Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A COMPETÊNCIA DO CONARE E A APLICAÇÃO DA LEI
9.474/97
Autora: Raíssa de Araújo Carvalho
Orientadora: Profª M.Sc Ivonete A.Carvalho Lima Granjeiro
Brasília - DF
2010
RAÍSSA DE ARAÚJO CARVALHO
A COMPETÊNCIA DO CONARE E A APLICAÇÃO DA LEI 9.474/97
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Ivonete Araújo Carvalho Lima
Granjeiro
Brasília
2010
Monografia de autoria de Raíssa de Araújo Carvalho, intitulada "A Competência do
CONARE e a aplicação da Lei Nº 9.474/97", apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________
Presidente: Profª. M.Sc. Ivonete Araújo Carvalho Lima Granjeiro
Orientadora
Direito - UCB
_______________________________________________
Prof.
Direito - UCB
_______________________________________________
Prof.
Direito - UCB
Brasília
2010
Dedico o presente trabalho a Deus, criador
de toda a vida. Aos meus pais, Raimundo e
Marly, pelo incentivo, companheirismo e
imenso amor, sem eles o meu sonho não
teria sido concretizado.
Em especial a minha amiga Cecília Medeiros
pelo confiança e carinho.
Agradeço a professora Ivonete Granjeiro
pelos conselhos e empenho para a
elaboração desse trabalho.
“Cada dia que amanhece assemelha-se a
uma página em branco, na qual gravamos os
nossos pensamentos, ações e atitudes. Na
essência, cada dia é a preparação de nosso
próprio amanhã."
(Francisco Cândido Xavier)
RESUMO
CARVALHO, Raíssa de Araújo. A competência do CONARE e a aplicação da Lei nº
9.474/97. 2010. 69f. Direito - Universidade Católica de Brasília UCB. Brasília, 2010.
A presente pesquisa tem como intuito discorrer acerca da situação dos refugiados
políticos no Brasil e no mundo. De acordo com a Convenção das Nações Unidas, o
refugiado é aquela pessoa que por temer perseguição devido a sua raça, cor, religião,
visão política, nacionalidade ou por fazer parte de um determinado grupo social, busca
abrigo e proteção em outros países com a pretensão de permanência definitiva. Nos
dias de hoje, sabe-se que existem mais de 20 milhões de refugiados em todo o mundo,
de acordo com a ACNUR- Alto Comissariado nas Nações Unidas. A história relata que
existiram incontáveis exemplos de rejeição social, e de casos de perseguições. Fugindo
das supostas conseqüências em virtude da escolha de suas próprias opiniões, os
indivíduos buscavam abrigos, onde encontrariam uma chance de proteção e com a
oportunidade de exercer a sua expressão, seja ela qual for. O tema dos refugiados está
presente nos assuntos internacionais a um longo tempo. Com o fim da primeira guerra
mundial, as demonstrações de solidariedade para com os desabrigados provenientes
da guerra tornaram-se foco mundial. No ano de 1951, entrou em vigor a Convenção da
ONU sobre o Estatuto dos Refugiados definindo as condições e tratamentos para os
mesmos. O Brasil dentro do cenário Internacional foi considerado como o primeiro país
a elaborar uma Lei Nacional de Refúgio, a Lei nº 9474/97. Tal Lei é avançada no
sentido de determinar providências e compromissos para com o refugiado político. Com
a promulgação desta lei, no ano de 1998 foi criado o Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE), vinculado ao Ministério da Justiça, no Brasil. Cabe ao CONARE a
orientação e análise integral das solicitações para a obtenção do status de Refugiado
Políticos no Brasil.
Palavras-chave: Refugiados; Políticos; CONARE; Lei nº 9.474/97.
ABSTRACT
This research has the intention to talk about the political situation of refugees in Brazil
and worldwide. According to the UN Convention, a refugee is a person who for fear of
persecution because of race, color, religion, political views, nationality or for being part
of a particular social group, seeking shelter and protection in other countries with claim
to permanent residency. Nowadays, it is known that there are more than 20 million
refugees worldwide, according to UNHCR, the UN High Commissioner. The story
reports that there were countless examples of social rejection, and cases of persecution.
Escaping from the alleged consequences because of choosing their own opinions,
people sought shelter, where they would find a chance of protection and the opportunity
to exercise their expression, whatever it is. The refugee issue is present in international
affairs for a long time. With the end of the first world war, the demonstrations of solidarity
with the homeless from the war became a global focus. In the year 1951, entered into
force under the UN Convention on the Status of Refugees defines conditions and
treatments for them. The Brazil in the International scenario was regarded as the first
country to establish a National Refuge Law, Law No. 9474/97. This Act is advanced in
order to determine measures and commitments to the political refugee. With the
enactment of this law in 1998 created the National Committee for Refugees (CONARE)
under the Ministry of Justice, Brazil. It is up to CONARE orientation and comprehensive
analysis of requests for obtaining political refugee status in Brazil.
Keywords: Refugees; Political; CONARE; Law 9.474/97.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – REFUGIADOS POLÍTICOS .................................................................. 14
1.1 CONCEITO .............................................................................................................. 14
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ......................................................................................... 17
1.3 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL ............................................................................. 20
1.4 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS-ACNUR ... 24
1.5 DIFERENÇAS ENTRE ASILO POLÍTICO E REFÚGIO .......................................... 28
1.6 PRINCÍPIO DO NON-REFOULEMENT ................................................................... 31
1.7 COMITÊ NACIONAL PARA REFUGIADOS-CONARE ............................................ 33
CAPÍTULO 2 - A LEI N. 9.7474/97 ................................................................................ 36
2.1 NOTA INTRODUTÓRIA ........................................................................................... 36
2.2 CARACTERÍSTICAS ................................................................................................ 36
CAPÍTULO 3 – EXEMPLOS DE CASOS DE REFUGIADOS NO MUNDO ................... 52
3.1 NOTA INTRODUTÓRIA ........................................................................................... 52
3.2 CASOS CONCRETOS ............................................................................................. 53
3.2.1 Primeiro Caso ...................................................................................................... 53
3.2.2 Segundo Caso ..................................................................................................... 60
3.2.3 Terceiro Caso ...................................................................................................... 62
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 66
11
INTRODUÇÃO
O assunto a ser abordado no presente trabalho, qual seja a competência do
CONARE e a aplicação da lei nº 9.474/97, apresenta-se como o próprio título já diz,
uma questão relacionada aos Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu artigo XIV relata que:
“Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em
outros países.”
Semelhante entendimento é o de Eva Demant1, que discorre sobre a idéia que os
deslocamentos forçados por conflitos e perseguições, assim como a necessidade de
buscar refúgio em outro país, são eventos que refletem perfeitamente essa cruel
dicotomia com a qual todos nós convivemos. Por sorte, muitas pessoas compartilham a
busca de solução que fortaleça a relação entre democracia, desenvolvimento e direitos
humanos
Refugiado é a pessoa que devido a fundados temores de perseguição por
motivos de: raça, religião, nacionalidade, grupo social e opiniões políticas encontrem-se
fora de seu país de nacionalidade, e não possa ou não queira acolher-se à proteção de
tal país.
Nesse sentido, será tratado como objetivo geral do trabalho em questão, no
desenrolar dos capítulos, primeiramente sobre a questão dos Refugiados Políticos. A
abordagem tratará de discutir aspectos relacionados ao conceito, a evolução histórica,
a legislação internacional e nacional, a competência do CONARE, a função do ACNUR
e etc.
Em seguida, ainda como objetivo geral, em caráter secundário, também será
discorrido acerca da Lei 9.474/97, dos Refugiados Políticos instalados no Brasil e
também exemplos de casos concretos.
Desse modo, após a junção das abordagens dos capítulos pretéritos unindo os
preceitos da definição de Refugiado Político, a função do CONARE, a Lei 9.474/97, e
_____________
1
DEMANT, Eva. Refúgio, Migrações e Cidadania. Caderno de Debates. 2007, p. 27.
12
os estudos de casos de refugiados políticos, obtém os objetivos específicos. Assim,
teremos a facilidade de melhor compreensão do terceiro momento do trabalho, que
seria o tema propriamente dito, ou seja, análise de casos concretos sobre refugiados
políticos, dentre outros detalhes.
Ainda em relação a análise de casos, a título de exemplo, um deles seria o caso
Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália, em virtude de quatro homicídios
cometidos naquele país. Antes da imposição de tal pena, procurou abrigo em solo
francês, onde obteve o status de refugiado. Sua condição foi cessada no ano de 2007,
e o suposto refugiado pediu auxílio brasileiro vindo a se estabelecer no Brasil. Também
no ano 2007, teve a sua prisão decretada. O governo italiano pediu a sua extradição
para que o mesmo possa cumprir pena na Itália, em razão nos crimes cometidos e a
sua pena já estabelecida.
A escolha do tema ocorreu pela sua grande repercussão no âmbito do Direito
Internacional Público e também nos Direitos humanos. Diante dos efeitos sociais
provocados, a questão das perseguições a tais pessoas e o surgimento da proteção do
Estado a tais indivíduos.
Assim, com a finalidade ilustrativa, a abordagem do presente trabalho é a
demonstração da situação do refúgio, tanto no âmbito internacional, como no nacional,
as dificuldades, os direitos e a pretensão que um refugiado tem, quando a sua condição
é aprovada.
Nessa esteira para facilitar o entendimento do tema, o presente trabalho foi
dividido em três capítulos.
É certo que não se pretende, aqui, esgotar tal assunto, pois o mesmo ainda
encontra-se bastante discutido em âmbito jurisprudencial.
A metodologia utilizada foi o funcionalismo. Uma vez que o assunto em questão
ocupa-se com a explicação dos fatos sociais. O conhecimento doutrinário em exame,
oriundo da área de Direito Internacional Público, nos mostra a situação dos refugiados
no Brasil e no mundo. O objeto de estudo, se dá mediante pesquisas doutrinárias e
jurisprudências, relacionadas ao tema, explicando de maneira clara e objetiva os
acontecimentos sociais em torno do refúgio no Brasil e na esfera mundial.
13
Será também utilizado o método indutivo, que se orienta a partir da observação
rigorosa dos fatos particulares para se chegar a conclusões gerais, com intuito de
demonstrar, uma situação verificada no âmbito do direito internacional público.
14
CAPÍTULO 1 – REFUGIADOS POLÍTICOS
1.1 CONCEITO
Atinente aos refugiados políticos, em compreensão inicial, o discernimento de
Renato Zerbini Ribeiro Leão é esclarecedor, senão, veja:
Refugiado ou refugiada, de acordo com a Convenção de 1951 e seu Protocolo
de 1967 da ONU, sobre a Condição de Refugiado, é aquela pessoa que fugiu
de seu próprio país para escapar de perseguição, ou por temor a ser
perseguida, por motivo de sua raça, religião, nacionalidade, por formar parte de
um grupo social particular, ou por suas opiniões políticas. As pessoas
refugiadas amparadas por este conceito, com fulcro nesses dois diplomas
legais especializados da ONU sobre essa temática, são caracterizadas como
“refugiados e refugiadas da convenção”. A partir da década de 1980, a
experiência latino-americana na matéria, consubstanciada por meio da
Declaração de Cartagena, agrega ao escopo das possibilidades de qualificação
como refugiado ou refugiada a possibilidade de que as pessoas o sejam pelo
fato de seu país de origem experimentar situação de “grave e generalizada
2
violação de direitos humanos.
A legislação brasileira deixou clara a sua contribuição para a definição de
refugiado político, de acordo com a referida lei 9.474/97, nestes termos:
Art. 1º - Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I-Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país,
II- não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve a sua
residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função de
circunstâncias descritas no inciso anterior; III- devido a grave e generalizada
violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade
para buscar refúgio em outro país.
José Roberto Sagrado da Hora3 compartilhando do mesmo entendimento diz
que:
O termo refugiado é freqüentemente utilizado pela imprensa, políticos e público
em geral para designar uma pessoa que foi obrigada a deixar o seu local de
residência e pouca distinção se faz entre as pessoas que tiveram de deixar o
_____________
2
3
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. Refúgio, Migrações e Cidadania. Caderno de Debates 4. 2009, p. 40.
HORA, José Roberto Sagrado da. A Polícia Federal e a proteção internacional dos Refugiados.
2007. p.40.
15
seu país por motivos econômicos ou por fundado medo de perseguição. Faz jus
esclarecer que aquelas pessoas que deixaram o seu país em virtude de
situação financeira não deverá ser considerada como refugiado.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de setembro de 1948,
demonstra em seu artigo 14, in verbis:
Art. 14- Toda pessoa em caso de perseguição tem o direito de buscar asilo e
desfrutá-lo em outro país.
Aduz Márcio Pereira Pinto Garcia4, no livro o Direito Internacional dos
Refugiados: uma perspectiva brasileira:
Falo do drama daquelas pessoas que chegaram ao Brasil fugindo da
perseguição em seu lugar de origem por motivos de raça, religião,
nacionalidade, por pertencer a certo grupo social ou expressa determinada
opinião política. Enquadrado em algum sítio da definição, reconhece-se (ato
declaratório) no perseguido a condição de refugiado: é o que diz o direito
internacional dos refugiados e o direito brasileiro. Aqui, o legislador foi além ao
incorporar à definição a violação grave e generalizada de direitos humanos.
Inspirou-se sem dúvida, na Declaração de Cartagena de 1984. Trata-se do
inciso III do artigo 1º da Lei 9.474/97 (Estatuto do Refugiado). O diploma, vale
destacar, é dos mais adiantados. Estudo de direito comparado dará notícia de
seu avanço. Lei possível, ela representa o compromisso do povo brasileiro com
o tema dos refugiados.
Em entrevista ao Jornal Carta Forense, Márcia Nina Bernardes, conceitua o
Refugiado Político como sendo:
Os elementos essenciais para a caracterização do refugiado são, portanto, o
fundado temor, a perseguição e a extraterritorialidade. Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), órgão que monitora a
implementação da Convenção de 51 pelos diferentes Estados, em seu "Manual
de procedimentos e critérios a aplicar para determinar a condição de refugiado"
de 1979, dá orientações para a aferição de cada um desses elementos. O
conceito de fundado temor, considerado chave para definição, combina um
elemento subjetivo, relativo ao estado de espírito do requerente de refúgio, com
um elemento objetivo, que pressupõe da autoridade estatal algum
conhecimento da situação do país de origem do requerente. Diante da
dificuldade de aferição do elemento subjetivo, que varia de uma pessoa para
outra, passou-se a presumi-lo pela simples circunstância do indivíduo solicitar
refúgio, e a atribuir maior relevância ao elemento objetivo. Importante ressaltar
que é suficiente o "fundado receio de perseguição", não sendo necessária a
5
perseguição em si, para a determinação do status de refugiado .
_____________
4
5
GARCIA, Márcio Pereira Pinto. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de
Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 150.
BERNARDES, Márcia Nina. Entrevista. Jornal Carta Forense. Edição de terça-feira, 4 de maio de
2010. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=5551>. Acesso em jul. 2010.
16
A Convenção de 1951 ou o Protocolo de 1967, sobre a condição de refugiado,
relata que é considerada como aquela pessoa que fugiu de seu país de origem, para
evadir de um temor de perseguição por motivos de raça, cor, religião, nacionalidade,
por fazer parte de grupos sociais e também sobre sua visão política. Esclarece ainda a
Convenção que a acomodação de tais pessoas, é garantida no país em que venha a se
estabelecer, como: a ter uma moradia, a um trabalho remunerado, a residência,
educação, assistência social, dentre outros. É de extrema importância ressaltar o
princípio “non-refoulement”, que defende a impossibilidade do retorno forçado para o
país de origem, do qual o refugiado sofreu graves perseguições.
