UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
DOUTORADO EM ADMINISTRAÇAO
MARIA DE LOURDES BORGES
EVENTOS INESPERADOS ATRAVÉS DO ENTENDIMENTO TEÓRICO DE KARL
WEICK E DE NIKLAS LUHMANN
São Leopoldo
2010
MARIA DE LOURDES BORGES
EVENTOS INESPERADOS ATRAVÉS DO ENTENDIMENTO TEÓRICO DE KARL
WEICK E DE NIKLAS LUHMANN
Projeto de Tese apresentado à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Administração.
Orientador: Dr. Cláudio Reis Gonçalo
São Leopoldo
2010
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................04
1.1 PROBLEMA............................................................................................................................05
1.2 OBJETIVOS.............................................................................................................................09
1.2.1 Objetivo Geral......................................................................................................................09
1.2.2 Objetivos Específicos...........................................................................................................09
1.3 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................................10
2 REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................................14
2.1 WEICK.....................................................................................................................................14
2.1.1 Aspectos Introdutórios do Sensemaking..........................................................................14
2.1.2 Influências teóricas em Weick............................................................................................21
2.1.3. Sensemaking........................................................................................................................24
2.1.4 Fontes da abordagem do sensemaking...............................................................................34
2.1.5 Organizações de Alta Confiabilidade (OAC) ...................................................................38
2.2 LUHMANN..............................................................................................................................40
2.3 RELACIONANDO WEICK E LUHMANN..........................................................................46
3 METODOLOGIA......................................................................................................................49
3.1 ANÁLISE DA CONVERSA....................................................................................................52
3.2 NARRATIVAS........................................................................................................................56
3.3 PESQUISA EXPLORATÓRIA INICIAL...............................................................................59
4 RECURSOS...............................................................................................................................77
5 CRONOGRAMA.......................................................................................................................78
REFERÊNCIAS............................................................................................................................79
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INTRODUÇÃO
A compreensão das vicissitudes da prática organizacional vai além do entendimento da
organização racional do trabalho (AKTOUF, 1996) e inclui entender a gestão como prática social
a partir da inabilidade de se construir, implementar e manter sistemas universais de controle
racional (REED, 1984). Porque tais sistemas de controle não são infalíveis, o imprevisível pode
suceder. São os eventos inesperados que transcendem a ordem das rotinas e do planejamento
organizacional. Diante da ocorrência de um evento inesperado, as organizações não podem
prescindir de soluções tão eficientes e eficazes quanto àquelas previstas para eventos
programados (BORGES e GONÇALO, 2010a).
Organizações que trabalham com atividades de alto risco tomam maior cuidado com as
pequenas e grandes falhas em seu processo devido as suas consequências serem potencialmente
catastróficas, tais como companhias de energia elétrica, emergências de hospitais, energia
nuclear, torres de controle aéreo, times de bombeiros entre outros. Weick e Sutcliffe (2001)
denominam tais empresas de Organizações de Alta Confiabilidade (OAC), as quais aprenderam
maneiras mais eficazes de lidar com o inesperado do que outras organizações.
Este projeto delineia-se a partir da ocorrência de eventos inesperados em organizações
consideradas de alta confiabilidade. O esforço se concentra no entendimento dos eventos
inesperados como um fenômeno que mobiliza a organização não somente em seus aspectos
microdinâmicos, mas também nos aspectos macroestruturais. Os aspectos microdinâmicos
compreendem os processos cognitivos individuais e coletivos de sensemaking (WEICK, 1995),
bem como a visão sociológica da confiança como redutora da complexidade social (LUHMANN,
1996). Já os aspectos macroestruturais referem-se à comunicação como imprescindível para os
sistemas sociais e à decisão como promotora da adaptação do sistema ao ambiente; neste sentido
são estruturantes do sistema (LUHMANN, 1995, 1996a, 1996b, 1997a, 1997b, 2010). Assim,
comunicação é um conceito fundamental e estruturante para a teoria luhminniana, uma vez que é
entendida como uma rede fechada (autopoiética) que reproduz recursivamente os elementos do
sistema como unidades autônomas (RODRÍGUEZ; TORRES N., 2003). Outro aspecto,
considerado para esta proposta macroestrutural, pois decisões são comunicações que promovem a
adaptação do sistema social ao ambiente, servindo como referência entre o aspecto interno e o
externo do sistema (LUHMANN, 1996a).
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Do ponto de vista microdinâmico, entende-se que, diante de uma situação imprevisível, as
pessoas responsáveis procuram compreender o problema a partir de elementos que façam sentido
em suas estruturas de análise (conforme o conceito de sensemaking segundo Weick, 1995),
levando em consideração as suas experiências e as interações com o grupo de trabalho, para,
enfim, encontrar a decisão possível e eficaz. Além da compreensão do processo do sensemaking
(WEICK, 1995) como microdinâmica crítica para o enfrentamento de situações imprevisíveis,
busca-se a diminuição da complexidade através da identificação de familiaridade na situação
através da confiança (LUHMANN, 1996).
Ocorre que neste processo, vários elementos se intercambeiam através da comunicação,
compreendida como elemento macroestrutural, a qual passa a ter um papel estruturador para a
continuação do próprio contexto repleto de complexidade. Busca-se suporte então, o
entendimento de comunicação proposto por Luhmann, para dar conta deste ambiente de
complexidade que são as OAC. Portanto, o enfrentamento da situação inesperada, que exige
solução, sucede-se em um contexto de comunicação expresso através de decisões que, promovem
a continuidade do sistema e, ao mesmo tempo, o colocam em risco.
1.1 PROBLEMA
O problema que este projeto propõe refere-se a um contexto complexo de organizações
que precisam ser altamente confiáveis, tais como instituições de saúde (hospitais, salas de
emergência, unidades cardiovasculares), companhias de energia elétrica (centros de operações do
sistema, hidroelétricas, transmissoras) entre outras. Em tais organizações, os eventos inesperados,
na maioria das vezes, não são considerados como crises, pois não são raros, mas podem causar
grandes consequências se não forem enfrentados adequadamente através das melhores decisões
(WEICK; SUTCLIFFE, 2001).
Para um melhor entendimento deste contexto de complexidade, recorre-se a Luhmann
(2010, 1997a, 1997b, 1996a, 1996b) e sua compreensão da organização enquanto ente
sociológico, onde a relação entre organização e decisão pode ser interpretada sob perspectivas
teóricas sociais (LUHMANN, 1997a). Luhmann propôs o entendimento da Nova Teoria dos
Sistemas em que o sistema é o mediador entre a extrema complexidade do mundo e a pequena
capacidade do homem em assimilar as múltiplas formas de vivência (NEVES, 1997). Diante
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dessas múltiplas formas ocorre um processo de seleção entre as possibilidades que respeita um
“sentido”, que delimitam fronteiras invariantes do sistema social em relação ao meio. Ou seja,
para Neves (1997, p. 12), no entender luhminniano “as fronteiras de um sistema devem ser
entendidas como fronteiras de sentido” produzidas pelas relações entre as ações na busca pela
redução da complexidade. Assim, a ideia de sentido está associada à possibilidade de realizar
seleções no interior do sistema que permitam tanto a redução da complexidade ambiental, como a
sua evolução ao longo do tempo (COHN, 1998). Por isso, para Luhmann, “sistemas sociais são
sistemas de sentido ou sistema-sentido (Sinnsysteme), isto é, algo que faz sentido ou produz
sentido” (CARDOSO; FOSSÁ, 2008, p. 3).
