ENTRE A GESTÃO DO RISCO E O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO UMA GOVERNANÇA AMBIENTAL LEGÍTIMA Eixo temático 3 – Novas Tecnologias e Direito Ambiental Tibério Bassi de Melo∗ Resumo: Segundo Ulrich Beck, a Sociedade de Risco é a sociedade pós-industrial, cujo desenvolvimento tecnológico, além de uma profunda complexidade, trouxe novos riscos, para muitos dos quais a própria ciência não tem respostas, bem como os alavancou para níveis globais. O direito tradicional, concebido para uma sociedade simples e na idéia da possibilidade de uma sociedade auto-descritiva, na certeza da ciência e nos riscos locais, diante desta nova hiper-complexidade tornou-se insuficiente. Nesse contexto, e partindo do Princípio da Precaução ou do Cuidado, como prefere, com certa razão, o Grupo Jusnano, as decisões que envolvem riscos devem ser legitimadas em amplos e irrestritos processos de avaliação ambiental, através dos quais as potenciais pessoas atingidas pelos danos, assumam ou não correr os riscos de forma consciente, considerando a necessidade da concretização de um Estado Ambiental Democrático de Direito. ∗ Advogado, Pós-graduado em Direito Ambiental pela UFPEL e Mestrando do PPGD da UNISINOS. 1. INTRODUÇAO: O racionalismo, fundado na crença da certeza científica nos colocou em uma sociedade de risco, à qual tem contornos escatológicos neste início de séc. XXI. A estrutura constitucional, reconhecendo a necessidade de uma gestão do risco, criou critérios de aferição e mitigação dos empreendimentos, que sejam potencialmente degradadores da vida e do meio ambiente. Mas o fato é que não temos como viver em um grau zero de insegurança em uma sociedade de risco, globalizada e hiper-complexa. Nesse contexto, o Estado já não é mais o centro do sistema de produção e decisão. Porém, decidir sobre os riscos é o próprio risco, porque em uma sociedade altamente complexa, toda a decisão gera contingências. As decisões sobre os produtos, empreendimentos, métodos tecnológicos desenvolvidos e utilizados até hoje, foram delegadas a uma burocracia tecnocrática. Para tanto, ela busca resposta somente na incerteza da certeza científica e que timidamente utiliza a participação direta dos interessados, o povo, que também é o legítimo gestor do Meio Ambiente e de suas vidas, por meio da realização de audiências públicas, inclusive sobre o conceito do próprio risco. Além disso, com a fragilização do Estado, o sistema jurídico tradicional também se fragilizou, uma vez que depende dele para aplicação de suas normas. Dessa forma, as decisões sobre nossas vidas e se queremos ou não correr riscos, e por quais motivos, estão sendo definidas por terceiros, principalmente por uma burocracia tecnocrática, que em muitos casos não tem condições de se impor perante interesses internacionais e empreendedores muito fortes, política e financeiramente. Diante disso, temos que nos questionar se, a final de contas: Qual nossa responsabilidade e participação nas decisões que dizem respeito aos riscos, que nós e nossos filhos teremos que suportar em face das vantagens prometidas pelo desenvolvimento tecnológico? Já fomos chamados a participar de decisões sobre o conceito de risco, e de suas conseqüências para nossas próprias vidas? A democracia é um processo que nos leva à emancipação humana ou é uma nova forma de dominação? Pois a decisão sobre os OGM – Organismos Geneticamente Modificados – foi, totalmente autoritária, e agora, será o mesmo com as nanotecnologias? Decidir se tais tecnologias trazem riscos à nossa vida e se estamos dispostos a assumi-los em nome das vantagens prometidas, não teria que ser uma decisão ancorada não só na técnica, mas no consentimento informado dos que serão atingidos pelos riscos? 2. SOCIEDADE DE RISCO. O que Ulrich Beck1 escreveu em 1986: “A Sociedade do Risco”, e que nestes anos tornou-se um best seler, já é uma realidade inconveniente, à qual referiu-se o ex-vicepresidente dos Estados Unidos, Al Gore. São exemplos dessa nova sociedade: o furacão que devastou New Orleans; as enchentes do Paquistão e na China; os recordes de calor no Japão que matou dezenas de pessoas; as chuvas torrenciais com volumes de um mês em um dia em Santa Cataria, no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, causando deslizamentos de encostas; destruição de casas e pontes; prejuízos financeiros e, o pior; perdas de vidas humanas. Além da atual seca no norte do Paraná e Mato Grosso do Sul, com profundo impacto ao Pantanal Matogossense e severos prejuízos econômicos para região. Em conseqüência destas mudanças climática e de acordo com o relato de Edgardo Ayala do IPS2: “Condições adversas e outros fatores climáticos estão prejudicando as colheitas dos agricultores salvadorenhos e de seus vizinhos na América Central, o que põe mais pressão sobre a vulnerabilidade alimentar que já afeta a região. A Guatemala integrou em 2009, pela primeira vez, uma relação mundial, elaborada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), de países que enfrentam perspectivas desfavoráveis para as colheitas. O fenômeno climático Enos (El Niño/Oscilação do Sul) produziu entre setembro e outubro de 2009 um déficit de chuva em toda a América Central, prejudicando o plantio de cereais e