Sobre o principio do “non-refoulement”, nos ensina Flávia Piovesan6
Dentre os direitos protegidos, merece destaque o direito do refugiado de não
ser devolvido, que não constitui um princípio basilar do sistema de proteção de
refugiados. À luz do principio da não-devolução, ninguém pode ser o brigado a
retornar a um país em que a sua vida e liberdade estejam ameaçadas. Esse
direito é consagrado no artigo 33 da Convenção de 1951, quando afirma que
“nenhum dos Estados contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de
que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua
liberdade sejam ameaçadas em virtude de raça, religião, nacionalidade, filiação
em certo grupo social ou opiniões políticas, O princípio do non-refoulement é,
assim, um principio geral tanto no Direito dos refugiados como no Direito dos
Direitos Humanos, devendo ser reconhecido como um principio jus congens.
O autor Paulo Borba Casella7 realiza a conceituação de refugiado:
“O critério crucial para conceituar um refugiado, em face da Convenção de 1951
ou do Protocolo de 1967, é a existência de fundado medo de perseguição em
virtude de motivos étnicos, religiosos, ou políticos. O conceito legal abrange
todos aqueles que estão ameaçados de sanções por lutarem para proteger
seus direitos humanos, muito embora não se aplique a qualquer um que possa
ser qualificado como transgressor político (que pode, contudo, ser amparado
por outras regras de direito internacional).
A problemática da situação dos refugiados nos obriga a buscar noções
provenientes do direito, da filosofia e da ciência política, e impor-nos a uma reflexão
sobre os instrumentos que poderiam prevenir a negação aos homens do “direito a ter
direitos”. Hoje, no Brasil, existem cerca de quatro mil refugiados de mais de quarenta
_____________
6
7
PIOSEVAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O
Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro, Renovar, 2001,
p. 49.
CASELLA, Paulo Borba. Refugiados: conceito e extensão. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O Direito
Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 17.
17
nacionalidades diferentes. Essencialmente o buscador do asilo é um ser humano que
foge da violência para exercer a sua liberdade de expressão.
Concluindo o raciocínio ora apresentado para a individualização de um refugiado,
são decisivos para a caracterização: o medo de perseguição e a emigração, que é o ato
espontâneo de deixar o local onde reside para se estabelecer em outro país. Cabe
ressaltar que sem tais características determinada pessoa não deve pode ser
considerada como refugiado.
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Desde antigamente, a nossa humanidade encontrava sérias dificuldades no que
tange ao deslocamento de pessoas. As razões predominavam por motivos políticos e
também religiosos. Assim, a história nos relata que a partir desta problemática da
convivência social, os indivíduos buscavam abrigos em outros povoados. E foi na
Grécia Antiga e na Roma que ocasionou o fenômeno do refúgio ou asilo. A
receptividade grega estava ligada a cultura que, desejava mostrar ao mundo todo ser
uma civilização com idéias diferentes.
Segundo o autor José H. Fischel de Andrade8:
A história das gentes narra incontáveis exemplos de rejeição social,
perseguição e busca de abrigo creditados aos mais diversos motivos. Ao fugir
das conseqüências de um crime cometido, de qualquer discriminação imposta
ou da ira de um governante, buscava o individuo a proteção que lhe faltaria
caso optasse por permanecer onde outrora se encontrava.
Para o autor Hugo Grotius9,sobre a questão do refúgio, explica que o século XVII
foi de fundamental importância para o desenvolvimento da instituição do asilo; nessa
época as pessoas expulsas de seus lares tinham o direito de adquirir residência
permanente em outro país, submetendo-se ao governo que lá detivesse a autoridade.
_____________
8
9
ANDRADE, José H. Fischel. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de
Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 101.
GROTIUS, Hugo. O Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 306.
18
Ponto crucial, que não deve passar despercebido, seria a questão dos
acontecimentos no período do século X a XIII, nos anos 950-1250. A Europa foi
nomeada como uma sociedade perseguidora e cruel, onde causava isolamento,
repressão e o exílio, para a extinção dos judeus, hereges, leprosos. A discriminação e a
busca a estas pessoas era a mando dos príncipes e prelados.
Em meados séculos XIII, XIV e XV a situação não foi diferente. Os judeus foram
expulsos da França, Espanha, Inglaterra e Portugal, sendo obrigados a se dispersarem
pelo mundo a fora em busca de amparo. Estima-se que no final do século XV, houve
um fluxo de cerca de 300.000 moradores judeus rumo a Itália, Turquia e países baixos.
O instituto jurídico do refúgio nasceu dos acontecimentos advindos do cenário
das guerras mundiais. A idéia principal que se tinha era de oferecer proteção as
pessoas atingidas pelo grande sofrimento de terror humano. A partir disso verificaramse as causas dos fluxos migratórios, onde uma vasta massa de seres humanos
buscava amparo e proteção em outros territórios.
José H. Fischel de Andrade10 esclarece:
Antes da primeira Guerra Mundial, os problemas existentes ainda não tinham
proporcionado a criação do Direito Internacional dos Refugiados, as soluções
se davam ou pela concessão de asilo, ou pelo procedimento de extradição,
conjugado com o Direito Penal Internacional. De qualquer modo, uma
mobilização internacional nunca se fizera necessária: sempre houvera espaços
físicos e intelectuais a serem preenchidos e, a grosso modo, os Estados viam
com bons olhos uma adição de elementos, economicamente bem situados e
com disposição de trabalho, à sua população. Não obstante o panorama,
estava em curso de mudança.Tanto que os imigrantes, que antes eram bemvindos pelos Estados sem que sofressem nenhuma discriminação, passaram a
ser em sua maioria desencorajados.
O refúgio é indicado por meio de três fases distintas. A primeira fase, ocasionada
entre os anos de 1921 a 1938, oferecia abrigos de forma material e legal. Tal fato
acontecia justamente pela diversa necessidade que o mundo tinha de abrigar os
atingidos pelas guerras. Já na segunda fase já existia uma análise sucinta para que
acontecesse a obtenção da condição de refugiado, período originado entre 1938 a
1952. E por fim o terceiro momento que se inicia no ano de 1952 até os dias atuais.
_____________
10
ANDRADE, José H. Fischel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na proteção
internacional dos refugiados. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O Direito Internacional dos
Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 104.
19
Sobre o assunto, Guilherme Assis de Almeida11, faz um breve relato histórico,
envolvendo o Brasil na esfera Internacional, considerando grandes acontecimentos
relacionados ao refúgio:
15 de Julho de 1952: Brasil assina a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado
de 1951.
28 de Janeiro de 1961: Decreto 50.215 promulga a Convenção sobre o
Estatuto do Refugiado de 1951, no ordenamento jurídico brasileiro. É feita uma
“reserva geográfica”, ou seja, o Brasil só aceita refugiados vindos do Continente
Europeu.
08 de Agosto de 1972: 70.946 promulga o Protocolo de 1967, que passa a
integrar o ordenamento jurídico brasileiro.
1977: Primeira missão do ACNUR, no Brasil (esta missão instala-se na cidade
do Rio de Janeiro). Nesta época, em plena Ditadura Militar, a atividade do
ACNUR limita-se a reassentar, em um terceiro país de asilo, buscadores de
asilo vindos de países da América do Sul:Chile, Argentina,Uruguai e Paraguai.
1979-80: 150 vietnamitas são acolhidos. Não lhes é concedido o estatuto de
refugiado (por causa da reserva geográfica), mas um estatuto migratório
alternativo lhes é dado.
1982: Presença do ACNUR enquanto Organização Internacional é oficialmente
reconhecida pelo Governo Brasileiro.
1986: Brasil acolhe 50 famílias Bahai’s aproximadamente 20 pessoas,
perseguidas no Irã, por razões religiosas. Por não poderem receber o estatuto
de refugiado ( em razão da reserva geográfica), são reconhecidos como
asilados.
1989: Escritório do ACNUR é transferido para Brasília. No final deste ano
(1989), levanta-se a clausula de reserva geográfica.
1992-1994: Brasil acolhe cerca de 1.200 angolanos que são obrigados a deixar
seu país logo após o final das eleições. Apesar de não serem re refugiados, de
acordo com a definição de 1951, o Governo Brasileiro concede-lhes o estatuto
de refugiado aplicando a Declaração de Cartagena que prevê a concessão do
estatuto de refugiado devido “à grave e generalizada violação de direitos
humanos”.
1996: Projeto de Lei estabelece a incorporação da Convenção de 1951 ao
Direito Brasileiro é sancionada e promulgada pelo Presidente da República.
1997: A Lei 9.474/97 que implementa a Convenção sobre o Estatuto do
Refugiado de 1951 ao Direito Brasileiro é sancionada e promulgada pelo
Presidente da Republica.
1998: Na festa comemorativa dos Direitos Humanos toma posse a
Coordenadoria do CONARE ( Comitê Nacional para Refugiados) que tinha
como Presidente a Dra. Sandra Valle( secretaria Nacional de Justiça do
Ministério da Justiça). O CONARE é o órgão do Governo brasileiro, responsável
pela elegibilidade dos “casos individuais”, bem como da elaboração das
políticas públicas para os refugiados. O CONARE é formado por representantes
o Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da
Educação, do Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde, Departamento da
Policia Federal, Organização não-governamental ligada a temática dos
Refugiados (Cáritas Brasileira) e o Alto Comissariado das Nações Unidas
(ACNUR), como membro convidado, mas sem voto.
_____________
11
ALMEIDA, Guilherme Assis de. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de
Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 156-158.
20
O século XX é destinado pela preocupação mundial a cerca dos refugiados. No
ano de 1951, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR), é um órgão subsidiário a Assembléia Geral da ONU, com o objetivo de
ajudar todos os refugiados do mundo todo.
As organizações criadas vislumbravam a definição do estatuto dos refugiados,
que de modo particular contribuíram para o desenvolvimento da proteção a tais
pessoas. Com o entendimento das perspectivas históricas, hoje podemos ter uma visão
dos fatos que acarretaram a origem dos refugiados do mundo inteiro.
1.3 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL
A origem da legislação Internacional a cerca da situação dos refugiados, se
expandiu em razão da primeira guerra mundial, motivo pelo qual a comunidade
internacional deu inicio a sua mobilização na busca da proteção aos refugiados, com a
criação da Liga das Nações, órgão de institucionalização para a proteção dos
refugiados. Criada no ano de 1920, com a finalidade de mobilização da paz,
cooperação, e a segurança internacional.
Segundo o entendimento de Luciano Pestana Barbosa12, sobre o referido
assunto:
A convenção da Liga das Nações ainda estabelecia sanções econômicas e
militares a serem impostas pela comunidade internacional aos Estados que
violassem suas obrigações, o que representou uma redefinição do conceito de
soberania estatal absoluta, e, embora ela tivesse preocupado com a proteção
de outros grupos hostilizados no mundo, como por exemplo, os indigentes
estrangeiros, é preciso dizer que sobretudo, por meio dela que a comunidade
internacional iniciou o enfrentamento do problema mundial representado pelos
refugiados.
De fato, a necessidade da criação de uma instituição de proteção aos refugiados
era exigida, principalmente ao iniciarem-se os trabalhos, foram verificadas as
_____________
12
BARBOSA, Luciano Pestana. A Polícia Federal e a proteção Internacional dos refugiados.
Brasília: 2007, p. 14.
21
dificuldades que os refugiados traziam consigo como o abandono do país de origem por
motivos de perseguição e o fator de não possuir uma nacionalidade, ocasionando assim
o não reconhecimento por nenhum país, tornando o que chamamos de indigentes ou
indocumentados. Este fato impedia que fossem recebidos ou repatriados por outros
países, porque não tinham origem nacional legal.
José Fischel de Andrade 13 aduz tal entendimento:
Deparou-se a Liga com vários fluxos de refugiados durante a sua existência:
russos, armênios, assírios, assírio-caldeus, turcos, alemães, etc. Para
solucionar os problemas que surgiam num contexto europeu marcado pela
discórdia e ressentimento, promoveu a Liga das Nações, o estabelecimento de
distintos “organismos internacionais” que, com competências especificas,
ocupavam-se de assistir e auxiliar os refugiados. Paralelamente, concluíam-se
“tratados internacionais”- de acordos, ajustes, convenções- que objetivavam
precisamente definir o “termo” refugiado, assim como estabelecer qual seria seu
estatuto jurídico.
Então, com o surgimento dessa necessidade de criação de outros órgãos
compromissados com a problemática dos refugiados que, no ano de 1951, foi aprovada
a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, que já em seu artigo 1º estabelece:
Art. 1º Definição do termo “refugiado”
Para fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer
pessoa:
(...)
2) Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro
de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua
nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da
proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade encontra-se fora do
país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais
acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.
(...)
B. 1) Para os fins da presente Convenção, as palavras "acontecimentos
ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951", do art. 1º, seção A, poderão ser
compreendidos no sentido de
a) "acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa"; ou
b) "acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa ou
alhures";
Neste esteio, explicita Flávia Piovesan14, que:
_____________
13
14
ANDRADE, José H. Fischel. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de
Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 99.
PIOSEVAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O
Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 32.
22
A convenção de 1951 estabeleceu uma limitação temporal e geográfica, uma
vez que a condição de refugiado se restringia aos acontecimentos ocorridos
antes de 1º de janeiro de 1951 no continente Europeu. Isto significa que os
refugiados somente eram assim reconhecidos se o fossem em decorrência de
episódios ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951. Embora aplicável a milhares
de pessoas- já que até a década de 50 a maioria dos refugiados era européiatal definição mostrou inoperante com o decorrer do tempo.
A de se perceber que a definição da Convenção de 1951, foi conceituada com
algumas restrições, com os acontecimentos anteriores e posteriores a guerra.
Pensando assim, com a finalidade de ampliar a definição de refugiados, que no ano de
1967 foi criado um protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados:
PROTOCOLO DE 1967
RELATIVO AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS*
Os Estados Partes no presente Protocolo,
Considerando que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados assinada
em Genebra, em 28 de julho de 1951 (daqui em diante referida como a
Convenção), só se aplica às pessoas que se tornaram refugiados em
decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951,
Considerando que, desde que a Convenção foi adotada, surgiram novas
categorias de refugiados e que os refugiados em causa podem não cair no
âmbito da Convenção,
Considerando que é desejável que todos os refugiados abrangidos na definição
da Convenção, independentemente do prazo de 1 de Janeiro de 1951, possam
gozar de igual estatuto.
A
definição de refugiado foi estendida a outras categorias, e tanto de acordo com
a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, refugiado é aquele sofre fundado temor
de perseguição, por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em
determinado grupo social ou opiniões políticas.
Ainda sob o entendimento de Flávia Piovesan
“(...) a definição ampliada e a definição clássica de refugiados não devem ser
consideradas como excludentes e incompatíveis, mas, pelo contrario,
complementares. O conceito de refugiado, tal como é definido na Convenção e
no Protocolo, apresenta uma base jurídica apropriada para a proteção universal
dos refugiados. Contudo, isso não impede a aplicação de um conceito de
refugiado mais extenso, a ser considerado como um instrumento técnico efetivo
para facilitar a sua aplicação ampla e humanitária em situações de fluxos
15
maciços de refugiados.”
_____________
15
PIOSEVAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O
Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 32.
