Daniel Paul Schereber. Nasceu em 1892, família protestante burguesa. O irmão sofria de uma psicose evolutiva e suicidou-se com um tiro aos 38 anos de idade. Sua irmã mais nova morreu como doente mental. Schereber era um intelectual de primeira grandeza. Foi doutor em Direito e Juiz Presidente da Corte de Apelação da Saxônia. Primeira hospitalização aos 42 anos de idade, tendo essa crise durado alguns meses. Diagnóstico: Hipocondria Grave. Após restabelecimento da primeira doença, Schereber passa oito anos com sua esposa, período que ele denomina como anos de grande felicidade. Manifestava desapontamentos quanto ao fato de não ter tido filhos. Antes de ser promovido a Presidente da Corte de Apelação, Schereber algumas vezes sonhou que se encontrava doente novamente. Sonhos esses que o deixavam infeliz. Em estado de vigília, ocorreu-lhe a ideia de que “seria muito bom ser uma mulher submetendo-se ao coito”. Se estivesse consciente, teria rejeitado a ideia com extrema indignação. Meses após sua nomeação, manifestou-se a segunda crise. Foi novamente internado, com acessos de insônia, sensações de “amolecimento cerebral” , ideias de perseguição e morte iminente, intolerância ao barulho e a luz, além de alucinações visuais e auditivas. Em suas alucinações, Schereber via-se morto e decomposto, sendo seu corpo submetido aos mais assustadores tratamentos. As alucinações levaram Schereber a mergulhar em um estupor alucinatório, no qual ficava rígido e imóvel durante horas. Tempos depois, suas alucinações foram acrescidas de intenso misticismo. Achava-se em comunicação direta com Deus. Via aparições milagrosas. Ouvia música sagrada. Chegou a acreditar que vivia em outro mundo. Relatório 1899, Dr. Weber: O ponto principal dos delírios de Schereber é a sua crença de que ele tem a missão de redimir o mundo, sendo convocado a essa tarefa por inspiração direta de Deus. Porém, sua missão redentora deve ser procedida por sua transformação em mulher (Emasculação). Não se supondo que ele deseje ser transformado em mulher, trata-se de um dever baseado na “Ordem das Coisas”. Schereber se convence de que ele próprio é o único objeto sobre o qual milagres divinos se realizam, tornando-o assim, o ser humano mais notável da Terra. Por que Schereber aceita a emasculação? Por um projeto de escala universal: a criação de uma nova humanidade. Resgatar a beatitude da humanidade só será possível se ele passar por essa transformação. Após mais oito anos de internação, Schereber consegue ter alta da clínica onde estava internado, além do direito de publicar suas memórias. Em 1903, Schereber viajou com sua mulher. Porém, quatro anos depois teve de ser internado novamente , onde passou mais quatro anos, até o seu falecimento. Para Bleuler, o criador do termo esquizofrenia, Schreber era um esquizofrênico paranóide, sujeito a alucinações e dissociações. Para Freud, a evolução da doença, através da sistematização do delírio e a predominância da "projeção" sobre a alucinação, faziam de Schreber um caso de paranóia. Projeção: num primeiro momento, Freud considera a projeção como o mecanismo formador do sintoma paranóico. Contudo, devemos observar que esse mecanismo é patente no texto de Schreber, mas não comporta o campo das psicoses como um todo. Recalcamento e narcisismo: Freud pôs à prova o mecanismo central que havia destacado na neurose. Sabemos que o recalcamento por si, não se aplica à paranóia, mas Freud propôs a construção de um pressuposto teórico, onde se misturam o recalcamento e o narcisismo. Em se tratando da paranóia, o recalcamento evidenciaria um desligamento da libido, seja ele parcial ou mesmo geral. A libido, antes ligada aos objetos, retroagiria em direção ao eu. Nesse processo, encontramos o recalcamento propriamente dito, enquanto que o delírio seria a expressão de um "retorno do recalcado", reconduzindo a libido aos objetos que ela havia abandonado.