A importância do sentido para a redução da complexidade (Luhmann) e para a redução da
ambiguidade (Weick) é o ponto convergente que impele o problema de pesquisa deste projeto. A
ambiguidade e/ou a complexidade está presente nas OAC, pois são consideradas organizações
“interativamente complexas” e fortemente acopladas, em que a ocorrência de acidentes
independe da quantidade de controles e cuidado que se tenha com eles, pois a fonte de acidentes é
o próprio sistema, na maioria das vezes, independente dos agentes humanos (PERROW, 2009). A
figura 1 demonstra o framework que norteará esta pesquisa.
Figura 1: Framework da pesquisa
Fonte: Dados desta pesquisa
Diante desse contexto, como focalizar o olhar de pesquisa sobre a organização?
Czarniawska (2007) questiona se a organização deve ser estudada de dentro ou de fora. Olhar o
lado de fora das organizações a partir de dentro parecia, para as teorias organizacionais, um
vislumbre através de janelas semiopacas ou ao contrário, entender as organizações como objetos
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obscuros, ou atores, cujos feitos estão dentro do desconhecido ou irrelevantes para o observador
dos macrofenômenos. Este questionamento refere-se à delimitação do problema de pesquisa deste
projeto em que, para além de ser um desencontro epistemológico, tem a intenção de entender
melhor a interposição entre o micro e o macro em eventos inesperados nas OAC.
Portanto, a partir do ponto em comum da complexidade/ambiguidade presente nos
eventos inesperados das OAC e da necessidade de produzir sentido a partir disso, tenta-se
compreender o fenômeno sob os pontos de vista microdinâmico e da macroestrutura. Sob o
aspecto microdinâmico, observa-se que diante da ocorrência de um evento inesperado, é preciso
entender como as pessoas fazem sentido (sensemaking) desse evento coletivamente e como esse
entendimento leva às decisões. A busca por criar sentido ocorre a partir de informações ambíguas
– geradas pelo evento inesperado – a partir da comunicação (WEICK, 1995), bem como pelo
aumento da complexidade da organização que busca na confiança sua diminuição através da
comunicação (LUHMANN, 1996). A comunicação é o meio de conexão interna do sistema
(STOCKINGER, 2001) que leva a compreensão do aspecto macroestrutural entendendo o evento
inesperado como um sistema acoplado de características complexas e invulnerável (PERROW,
1999). A estrutura analítica da pesquisa está representada na Figura 2, a qual busca demonstrar
essa relação entre a delimitação do que se entende por macroestrutura para esta pesquisa e do
que se entende por microdinâmica.
Figura 2: Estrutura analítica da pesquisa
Fonte: Dados desta pesquisa
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Assim, a macroestrutura corresponde ao entendimento da comunicação como produto dos
sistemas sociais, não como processo comunicacional, mas compreendida por Luhmann (2010,
p.300) como um “pulsar constante [em que] a cada criação de redundância e a cada seleção o
sistema se expande e se contrai permanentemente”. Observa-se que a complexidade passa do
entendimento de um sistema linear (emissor-mensagem-receptor) para um entendimento
dinâmico e quase “vivo”. “As organizações são sistemas sociais baseados em comunicação que
têm de ser interpretadas como decisões” (LUHMANN, 1996a, p.345), pois são as decisões que,
através da comunicação, reconhecem fatos ambientais e lidam com as incertezas autogeradas e
geradas externamente ao sistema, produzindo decisões signficativas em relação ao aspecto
externo e interno (LUHMANN, 1996a).
Para estudar essa relação, propõe-se a seguinte questão de pesquisa:
Como o processo dos eventos inesperados pode ser compreendido
através do entendimento teórico de Weick e de Luhmann?
Para responder a esta questão propõe-se a realização de um referencial teórico abrangente
o suficiente que possa analisar o pensamento de cada um dos principais autores, bem como sua
interrelação e possíveis avanços. Para a compreensão das opções teóricas, propõe-se a
compreensão de eventos inesperados a partir de Weick e Sutcliffe (2001), bem como dos
microprocessos de sensemaking, a partir do entendimento de Karl Weick (1973, 1995, 2005),
formado por ambiguidade, experiência e interações, bem como dos microprocessos da produção
da confiança (LUHMANN, 1996b) que envolvem diminuição da complexidade através da
familiaridade expressa no comportamento social e do papel da comunicação como elemento
macroestrutural do sistema que desencadeia decisões (LUHMANN, 1996a, 1997a) e que acaba
por afetar de maneira positiva ou negativa o evento considerado como inicialmente inesperado. A
figura 3 mostra o relacionamento analítico entre as teorias luhminniana e weickiana neste projeto
de pesquisa.
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Figura 3: Estrutura analítica da pesquisa
Fonte: Dados desta pesquisa
1.2 OBJETIVOS
Diante desta problemática, os objetivos desta pesquisa são apresentados a seguir.
1.2.1 Objetivo Geral:
- Compreender o processo de eventos inesperados a partir da ótica de Karl Weick com o avanço
teórico do entendimento de Niklas Luhmann.
1.2.2 Objetivos Específicos:
- Analisar a relação teórica entre os microprocessos da criação de sentido (Weick) e os de
construção da confiança (Luhamann) e a sua relação com a comunicação (Luhmann e Weick).
- Apresentar um modelo explicativo das decisões para eventos inesperados a partir do
entendimento de Weick e de Luhmann.
- Verificar no campo empírico das OAC, como se apresentam as interrelações entre os aspectos
microdinâmicos e macroestruturais e suas consequências para a gestão.
- Compreender a interrelação entre as duas teorias e o avanço da teoria para a compreensão de
eventos inesperados.
Para se atingir esses objetivos, além do aprofundamento teórico necessário, pretende-se
utilizar como campo de pesquisa dois tipos de OAC em dois setores distintos: no setor da saúde,
pretende-se compreender eventos inesperados ocorridos nas Centrais de Regulação do SAMU e
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no setor de energia, no Centro de Operação de Serviços da CEEE – de abrangência estadual.
Como pesquisa exploratória inicial deste projeto, foi estudado um pequeno evento ocorrido no
Centro de Operações do Sistema do setor elétrico brasileiro que ajudou a clarear parte dos
elementos da microdinâmica propostos neste projeto. Nos dois setores indicados, pretende-se
utilizar a metodologia qualitativa para a realização de pesquisa exploratória, utilizando-se de
diversas técnicas tais como observação, entrevistas semi-estruturadas e em profundidade, análise
de narrativas e a abordagem metodológica da Análise da Conversa. Através desses recursos
metodológicos pretende-se atingir aos objetivos desta pesquisa.
Ocorre que, para se estudar no campo empírico a Teoria dos Sistemas Sociais, deve-se ter
presente a ambiguidade da oscilação entre o olhar de fora e de dentro de seu “objeto” de pesquisa
(NEUSER, 1994). Ocorre que Luhmann (1997b) renuncia a objetificação do homem, da
sociedade, ou do que quer que seja o objeto de pesquisa, mas os procedimentos metodológicos
possuem tradição objetificadora. Esta ambiguidade passa a ser esmaecida quando se observam
eventos inesperados como sistemas em busca da diminuição da sua complexidade. A partir disso,
pretende-se compreender as relações e interrelações entre os diversos sistemas sociais utilizandose abordagens metodológicas mais tradicionais, bem como outras mais recentes no campo da
administração como a Análise da Conversa.