feijões “de segunda semeadura” em algumas partes da Nicarágua, Guatemala, Honduras e El Salvador, diz o informe da FAO. O Furacão Ida, que açoitou parte da região centro-americana em novembro do ano passado, afetou consideravelmente a estrutura produtiva agropecuária. Em El Salvador, as intensas chuvas deixaram 198 mortos, 15 mil desabrigados e US$ 239 milhões em prejuízos”. Além desses desastres naturais, grande parte deles decorre das mudanças climáticas, causadas pela sociedade de alto carbono na qual vivemos hoje. Eles trazem impactos diretos aos agricultores e à segurança alimentar global de forma indireta. Na lógica racionalista e cientificista, até que a ciência avaliasse e aceitasse os riscos, a Talidomida, desenvolvida na Alemanha em 1954 e que foi utilizada no Brasil na década de 60 para reduzir os enjôos das mulheres grávidas, causou sérias conseqüências nos chamados “filhos da talidomida”. Os CFCs (Cloro Fluor Carbono) da mesma forma, reduziram a camada de ozônio e, além deles, os Organismos Geneticamente Modificados – OGM – que possuem grande potencial de causar sérios impactos ambientais e à saúde humana, foram liberados pela CTNBio – Comissão Nacional de Biossegurança, sem qualquer participação popular, realmente, representativa. 1 2 (Beck, 1986) Agência de Notícias Inter Press Service – IPS, www.mwglobal.org/ipsbrasil.net. Quanto aos OGM, Matthew Berger, da mesma IPS (Washington, 27/4/2010) informa que a batalha jurídica já iniciou nos EUA no caso Geertson Seed Farms contra a Monsanto, relativamente ao uso de Organismos Geneticamente Modificados, o que pode determinar, ao final, uma reviravolta no uso indiscriminado destes organismos, com consequências globais3. 3 Começa hoje a primeira audiência na história da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos sobre o cultivo de transgênicos. A resolução final poderá ter consequências para o futuro desse tipo de sementes, e também legais para os organismos de controle estatais. O caso da empresa produtora de orgânicos Geertson Seed Farms contra a Monsanto gira em torno de uma alfafa resistente aos herbicidas que foi proibida nos Estados Unidos por um tribunal federal em 2007. Essa sentença concluiu que o estudo de impacto feito pelo Departamento de Agricultura não era suficientemente rigoroso em relação às consequências para o meio ambiente e para a saúde e determinou outra investigação. Em dezembro, foi divulgado o primeiro rascunho do novo estudo, mas “não há data prevista” para a versão final, disse à IPS Suzanne Bond, porta-voz do Serviço de Inspeção de Saúde Vegetal e Animal (Aphis), encarregado de regular os transgênicos. Os agricultores orgânicos questionaram o estudo do Departamento de Agricultura com base na Lei Nacional de Política Ambiental, que pode ser muito prejudicada pela resolução final da Suprema Corte, que não está prevista para antes de junho. A lei “obriga os órgãos federais a incluírem o fator ambiental em seu processo de decisão e a considerar as consequências de suas propostas e possíveis alternativas razoáveis”, explicou Bond. A lei também é uma ferramenta legal para que os ambientalistas recusem decisões de organismos estatais. A vulnerabilidade da lei é uma das razões pelas quais várias organizações se ofereceram para depor no caso contra a Monsanto. O processo “tem amplas consequências sobre a forma como o governo realiza análises ambientais e quando é necessário preparar informes de impacto”, disse Noah Greenwald, do Centro para a Diversidade Biológica, ao justificar a participação de sua organização, que não costuma trabalhar com transgênicos. “O grande tema é quanta condescendência deve haver com os órgãos de controle e sua capacidade para realizar seu trabalho, em relação com o que é preciso dar à população para que recuse o organismo perante a justiça”, disse o especialista Doug Gurian-Sherman, que escreveu vários artigos de opinião desde que começou o processo em tribunais menores. “A questão aqui é o quanto a Suprema Corte é responsável no que diz respeito a habilitar os cidadãos a exigir de um órgão estatal que não faça seu trabalho. Creio que isso é o essencial dessa decisão”, acrescentou GurianSherman, que trabalha no programa ambiental e de alimentação da União de Cientistas Comprometidos. A resolução do alto tribunal também terá consequências para os organismos modificados geneticamente nos Estados Unidos e no mundo. Os agricultores orgânicos argumentaram, a princípio, que as abelhas polinizadoras poderiam chegar a trasladar a alfafa transgênica para plantações orgânicas vizinhas, inclusive as que estão a vários quilômetros de distância. A consequente contaminação poderia afetar suas possibilidades de colocar o rótulo de “orgânico” em seus produtos. Além disso, tampouco poderiam exportar sua colheita para países que proíbem os transgênicos. “É possível que os consumidores não aceitem produtos contaminados. Poderão ser feitas análises de verificação e, inclusive, são feitas rotineiramente, mas o mercado pode chegar a rejeitá-los”, explicou Gurian-Sherman. Outro argumento contra a alfafa Roundup Ready é que combinada com o herbicida Roundup, da Monsanto, pode aumentar a resistência das sementes a esse tipo de produto químico. O Aphis praticamente não