EDITORIAL N este ano, além da já tradicional combinação da releitura de Freud, de conversarmos sobre a APPOA e do friozinho da Serra, muitas rememorações nos fizeram companhia. As memórias de Schreber (no “Relendo Freud”) e as lembranças associadas à história da Instituição (no “Conversando sobre a APPOA”) trabalharam lado a lado no último fim de semana de maio, em Canela. Esteve em causa o tempo: o implicado na constituição do sujeito, na realização de uma obra ou de uma Instituição, o do momento de concluir e o relacionado à autorização do analista. O conceito de forclusão, a Verwerfung freudiana, implica forçosamente na noção de tempo. Oriundo do discurso jurídico, o adjetivo forclusivo se refere a um direito não exercido no momento oportuno. Tempo inoportuno e falha na inscrição se mesclam no não advindo do significante na psicose, como o caso Schreber demonstra. Sobre o tempo, Lacan apresenta os momentos lógicos do instante de ver, tempo para compreender e momento de concluir, incluindo também três intervalos, um prévio e outros dois alternados entre os tempos: a hesitação e a urgência. Se a urgência de concluir está presente desde o primeiro momento, sem passar pela hesitação, pode se produzir o ato precipitado. De outro lado, se a hesitação é intensa demais, pode chegar a congelar a ação. No encadeamento lógico dos três tempos, portanto, é preciso que cada momento produza seus efeitos, condição para que se consiga chegar à conclusão. Nem na precipitação do cedo demais, nem na hesitação paralisante, o tempo acompanha a inscrição das marcas que a história pode vir a produzir. A rememoração da história prévia à APPOA, sua fundação e as duas décadas que se seguiram, revelaram, mais uma vez, uma Instituição atenta a seu tempo e suas inscrições. Por ter presente tal imbricação entre tempo, encadeamento lógico, ato e inscrição significante, bem como as condições para concluir, que a APPOA busca transmitir a seus associados as diferenças em relação ao tempo de formação de cada um, assim como almeja proporcionar as condi- C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 1 EDITORIAL NOTÍCIAS ções necessárias para que, de modo singular, cada integrante da Instituição produza e se deixe afetar pelas marcas que vem com o tempo. TESOURARIA A Associação Psicanalítica de Porto Alegre informa que, a partir do mês de julho, haverá um acréscimo nas mensalidades de membros, participantes e Percursos de Escola e de Crianças, em função da inflação acumulada no último ano. Seguem, abaixo, os novos valores: CATEGORIA VALOR R$ Membros 190,00 Participantes 145,00 Percurso de Escola 225,00 Percurso Psicicanálise de Crianças 170,00 JORNADA DO PERCURSO Nos dias 7 e 8 de agosto de 2009 ocorrerá, em nossa sede, a Jornada do Percurso VIII da APPOA. Em breve estaremos divulgando a programação da mesma. ERRATA A autora da Resenha “Mãe Aranha” sobre o filme “Coraline”, publicada na página 41 do último número do Correio, é a psicanalista Diana Corso. 2 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 3 SEÇÃO TEMÁTICA OGIBA, S. M. M. Infância e discurso... INFÂNCIA E DISCURSO EM SCHREBER 1. INFÂNCIA – RECONSTITUIÇÃO ... CONSTELAÇÃO FAMILIAR 1. A reconstituição da infância de Schreber foi possível pelo longo e minucioso trabalho de pesquisa realizado por William Niederland, pesquisas essas iniciadas no ano de 1951 e que se estenderam até 1972. Além de Franz Baumeyer, psiquiatra-psicanalista, até 1955, William Niederland, Maurits Katan e H.Nunberg, são os únicos no âmbito da Psicanálise a apresentar trabalhos específicos sobre Schreber. Melanie Klein, em 1952, faz referência às Memórias para ilustrar os chamados mecanismos esquizoparanóides. 2. Essas pesquisas, inspiradas em Freud, buscam descobrir o chamado núcleo de verdade no delírio. Niederland, por sua vez, realiza um amplo estudo da obra médico-educacional do pai de Schreber, Daniel Gottlieb Moritz Schreber, e, por esse caminho, encontra algumas peças com as quais reconstitui a infância de Schreber. 3. O pai Schreber (1808 – 1861) – médico, ortopedista, pedagogo, descendia de família de Burgueses e Protestantes. Autor de vários (20, ao que parece!) livros sobre ginástica, higiene e educação das crianças. Seus antepassados deixaram obra escrita sobre Direito, Economia, Pedagogia e Ciências Naturais, em que são recorrentes as preocupações com a moralidade e com o bem da humanidade. Acreditava que seu trabalho contribuiria para aperfeiçoar a obra de Deus e a sociedade humana. 4. Para garantir a postura ereta do corpo da criança em todos os momentos do dia, inclusive durante o sono, o Dr. Moritz Schreber, projetou e construiu vários aparelhos ortopédicos de ferro e couro. A retidão do espírito era fruto do aprendizado precoce de todas as formas de contenção emocional e da supressão radical dos chamados sentimentos imorais, entre os quais, naturalmente, todas as manifestações da sexualidade. 5. Nas palavras do Presidente Schreber, presente nas Memórias .... “Poucas pessoas cresceram com princípios morais tão rigorosos como eu e poucas (...) se impuseram ao longo de toda sua vida tanta contenção de acordo com esses princípios, principalmente no que se refere à vida sexual”. 6. O pai Schreber orgulhava-se de ter aplicado, pessoalmente, nos filhos os próprios métodos educacionais e afirmava que “os resultados tinham sido excelentes!” Em 1859, sofre um grave acidente: uma barra de ferro de um aparelho de ginástica cai sobre a sua cabeça, resultando em comprometimento cerebral irreversível. Retira-se da vida profissional e da C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. Sonia Mara Moreira Ogiba I nfância e Discurso em Schreber apresenta algumas notas de leituras realizadas no cartel preparatório ao Relendo Freud. O tema da Infância, agora interrogado pela formação que venho realizando na Appoa, exige uma tarefa de escrita que ainda me sinto insegura de realizar. Sei que pensar de outro modo exige escrever de outro modo! Em virtude deste fato, estas anotações não possuem a forma de um texto-escrito, mas antes compõem um roteiro orientador. Do contato com o Caso Schreber, através do texto freudiano e do estudo que vimos realizando este ano do Seminário de Lacan, Livro 3, As Psicoses, surgem algumas das interrogações que apresento aqui. Dedico-me a recolher alguns dados biográficos sobre a criança do Presidente Schreber, sobre a sua constelação familiar e busco interrogar um certo material infantil que destes dados se pode inferir. Para tanto, sigo as contribuições das pesquisas efetuadas por William Niederland, psiquiatra e psicanalista norte-americano. A articulação do tema infância e discurso em Schreber, se tece por referência à noção de Discurso, estudada na obra de Michel de Foucault, de modo especial, em A Ordem do Discurso, A Historia da Sexualidade, Vol.1, e em Vigiar e Punir, como, da mesma forma, a partir dos trabalhos desenvolvidos em seus cursos no Collège de France, reunidos sob o titulo Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. A título inicial, ao modo de uma hipótese provisória, aproximo-me do ensaio de Giorgio Agambem, sobre Infância e Historia, para pensar a relação Língua, Discurso e Inconsciente, no sistema delirante de Schreber. 4 5 SEÇÃO TEMÁTICA convivência diária com a família. Viveu fechado em seu quarto e em tratamento durante 03 anos. Morreu no ano de 1861. 7. Quanto à mãe, quase não há referência à mesma pelos biógrafos de Schreber, apenas que parecia ser uma mulher pouco afetiva, deprimida e dominada pelo marido. Soube-se que seu nome era Pauline, contrastando com o nome do filho que se chamava Daniel Paul Schreber. Pauline parece ter vivido até os 92 anos! 8. Daniel Schreber é o terceiro, dos cinco filhos do casal. O primogênito, três anos mais velho que Schreber, chamava-se Gustav e, segundo os registros encontrados, sofria de paralisia e suicidou-se aos 36 anos de idade. Maurits Katan (p.102 e 109), por exemplo, ao analisar o material infantil, comenta sobre a relação de Schreber, ainda bem menino, com esse seu irmão mais velho e com a sua mãe. De posse desse material sugere uma interpretação para o que chamou de “medula do conflito infantil” atuante no sistema delirante de Schreber, através do tema da conspiração. “... o irmão maior deve tê-lo atraído bastante, já que Schreber estava em conflito acerca de quem era seu preferido: seu pai ou seu irmão”. “... Schreber formou uma dependência masoquista feminina com respeito a seu pai. Resulta evidente que estava em perigo de fazer o mesmo em relação ao seu irmão”. OGIBA, S. M. M. Infância e discurso... 2. INFÂNCIA E DISCURSO(S) 1. Sabemos muito pouco sobre a infância de Schreber; entretanto, talvez nos seja possível saber algo da criança Schreber tendo por referência os efeitos discursivos da obra educacional do Dr. Moritz Schreber. Niederland, como mencionado antes, ao tomar o caminho da investigação da obra educacional do pai, pôde vir a contribuir com a reconstituição dessa infância, situando a criança Schreber em sua constelação familiar. No entanto, gostaria de interrogar essa obra, uma obra de educação moral e física na perspectiva de um Guia, ao revelar seus dispositivos de poder-saber voltados para a produção da subjetividade infantil. Dispositivos atuantes sobre e no corpo, tornando-o um “corpo dócil e submisso”, expressão emblemática de uma leitura foucaultiana dos mecanismos de funcionamento do poder na sociedade moderna – uma série de tecnologias atuantes no corpo e nele produzindo inscrições discursivas que virão dizer da realidade psíquica, estrutural e sintomática do Sujeito. 2. A criança Schreber, diz-se, foi um aluno aplicado. Ele próprio, em suas Memórias, se apresenta como “de natureza tranqüila, quase sóbria, sem paixão, com pensamento claro, cujo talento individual se orientava mais para a crítica intelectual fria do que para a atividade criadora de uma imaginação solta”. Tudo indica, conforme menciona Marilene Carone, na introdução das Memórias..., que Schreber, em sua infância, submeteu-se com docilidade ao despotismo pedagógico do pai. 3. No entanto, a obra do pai Schreber, ao ser concebida como dispositivo discursivo, é ela mesma produzida por outros tantos discursos veiculados no âmbito do social e da cultura do seu tempo. Se tomarmos o início do séc. XIX, em suas primeiras décadas, época do nascimento do Dr. Moritz, e refletirmos sobre as condições sociais, cientificas e filosóficas, em desenvolvimento desde o século XVIII, chegaremos a certo espírito do tempo, marcado pelas idéias iluministas e pela crença no progresso da razão. Século das Luzes como assim o chamamos, o século XVIII, foi, de fato, o solo para a reforma humanista do mundo ocidental no século XIX. 4. Buscando seguir a investigação de Niederland sobre a obra do pai Schreber, visando à descoberta do núcleo da verdade do sistema delirante do Schreber filho, e, tomando o cuidado para não cair na simplificadora relação de causa-efeito, acredito que se possa ver essa obra em seus efeitos de sentido produtores de discurso parental. E, por esta via, poder pensar o sistema delirante de Schreber, como sendo causado por efeitos de uma rede de discursos, assim como apresentar a infância de Schreber, implicada e estruturada por séries discursivas, cuja produção é, sobretudo, da ordem do discurso e do acontecimento. Dessa perspectiva, colaborar com a investigação de Niederland, situando a infância na ordem dos discursos: social, cultural, parental, por um lado, e , por outro, constituindo-a (a infância) no C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 6 7 SEÇÃO TEMÁTICA OGIBA, S. M. M. Infância e discurso... atravessamento destes discursos na cadeia de significantes que irão marcar e atravessar o corpo do infans. 