Segundo Baraldi e Gavioli (2007) a Análise da Conversa pode ser um bom ferramental de
entendimento dos Sistemas Sociais, mesmo que à primeira vista haja algum estranhamento no
uso da AC para abordagens macrossociológicas. Observa-se, porém que o método elaborado pela
AC parece interessante para complementar uma teoria da sociedade, pois os sistemas sociais “são
constituídos por uma série de eventos comunicativos e a sua parte visível são as sequências de
ações” (BARALDI; GAVIOLI, 2007, p. 126) em que sua compreensão não é diretamente
observável. Assim também a AC observa as interações como uma sequência de ações produzidas
pelos interlocutores, convidando ao estudo dos detalhes destas sequências de ações e assim
descrevendo a interação como um sistema social (BARALDI; GAVIOLI, 2007).
1.3 JUSTIFICATIVA
Os eventos inesperados estão se fazendo cada vez mais presentes nas organizações.
Eventos inesperados em nível mundial parecem cada vez mais comuns, tais como a crise
monetária mundial de 2008, o bloqueio da mobilidade aérea do espaço europeu por vários dias
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por conta das cinzas provocadas por um vulcão islandês em abril de 2010 e o vazamento de
petróleo que iniciou em 20 de abril de 2010 que despeja de 15 a 10 mil barris de petróleo diário
no mar do Golfo do México (RODRIGUES, 2010). .Na América, terremotos abalaram
seriamente em janeiro, o Haiti e em fevereiro o Chile, contabilizando mais de 220.530 mortes
(CHAVES-SCARELLI, 2010).
A pandemia da Gripe A (Vírus Influenza H1N1) iniciada em
2009 tem gerado críticas de especialistas quanto às falhas de gestão da informação por parte da
Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual registrou até abril de 2010, 17.770 mortes em todo
o mundo (NEBEHAY, 2010). No Brasil pode-se citar o blackout elétrico de 10 de novembro de
2009 em que 60 milhões de brasileiros ficaram no escuro por até quatro horas (BROOKS, 2009)
e inundações no Rio de Janeiro classificadas entre as mais fatais do mundo em 12 meses pelo
Centro de Pesquisas de Epidemiologia dos Desastres (MELLO, 2010).
Observa-se que eventos como os citados, afetam diretamente as organizações que se
encontram na área de abrangência de cada evento, e indiretamente outras. Tais eventos extremos
estão sendo denominados por Michael J. Mauboussin (2009) de cisnes cinzentos, uma alusão aos
cisnes negros da metáfora de Aristóteles, segundo o qual, eventos inesperados não são tão
impensáveis quando analisados depois de ocorridos (RODRIGUES, 2010). Portanto, entender
como enfrentar eventos inesperados pode estar sendo difundido à literatura de gestão,
ultrapassando os limites do interesse acadêmico.
Para se compreender a dinâmica dos efeitos de eventos inesperados para as organizações,
torna-se necessário uma visão sistêmica que ultrapasse o entendimento das fronteiras
organizacionais. Eventos inesperados podem ter causas externas, como por exemplo, os citados
anteriormente, ou mesmo causas internas como erro humano, problemas técnicos entre outros.
Quando acontecem, alguma decisão precisa ser tomada. Por isso, para compreender eventos
inesperados é preciso entender como as decisões desses eventos são realizadas. Ocorre que as
decisões acontecem em e através de um contexto de comunicação. Para esta proposta de
pesquisa, a comunicação é um elemento vital para as organizações, pois “o que tem que ser feito
em um sistema social tem que ser realizado pela comunicação” (LUHMANN, 1996a, p. 343). Ou
seja, é por meio da comunicação que as ações são realizadas nas organizações, uma vez
organizações são consideradas sistemas sociais para Luhmann (1996a, p. 345), pois são
operacionalmente fechadas e reproduzem a si mesmos através da comunicação. Para Luhmann
(1996a, p. 345) a característica que distingue as organizações de outros tipos de sistemas sociais é
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a comunicação das decisões, ou seja, “organizações são sistemas sociais baseados em
comunicação, que precisam ser interpretadas como decisões” (LUHMANN, 1996a, p. 345).
Para Luhmann (1996 a) as decisões são interconectadas pela absorção e transformação da
incerteza (baseado em March e Simon, 1958) em certeza autogerada que é a informação. É a
incerteza que produz a ambiguidade da informação que a organização precisa compreender
através do processo do sensemaking (WEICK, 1995), bem como da tentativa de diminuição da
complexidade ambiental através da confiança (LUHMANN, 1996 b). Ambos (Weick e Luhmann)
enfatizam o papel estruturante da comunicação além do ferramental de emissão e recepção de
mensagens, vendo a ação como produto da comunicação.
A organização é vista por Luhmann (1987) como um sistema autopoiético, ou seja, um
sistema que tem capacidade para reproduzir elementos a partir dos elementos de que são
compostos (baseado em Maturana e Varela, 1975). Neste sentido, Weick (1979) cunhou o termo
organizing devido à compreensão da organização como processos que se desdobram como uma
sequência de ações em um contexto social intersubjetivo. Observa-se que ambas apresentam esse
caráter dinâmico em que existe uma busca por diminuição da ambiguidade e/ou complexidade
para resolução de dificuldades e à constante presença da incerteza nas organizações.
Neste projeto de tese, é apresentada a proposta de um avanço do entendimento de Weick
para os eventos inesperados, através do entendimento de Luhmann da organização vista como
sistemas sociais em interrelação direta entre o sistema psicológico e o sistema social através da
comunicação. Tal perspectiva pode trazer para a teoria que busca compreender as OACs, algum
avanço no sentido de focalização do processo que as OACs enfrentam diante de um evento
inesperado, observando-o de dentro a partir da teoria de Weick (sensemaking) e de Luhmann
(confiança), bem como de fora, vendo a organização como um sistema fechado que possui
fronteiras permeáveis com o ambiente, ou seja, a organização vista como sistema social apresenta
diferença em relação ao seu ambiente, mas é suscetível às mudanças ambientais (LUHMANN,
1996 a).
A teoria de Luhmann procura explicar a complexidade da sociedade contemporânea
através da elaboração de uma rede de conceitos suficientemente complexa, que ajuda a explicar a
sociedade mundial e seus processos, ultrapassando o marco conceitual em que os autores
‘clássicos’ explicavam a sociedade de sua época (RODRÍGUEZ; TORRES N., 2003).