considera o assunto em sua análise original, “embora nos últimos anos a incidência das sementes resistentes e suas consequências econômicas contradigam quase completamente seus estudos”, disse o especialista. As implicações do litígio são extremamente complicadas do ponto de vista ético e sanitário. A amplitude da sentença da Suprema Corte pode chegar a decidir o futuro dos organismos modificados geneticamente. Há um processo judicial contra a beterraba açucareira. O tribunal permitiu seu cultivo este ano, mas se preservou o direito de proibi-lo no futuro. O Departamento de Agricultura prepara um estudo de impacto sobre esse cultivo. “Há vários indícios de que o Departamento de Agricultura não faz bem seu trabalho no tocante à regulação de transgênicos”, disse Gurian-Sherman, preocupado. “Analisei numerosas avaliações ambientais e considero que foram pouco rigorosas e frequentemente sem sustentação científica. Não foram totalmente negligentes, mas há vários erros de argumentação, ou nos dados, ou na análise destes”, acrescentou. O Aphis concedeu, desde 1992, o status de “não regulado” a numerosos transgênicos em resposta a 80 demandas, disse Bond, entre elas múltiplas variedades de milho, soja, algodão, colza, batata, tomate, abóbora, papaia, ameixa, beterraba açucareira, tabaco, alfafa, linho e endívia. Os testemunhos que forem dados hoje na Suprema Corte podem chegar a ter consequências significativas sobre essa lista. IPS/Envolverde. Craig Venter4, por outro lado, que ganhou fama mundial em 2001 ao decifrar o genoma humano, dirigiu a equipe de cientistas que divulgou, em abril deste ano, a criação da primeira célula bacterial vivente e capaz de se auto-reproduzir com um código genético elaborado por um computador. Isto cimenta o caminho para a geração de organismos sintéticos mais complexos. Em 2005, Venter fundou a empresa Synthetic Genomics para usar genes retirados do mar e de outras partes a fim de criar organismos sintéticos que converteriam cultivos como o capim agulha e o milho em etanol, além de produzir hidrogênio, separar um combustível não contaminante com fins de aquecimento ou degradar gases-estufa. Além disso, a “geoengenharia”, conhecida também como “fertilização oceânica”, método experimental que reduz o dióxido de carbono que há na atmosfera a fim de combater o aquecimento global, já vem sendo utilizada indiscriminadamente. A palavra “geoengenharia” se refere a qualquer esforço humano, em grande escala, de adaptar os principais ecossistemas, e inclui propostas como bombear vastas quantidades de sulfato na estratosfera para bloquear a luz do Sol ou insuflar sal oceânico nas nuvens para aumentar sua refletividade. De acordo com Stephen Leahy, da IPS: São preocupantes os impactos negativos da geoengenharia e das formas sintéticas de vida na África, disse um representante do Malavi na sessão final da 14ª Conferência do Organismo Subsidiário de Assessoria Cientifica, Técnica e Tecnológica (SBSTTA 14) do Convênio sobre a Diversidade Biológica. Esta entidade é integrada por cientistas e técnicos dos Estados que fazem parte do Convênio. Este documento busca reduzir a acelerada perda de espécies que prejudica os ecossistemas da Terra, e o SBSTTA oferece assessoria e recomendações de especialistas nesse sentido. As nanotecnologias, de acordo com o grupo jusnano, presidido pelo Prof. Dr. Wilson Elgelmann, já são uma realidade e utilizadas em grande escala, inclusive pela indústria alimentícia, sem qualquer licenciamento ambiental ou autorização da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – para tanto, sem se saber, sequer, se existe riscos à saúde humana e ou ao meio ambiente e de que magnitude seriam. Não há dúvidas, por outro lado, dos benefícios conquistados pela humanidade em função do desenvolvimento tecnológico, principalmente no período da guerra-fria (1946 – 4 John Craig Venter (14 de outubro de 1946) é um bioquímico e empresário americano, famoso por seus trabalhos pioneiros no sequenciamento do genoma humano e mais recentemente por seu papel na criação de uma forma de vida artificial. Venter fundou a empresa Celera Genomics, The Institute for Genomic Research e o J. Craig Venter Institute. Trabalha atualmente neste último, onde desenvolve pesquisas acerca da criação de organismos biologicamente sintéticos e publicação de descobertas genéticas no campo da oceanografia. Venter fez parte da lista publicada pela revista Time em 2007 e 2008, como uma das pessoas mais influentes do mundo. Em maio de 2010 Craig Venter anunciou o que foi rapidamente considerado o primeiro grande avanço científico do milénio, ao sintetizar pela primeira vez vida artificial. 