GT 7: EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
JUVENTUDE NEGRA NA UNIVERSIDADE: TRAJETÓRIA E IDENTIDADE EM
CONSTRUÇÃO
VIANA, Elis Medrado1
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Resumo
A universidade é um espaço de reprodução de relações sociais, situada num contexto urbano, onde a
principal faixa etária que se faz presente é a juventude. Sendo assim, o lócus universitário reproduz o
ritmo de vida que se dá nas cidades em geral e congrega manifestações culturais diversas, uma vez que
a Universidade é um espaço que recebe estudantes de todos os lugares da cidade e região.
Para melhor compreensão do sentido do espaço social urbano e da juventude negra na Universidade,
auxiliará a discussão as abordagens de autores como Henri Lefebvre, (1991) Georg Simmel, (1903),
Ricardo Lewandowski (2012), Mirian Abramovay, Eliane Andrade e Luiz Carlos Esteves (2007) e
Luciana Jaccound e Mario Theodoro (2005). Dentro dessa abordagem, vale destacar os aspectos da
vida mental e social presentes no dia-a-dia urbano e o direito à nova cidade, que se estabelece na
universidade pública como uma forma de reprodução social do contexto urbano, onde ainda é nova a
presença crescente de jovens negros nesse espaço.
A proposta deste artigo é compreender a trajetória do/a jovem que se autodeclara negro/a, enquanto
construção de identidade e que ingressou na Universidade, buscando perceber a relação entre o acesso
ao ensino superior e a ampliação de oportunidades à juventude negra como forma de diminuição das
desigualdades raciais e sociais, bem como compreender se a trajetória contribui para o
desenvolvimento humano, social e relacional de tais jovens.
Nessa direção, o estudo foi dividido em dois momentos no primeiro abordaremos questões teóricas
sobre a funcionalidade da Universidade, vista como espaço de interação e de reprodução das relações
sociais presentes nas cidades, apresentando também discussões sobre ações afirmativas que garantem
acesso à universidade mediante cotas raciais.
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Graduada em Artes/Música pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, especialista em
Adolescência e Juventude no Mundo Contemporâneo, pela FAJE e graduanda em Ciências Sociais, pela
Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, cursando 7º Período.
Num segundo momento, a abordagem será voltada para a construção de identidade e a constituição de
trajetórias múltiplas, que conduz o/a jovem negro até a Universidade. Por fim, as considerações
preliminares apresentarão as primeiras impressões sobre o/a jovem negro/a na universidade a partir da
contextualização teórica e de entrevistas realizadas com jovens autodeclarados negros, que cursaram o
ensino superior.
Palavras-chave: Juventude negra; Universidade; Ações Afirmativas; Identidade; Trajetória.
Abstract
The university is a place of reproduction of social relations, situated in an urban context, where the
main age group that is present is youth. Thus, the university locus plays the pace of life that takes
place in cities in general and brings together various cultural events, since the University is a space
that welcomes students from all over the city and region.
To better understand the meaning of social space and urban black youth in the University will assist
the discussion approaches of authors such as Henri Lefebvre (1991) Georg Simmel (1903), Ricardo
Lewandowski (2012), Mirian Abramovay, Eliane Andrade and Luiz Carlos Esteves (2007) and
Luciana Jaccound and Mario Theodoro (2005). Within this approach, it is noteworthy aspects of
mental and social life present in the day-to-day urban and the right to the city, which is established in
the public university as a form of social reproduction of the urban context, where it is still new
presence growing of young blacks in this space.
The purpose of the article is understand the trajectory of / that declares itself the young black / a, while
construction of identity and joining the University, seeking to understand the relationship between
access to higher education and the expansion of opportunities for black youth as a way of reducing
racial and social inequalities, as well as understanding the trajectory contributes to human, social and
relational development of such young people.
In this sense, the study was divided into two moments in the first discuss theoretical questions about
the functionality of the University, viewed as a space for interaction and reproduction of social
relations in the cities, also featuring discussions of affirmative action to ensure access to the university
through racial quotas.
