Cuidados com o medicamento
2) Segundo dia
Para explicar quais os cuidados necessários com o
medicamento utilizou-se
se imagens projetadas em slides. Os
cuidados escolhidos para serem comentados foram:
examinar se a embalagem está intacta, verificar a data de
validade, mantê-lo
lo longe do alcance das crianças e abrigáabrigá
lo num local seco, longe do calor e da luz. Seria solicitado
então a um aluno voluntário que levasse uma caixinha de
medicamento falsa até a imagem (Figura 4) que mostrava
o local onde ele o armazenaria: banheiro, na cozinha ou no
O objetivo do segundo dia de atividades seria salientar
que alguns cuidados básicos (saúde bucal, tratamento de
água e vacinação) podem contribuir para uma vida mais
saudável e sem a necessidade de medicamentos. As salas
deveriam ser divididas novamente em três grupos de
aproximadamente dez alunos em cada. Para cada grupo
seriam distribuídos alguns
uns quadrinhos embaralhados de
personagens famosas dos gibis infantis com temas diversos
relacionados à saúde para que eles colocassem as tirinhas
na ordem correta
rreta e colassem em um cartaz (Figura 5).
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Cada grupo ficaria responsável por organizar uma história
diferente. Após montagem e colagem, haveria um tempo
para que ensaiassem e, em seguida, com a participação de
todos os integrantes, ela seria apresentada no centro da sala
para os colegas.
Além disso, a equipe do projeto desenvolveu uma
cartilha de atividades chamada “Saúde Divertida” (Figura
(
6) para que os alunos recebessem no segundo dia, junto
com giz de cera e um lápis. A cartilha possui vários jogos
e desenhos para pintar: caça-palavra,
palavra, palavra-cruzada,
pala
jogo dos erros e liga-liga.
liga. Uma parte da cartilha deveria ser
feita em sala-de-aula
aula e as crianças seriam orientadas a
terminar o resto em casa.
Figura 5. Crianças colocam as histórias em quadrinhos
na ordem correta
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A opção de adotar nossas impressões para avaliar o
sucesso das atividades, ao invés de utilizar ferramentas
quantitativas como questionários, se deu em razão da
riqueza e importância das expressões e comportamentos
das crianças durante as atividades, mais
is tangíveis; pela
maior compatibilidade com a aprendizagem que seria
realizada; e também por aspectos motivacionais.
Ao início do primeiro dia, a maioria das crianças se
mostrou empolgada quando foi dito que seriam realizadas
algumas brincadeiras sobre saúde. Em todas as classes, no
entanto, havia algumas que demonstraram apatia e
pareciam desatentas frente à primeira pergunta (“O que é
saúde?”). Nenhum aluno associou imediatamente o
conceito de saúde a um bem-estar
estar dependente de vários
fatores. Quase todos
odos o associavam a “não ficar doente”;
apenas alguns falavam sobre conseguir brincar e fazer
lição com energia.
A aceitação do quebra-cabeças,
cabeças, no entanto, foi
praticamente unânime. Como imaginado, o fato de cada
aluno ficar com pelo menos uma peça possibilitou
poss
que
quase todos participassem. Em cada um dos grupos,
porém, foi natural que um ou dois alunos mais
extrovertidos assumissem a liderança, organizando a
atividade. Em todas as vezes o quebra-cabeças
quebra
foi
organizado adequadamente.
Após o término da montagem, discutiu-se
discutiu com toda a sala
os conceitos da brincadeira. Alguns alunos na primeira
turma, porém, dispersaram-se
se em conversações paralelas
ou ficavam mexendo nas peças. Nas outras duas turmas,
então, foi decidido que a abordagem se desenvolveria
desenvolveri
melhor com um universitário por grupo, o que foi feito
com sucesso. Todos os desenhos foram compreendidos,
exceto o que se referia à moradia (alguns alunos pensaram
em “família”, o que também está correto, mas não foi a
exata intenção).
Na abordagem dos
os conceitos sobre vida moderna e
também durante o vídeo as crianças se mostraram atentas.
A discussão dos conceitos seguintes sobre medicamentos
(o que é um medicamento, automedicação, cuidados com
os medicamentos), porém, causou certa dispersão. Talvez
isto
sto tenha ocorrido em razão dos conceitos serem
complicados e transmitidos de forma predominantemente
verbal e em sequência. O vídeo institucional da ANVISA,
no entanto, causou animação e muitas crianças opinaram,
apontando corretamente os erros mostrados.