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As opções teórico-metodológicas desta proposta de pesquisa envolvem a compreensão das
origens teóricas dos autores estudados. Niklas Luhmann (1927-1998) nasceu na Alemanha,
formou-se em Direito e em 1961 foi estudar em Harvard com Talcott Parsons (1902-1979),
teórico americano que o influenciou, porém, mais tarde, acabou erigindo sua própria teoria
(BIOGRAFY, 2010). Garfinkel (1917-) também estudou com Parsons, o qual não aceitava suas
ideias sobre como o ator ordena a interação social, mas conseguiu formar-se em 1952. Karl
Weick (1936- ) estudou no começo da década de 1960 com Garfinkel, o qual marcou seu
entendimento de sensemaking (WEICK, 1995). Harvey Sacks(1935-1975) também estou com
Garfinkel. Sacks é precursor da Análise da Conversa, abordagem metodológica que estuda a falaem-interação (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998) presente nesta proposta. A figura 4 mostra a
representação das opções teórico-metodológicas. Observa-se que os principais autores desta
proposta tiveram sua origem intelectual a partir de Parsons, pois Luhmann metaforicamente pode
ser entendido como seu “filho” e Weick e Sacks como seus “netos” teóricos.
Figura 4: Matriz das opções teórico-metodológicas
Fonte: Dados desta pesquisa
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
Esta seção pretende apresentar os conceitos de cada tema abordado neste Projeto de Tese
de maneira inicial para auxiliar na delimitação do problema de pesquisa.
2.1 WEICK
2.1.1 Aspectos Introdutórios do Sensemaking
Karl E. Weick é um teórico organizacional americano com formação em Psicologia
Cognitiva. Nascido no Estado americano da Indiana em 1936 recebeu o título de Doutor em
Psicologia em 1962. Desde então se envolveu com pesquisas sobre cognição nas organizações.
Em 1969, escreveu o livro The Social Psychology of Organizing, que inaugura um novo
entendimento das organizações como processos sociais compostos por comportamentos
interligados (livro traduzido para o português em 1973) (ANDERSON, 2006). Acadêmico ativo,
a partir de 1965 escreveu mais de 100 artigos, participou em mais de 100 capítulos de livros e
publicou oito livros individuais (CURRICULUM, 2007). Weick é um dos mais influentes
pensadores no campo das teorias organizacionais (SUTCLIFFE et al., 2006).
O comportamento organizacional se fundamenta na maneira com que as pessoas
interagem no grupo social. Weick (1973) entende que a participação individual no grupo é pouco
heterogênea porque os comportamentos sociais dependem das ações dos outros. Essa interrelação entre indivíduo e grupo se estende ao ambiente, pois ao invés de reagir, os atores criam o
ambiente ao qual se adaptam conforme as suas necessidades e as dos outros.
Um importante aspecto no delineamento da abordagem, é que o ambiente é um fenômeno
ligado a processos de atenção. Weick (1973) cita autores ligados à Fenomenologia Existencial
que se interessam pelo mundo da experiência cotidiana, entre eles Schutz (1967) é muito citado,
por introduzir uma dimensão temporal ao significado da experiência vivida (BURREL &
MORGAN, 1998).
O ato reflexivo pode ser compreendido através da metáfora de um cone de luz que se
amplia para trás (passado) a partir de determinado presente dando definição e contorno a certas
partes da experiência vivida. Como o cone começa no presente, qualquer que seja a atitude ou a
disposição do ego neste momento, afetará o olhar voltado para o passado. Assim, a “atitude do
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ego com relação à atividade presente, determina sua atitude com relação ao passado” (WEICK,
1973, p.67). Por isso, o sentido de uma experiência vivida passa por modificações e dependem do
tipo específico de atenção que o ego lhe outorga em cada momento. A atenção está
pragmaticamente condicionada, pois os sentidos mudam em função de projetos e interesses do
ator no momento presente.
Um dos aspectos essenciais desta abordagem é a característica dinâmica atribuída aos
processos existentes na organização. São os processos que permitem a existência da organização.
Os processos são formados por conjuntos (famílias) de comportamentos interligados que podem
afastar certa ambiguidade da informação. [54] Weick deve a Campbell (1965) a idéia de que os
processos são processos de evolução, embasado na idéia de um modelo evolutivo adaptado ao
comportamento social. Na evolução os principais processos são a variação, a seleção e a retenção.
A variação corresponde às variações do comportamento que são casuais e escolhidas,
sendo conservadas as que receberam o maior reforço ou permitem maior sobrevivência. A
seleção cria a novidade pela composição de vários genótipos. Por isso, grupos parecem mais
‘sábios’ que qualquer um de seus membros, por exemplo, na combinação de porções de
respostas. A retenção é, por sua vez, o oposto da variação, a busca da estabilidade através de
índices moderados de mutação, os quais são necessários para a sobrevivência e para a vantagem
evolutiva. Weick (1973) adaptou tais processos à teoria das organizações e uma das emendas
realizadas à teoria evolutiva foi com relação ao ambiente criado devido aos aspectos sutis da
organização humana.
Para o refinamento do conceito de ambiente criado, Weick (1973) se embasa em Mead
(1956), Allport (1967), Skinner (1963), Bem (19965), Garfinkel (1967), Schachter (1967) e
principalmente Schutz (1967). O ator humano cria o ambiente ao qual o sistema depois se adapta,
e é esse ambiente criado que é trabalhado pelos processos de organização. Para a compreensão do
ambiente criado, o entendimento da dimensão tempo torna-se vital, pois o seu aspecto mais
decisivo reside no passado, uma vez que “só podemos saber o que fizemos depois de ter realizado
a ação” (Weick, 1973, p.64). Ou seja, em linguagem de estímulo-resposta: apenas quando uma
resposta foi completada é que o estímulo se torna definido. Essas afirmações envolvem o tempo
como duração pura e como segmentos discretos. O tempo como duração pura é como uma
corrente de experiência vir-a-ser, deixar de ser, sem contornos, nem limites, um fluxo, de
confusão entre início e fim. Já o tempo, como segmentos discretos com propriedades espaciais e
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temporais, ocorre quando o ator sai da corrente de experiência e volta sua atenção para ela, para o
passado, uma vez que só é possível voltar a atenção para o que passou.
Se o ator se afasta da corrente atual e reflete sobre o que passou, a experiência passa a ser
vista como separável, distinta, definida, “cujo sentido será determinado pela sua atitude com
relação às atividades presentes, [ou seja] sua atitude determina o tipo de atenção que será dirigida
para o passado, e esse modo de atenção é o sentido que a experiência terá” (WEICK, 1973, p.68).
Por isso “todo conhecimento e todo sentido decorrem de reflexão, de um olhar para trás”
(WEICK, 1973, P.64), e todo sentido pressupõe uma experiência que pertence ao passado. Tornase importante clarificar as propriedades do ambiente criado, as quais possuem implicação em
toda a abordagem de Weick (Quadro 1):
Propriedades do ambiente criado
Criação de sentido é um processo de atenção para o que já ocorreu
Como a atenção se dirige para trás, para um aqui-e-agora específicos, o que
quer que ocorra no momento influirá no que a pessoa descobre ao olhar para
trás. A atenção se volta para trás a partir de determinado ponto no tempo (aqui,
agora) e quando fixa uma experiência passada encontra objetos significativos.
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Os processos de memória (retenção ou reconstrução) influem no sentido
4
Como não podemos conhecer a fase inicial, uma ação só pode tornar-se objeto
de atenção depois de ter ocorrido, pois enquanto ocorre não pode ser
observada.