Secondly, the approach is focused on the construction of identity and the establishment of multiple
paths, which leads him / her to the young black University. Finally, the primary considerations present
the first impressions about / young black / the university from the theoretical context and interviews
with young black self-declared, that go to college.
Keywords: Youth black; University; Affirmative Action; identity; trajectory
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(...) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade
nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou
reproduza as desigualdades. (Boaventura de Sousa Santos, 2003, p. 56)
A proposta deste artigo é compreender a trajetória do/a jovem que se autodeclara
negro/a, enquanto construção de identidade e que ingressou na Universidade, buscando
perceber a relação entre o acesso ao ensino superior e a ampliação de oportunidades à
juventude negra como forma de diminuição das desigualdades raciais e sociais, bem como
compreender se a trajetória contribui para o desenvolvimento humano, social e relacional de
tais jovens.
Dessa forma, partiremos da visão das instituições de Ensino Superior – IES enquanto
campo propício para reproduções e produções de relações sociais, em constante embate e
dualismo entre a hegemonia e pluralidade/diversidade, principalmente no que tange as
relações entre brancos e não brancos. Nesse sentido, toda discussão relacionadas à trajetória
do jovem negro que ingressa na universidade e ainda está em busca da construção de
identidade.
A escolha do espaço universitário para análise da trajetória e construção de
identidade do jovem negro gira em torno da busca por igualdade de oportunidades e de
condições para acessar qualquer oportunidade que surja efetivamente de forma ampla e
irrestrita. Uma vez que o espaço universitário deveria ser uma demonstração da reprodução
populacional brasileira, por ser uma estatal que prevê igualdade de acesso a todo cidadão e
teoricamente a ingresso na universidade representa uma possibilidade de diminuição das
desigualdades entre negros e brancos.
A Universidade na diversidade da cidade
O campus universitário é o espaço privilegiado para a formação profissional em
diversas áreas de conhecimento. E se compõe de uma variedade de público, de aptidões,
organizando-se hierarquicamente e por área de conhecimento e atuação.
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Pensar a universidade a partir dos estudantes leva-nos a considerar o jovem e suas
múltiplas formas de se relacionar com o outro e com o espaço onde se encontra. A
problemática relacional na Universidade torna-se mais complexa com a abertura das portas da
instituição pública para o ingresso em curso de nível superior, mediante sistema de cotas para
afrodescendentes carentes. Dessa forma, é importante compreender o que é pontual, o que é
estratégico e o que é urgente nesse contexto público marcado pelas relações desiguais. A
universidade é vista então, como um espaço de reprodução das diferenças e indiferenças
sociais. Dessa forma, buscamos compreender o que permeia a contexto urbano onde se dá tais
relações.
Aos poucos a juventude negra vem ampliando seu acesso à universidade em meio à
sociedade urbana, repleta de necessidades sociais que se opõem e se complementam. A
necessidade criadora, de informação, de simbolismo, da vivência do lúdico e do imaginário,
se dá ora separadas, ora reunidas.
Nesse debate, ao se pensar no ser negro enquanto categoria constituída históricosocialmente, o discurso das formas de relação social passa pela discriminação tida como
positiva, a fim de estimular a inclusão social de negros em espaços que favorecem o
desenvolvimento e de forma que possibilitem a igualdade de acesso, e a discriminação como
negativa, enquanto crime de racismo, injúria, difamação.
A perspectiva de vivência no espaço urbano contemporâneo que persiste na
construção de uma nova cidade é apresentada por Lefebvre, (1991) em sua obra, Direito à
cidade, onde a cidade é o espaço urbano que manifesta a necessidade de romper com as
práticas que compõem a antiga cidade, que está morta. Dessa forma, a realidade da
Universidade permanece em formação e encontra na práxis “a superação das ideologias e das
práticas que fecham os horizontes, que eram apenas pontos de estrangulamento do saber e da
ação, que marcavam um limite a ultrapassar, essa superação, como dizia, é efetuada não sem
dificuldades” (LEFEBVRE, 1991, p. 104).