5. Penso, porém, nessa infância, como uma primeira infância, aquela que podemos tomar pela temporalidade cronológica e afetada pelas redes de discursos em seus dispositivos de poder-saber, acima delineados. Algo como a infância das neuroses! Haverá outras? Bem, a aproximação ao ensaio de Agamben – Infância e História -, parece ter o efeito de uma bússola conduzindo-me ao entendimento da implicação infância, discurso, corpo e inconsciente, no âmbito do sistema delirante de Schreber. Haverá aí, nos delírios do Presidente Schreber, algo a nos informar de uma relação outra com a linguagem, isto é, com a língua? Será a este acontecimento que Schreber se refere quando nos situa em relação à língua fundamental? Temo por estas indagações, mas as formulo visando, sobretudo, discuti-las. Na quarta parte destas considerações, apresento, sucintamente, o principal argumento de Agamben. Isto posto, o que aqueles efeitos “causam” no corpo e nos modos de estruturação do sujeito será da ordem de uma nova ordenação desses discursos, no âmbito da língua. No caso do nosso presidente Schreber, a sua produção delirante parece querer buscar essa tão propalada Ordem do Mundo através de uma reordenação daquela rede discursiva dentro da qual sua estruturação subjetiva e psíquica se realizam. 6. Rede de discursos e seus impactos subjetivos... Falta mencionar, no entanto, outra Série discursiva, aquela instaurada no sec. XX pela psicanálise freudiana e pelo retorno que a ela faz Jacques Lacan. Como um saber moderno e contemporâneo, que tem algo a dizer sobre os modos de constituição subjetiva da criança, o discurso analítico é aquele que nos informa sobre o modo de funcionamento do sujeito do inconsciente, re-situando, de modo radical, as relações do Eu com o Outro, do Corpo com o(s) Discurso(s), entre outros elementos constitutivos do campo do sujeito e do campo do outro. Dentre os vários acontecimentos discursivos, tornados práticas, que tecem, então, essa rede de historia, ou histórias, a Psicanálise, por tomar os discursos em seus efeitos significantes parece ser o fio que desrealiza aquela estruturação subjetiva, psíquica e corporal. 3. INFÂNCIA, DISCURSO E CORPO 1. O corpo enunciado como discurso de vários discursos – parece ser isto que o Presidente Schreber enuncia quando nos diz em suas Memórias, ao abrir seu cap.XI: “Que pode ser mais definitivo para um ser humano que aquilo que foi sentido e vivido em seu próprio corpo”. 2. Por volta de 1800, quando nasce o Dr. Moritz Schreber – para Foucault essa época é mesmo um limiar na história, quando a consideramos do ponto de vista do poder -, é aí que vemos surgir os verdadeiros fundamentos da sociedade moderna. Foucault critica as operações filosóficas da ideologia das luzes. (Adorno e W.Benjamin por outros caminhos também o fazem!) 3. Temas universalizantes, universalistas: verdade, justiça, liberdade – mostram o caráter coercitivo das luzes, caráter coercitivo do pensamento identificante que tende a subsumir o particular. 4. Sociedades modernas são sociedades totalitárias! Adorno, por exemplo, apreende as operações totalitárias nas manipulações psíquicas provocadas pelos mass-media, produzidas pelas agências da indústria cultural. Para Foucault, as operações integrativas são, antes, asseguradas pelos procedimentos que visam disciplinar o corpo e que são, portanto, produzidos por instituições mais ou menos ligadas entre si: a escola, a fábrica ou a prisão. 5. Todas as práticas pelas quais o sujeito é definido e transformado são acompanhadas pela formação de certos tipos de conhecimento. Sobre o corpo, sobre a sexualidade e sobre o Si mesmo. O Guia do Dr. Moritz parece ter essa função. 6. Uma das imagens do sistema delirante do Presidente Schreber – os Homúnculos – informa-nos o quanto a teoria do Homúnculo esteve articulada na forma de discurso parental. Teoria na qual a criança era vista como um adulto em miniatura. Ainda que essa representação de criança viesse sofrendo mudanças desde o século XV, justamente com a emergência das figuras intelectuais, como as dos padres, juristas, moralistas, entre C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 8 9 SEÇÃO TEMÁTICA OGIBA, S. M. M. Infância e discurso... outros,quase quatro séculos depois, temos um desses intelectuais do século XV figurado na pessoa do Dr. Moritz, pai de Schreber. 7. Interrogo-me sobre essa “descontinuidade” no discurso social, educacional e médico. Quase chego a pensá-la em sua eficácia emolduradora de um discurso parental, na família schrebiana. Sim, o sentimento de cuidado, de cultivo da vida da criança como seres diferentes dos adultos foi atuante nas múltiplas séries discursivas, e nas práticas de cuidado daquele pai, cuja tamanha desmesura leva-nos a inferir sobre o quanto o mesmo se exercia também como “mãe”. 8. Este “Pai que sabia demais”, como nos apresenta Eric L. Santner, em seu livro A Alemanha de Schreber, através dos “seus cuidados”, parece ter deslocado a senhora Pauline do seu lugar-função materna. Bem, enfim, considero arriscada uma formulação como esta, no entanto, à luz dos poucos dados obtidos sobre a mãe de Schreber e da sua posição naquela constelação familiar, é possível percebermos a figura da senhora Pauline como sendo apagada, submissa ao Dr. Moritz, sobretudo, alienada ao discurso de um outro. A essa posição da sua mãe na constelação familiar, Schreber, parece ter aludido em seu conteúdo delirante sob o tema da conspiração, pois que nas interpretações de Katan e Nierderland, a senhora Pauline tratou, por um período, de “esconder” as relações “tumultuadas” entre o menino Schreber e seu irmão mais velho, as quais, aqui nesta ocasião, não terei o tempo para esmiuçar. 9. São pois as experiências da sua infância (aquela tomada na temporalidade cronológica, aludida antes) que aparecem em forma de delírios milagrosos, durante, por exemplo, o processo psicótico, fazendo com que se possa dizer da existência de um núcleo, certa essência “realista” presente no material de seus delírios. Toda uma linguagem arcaica típica dos processos primários aí aparece. Dito, talvez, de outro modo, o material psicótico converte em milagres as primeiras experiências infantis. Toda uma instrumentalizada, e instrumentalizadora, manipulação (“a criança regimentada”, formulada por Eric Santner) foi-lhe, vou usar a força mesmo da palavra e dizer imposta, como forma de cuidado. Cuidados realizados atra- vés da vigilância, da coação e, por vezes, com doçura; fazendo com que certo dito poético, produzido na poesia contemporânea, já lá estivesse no séc. XIX, a mostrar-se com toda contundência objetificante, a saber: “Te odeio com doçura”, tema titulo do livro de poemas de Antônio Mariano. Um tema libelo do amor eterno ... C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 10 4. INFÂNCIA E HISTÓRIA... LÍNGUA, DISCURSO E INCONSCIENTE 1. Das análises sobre o Caso Schreber que Lacan formula no Seminário As Psicoses, destaco o tema da Foraclusão: essa falha no Outro. O que o acontecimento da foraclusão do Nome-do-Pai virá a produzir na relação do sujeito com os discursos? Pois bem, encontro uma passagem no referido Seminário, na qual Lacan parece querer nos advertir sobre a singular posição que o sujeito se encontra na rede dos discursos e, da mesma forma, apontando para a singularização da psicanálise enquanto uma série discursiva, dentre as outras tantas que aludimos antes. Diz Lacan, à página 190: “Se digo que tudo o que pertence à comunicação analítica tem estrutura de linguagem, isso não quer dizer que o inconsciente se exprima no discurso. A Traumdeutung, a Psicopatologia da vida cotidiana e o Chiste tornam isso transparente – nada dos rodeios de Freud é explicável, salvo que o fenômeno analítico como tal, seja ele qual for, é, não uma linguagem no sentido em que isso significaria ser um discurso – eu nunca disse que é um discurso – , mas estruturado como uma linguagem.” (grifo nosso) 2. Há outras passagens no Seminário As Psicoses, onde Lacan vai nos informando sobre essa particular relação do sujeito com a linguagem, e da linguagem tomada em sua duplicidade essencial do significante e do significado, no caso das neuroses e da psicose, em particular, no Caso Schreber. Em outro momento, as revisarei, buscando discutir de modo mais abrangente as implicações acima referidas. 3. Assim como, também vai informando-nos, em vários outros dos seus seminários, sobre o que é o Discurso para ele, para a Psicanálise. Fundamentalmente, nos diz que o Discurso é o Grande Outro e tem, então, uma condição superlativa de gozar sobre nós. No caso das psicoses, ou 11 SEÇÃO TEMÁTICA OGIBA, S. M. M. Infância e discurso... mesmo pensando, no sistema delirante de Schreber, motivo deste trabalho, a relação que vemos com o discurso é da ordem de uma distorção, alterando, assim, a ordem do saber. O que observamos no sistema delirante de Schreber parece ser, assim, uma fala que se estrutura não mais sob a lógica do discurso, mas antes, pela própria língua. 4. Do ensaio de Agamben, apresento alguns recortes, visando apresentar sucintamente o foco da sua indagação em Infância e História. Agamben, seguindo com Walter Benjamin em seu projeto de uma filosofia que vem, nos informa de início que “a infância encontra o seu lugar lógico em uma exposição da relação entre experiência e linguagem.” E experiência, no projeto benjaminiano, definido como algo nos termos “de uma experiência transcendental”, transcendental, neste contexto indicando “alternativamente, uma experiência que se sustém somente na linguagem, um experimentum linguae no sentido próprio do termo, em que aquilo de que se tem experiência é a própria língua”. “A in-fância que está em questão no livro não é simplesmente um fato do qual seria possível isolar um lugar cronológico, nem algo como uma idade ou um estado psicossomático que uma psicologia ou uma paleoantropologia poderiam jamais construir como um fato humano independente da linguagem. (...) o conceito de infância é, então, uma tentativa de pensar estes limites (os da linguagem) em uma direção que não é aquela, trivial, do inefável (...)” (p.10) “... o lugar de uma tal experiência transcendental encontra-se naquela diferença entre língua e fala (ou antes, nos termos de Benveniste, entre semiótico e semântico) que permanece o incontornável com o qual toda reflexão sobre a linguagem deve confrontar-se.” “Pois é óbvio que, para um ser cuja experiência da linguagem não se apresentasse desde sempre cindida em língua e discurso (grifo), um ser que já fosse, portanto, sempre falante e estivesse sempre em uma língua indivisa, não existiriam nem conhecimento, nem infância, nem história”. 5. Estes poucos recortes, são, certamente, insuficientes para abranger a complexidade e ao mesmo tempo apontar as possibilidades de uma frutífera discussão sobre as implicações a que me propus seguir nesta parte do trabalho. Mas, estes mesmos recortes me parecem quase suficientes, digamos assim, para que possamos produzir certa “torção” neste tema da infância e discurso, quando fustigados pela advertência lacaniana antes mencionada. Uma hipótese provisória esta, de procurar o lugar da experiência com a língua enquanto infância do homem. O que significa então, poder pensar, no âmbito das psicoses e dos sistemas delirantes que aí se montam pelo sujeito, na sua relação de experiência com a língua (cindida com o discurso), em uma idéia de infância para além de uma substância psíquica. 