23
Portanto com o intuito de coadunar com os aspectos aqui apresentados em
relação a legislação Internacional, faz-se mister a declaração da autora Eva Demant:16
Em 1951, após três anos de discussões e negociações no âmbito da
comunidade internacional, entrou em vigor a Convenção da ONU sobre o
Estatuto dos Refugiados, que definiu a condição de refugiado, estabeleceu o
principio da não devolução (ou non-refoulement) e determinou padrões mínimos
para o tratamento de refugiados, incluindo seus direitos básicos e seus deveres
para com o país que os recebe. (A mesma convenção, que posteriormente foi
aprimorada por seu Protocolo Relacionado ao Estatuto de 1967), requeria de
seus Estados signatários o compromisso de cooperar e fazer valer os princípios
determinados.
Não obstante, em 1984, foi desenvolvida a Declaração de Cartagena, com o
objetivo de proteger os refugiados da América Central. Este documento demonstrava as
diferenças dos refugiados da Europa e da África, dos que vivam na África Latina,
adaptando a definição à região.
A declaração de Cartagena estendeu o conceito da Convenção de 1951 e
apontou idéias inovadoras quanto ao reassentamento de refugiados na América,
atendendo aos aspectos locais regionais:
As pessoas que tenham fugido de seus países porque a sua vida, segurança ou
liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão
estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou
outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.
Outros instrumentos legais foram sendo construídos no âmbito da proteção dos
refugiados, sendo percebido o âmbito da necessidade, em relação do estabelecimento
de mecanismos de direitos a serem usufruídos pelos refugiados. Na America Latina,
países responderam positivamente a este desafio. Eva Demant esclarece tal assunto:
“(...) A região entre os anos 60 e 80 experimentou governos militares, regimes
ditatoriais e conflitos civis, possui, hoje, legislação abrangente que promove
vários procedimentos de refúgio. Diferentes países têm buscado fortalecer seu
marco legal e sua capacidade de processar solicitações de refúgio, como
também melhorar sua habilidade em identificar refugiados entre fluxos
17
migratórios, garantindo o acesso aos procedimentos de asilo.”
E para finalizar, certos entendimentos, em relação a proteção Internacional dos
Refugiados, o Brasil se transformou em um dos países que possui uma das legislações
_____________
16
17
DEMANT, Eva. Refúgio, Migrações e Cidadania. Caderno de Debates 4. Estado: Editora, 2009, p.
29.
DEMANT, Eva. Refúgio, Migrações e Cidadania. Caderno de Debates 4. Estado: Editora, 2009, p.
29.
24
mais inovadoras e atualizadas do mundo, quanto aos refugiados. Tal Lei, a 9.474/97,
adota um conceito amplo, inspirado na Declaração Cartagena. Com o resultado da lei
foi criado no ano de 1998, um Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) com o
intuito de coordenar, verificar o processo da condição de refugiado e dar assistência
jurídica aos mesmos.
Por fim, resta consignado o entendimento que existe uma Legislação
Internacional com a finalidade de efetuar as garantias voltadas a proteção dos
refugiados no Brasil e no mundo.
1.4 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS-ACNUR
Em Dezembro de 1950 foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados- ACNUR, por meio da Resolução nº 428 da Assembléia das Nações
Unidas, com objetivos primordiais de providenciar a proteção internacional e de buscar
soluções a problemática dos refugiados. Logo em seu artigo terceiro, dispõe que o
ACNUR, deverá trabalhar de maneira apolítica, humanitária e socialmente.
José Roberto Sagrado da Hora,18 relata as funções do ACNUR
Ao ACNUR foram designadas as funções primordiais de providenciar a proteção
Internacional e buscar soluções permanentes para o problema dos refugiados,
desenvolvendo um trabalho profundamente humanitário e cujo inicio das
atividades deu-se em 1º de janeiro de 1951, um mandato inicial de três anos,
sendo nomeado como encarregado o Dr. Gerrit Goedhart.
A missão do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados explica
que a sua finalidade é a redução das situações de deslocamento forçado, encorajando
os países e outras instituições a criar condições condizentes com a proteção dos
direitos humanos e com a resolução pacífica de conflitos. Perseguindo esse objetivo, o
ACNUR procura ativamente a consolidação da reintegração dos refugiados que
_____________
18
HORA, José Roberto Sagrado da. A Polícia Federal e a proteção Internacional dos refugiados.
Brasília: Editora, 2007, p. 18.
25
regressam aos seus países de origem, procurando prevenir a recorrência de situações
que gerem novos refúgios19.
O artigo 1º do Estatuto do ACNUR dispõe, in verbis:
Art. 1º. O Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, atuando sob
a autoridade da Assembléia Geral, assumirá a função de proporcionar proteção
internacional aos refugiados que reúnam as condições previstas no presente
Estatuto, e de buscar soluções permanentes para o problema dos refugiados,
ajudando aos governos e, dependendo da aprovação dos governos
interessados, às organizações privadas a facilitar a repatriação voluntaria de
tais refugiados, ou a sua absorção nas novas comunidades nacionais.
O Estatuto do ACNUR enfatiza o caráter humanitário e estritamente apolítico do
seu trabalho, e tem como definição a competência da agência representar e apoiar a
qualquer pessoa que encontrar-se fora de seu país de origem e não pode (ou não quer)
regressar ao mesmo "por causa de fundados temores de perseguição devido à sua
raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião
política”. Definições mais aprofundadas ao termo refugiado passaram a considerar
quem teve que deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e
violação massiva dos direitos humanos.
Nesse sentindo, ressalta Fridtjof Nansen20, que:
O ACNUR iniciou o seu trabalho logo após a Segunda Guerra Mundial, mas os
esforços concertados ao nível internacional para assistência aos refugiados
começaram a desenvolver-se no período entre guerras. Os violentos conflitos e
tumultos políticos entre 1919 e 1939 desenraizaram mais de cinco milhões de
pessoas só na Europa, nomeadamente russos, gregos, turcos, armênios,
judeus e republicanos espanhóis.
Atualmente, estima-se que mais de 30 milhões de pessoas estão sob o mandato
do ACNUR, entre solicitantes de refúgio, refugiados, apátrias, deslocados internos e
repatriados. Estas populações estão distribuídas em todos os continentes. O orçamento
atual da agência é de US$ 1,13 bilhão por ano. Diferentemente das demais agências da
ONU, o ACNUR se mantém por meio de contribuições voluntárias de países doadores.
Sendo assim, a agência precisa desenvolver grandes campanhas de captação de
recursos. Os fundos indispensáveis para a sobrevivência de milhões de pessoas são
_____________
19
20
ACNUR. Disponível em< http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/a-missao-do-acnur/>.
Acesso em 25 mai. de 2010.
NANSEN, Fritjof. A situação dos refugiados no mundo, Cinqüenta anos de acção humanitária.
ACNUR. Estado: Editora, ano, p. 15.
26
buscados junto à comunidade internacional, ao setor privado e a doadores particulares
em todo o mundo. No Brasil, o ACNUR atua em cooperação com o Comitê Nacional
para os Refugiados (CONARE), ligado ao Ministério da Justiça. Além da proteção física
e legal, os refugiados, no país têm direito à documentação e aos benefícios das
políticas públicas de educação, saúde e habitação, entre outras. Para garantir a
assistência humanitária e a integração dessa população, o ACNUR também trabalha
com diversas ONGs no país. 21
Cabe destacar que o ACNUR, não ajuda somente os refugiados, como também
os repatriados, deslocados e requerentes de refúgio e apátridas. Busca apoiar os
Estados, no sentido de criação efetiva para a proteção dos direitos humanos e
especificar soluções conflitantes em torno dos refugiados.
O Comitê Executivo do ACNUR (atualmente com 72 Estados Membros)
estabelece orientações não vinculativas que podem ser úteis a este respeito.
Em
algumas situações, o ACNUR pode reconhecer o status de refugiado. Isso acontece em
países que não são signatários de quaisquer instrumentos internacionais relativos a
refugiados, quando autoridades nacionais pedem ao ACNUR para assumir essa função
ou nos casos em que a determinação do status pelo ACNUR é indispensável para
garantir proteção e assistência22.
No Brasil, há atualmente 4.239 refugiados reconhecidos pelo governo (2009),
provenientes de 75 países diferentes. As mulheres constituem o 30% dessa população.
A maioria dos refugiados está concentrada nos grandes centros urbanos do país. O
Brasil é internacionalmente reconhecido como um país acolhedor. Mas aqui também o
refugiado encontra dificuldades para se integrar à sociedade brasileira. Os primeiros
obstáculos são a língua e a cultura. Os principais problemas são comuns aos
brasileiros: dificuldade em conseguir emprego, acesso à educação superior e aos
serviços públicos de saúde e moradia, por exemplo. O escritório do ACNUR no Brasil
localiza-se em Brasília. A agência atua em cooperação com o Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), ligado ao Ministério da Justiça. Além disso, para garantir a
_____________
21
22
ACNUR. Disponível em< http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/a-missao-do-acnur/>.
Acesso em 25 mai. de 2010.
ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/perguntas-erespostas/?L=type=100?tx_acnurgooglecs_pi1[gcs_q]=costa>. Acesso em 25 mai. 2010.
27
assistência humanitária e a integração dos refugiados, o ACNUR atua também em
parceria com diversas organizações não-governamentais (ONGs) em todo o país. São
elas a Associação Antônio Vieira (ASAV), a Cáritas Brasileira, a Cáritas Arquidiocesana
do Rio de Janeiro, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, o Centro de Direitos
Humanos e Memória Popular (CDHMP) e o Instituto Migrações e Direitos Humanos
(IMDH).23
Nos dias atuais, o Presidente do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados é António Guiterres, eleito no ano de 2005. Ex- primeiro Ministro de
Portugal, António, foi eleito pela maioria absoluta da Assembléia Geral da ONU, para
cumprir mandato de cinco anos. Na sua direção, ganhou duas vezes ao prêmio Nobel
da Paz.
Para finalizar, tais esclarecimentos referentes ao ACNUR podem adentrar em o
seu principal propósito que é assegurar os direitos e bem estar de refugiados, como
objetivo final da busca de soluções duradouras que os permitam reconstruírem suas
vidas com paz e dignidade. Neste sentido, o ACNUR pode ajudar oferecendo três
soluções para os refugiados: repatriação voluntária, integração local e reassentamento
em um terceiro país, em situações nas quais seja impossível para um refugiado voltar
ao seu país de origem ou permanecer no país de refúgio.
Todos os anos, ao redor do mundo, o ACNUR ajuda refugiados a alcançar uma
destas soluções. Contudo, para milhões de refugiados e um número ainda maior de
pessoas deslocadas em seu próprio país, estas soluções não são uma realidade
tangível. O ACNUR tem procurado dar visibilidade a estas situações de refúgio
prolongado numa tentativa de buscar soluções adequadas.Em muitos casos, a
ausência de soluções de longo prazo agrava problemas relacionados à proteção.24
_____________
23
24
ACNUR. Disponível em< http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/a-missao-do-acnur/>.
Acesso em 25 mai. de 2010.
ACNUR. Disponível em:< http://www.acnur.org/t3/portugues/a-quem-ajudamos/solucoesduradouras/>. Acesso em 25 mai. 2010.
28
1.5 DIFERENÇAS ENTRE ASILO POLÍTICO E REFÚGIO
Ao adentrar nesta discussão, se faz necessária a explicação da diferença entre
asilo político e o refúgio político, para melhor entendimento do assunto em questão.
Ao contrário do refúgio, o asilo pode ser territorial, quando o Estado se
disponibiliza a proteção, acolhendo a pessoa em seu território nacional. Discorrendo
sobre o assunto, a Convenção sobre asilo Diplomático, de março de 1954 nos fala:
Art. 5º. O asilo só poderá ser concedido em casos de urgência e pelo tempo
estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com garantias
concedidas pelo Governo do Estado territorial, a fim de não correrem perigo de
vida, sua liberdade ou integridade pessoal, ou para que de outra maneira o
asilado seja posto em segurança.
Art. 6º. Entende-se por casos de urgência, entre outros, aqueles que o individuo
é perseguido por pessoas ou multidões que não possam ser contidas pelas
autoridades, ou pelas próprias autoridades, bem como quando se encontre em
perigo de ser privado de sua vida ou de sua liberdade por motivos de
perseguição política e não possa, sem risco, pôr-se em outro modo de
segurança.
Em outras palavras, compartilhando do mesmo entendimento, Alexandre de
Moraes assim define o asilo político:
Asilo Político no acolhimento de estrangeiro por parte de um Estado que não o
seu, em virtude de perseguição por ele sofrida e praticada ou por seu próprio
país ou, ainda por terceiro. As causas motivadoras dessa perseguição,
ensejadora de concessão do asilo, em regra, são: dissidência política, livre
manifestação de pensamento ou, ainda, crimes relacionados com a segurança
25
do Estado, que não configurem delitos no direito penal comum.
O autor Luciano Pestana Barbosa26 assinala duas principais diferenças e
semelhanças relacionadas ao asilo e ao refúgio:
-O asilo representa um instituto convencionado regionalmente, estabelecido
entre países latino-americanos, enquanto que o Refúgio é um instituto
convencionado mundialmente;
-O asilo pode ser concedido no próprio país de origem do peticionário. Para a
concessão do Refúgio, é condição essencial que a pessoa encontre-se fora de
seu país de origem;
_____________
25
26
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, p. 72.
BARBOSA, Luciano Pestana. A Polícia Federal e a proteção Internacional dos refugiados.
Brasília: Editora: 200, p. 30.
29
- A concessão do Asilo representa o exercício de um ato soberano próprio dos
Estados, possuindo caráter constitutivo, enquanto que a resolução que concede
Refúgio a um peticionário possui um caráter propriamente declaratório;
-As convenções de Asilo não prevêem nenhum organismo encarregado de seu
cumprimento ou supervisão, nem o Estado recebe- em geral- assistência
mediante programas da ACNUR;
- Apesar de o Asilo possuir previsão legal em diversas convenções regionais
interamericanas, não possui uma definição tão clara quanto à estabelecida para
o Refúgio, através do disposto pela Convenção de 1951;
- O asilo é um instituto que nasceu como proteção frente a uma perseguição
atual e presente, contra uma pessoa(nos termos da Convenção sobre Asilo
Territorial de Caracas de 1954), enquanto que para o Refúgio é suficiente o “
fundado temor de perseguição”;
-As causas que motivam a concessão de Asilo são mais limitada que as que
dão lugar ao Refúgio, pois a qualificação da delinqüência política pertence ao
Estado que concede o Asilo;
-Também constitui uma diferença importante a que consiste em que, ao decidir
um Estado se concede ou não Asilo, não lhes interessa se o perseguido tenha
atuado contra as finalidades e princípios da ONU, o que, no caso do Refúgio,
seria uma causa de exclusão.
Dessa maneira, existe a possibilidade também de se verificar importantes
semelhanças ter o Asilo e Refúgio, ainda de acordo com o autor Luciano Barbosa
Pestana, que assim esclarece:
-estão relacionados com a proteção da pessoa humana sujeita à perseguição e
coincidem em seu caráter humanitário;
-não excluem possibilidade de extradição
-não se sujeitam a reciprocidade.
O asilo político recebe previsão na Constituição Federal Brasileira de 1988, sem
seu artigo 4º:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político (grifo meu)
Ainda sobre a diferença entre asilo político e refugio, Guilherme Assis de
Almeida, nos fala:
O asilo é gênero que possui duas espécies: o asilo político e o estatuto do
refugiado. Uma diferença essencial entre asilo político e o estatuto do refugiado
refere-se ao âmbito de sua aplicação. O asilo político é um instituto jurídico da
30
America Latina, enquanto o Estatuto do Refugiado faz parte do Direito
Internacional.