A história social do Brasil é marcada por muitos anos de escravidão e de exclusão da
população negra. Pois, mesmo após a abolição, o negro continuou a ser forçado a buscar sua
sobrevivência em condições marginalizadas e sub-humanas nas cidades onde moravam.
Assim, a abolição acabou com a escravidão, mas não libertou o povo negro das condições
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precárias de vida, não o incluiu na sociedade, e sim o empurrou para os guetos e margens das
cidades, por meio da repressão e do preconceito.
Nesse sentido, o pensamento de Waldemir Rosa (2007) complementa:
Ao afirmar que negros e negras contribuíram para a construção do país e
foram excluídos da participação nos benefícios materiais dessa construção,
ela nos remete à ideia de que o racismo é um dos elementos que estão na
base da expropriação capitalista nacional e da consolidação do Estado
brasileiro, refutando a noção de que no Brasil o preconceito racial seja
benevolente e que as relações sejam harmoniosas. (ROSA, 2007, p. 153)
A percepção depreciativa dos negros por grupos tradicionalmente dominantes
demonstra que o Princípio Constitucional de Igualdade parece que é meramente formal,
sublimando as diferenças entre as pessoas, perpetuando as desigualdades e ainda
disseminando a teoria da democracia racial, presente no preconceito velado, implícito nas
atitudes contrárias às cotas ao afirmar que todos são igualmente capazes.
No âmbito universitário, o discurso que paira contra as ações afirmativas que
garantem percentual das vagas para estudantes negros, é baseado na meritocracia culminada
na aprovação em vestibular, que privilegia e marca aquisição de poder, por se destacar quem
tem mais acesso a bens e capitais, direitos e recursos, usados para se ter vantagem em
detrimento a outros. Discurso este que vem ameaçando o presente e o futuro do país, já que é
da Universidade que saem os profissionais que compõem o sistema judiciário, o corpo
docente, empresários, sociólogos, etc.
Contudo, os cursos onde negros e negras são melhores aceitos são aqueles onde há
menor número de candidatos por vaga, aqueles aonde a profissão conduz para a taxação de
menor status social, que em geral percebem as piores remunerações e da relação de posição
social versus escolaridade, já que “as universidades públicas, são os principais centros de
formação da elite brasileira” e constitui o lócus de formação dos ocupantes dos mais altos
cargos cobiçados do país (LEWANDOWSKI, 2012, p. 30).
Conforme dados apresentados por Marco Aurélio Mello, (2002, p.41) apud
Lewandowski, (2012, p. 22)
A prática comprova que, diante de currículos idênticos, prefere-se a
arregimentação do branco e que, sendo discutida uma relação locatícia, dá-se
preferência - em que pese a igualdade de situações, a não ser pela cor - aos
brancos. Revelam-nos também, no cotidiano, as visitas aos shoppings
centers que, nas lojas de produtos sofisticados, raros são os negros que se
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colocam como vendedores, o que se dirá como gerentes. Em restaurantes,
serviços que impliquem contato direto com o cliente geralmente não são
feitos por negros.
Com essa linha de percepção quanto a necessidade de sociabilidade criadora nas
cidades, Lefebvre critica a fragmentação do saber, vista em uma gama de especialistas que
reproduzem a visão segmentada. As necessidades individuais são pautadas numa sociedade de
consumo, reduzindo a percepção de mundo, perdendo-se a noção do todo. O velho mundo
humanista clássico é outro ponto de crítica na obra do autor, devido a exacerbação da
racionalidade, da razão, onde o valor de troca é pautada no lucro, em detrimento ao valor de
uso.
Ao questionar o mundo humanista clássico, Lefebvre diz que: “A ignorância e o
desconhecimento acarretam responsabilidades diante da história que é reivindicada” (1991, p.
113) e completa com a exposição da ideia de que o futuro deve ser projetado na cidade a fim
de projetar a forma de civilidade sem permanecer pautado especificamente no contexto
histórico e sim buscar identificar as tendências, que se pluralizam a cada dia no contexto
universitário, seja no campo do conhecimento, seja no campo das relações interpessoais e
noções de uso do espaço.