6. Pois bem, para “finalizar”, um outro recorte: “É a infância, a experiência transcendental da diferença entre língua e fala, a abrir pela primeira vez à história o seu espaço(...). É a este problema que a teoria da infância possibilita dar uma resposta coerente. A dimensão histórico-transcendental, que designamos com este termo, na realidade situa-se precisamente no hiato entre semiótico e semântico, entre língua pura e discurso, e fornece por assim dizer, a sua razão. Na medida em que possui uma infância, em que não é sempre já falante, o homem não pode entrar na língua como sistema de signos sem transformá-la radicalmente, sem constituí-la como discurso”. (p.65) Teria sido esta uma das diferenças entre a produção literária e filosófica (e delirante!) do “paranóico genial”, Jean J.Rousseau, assim chamado por Lacan, e o sistema delirante do nosso Presidente Schreber, apresentado por ele mesmo, em suas Memórias? Rousseau, no século XVIII, e Schreber, na Alemanha do século XIX, ambos re-inventam, re-tomam a (suas) infância, a Infância do homem, através, então, do hiato, da beância, entre língua e discurso. Desta perspectiva, ocorreu-me, então, situar a interrogação que formulam Jean Bergès e Gabriel Balbo sobre se Há um infantil da psicose? , nos termos de que parece atuar aí nas psicoses, à luz do que se pôde conhecer sobre o Caso Schreber, por meio das pesquisas realizadas por Nierderland e outros, aquela outra Infância, para a qual o sujeito falante estará sempre reentrando. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 12 13 SEÇÃO TEMÁTICA TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. SCHREBER (NÃO) É UM LIVRO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agamben, Giogio. Infância e História. Belo Horizonte, Ed.UFMG, 2008. Foucault, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 1996. ___. Historia da Sexualidade, Vol. 1, Rio de Janeiro,Graal, 1985 ___. Vigiar e Punir. Petropolis, Vozes, 1987. ___. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1999. Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 3, As psicoses. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 2002. Niederland, William G. e outros. Los casos de Sigmund Freud – El caso Schreber. Buenos Aires, Ed. Nueva Visión, 1980. Revista de Comunicação e Linguagens. Michel Foucault – uma analítica da experiência. Lisboa, Portugal, Ed.Cosmos, 1993. Santner, Eric L. A Alemanha de Schreber. R.J., Zahar, 1997. Schreber, Daniel Paul. Memórias de um Doente dos Nervos. R.J, Paz e Terra, 2006. Soler, Colette. A psicanálise na civilização. Rio de janeiro, Contra Capa, 1998. Ester Trevisan “(...) l’intransmissible est au coeur du désir de transmettre, non pas comme ineffable perdu dans les sables mais seuil à l’invention1”. S chreber é um livro. Um livro autobiográfico, mas um livro. Apesar dele nunca ter encontrado psicanalistas, veio a ser “o paciente mais citado da história da psicanálise”2. O fato é que o livro despertou o interesse de Freud, levando-o a afirmar que reconhecia nas “Memórias” o melhor manual de psicologia e psiquiatria já escrito. Eduardo Prado de Oliveira, na leitura que faz da relação de Freud com Schreber, chega a afirmar que “Freud não leu o livro de Schreber: encontrando ali a sua teoria ele se releu”3 . O próprio Freud explicita em seu texto ter edificado a sua teoria da paranóia muito antes de saber do livro de Schreber. O livro chega a Freud por volta de 1908, pelas mãos de seu amigo e interlocutor Carl Gustav Jung, por quem Freud nutria certas expectativas quanto à divulgação de suas idéias fora do círculo de Viena. O livro interpela Freud, que encontra, na pena deste “doente dos nervos”, elementos que de certo modo estão presentes nas suas elaborações psicanalíticas. O fato de ser autobiográfico fez com que o considerasse como um caso exemplar, “porta de entrada para o reino da paranóia”. No seu artigo sobre o caso, é onde Freud vai dizer a sua conhecida frase: “tive sucesso lá onde o paranóico fracassou”. 1 Porge, E. Transmettre la clinique psychanalytique. Freud, Lacan, aujourdhui. Ed. Érès, Ramonville-Saint-Ange, 2005. p.12. « (…)o intransmissível está no cerne do desejo de transmitir, não como inominável perdido nas areias, mas como abertura à invenção”. (Tradução livre do autor) 2 De Oliveira, Eduardo Prado (Org). Le Cas Schreber. Contributions psychanalytiques. Recueil organisé, traduit avec présentation, introduction et notes de Eduardo Prado de Oliveira sous l’orientation de Jean Laplanche. P.U.F, Paris 1979. 3 Idem p.13. Grifos nossos. 14 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 15 SEÇÃO TEMÁTICA Sabemos que Freud veio da neurologia, Flechsig, o médico que tratara Schreber na primeira crise e que se tornou figura central de seu delírio, era um eminente neurólogo. O próprio Freud utiliza termos da neurologia ou toma dela metáforas para explicar os fenômenos psíquicos que tenta desvendar. A questão do pai e da religião, da relação entre sonho e delírio, seus estudos tomando referências literárias como apoio, enfim, são inúmeros aspectos da obra de dois grandes homens que parecem ter se encontrado. Poderíamos dizer que “os nervos” de Schreber encontraram certa ressonância em Freud, levando-o a apontar, como o faz ao final de seu texto, certas semelhanças entre as hipóteses que lança para a compreensão da paranóia e alguns aspectos da formação delirante de Schreber. Schreber toca Freud em pontos que lhe são caros naquele momento: o de pesquisador que quer transmitir a psicanálise e desvendar elementos que possam ancorar decisões propriamente analíticas: “Vejo uma certa quantidade de paranóicos (e de dementes) e aprendo deles tanto quanto outros psiquiatras aprendem de seus casos, mas em regra geral isto não é o suficiente para produzir decisões analíticas.”4 O período entre 1908 e 1911 5 é o período em que Freud lê e redige, então, o seu texto sobre “As Memórias”, que vai ser publicado na primeira Revista de psicanálise, co-dirigida por ele e Bleuler6 . A partir da transferência de Freud com o texto de Schreber, algo da relação transferencial dos psicanalistas com Freud se coloca em curso neste trabalho de transformar Schreber em um caso. Ele produz sua narrativa do “caso” articulando-a aos seus pontos de reflexão, pontos que faziam parte TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. de um trabalho compartilhado com os psicanalistas que frequentavam o seu círculo. Enquanto preparávamos esta jornada, fui levada a ler algumas das “Minutas da Sociedade Psicanalítica de Viena”, e é interessante o que podemos encontrar nos comentários de Freud e seus colegas nas reuniões das quartas-feiras, nos debates daqueles primeiros psicanalistas às voltas com as questões em que estavam trabalhando. O trabalho em torno de Schreber, a transferência com o texto produziu em mim este efeito de “busca das origens”. O que me interessou nesta leitura foi o enorme trabalho de compartilhamento na construção dos conceitos psicanalíticos, que me parece ser o grande legado freudiano: o analista não pode prescindir do diálogo com os pares. Trago brevemente, a título ilustrativo, alguns temas tratados nestas reuniões que, além de abordarem escritos que poderíamos chamar de mais “técnicos”, eram especialmente ricas em comentários de obras literárias. É o caso, por exemplo, da sessão de 24 de outubro de 19067 , em que O. Rank faz uma exposição intitulada “O drama do Incesto”. O debate acontece basicamente a partir de referências literárias contendo o tema do incesto para abordar a questão do recalcamento e do retorno do recalcado nas neuroses. A sessão seguinte8 vai tratar da leitura do livro de Bleuler que se chama “Afetividade, sugestibilidade e paranóia”. Freud critica Bleuler por “concordar somente em parte com sua teoria, que não compreende nada de suas teorias sexuais”9 , e ressalta como ponto importante o fato de Bleuler defender a questão do afeto, pois, segundo Freud: “é preciso elucidar a origem do afeto na idéia delirante. (...) O mecanismo da paranóia é relativamente claro, mas o processo que leva à paranóia ainda não foi estudado”. 10 4 Freud,S. Le Président Schreber. Remarques psychanalytiques sur un cas de paranöia (dementia paranoides) décrit sous forme autobiographique. Paris, France, Quadrige/P.U.F, 1995. p.7. 5 Cf Thierry,V. La psychose freudienne. L’Invention psychanalytique des psychoses. Paris, Éd. Arcanes, 1995. p. 85. 6 O Jahrbuch für psychopathologische und psycho-analytische Forshungen. 16 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 7 Pontalis, J.B. (Org). Les Premiers Psychanalystes : Minutes de la Société de Vienne Tome I 1906-1908. Paris, Éditions Gallimard, 1976. p.45-56. 8 Idem, Sessão de 31 de outubro de 1906.p.57-62. 9 .Idem, p. 60. 10 Idem, p. 60. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 17 SEÇÃO TEMÁTICA Em fevereiro de 1907, Stekel faz um comentário de duas obras: “A psicopatologia do errante”11 , estudo clínico de Willmanns e “A psicologia da demência precoce” de Jung. Sabemos que o debate em torno da demência precoce vai ser um pivô na indisposição com Jung, e nesta sessão vemos uma manifesta discordância diagnóstica do caso apresentado, para Freud, um caso de paranóia. Posteriormente, ao escrever o seu Schreber, Freud vai fazer também um diálogo com Bleuler a respeito da demência precoce para afirmar a paranóia “como um tipo clínico autônomo, mesmo se o seu quadro é complicado por traços esquizofrênicos”12 . É nesta sessão ainda que ele menciona a hipocondria e sua relação com a paranóia: “Se é justo que a neurose de angústia é o equivalente somático da histeria, deve haver um estado somático em que há uma relação análoga com a paranóia que é a hipocondria. Produz-se um retorno da libido em direção ao eu, retorno ao qual correspondem sempre transformações em sensações penosas”. 13 Ele retoma este ponto em seu escrito de Schreber. Talvez possamos dizer que a relação da hipocondria à paranóia passa a ser “lida” na clínica a partir de Freud. Não é incomum encontrarmos pacientes com uma pregnância de delírios corporais, mostrando-nos o quanto a questão do corpo está implicada de um modo particular nas psicoses. Lacan vai falar da hipocondria da primeira crise de Schreber como sendo da ordem dos “fenômenos elementares” que aparecem nas psicoses. É como comentador de um texto que Freud estuda o delírio de Schreber. Ele se atém ao escrito, ao enunciado – diferente de outros que vão lê-lo 11 É curioso encontrar entre estes primeiros psicanalistas esta questão que é tão atual e relativamente pouco explorada entre os psicanalistas. Faz-se já ali toda uma crítica ao tipo de abordagem feita nos asilos, chega-se a falar em “sadismo médico” relativamente aos casos referidos. 12 Freud,S. Le Cas Schreber, p. 74. 13 Freud, Op. cit. p. 132. 18 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. buscando referências biográficas. É a partir do testemunho de Schreber que ele estabelece noções sobre a paranóia que são muito vivas ainda hoje, apesar de calcadas na clínica das neuroses. A análise que Freud faz do delírio permite-nos ler as “Memórias” com Freud. A escrita de Schreber pode produzir um efeito de sideração, impedindo a sua leitura. Não é fácil ler Schreber, é um texto de uma alteridade absoluta. Octave Mannoni, ao abordar a questão de pensarmos o valor literário do escrito de Schreber, diz que o considera “louco por causa de sua insistência em descrever o que para ele é objetivo, desvelando assim a falha que permite passar da cena da escrita, onde reina o autor, à cena do sujeito, onde, para Schreber, reinam o inconsciente e o delírio. (...) Schreber transforma em psiquiatra qualquer leitor, por mais ignorante que seja no assunto”. Alfredo Jerusalinky, em um comentário após a entrevista de um paciente paranóico há alguns anos no CAPS, alertava-nos para o fato de que o que falta ao psicótico é o espaço ficcional. Espaço este que é diferente do imaginário, que é circunscrito, tem uma extensão limitada. No delírio nos deparamos com um imaginário ilimitado, como o constatamos na leitura das “Memórias”. A estabilização de Schreber se dá a partir de sua transformação em mulher e é algo que ele mantém do seu delírio. Henriquez ressalta a “admirável coincidência: ao mesmo tempo que ele inscreve sobre o seu corpo as marcas de sua feminização, Schreber começa a escrever”14. Schreber inicialmente jogava algumas notas sobre o papel, numa transcrição desordenada de idéias e palavras, e é somente a partir de 1897, ou seja, quatro anos após sua internação, que passa a escrever um diário e concebe o plano futuro de suas “Memórias”. 