Flávia Piosevan27 define o instituto do asilo:
O instituto do asilo na acepção latino-americana encontra seu fundamento
contemporâneo no artigo 22 da Convenção Americana de Direitos Humanos de
1969, que dispõe: “Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em
território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns
conexos com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e
com as Convenções internacionais.”
Como acima mencionado o asilo é na acepção regional latino americana e o
refúgio é recepcionado de maneira global. Mesmo que sejam institutos diferentes,
buscam ambos tem mesma finalidade que a proteção da pessoa humana.
Ainda nas palavras de Flávia Piosevan28, sobre a diferença entre asilo e refúgio:
Ao tecer diferenças entre o asilo e o refúgio, vislumbra-se inicialmente que o
refúgio é um instituto jurídico internacional, tendo alcance universal e o asilo é
um instituto jurídico regional, tendo alcance na região da America Latina. O
refúgio, como já examinado, é medida essencialmente humanitária, enquanto
asilo é medida essencialmente política. O refúgio abarca motivos religiosos,
raciais, de nacionalidades, de grupo social e de opiniões políticas, enquanto
29
que o asilo abarca apenas os crimes de natureza política
Finalizando os presentes esclarecimentos, existem algumas diferenças entre a
instituição do asilo e do refúgio, como acima demonstrados. Evidencia-se, portanto que
embora assemelhados, tratam fundamentalmente a proteção da pessoa humana. Tal
fator é inconfundível.
_____________
27
28
29
PIOSEVAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O
Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 55.
PIOSEVAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia de Almeida. O
Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 57.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 33.ed. Ed. São Paulo: Malheiros,
2010. “O asilo político é o recebimento de ingresso de indivíduo, para evitar punição ou perseguição
no seu país de origem por delito de natureza política e ideológica. Cabe ao Estado a classificação da
natureza do delito e dos motivos de perseguição. É razoável que assim o seja, porque a tendência do
Estado do asilado é a de negar a natureza política do delito imputado e dos motivos da perseguição,
para considerá-lo como crime comum”.
31
1.6 PRINCÍPIO DO NON-REFOULEMENT
Com as sábias palavras de José Francisco Sieber Luz Filho (2001, p. 179) é
esclarecedor, senão vejamos:
Compreende-se como princípio de non-refoulement um princípio de direito
internacional dos refugiados, segundo o qual o solicitante de refúgio não poderá
ser encaminhado a um país onde o mesmo possa sofrer, ou já sofre, uma
perseguição ameaçadora ou violadora de seus direitos fundamentais.
Sobre o assunto, o artigo 33 da Convenção de Genebra de 1951 do Estatuto dos
Refugiados, nos fala:
Artigo 33- Proibição de expulsão ou de rechaço: (1) Nenhum dos Estados
Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as
fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada
em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a
que pertence ou das suas opiniões políticas.
Para melhor entendimento, o termo non-refoulement é de origem francesa. No
direito Internacional o termo refoulement, significa ato jurídico em que um Estado
devolve um indivíduo que se encontra na jurisdição de outro Estado. É uma repulsa de
um Estado em referência a um refugiado em seu território. Querendo ou não é a
rejeição do Estado em relação ao refugiado instalado em seu território.
É proibida a aplicação do refoulement ao solicitante de refúgio. Logo, é de
caráter das autoridades imigratórias que avaliem as condições do refugiado, e do país
de origem do mesmo, para que eventuais problemas em torno da temática possam vir a
ocorrer.
Ainda nas sábias palavras de José Francisco Sieber Luz Filho30:
O princípio de non-refoulement aplica-se, portanto, diante da solicitação do
reconhecimento da condição jurídica de refugiado expressa pelo indivíduo
estrangeiro. É o momento da entrada do estrangeiro no território nacional, de
maneira que a rejeição do mesmo, ainda que não esteja em território nacional,
mas na fronteira ou em territórios internacionais, implica na violação do
_____________
30
LUZ FILHO, José Francisco Sieber. O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia
de Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 181.
32
princípio. Isso posto, imagine-se uma aeronave que, contendo passageiros
refugiados encontra-se em espaço aéreo internacional, ou espaço aéreo
nacional estrangeiro, e solicita permissão de pouso em aeroporto brasileiro; se
manifestada esta a intenção de solicitar refugio, a negativa da solicitação de
pouso em território nacional implica na violação do principio de nonrefoulement. O mesmo ocorre com embarcações.
Tal princípio consiste na proteção internacional, que garante que nenhum
indivíduo será levado ao país onde sofre a perseguição, país que originou a condição
de refugiado, ou qualquer outro risco presente que se trate do princípio do nonrefoulement. Assim, o Estado está obrigado a proteção Internacional nos termos dos
instrumentos jurídicos vigentes, a execução de tal comprometimento funda-se na
garantia do non-refoulement.
A Lei brasileira 9.474/97, sobre o assunto, nos mostra a sua função de proteção
internacional. Podemos verificar, no § 1º do artigo 7º, da Lei 9.474/97:
Artigo.7º- O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua
vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade
migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações
necessárias quanto ao procedimento cabível.
§1º- Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de
território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de
raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. (grifo meu)
José Francisco Sieber Luz filho, nos relata:31
Logo o benefício previsto no § 2º do artigo 7º diz respeito à proibição de
deportação, isto é, do refoulement. Entretanto, limitar expressão do refugiado
que traduz sua vontade em ter sua condição oficialmente reconhecida é atentar
contra o direito individual previsto no texto na Constituição da Republica,
igualmente, ferir os tratados internacionais de direitos humanos incorporados na
ordem jurídica brasileira. Por tal motivo, a autoridade migratória que colocar em
prática o refoulement através da aplicação do § 2º di artigo 7º da Lei 9.474/97 o
deverá fazer com fundamentação concreta e objetiva,não há que se falar aqui
em discricionariedade do poder público,mas sim em ato administrativo
subordinado ao preceito da Lei 9.474/97, regulamentadora do exercício da
proteção internacional do refugiado
Vale dizer que tal princípio não poderá ser invocado nos casos em que o
indivíduo represente perigo à segurança nacional. Trata-se, portanto de uma série de
_____________
31
LUZ FILHO, José Francisco Sieber.O direito de asilo e a proteção internacional. In: ARAÚJO, Nádia
de Almeida. O Direito Internacional dos Refugiados: Uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 182.
33
limitações do princípio do non-refoulement, a qual deve ser interpretada de acordo
com a Lei 9.747/97, para assim garantir a proteção internacional contra qualquer
ameaça a vida, a segurança e a liberdade do refugiado.
1.7 COMITÊ NACIONAL PARA REFUGIADOS-CONARE
O CONARE é um órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da
Justiça. Integram-no, além da sociedade civil e do ACNUR, cinco Ministérios e o
Departamento de Policia Federal. Não há dúvidas de que o Comitê executa um intenso
trabalho, dotado de um conteúdo humanitário irretocável, em prol dos refugiados e das
refugiadas acolhidas no Brasil.
O Direito Brasileiro, além de internalizar os instrumentos nacionais, instituiu a Lei
nº 9.474/97 que acolhe a definição ampliada de refugiados. Com a promulgação de tal
lei foi criado o CONARE (Comitê Nacional para os refugiados) que contribui na proteção
dos estrangeiros perseguidos ou abandonados por seu País de origem.
A competência do CONARE, esta relacionada em analisar as solicitações de
refúgio em primeira instância. Cabe ao Órgão, declarar a condição de refugiado, e
também a decisão em relação a cessação ou perda dessa condição. Além dos poderes
de julgamento, a Coordenação das ações relacionadas à proteção, à assistência, e ao
apoio jurídico aos refugiados. E, finalmente, a orientação e aprovação das instruções
normativas relacionadas ao texto da Lei dos Refugiados
Para o início do processo de requerimento de refúgio, são necessários apenas
dois documentos. O trâmite não é burocrático. Precisa-se do termo de declaração do
solicitante, no qual conste a sua intenção de refugiar-se no Brasil, lavrado pela
autoridade migratória, artigo 9º, cujo modelo foi instituído pelo CONARE n. 01, e o
questionário elaborado pelos Cáritas.
Os documentos acima mencionados devem ser enviados juntos, ao CONARE,
quais seja o termo de declarações do solicitante, lavrado pela autoridade migratória, e o
questionário assinado pelo próprio solicitante. O processo de reconhecimento da
34
condição de refugiado não tem grandes exigências burocráticas, ao contrário, uma vez
instruídas, é decidido em uma única reunião plenária.
De acordo com a Lei 9.474/97, em seu art. 12, nos mostra as atribuições
relativas ao CONARE:
Art. 12. Compete ao CONARE, em Consonância com a Convenção sobre o
Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos
refugiados:
analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da
condição de refugiado;
decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento
das autoridades competentes, da condição de refugiado;
I-determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado;
II-orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência
e apoio jurídico as refugiados;
III-aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
O CONARE é o organismo público responsável em receber as solicitações de
refúgio no Brasil, e determinar se os solicitantes reúnem as condições necessárias para
serem reconhecidos como refugiados. Além disso, cabe ao CONARE a promoção e
coordenação de políticas e ações necessárias para uma eficiente proteção e
assistência aos refugiados, além do apoio legal. Aprova, ainda, os programas e
orçamentos anuais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR), quando direcionados ao Brasil.
É um órgão de deliberação coletiva formado por sete membros que representam
os ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde, Educação e Esporte, o
Departamento de Polícia Federal e uma organização não governamental, dedicada à
atividade de assistência e proteção aos refugiados no Brasil. O ACNUR é membro
convidado com direito à voz, mas sem direito a voto.32
Outorga às pessoas que reconhece como refugiados, documentação que lhes
permite residir legalmente no país, trabalhar e a ter acesso aos serviços públicos, tal
qual como a saúde, educação, e outros.
Dados relativos a coordenação-geral do CONARE, assevera que outorgou o
status de refugiado, até setembro de 2009, a 4.183 pessoas.33
_____________
32
33
WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%AA_Nacional_para_os_
Refugiados>. Acesso em 30 mai. 2010.
CONARE. Dados da Coordenação de acordo com o caderno de Debates 4. 2009. p.8.
35
Dessa forma, o CONARE, tem a contribuição de várias entidades, inclusive não
governamentais, de órgãos públicos nacionais e internacionais, como as Embaixadas,
por exemplo, mas é preciso ter em mente que, a favor do solicitante, há a presunção de
que suas informações sejam verdadeiras, já que em favor dele, milita a presunção de
veracidade.
36
CAPÍTULO 2 - A LEI N. 9.7474/97
2.1 NOTA INTRODUTÓRIA
A Lei 9.474/97 foi sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em
22 de Julho de 1997. “A data de sua vigência, de acordo com seu artigo 49, é a de 23
de julho de 1997. Neste dia, a Lei foi publicada na Seção I, às páginas 15822-15824, do
Diário Oficial da União de número 139. Esta Lei compreende oito títulos, dezessete
capítulos, três seções e 49 artigos. O primeiro título trata dos aspectos caracterizadores
do refúgio, vale dizer, do conceito, da extensão, da exclusão e da condição jurídica do
refugiado e da refugiada. O segundo título trata do ingresso no território nacional e do
pedido de refúgio. O terceiro título trata do CONARE. O quarto título trata do processo
de refúgio, ou seja, do procedimento, da autorização da residência provisória, da
instrução e do relatório, da decisão, da comunicação, do registro e do recurso. O quinto
título abrange os efeitos status de refugiado sobre a extradição e a expulsão, enquanto
que o sexto trata da cessação e da perda da condição de refugiado ou de refugiada. O
sétimo título trata das soluções duráveis, como é o caso da repatriação, da integração
local e do reassentamento. Finalmente, o oitavo título apresenta as disposições
finais.”34
2.2 CARACTERÍSTICAS
Logo no artigo 1º da Lei 9.474/97, como característica fundamental, está
claramente definido o conceito de refugiado, senão veja:
_____________
34
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 25
37
Artigo 1º - Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua
residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das
circunstâncias descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
A lei brasileira 9.474/97 é moderna, justamente porque logo em seu primeiro
artigo contempla as definições da ONU, em seus incisos I e II, e a contribuição latinoamericana, e no inciso III a conceituação de refugiado. Atualmente, no Brasil, a
importância de tal lei, é extrema uma vez que a mesma é que tem amparado os casos
de refugiados que chegam ao país. Tal lei ainda contempla os conceitos do Direito
Internacional dos Refugiados, assim como motivadora tripartite Governo, Sociedade
Civil e ACNUR.
Assim, podemos verificar o entendimento de Renato Zerbini Ribeiro Leão:35
À luz das reiteradas manifestações sobre o campo conceitual do refúgio,
consideradas pelo CONARE, é fundamental destacar que a determinação do
status de refugiado está intimamente vinculada a dois elementos presentes na
definição incorporada no inciso I: o elemento subjetivo e pessoal do temor de
perseguição, e o elemento objetivo que do fundamento a este temor, ou seja,
fatos que permitem avaliar a possibilidade da perseguição ao solicitante
realmente ocorrer. Ambos os elementos são levados em consideração pelo
CONARE na análise de casos específicos, e a caracterização do fundado temor
de perseguição se faz presente em varias de suas decisões.
O artigo 2º da referida Lei fala:
Art.2º. Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos
ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo
familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se
encontrem em território nacional.
Os princípios consagrados neste artigo dão a alternativa para que os refugiados
que se encontrem no Brasil, possam ter a oportunidade de manter o seu grupo familiar
de forma unida, desde que se encontre em território nacional. Tal artigo nasceu por
meio da Resolução Normativa nº 4, do CONARE, em 1º de dezembro de 1998. Assim,
o referido artigo é considerado uma extensão ao conceito de refugiado, possibilitando
assim, a chance de manter a sua família reunida.
_____________
35
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 26/27.
38
O artigo 3º explicita que:
Artigo 3º - Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:
I - já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição
das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados – ACNUR;
II - sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações
relacionados com a condição de nacional brasileiro;
III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a
humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de
drogas;
IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das
Nações Unidas
Assim, no artigo terceiro da referida lei, é demonstrado a impossibilidade de não
haver benefício para o refugiado. Renato Zerbini Ribeiro Leão, nos fala claramente,
sobre o assunto, senão vejamos:
A Lei 9.474/97 prevê, em seu artigo 3º, inciso II que, “não se beneficiarão da
condição de refugiado indivíduos que (II) tenham cometido crime (...) contra a
humanidade.” Entende-se também como este último, crime envolvendo
tratamento desumano à população civil em contexto de ataque, generalizado ou
sistemático. Incluindo homicídio, tortura, violência sexual e perseguição, entre
outros. A responsabilidade individual para crimes desse gênero decorre não
somente da participação física do indivíduo, mas também do conhecimento de
36
que sua ação ou omissão facilitara a conduta criminosa coletiva.
Neste sentindo Celso D. Albuquerque Mello37, aduz:
Crime de guerra- Os crimes de guerra são aqueles “praticados durante os
conflitos armados e que violam as normas de conduta dos beligerantes pelo
Direito Internacional.”