É no contexto universitário que percebemos reprodução de situações de exclusão,
principalmente quando lançamos olhar sobre os cursos mais competitivos, mais concorridos
ou que possuem maior status social após a inclusão do sistema de reserva de vagas para
afrodescendentes carentes.
Nesse sentido, como nos diz Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 376) apud
Lewandowski, (2012, p. 17) a exclusão faz com que a universidade seja um espaço, um lugar
marcado pela segregação, gerando três problemas distintos:
Em primeiro lugar, viola o direito dos membros dos grupos menos
favorecidos de se beneficiar do ‘bem público educação’ em igualdade de
condições com aqueles que tiveram melhor fortuna durante seus anos de
formação.
Esta Universidade predominantemente branca, em segundo lugar, falha na
sua missão de constituir um ambiente passível de favorecer a cidadania, a
dignidade humana, a construção de uma sociedade livre, justa (...).
Por fim, a terceira consequência está associada ao resultado deste
investimento público, chamado sistema universitário, em termos de
erradicação da pobreza e da marginalização. (...) pelos dados do MEC, o
número de negros que conquistam o diploma universitário limita-se a 2%.
Isto significa que os postos de comando, seja no setor público, seja no setor
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privado, (...), ficarão necessariamente nas mãos dos não negros, confirmando
mais uma vez nossa estrutura racial estratificada.
A esperança é vista no autor ao afirmar sua confiança na sociedade que pode ir além
do campo da reprodução, pode usar seu tempo disponível para criar, perceber e reprocessar,
reconstruir, refazer ou inventar algo que o faça sentir prazer, assim como a arte pressupõe a
imaginação e a intuição, uma busca pela utopia onde haja um espaço favorável à felicidade,
conquistada através do equilíbrio entre intimidade e distância.
O contexto da universidade é visto como o espaço social ideal para o acontecimento
de uma verdadeira revolução, espaço adequado à concretude da totalidade e os espaços
urbanos são postos para enfrentamento da cisão entre o que é parcial e o que é global. Assim,
as relações inter-raciais podem ser vistas como um ato e uma obra de um pensamento
complexo, sendo assim a renovação urbana que caminha para a revolução, que contempla o
direito à igualdade prevista na Constituição Federal.
A partir de si dá-se a forma de vida, devendo ser construída de dentro para fora,
como forma de contrapor o “caráter blasé” característico da vida nervosa presente
principalmente nas grandes cidades, concretizada no “embotamento frente à distinção das
coisas (...) de tal modo que o significado e o valor da distinção das coisas e com isso das
próprias coisas são sentidos como nulos” (SIMMEL, 1903, p. 581).
O dia-a-dia das cidades encontra seus “problemas mais profundos da vida moderna
(que) brotam da pretensão do indivíduo de preservar a autonomia e a peculiaridade de sua
existência frente às superioridades da sociedade, da herança histórica, da cultura exterior e da
técnica da vida” (SIMMEL, 1903, p. 577).
A resposta dada por Georg Simmel (1903) é buscada na equalização, nas adaptações
da personalidade, mediante a intensificação da vida nervosa, presente nas grandes cidades,
caracterizado pelo distanciamento das relações afetivas e pelas formas de segregação,
preconceito e discriminação presentes em nossa sociedade.
A realidade vista principalmente nas grandes cidades é dicotômica, onde o indivíduo
tem liberdade de vivenciar diferentes aspectos de sua identidade e também se vê dependente
de uma rede já estabelecida e reproduzida, como a divisão social do trabalho. O dia-a-dia é
composto de relações cada vez mais superficiais, até mesmo como principal forma de defesa
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dos estímulos nervosos, como forma de garantir a estabilidade psíquica nos grandes centros
urbanos, que por vezes é marcado pela desconfiança e posturas de se manter reservado.