1989), com evolução inimaginável de computadores com o surgimento da internet (rede mundial de computadores); aumento da expectativa de vida com a evolução de tratamentos e medicamentos; desenvolvimento da comunicação e da indústria automobilística; redução da mortalidade infantil; além de tantas outras técnicas de tratamento da AIDS (Suficiência Imunológica Adquirida) e do câncer, que trazem melhor qualidade de vida e esperança a milhões de pessoas. No entanto, a crença na ciência é a crença no racionalismo e no método cartesiano analítico, mas as limitações humanas, somadas às divisões disciplinares que compartimentalizam o conhecimento, impedem que vejamos o sistema como um todo, que é bem maior que a soma de suas partes. Um exemplo é claro é a desconsideração simplória de que a abelha pode polinizar outras plantas com o pólen de uma outra transgênica e criar um efeito borboleta5. Determinar, com isso, um efeito irradiador ou colateral inimaginável, que pode ser observado, mas não é considerado pelos cientistas que desenvolvem tais técnicas a partir de métodos e conceitos monolíticos como um risco. Mas Beck já tinha traçado as linhas desta sociedade de risco, afirmando que ela é uma sociedade democrática do ponto de vista ambiental, porque os desastres, impactos e acidentes, não são mais suportados somente pela classe trabalhadora, mas por toda a população, inclusive pelos causadores dos riscos, ainda que em graus diferentes, em função do efeito boomerang6 Não simplesmente tornou-se uma sociedade reflexiva, quer dizer, na qual sentimos os reflexos imediatos daquilo que fizemos, porque sempre houve esse reflexo, só que agora conseguimos observá-lo e comunicá-lo com mais clareza, dada sua magnitude e efeitos globais, como são exemplos claros a radiação de Chernobyl e as Mudanças Climáticas, conforme evidenciado acima. Além disso, segundo Beck, os riscos atuais são invisíveis, abstratos, ao passo que os benefícios prometidos pela ciência são concretos, realizáveis, perceptíveis e queridos por todos, como celulares, computadores, carros e televisões que são tidos e vendidos como produtos de “status” social e qualidade de vida. 5 Efeito borboleta é um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos. Este efeito foi analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz. Segundo a cultura popular, a teoria apresentada, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Porém isso se mostra apenas como uma interpretação alegórica do fato. O que acontece é que quando movimentos caóticos são analisados através de gráficos, sua representação passa de aleatória para padronizada depois de uma série de marcações onde o gráfico depois de analisado passa a ter o formato de borboleta. 6 Efeito Boomerang é referido por Ulrich Beck como aquela conseqüência dos impactos e riscos ambientais que retornam para aqueles que o produziram. Essa invisibilidade, para Luhmann7, se reflete em uma condição subjetiva, a percepção do risco, que, posteriormente, desdobra-se em três condições objetivas, após percebido o risco: a sua aceitação pela comunidade potencialmente atingida; a sua distinção ou seleção, que diz respeito à idéia de distinção entre risco/perigo; e a sua avaliação, que diz respeito a sua magnitude, à qual ou quais são os riscos ou perigos que devem ser considerados antes dos demais e referem-se, a toda evidência, aos eventuais riscos de danos que poderão ou não se concretizar futuramente. Há um risco de segunda ordem, segundo Luhmann, relativamente à decisão sobre esta distinção seletiva dos riscos que, considerada as circunstâncias do desenvolvimento tecnológico e da magnitude de seus efeitos, que desconhecem fronteiras políticas, são complexas e inseguras com relação ao futuro, sendo que a própria omissão ou não decisão também se torna um risco. Mas Luhmann diferencia risco de perigo, afirmando que situações de risco são as que possuem potencialidade de gerar possíveis danos, decorrentes de uma decisão relativamente de contingência entre possibilidade/impossibilidade. Como um vínculo ou comunicação com o futuro. E perigo, são situações com potencialidade de gerar possíveis danos, decorrentes de fatores externos, como fenômenos naturais, quer dizer, o que já é conhecido e que temos certeza que irá ocorrer, só não sabemos quando. Entretanto, nem risco nem perigo são um objeto passível de distinção dos demais de uma forma conceitual, mas decorrentes de uma contingência múltipla que oferece perspectivas diferentes para distintos observadores, que partem do fato da possível evitabilidade dos danos, a partir da consciência do risco, o que leva, obrigatoriamente, a um acordo de contingência de alto nível entre atualidade de potencialidade. A consciência ou não dos perigos conhecidos, no entanto, aumentam a possibilidade da autoridade que decide sobre eles tenha condições de negá-los e, com isso, gerar mais riscos a partir da decisão de não reconhecer um risco como risco, ou um perigo como potencial risco. A busca pelo conhecimento faz com que tenhamos mais consciência da realidade e, consequentemente, de avaliar os riscos e termos consciências dos fatores contingenciais. Porém, segundo Luhmann, paradoxalmente, esse próprio conhecimento amplia nossa realidade trazendo uma ampliação da complexidade e dos próprios riscos. Isto é, o desenvolvimento da tecnologia e da técnica traz consigo o desenvolvimento do próprio risco. 