Quadro 1: Propriedades do ambiente criado
Fonte: Embasado em Weick (1973)
1
2
Portanto, os atores humanos em coletividade estão imersos em uma corrente contínua de
experiência. Depois de vivida, a experiência está potencialmente disponível para a atenção,
embora a maior parte dela não seja notada. Se o ator se afasta da corrente atual e reflete sobre o
que passou, a experiência passa a ser vista como separável, distinta, definida, “cujo sentido será
determinado pela sua atitude com relação às atividades presentes, [ou seja] sua atitude determina
o tipo de atenção que será dirigida para o passado, e esse modo de atenção é o sentido que a
experiência terá” (WEICK, 1973, p. 69).
É importante perceber que certas partes da experiência passada se tornam significativas
porque há afastamento de parte da ambiguidade intrínseca numa corrente de experiência. É
próprio da organização procurar afastar a ambiguidade do ambiente de informação. Por exemplo,
através de clientes teimosos, relações com sindicatos, entre outros. A incapacidade das
organizações para tolerar o processamento ambíguo pode ser a razão mais importante para que
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tenham perturbações, ou seja, “é o fato de não querer perturbar a ordem que faz com que para a
organização seja impossível criar a ordem” (WEICK, 1973, p.42).
É a partir da reflexão que certas partes da experiência passada são escolhidas e definidas
(que equivale ao processo de variação). São essas partes da informação criada que formam a
informação recebida que alimentam os processos de seleção e de retenção. Por isso o processo de
variação poderia ser chamado como processo de criação (enactment). Finalmente, é possível
definir os processos de evolução apropriados à teoria organizacional, segundo Weick (1973):
1. Processo de Criação: Sequência em que partes da experiência passada tornam-se
significativas e em que há afastamento de parte da ambiguidade. Esse processo de criação
é alimentado por informações de dentro do sistema (linha do retorno da retenção) e de
fora do sistema (a partir da mudança ecológica) (Figura 2). Uma vez que a reflexão
escolhe e define certa parte da experiência passada, parte da ambiguidade é afastada. São
os ‘sentidos primitivos’ que serão passados para a pragmática coletiva. O sentido da
informação criada não é fixo, mas fluido, porque os projetos estão em mudança, os
interesses estão sendo modificados, bem como a interpretação varia em função da
distância temporal a partir do que está sendo visto. Em um primeiro momento, somente os
interesses do ator individual determinam o sentido. Quando essa informação é transmitida
para o processo de seleção, é a pragmática coletiva que controla o estabelecimento do
sentido. Neste estágio, diferentes componentes da informação recebida merecem atenção,
em diferentes maneiras, com o estabelecimento final de sentidos distintos. Assim, “a
informação que é unívoca para o indivíduo, pode ser ambígua e problemática para o
sistema” (Weick, 1973, p.69), mesmo assim, como a criação é um processo fracamente
estruturado, resulta em várias produções (informações que contém certa ambiguidade).
2. Processo de Seleção: Quando o sentido estabelecido pelo indivíduo no processo de
criação, passa para a pragmática coletiva no processo de seleção, a informação passa pelos
critérios da ação coletiva e as consequências dessa informação são diferentes para a
estrutura coletiva e para o indivíduo. As ações egoístas conservam o indivíduo, mas
destroem a coletividade. A produção final de diferentes sentidos dependerá do nível de
ambigüidade das ações coletivas, ou seja, depende do aspecto coletivo a partir do qual são
vistas retrospectivamente. Perguntas próprias da pragmática coletiva: Por que estou
fazendo isso? Quais as consequências para o sistema? A função do processo de seleção é
separar a maior parte das produções ambíguas e torná-las mais unívocas e ordenadas na
medida do possível.
3. Processo de Retenção: Esse processo enfrenta duas fontes de ambiguidade: (a)
ambiguidade das informações a partir do processo de seleção e (b) ambiguidade que se
desenvolve a partir de contradições entre itens mais novos e mais antigos do conteúdo
conservado. O principal objetivo da retenção é a retirada de mais um pouco da
ambiguidade da informação. Quando a informação chega no processo de retenção a partir
do processo de seleção, tem o potencial para contradizer ou reafirmar o conteúdo pré17
existente. É a reorganização interna dentro do processo de retenção que afasta a
ambiguidade criada por contradições. As informações rotineiras (baixa ambiguidade)
passam por todos esses estágios. Quando o item rotineiro possui baixa ambiguidade, é
difícil assimilá-lo na experiência passada, não passa pela memória por isso pode ficar sem
sentido. Itens rotineiros podem provocar muita perturbação quando a ambiguidade
presente neles não aparece. Por isso o equilíbrio entre estabilidade e flexibilidade é
importante.
O trabalho dos processos é o de afastar parte da ambiguidade. Quando a informação chega
a qualquer um dos processos citados, inicialmente é registrado o grau de ambiguidade da
informação, uma vez que se houver muita ambigüidade na informação – o processo se torna
desordenado até que se destrói no caos total. Se muito ordenado se destrói, pois atuará com partes
cada vez menores de informação recebida e se torna cada vez mais isolado do ambiente que atua.
Esse é o problema de registro e afastamento.
Weick (1973) formulou hipóteses sobre regras que ajudam a construir os processos. Essas
regras permitem reunir o processo a partir do conjunto total de ciclos interligados que estão
presentes na organização. O grau de ambiguidade é registrado a partir da aplicação das regras
de reunião, que consiste na escolha de alguns dos seguintes critérios para a escolha dos ciclos:
menor esforço, maior freqüência, maior êxito no afastamento da ambiguidade, estabilidade na
recepção da informação, menor tempo, disponibilidade, pessoal mais experiente, semelhança no
conteúdo da informação, mais compensadores e que provoquem menor perturbação no sistema.
Após a aplicação das regras de reunião são escolhidos ciclos adequados. Cada ciclo se
inicia com a ação da pessoa (ato) que vai suscitar uma resposta da outra pessoa (interato) e o
consequente reajustamento da primeira pessoa (interato duplo). Weick (1973) sugere alguns
ciclos que seriam adequados para reunir um processo de seleção:
1
2
3
4
5
Ato
Ação da pessoa
Interato
Resposta da outra pessoa
Isola uma propriedade da
informação para exame maior
Escolhe critério para aplicação
à propriedade da informação
Constrói novo critério de
seleção
Diferencia
um
critério
existente, através do novo
componente
Reúne um conjunto de
critérios para aplicação a
Aceita ou rejeita essa
escolha
Aceita ou rejeita o critério
Aceita
ou
construção
Aceita
ou
diferenciação
rejeita
a
rejeita
a
Aceita ou rejeita a reunião
Interato duplo
Reajustamento pela primeira
pessoa
Abandona, revê ou conserva
propriedade
Abandona, revê ou conserva
critério
Abandona, revê ou conserva
construção
Abandona, revê ou conserva
diferenciação
a
o
a
a
Abandona, revê ou conserva
reunião
18
informação
Aplica os critérios escolhidos Avalia
o
ajustamento
à informação
critério-informação
Quadro 2: Descrição de alguns ciclos de reunião de processo
Fonte: Weick, 1973, p. 74
6
Aceita ou rejeita, a fim de reter
Portanto, quanto mais ambígua é uma informação, não se conhece dela o suficiente, então
poucas regras de reunião são utilizadas, em compensação maior quantidade de ciclos será
aplicado e vice-versa. Observa-se que os processos atuam através de redes interpessoais de
interação, uma vez que a estrutura coletiva suporta a diminuição da ambiguidade através dos
comportamento interestruturados. A ambiguidade corresponde ao excesso de sentido de uma
informação.