Os crimes contra a paz e humanidade- Entende-se por crime contra a paz “a
direção, a preparação e o desencadeamento ou prosseguimento de uma guerra
de agressão ou de uma guerra de violação dos tratados, garantias ou acordos
internacionais ou a participação num plano concertado ou num conluio para a
execução de qualquer um dos precedentes.” Já nos crimes contra a
humanidade seriam: “ assassinato, exterminação, redução à escravidão,
deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra populações civis,
antes e durante a guerra; ou então, perseguições por motivos políticos, raciais
ou religiosos, quando esses atos ou perseguições, quer tenham ou não
constituído uma violação do direito interno dos países onde foram perpetrados,
tenham sido cometidos em conseqüência de qualquer crime que entre na
competência do Tribunal ou uma ligação com o crime.
_____________
36
37
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 52.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos humanos e conflitos Armados. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997. p.421.
39
O artigo, ora em questão nos mostra as possibilidades da não concessão para a
condição de refugiado. Observadas as regras claramente previstas nos artigos, a
pessoa não poderá ser contemplada com o beneficio de refugiado.
Já o capítulo II da Lei, nos mostra a da condição jurídica de refugiado,
claramente vista nos artigos 4º ao 6º:
CAPÍTULO II
Da Condição Jurídica de Refugiado
Artigo 4º - O reconhecimento da condição de refugiado, nos termos das
definições anteriores, sujeitará seu beneficiário ao preceituado nesta Lei, sem
prejuízo do disposto em instrumentos internacionais de que o Governo
brasileiro seja parte, ratifique ou venha a aderir.
Artigo 5º - O refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres dos
estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na Convenção sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de
1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as leis, regulamentos e providências
destinados à manutenção da ordem pública.
Artigo 6º - O refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua
condição jurídica, carteira de trabalho e documento
Para melhor entendimento dos artigos 4º, 5º e 6º, Renato Zerbini Ribeiro Leão38,
explica:
O disposto nos três artigos constantes deste capítulo II, título I desta Lei,
confere ao refugiado e a refugiada reconhecidos pelo CONARE os direitos e
deveres constantes não só na Lei 9.474/97, como também aqueles positivados
nos tratados internacionais dos quais o Brasil é Estado Parte. Cabe menção
especial ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e ao Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1967 do âmbito das Nações Unidas, assim como à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa
Rica. Trata-se, sem dúvida, de um claro sinal da Lei em prol da convergência
das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana. Não há dúvida
de que seu corpo normativo está construído a partir da visão convergente
destes três ramos de proteção internacional.
Ainda na órbita da mesma Lei, em seu título II, já nos fala do ingresso no
Território Nacional, para posteriormente ser feito o pedido de refúgio:
Artigo 7º - O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua
vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade
migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações
necessárias quanto ao procedimento cabível.
§ 1º - Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de
território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.
_____________
38
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 55/56.
40
§ 2º - O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado por refugiado
considerado perigoso para a segurança do Brasil.
Artigo 8º - O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento
para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.
Artigo 9º - A autoridade a quem for apresentada a solicitação deverá ouvir o
interessado e preparar termo de declaração, que deverá conter as
circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões que o fizeram deixar o
país de origem.
Artigo 10 - A solicitação, apresentada nas condições previstas nos artigos
anteriores, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela
entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas de seu grupo
familiar que o acompanhem.
§ 1º - Se a condição de refugiado for reconhecida, o procedimento será
arquivado, desde que demonstrado que a infração correspondente foi
determinada pelos mesmos fatos que justificaram o dito reconhecimento.
§ 2º - Para efeito do disposto no parágrafo anterior, a solicitação de refúgio e a
decisão sobre a mesma deverão ser comunicadas à Polícia Federal, que as
transmitirá ao órgão onde tramitar o procedimento administrativo ou criminal.
O princípio de ingresso irregular no território brasileiro não constitui proibição
para a solicitação de refúgio. Outra questão de suprema importância, ainda em
referência ao artigo sétimo, se diz em relação ao §1º, que ressalta que o estrangeiro
não será mandado para seu país de origem ou para qualquer outro lugar em que sua
liberdade possa se encontrar ameaçada.
Para a permanência no Brasil, se faz necessário o desejo de solicitação de
refúgio para as autoridades competentes, que deverão ouvir o interessado e dar-lhe um
termo de declaração, que deverá conter as razões que o fizeram abandonar o seu país.
Quando a condição de refúgio, for atendida, e se posteriormente for verificado
que os fatos que levaram a causa de ingresso em território nacional justificam algum
procedimento administrativo ou criminal, efetuado pelo refugiado, tal processo será
arquivado, desde que a Policia Federal comunique ao órgão ao que tramite o
procedimento administrativo ou criminal.
A título de exemplo, da situação acima mencionada, faz jus, o sábio comentário
do ilustre autor Renato Zerbini Ribeiro Leão39:
São muitos os casos que demonstram que o CONARE assimilou esta norma
em suas decisões. O caso de um solicitante angolano ilustra bem esta situação.
O caso relata que o mesmo “vivia na província de Cabinda-Angola. Em razão
de seu pai ter integrado a da FLEC- Frente de Libertação do Enclave de
Cabinda- o solicitante cresceu assistindo o apoio da população em prol da
independência de Cabinda no período colonial, que cresceu após a
_____________
39
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 56/57.
41
independência de Angola. Em 1983, o movimento fundou seu braço armado, a
Fac- Forças Armadas de Cabinda e passou a se chamar FLEC-FAC. Com o
falecimento de seu pai em 2000, de causas naturais, o solicitante passou a
fazer parte do movimento, reunindo-se com membros da FLEC, fazendo
propaganda por meio da distribuição de panfletos. Na época teriam ocorrido
desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias. O solicitante foi perseguido
por opiniões políticas, chagando a ser baleado quando tentou fugir da polícia.
Após alguns meses hospitalizado, obteve um passaporte falso e decidiu fugir
para o Brasil. Aqui chegando foi preso por uso indevido de documentos falsos.
Do presídio, encaminhou um pedido de refugio à Càritas de São Paulo, que, por
sua vez, oficiou a Coordenação do Comitê e a Policia Federal. O solicitante foi
entrevistado no próprio presídio. Portanto, restou demonstrado que o acesso ao
procedimento de determinação do status de refugiado pode ultrapassar os
requisitos formais. Igualmente, o CONARE aplicou o disposto no artigo 8º da Lei
que dispõe sobre a possibilidade de acessar os procedimentos de refú gio,
mesmo que o solicitante tenha ingressado no País de forma irregular. A
solicitação de reconhecimento de refugiado foi atendida.
O título III da referida Lei, dentro dos artigos 11 aos 16, nos esclarece sobre a
importância e o papel, que exerce o CONARE- Comitê Internacional para Refugiados.
Entretanto, vale lembrar que as decisões do CONARE interferem diretamente na vida
de pessoas. A Lei 9.474/97 é firmada de princípios jurídicos de ampla defesa e do juízo
justo, prevê também que poderá haver a possibilidade de recurso, caso a solicitação de
refúgio possa vir a ser indeferida. As decisões acatadas pelo CONARE são
desempenhadas com precisão, em busca de informações que fundamentam as
solicitações feitas pelos refugiados.
No Título IV, está explicitado as fases de processo para reconhecimento do
refúgio no Brasil, estes claramente visíveis nos artigos 17 ao 20, assim disponíveis:
Artigo 17 - O estrangeiro deverá apresentar-se à autoridade competente e
externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado.
Artigo 18 - A autoridade competente notificará o solicitante para prestar
declarações, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos.
Parágrafo único - A autoridade competente informará o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados – ACNUR sobre a existência do processo de
solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a possibilidade de oferecer
sugestões que facilitem seu andamento.
Artigo 19 - Além das declarações, prestadas se necessário com ajuda de
intérprete, deverá o estrangeiro preencher a solicitação de reconhecimento
como refugiado, a qual deverá conter identificação completa, qualificação
profissional, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo
familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que fundamentem o pedido
de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes.
Artigo 20 - O registro de declaração e a supervisão do preenchimento da
solicitação do refúgio devem ser efetuados por funcionários qualificados e em
condições que garantam o sigilo das informações.
42
Na concepção de Luciano Pestana Barbosa40, sobre os artigos supracitados,
este nos relata:
O registro deve ser apresentado nas condições estabelecidas pelos artigos
iniciais do Título II da Lei 9.474/97, bem como deve haver manifestação de
vontade, de cunho personalíssimo, não podendo o processo de refúgio ser
iniciado de ofício.
Depois de recebido, o pedido será encaminhado ao CONARE, para análise e
decisão fundamentada, seja positiva ou negativa. (No primeiro caso, decidindose pelo reconhecimento, será expedida a declaração de reconhecimento
decisão declaratória), a qual produzirá efeito retroativo e permitirá o seu registro
no Departamento de Polícia Federal e conseqüente expedição da sua cédula de
Identidade de Estrangeiro.
No segundo caso, ou seja, de não reconhecimento, caberá recurso ao Ministro
de Estado da Justiça, esgotando-se a instância administrativa. Entretanto, face
ao preceito constitucional previsto no inciso XXXv, art. 5º, de que a “lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, o
solicitante, poderá ingressar com a medida judicial cabível, que poderá ser um
Mandado de Segurança, habeas corpus, ou ação declaratória.
O capítulo II, no título IV, prevê sobre a autorização de residência provisória, que
será efetuada depois de recebida a solicitação de refúgio, onde será emitida ao
solicitante e ao seu grupo familiar, uma autorização para permanência em território
brasileiro até que se verifique a decisão final do processo de estadia permanente ou
não.
Dentro ainda das prerrogativas do Capítulo III, ainda do Título IV, é falado sobre
a instrução e o relatório, que deverá ser enviado pela autoridade competente ao Comitê
Nacional para Refugiados- CONARE, estes relatórios são provenientes dos processos
relativos a solicitação de refúgio, assunto posteriormente discutido na pauta da próxima
reunião do colegiado.
Os artigos 26 aos 28 apresentam sobre a decisão de permanência do refugiado,
da comunicação ao solicitante e a elaboração do seu registro, que o caracteriza a
decisão de reconhecimento da condição de refugiado, assim observemos:
Artigo 26 - A decisão pelo reconhecimento da condição de refugiado será
considerada ato declaratório e deverá estar devidamente fundamentada.
Artigo 27 - Proferida a decisão, o CONARE notificará o solicitante e o
Departamento de Polícia Federal, para as medidas administrativas cabíveis.
Artigo 28 - No caso de decisão positiva, o refugiado será registrado junto ao
Departamento de Polícia Federal, devendo assinar termo de responsabilidade e
solicitar cédula de identidade pertinente.
_____________
40
BARBOSA, Luciano Pestana. A polícia Federal e a Proteção Internacional dos Refugiados.
Brasília: 2007, p.47.
43
De fato, conforme bem esclarecidos, os artigos acima, nos faz referência sobre a
possibilidade de permanência e os conseqüentes atos, que a autoridade competente irá
adotar em relação aos refugiados e as medidas administrativas cabíveis, para que a
estadia permanente se faça nas formas dos trâmites legais.
O Capítulo V, da supracitada Lei, nos mostra casos de possibilidades de
recursos, em situações que houve decisões negativas, para a permanência em território
brasileiro e para a condição de refúgio, assim vejamos:
Do Recurso
Artigo 29 - No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na
notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da
Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação.
Artigo 30 - Durante a avaliação do recurso, será permitido ao solicitante de
refúgio e aos seus familiares permanecer no território nacional, sendo
observado o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 21 desta Lei.
Artigo 31 - A decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de
recurso, devendo ser notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao
Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas.
Artigo 32 - No caso de recusa definitiva de refúgio, ficará o solicitante sujeito à
legislação de estrangeiros, não devendo ocorrer sua transferência para o seu
país de nacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanecerem as
circunstâncias que põem em risco sua vida, integridade física e liberdade, salvo
nas situações determinadas nos incisos III e IV do artigo 3º desta Lei.
Novamente, o ilustrado autor Renato Zernibi Ribeiro Leão41, nos mostra
comentários em relação ao recurso, que é uma possibilidade de verificação da
existência da condição do refugiado, assim vejamos:
De fato, no caso de um solicitante colombiano e a esposa, ”que alegavam sofrer
perseguição por parte de paramilitares, devido ao fato de uma vez terem na
condição de médicos, prestado a guerrilheiros das FARC”,a decisão foi
revertida em grau de recurso, em razão de que somente nesta etapa processual
lograram apresentar documentos capazes de ilustrar a perseguição alegada
para sustentar seus fundados temores de perseguição, consubstanciado-lhes a
credibilidade não constatada inicialmente.
Já no caso de um solicitante iraquiano, “ a decisão do CONARE foi pelo
indeferimento do pedido de refúgio em razão de não ter sido demonstrado, à
época, fundado temor de perseguição. Entretanto, em grau de recurso, o
solicitante demonstrou que a situação do Iraque, em momento posterior ao da
decisão inicial, caracterizava-se por uma grave e generalizada violação de
direitos humanos, o que induzia a temer por sua integridade. O ministro de
Estado da Justiça, ante avalanche de informações acerca da realidade
iraquiana do momento, acolheu a argumentação do solicitante e modificou a
decisão do CONARE.
_____________
41
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 61/62.
44
Para que se verifiquem as possibilidades de aceitação do recurso se faz
necessário, que o refugiado demonstre fundado temor de perseguição e mostre
também que a sua integridade encontra-se em risco. Analisando os fatos que cercam o
solicitante, a autoridade competente poderá reanalisar a situação, deferindo a
permanência do refugiado em território brasileiro.
O título V, da ilustrada lei, logo em seu capítulo I, dos artigos 33 aos 35, nos
relata sobre a situação da extradição e expulsão do refugiado político, quais sejam:
TÍTULO V
Dos Efeitos do Estatuto de Refugiados Sobre a Extradição e a Expulsão
CAPÍTULO I
Da Extradição
Artigo 33 - O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento
de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a
concessão de refúgio.
Artigo 34 - A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer
processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado
nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Artigo 35 - Para efeito do cumprimento do disposto nos artigos 33 e 34 desta
Lei, a solicitação de como refugiado será comunicada ao órgão onde tramitar o
processo da extradição.
Ainda em relação ao Título V, da citada Lei, esta, alvo de grandes debates
discursivos no que se refere ao assunto do refúgio, por parte do Supremo Tribunal
Federal-STF, Renato Zerbini Ribeiro Leão, nos fala: “...No inicio deste século, este
Título que trata dos efeitos do Estatuto de Refugiados sobre a Extradição e a
Expulsão, em seu capítulo I, teve seu artigo 33, o reconhecimento da condição de
refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos
que fundamentam a concessão de refugio e seu artigo 34. A solicitação de refúgio
suspenderá, até a decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em
fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de
refúgio questionada no âmbito daquela Corte. No Brasil, os casos de extradição são
regulados à luz da Constituição Federal e, por isso, são apreciados pelo Supremo
Tribunal Federal. Cabe ressaltar que os princípios da Lei 9.474/97 buscavam a
proteção internacional da pessoa, enquanto a extradição era um instituto de
cooperação judiciária entre os Estados. Assim, foi decidido que o refúgio deveria ter
prevalência e as disposições dos artigos 33 e 34 eram constitucionais, sendo que, no
tocante ao último, a suspensão do processo de extradição, diante da solicitação de
45
refúgio, poderia ocorrer inclusive nos pedidos de extradição já deferidos e não
efetivados administrativamente.” 42
Para melhor visualização do assunto em debate, trouxemos o caso de um
cidadão libanês43:
Nele o CONARE ao indeferir a solicitação de reconhecimento do status de
refugiado, assinalou o fato de que o pedido de refúgio não deve ser utilizado
como instrumento para provocar a extinção do processo de extradição. Neste
caso, “ a solicitação de extradição era formulada pelo Paraguai, que acusava o
solicitante de crimes de evasão de divisas, de associação criminal e de apologia
ao crime. O solicitante alegava que era um “troféu da guerra anti-terror” porque,
em realidade, os EUA pressionavam o governo paraguaio a entregá-lo pelo fato
de lhe terem imputado a prática de atividade de subvenção a grupos terroristas
na fronteira compartilhada entre Argentina, Paraguaia e Brasil. O Supremo
Tribunal Federal decidiu favoravelmente à extradição, excluindo o pedido, entre
outros, a apologia ao crime. O CONARE, neste caso, considerou tratar-se o
Paraguai de um Estado Democrático de Direito. Desta maneira, o solicitante
teria garantido, ante próprias instituições paraguaias, os preceitos de ampla
defesa. Assim sendo, não havia fundamentos capazes de sustentar o fundado
temor de perseguição,e, em conseqüência, o solicitante teve o seu pedido
indeferido e a extradição efetivada.