7 (Luhmann, 1992) Os riscos, portanto, para Luhmann, estão ligados à idéia de decisão, por não existir uma condição de certeza absoluta por parte da ciência, conforme já afirmado por Ilya Prigogine8, muito menos uma segurança jurídica. Dessa forma, as decisões sempre estarão diante de uma dupla contingência, ou seja, da possibilidade de gerar novos riscos e danos em face da complexidade, isto é, de um mundo que apresenta mais possibilidades do que o ser humano possa perceber, pois é complexo demais para nossa capacidade sensitiva. Essa contingência exige uma redução da complexidade para que possamos ter uma possibilidade de ação e decisão razoáveis. São as expectativas e as expectativas das expectativas, quer dizer, a expectativa que A tenha da expectativa de B sobre a ação dele, que determinam um limite de ação a partir de conhecimentos prévios e pré-determinados de comportamentos. Entretanto, podem, ao fim, desapontar as expectativas, uma vez que, contingencialmente, podem ocorrer de forma diversa do que foi esperado. A aceitação da possibilidade do desapontamento é a aceitação do risco, por meio das expectativas que podem gerar ou não um dano. Entretanto, o direito não torna os riscos uma estrutura normativa, mas os normaliza como uma forma de comunicação com o futuro e em expectativas contingenciais, em face da possibilidade/impossibilidade de sua ocorrência. De qualquer forma, não existe a possibilidade de um grau zero de insegurança, uma vez que, a própria condição da existência humana, como visto, traz consigo o risco. Embora tenha diminuído muito com a evolução civilizatória, isto é, de uma condição de luta inicial pela vida com as demais espécies sobre o planeta, em um período histórico remoto, ligado ao “homo sapiens”, com o “homo faber” deixou de ser uma disputa da vida com as demais espécies, mas pela vida entre os próprios seres humanos. Portanto, a evolução dos riscos, principalmente nesta quadra histórica, no início do séc. XXI do calendário ocidental gregoriano, se tornaram globais e sua magnitude, planetária, cujas bombas de Hiroshima e Nagasaki, de acordo com Michel Serres9, foram um divisor de águas para essa conscientização, ou seja, da possibilidade da tecnologia desenvolvida pelo homem levar a humanidade a uma situação escatológica, principalmente do ponto de vista ambiental. 8 Ilya Prigogine (em russo: ) (Moscou, 25 de Janeiro de 1917 — Bruxelas, 28 de Maio de 2003) foi um químico russo naturalizado belga. Recebeu o Nobel de Química de 1977, pelos seus studos em termodinâmica de processos irreversíveis com a formulação da teoria das estruturas dissipativas. 9 Serres, 1990. 3. INSUFICIÊNCIA DA DOGMÁTICA JURÍDICA TRADICIONAL. Podemos afirmar que os primeiros positivistas foram os sofistas, a partir da idéia do convencionalismo e da retórica. Posteriormente, Augusto Comte elaborou teorias que construíram o positivismo filosófico, decorrentes de uma metafísica clássica subjetivista do mundo como algo dado ou previamente estabelecido. Hans Kelsen, por sua vez, desenvolveu o positivismo jurídico, com sua “Teoria Pura do Direito” criando um sistema fechado, a partir de uma auto-descrição e de “imputs/outputs”, quer dizer, de respostas estabelecidas antes das perguntas. Sua pretensão era de isolar o sistema do direito dos demais sistemas sociais, inclusive do próprio sistema social, para que o Direito ficasse imune a sua dinâmica e da filosofia. Entretanto, sem negar a importância da dogmática jurídica para o direito, sem à qual poderíamos cair em um subjetivismo discricionário perigoso, o fato é que ele foi pensado e construído para ser garantido por um Estado com poder coercitivo. Para uma sociedade simples, na qual os principais pilares eram a propriedade e, a partir dela, a liberdade de contratar e contratual, com riscos locais e mínimos. Porém, a evolução engendrada pela modernidade, principalmente a partir do fim da guerra fria e do socialismo do leste europeu, tendo como marco histórico o pós-guerra, em função do fenômeno da globalização, dos avanços tecnológicos, principalmente na área da comunicação e dos impactos ambientais que agora possuem efeitos globais, transformaram nossa sociedade em uma sociedade altamente complexa e de riscos. O positivismo, entretanto, reconhece essas mudanças sociais somente no longo prazo, determinando um reducionismo das possibilidades consideradas legais, por meio de uma concepção social definida de forma auto-desctiriva, que é engendrada por meio de uma meta-linguagem que estabelece o “suporte fático” necessário à juridicização do fato social. O que está previsto no suporte fático e ocorre no mundo dos fatos é juridicizado, isto é, é legal, caso contrário se trata de um ato ilícito, não aceito pela lei. O estabelecimento destes suportes fáticos é o estabelecimento prévio da forma de sociedade observada por um observador de primeira ordem. Isso leva a impossibilidade de prever todas as situações possíveis dentro de uma sociedade complexa, que passa a ser obrigada a conviver com lacunas legais, determinando uma atração constitucional, em função da busca de respostas por meio de princípios. Para observar o risco, porém, é necessário uma observação de segunda ordem, quer dizer, de observar o observador de como ele age quando observa um risco. Isso quer dizer que nos casos simples há respostas legais estabelecidas antes das perguntas e nos casos difíceis as respostas são construídas, discricionariamente, em um ativismo judicial totalmente anti-democrático, que mesmo do ponto de vista hermenêutico, que busca ampliar, por meio da interpretação de normas e regras, a possibilidade da dogmática jurídica, não consegue formar