Os processos de criação, seleção e retenção são interligados na organização e as relações
existentes entre eles constituem os controles do sistema (embasado no circuito causal de
Maruyama, 1963). Weick (1973) entende que as relações entre processos estão relacionadas ao
problema de como ocorre a organização, pois em ambas há, o que ele chama de ‘circuitos’, que
ampliam o desvio (mudam condição, desenvolvem estruturas, criam diferentes padrões de
respostas), bem como há os que contrabalançam os desvios (estabilidade no sistema e
continuidade), esses últimos são os circuitos de autocorreção que “permitem que a organização
conserve as lições que aprendeu com a experiência e possa utilizá-las” (p. 86).
Portanto, o trabalho dos processos é o de afastar parte da ambiguidade. O ambiente
externo, sob a forma de mudança ecológica, atinge mais o processo de criação do que o de
seleção. Quando a informação chega no processo, inicialmente é registrado o grau de
ambiguidade da informação, através do aumento ou redução do número de ‘regras’ que são
ativadas para reunir um processo (menos regras significa maior ambiguidade; mais regras
significa menor ambiguidade). Quando poucas regras são ativadas, mais ciclos (afastam a
ambiguidade) são escolhidos (ato, interato e interato duplo). Ou seja, quando há grande
ambiguidade poucas regras e muitos ciclos são escolhidos, e quando há pouca ambiguidade na
informação, muitas regras e poucos ciclos são escolhidos. Isso ocorre em cada um dos processos
de criação, seleção e retenção. Quando há excesso de ambiguidade e os processos de seleção e
retenção não conseguem diminuí-la, ocorre a produção de diferentes sentidos, conforme
demonstrado na figura 6.
19
Mudança
ecológica
Individual
Criação
R-C
Atenção
retrospectiva
Diferentes
Sentidos: Maior
Ambiguidade
Seleção
R-C
Retenção
R-C
Pragmática coletiva
R-C
Regras de reunião
e escolha de ciclos
Linhas de informação
com maior ou menor
ambiguidade
Figura 6: Diagrama do relacionamento entre processos com excesso de ambiguidade
Fonte: Embasado em Weick, 1973
Já se no final do processo, o conteúdo conservado for utilizado como indicação, pois
conseguiu a diminuição da ambiguidade, e for utilizado em oportunidades posteriores ocorre
então a ação (criação/enactment) e o consequente ajuste do sentido, conforme demonstrado na
figura 3. Assim, o sentido da organização é definido pelas ações dos seus atores. O sentido não é
‘ligado’ à experiência. O sentido de qualquer coisa é a maneira pela qual a atenção a vê, e nada
mais. Deve-se salientar que mesmo conteúdos não ambíguos podem ser reinterpretados como
ambíguos (quando confrontados com o sentido retrospectivo). A partir dessa ambiguidade recém
descoberta, podem aparecer novos sentidos para o item remetendo novamente à figura 7.
20
AÇÃO
Mudança
ecológica
Ajuste
sentido
Individual
Criação
R-C
-A
Escolha
Seleção
R-C
Retenção
R-C
Pragmática coletiva
R-C
Regras de reunião
e escolha de ciclos
-A
Diminuição
ambiguidade
informação
Atividade coletiva
da
da
Linhas de informação
com maior ou menor
ambiguidade
Figura 7: Diagrama do relacionamento entre processos com diminuição da ambiguidade
Fonte: Embasado em Weick, 1973
Para esta pesquisa, os primórdios do conceito da criação do sentido concebido por Weick são
consideradas a partir do livro de 1969, traduzido para o português em 1973. A seguir é
apresentada uma análise das suas fundamentações teóricas.
2.1.3 Influências teóricas em Weick
Para uma melhor compreensão das influências teóricas que o conceito de criação do
sentido proposto por Karl Weick, aqui considerado como primitivo (livro de 1973), será utilizado
o entendimento das abordagens propostas por Burrel e Morgan (1998) para o entendimento das
teorias organizacionais. A Abordagem Funcionalista (BURREL; MORGAN, 1998) é o quadro
dominante na sociologia acadêmica e no estudo das organizações. Explica o status quo, a ordem
social, a integração social, a solidariedade e a necessidade de satisfação e atualização. Explica os
assuntos sociais de forma essencialmente racional, sendo pragmático, orientado para o problema
e solucionador prático, para entender a ordem, o equilíbrio, a estabilidade na sociedade e os
meios que podem ser mantidos. Observa-se que as principais influências foram:
a) Simmel (1917) e Mead (1956) são autores com forte presença na obra de Weick (1973). Para
Burrel e Morgan (1998) esses autores representam a categoria do Interacionismo Simbólico,
tópico pertencente à Abordagem Funcionalista por conter idéias do positivismo sociológico. O
21
positivismo sociológico procura utilizar os aparatos metodológicos das ciências naturais para as
ciências sociais (NUNES, 2003). No Interacionismo ocorre a presença em maior ou menor grau
de determinismo, no sentido de que há estruturas externas ao indivíduo que produzem certo
cerceamento de suas ações e de suas interações, através dos padrões, regras e valores com que o
indivíduo precisa lidar. Com isso, o voluntarismo individual também é afetado (Burrel e Morgan,
1998).
b) O sociólogo Simmel (1917) focaliza seu interesse de pesquisa nas estruturas (estado, cidade,
família etc) que os indivíduos cristalizam nas suas múltiplas relações através das interações. Sua
preocupação é o estudo da associação através do entendimento das interações dos indivíduos
como átomos sociais, ou seja, nas relações estabelecidas pelos indivíduos durante a interação.
Preocupa-se mais com a associação do que com a sociedade (Burrel e Morgan, 1998). Weick
(1973) absorveu muito do seu trabalho, principalmente as formas de interação grupal como as
díades e as tríades.
c) Mead (1956) destaca o papel dos gestos e da linguagem no processo de interação, os quais
fomentam o desenvolvimento da mente e da pessoa. Para ele a consciência do ser humano evolui
através do processo social de interação que envolve uma conversa interna com o outro
generalizado. Reconhece o papel do ser humano em influenciar seu ambiente através da interação
(Burrel e Morgan, 1998). Observa-se que Weick (1973) absorveu a questão do ambiente criado e
muito do papel da interação na sua teoria de Mead.
d) Skinner (1963) é um dos principais representantes do tópico ‘objetivismo’, caracterizado pelo
alto grau de modelos e métodos das ciências naturais. Skinner é um psicólogo
comportamentalista que desenvolveu teorias causais de comportamento baseadas na análise de
estímulo e resposta. Para ele, o homem é quase igualado a uma máquina, respondendo de maneira
determinística às condições externas em que é exposto. Weick (1973) foi influenciado pela
questão do estímulo-resposta no entendimento da criação do sentido.
A busca da Abordagem Interpretativista é a compreensão do mundo social e dos seus
fenômenos a partir da experiência do sujeito, ou seja, valoriza o ponto de vista dos atores que
estão diretamente envolvidos no processo social (BURREL; MORGAN, 1998). Esta é uma visão
bastante diferente da Abordagem Funcionalista que prevê que há ordem e padrão contínuos nos
processos organizacionais, guiados pela objetividade. Na Abordagem Interpretativista, o
subjetivismo tenta entender o mundo social ao nível da experiência subjetiva, ou seja, o
entendimento do mundo a partir da consciência individual, a qual encerra a subjetividade.