A universidade é vista como um espaço social aberto às diversas relações,
principalmente no universo juvenil, que nos permite lançar o olhar para a sociedade como um
todo, uma vez que a universidade é um espaço que a cada dia acolhe mais segmentos e ali
reproduz estilos de vida, formas de comportar, recriam condições de viver e estar, constroem
e desconstroem paradigmas. Cada vez mais há pessoas em busca de inserção em espaços e
grupos que favoreçam a afirmação e de construção de identidade e sociabilidade.
A universidade é um espaço que cotidianamente vem buscando a inclusão de novos
atores. Contudo, a individualidade é um elemento chave na origem das relações e reações nas
cidades em geral e se reproduz no espaço universitário, que começa pela seleção definida
através do vestibular, onde cada um conta apenas consigo mesmo.
Todas as relações de ânimo entre as pessoas fundamentam-se nas suas
individualidades, enquanto que as relações de entendimento contam os
homens como números, como elementos em si indiferentes, que só possuem
um interesse de acordo com suas capacidades consideráveis objetivamente.
(SIMMEL, 1903, p. 579)
A universidade é um exemplo de espaço onde o passado, o presente e o que é
possível para agora e para o futuro não se separam. Henri Lefebvre nos apresenta démarches
indispensáveis à sociabilidade que devem coexistir sem dissociar, que formam os conceitos
fundamentais: a função, a forma e a estrutura, que juntos formam um todo e mantêm
independência e autonomia relativas e trás questões pontuais para a análise da sociedade em
geral a partir da teoria no niilismo de Nietzsche, que cabe ao contexto universitário e suas
múltiplas facetas étnico-relacionais:
Se o homem está morto, para quem vamos construir? Como construir?
Pouco importa que a cidade tenha ou não desaparecido, que seja necessário
pensá-la de novo, reconstruí-la sobre novos fundamentos ou ultrapassá-la.
(...) O que é que importa? Quem ainda pensa, quem age, quem fala e para
quem? Se desaparecem o sentido e a finalidade, se não podemos nem mesmo
declará-los mais numa práxis, nada tem importância ou interesse.
(LEFEBVRE, 1991, p. 106)
É com essas questões que é possível ver o espaço universitário como um composto
de reprodução da sociedade urbana onde a inserção social se dá de forma mecânica, um
espaço de reprodução das desigualdades sociais, onde são nítidas as escalas de prestígio,
posição socioeconômica, diferença de poder, atribuição de status e preferência.
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A universidade é um espaço social onde claramente se vê que o individualismo tem
um grande espaço, em detrimento à coletividade, que carece de relações intermediárias para
superação das diferenças entre situações extremas. É ainda pensando em tais questões que o
individualismo se faz presente nas relações sociais ou na fuga das relações interpessoais, onde
o que é individual se afirma, se destaca e se impõe nos posicionamentos, nos discursos
baseados no mérito e na “particularização” de espaços públicos.
A exemplo disso, encontramos os debates sobre as cotas raciais para ingresso nas
universidades públicas, onde a oposição à proposta cada vez mais clama para que o acesso
considere o mérito individual, rejeitando as iniciativas que buscam minimamente reparar as
desigualdades sociais entre brancos e negros e excluindo a trajetória que cada estudante traça
até chegar ao Ensino Superior.
O indivíduo moderno vive a tormenta da escolha e é por isso que esse indivíduo
precisa se ajustar a esse contexto extremamente complexo. A partir daí que Simmel (1903)
trás a ideia de imitação, de adaptação, pela conformação para se sentir integrado e Lefebvre
(1991) reforça a importância do sistema de significações que tanto diz de suas passividades e
atividades, do que é recebido, percebido e modificado pela prática.
Para Simmel (1903), as relações deveriam ser mediadas por algo intermediário, algo
neutro. De forma que se proteja dos excessos dos estímulos nervosos cotidianos, sem perder a
esfera da autonomia, desenvolvida cada vez de forma mais qualitativa, decorrente da
ampliação da liberdade dos indivíduos e menor coerção dos grupos minorizados, como o
segmento de jovens negros no contexto universitário, o que permitiria o surgimento de
indivíduos multifacetários aptos a expressarem sua identidade nos mais diferentes aspectos e
fomentaria a estrutura lato da universidade que prevê a pluralidade e a diversidade.