O capítulo II do Título V trata da expulsão, assim previsto nos artigos 36 e 37 da
Lei 9.474/97:
Da Expulsão
Artigo 36 - Não será expulso do território nacional o refugiado que esteja
regularmente registrado, salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem
pública.
Artigo 37 - A expulsão de refugiado do território nacional não resultará em sua
retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam estar
em risco, e apenas será efetivada quando da certeza de sua admissão em país
onde não haja riscos de perseguição.
Tais artigos são inspirados nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 33 da Convenção de
1951 da ONU sobre os Refugiados. Assim sendo, o artigo 37 prevê a consagração do
principio do “non-refoulement”, ou seja, da “não devolução” pela Lei 9.474/97. Este
princípio trata da não devolução do refugiado ou da refugiada para o país de origem,
onde a sua vida e integridade encontrava-se em eminente risco.
Renato Ribeiro Zerbini Leão44, nos fala:
_____________
42
43
44
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 67.
CONARE. Ministério da Justiça. Processo Ministério da Justiça: 08280.00092/2003-91, p.154.
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 107.
46
Portanto, pelo seu caráter vital, ele é pedra angular da proteção internacional
do refugiado e, por isso, está consagrado no § 1º do artigo 33 da Convenção de
1951. O Brasil, além dos diplomas legais já mencionados, está obrigado a
respeitar este princípio conforme o disposto no artigo 22.8 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.
Cumpre ainda esclarecer que à luz do entendimento do CONARE, em relação ao
referido capítulo, o fato de que seu campo de tratamento é o da expulsão e não o da
deportação. Assim sendo, esta norma garante o direito à vida do refugiado ou da
refugiada em qualquer circunstância.
A ilustrada Lei, também fala da cessação e da perda da condição de refugiado,
logo visualizada no artigo 38, que assim dispõe:
Da Cessação da Condição de Refugiado
Artigo 38 - Cessará a condição de refugiado nas hipóteses em que o
estrangeiro:
I - voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional;
II - recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida;
III - adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do país cuja nacionalidade
adquiriu;
IV - estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, nos país que abandonou
ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido;
V - não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional
por terem deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi
reconhecido como refugiado;
VI - sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua
residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias
em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado.
As hipóteses normativas previstas para a declaração da cessação da condição
de refugiado e de refugiada no Brasil estão disponíveis no artigo 38 desta Lei. Assim, é
claramente previsto que nos quatro primeiros incisos a questão que envolve a
voluntariedade do refugiado em buscar a proteção do país do qual é nacional ou que o
que tenha abandonado, assim como está presente nos aspectos relativos à aquisição e
à recuperação da nacionalidade. Assim, no que tange ao aspecto do inciso V,
embasada na transitoriedade do instituto do refúgio, o Brasil deixa de aplicar a
reapatriação forçada, consagrando apenas a voluntária.
Também, no capítulo II, é relata da perda da condição de refugiado,
expressamente previsto no artigo 39 da supracitada Lei:
A Perda da Condição de Refugiado
Artigo 39 - Implicará perda da condição de refugiado:
47
I - a renúncia;
II - a prova da falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da
condição de refugiado ou a existência de fatos que, se fossem conhecidos
quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa;
III - o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem
pública;
IV - a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.
Parágrafo único - Os refugiados que perderem essa condição com fundamento
nos incisos I e IV deste artigo serão enquadrados no regime geral de
permanência de estrangeiros no território nacional, e os que a perderem com
fundamento nos incisos II e III estarão sujeitos às medidas compulsórias
previstas na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980.
Declarar a perda da condição de refugiado e de refugiada é uma difícil decisão a
ser tomada pelo Comitê, pois está se retirando destas pessoas a condição de refugiado
que lhes outorga proteção internacional. Assim, o CONARE busca cerca-se de todos os
elementos, fáticos e teóricos, capazes de lhe permitir uma decisão justa.
Renato Ribeiro Zerbini Leão opina sobre o assunto:
Os casos decididos pelo CONARE com relação à perda do instituto do refúgio
são caracterizados pela irrefutabilidade dos fatos que fundamentam esta
decisão. Por exemplo, no caso de um refugiado cidadão etíope. O Comitê
decidiu pela perda de seu status de refugiado após comprovar “ o seu desejo
manifesto em não mais receber a proteção do Governo Brasileiro.” A decisão
teve como mote circunstancial o fato do então refugiado abandonar o Brasil
rumo ao Canadá sem autorização do Comitê, conforme preceitua a Resolução º
5/99. Assim, com fulcro no inciso IV deste artigo 39, o Comitê decretou a perda
da sua condição de refugiado amparado pela Lei 9.474/97.
A renúncia da condição de refugiado expressa pelo interessado também enseja
na perda do seu status, à luz do disposto no inciso I do referido artigo. O inciso III
também prevê a perda da condição de refugiado devido ao exercício de atividades
contrárias a segurança nacional ou a ordem pública. As possibilidades que podem ser
elencadas com fulcro inquestionáveis. Por exemplo, o enquadramento neste inciso,
aliado as disposições do inciso IV, fundamentou que a perda da condição de um
refugiado liberiano, que foi declarada “após a ciência por parte do Comitê de uma
sentença judicial brasileira, transitada em julgado, que o condenou por crimes de tráfico
e uso indevido de drogas, assim como a sua saída do território sem a devida
autorização. 45
_____________
45
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. Estado: Editora, 2007, p. 68/69.
48
Cabe esclarecer que os artigos 40 e 41, nos falam sobre a autoridade
competente no caso de recurso, quando existe a perda da condição de refugiado, assim
estabelecido:
Da Autoridade Competente e do Recurso
Artigo 40 - Compete ao CONARE decidir em primeira instância sobre cessação
ou perda da condição de refugiado, cabendo, dessa decisão, recurso ao
Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do
recebimento da notificação.
§ 1º - A notificação conterá breve relato dos fatos e fundamentos que ensejaram
a decisão e cientificará o refugiado do prazo para interposição do recurso.
§ 2º - Não sendo localizado o estrangeiro para a notificação prevista neste
artigo, a decisão será publicada no Diário Oficial da União, para fins de
contagem do prazo de interposição de recurso.
Artigo 41 - A decisão do Ministro de Estado da Justiça é irrecorrível e deverá ser
notificada ao CONARE, que a informará ao estrangeiro e ao Departamento de
Polícia Federal, para as providências cabíveis.
Compete ao CONARE, decisão nos casos de perda da condição de refugiado. É
papel primordial do órgão, analisar minuciosamente, se o refugiado em questão pode
continuar ou não com a proteção do Estado brasileiro. Em caso de indeferimento por
parte do Comitê, cabe ao Ministro de Estado de Justiça decidir sobre a situação do
refugiado. Caso haja também indeferimento por parte do Ministro, não caberá recurso
algum, e será informado ao Departamento de Policia Federal, para que tome as
providências exigidas sobre o caso.
O titulo VII, da referida Lei, nos relata sobre as situações de repatriação do
refugiado, vejamos:
TÍTULO VII
Das Soluções Duráveis
CAPÍTULO I
Da Repatriação
Artigo 42 - A repatriação de refugiados aos seus países de origem deve ser
caracterizada pelo caráter voluntário do retorno, salvo nos casos em que não
possam recusar a proteção do país de que são nacionais, por não mais
subsistirem as circunstâncias que determinaram o refúgio.
Como claramente observado no artigo 42, existem duas possibilidades de
reapatriação. Uma delas é a vontade voluntária, por parte do refugiado de ser
reconhecido como nacional de seu país de origem. E a outra possibilidade, que não é
voluntária, diz respeito às situações em que não existe o reconhecimento da condição
de refugiado por parte do país em que o mesmo, procurou proteção.
49
Renato Zerbini Ribeiro Leão46, diz:
O artigo 42 é claro ao caracterizar a reapatriação como uma solução durável.
Um exemplo se encontra no caso de uma família afegã, que teve a perda da
condição de refugiados de seus membros declarada, em razão de sua renúncia
àquela condição por terem voluntariamente decidido retornar ao seu país de
origem.
Observemos a seguir, os artigos 43 e 44 da Lei 9.474/97, que esclarece sobre a
Integração local:
Da Integração Local
Artigo 43 - No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos
refugiados deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de
documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações
diplomáticas e consulares.
Artigo 44 - O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para a
obtenção da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de
todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação
desfavorável vivenciada pelos refugiados.
A integração local dos refugiados faz parte da proteção internacional, no seu
sentido mais amplo. É muito importante possibilitar aos refugiados o acesso a políticas
públicas de saúde, educação, trabalho e outras que lhes permitam a prática da
cidadania. Os artigos 43 e 44 da Lei enfocam importantes aspectos de integração, que
facilitam aos refugiados o reconhecimento de seus documentos, inclusive no que diz
respeito à vida profissional.
De acordo com o Instituto de Migrações e Direitos (IMDH) 47,no Brasil existem
Redes de Proteção que investem na implementação de políticas públicas existentes,
somando-se aos esforços e articulações, incorporando várias instituições, entes,
personalidades, organizações sociais, universidades, que se unem na luta pela defesa
do refúgio, migrações contemporâneas, na promoção de políticas públicas e ações
solidárias de proteção.
De acordo com Carneiro Rocha48:
Durante todo o processo de inserção dos refugiados na sociedade brasileira,
são desenvolvidos programas para o acompanhamento, para que estes
adquiram condições de se integrar de uma forma concreta e estruturada. Os
_____________
46
47
48
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 70.
INSTITUTO de Migrações e Direitos Humanos. Ministério da Justiça. 2007, p.2.
CARNEIRO. W. P Rocha; MATEUS, Janaína. Reflexões sobre a questão racial e o refúgio no
Sistema Brasileiro. In: RODRIGUES, Viviane. Direitos humanos e refugiados. 2006, p. 28.
50
programas são direcionados a que, num período de curto prazo, os refugiados
consigam adquirir sua auto-suficiência econômica e criar condições materiais e
psicológicas para estabelecer uma nova vida e realidade.
Assim, temos também a oportunidade de verificar a situação do
reassentamento, previstos nos artigos 45 e 46 da Lei dos refugiados brasileira:
Do Reassentamento
Artigo 45 - O reassentamento de refugiados em outros países deve ser
caracterizado, sempre que possível, pelo caráter voluntário.
Artigo 46 - O reassentamento de refugiados no Brasil se efetuará de forma
planificada e com a participação coordenada dos órgãos estatais e, quando
possível, de organizações não-governamentais, identificando áreas de
cooperação e de determinação de responsabilidades.
Verifica-se conforme acima mencionado, a possibilidade de em outros países,
os refugiados exercerem de forma voluntaria o reassentamento em outros
países. E no Brasil observa-se que o reassentamento depende da participação
coordenada dos órgãos estatais e de apoio das organizações nãogovernamentais.
E para finalizar os esclarecimentos da referida Lei 9.474/97, iremos relatar os
artigos 47,78 e 49, que assim estabelecem:
Das Disposições Finais
Artigo 47 - Os processos de reconhecimento da condição de refugiado sério
gratuitos e terão caráter urgente.
Artigo 48 - Os preceitos desta Lei deverão ser interpretados em harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre
o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente de instrumento
internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro
estiver comprometido.
Artigo 49 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Renato Zerbini Ribeiro Leão esclarece sobre os mencionados artigos que:
O artigo 48 do Título VIII explicita a disposição afirmativa da Lei 9.474/97 em
alcançar a convergência entre três vertentes da proteção internacional da
pessoa humana. A menção cristalina deste artigo “ a Declaração Universal de
Direitos do Homem de 1948, a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de
1951, ao Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e todo o
dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos
humanos com o qual o Governo Brasileiro estiver comprometido” confirma a
disposição deste diploma entre o direito humanitário, os direitos humanos e o
direito dos refugiados.
Finalizando tais entendimentos a Lei 9.474/97 incorpora definitivamente o
ordenamento jurídico brasileiro a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951,
como Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Tal Lei é vista como um verdadeiro
marco na trajetória do comprometimento brasileiro com a temática dos refugiados. Esta
trajetória iniciou-se em 1952, com o reconhecimento da Convenção sobre o Estatuto do
51
Refugiado de 1951, e culmina com a promulgação desta Lei 9.747/97, tão necessária à
situação dos refugiados que chegam ao Brasil em busca de proteção.
52
CAPÍTULO 3 – EXEMPLOS DE CASOS DE REFUGIADOS NO MUNDO
3.1 NOTA INTRODUTÓRIA
O terceiro capítulo, em questão fala sobre exemplos de situações de refúgio no
âmbito mundial.
O primeiro deles faz referência ao caso Cesare Battisti, que nos dias 09 e 10 de
setembro de 2009, o Pleno do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento conjunto
do Pedido de Extradição nº 1085, formulado em 04/05/2007 pelo Governo da Itália,
contra Cesare Battisti, e do Mandado de Segurança nº 27875, também impetrado pela
República da Itália, contra ato do Ministro da Justiça brasileiro. Após pedidos de vistas,
o julgamento foi concluído em 18 de novembro de 2009.
Battisti está preso no Brasil desde 18 de março de 2007, em virtude do
mencionado processo de extradição, decorrente de sua condenação à prisão perpétua
em dois processos criminais na Itália, pela prática de quatro homicídios cometidos no
final da década de 1970.
Porém, o caso teve maior repercussão na imprensa nacional e italiana a partir de
janeiro de 2008, quando o Ministro da Justiça brasileiro concedeu o status de refugiado
político a Battisti, em pedido formulado por este ao Comitê Nacional para Refugiados
(órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça, que analisa pedidos de
reconhecimento da condição de refugiado, bem como declara a perda desse status,
entre outras atribuições).
Inicialmente, o CONARE negou (por 3x2 votos) o pedido de Battisti, porém, após
recurso decidido pelo Ministro da Justiça (na condição de presidente do órgão), foi
declarado o status de refugiado, principalmente sob o embasamento de temor fundado
de perseguição por motivo de opinião política (um dos fundamentos para a concessão
de refúgio, previsto no art. 1º, I, da Lei nº 9.474/97).