Observa-se que as principais influências foram:
a) Schutz (1967) pertence à Abordagem Interpretativista, pertencente ao tópico da
Fenomenologia Existencial em que o interesse resido no mundo da experiência cotidiana. Schutz
acredita que a função da ciência social é ser interpretativista em uma análise fenomenológica de
significado originada no fluxo da consciência. Através do entendimento de Schutz, é introduzida
22
uma dimensão temporal junto ao conceito de reflexividade e ao significado da experiência vivida.
O aspecto da temporalidade é essencial na obra de Weick (1973), uma vez que o sentido sempre é
retrospectivo. Outra questão importante a ser destacada é a perspectiva sociológica, ou seja, como
conhecer a subjetividade do outro através da apreensão intencional de sua experiência, em que o
verdadeiro entendimento depende da interação.
b) Garfinkel (1967) é um dos autores que mais influenciou Weick no seu entendimento da criação
do sentido. Garfinkel pesquisou os jurados em parceria com Pepinski para entender “o que os
torna jurados?”. É importante notar que Pepinski foi um dos orientadores de doutorado de Weick.
Chegaram à conclusão que os jurados seguiam uma série de práticas para fazer sentido de uma
atividade social específica. Garfinkel é considerado pertencente ao tópico da Etnometodologia
por Burrel e Morgan (1998). A Etnometodologia estuda o detalhamento da vida cotidiana. Os
tópicos de estudo empíricos são as atividades práticas da vida diária, como as pessoas ordenam e
dão sentido para as suas atividades e às dos outros. O termo Etnometodologia foi inventado por
Garfinkel no referido Projeto Júri.
Observam-se influências de outras correntes teóricas nos escritos de Weick, tais como:
a) Allport (1962) é citado por Weick (1973) sobre a importância da participação das pessoas nas
estruturas do grupo. Allport foi importante para a Psicologia Social, transparecendo em sua
teorização uma vertente positivista através da ênfase no comportamentalismo (CAVEDON,
1999). Allport (1962) deixou marcas na obra de Weick (1973) através do seu entendimento sobre
as estruturas coletivas onde os comportamentos dos membros são interligados através de ciclos e
complementação do comportamento. Depois da estrutura coletiva formada, as pessoas tentam
preservá-la através de seguranças estruturais. A estrutura coletiva é uma propriedade básica dos
grupos.
b) Campbell (1965) aprofundou a Epistemologia Evolucionista, através de uma abordagem
evolutiva para explicar o conhecimento humano (GARCIA, 2005). Weick (1973) adaptou suas
idéias dos processos evolutivos sociais de variação, seleção e retenção o que traduz um caráter
evolucionista na sua obra.
c) Maruyama (1963) tratou dos processos de auto-organização descritos na cibernética de
segunda ordem, ou seja, tratava da capacidade de auto-organização do sistema de modo que o
organismo pudesse se adaptar às condições do contexto para sobreviver, através de uma
retroalimentação positiva (GRANDESSO, 2000). Termos e aspectos apropriados para a Teoria
dos Sistemas, aproveitados por Weick no entendimento da inter-relação entre os processos
evolutivos, conforme demonstrado nas figuras 2 e 3.
Portanto, a obra de Weick (1973) sofreu diversas influências. Quando comparadas com a
categorização de Burrel e Morgan (1998) é possível perceber que a abordagem foi influenciada,
entre os autores citados, por teorias mais objetivistas, bem como mais subjetivistas. Dentre os
autores utilizados de outras disciplinas, é possível perceber que a questão da estrutura perpassa
todas as suas análises, podendo ser aqui categorizados como mais objetivistas. Assim, observa-se
23
que a abordagem da Criação do Sentido pode ser compreendida como pertencente às abordagens
Interpretativista e a Funcionalista, uma vez que bebe de fontes heterogêneas.
2.1.4. Sensemaking
No livro Sensemaking in Organizations, Weick (1995) “consolida uma nova forma de
relacionar a ação com o contexto organizacional, na qual se destaca o modo como as pessoas
criam sentido a partir de elementos da experiência e de seu contexto cultural e discursivo”
(BORGES; GONÇALO, 2009b).
Sensemaking significa literalmente construir sentido ou significado (making of sense).
Para este estudo, a tradução de sensemaking será considerada como ‘criação de sentido’. Esta
opção deve-se às características singulares do conceito, tais como a questão do retrospecto. Se a
cada vez que o ator se deparar com uma situação ambígua e complexa ele buscar em sua memória
situações semelhantes com a atual e se seus projetos e inclinações do momento interferem no
sentido dessas experiências passadas, a cada vez ele estará criando um novo sentido para cada
situação. Como, para o autor, a questão do enactment é importante decidiu-se, que a melhor
tradução de sensemaking para o português e para este trabalho é ‘criação de sentido’.
O processo de criar sentido tem uma forte influência sobre a maneira com que os
indivíduos, dentro das organizações, começam os processos de transação com outros para
clarificar a própria identidade e da organização. Weick (1995) adapta os trabalhos de Steele
(1988), Ring e Van de Ven (1989), Chatman et al., (1986), Louis (1980), Duton e Dukerich
(1991), Erez e Earley (1993).
O que faz um evento ser uma oportunidade para criação de sentido organizacional? Há
algumas características que precisam estar presentes em um evento, tais como um fluxo de
eventos que acusa discrepância de sinais ou pistas, que surpreende, que não se ajusta. Quando se
olha para o passado, ocorre um lapso na experiência, pois não se encontra nada semelhante.
Iniciam-se especulações sobre o que está ocorrendo, surgem pistas que o grupo ou comunidade
começa a discutir, pois contatos são cruciais na construção e percepção do problema.
Normalmente identidade ou reputação estão envolvidas. Portanto essas características envolvem
identidade, retrospecto, promulgação/decretos, contato social, eventos em processo, pistas e
plausibilidade que são as sete características da criação de sentido. As organizações são terrenos
24
férteis para a criação do sentido, pois trabalha sobre uma rede de ação coletiva, com informações
ambíguas, possui linguagem e símbolos próprios, bem como eventos e interrupções inesperados.
Os principais problemas de pesquisa que o estudo da criação do sentido suscita são: Como
eles constroem o que eles constroem, por que e quais seus efeitos? Organizações que se
envolvem em criação do sentido são mais ou menos adaptativas? Entre os autores que estudaram
a criação do sentido a partir das ideias de Weick (1995), o autor concorda com os achados de
algumas pesquisas realizadas e as utiliza para um refinamento de seu conceito de criação do
sentido.