Juventude negra e suas trajetórias na construção de identidade
A juventude contemporânea é uma categoria social que se encontra em meio a um
contexto que associa responsabilidade à vida adulta e lança muitos olhares negativos sobre
essa categoria social que a caracteriza como geradora de problemas e consumidores em
potencial. Por outro lado, há o olhar capitalista sobre o jovem enquanto modelo de beleza,
ideal de estilo de vida e ainda é comum ouvir campanhas que dizem ser o jovem o futuro da
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nação, desconsiderando os sentidos, signos e sentimentos de ser jovem hoje, de construir sua
própria identidade e de ser reconhecido enquanto juventude que constrói o presente.
Nesse sentido Esteves e Abramovay nos dizem que
No que diz respeito à juventude, de maneira mais específica, a construção
social em torno dela é, via de regra, carregada de significados negativos,
prevalecendo o rótulo de geradora de problemas, cujos desdobramentos e
conseqüências se fazem sentir tanto em seu cotidiano quanto na sua relação
com as diversas instituições sociais de que participa, tais como a família, a
escola etc. (Esteves e Abramovay, 2004, p. 28)
Mesmo com o apontamento de vulnerabilidades em que a juventude se encontra e
ainda a descrença que recai sobre ela, Esteves e Abramovay ainda nos apresentam dados de
pesquisa realizada que demonstram que
(...) na medida em que os jovens expressam sua percepção de um presente
que, de alguma forma, acena para eles com maiores possibilidades,
sinalizam, ao mesmo tempo, sua própria expectativa de um futuro com mais
e melhores oportunidades, cujo resultado pode ser traduzido na elevada
proporção de jovens que se consideram satisfeitos ou muito satisfeitos com
a vida que levam. (2004, p. 20)
Nessa pesquisa realizada pela Unesco, com cerca de dez mil jovens, foi perguntado
aos jovens como eles se percebem, como a juventude se vê, com o intuito de compreender o
que é ser jovem, a partir do olhar do próprio jovem. Naquela oportunidade os jovens
refletiram e falaram sobre sua própria vida, sua própria realidade, onde o que se aponta é que
a juventude espera e acredita em melhores e maiores oportunidades e ressaltou ainda sua
satisfação com a vida, apresentando ainda suas preocupações, o que contraria a percepção de
alguns autores que relatam a juventude como problema e como irresponsáveis, em busca
constante pelo prazer.
O desafio que se coloca na realidade da juventude negra é o processo de construção
identitário que encontra várias barreiras para autodeclararão e afirmação de sua cor/raça
diante de uma sociedade que vem se transformando constantemente e que continua a deixar
negros e negras à margem da sociedade, considerando-os frequentemente como inferiores,
discriminando-os e expondo-os a situações vexatórias.
Helio Santos (p. 2) trás apontamentos quanto a invisibilidade do negro na sociedade
brasileira, onde nos diz que
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A invisibilidade da questão racial deve ser interpretada aqui como um fato
que não se nota, não se discute e nem se deseja notar ou discutir. É como se
não existisse. A história narrada nas escolas é branca, a inteligência e a
beleza mostradas pela mídia também o são. Os fatos são apresentados por
todos na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma
supremacia definitiva dos brancos sobre os negros. Assim, o que se mostra é
que o lado bom da vida não é e nem deve ser negro. Aliás, o léxico de negro,
além de designar o indivíduo deste grupo racial, pode significar: sujo,
lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste, nefando etc.
É por essa invisibilidade que perpetua-se o discurso da democracia racial e o racismo
se faz presente de forma explícita, velada e institucional, onde alguns se consideram
superiores a outros grupos de pessoas e assim vão pautando o direito ao acesso a bens e
serviços.