14 Henriquez, M. Aux carrefours de la haine : paranoia-masochisme-apathie. Paris, Éd. ÉPI, 1984. p. 60. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 19 SEÇÃO TEMÁTICA Henriquez destaca também : “o quanto a aceitação de se ver e de se exibir com traços femininos, colocando-se em cena como uma mulher, olhando-se no espelho (...) leva a uma cessação das sensações dolorosas de transformação do corpo e do cortejo de angústia persecutória que as acompanhavam (...) Às preocupações hiponcondríacas e aos ataques do corpo, sucedem uma idealização, uma reunificação do corpo, uma retomada narcísica em uma imagem especular”.15 Em suas observações, o Dr Weber, médico assistente de Schreber, assinala que “na primavera de 1897, pode-se observar uma mudança no paciente, quando teve início uma viva troca de cartas entre ele e sua esposa”. 16 A catástrofe do mundo que encontramos em Schreber durante o estádio “tempestuoso” de sua doença, não é rara de ser encontrada em outras histórias de doentes, dirá Freud, o que podemos constatar na clínica. Ele dirá, ainda, que “o paranóico o reconstrói [o mundo] (...) de modo que possa aí viver. Ele o edifica pelo trabalho de seu delírio. O que tomamos por produção da doença, a formação delirante, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução”. 17 No que Schreber escreve podemos perceber a sua busca de representações dele mesmo e de identificações que o permitissem se inscrever no campo de um possível. Quando propus o título “Schreber (não) é um livro”, pensava na dificuldade que é o encontro com o paranóico, na diferença de posição em que estamos quando encontramos o texto e quando encontramos o paciente às voltas com a sua paranóia. TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. É muito diferente “ler” o escrito de um paranóico e “estar na presença” de alguém no momento em que está vivendo o seu delírio em toda a sua força e ali tentarmos produzir uma intervenção clínica. Certamente avançamos na clínica da paranóia depois de Freud, mas não creio que possamos dizer que o trabalho psicanalítico com o paranóico tenha se tornado mais fácil. O próprio Schreber retorna ao asilo em 1907, para dele nunca mais sair. O seu retorno ao asilo se dá no mesmo ano em que morre sua mãe e que sua esposa fica afásica devido a um derrame, dando-nos mostra do quão frágil é o equilíbrio na paranóia. No seu relatório, o Dr. Weber escreve que apesar da grande crise ter passado, em determinados momentos o paciente não conseguia controlar certos gestos: “as violentas contorções da face, resmungos, pigarros, risadinhas” e que “o que mais tornava perturbador era o estado de urros.”18 Schreber, ao redigir a sua apelação, contesta categoricamente um a um os argumentos do Dr. Weber e, em particular este, dizendo que, caso ocorressem, não seriam de responsabilidade médica, mas deveriam ser tratados com um caso de polícia. Ele alega que, naquele momento, o “estado de urros” só acontecia quando estava no hospital, entre os loucos, e sobretudo quando lhe faltava oportunidade de “conversar com pessoas cultas”. 19 É muito interessante ler a sua argumentação, a clareza com que expõe todos os seus pontos de vistas e contesta as afirmações do perito. Tomo este exemplo apenas para mostrar a sua coerência argumentativa e para pensarmos nos limites do que chamamos de cura quando estamos diante de um grande paranóico. Schreber, apesar de ter conseguido escrever sua experiência, permaneceu terrivelmente só, a sua verdade era incompartilhável. Gostaria de concluir trazendo um fragmento clínico de um caso que venho acompanhando há mais ou menos 6 anos. Trata-se de um homem de 47 anos, extremamente delirante, que desencadeou sua paranóia há 25 anos. 15 Idem, p. 60. Schreber, D. P. Memórias de um doente dos nervos. Trad. e org. Marilene Carone. São Paulo, Ed Paz e Terra, 3ª ed., 2006. p. 288. 17 Freud op. cit. p.70. 18 Memórias, p. 297. 16 20 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 19 Memórias, p. 318. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 21 SEÇÃO TEMÁTICA TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. Ele apresentou sua grande crise logo após ter passado no vestibular e começado a cursar duas universidades. Até o momento da crise, ele trabalhava. De origem alemã, é proveniente do interior do estado em região de típica colonização. O pai, alcoolista, era um homem que se tornava violento quando alcoolizado. Sua crise parece também conter elementos de sua tentativa de defender a mãe da agressividade paterna. Digo parece, porque ele fala muito pouco de sua história. Percebo que ele tem muito cuidado em não mostrar os seus sintomas para a mãe, não quer “preocupá-la”, sente que a decepcionou. No início do tratamento, ele era completamente impermeável a qualquer colocação que eu pudesse fazer acerca do que dizia. Nos primeiros tempos do atendimento, ele vinha com uma agressividade enorme, gritava a qualquer interpelação que eu fizesse, cada palavra proferida por mim era tomada como absurdo, ele ficava furioso, levando-me a encerrar a sessão. Nestas ocasiões, eu dizia a ele que gostaria de continuar a recebê-lo, porém não daquele modo, eu não estava ali para ser agredida, que o esperava em seu próximo horário. Confesso que ele me causava medo. Aos poucos, parece que minha presença não lhe era mais tão ameaçadora, ele fazia algumas questões sobre as coisas das quais eu gostava e, percebendo que eu me interessava por literatura, passou a trazer cadernos que escrevera ao longo de muitos anos e lia seus poemas para mim. Lembro-me que me impressionava a forma como descrevia a mulher: idealizada, inatingível. Ele queria que eu fizesse “crítica literária”, e se eu ousasse colocar qualquer questão de ordem pessoal, que pudesse levá-lo a falar de sua história, ele novamente ficava furioso. Era-me extremamente difícil suportar estas sessões, eu me sentia literalmente pregada à cadeira, qualquer gesto meu era tomado dentro de seu sistema interpretativo, enfim eu me perguntava sempre até que ponto o que eu fazia – ou melhor, o que conseguia fazer – teria alguma função. Ele é Deus, tem mais de 2000 anos, múltiplas vidas, ele é vários. Dizse um erudito, que começou a ler aos três meses de idade, sabe todas as línguas, inclusive as mortas. Queixa-se de ter que se contentar com o seu trabalho simples, ele que tem um destino grandioso: foi treinado e trabalhou com a KGB e a CIA, escreveu milhares de poemas – que estão com os escribas (ele pode prová-lo), traduziu a bíblia em todas as línguas, já nasceu inúmeras vezes, é um grande cineasta (Steven Spielberg deve seus filmes a ele), é um eminente cientista, enfim, eu poderia citar vários temas do seu “gigantismo” que é como nomeia este ilimitado do delírio que falamos acima. A sua grande questão sempre foi com a psiquiatria e, dado seu acúmulo de conhecimento, os psiquiatras obviamente não sabem tanto quanto ele. Houve um momento em que ele chegou a sair do serviço por não suportar a psiquiatra que o atendia: ela o recebia com a mãe e ele se sentia extremamente ameaçado. Naquele momento, ele passou por uma internação e, quando saiu, pediu para retornar ao serviço porque queria continuar se tratando comigo, porém não com ela. Ele passou a ser assistido, então, por um outro médico, mas no momento em que este fez um gesto de conduzi-lo até a porta do consultório, ele interpretou como assédio e os problemas com o psiquiatra novamente recomeçaram. Ele, atualmente, vem sendo acompanhado por um psiquiatra mais experiente, mas não são poucas as críticas que escuto: ele o chama de “filosofozinho barato”, “psiquiatra de manual”, “homicida químico” pelos medicamentos que lhe prescreve. Porém, algo se modificou: ele tem restringido os seus momentos de briga com o psiquiatra à sessão que antecede sua avaliação mensal e passou a reivindicar uma psiquiatra que ele encontrou em uma de suas internações. Queixa-se do conselho de medicina e do Estado, que “absurdamente” não o escutam em sua reivindicação. Esta psiquiatra o avaliou em uma de suas internações e ele diz que ela teria conversado com ele como nenhum outro psiquiatra o fez. Ultimamente, ele vem falando da possibilidade de passar “de caso ambulatorial para caso clínico”. Isto quer dizer: ser atendido por ela e por mim. Por que? A psicanálise para ele é para que possa falar de seu futuro, dos seus projetos, porque desde seu encontro comigo ele passou novamente a “ter esperanças de vir a ter uma vida normal”. Com essa psiquiatra ele falaria dos seus traumas, pois para ele “a verdadeira psiquiatria é a que trata dos traumas, não é esta que tenta intoxicá-lo”. Falar do futuro é porque, o C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 22 23 SEÇÃO TEMÁTICA TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro. que ele quer, é a cura. A cura “é poder casar, ter uma vida em que seja respeitado”. Entrementes, o que temos feito? Conversado. De um modo estranho, mas pode-se dizer que conseguimos ter algumas conversas. Ele me fala “dos paranóicos que o perseguem”, que hoje se restringem a “um certo casal” e à “família postiça” que o atrapalham: eles o impedem de ler, de retomar os estudos, trabalhar. Há mais ou menos um ano ele me falou de um livro escrito “sobre” ele: é um livro em cujo título encontramos as iniciais de seu nome. Perguntou-me se eu gostaria de lê-lo e eu disse que sim, que me interessaria muito. Ele me trouxe o livro e me emprestou com muitas recomendações, o livro precisava ser devolvido “intacto”. A partir daí, como eu “cuidei muito bem do livro”, ele “decidiu” que eu deveria ler a “Comédia Humana” de Balzac, todos os 17 volumes. Ele quer me tornar uma profunda conhecedora da psiqué dos franceses, porque soube que morei na França. Eu estou no terceiro volume, ele diz que eu não preciso ter pressa, pois, afinal, “teremos muito tempo, ainda, juntos”. Eu confesso que achei perturbador fazer parte deste seu “projeto”, mas de todo modo, eu não tinha escolha. No início, eu tinha dúvidas se ele realmente tinha lido e é com surpresa que constato que ele os leu. Tem sido um modo interessante de conseguir dialogar com ele através destes contos, ele consegue permitir que eu lhe faça algumas questões a respeito de sua história. O que percebo é que, apesar de ele já conseguir suportar que eu pergunte, que o interrompa em alguns momentos, que suporte falar de sua vida, de sua história ele tem uma rigidez e uma necessidade imperiosa de “estar no controle”. Não é qualquer dia em que eu posso intervir. Muitas vezes ele vem, traz o seu discurso pronto, diz o que preparou para dizer, pergunta se pode ir, e vai. É curioso também como ele começa a referir que não é sempre que tem necessidade de preparar o que vai falar com antecedência, que não precisa mais fazer isto, podendo se permitir o improviso. Hoje ele aceita quando eu o incito a ficar e falar mais um pouco, mas confesso que, muitas vezes, a sua fala é tão fantástica que eu nem mesmo consigo fazer o convite. Ele vem rigorosamente a todas as sessões, reclama se eu falto por algum motivo. Fico me perguntando se esta seria a sua “cura”, a sua “estabilização”. Ele diz que “precisa” vir, é o único lugar onde pode conversar “com” alguém e não só “por telepatia ou com as paredes”. Ele se queixa de ser só. Um grande avanço para ele foi a construção de um Shopping, próximo à sua casa, lugar onde se tornou um assíduo freqüentador. Um dia eu o encontrei ali, por acaso, e ele veio me cumprimentar dizendo: “podes ficar à vontade e vir sempre que quiseres ao meu shopping”. Para terminar: Freud conclui a sua leitura do caso dizendo: “pertence ao futuro decidir se há mais delírio em minha teoria do que gostaria, ou se há mais verdade no delírio de Schreber que estejamos preparados para acreditar.”20 Penso que esta dúvida de Freud está sempre presente também no vivo do trabalho, pois com estes pacientes nós vamos tateando, aprendendo, num trabalho de construção incessante, perguntando-nos muitas vezes se nossas hipóteses não seriam também um pouco delirantes. O paciente que acompanho não é um livro, mas as suas construções neste espaço com o analista tem se tornado compartilháveis através dos livros. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 24 20 Freud, op. cit p. 77. 25 SEÇÃO TEMÁTICA POLI, M. C. Uma paranóia freudiana. UMA PARANÓIA FREUDIANA Maria Cristina Poli E xistem muitos aspectos surpreendentes na leitura que Freud faz das “Memórias”. Ele parte de um livro – uma autobiografia, é certo, mas assim mesmo um livro – para interpretar seu autor e transformá-lo em um caso clínico. Uma das “cinco psicanálises”, indicadas na bibliografia tradicional. Não deixa de ser curioso que seja este texto que conste no rol de clássicos, e não outros, de pacientes acompanhados diretamente por Freud, como, por exemplo, o da jovem homossexual. Mas o aspecto surpreendente que eu gostaria de destacar é o lugar de leitor e intérprete que Freud assume em seu texto e as possibilidades e impasses que tal posição acarreta. Freud chega ao texto de Schreber antecedido por Jung e Abraham e incentivado por ambos. Ele reconhece essa influência nas cartas que escreve a eles e a Ferenczi nesse mesmo período, situando seu interesse pelo caso com base em uma questão identificatória: a paranóia de Schreber com Flechsig lhe evoca o episódio da acusação de plágio proferida por Fliess em torno do tema da bissexualidade. Porge aborda esse tema no livro “Um roubo de idéias?”. Ele menciona alguns recortes dessa correspondência que testemunham da presença desse episódio no interesse de Freud por Schreber: “Desde o caso Fliess, em cuja superação, precisamente, você me viu ocupado, essa necessidade [de abertura da personalidade] se extinguiu em mim. Uma parte do investimento homossexual foi retirada e utilizada para o crescimento do meu eu próprio. Tive êxito ali onde o paranóico fracassa.” (carta a Ferenczi, 06/10/1910). “Meu amigo de então, Fliess, desenvolveu uma bela paranóia depois de se ter desembaraçado de sua inclinação por mim, que decerto não era pequena. É a ele, ou seja, a seu comportamento, com efeito, que devo essa idéia.” (12/07/1908 carta a Jung) 26 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. “Não se esqueça de que nós dois aprendemos com ele [Fliess] a compreender o mistério da paranóia.” (carta a Abraham, 03/03/1911) É, portanto, em Fliess que Freud primeiro interpreta a relação entre paranóia e homossexualidade: seu amigo atuou suas pulsões homossexuais, rechaçadas, acusando-o paranoicamente de plágio. Freud mesmo reconhece no texto sobre Schreber que sua teoria sobre a paranóia antecede a leitura das memórias. Como ele escreve ao final do texto de 1911: “Posso, não obstante, invocar um amigo e colega especialista para testemunhar que desenvolvi minha teoria da paranóia antes de me familiarizar com o conteúdo do livro de Schreber.” (p. 85) Porém, não passa desapercebido que Freud também se reconhece em Schreber. Como menciona na correspondência com Ferenczi: “tive êxito ali onde o paranóico fracassa”. Também no texto sobre Schreber tal colocação tem a conotação do bem sucedido de suas elaborações teóricas que ele desconfia serem tão delirantes quanto as do presidente da corte. Esses elementos presentes na leitura de Freud são enfatizados por Santner, no livro “A Alemanha de Schreber”, que aponta neles um substrato histórico interessante: a época da publicação do texto de Freud é contemporânea da fundação da Associação Psicanalítica Internacional. O texto de Freud é carregado, portanto, da preocupação do autor com a transmissão da psicanálise, para além da sua pessoa, e inclui suas percepções sobre a fragilidade da função simbólica a qual seu nome e o da psicanálise estão sujeitos. Cito Santner: “Aqueles foram anos cruciais na consolidação do movimento psicanalítico, frente a divisões internas cada vez mais profundas – o rompimento final com Adler viria em 1911, e com Jung, dois anos depois, as quais, é claro, só faziam intensificar e complicar a luta continua pelo reconhecimento por parte da comunidade cientifica e intelectual mais ampla. A instituição da psicanálise achava-se, poderíamos dizer, num estado de emergência (emergency), no sentido de um estado de surgimento (em ergence [estar emergin- C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 27 SEÇÃO TEMÁTICA do]), de vir-a-ser, bem como de crise e exposição a perigos. Esse foi um período em que as palavras e conceitos fundantes – o que poderíamos chamar, com Schreber de Grundsprache ou ‘lingua fundamental’ da psicanálise – que viriam a estabelecer a forma e a direção intelectual dessa nova e estranha ciência, em que as fronteiras que determinariam o interior e o exterior do pensamento psicanalítico propriamente dito, estavam sendo acalorada e asperamente contestados.” (p. 39) E Santner continua um pouco mais adiante com essa instigante proposição: “Será minha tese nesse livro que os aspectos cruciais da ‘doença nervosa’ de Daniel Paul Schreber, inclusive a fantasia central de feminização, só se tornam inteligíveis quando cotejados com o contexto dos problemas e questões gerados por esses estados de emergência institucionais e políticos.” (p. 39). Da mesma forma – podemos acrescentar seguindo sua indicação – a identificação maciça a Schreber, nesse contexto de crise políticoinstitucional, ou, como denomina o autor, de “crise de investidura”, precisa ser incluída na leitura do texto de Freud. De fato, como observa Santner, encontra-se em Freud, e reconhecida por ele, angústias de influência e anseio por originalidade que se precipitam em hesitações na “transferência” de poder na psicanálise. A história culmina, como sabemos, nas rupturas com Adler e Jung. Assim, afirma o autor: POLI, M. C. Uma paranóia freudiana. qual Freud é o ator principal. Contudo, penso ser importante identificá-la para abordar uma dificuldade de leitura do caso Schreber, que continua a nos interrogar, e que se refere à interpretação da paranóia como realização sintomática de um fantasma homossexual. A pergunta, difícil de ser respondida, é: afinal, qual a relação entre paranóia e homossexualidade? Poderíamos responder rapidamente que se trata de uma leitura equivocada de Freud, uma interpretação movida pela contratransferência (no sentido lacaniano, isto é, da atuação dos preconceitos do analista). Nas “Memórias”, Schreber expressa suas fantasias inconscientes “a céu aberto”, como se costuma dizer, e ele jamais referiu ter desejos homossexuais. Trata-se antes de transformar-se em mulher, o que é outra coisa. O que ele realiza em seu delírio é até mesmo a realização da fantasia heterossexual por excelência: ser a mulher de Deus. Ou ainda, em outra faceta da mesma fantasia, ser homem e mulher em um mesmo corpo, realizando assim a impossível relação sexual. Conforme o próprio Schreber: “(...) represento a mim mesmo como homem e mulher numa só pessoa, consumindo o coito comigo mesmo, realizando comigo mesmo certas ações que visam a excitação sexual, ações que de outra forma seriam consideradas indecorosas, e das quais se deve excluir qualquer idéia de onanismo ou coisas do gênero.” (p. 218) Enfim, recorro a esse expediente de leitura do texto freudiano no contexto de sua produção não para sobrepor uma interpretação a outra; não se trata de propor que a verdade do caso Schreber estaria numa outra cena na No entanto, é bem verdade – ou como diria Charcot, “ça n’empêche pas d’exister” – que podemos identificar na clínica a existência de algum parentesco entre homossexualidade e paranóia. Mas não seria talvez o caso de se dizer “a fantasia paranóica do homossexual” e não o contrário? Pensei nisso a partir de um caso clínico no qual as fantasias paranóicas do paciente se sobrepunham a um exercício homossexual recusado. “Recusado” no sentido de não encontrar suporte na enunciação do desejo, sendo a nominação “homossexual” percebida como injuriosa. É pela via da injuria que podemos identificar, talvez, o ponto de encontro entre o exercício sexual e posição de objeto de gozo do Outro. A C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. “Se de fato há uma dimensão transferencial no envolvimento apaixonado de Freud com o material de Schreber, ela diz respeito não apenas a questões de paixão pelo mesmo sexo, mas também a questões de originalidade e influência, questões pertinentes à transferência de conhecimento e autoridade no próprio campo que Freud estava demarcando como seu.” (Santner, p. 35-36) 28 29 SEÇÃO TEMÁTICA sobreposição dessas inscrições, na fantasia e no delírio, aproxima paranóia e neurose obsessiva. Em Schreber, tal elemento se expressa no episódio bem conhecido da nominação que recebe do deus Ariman: Luder (que pode ser traduzido por puta, vagabunda ou podre). Nas “Memórias”, ele descreve assim esse momento: POLI, M. C. Uma paranóia freudiana. No contexto da formação delirante de Schreber a nomeação injuriosa é recebida como benéfica, como encontro com um significante que faz suplência à forclusão da castração, ponto de basta na deriva da significação. Ela inscreve ao mesmo tempo, e no mesmo ponto, os registros da filiação e da sexuação. Tal como o Édipo o faz na neurose. Porém, nesta, o efeito do recalque incide justamente nessa sobreposição de registros. Assim que a injuria é aí recebida como interpelativa e insuportável. Ela é signo da condenação moral pela qual o sujeito fica à mercê do gozo do supereu. O efeito é paranóico, mas a estrutura é a da neurose. É, pois, no âmbito da neurose e, mais especificamente, na obsessividade, que a homossexualidade pode se apresentar primeiramente como injuriosa, sendo portanto sujeita ao recalque: ela atualiza a fantasia de incesto, na qual exercício sexual e objeto do gozo do Outro se confundem. Retomando o trabalho de Santner, ele nos traz elementos que, como já assinalei, propõe o desencadeamento da psicose de Schreber como uma “crise de investidura”. Freud menciona o excesso de trabalho, referido por Schreber, como precipitador de sua hipocondria, mas não chega a associála ao ato de nomeação como presidente da corte. É Lacan que vai trazer esse elemento, permitindo que se aborde a semelhança no estatuto do objeto na obsessão e na paranóia, pela identificação com o objeto resto e sua sobreposição à cena incestuosa, ali onde o significante do Nome-do-pai (forcluído na psicose e excessivamente imaginarizado – quase forcluído – na obsessão grave) depõe suas armas. O efeito injuntivo da nomeação é, no entanto, como vimos, bastante distinto na paranóia e na obsessão. Na primeira, a inconsistência simbólica da inscrição do Nome-do-pai lança o sujeito na busca delirante de um signo que faça consistir, no mesmo ponto, filiação e sexuação. Já na obsessão, é justo esse o ponto insuportável, de desencadeamento de angústia, – a possibilidade de se identificar a um significante que situe esses dois registros como sobrepostos. Nesse sentido, portanto, apesar do equívoco, Freud nos indica um caminho a perseguir. Para além de suas motivações identificatórias, podemos acompanhar Santner, no argumento de que se trata de uma questão de ideologia: homossexual, assim como femininilidade/passividade, entram para Freud (e para o seu tempo) na linha associativa de Luder. Santner indica C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. “Acredito poder dizer que nesse momento, e só nesse momento, vi a onipotência de Deus em toda sua pureza. À noite – e até onde me recordo, em uma única noite – apareceu o deus inferior (Ariman). A imagem resplandecente de seus raios – estando eu deitado, não dormindo, mas acordado – ficou visível para o meu olho espiritual, isso é, refletiu-se no meu sistema nervoso interno. Ao mesmo tempo eu o ouvi em sua língua; mas essa não era – como sempre foi o caso da conversa das vozes antes e depois dessa época – um leve sussurro, mas ecoava, por assim dizer, bem em frente a minha janela como um poderoso tom de baixo. A impressão era tão imponente que ninguém teria deixado de tremer dos pés a cabeça, a não ser que, como eu, já estivesse calejado pelas terríveis impressões provocadas pelos milagres. O que era dito também não tinha um tom amistoso; tudo parecia calculado para me inspirar medo e terror e ouvi várias vezes a palavra “puta” [Luder] – uma expressão muito comum na língua fundamental quando se trata de fazer com que uma pessoa que vai ser aniquilada por Deus sinta o poder divino. Mas tudo o que se dizia era autêntico, sem frases decoradas, como mais tarde, tão somente a expressão direta de sentimentos verdadeiros. Por esse motivo, a impressão que prevaleceu em mim não foi a de pavor, mas a de admiração pelo grandioso e sublime; também por essa razão, apesar das injurias em parte contidas nas palavras, o efeito sobre meus nervos foi benéfico (...).”