No segundo dia iniciou-se
se questionando aos alunos sobre
gostarem de histórias em quadrinhos. A resposta
afirmativa foi unânime. As tirinhas foram, então, entregues
aos alunos e após a montagem distribuiu-se
distribuiu
um cartaz e
cola para que as colassem na ordem
orde correta. Foi proposto
um ensaio para que representassem a história em seguida.
A maioria dos alunos se mostrou motivada durante a
atividade, no entanto, nem todos quiseram se apresentar.
Aqueles que aceitaram dividiram as falas das personagens
entre si, ensaiaram e depois se apresentaram no centro da
sala. O entendimento do teatrinho de alguns grupos ficou
prejudicado, pois certos alunos falaram baixo ou tiveram
dificuldades em ler. Por isso, todos os quadrinhos foram
lidos pelos universitários em voz alta
alt após o teatrinho.
Além disso, um cartaz de cada história foi deixado na
escola para que os professores colassem no pátio, à vista
de todos os estudantes da escola.
Na realização da primeira atividade da cartilha,
c
as
palavras-cruzadas
(Figura
ura
7),
os
universitários
completaram com os alunos os itens mais difíceis: 4, 6, 7 e
9. Os outros itens deveriam ser preenchidos depois com o
auxílio do professor ou dos pais – alguns dos estudantes
fizeram sozinhos alguns itens a mais do que os propostos.
O caça-palavras (Figura 7) não foi efetuado junto com as
crianças em razão da indisponibilidade de tempo. Por isso,
a proposta foi que eles o realizassem depois. Mesmo
assim, alguns alunos começaram a dizer as palavras que
haviam encontrado, provavelmente como uma espécie de
disputa entre eles.
O jogo dos erros (Figura 8), notoriamente, foi a atividade
que as crianças mais gostaram. Observou-se
Observou
que por
iniciativa própria a maioria não só pintou de vermelho o
lado da pílula correspondente a uma atitude errada, mas
ma
também coloriu de verde o lado que se referia à atitude
certa. Apenas o item sobre propaganda trouxe certa
dificuldade. Foi então reafirmado que apenas os isentos de
prescrição são permitidos em anúncios.
Na realização da quarta e última atividade
ativi
da cartilha, o
liga-liga (Figura 9), as crianças primeiro teriam que pintar
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as tarjas dos medicamentos da cor indicada e em seguida
ligá-los a classe correspondente. Algumas crianças tiveram
problemas e, por isso, a equipe se dispersou pela sala na
idéia de atender a todas as dúvidas.
É interessante observar que não houve grandes
incidentes de mau-comportamento e a maior parte dos
alunos se mostrou colaborativa durante os dois dias da
oficina – foi observado inclusive que alguns grupos
discutiam os temas apresentados entre si durante as
atividades. As atividades realizadas estão de acordo com a
afirmativa “Para aprender é preciso refazer e recriar o
que já foi falado ou feito” (São Paulo, 1997), uma vez que
refizeram e recriaram muitas vezes temas anteriormente
retratados. No entanto, sabe-se que Educação em Saúde na
escola não se faz em poucos dias, mas depende de um
contato constante do indivíduo com tal assunto durante a
sua vida escolar (Ievorlino, 1983). O relato dessa
experiência tem a intenção de incentivar mais atividades
de educação em saúde e discussões a respeito do uso
adequado de medicamentos.
Figura 6. Parte externa da cartilha “Saúde Divertida”
Figura 7. Palavras-cruzadas e caça-palavras
29
Pinto et al.
Rev. Bras. Farm. 92(1): 23-32, 2011
Figura 8. Jogo dos erros
Figura 9. Liga-liga e respostas
30
Pinto et al.
Rev. Bras. Farm. 92(1): 23-32, 2011
CONCLUSÃO
Entende-se que o desenvolvimento do Projeto de
Educação e Informação paralelamente ao Projeto
Educanvisa foi positivo, já que os alunos participantes
foram receptivos às atividades propostas, as quais foram
realizadas praticamente em sua totalidade. Além disso,
acredita-se que as mesmas contribuíram para o
aprendizado, entendimento e reflexão dos estudantes em
relação ao uso racional de medicamentos.
A oficina foi uma amostra de como a utilização de
ferramentas lúdicas é proveitosa para o aprendizado da
criança em temas voltados à saúde.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Organização Pan-Americana da
Saúde pelo financiamento, à ANVISA pelo suporte e à
Fundação Instituto de Pesquisas Farmacêuticas pela
administração do projeto.
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Experiência de utilização de ferramentas lúdicas na abordagem do