53
Isso implicou na discussão sobre a possibilidade – ou não – de sua extradição
para a Itália, e a competência para a prática desse ato.49
O segundo caso, em comento, seria sobre a situação de três paraguaios, que em
janeiro de 2002, policiais e agentes do Estado do Paraguai seqüestraram e torturaram
militantes e dirigentes políticos do Partido Pátria Livre, no Paraguai. Os agentes
públicos do Paraguai retomaram com esta operação as práticas de Terrorismo de
Estado praticadas pela ditadura Stroessner. Apesar de documentado, com fartas provas
contra os policiais e seus mandantes, a Justiça Paraguaia nada fez apesar do flagrante
envolvimento de autoridades, ministros e chefes de polícia. Três dos torturados estão
refugiados no Brasil, reconhecidos com status de refugiados pelo Comitê Nacional para
os Refugiados - CONARE. 50
E o terceiro caso, faz referência a um sobrinho de um ex-ministro de segurança
de um país da África Ocidental. O fato de o solicitante ser originário de um país
constituído sobre as bases de um Estado Democrático de Direito não é impedimento
para a solicitação da condição de refúgio em território brasileiro.
3.2 CASOS CONCRETOS
3.2.1 Primeiro Caso
No dia 09 de setembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal, iniciou o
julgamento da situação de Cesare Battisti. O mesmo foi integrante de um grupo que
intitulava-se Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Na Itália, Cesare Battisti foi
_____________
49
50
CARDOSO, Oscar Valente. Extradição X Refúgio: o caso Cesare Battisti. Disponível em:
<http://www. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14487>. Acesso em 27 set. 2010.
REVISTA KOEYÚ LATINOAMERICANO. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.
php?option=com_content&task=view&id=1799&Itemid=1>. Acesso em 27 set. 2010.
54
condenado à pena de prisão perpétua, em razão de seu envolvimento, em quatro
homicídios, ocorridos na década de 70 naquele país europeu.
O ex-integrante do grupo armado foi julgado e condenado pelo judiciário italiano.
Antes, porém, de cumprir a pena que lhe foi imposta, Cesare Battisti procurou refúgio
em solo francês, onde lá viveu sob a condição de refugiado, concedido pelo Governo
Miterrand. Essa situação foi revogada pelo Governo de Jacques Chirac, levando o
escritor italiano a vir para o Brasil, onde foi preso em 2007.
A pretensão do governo italiano é a de ter recolhido à prisão uma pessoa que
cometeu quatro homicídios, e que já foi julgada pelos tribunais italianos. O povo da
Itália quer apenas que um condenado cumpra a pena que lhe foi legitimamente
imposta, pelo Poder Judiciário Italiano.
Para tanto, o governo italiano solicitou ao governo brasileiro a extradição do
condenado. A extradição nada mais é do que a entrega do indivíduo, que está no
território do Estado solicitado, para responder a processo penal ou cumprir pena no
Estado solicitante. 51
O julgamento sobre a extradição de Cesare Battisti, de nº 1.085 República
Italiana, teve inicio no dia 09 de setembro de 2009, pelo Supremo Tribunal Federal,
compondo a Presidência, o ministro, Gilmar Mendes e presentes a sessão os senhores
Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa,
Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cármen Lúcia, cabendo transcrever o extrato da ata
da extradição nº 1.085, do dia 09/09/2009:
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal homologou o pedido de desistência do
recurso de agravo regimental na Extradição nº 1.085 e indeferiu o pedido de
sustentação oral em dobre, tendo em vista o julgamento conjunto. Votou o
Presidente. Em seguida, o Tribunal rejeitou a questão de ordem suscitada pela
senhora Ministra Carmen Lucia no sentido de julgar o Mandado de Segurança
nº 27.875 antes do pedido de extradição, vencidos a suscitante e os senhores
Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. O Tribunal, por maioria,
julgou prejudicado o pedido de mandado de segurança, por reconhecer nos
autos de extradição a ilegalidade do ato de concessão do status de refugiado
concedido pelo Ministro de Estado da Justiça ao extraditando, vencidos os
Senhores Ministros Carmen Lucia, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Marco
Aurélio. Votou o Presidente. Em seguida, após o voto do Senhor Ministro Cezar
Peluso (Relator), deferindo o pedido de Extradição nº 1.85, no que foi
acompanhado pelos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski,Carlos Britto e
_____________
51
ZULO, Felipe Nicolau Ramos. O CASO CESARE BATTISTI. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=12356>. Acesso em: 29 Set.2010.
55
Ellen Gracie, os votos dos senhores Ministros Eros Grau e Carmen Lucia,
julgando extinto o pedido de extradição em função da concessão de refugio
pelo Ministro de Estado da Justiça, e o voto do senhor Ministro Joaquim
Barbosa, pela prejudicialidade do pedido, pediu vista dos autos o Senhor Marco
Aurélio. Falara m pelo requerente e impetrante, o Dr. Antonio Nabor Bulhões,
pelo impretado, e a Dra. Fabíola Souza Araujo representando a AdvocaciaGeral da União, pelo extraditando e litisconsorte passivo, o Dr. Luís Roberto
Barroso e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel
Santos. Ausente, por haver declarado suspeição do julgamento da Extradição
nº 1.085, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Gilmar
52
Mendes. Plenário 09.09.2009
No dia 12 de Novembro de 2009, dando continuidade ao julgamento de
extradição do Italiano Cesare Battisti, o Ministro Marco Aurélio, se manifestou, com o
seu voto vista, indeferindo o pedido de extradição, no qual vejamos:
(...)
É de ressaltar que o ato do Ministro de Estado da Justiça, reconhecendo a
condição de refugiado ao extraditando, foi praticado depois da apresentação do
pedido de extradição. Então, o advogado do Governo da Itália impetrou com o
mandado de segurança- a referida autoridade brasileira como coatora - para
atacar o refúgio formalizado. Em outras palavras, o pedido de invalidação do
refúgio não poderia estar compreendido no pleito de extradição porque, sob o
ângulo temporal, o objeto surgiu após o inicio da tramitação deste processo.
Presente a utilidade e, mais do que isso, a necessidade, deu-se a impetração,
porquanto, consoante a Lei nº 9.474/97, a condição de refugiado é obstáculo à
seqüência Dio pedido de extradição: “ O reconhecimento da condição de
refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos
fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” – artigo 33. Vale dizer que
não coabitam o mesmo teto o reconhecimento da condição de refugiado e o
processo de extradição, o que dirá da possibilidade de acolher-se o pedido
53
formulado por ultimo.
(...)
Antes, reafirmo a crença de só poder emitir entendimento no tocante ao desvio
de finalidade, pois não cabe a revisão linear para tratar, como fez o Ministro de
Estado da Justiça, aspectos relativos a política internacional envolvidos na
espécie. Mesmo assim, nesta quadra vivenciada no Brasil, de sobressaltos e
solavancos, de flexibilidade da ordem jurídica- constitucional, de abandono a
princípios, a parâmetros, de inversão de valores, porque compelido pela toga e
já agora ante a postura da maioria devotar de forma ampla, com ressalva
perene de entendimento pessoal, examino, em profundidade, o ato praticado,
como procederam os que já votaram na matéria, acompanhando o Relator.
Repito: não estou aqui a adentrar no campo da apostasia, a desertar de uma
opinião que tenho como correta, a abandonar a fé jurídica quando, no
julgamento da Extradição nº 1.008/Colômbia, verificado recentemente, em 21
de março de 2007, em aparte, consignei:
Para mim, o refúgio é um fato jurídico que não pode ser colocado em segundo
plano por esta Corte no Julgamento da extradição, tendo em conta a previsão
do artigo 33 da Lei nº 9.474/97. Não cabe ao Supremo perquirir o acerto ou
desacerto do ato do Executivo que haja implicado o reconhecimento do status
_____________
52
53
STF. Supremo Tribunal Federal. Extradição 1.085/ República Italiana. Brasília: 2009, p. 322.
STF. Supremo Tribunal Federal. Extradição 1.085/ República Italiana. Brasília: 2009, p. 331-409.
56
de refugiado. É um fato a ser constatado, a ser provado no processo. Até que
reste fulminado pelo juízo competente, deve repercutir no cenário próprio
revelado pelo processo de extradição. Não posso examinar, porquanto relegaria
o mencionado artigo 33 à inocuidade, se se dá, ou não, na espécie, o
envolvimento de crime político. Basta o texto constitucional para obstaculizar a
extradição. Caso contrario, não haveria razão para o preceito do artigo 33 em
comento.
(...)
Também não cabe assentar o pedido de extradição ou o reconhecimento da
condição de refugiado como impeditivos da continuidade do prazo prescricional,
no que, datando de 6 de junho de 1977, o homicídio de Antonio Santoro; 16 de
fevereiro de 1979, os homicídios de Pierluigi e Lino Sabbadin; e 19 de abril de
1979, o homicídio de Andrea Campagna, respectivamente, vieram à balha em
dia e mês e ano anteriores à passagem dois vinte anos contados da decisão
condenatória. A prescrição penal é vista a partir de regras disciplinadoras, de
cunho instrumental e material. Então, volte-se á garantia constitucional de não
haver crime sem lei que o defina nem pena sem cominação legal, tomando-a
com largueza, com a completude próprias. Envolve a prescrição porque,
incidindo para efeito de persecução penal, faz desaparecer a consideração da
figura delituosa cuja glosa é prevista.
Diante dos fatos, ora esclarecidos pelo Ministro Marco Aurélio, faz-se necessário
a apresentação do Extrato da Ata, demonstrando a decisão acerca do assunto, do dia
11/12/11/2009:
Decisão: O Tribunal rejeitou as questões de ordem suscitadas pelo Senhor
Ministro Marco Aurélio da necessidade de quorum constitucional e da conclusão
do julgamento sobre a prejudicialidade do mandado de segurança. O Tribunal
rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Advogado do Extraditando, no
sentido da aplicação do art. 146 do Regimento Interno, e reconheceu a
necessidade do voto do Presidente, tendo em vista a matéria constitucional.
Após o voto do senhor Ministro Marco Aurélio. Indeferindo o pedido de
54
extradição, o julgamento foi suspenso.
Cabe transcrever, de igual forma, o voto do Ministro Gilmar Mendes, bem como a
exposição dos fatos e circunstâncias que o levaram a proferir o seu voto, deferindo a
extradição de Cesare Battisti:
(...)
A ministra Carmen Lucia e os Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa- apesar
de o Tribunal, anteriormente, por maioria, já ter declarado ilegal o ato do
Ministro de Estado da Justiça, mediante o qual se concedeu refugio ao
extraditando julgaram extinto o pedido de extradição, tendo em vista não
vislumbraram qualquer mácula no ato formalizado pelo Ministro de Estado da
Justiça, com fundamento na Lei nº 9.474/97. Consignaram que fosse
determinada a expedição de alvará de soltura, por considerar que Cesare
Battisti estaria preso ilegalmente, uma vez que foi reconhecida a respectiva
condição de refugiado.
(...)
_____________
54
STF. Supremo Tribunal Federal. Extradição 1.085/ República Italiana. Brasília: 2009, p. 411.
57
A esse respeito, é válido considerar, antes de tudo, que o texto constitucional é
explicito ao asseverar a competência originaria deste STF para a apreciação de
“extradição solicitada por Estado Estrangeiro” ( CF, art. 102, I, g), bem como ao
vedar a extradição de estrangeiro por “ crime político ou de opinião” ( CF, art.
5º, LII). Ademais, o inciso VII, c/c §§ 2º e 3º, do art. 77 da Lei n º 6.815/1980 (
Estatuto do Estrangeiro) estabelece que:
“ Art. 777. Não se concederá a extradição quando:
VII- o fato constituir crime político;
§ 2º- Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do
caráter da infração.
§ 3º O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos
os atentados contra chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os
atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoas, ou que
importarem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a
ordem política ou social.”
Em conformidade com os arts. 77 e 78 da Lei nº 6.815/1980 ( Estatuto do
Estrangeiro), não será concedida a extradição quando: o fato que motivar o
pedido não for considerado crime no Brasil; a lei brasileira impuser ao crime a
pena de prisão igual ou inferior a um ano; o extraditando estiver respondendo a
processo pelo qual já foi condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em
que se fundar o pedido; estiver extinta a punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva; o fato constituir crime político, o extraditando tiver de
responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de Exceção; o
crime não for cometido no território do Estado requerente, perante Tribunal ou
Juízo de Exceção;
(...)
Na hipótese dos autos, como já referido, a lei definiu expressamente aos
possíveis motivos de refúgio, não deixando a ocorrência, o que conduz à
possibilidade do controle sobre a legalidade do refugio, a partir da avaliação da
sua efetiva ocorrência e da validade dos motivos apontados pela autoridade
administrativa. É o que passo a fazer.
(...)
Entendo descabida, com a devida vênia, a invocação da garantia constitucional
que veda a retroação da lei nova prejudicial ao réu como fator de afastamento
da causa impeditiva da concessão de refúgio estampada no referido inc. III do
art. 3º da Lei nº. 9.474/97
(...)
Ora, a própria Convenção de 1951 já previa sua inaplicabilidade a pessoas que
houvessem cometido crimes graves, não seria razoável impedir a aplicação do
rol de delitos hediondos, instituídos a partir da Lei nº 8.072/90, apenas porque
praticado o crime antes da vigência desta, uma vez que, na essência, a conduta
era, e continua sendo, grave.
(...)
Absolutamente carentes, portanto, de lastro jurídico e fatio as razões que
levaram o Ministro da Justiça a conceder refúgio político a Cesare Battisti.
Desvinculando-se da analise técnica realizada pelo CONARE, sua Excelência
desbordou dos lindes da competência que lhe assistia, dando aos fatos
coloração absolutamente imaginaria, para a qual convergiu lamentável
componente de ideologização de direitos humanos.
Reconhecida a ilegalidade do ato de concessão do refúgio, resta, agora, a
análise do pleito de extradição propriamente dito. Cabe analisar se, do ponto de
vista formal e material, o pedido de extradição comporta deferimento.
(...)
Dessa forma, presentes os requisitos legitimadores do pedido, o meu voto é no
sentido de deferir o pedido de extradição de CESARE BATTISTI, para que o
58
nacional italiano possa cumprir a pena privativa de liberdade que lhe foi imposta
no Estado requerente.
Ressalto, entretanto, diante da imposição de prisão perpetua ao extraditando,
que o presente pedido é deferido sob a condição de que o Estado requerente
assuma, formalmente, o compromisso de comutar a pena de prisão perpetua
em privativa de liberdade máxima de 30 anos, consoante a iterativa
jurisprudência desta Corte.
55
É como voto.
No dia 18 de Novembro de 2009, foram retomadas as considerações em relação
ao julgamento de Cesare Battisti, cabendo novamente a descrição do extrato da Ata,
datado de 18/112009, no qual dispõe:
Decisão: Prosseguindo no julgamento, reajustou o voto proferido anteriormente
o Senhor Ministro Marco Aurélio, sobre a prescrição executória da pena, para
acompanhar o Relator. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de
extradição, vencidos a Senhora Ministra Cármen Lúcia e os senhores Ministros
Eros Grau, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. Por maioria, o Tribunal assentou
o caráter discricionário do ato do Presidente da Republica de execução da
extradição, vencidos os senhores Ministros Relator, Ricardo Lewandowski, Ellen
Gracie e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, por haverem
declarado suspeição na Extradição nº 1.085, os senhores Ministros Celso de
Mello e Dias Toffoli.
56
Plenário, 18.11.2009.