(p. 119-120) 30 31 SEÇÃO TEMÁTICA ainda nessa série o significante “judeu” que teria propiciado de forma mais direta a identificação de Freud a Schreber. Podemos também incluir o termo psicótico ou louco nessa série. Estaríamos, então, ai na linha fronteiriça entre discurso e estrutura? Entre ideologia e efeito de sujeito? São questões que deixo em aberto e que buscam retomar a íntima relação que se estabeleceu na tradição pós-freudiana entre sexuação e estruturas clínicas. Se elas estão sujeitas às ideologias, são, então, historicamente modificáveis. Como concebê-las hoje? Como incluir em nossa prática os efeitos políticos que a interpretação psicanalítica acarreta? Referências Bibliográficas: FREUD, S. (1911/1996). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides). In: Obras completas. V. XII. Rio de Janeiro: Imago. SANTNER, E. (1903/1997) A Alemanha de Schreber – uma história secreta da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. SCHREBER, D.P. (1995) Memórias de um doente dos nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra. PORGE, E. (1998) Roubo de idéias? Rio de Janeiro: Companhia de Freud. GIL, A. Uma questão preliminar... UMA QUESTÃO PRELIMINAR DE J. LACAN: RUPTURAS E ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS Alfredo Gil O s anos 50 marcam uma ruptura no tratamento da doença mental, nos seus estudos e nas suas elaborações teóricas, tanto do ponto de vista psiquiátrico quanto do psicanalítico, dois campos que, aliás, andavam de mãos dadas sem dificuldade nessa época, e que, diria mesmo, se enriqueciam mutuamente como se viu nas instituições psiquiátricas européias e americanas com a criação de novas formas de abordagem terapêutica. O DSM I nasce em 1952 e, com ele, seu primeiro derivado medicamentoso neuroléptico. Em 1955, a confirmação de sua eficácia, incontestável no trabalho com psicóticos, desde que corretamente administrado, é confirmada no I Colóquio Internacional sobre este tipo de tratamento. Neste mesmo ano de 1955, no que concerne à concepção da psicose no âmbito da psicanálise, a ruptura, é J. Lacan que a opera em seu seminário dedicado a este tema, tendo como pano de fundo as memórias do Presidente Schreber. Mas ruptura com relação a quê? Ruptura com o debate anglo-saxônico1 em torno do caso Schreber, debate que já se encontrava, aliás, bem mais avançado e que tinha o mérito e o privilégio de poder contar neste mesmo ano com a primeira tradução inglesa das Memórias, enquanto que a primeira versão francesa só viria vinte anos depois. A ruptura é estrutural. A concepção anglo-saxônica, a começar pelos tradutores das Memórias – I. Malcapine e R. Hunter – mas também M. Katan, W. G. Niederland e outros, todos criticados por Lacan ao longo do seminário, é herdeira da tradição kleiniana. Essa, resumindo grosseiramente, propõe o seguinte: a fraqueza da instância egóica, confrontada com a parte psicótica 1 32 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. Le cas Schreber. Contributions psychanalytiques de langue anglaise. Paris : Puf, 1979. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 33 SEÇÃO TEMÁTICA da personalidade, fende-se, causando os sintomas psicóticos que preponderam sobre a parte não psicótica da personalidade. Esta dinâmica explicaria, para os autores em questão, os sintomas esquizofrênicos de Schreber, que não hesitam em tratá-lo como um caso de esquizofrenia. A este respeito, a questão diagnóstica nesses anos é importante e exige algumas observações antes de avançarmos sobre a ruptura propriamente psicanalítica, pois é por esta razão que Lacan abre seu seminário indicando que se esperavam nesta época muito mais resultados da terapia com esquizofrênicos do que com paranóicos. Mas o que Lacan não indica é que os anos 50 são o início da era internacional das esquizofrenias 2 , tanto para os psiquiatras quanto para os psicanalistas anglo-saxões (os citados acima, mas outros de grande envergadura como W. Bion e H. Rosenfeld). Nesta época, a esquizofrenia é a porta-bandeira do projeto estatístico DSM. Ela encarna, nos anos 50 e 60, a busca do projeto de uma língua única. A crítica de Lacan, nas duas primeiras aulas do seminário “As psicoses”, sobre o fato que a designação de paranóia recobre, em grande parte do século XIX, 70% das vesânias na clínica alemã, valeria para a esquizofrenia neste período.A esquizofrenia nos intercâmbios clínicos é a língua falada nesta Torre de Babel internacional : designação solvente que dilui suas particularidades ao mesmo tempo em que engloba o conjunto das psicoses. Em 1950, o I Congresso Mundial de Psiquiatria acontecia em Paris, e a esquizofrenia, onipresente, atravessava os diferentes colóquios, seja na perspectiva organogênica ou psicogênica. Vale lembrar que, neste período pan-esquizofrênico, as pesquisas na busca etiológica passam a ser multifatoriais e a esquizofrenia é o quadro clínico que se aplica aos diferentes fatores: biológico, psicológico e/ou sociocultural. Equívoco chama equívoco, e nisto o movimento antipsiquiátrico trazia consigo um duplo equívoco. Exemplo da perspectiva sociocultural, a antipsiquiatria, quer seja americana, inglesa ou italiana, recusava a existência da doença mental, 2 GARRABÉ, J. Histoire de la schizophrénie, Paris : Seghers, 1992. 34 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. GIL, A. Uma questão preliminar... sinônimo de esquizofrenia, pois esta era concebida como um mito, produto da sociedade. A partir desse contexto histórico, é possível constatar que a primeira ruptura feita por Lacan está no fato de abordar as psicoses pelo ângulo da paranóia, ruptura iniciada já em 1932 na sua tese de doutorado, como ele mesmo indica em sua primeira aula do seminário ao adotar esta nominação. Como lembrava freqüentemente G. Lantéri-Laura em seu seminário, na tradição germânica as nominações clínicas davam-se freqüentemente pela criação de neologismos de origem grega: paranóia, parafrenia (E. Kraepelin), esquizofrenia (E. Bleuler), autismo (E. Bleuler), etc., enquanto que na tradição francesa predominava a preocupação temática – delírio de perseguição (Ch Lasègue), folie raisonnante (P. Serieux, J. Caprgas), delírio de imaginação (E. Dupré) etc. –, explicando assim a introdução tardia do significante paranóia e mesmo o de psicose na clínica psiquiátrica francesa. Mas nesta ruptura há um aspecto clínico que faz com que Lacan se debruce sobre a paranóia muito mais do que sobre a esquizofrenia: naquela há preservação de uma consistência da personalidade, e, por conseguinte, de um tipo de relação para com o outro que permite isolar os elementos estruturais de sua elaboração teórica. O estádio do espelho é uma das primeiras conseqüências neste sentido. Retornemos à ruptura no campo da psicanálise. Na concepção de uma organização da personalidade regida por uma parte psicótica e outra não psicótica, cujo equilíbrio repousaria no comércio de objetos internos e externos entre a instância egóica e a realidade exterior por meio de diferentes mecanismos como, por exemplo, a identificação projetiva, não há distinção entre neurose e psicose. A idéia é que aquela é uma defesa contra as angústias inexoráveis desta, existente em todo sujeito. Em outros termos, não haveria distinção estrutural psicopatológica entre neurose e psicose, mas, de um certo ponto de vista, continuidade. Isolar um mecanismo próprio da psicose, como fará Lacan, o leva para uma posição oposta a de seus contemporâneos. No seminário de 55-56, estamos a meio caminho da elaboração do conceito de forclusão (Verwerfung) do Nome-do-pai que assina a psicose. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 35 SEÇÃO TEMÁTICA Lembramos que é em 1953, debatendo com J. Hypollite, que Lacan começa a isolar o “Ver” freudiano que seria o próprio desta clínica. Temos que ao menos sublinhar, sem aqui poder tirar todas as conseqüências, que sua porta de entrada não foi Schreber, mas o episódio do dedo cortado do Homem dos Lobos, que tendemos muito rapidamente a considerar como uma alucinação à semelhança dos exemplos a que recorre Lacan em 55-56. Se é nos “Escritos técnicos de Freud” que se situa o início desta construção, seu encerramento só ocorrerá em 1958 em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, com duas representações topológicas. A primeira é a do esquema R, apresentado no seminário do mesmo ano3 e retomado nesse texto. Ela dá conta da estruturação do sujeito que atravessa a castração pela via edipiana com a instauração do significante Nome-do-pai simbolizando o desejo da mãe e barrando, assim, este Outro primordial. A outra, a do esquema I, que procura dar conta da experiência schreberiana, é uma anomalia do esquema R, por causa da forclusão do Nome-do-pai (Po). Notemos, assim, que os elementos estruturais que Lacan isola progressivamente nesses anos são os mesmos na delimitação dos campos da neurose e da psicose. Do lado da neurose, temos S, A, a, a’ dispostos num triângulo imaginário, duplicado por um triângulo simbólico, quando a realidade enquadrada é organizada pelo significante fálico. Do lado da psicose, a forclusão do Nome-do-pai (Po) no simbólico, com a elisão do falo em um ponto correlativo, mas imaginário, precipita Schreber num “puro e simples furo”. Temos assim duas estruturas psicopatológicas radicalmente distintas rompendo completamente com o modelo anglo-saxônico abordado acima, pelo “simples” fato de que Lacan escutou e diferenciou os dois modos pelos quais o falasser pode ser parasitado pelo significante. A questão preliminar assim introduzida não apenas distingue Lacan em relação à teoria vigente das psicoses, mas abre novas perspectivas na GIL, A. Uma questão preliminar... apreensão da estrutura psicótica que hoje conhecemos bem. Por esta razão, preferimos correr o risco e fazer alguns comentários, que aqui só poderemos apresentar de modo alusivo, sobre certos efeitos da dita questão preliminar. Apesar da prudência de Lacan, que pode ser percebida no título que propõe “uma questão preliminar” para um “possível” tratamento das psicoses, o aforismo da forclusão do Nome-do-pai não escapará a um destino que lembra o desenvolvimento feito anteriormente a respeito da esquizofrenia. Para começar, extrapolando de um modo quase caricatural, encontravam-se na França, no início dos anos 70, em alguns certificados médicos psiquiátricos, observações do tipo: “persistência da forclusão em tal...” De uma vez por todas, por mais subversivo que possa ser um pensamento num momento histórico dado, momento de Aufhebung, ele pode rapidamente se tornar uma síntese sem vigor se não formos vigilantes. Neste mesmo sentido, um outro efeito, inesperado talvez, foi o destino funesto do registro Imaginário que reduziu-se (reduz-se às vezes ainda) ao Eu, lugar do desconhecimento, da alienação e do sintoma. Que nos anos 50 Lacan, no seu “retorno a Freud”, tenha sido obrigado a criticar a teorização dos anglo-saxões que fundava-se em grande medida no registro Imaginário, visando restabelecer a função da fala e o campo da linguagem na experiência analítica, ou seja, da primazia do Simbólico sobre o Imaginário, nem por isso ele prescrevia um tal destino para o registro Imaginário. Tratava-se antes de agenciar sua consistência (ou não) diante da determinação Simbólica. Na progressão do ensino de Lacan, dirigindo-se cada vez mais para uma clínica do Real como “o que retorna sempre ao mesmo lugar”4 , ou mais tarde como “impossível que não cessa de não se escrever”5 , associada à sua crítica bem conhecida sobre as questões de fim de análise pela via da iden- 4 3 Formações do inconsciente, 1957-1958. 