um sistema que dê respostas constitucionalmente válidas, mas casuísticas e subjetivistas. Dessa forma, não só o positivismo normativo, definido pela lei posta, como o positivismo exegético, a partir de interpretações legais, não conseguem superar as limitações impostas à dogmática tradicional por uma sociedade complexa. Conforme já discorrido acima, o direito estabelece uma conduta social definida por meio de uma comunicação jurídica auto-descritiva, condição necessária e indispensável de construção e desenvolvimento social. Trabalha com expectativas normativas, às quais poderíamos também chamar de imputação objetiva, quer dizer, papéis esperados de uma conduta aceita pela sociedade como correta, que se for desapontada passa a ser ilegal, até chegar a um ponto contrafático, ao qual a norma é obrigada a adaptar-se em função da modificação social, o que só ocorre no longo prazo. Isso já demonstra, de per si, a necessidade de abertura do sistema jurídico para sua inevitável evolução. Entretanto, quando falamos de Meio Ambiente e de riscos à saúde humana, não temos somente o problema dos riscos ou desapontamentos, mas, antes disso, o problema é de comunicação, haja vista que impactos e riscos ambientais somente podem ser explicados por outras ramos do conhecimento. Isso obriga uma comunicação transdiciplinar, a fim de ser tomada uma decisão razoável em face das contingências, o que demonstra, à toda evidência, a impossibilidade de um sistema fechado ter respostas pré-definidas em um contexto dessa ordem. Por outro lado, os processos de globalização10, fragilizaram o centro do sistema jurídico positivista, o Estado, à medida que não só a produção legislativa, mas também as decisões passaram a ser produzidas por outros atores sociais periféricos ao sistema, como multinacionais, com suas normas funcionais próprias e órgãos multilaterais de espectro global como a OMC – Organização Mundial do Comércio – que estabelece critérios internacionais, 10 Expressão definida por Boaventura de Souza Santos, considerando que a globalização não é monolítica, mas decorrente de vários fatores de construção hegemônica. com objetivo de defender o livre comércio, ainda que este livre comércio desrespeite direitos fundamentais, declarados internamente, como é exemplo claro o caso Biothec11. Nesse sentido, o Professor Dr. Leonel Severo Rocha refere-se, citando Teubner: “Por isso Teubner afirma que é preciso se pensar em novos tipos de direitos que surgiram na periferia, mas que também têm autonomia, como se fossem o centro: os direitos softs, soft law, direitos híbridos, direitos de contratos internacionais, direitos de organizações internacionais, que têm uma lógica própria. E que começam a surgir, paralelos ao Estado, na globalização.” (ROCHA, 2009). 4. PRINCÍPIO DO CUIDADO E A PARTICIPAÇÃO NAS DECISÕES. Poderíamos iniciar este ponto relembrando o velho e batido jargão popular de que: “canja de galinha e cautela nunca fizeram mal a alguém”. O Princípio da Prevenção e da Precaução são instrumentos de gestão dos riscos ambientais, que informam, a partir de acoplamentos estruturais com as demais ciências, ou seja, de forma transdiciplinar, que em determinados casos o desapontamento da expectativa do equilíbrio ambiental, é maior do que a sua impossibilidade, que determina uma relação com o futuro para nos dizer que temos que ter cuidado, ou tomar as devidas precauções, a fim de tentar evitá-los. Entretanto, para não determinar uma total paralisação de todas as atividades que tenham possibilidade de gerar danos ambientais, os quais são irreparáveis, foi construído um sistema ambiental, a partir da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Tal sistema definiu um procedimento de Licenciamento Ambiental, a partir do qual os órgãos ambientais competentes, baseados em laudos técnicos (comunicações interdisciplinares) definam critérios e ações preventivas e compensatórias para concessão da autorização administrativa. Esses licenciamentos são, em um primeiro momento, a assunção de riscos contingenciais, cujas expectativas de garantias do equilíbrio ambiental, estabelecidas pelo órgão ambiental no caso concreto, podem sofrer desapontamentos, não só pelo descumprimento voluntário do empreendedor, mas por danos ambientais imprevisíveis, haja vista que, mesmo com base na ciência cartesiana e analítica, eles podem ocorrer, considerando que não existe possibilidade de um grau zero de insegurança ou de total segurança, como era pensado no passado. 