Nesse contexto em que a juventude negra vive e vem buscando formar identidades,
as barreiras impostas socialmente fazem pressão constante para a negação de sua identidade,
sua cor, sua história. Ferreira, 2004 nos diz que:
[...] as subjetividades dos brasileiros são construídas de maneira tal a
associar o afro-descendente a atitudes anti-sociais, como se ele,
necessariamente, fosse um perigo, gerando o que Moura (1988) denomina
de síndrome do medo, desenvolvida pela população que discrimina a
população não-branca e persiste até hoje. (Ferreira, 2004, p. 103)
Diante de tantos desafios, uma das vitórias da população negra foi a melhoria de
oportunidades de ingresso do negro na universidade pelas cotas, o que pode vir a contribuir
com a diminuição das desigualdades entre brancos e negros acumuladas ao da história
(Munanga, 2007).
Contudo, as desigualdades entre negros e brancos no Brasil são mais acentuadas
principalmente no que se refere à educação e ao mercado de trabalho. Segundo Jaccound e
Theodoro (2005, p. 111), de acordo com dados do IBGE (2003), mostram que “negros
auferem um rendimento menor do que os bancos, e que quanto mais aumenta o número de
anos de estudo, mais aumenta a diferença de renda em detrimento dos negros”.
Luciana Jaccound afirma ainda a discrepância racial nos principais campos da vida
social ao dizer que “Seja no que diz respeito à educação, saúde, renda, acesso a empregos
estáveis, violência ou expectativa de vida, os negros se encontram submetidos às piores
condições.” (2008, p. 131)
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Essa é uma afirmação de uma realidade que ainda faz da população negra
marginalizada. Para tanto, mudar este cenário se faz necessário e urgente. Sendo assim, são
necessárias as ações afirmativas para que a população negra supere esses índices.
Parte disso acontece pela presença forte do preconceito racial na sociedade brasileira
que insiste em negar espaço à socialização do negro. O preconceito está no campo da
subjetividade, que se concretiza nas inúmeras formas de ser externado por meio das condutas
das pessoas, de forma indireta, direta, institucional, individual ou coletiva.
Hoje nos deparamos com a ampliação da discussão acerca da situação da juventude
negra no Brasil e já contamos com alguns posicionamentos oficiais que admitem haver
racismo e discriminação por cor/raça no país, podendo ser comprovadas com várias pesquisas
que contemplam análises de pesquisas com recorte racial.
O jovem negro que ingressa na universidade, é como o estrangeiro, conceito
trabalhado por Georg Simmel. É como aquele cidadão que vive na fronteira simbólico-social
entre o antigo cenário de discriminação e o novo contexto de ações voltadas para a inclusão e
superação do mito da democracia racial e da ascensão social.
A fronteira em que o jovem negro universitário se encontra é marcada pelo
preenchimento de elementos integradores e que contribuem para o seu afastamento. Nesse
cenário, o espaço social da universidade reproduz o contexto urbano ao aglutinar
solidariedade e integração, mas também substituição dos vínculos comunitários e redefinindoos.
Algumas considerações
A mecanicidade da inserção na sociedade, nesse contexto de globalização, com o
ritmo tão acelerado, onde pouco se pára para refletir no processo de produção das relações
desiguais na universidade e nas formas de reprodução de discriminações, deixa passar
despercebido o objetivo do que se vive, onde o rompimento com as ações estruturantes que
compõem o vazio social sejam possíveis apenas mediante a uma transformação radical.
As ações afirmativas contextualizadas pela deliberação de ingresso ao Ensino
Superior por cotas raciais trás benefícios para toda a comunidade acadêmica ao oportunizar a
convivência com o outro, o diferente, de conhecer identidades coletivas. Ao jovem negro que
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ingressa na universidade, representa ainda um movimento de emancipação, de
empoderamento, frente às desigualdades sociais e econômicas já postas em jogo. Para
Habermas (1997, p. 247):
Quanto mais profundas forem as diferenças (...) raciais ou étnicas, ou quanto
maiores forem os assincronismos histórico-culturais a serem superados, tanto
maior será o desafio; e tanto mais ele será doloroso, quanto mais as
tendências de auto-afirmação assumirem um caráter fundamentalistadelimitador, ora porque ela precise primeiro despertar a consciência em prol
da articulação de uma nova identidade nacional, gerada por uma construção
através da mobilização de massa.