36 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, aula do 05/02/64. 5 LACAN, J. Les Non-dupent errent. Paris, 1981, aula do 19/01/1974, inédito. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 37 SEÇÃO TEMÁTICA tificação com o analista, o Imaginário será relegado cada vez mais ao segundo plano, mas não pelo próprio Lacan. Por outro lado, paradoxalmente, alimentou-se uma concepção da psicose como inteiramente reduzida ao eixo Imaginário na medida em que se lia a forclusão do Nome-do-pai como erradicação total do (sujeito) psicótico do registro Simbólico. Ora, na experiência com pacientes psicóticos é difícil esquivar-se de momentos transferenciais bem conhecidos em que o analista, como pequeno outro, encontra-se justaposto ao Outro persecutório. No esquema I podemos indicar este pólo transferencial em M, que Lacan designa como “figuras do outro imaginário nas relações de agressão erótica”. Que este tipo de situação se produza em um dado momento de uma cura é efeito de estrutura e não necessariamente uma fausse manobra da parte do analista. Ao “não recuar diante da psicose”, como recomendava Lacan, o psicanalista só poderá operar no interior do eixo que lhe é imposto pelo paciente, no intuito de amenizar o gozo ao qual ele mesmo – o paciente – é submetido. É no interior desse debate que se pode entender a pertinência da analise de C. Calligairs 6 quando ele afirma que a forclusão do Nome-do-pai é um conceito negativo, que funda um “universal negativo” daquilo que a psicose não é, a saber, a neurose. Esta leitura introduz uma bifurcação na apreensão da psicose como estrutura: de um lado, e que fará a quase totalidade de contribuições de grande importância nesta área, tratar-se-á de trabalhos sobre os efeitos da forclusão, pois a única apreensão possível deste mecanismo se dá pelos seus efeitos, ou seja, pelas manifestações positivas, em particular o delírio e a alucinação. Por outro lado, a via aberta pela hipótese de C. Calligaris consiste em poder diagnosticar a psicose numa temporalidade aquém dos efeitos da forclusão, ou seja, anterior a uma situação que injunge um sujeito a referir-se à função paterna que para ele não foi simbolizada. GIL, A. Uma questão preliminar... Entre estas duas perspectivas, que não estão necessariamente em oposição, propomos uma nuance direcionando nosso questionamento para um fato clínico, que são as dificuldades de diagnóstico diferencial, e, sobretudo, insistindo aqui na direção do tratamento. O Homem dos Lobos é um exemplo paradigmático. Doze anos após a sua análise – se não contarmos aquela “breve pós-cura”, a pedido de Freud, que durará de outubro 1919 a abril 1920 – ele deve ainda responder a Freud7 nos seguintes termos: “Estou quase certo de ter sonhado o sonho dos lobos exatamente como eu tinha contado na época”. 8 Freud continuava a insistir em querer saber. Em outubro do mesmo ano, 1926, Freud é obrigado a endereçá-lo a Ruth Mack Brunswick para tratar aqueles “resíduos da transferência”9 , que, segundo ele, seriam a causa do que nomeou de “caráter paranóico”10 do Homem dos Lobos. Ao contrário da perspectiva freudiana de querer saber, a perspectiva lacaniana pode visar à suspensão do significante, apontando sua polissemia, sua sobredeterminação, como dizia Freud, jogando com o equívoco inerente a ele mesmo. Assim, um paciente que, ao falar de um lugar de predileção de sua infância e de origem da família paterna, a saber, um morro, 11 recebe do analista em retorno o equívoco que indica a passagem do substantivo ao verbo, conjugado na primeira pessoa. Na conjunção da tríade sexo, morte e nominação relativa ao pai, o que poderia parecer uma forte inibição obsessiva desdobrar-se-á nos primeiros sinais de uma desamarração significante, com a entrada do paciente na psicose manifesta. Alguns pacientes parecem encontrar vias de proteção “natural”. Foi o caso de um jovem de 17 anos que veio consultar trazido pela sua mãe. Ela começava a mostrar sinais de cansaço, diante das múltiplas solicitações do 7 CALLIGARIS C. Qu’est-ce que guerir une psychose ? in Le Bulletin Freudien n° 5, Belgique, octobre 1985 ; e Introdução a uma clinica diferencial das psicoses , Porto Alegre : Artes Médicas, 1989. Carta de 6 de junho de 1926. L’Homme aux loups par ses psychanalystes et par lui-même. Éditions Gallimard, Paris, 1981, p. 282. 9 FREUD, S. L’analyse avec fin et l’analyse sans fun (1937) in Résultats, idées, problèmes. Paris, Puf, 1985. 10 FREUD, S. Ibid., p. 233. 11 Cujo o nome não daremos mas que alude ao sexo. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 8 6 38 39 SEÇÃO TEMÁTICA GIL, A. Uma questão preliminar... filho ao longo do dia, ao ter que participar de seus diferentes rituais obsessivos. Ele sempre evitou dizer por que não podia renunciar à ação, mas sabia que se não executasse os ditos rituais algo de ruim aconteceria. Estávamos em um ponto de imbricação clássico, nesta idade sobretudo, entre manifestações obsessivas numa estrutura neurótica do mesmo nome ou de uma sintomatologia que tem por função defensiva de regulação de uma economia psicótica, esquizofrênica em particular, mas ainda sem evidência. O que me inclinava a pensar nesta última era a seriedade deste jovem tendo como reverso um “desinteresse e intolêrancia a todo relativismo”, como ele mesmo dizia. Ele estava preparando um concurso que lhe daria acesso a uma Grande École, supra-sumo do ensino francês, para as ciências ditas duras, a física no seu caso. Mostrando-se brilhante neste campo, dizia que nos estudos de filosofia (obrigatório para passar o equivalente ao vestibular) ele trabalhou o mínimo necessário, pois não “suportava o relativismo metafísico filosófico”. Em realidade, esta intolerância estendia-se para os estudos das letras em geral tendo também feito o mínimo de leituras exigido em literatura francesa. “Na física, dizia ele, não existe este relativismo, a aplicação de uma fórmula uma vez conhecida (o que não era um obstáculo para ele) temos o resultado, um, e um único resultado”. Acompanhei este jovem durante seis meses. Com sua carga horária de estudos associada à resistência da mãe que, apesar do cansaço, não estava disposta a renunciar ao gozo de situar-se como receptáculo do sintoma do filho – entre os quais, por exemplo: “Boa noite mamãe. Boa noite meu filho”, repetindo três vezes, quartos lado a lado, a porta aberta – a interrupção do tratamento foi inevitável. A última informação que tive a seu respeito, um ano depois, me veio, infelizmente, de uma colega do setor de psiquiatria: meu paciente havia sido hospitalizado em um estado gravemente confusional depois de sua mãe ter sido também hospitalizada devido a um acidente de carro, sem graves conseqüências. Não é o primeiro paciente que encontro, em uma vertente mais esquizofrênica, para quem a relação com o raciocínio matemático, a materialidade do número, parece ter valor de antídoto contra os efeitos de todo equívoco significante. Há um esboço de hipótese que poderia ser desenvolvido a respeito de alguns pacientes, mesmo se outros tantos poderiam contradizê-la. Trata-se da tese de S. Leclaire12 , demasiadamente esquemática, como ele mesmo admitirá, e que foi contemporânea ao período de elaborações que aqui nos interessa, ou seja, metade dos anos 50. Leclaire avançava a tese de que, para o paranóico, tratar-se-ia de simbolizar o imaginário, de onde, em alguns casos, a importância da escrita, como foi o caso de Schreber, e para o esquizofrênico, tratar-se-ia de imaginarizar o simbólico, o número sendo talvez representação deste último em estado bruto. Mas para o meu paciente, se não fosse sua dependência à presença materna, a lógica matemática aplicada às leis da física teria sido um suporte suficiente, protegendo-o contra os equívocos inerentes ao uso da língua, e toda iniciativa que apontasse para um além disto poderia levá-lo a responder a uma divisão que lhe era estruturalmente inviável. À guisa de conclusão a estas questões preliminares, diríamos que, se um tratamento é possível com o paciente psicótico seja no trabalho de cura individual seja no dispositivo institucional (no qual a hospitalização pode fazer parte num momento dado), ou muitas vezes os dois articulados, ele só será “possível” tecendo os três registros ( R,S,I ) que são próprios ao falasser e respeitando a tensão e o entrelaçamento destes registros em cada sujeito. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 40 12 LECLAIRE, S. Principes d’une psychothérapie des psychoses. Paris : Fayard, 1999 ; e À la recherche des principes d’une psychothérapie des psychoses, in L’Évolution psychiatrique, n°11, 1958, p. 377-419. 41 SEÇÃO DEBATES QUINET, A. Lições de Stonewall... LIÇÕES DE STONEWALL A SÃO PAULO1 Antonio Quinet2 1 969, Stonewall, Nova York. 2009, atentado com bomba na Parada Gay em São Paulo. Após sucessivas batidas policiais com humilhação e prisão no Bar Stonewall, reduto gay do Greenwich Village em NY, os homossexuais reagiram e se rebelaram contra a polícia; a rebelião ganhou o apoio dos passantes e os policiais recuaram. É o marco histórico do início do movimento de emancipação e liberação dos homossexuais e do combate à homofobia. No ano seguinte, deu-se a primeira Parada Gay. Em São Paulo, além da bomba atirada numa sacola do alto de um prédio, outras agressões deixaram rapazes feridos. Um deles morreu. Aos 40 anos de Stonewall, ataques como o de São Paulo estão além da homofobia. São atos de homoterrorismo. Apesar das transformações nos costumes e leis e da maior liberdade de expressão da opção sexual, prevalece, mundo afora, a repressão através de atos de guerra. No Brasil, o número de assassinatos de homossexuais aumentou 55% em 2008 em relação ao ano anterior, revela a pesquisa anual sobre crimes com motivação homofóbica, do Grupo Gay da Bahia (GGB). Como se explica o homoterrorismo? Como a homofobia, termo que designa medo, se transforma em ódio? Por um lado, podemos pensar a partir da lógica da exclusão do diferente e situar o homossexual ao lado do negro e do judeu, vítimas de discriminação e intolerância (o triângulo gay era cor-de-rosa nos campos de concentração) e também, como se tem visto, aqueles que frequentam religiões “fora da norma”, como a Umbanda, alvos de agressões em seus templos. As mulheres, acrescentese, continuam a ser discriminadas. Essa norma mítica, que se confunde com o “normal”, é a do “branco, masculino, jovem, heterossexual, cristão, 1 Artigo publicado no Jornal O Globo no dia 21 de junho de 2009. No dia 26 de junho ocorrerá na Universidade Veiga de Almeida (RJ) o Colóquio “Homossexualidades na psicanálise”. 