Finalizando tais entendimentos, cabe transcrever o Acórdão, em que é
reconhecida a situação de Cesare Battisti como extraditado, devendo este retornar ao
seu país de origem, e cumprir a pena imposta pela Itália, porém, cabe também ao
Presidente do Brasil, decidir sobre a sua extradição, emitindo também a sua decisão
final, assim vejamos:
8. EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução.
Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou
discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do
Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos
termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado
à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e
de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos
vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da
República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o
Presidente da República, observar os termos do Tratado celebrado com o
57
Estado requerente, quanto à entrega do extraditando .
_____________
55
56
57
STF. Supremo Tribunal Federal. Extradição 1.085/ República Italiana. Brasília: 2009, p. 415-519.
STF. Supremo Tribunal Federal. Extradição 1.085/ República Italiana. Brasília: 2009, p. 633.
STF. Supremo Tribunal Federal. Acordão Sobre Battisti. disponível em <http://www.conjur.com.br
/2010-abr-16 /acordao-julgamento-extradicao-cesare-battisti-publicado> Acesso em: 4 de out. 2010.
59
Sobre o assunto em tela, a imprensa esclareceu a situação de Cesare, no jornal
online R7, em notícia publicada no dia 10 de Abril de 2010:
Durante o julgamento em Novembro, os ministros decidiram que, com a
autorização do Supremo para a extradição caberia ao Presidente se extraditaria
ou não o italiano. Mas, o Acórdão deve trazer um dos pontos discutidos no
julgamento, de que apesar de caber a Lula a decisão, o presidente precisa
obedecer ao Tratado de Extradição existente entre o Brasil e a Itália
O tratado não permite a extradição, por exemplo, em casos de perseguição
política. Mas Lula terá que escolher outro argumento, caso opte por não
extraditar Battisti, já que o Supremo entendeu que não há perseguição política
no caso do ex-ativista.
De qualquer forma, a extradição do ex-militante poderá ser adiada pelo fato de
a Justiça do Rio de Janeiro o ter condenado a dois anos de prisão por uso de
passaporte falso. Habitualmente, ele cumpriria pena no Brasil antes de qualquer
58
decisão sobre o seu envio de volta à Itália
Recentemente, também saiu um noticiário no Jornal Correio Brasilienze, datado
de 13 de setembro de 2009, comentando sobre o caso Battisti:
O relator da Extradição nº 1.085- República Italiana, ministro Cezar Peluso,
levando naturalmente, em consideração a soberania do Estado italiano (o
requerente) bem como o regime de contenciosidade limitada (que caracteriza o
exame de pedidos de extradição) examinou, minuciosamente, os fatos descritos
no documento que instrui o pedido referente aos homicídios praticados por
CESARE BATTISTI contra ANTONIO SANTORO, LINO SABBADIN, PEIRLUIGI
TORREGIANI E ANDREA CAMPAGNA, dos quais destacou trechos que, em
apertada síntese,
ver-se-ão a seguir.
(...)
A iniciativa mais importante, seja na escolha do objetivo, seja na fase de
preparação do atentado, foi assumida pelo próprio Battisti, que controlou por um
período os movimentos e hábitos da vitima. Ademais foi o próprio Battisti que
cometeu materialmente o homicídio, disparando cinco tiros contra o policial,
enquanto uma segunda pessoa esperava no referido Fiat 127, roubado e
utilizado na fuga, repita-se.
Diante dos fatos, conclui o ministro Peluso: “ Como se vê, a natureza dos delitos
pelos os quais o extraditando foi condenado, marcados sobremaneira pela
absoluta motivação política, intensa premeditação, extrema violência e grave
intimidação social, não se afeiçoa de modo algum ao modelo conceptual de
delito político que impede a extradição de súditos estrangeiros(...)” E, cita
precedentes expressos nas Extradições nº 493, rel. min. Sepúlveda, Pertence;
nº 694, rel. min. Sydney Sanches; nº 794, rel. min, Mauricio Correa, e nº 994,
rel. min. Marco Aurélio, a abonarem suas conclusões.
Diante dos esclarecimentos acima citados, Cesare Battisti, ainda se encontra
preso no Rio de Janeiro, por ter sido condenado a pena de 2 (dois) anos, pelo uso de
_____________
58
OLIVEIRA, Adriana. Jornal R7. disponível em <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/stf-publicadecisao-de-extraditar-cesare-battisti-e-palavra-final-cabe-a-lula-20100416.html> Acesso em: 04 Out.
2010.
60
passaporte falso. De tal maneira, segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal, o
extraditando deverá aguardar pronunciamento do Presidente da República, para o
deferimento definitivo da sua volta a Itália.
3.2.2 Segundo Caso
O segundo caso em questão faz referência a situação de três paraguaios
acusados de seqüestro e ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia ( FARC).
Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán, estariam comandando, do Paraná, o
Exército do Povo Paraguaio (EPP), grupo caçado pelo governo do esquerdista
Fernando Lugo, que o acusa de inúmeros crimes cometidos a partir de 2001.
Após a prisão e com argumento de que teriam sofrido tortura para confessar os
crimes, os paraguaios receberam refugio político do Brasil, concedido pelo Comitê
Nacional para os refugiados (CONARE).
O Paraguai alega ter provas contundentes da ligação dos três com as Farcs e
novas evidências que relacionam o grupo ao seqüestro da esposa de um rico
empresário em 2002 e quer que o Brasil reconsidere a concessão de refugio. O
Ministério das relações Exteriores do Paraguai enviou um novo documento ao CONARE
solicitando a extradição.
No documento, os paraguaios sustentam ter evidencias materiais, como a troca
de emails entre chefes das Farcs e membros do Partido Pátria Livre (PPL), braço
político do EPP, dirigido por Arrom e criado em 2002, sob inspiração ideológica de
extrema esquerda.
Hoje o PPL praticamente se desintegrou depois de muitos dos membros
migraram para o EPP, segundo a imprensa Paraguaia. Mesmo após o refugio no Brasil,
o trio continuaria dando ordens para o EPP agir no Paraguai.
Enquanto o impasse com o Brasil não chega ao fim, as investigações sobre o
paradeiro dos demais membros prosseguem no Paraguai. No ultimo sábado, a Policia
61
Nacional prendeu Alcio Alcides Soria Riveiros, apontando como suposto colaborador
logístico do EPP. Ele foi detido em uma rua do distrito de Horqueta, departamento de
Concépcion, no momento que iria a um campo de futebol.
Desde que iniciou sua cruzada com os guerrilheiros, a polícia paraguaia capturou
nove pessoas. Todas são consideradas integrantes da logística do grupo, colaborando
com veículos, telefones e alimentação59.
A última notícia em relação aos três paraguaios deu-se em Abril de 2010, por
meio do Jornal Estadão,
O Governo do Paraguai levara uma queixa foral a ONU contra a decisão do
Brasil de dar status de refugiado para três paraguaios, no que é a primeira
disputa bilateral entre os dois países a chegas às instâncias internacionais. O
Brasil já enfrentou o questionamento da Itália em relação à situação de Cesare
Battisti, acusado terrorista em Roma.
Segundo Autoridades de Assunção, os refugiados já teriam sido condenados
por seqüestro e crimes no país e o Brasil estaria violando as Convenções de
Genebra sobre Refugiados ao concedes o beneficio e a proteção aos três
paraguaios.
Na próxima semana, diplomatas paraguaios se reunirão em Genebra com o
Alto Comissariado de Refugiados da ONU para pedir que a entidade intervenha
no caso e pressione o Brasil para que reveja o caso. A reunião ocorrera na
segunda-feira, confirmou Raul Martinez, diplomata da Missão do Paraguai
perante a ONU, ao Estado. A assessoria de Imprensa da ONU também
confirmou a reunião para falar sobre o tema e indicou que o governo brasileiro
não havia sido convidado.
(...)
O governo Paraguaio alega que os três refugiados teriam se reagrupado no
Brasil e formado o Exército do Povo Paraguaio, coordenado à distancia
seqüestros e assassinatos. Um dos seqüestros atribuídos ao grupo teria sido
registrado em outubro de 2009. No dia 17 de janeiro, a vitima foi liberada
mediante o pagamento de US$ 550 mil.
Para o Paraguai, essas pessoas não estão sendo perseguidas politicamente.
Seriam apenas criminosos. Entre os seqüestros organizados pelo grupo esta,
ainda o da esposa de um empresário, Maria Bordón, que ficou 64 dias em
cativeiro.
No dia 5 de fevereiro de 2010, Assunção pediu oficialmente que o status de
refugiado dos paraguaios seja revisto. No comunicado à ONU, os paraguaios
alertam que “ existem motivos para o cancelamento ou a não renovação
imediata do status de refugiado de Arrom, Marti e Colman, argumentando que
existem
fatos demonstrados com documentos que testemunham que os
mesmos não estão em condições de ter tal proteção jurídica, conforme o direito
60
internacional.”
Conforme acima explicado, o Brasil até a data de hoje, não se manifestou sobre
o caso dos Paraguaios, e conforme o noticiário do Jornal da globo, o G1, o
_____________
59
60
SIMÃO, José. Jornal Gazeta do Povo. < www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id
+976352>. Acesso em: 04 Out. 2010.
CHADE, Jamil. Jornal Estadão. Disponível em < www.estadao.com.br/noticias/nacional,paraguailevara-a-onu-queixa-formal-contra-o-Brasil,541266,0.htm> Acesso em: 06 Out. 2010
62
Ministério da Justiça, ira reavaliar a condição de refugiados, concedidos aos
três paraguaios, conforme notícia datada de 30 de abril de 2010:
O Ministério da Justiça emitiu nota nesta sexta-feira (30) na qual admite a
realização de uma reunião do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare)
para reavaliar o refúgio concedido, em 2003, a três paraguaios supostamente
integrantes de um grupo de guerrilha que atua na fronteira entre o Brasil e o
Paraguai. A reunião deve ocorrer no final de maio - o ministério não sabe
precisar a data.
O anúncio da reunião surge horas depois das declarações do porta-voz da
Presidência da República, Marcelo Baumbach. Mais cedo, ele disse que o
governo brasileiro não enxergava razão para revogar o refúgio concedido aos
três paraguaios. “O presidente se reuniu com o ministro da Justiça [Luís Paulo
Barreto] e o ministro informou que o refúgio teve como base uma decisão
técnica e unânime do Conare. Até o momento, o governo considera que não há
61
razão para reverter o refúgio”, afirmou o porta-voz.
3.2.3 Terceiro Caso
Cabe também, como meio de exemplificação, trazer em comento a situação de
um rapaz, que é sobrinho do ex-ministro de Segurança de um país da África Ocidental.
O ilustre autor Renato Zerbini Ribeiro Leão, traz a colação, do seguinte caso em
comento, portanto vejamos:
O solicitante é sobrinho de um ex-ministro de Segurança de um país da África
Ocidental. Como tinha ficado órfão ainda criança, foi adotado pelo tio, que o
criou com seus filhos como se assim o fosse. O tio pertencia ao partido do
governo, tendo sido seu fundador e presidente. Era, ademais, respeitado
intelectual, educado em universidades da Europa. O tio era possuidor de
grande popularidade, o que agravava as rivalidades políticas no âmbito das
coalizações partidárias entre os atores que dividiam o poder. Em um
determinado momento, uma grave crise irrompeu nos meios políticos e uma
acusação recaiu sobre o tio, então Ministro de Segurança: este tramava um
golpe contra o Estado a partir de se tores da polícia e das forças armadas,
sobre os quais exercia poder e influência. Ao ser decretada a ordem de prisão
contra o seu tio, este imediatamente saiu do país, renunciando ao seu cargo de
Ministro. Foi para a Europa e, posteriormente, para os Estados Unidos. O
solicitante permaneceu no país, pois cursava universidade e também não
estava envolvido na política. No entanto, foi informado que setores do Governo
planejavam prendê-lo para força o retorno do tio ao país. O solicitante
abandonou sua casa, escondendo-se com aliados de seu tio. Soube
efetivamente que soldados do Governo o teriam procurado. E virtude desse
fato, decidiu abandonar o país dirigindo-se ao Marrocos e posteriormente ao
_____________
61
BONIN, Robson. Jornal da Globo. Disponível em < http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/04/
ministerio-da-justica-vai-reavaliar-refugio-concedido-paraguaios.html> Acesso em 06 Out.2010.
63
Brasil. Não houve golpe militar ou conflito armado durante o período em que o
solicitante alega ter sofrido perseguição. No entanto, informações de seu país
de origem confirmaram que o tio (pai adotivo do solicitante) exerceu o cargo de
Ministro num período de graves lutas internas entre os partidos que
compartilhavam o poder, conferindo, portanto, credibilidade ao relato do
solicitante, pois as suas informações correspondiam a realidade de seu país
62
naquele período.
O CONARE entendeu que, na situação exemplificada, devido ao perfil do
solicitante,
formas
de
perseguição
seletiva
poderiam
atingí-lo,
sem
que
necessariamente afetasse amplos setores da população. O fato de pertencer ao círculo
de poder poderia gerar formas de perseguição quase não notórias, para os cidadãos
comuns, porem, claramente violatórias aos direitos humanos.
Assim, o CONARE, constatou a existência de uma perseguição individualizada,
por parte do Estado, e com base das referências e credibilidade do solicitante, deferiu o
seu pedido de reconhecimento da condição de refugiado.
_____________
62
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil. Decisões Comentadas
do CONARE. 2007, p. 33.
64
CONCLUSÃO
Ao fim deste trabalho, cabe observar a notória compreensão dos aspectos
intrínsecos que dizem respeito à questão dos refugiados políticos no âmbito nacional,
como no internacional.
No decorrer do presente trabalho, tratou-se sobre a competência do CONARE e
a aplicação da Lei nº 9.474/97, que consiste na abordagem por meio do órgão
responsável pela verificação da condição de refugiado, bem como os direitos e deveres
que cabem ser observados e cumpridos pelos mesmos, quando conseguem a garantia
da solicitação do status de refúgio. Esta lei contribui para a proteção dos estrangeiros
perseguidos ou abandonados por seu País de origem.
De tal forma, percebe-se a importância, do Direito dos Refugiados Políticos, no
que tange a uma análise exigente da sua condição, para que ocorra tal
reconhecimento, possibilitando assim, a eficácia no ordenamento e segurança nacional
e a proteção para com o mesmo.
Foi abordado no presente trabalho, as situações vividas pelos refugiados, como
a proteção de leis Internacionais, a função do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados- ACNUR, cujo principal objetivo é salvaguardar os direitos e o bemestar dos refugiados e refugiadas, assegurando a possibilidade de buscar o refúgio e
receber o mesmo em outro país, com a opção de retornar voluntariamente ao seu país,
como também integrar-se à sociedade local ou de ser reassentado em outra localidade.
Além disso, urge ressaltar que a importância da proteção internacional é um dos
mais sérios compromissos assumidos por Estados soberanos na busca da garantia e
operacionalização dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Ainda à mostra no presente trabalho, três casos referentes aos refugiados
políticos no Brasil, sendo um deles, de grande repercussão no âmbito jurisprudencial, a
situação do italiano Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua na Itália, e julgado
recentemente pelo Supremo Tribunal Federal a extradição, devendo cumprir pena em
seu país de origem, no caso a Itália, desde que a sua situação também possa ser
revisada e julgada pelo Presidente do Brasil.
65
Fica a oportunidade de aprendizado, de maneira mais aprofundada, sobre a
situação dos refugiados, onde se tem o discernimento de doutrinadores, sejam em
obras, artigos publicados, bem como o entendimento do CONARE, para as solicitações
de refúgio, como também do Supremo Tribunal Federal, na análise das questões
relacionadas à extradição.
66
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