Por essa perspectiva, pauta-se que a universidade deve continuar sendo um espaço
aberto ao diálogo e a ações capazes de incluir o jovem negro nesse espaço urbano e social.
A universidade deve ser um espaço que contemple a alteridade, o outro, o diferente, e
assim, possa construir relações sociais de maneira mais harmoniosa e igualitária,
desmistificando preconceitos e construindo consciência coletiva, mesmo que plural e
heterogênea, e que leve a uma maior interação inter-étnica, até chegarmos ao tão sonhado dia
onde todos podem usufruir de igualdade de condições para pleitear fazer parte de qualquer
esfera social, sem a necessidade de ações afirmativas para reparar erros historicamente
impostos a determinados grupos.
Devido a complexidade que envolve esta questão que fragmenta constantemente a
trajetória do jovem negro em direção à auto-declaração e afirmação de sua cor/raça enquanto
posicionamento social, somos impelidos a indagar: de que forma o ingresso do negro na
universidade pode significar uma inclusão social, um nivelamento das diferenças sócioeducativas-raciais? Qual papel desempenha o/a docente em sala de aula em contribuir para
concretizar essa inclusão de negros neste espaço de formação e na sociedade em geral? E
ainda, qual o papel do Estado e das universidades quanto a funcionalidade da política de cotas
como ação afirmativa, uma vez que a única coisa que tem possibilitado é uma porcentagem de
vagas para o ingresso de negros na universidade, desconsiderando seu empenho e
desempenho durante o curso e não promovendo nenhuma discussão no seu interior que
favoreça a diminuição das situações de preconceito e discriminação presentes no cotidiano da
população negra?
Com isso, negros ingressam e saem da universidade e continuam sendo
discriminados na sociedade, no mercado de trabalho. Continuam sofrendo com o preconceito
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racial, inclusive dentro da própria universidade, lugar que através da adoção de ações
afirmativas, deveria estar lutando para sanar esse tipo de comportamento e para alcançar o
princípio de igualdade.
Para mudar esse cenário, é preciso que mude a postura de professores, estudantes,
profissionais diversos, materiais didáticos e o ambiente escolar/universitário. O objetivo das
ações afirmativas jamais será segregar negros e brancos e sim promover a vida e a
oportunidade nos mesmos espaços, a construção da convivência respeitosa e coletiva.
As instituições de ensino superior público estão fazendo sua parte aderindo ao
processo de cotas para negros, mas o combate ao racismo institucional ainda carece de outras
medidas que propiciem a diminuição das desigualdades entre negros e brancos.
Para resolver os problemas de discriminações por cor e racismos é preciso fomentar a
discussão e a inclusão, de forma que a juventude negra possa se perceber em condições iguais
de desfrutar das mesmas oportunidades que outros jovens e participar de tudo que lhe convém
para seu desenvolvimento, estando inseridos na sociedade.
A juventude é um período de formação da identidade. Por isso, está mais suscetível
às mudanças, pelo menos no que diz respeito à compreensão das transformações e formas de
participar delas. Isso contribui para que o jovem se empodere de sua identidade racial e se
afirme enquanto negro diante da sociedade, participando mais ativamente das discussões
raciais vigentes e até mesmo provocando-a, seja na família, em grupos de amigos, na sala de
aula, nos principais espaços onde estão inseridos, onde buscam ser reconhecidos e
valorizados, sem negar sua cor/raça.
Mudanças de posturas e abertura ante essa questão são indispensáveis! A busca por
espaços é contínua e ações afirmativas e pontuais são indispensáveis e essenciais para
mudança do cenário na qual está inserida a juventude negra. É preciso que tenha a
participação de todos/as nessa empreitada pelos direitos da juventude negra, pelo fim da
discriminação racial.
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