11 Em 23 de maio de 2003, os EUA e o Canadá solicitaram consulta perante à OMC em função de medidas da CE no sentido de estar impedindo o livre comércio de Organismos Geneticamente Modificados – OGM – em seu território. Sem um acordo o caso foi encaminhado ao Órgão de Solução de Controvérsias, para cujo painel decisório solicitaram a participação dentre tantos países, o Brasil. Tais critérios são subjetivos, definidos caso a caso pelo órgão ambiental, dependendo da atividade a ser desenvolvida e dos recursos naturais a serem utilizados que. Em última análise, levam em consideração a “tolerabilidade” do recurso natural, o que é extremamente subjetivo e incerto, haja vista que, para tanto, deveria ser decidido por meio de uma visão sistêmica e holística, quer dizer, que veja a parte dentro de um todo relacional, uma rede, na expressão de Fritjof Kapra12, e não como algo isolado no mundo que não interage com os demais recursos naturais. O problema de critério, então, relativamente à tolerabilidade, é o mesmo dos remédios, está na dose. Se a tolerância for grande, as exigências de cuidado serão mínimas, a possibilidade dos empreendimentos será máxima e a assunção dos riscos decorrentes das contingências, será máxima. Se a tolerância for mínima, as exigências de cuidado serão máximas, a possibilidade dos empreendimentos será restrita e os riscos reduzidos. Dessa forma, definir essa razoabilidade e proporcionalidade, quer dizer, se nossa sociedade e nossa geração querem construir um Estado Ambiental e Democrático de Direito que garanta uma vida digna para as futuras gerações ou não, está nas mãos dos técnicos. Eles decidem por meio de análises técnicas, casuísticas e cientificistas, que não possuem uma certeza, mas probabilidades de que as expectativas determinadas por eles não serão desapontadas. Conseqüentemente, que não seja produzido um dano ambiental irreparável, como é fato exemplar o ocorrido com o rio dos Sinos, quando todas as empresas que lançavam dejetos em seu corpo d’água detinham o devido licenciamento ambiental, mas, ainda assim, ocorreu o dano ambiental. Como se vê, a decisão gerou um dano porque avaliou mal a possibilidade/impossibilidade dos riscos envolvidos, quer dizer, sua tolerância em relação ao risco foi maior do que deveria ter sido e, nesse ponto, questionasse: quem e de que forma se estabelece esta tolerabilidade, a razoabilidade entre desenvolvimento e segurança, entre possibilidade e impossibilidade de dano, considerando a magnitude ou potencia das ações e os recursos naturais que sofrerão impacto? Nesse passo, afirmar que a natureza jurídica do Licenciamento Ambiental é um ato vinculado, quer dizer, de que supridas as exigências do órgão ambiental o empreendimento é um direito subjetivo do empreendedor com fulcro nos art. 5º, XIII c/c art.170 “caput”, ambos da CF, é garantir o desenvolvimento econômico e tecnológico mais amplo; gerar mais 12 (Kapra, 1999) empregos e renda; mas também assumir uma posição mais arriscada, se expor mais às contingências e desapontamentos em face às expectativas de danos. Afirmar, por outro lado, que a natureza jurídica do Licenciamento Ambiental é um ato discricionário técnico, na acepção de Édis Milaré13, haja vista que puramente discricionário não seria adequado do ponto de vista da autorização administrativa, à que a lei se refere, não creio que seja uma garantia de maior segurança. Uma vez que a assunção de menores riscos, isto é, de expectativas de não gerar danos ambientais não é absoluta, porque nem mesmo a técnica pode dar 100% (cem por cento) de certeza, além do que, se atendidas pelo empreendedor todas as exigências técnicas não estaria caracterizado o próprio ato vinculado? Ou, ainda assim, o órgão ambiental teria a opção de negar o Licenciamento Ambiental? Se a esse último questionamento nossa resposta for afirmativa, tenderemos a um Estado Ambiental máximo, no qual a cidadania será restringida, haja vista que ficará ao alvitre do Estado e de seus técnicos, a decisão discricionária de concessão ou não da livre iniciativa, ou seja, de empreendimentos. Por outro flanco, o simples fato da natureza jurídica do Licenciamento Ambiental ser um ato vinculado, não significa dizer que, obrigatoriamente, tenha que ser definitivo, ou seja, impassível de ser cassado. Pois, nenhuma autorização administrativa é um ato definitivo, principalmente as relativas à utilização de recursos naturais, considerando os possíveis danos irreparáveis que possam causar e a permanente evolução das técnicas utilizadas para redução da poluição e das contingências, na própria forma estabelecida pelo art.19 da Resolução 237/97 do CONAMA. Nesse diapasão, conforme estabelece o art.225, §1º, V da CF, incumbe ao Poder Público, controlar o emprego de técnicas que comportem riscos para a vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente. A partir desse dispositivo constitucional, o Estado brasileiro reconheceu que vivemos em uma sociedade de risco e que, para tanto, ele deve ser gerido a partir de mecanismos de controle já referidos acima. O problema, no entanto, é que caímos, novamente, em critérios subjetivos e discricionários técnicos, de quem diz o que é risco, isto é, quais as atividades que comportem riscos à vida e ao meio ambiente, a partir do emprego de técnicas como, por exemplo, a da 13 (MILARÉ, 2007) nanotecnologia, bem como quem é o responsável por estabelecer o que é atividade potencialmente degradadora do meio ambiente. A definição destes critérios é a definição da decisão sobre os riscos, ou seja, do que é, realmente, um risco, ou somente um perigo, que a nossa sociedade está ou não disposta a correr em face das vantagens que receberá em troca. Deixar a decisão da aceitação, seleção e magnitude dos riscos, conforme referido acima, somente à técnica, é deixar aberta a possibilidade se negar o próprio riscos, causando mais riscos. Assim como deixar um critério discricionário na mão de técnicos, com a possibilidade de conceder ou não o Licenciamento