2 Psicanalista e doutor em filosofia. 42 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. financeiramente seguro e magro” (cf. Dollimore). O homossexual provoca o imaginário de um gozo outro, tão diferente, e ao mesmo tempo tão semelhante. Para a consciência da norma, é melhor qualificá-lo de pervertido, nãoconfiável, pois um gozo periférico, daí ser perigoso. Como disse Arnaldo Jabor, os gays “ (...) sempre foram uma fonte de angústia, pois atrapalham nosso sossego, nossa identidade `clara´. O gay é duplo, é dois, o viado tem algo de centauro, de ameaçador para a unicidade do desejo... o gay sério inquieta... o gay de terno, o gay forte, o gay caubói são muito próximos de nós (...).” Ao responder a uma mãe extremamente preocupada com a homossexualidade de seu filho, Sigmund Freud (que assinara uma petição pela descriminalização da homossexualidade) aponta, em 1935, que não é nenhuma desvantagem, nem vantagem, “não é motivo de vergonha, não é uma degradação, não é um vício e não pode ser considerada uma doença”. Apesar disso, só em 1973 a American Psychiatric Association (APA) deixou de classificar a homossexualidade como doença. E depois que ativistas gays, por duas vezes (1970 e 1971), invadiram seu encontro anual. A psicanálise, na mesma direção, se opõe à pedagogia do desejo, pois esta é uma falácia. Não se pode educar a pulsão sexual, desviá-la para acomodá-la aos ideais da sociedade. A pulsão segue os caminhos traçados pelo inconsciente, individual e singular. A pulsão não é louca: obedece à lógica de uma lei simbólica a que todos estamos submetidos. Para a psicanálise, o interesse exclusivo de um homem por uma mulher também merece esclarecimento. A investigação psicanalítica, diz Freud em seu texto premiado sobre Leonardo da Vinci, opõe-se à tentativa de separar os homossexuais dos outros seres como um “grupo de índole singular”, pois “todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objeto homossexual e que de fato a consumaram no inconsciente”. Ou seja, a bissexualidade é constitutiva de todos, seja a escolha homossexual praticada ou não. O complexo de Édipo, que cai no esquecimento, comporta também a ligação libidinal do filho para com o pai e da menina para com a mãe, além das ligações do filho com a mãe e da filha com o pai. Assim, o número de homossexuais que C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 43 SEÇÃO DEBATES RESENHA se proclamam como tais, diz Freud, “não é nada em comparação com os homossexuais latentes”. Há uma diversidade enorme na homossexualidade tanto na praticada quanto na latente e sublimada. Devemos falar, portanto, de “homossexualidades”. As sexualidades são tantas quanto existem os sujeitos, determinadas pelas fantasias de cada um. A questão que se coloca nesse episódio de terror é como cada um lida com sua homossexualidade (patente ou latente) que se materializa nas amizades, nas relações entre parentes do mesmo sexo e em todo ajuntamento social. Segundo Freud, a libido homossexual é o cimento dos grupos e da massa, assim como a raiz dos ideais subjetivos de cada um se encontra em seu narcisismo (do amor por si mesmo e até a auto-estima). O “amar aos outros como a si mesmo” tem claramente fundamento homo (igual) erótico. A aceitação da homossexualidade do outro se encontra na dependência de como o sujeito lida com a sua própria. Quanto mais ele a rejeita em si mesmo, menos saberá lidar com ela, podendo fazer desse outro um objeto de ódio, de agressões e até de assassinato. Dentro de uma cultura machista e falocêntrica (existe no ocidente alguma que não o seja?) parece mais fácil para a mulher lidar com sua homossexualidade do que o homem. Não é à toa que o lipstick lesbian virou moda entre as meninas. O que está longe de ser o caso para os meninos que cedo, muitas vezes na escola, aprendem a prática do homoterrorismo. A aceitação do outro como sexuado, diferente e independente, podendo fazer suas próprias escolhas de gozo sem ter que se desculpar, é um índice de civilização. O contrário é a barbárie. 44 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. AS POSIÇÕES FEMININA E MASCULINA NA PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA POLI, Maria Cristina. Feminino/Masculino – a diferença sexual em psicanálise. Jorge Zahar, 76p. “...A identidade sexual é frágil; as vicissitudes da vida – o casamento, a maternidade e a paternidade, as mudanças do esquema corporal que a idade acarreta etc. – estão constantemente a nos demandar provas de nossa consistência identitária. Pode-se passar a vida buscando encontrar o outro complementar que, pelo amor, garantiria a identidade...” p.56 C om essa afirmação, podemos antever um pouco do que a leitura do texto “Feminino/Masculino”, de Maria Cristina Poli nos oferece. Percorrendo os caminhos da elaboração freudiana sobre o desejo inconsciente e a sexuação humana, a autora leva-nos a visitar os principais textos de Freud sobre o tema. Tomando os “Três ensaios para uma teoria sexual”, trabalho publicado por Freud em 1905, a autora resgata as bases da teoria psicanalítica e a contextualiza, em companhia de Lacan, e alertada pelas recomendações de Michel Foucault: é preciso “ler Freud sem elidir a sua própria posição de autor na produção da teoria e da prática da psicanálise.” Poli esclarece não se tratar de servir-se da biografia para explicar a obra, mas considerar que toda a teorização está sujeita a uma posição de enunciação, incluindo o sujeito que a produz. O código cultural, ou ainda o campo do Outro, incidem sobre as condições de enunciação do desejo, são as condições de alienação do autor. Desse encontro e do movimento possível de separação, surge a obra. Freud não está livre disso, é o que a autora afirma. As descobertas freudianas, não são construtos teóricos sem base na experiência. A clínica de sua época, o tornava testemunha das fantasias e C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 45 RESENHA RESENHA dos ideais vigentes. Por exemplo, havia a extrema valorização da maternidade, idealizada pelas mulheres e homens de sua época. Ser mulher na virada do século XIX para o século XX era uma condição solidamente vinculada à assunção da maternidade. O discurso vigente nesse período concebia a diferença entre os sexos como consequência da diferença anatômica. A ausência ou a presença do pênis determinava o destino sexuado do sujeito. Era o que Freud escutava e disso ele depreendeu algo verdadeiramente precioso: os adultos concebiam a diferença sexual nos mesmos moldes das fantasias das crianças. Para essas, nas suas tentativas de interpretar a diferença, inicialmente haviam os seres com pênis e aqueles aos quais falta o órgão. Para os meninos, já que o tinham, restava o medo de perder uma parte tão valiosa de seu corpo. Às meninas, restava a inveja daqueles que o tinham. Se pensarmos nas condições sociais do exercício da cidadania, vamos perceber que ter o pênis na época de Freud, significava ter uma vida pública, instruir-se, eleger os próprios representantes no campo político, isto é, ir além da vida doméstica. Restava às mulheres uma certa compensação através dos filhos, de preferência homens, para amenizar a inveja de que caiam vítimas. Nesse contexto, dizer que a “anatomia era destino” não seria uma interpretação errônea. Um dos grandes méritos deste livro é o de lembrar que a leitura do complexo de Édipo, promovida por Lacan, privilegia situar a referência sexuada na enunciação do desejo e não nas bases anatômicas, como o fazem as crianças e o faziam os adultos contemporâneos de Freud. Mas a autora nos lembra a leitura lacaniana de forma muito consistente e assim como percorre os textos freudianos fundamentais sobre o tema da diferença sexual, Poli expõe as contribuições lacanianas sobre a função significante do falo, este sim, operador da diferença, uma vez que introduz a falta (castração) concernente a todo sujeito humano. Nossas identificações estão muito mais sujeitas ao desejo, do Outro em primeira mão, o que indica o quanto na leitura lacaniana da estruturação psíquica devemos muito mais ao desejo alheio inscrito em nós, do que à estrita percepção anatômica do nosso cor- po. Só integramos o corpo que temos, depois que ele foi integrado, “fisgado” no campo do Outro. Não vou repetir o que está escrito, já o fiz em alguma medida, mas quero renovar o convite de percorrê-lo. Trata-se de um livro denso, o que confirma que tamanho não é documento. O início leva o leitor a acompanhar a contextualização feita pela autora, depois a visitar ou a revisitar os textos clássicos freudianos e finalmente a entrar numa seara pouco conhecida do público que é a leitura lacaniana da sexuação. É um livro que além de constituir um certo roteiro de estudos e um convite ao aprofundamento, nos trabalha, no sentido de que sua leitura concerne ao que nos é mais íntimo: àquilo que somos ou ao que pensamos ser. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. 46 Roséli Maria Olabarriaga Cabistani 47 AGENDA Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.) Criação da capa: Flávio Wild - Macchina JULHO – 2009 Dia Hora Local 19h30min Sede da APPOA 02, 09, 16, 23 e 30 21h 09 Sede da APPOA 10 e 17 8h30min Sede da APPOA 03, 10, 14h30min Sede da APPOA 17, 24 e 31 20h30min Sede da APPOA 06 e 20 21h 23 Sede da APPOA 23 19h30min Sede da APPOA Atividade Reunião da Comissão de Eventos Reunião da Mesa Diretiva Reunião da Comissão de Aperiódicos Reunião da Comissão da Revista Reunião da Comissão do Correio Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros da APPOA Reunião da Comissão da Biblioteca ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE GESTÃO 2009/2010 Presidência: Lúcia Alves Mees 1a Vice-Presidência: Nilson Sibemberg 2a Vice-Presidência: Marieta Luce Madeira Rodrigues 1a Secretária: Maria Elisabeth Tubino 2° Secretários: Otávio Augusto Winck Nunes e Ieda Prates da Silva 1a Tesoureira: Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz 2a Tesoureira: Liz Nunes Ramos MESA DIRETIVA Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Costa, Ana Laura Giongo, Beatriz Kauri dos Reis, Carmen Backes, Emília Estivalet Broide, Inajara Erthal Amaral, Lucia Serrano Pereira, Márcia da Rocha Lacerda Zechin, Maria Ângela Cardaci Brasil, Maria Ângela Bulhões, Maria Elisabeth Tubino, Nilson Sibemberg, Norton Cezar dal Follo da Rosa Júnior, Regina de Souza Silva, Robson de Freitas Pereira, Sandra Djambolakdjian Torosian, Siloé Rey, Simone Goulart Kasper, Tatiane Reis Vianna. EXPEDIENTE Órgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS Tel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922 e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.br Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956 Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda. Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355 PRÓXIMO NÚMERO INSTITUTO APPOA C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009. Comissão do Correio Coordenação: Fernanda Breda e Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschmidt, Gerson Smiech Pinho, Márcia Lacerda Zechin, Marcia Helena de Menezes Ribeiro, Marta Pedó, Mercês Gazzi e Robson de Freitas Pereira. S U M Á R I O EDITORIAL NOTÍCIAS 1 3 SEÇÃO TEMÁTICA 4 INFÂNCIA E DISCURSO EM SCHREBER Sonia Mara Moreira Ogiba SCHREBER (NÃO) É UM LIVRO Ester Trevisan UMA PARANÓIA FREUDIANA Maria Cristina Poli UMA QUESTÃO PRELIMINAR DE J. LACAN: RUPTURAS E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS Alfredo Gil N° 181 – ANO XVI JULHO – 2009 4 15 26 33 SEÇÃO DEBATES 42 LIÇÕES DE STONEWALL A SÃO PAULO Antonio Quinet 42 RESENHA 45 AS POSIÇÕES FEMININA E MASCULINA NA PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA Roséli Maria Olabarriaga Cabistani 45 AGENDA 48 RELENDO FREUD: “O CASO SCHREBER” ISSN 1983-5337