Ambiental, criando, dessa forma, um Estado Tecnocrático e não de Direito, cujo nível de tolerabilidade que a sociedade está ou não disposta aceitar pode nos levar a um Estado Ambiental Máximo em detrimento de uma Cidadania Ambiental mínima, ou ao contrário, um Estado Ambiental Mínimo e uma Cidadania Econômica Máxima. Contudo e de fato, o adjetivo Democrático no Estado de Direito, exige que todas as decisões administrativas, principalmente aquelas cujos efeitos negativos possam atingir as pessoas em posições de risco, observem a participação direta dos interessados na decisão. Em primeiro lugar, sobre o que é risco ou não, bem como da razoabilidade e proporcionalidade entre os riscos e às vantagens de determinado empreendimento ou técnica que estejam dispostos a correr, considerando as conseqüências às futuras gerações. 5. CONCLUSÃO. Não há dúvidas de que vivemos em uma sociedade de risco, diferentemente de uma sociedade somente industrial, na qual só havia divisão dos lucros, sendo que nessa nova sociedade também há divisão de riscos. Ter consciência destes riscos e de sua dimensão, saber que nossas decisões podem causar outros riscos que comprometerão as futuras gerações, é fundamental. Nossa segurança, ainda que utópica, é um objetivo perseguido como possível, decorrente de um cientificismo cartesiano e racionalista com bases iluministas. Não se nega, no entanto, que o desenvolvimento tecnológico foi o responsável por termos atingido o atual estágio de evolução social. Mas, paradoxalmente, também o responsável pelos riscos da sociedade moderna ou pós-moderna, com conseqüências inimagináveis há algumas décadas atrás, como são exemplo claro as mudanças climáticas. Entre o risco e o desenvolvimento tecnológico, é necessário que se estabeleça um ponto entre o Estado de máxima e mínima tolerância ambiental e entre uma cidadania máxima e mínima ambiental, isto é, uma razoabilidade entre risco e segurança e vantagem e desvantagem tecnológica, correspondente a um desenvolvimento sustentável, de um ecodesenvolvimento, com bases em um novo Contrato Natural. O problema, porém, é que as decisões sobre estes pontos fundamentais que interessam, diretamente, a vida de todos nós, foi delegada a uma burocracia tecnocrática, contrariando o próprio Estado Democrático de Direito por meio do qual é garantida a participação direta das pessoas potencialmente atingidas pelos impactos ambientais. Esta participação realiza-se em audiências públicas, conforme estabelece o art. 1º, parágrafo único da CF e determinada, no art.10 da Res. 237/9 e Res. 09/87, ambas do CONAMA, por meio das quais a população, em primeiro lugar, seja chamada a manifestar-se se determinada situação significa um risco; se sua magnitude impede qualquer possibilidade de autorização para o empreendimento e, na eventualidade de não aceitação, qual a tolerância de riscos que estamos dispostos a assumir em face das vantagens dele decorrente, considerando as prováveis conseqüências às presentes e futuras gerações. Por óbvio que estas audiências não podem ser um ato único, mas vários atos, que garantam a participação obrigatória de um número mínimo da população interessada, ampla divulgação por todos os meios de comunicação, e que, antes de qualquer consentimento informado seja minuciosamente explanado os prós e contras do empreendimento ou emprego de nova técnica. Sem esta participação direta, além da negação do próprio Estado Ambiental e Democrático de Direito, se estará negando Direitos Humanos básicos, haja vista que seguiremos não só sujeitos assujeitados14 à lei, mas à burocracia tecnocrática, como se eles fossem os senhores das do céu e da terra, assujeitando as demais pessoas às suas decisões sobre os riscos a serem assumidos por todos, inclusive pelas futuras gerações. Cabe ressaltar, por fim, seguindo esse raciocínio, de que devemos, realmente, nos perguntar se a democracia que temos é a democracia que queremos, que se a democracia que temos leva a uma emancipação humana, de decidirmos nossa vida e nosso futuro cientes dos riscos que temos que correr para tanto, ou se é mais uma forma de dominação mais refinada, à qual sequer nos damos conta pela estrutura formada e a sutileza com que nos é imposta? 14 Termo utilizado por Costas Dousinas. REFERÊNCIAS: BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento, São Paulo: Editora 34, 2010. DOUSINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009. CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996. 256 p. Título Original: the web of life: a new scientific understanding of living systems. LHUMANN, Nicklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. tradução Javier Torres Nafarrate. Petrópolis: Vozes editora, 2009. _______, Sociologia del Riesgo. Tradução Silvia Pappe, Brunhilde Erker, Luis Felipe Segura, Javier Torres Nafarrate. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. ref. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. ROCHA, Leonel Severo, SCHWARTZ, Germano, CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Dirieto. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. _______, KING, Michael, SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre a autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2009.