A interpretação é diferente da criação de sentido e nem faz parte dela, mas ambas são
frequentemente confundidas. Para o ato de interpretar é preciso que haja alguma forma de
explanação como um texto a ser lido, um sonho a ser interpretado ou um poema. O resultado da
interpretação sempre será uma tradução ou uma leitura aproximada, é como ler o texto que outro
escreveu, sem a compreensão do contexto dos acontecimentos. Por isso, interpretação envolve
interesses políticos, consequências, coerção, persuasão e retórica, o que provoca amiguidade e
equívoco. O processo de criação de sentido inclui a construção e quebra do texto como pistas ou
sinais que são interpretados, bem como revisão destas interpretações baseadas na ação e suas
consequências. Criar sentido é sobre autoria, bem como interpretação, criação bem como
descoberta, ou seja, alto nível de engajamento do ator (WEICK, 1995). Portanto, a criação de
sentido é sobre uma atividade ou um processo enquanto interpretação pode ser um processo que
descreve um produto. É comum ouvir que alguém fez uma interpretação, mas Weick (1995)
defende que alguém criou um sentido (fez um sensemaking). Assim, a atividade, mais do que o
resultado está em primeiro plano, com foco no processo. Para o ato de interpretação é como se
houvesse um texto no mundo esperando para ser descoberto ou aproximado. Criar sentido é
menos sobre descoberta e mais sobre invenção. Criar sentido contém mais estágios do que a
interpretação, ou melhor contém mais complexidade do que a interpretação.
Weick (1995) começou a se interessar por sensemaking nos anos 60 através dos trabalhos
de Garfinkel e Pepinsky (1967) que estudavam a tomada de decisão dos jurados. O que intrigava
ao autor era que os jurados não pareciam primeiramente verificar o dano provocado pelo réu e
sua extensão e então alocar a culpa e finalmente a pena (remedy). Eles primeiro decidiam a pena
e então decidiam os fatos entre as alternativas alegadas que justificassem a pena. Os jurados
criavam uma seqüência consistente (makes good sense) e a tratavam como se isso fosse o que
25
realmente ocorreu. Os fatos eram produzidos retrospectivamente para suportar a escolha do
veredicto dos jurados, através da construção de uma história plausível. (WEICK, 1995). Por isso,
a questão que Wallas (1926) trás é essencial para a criação do sentido: “Como posso saber o que
penso até ver o que eu disse?”
Assim, observa-se que uma característica da criação do sentido é que o resultado ocorre
antes da definição da situação. As situações são progressivamente clarificadas, ou seja, as pessoas
começam com um veredito ou uma escolha em mãos e constroem uma história plausível que a
reproduz, como aparece no trabalho de Garfinkel (1967). Este entendimento está fundamentado
na Teoria da Dissonância Cognitiva (Festinger, 1957) que define como uma dissonância, uma
tensão entre o que a pessoa acredita e o que ela faz. A pessoa procura reduzir a dissonância entre
cognições que coexistem simultaneamente, modificando um dos dois conhecimentos devido à
tendência à consistência cognitiva. A pessoa procura então reduzir o incômodo psíquico
aproximando sua percepção à do dissonante ou percebendo a informação de forma distorcida
(SOTO, 2002), revisando assim o sentido de decisões que tiveram consequências negativas, por
exemplo.
A Teoria da Dissonância Cognitiva e a Etnometodologia fornecem robustez para a
abordagem da criação do sentido. A Etnometodologia foi inaugurada por Garfinkel (1967) e
consiste no estudo do raciocínio prático do cotidiano, buscando explicação para a realidade
através do conjunto de evidências observado (GUESSER, 2003). A etnometodologia busca
descrever os métodos que as pessoas usam para representar suas próprias ações para os outros
(HUTCHBY e WOOFFITT, 1998). Ambas as perspectivas compartilham idéias comuns uma vez que,
para a Etnometodologia, na presença de outros, a pessoa busca provar competência social e
racionalidade nas ações, o que é muito semelhante à autojustificação da Teoria da Dissonância
Cognitiva que é também real ou imaginada pela audiência (WEICK, 1995).
A definição das sete propriedades da criação do sentido é um dos principais incrementos
contidos no conceito refinado da abordagem. As propriedades são apresentadas por Weick (1995)
como uma sequência, mas também com implicações recíprocas e interrelacionadas. As sete
propriedades são descritas e refinadas a partir da literatura sobre criação do sentido,
especialmente sobre o artigo de Porac et al. (1989), e será aqui utilizado para exemplificar cada
uma das propriedades. Deve-se salientar que este autor propôs uma taxonomia para a abordagem
ainda em 1988. O autor sugere que esta estrutura sirva mais como um material para ‘imaginação
26
disciplinada’ do pesquisador do que proposições para serem testadas. As sete propriedades do
sensemaking são:
a) Construção da identidade
Esta propriedade da criação do sentido envolve o entendimento da identidade não como
uma entidade fixa, mas como uma construção realizada no processo de interação. Quando há
mudança no processo de interação, ocorre mudança na definição do eu. Assim, o criador de
sentido está em processo de contínua redefinição, ao mesmo tempo que apresenta algum eu para
os outros e tenta decidir qual deles é mais apropriado. Weick (1995) utiliza os estudos de Erez e
Earley (1993) sobre a Teoria da Auto-Representação Cultural em que o autoconceito é um agente
de sua própria criação. Nesta Teoria há três necessidades autorderivadas: (a) manter um estado
cognitivo e afetivo positivo sobre o eu, (b) desejo de perceber a si mesmo como competente e
eficaz e (c) desejo de sentir e experienciar coerência e continuidade.
O processo de criar sentido tem uma forte influência sobre a maneira com que os
indivíduos, dentro das organizações, começam os processos de transação com outros para
clarificar a própria identidade e da organização. Weick (1995) adapta os trabalhos de Steele
(1988), Ring e Van de Ven (1989), Chatman et al., (1986), Louis (1980), Duton e Dukerich
(1991), Erez e Earley (1993) para a propriedade da construção da identidade e identifica alguns
pontos importantes:
- criar sentido é ativado pelo fracasso de confirmar o próprio eu;
- criar sentido ocorre a serviço de manter uma autoconcepção consistente;
- as pessoas aprendem sobre suas identidades projetando-as no ambiente e observando as
consequências;
- as pessoas compartilham e reagem ao ambiente simultaneamente, em uma mistura
complexa de pró-ação e reação,um jogo de forças comum na criação de sentido;
- as pessoas estão mais preocupadas consigo próprias do que com os acontecimentos
externos, mas também interessadas com as conseqüências que esses acontecimentos pode vir a ter
sobre elas;
- quantos mais eus a pessoa tem acesso, mais sentidos pode criar.
Há duas entidades: uma individual como si-mesma e uma individual como representação
da coletividade. Assim, o indivíduo não fala em nome da organização, mas, quando incorpora os
valores, crenças e objetivos da coletividade, o comportamento individual é mais macro do que
usualmente reconhecemos. As pessoas simultaneamente formam e reagem ao ambiente, isto é
uma mistura complexa de ação e reação como lugar comum na criação de sentido. Finalmente a
idéia de que criar sentido é auto-referencial, sugere que o eu, mais que o ambiente pode ser o
texto com necessidade de interpretação. Criar sentido é auto-referencial, o eu mais que o
ambiente é o texto para interpretação, o que equivale à máxima “conhece-te a ti mesmo”. O
sentido que o sujeito dá ao que acontece ao seu redor depende que implicações esses eventos
terão para o que ele será.
O trabalho de Porac et al.(1989) investigou 17 empresas escocesas fabricantes de
pulôveres com as seguintes questões sobre o modelo mental dos estrategistas:
-Qual é a identidade consensual e crença causal construída por gestores para fazer sentido de
transações dentro de seu ambiente competitivo?
-Como as crenças relacionam-se as atividades estratégicas das empresas dentro do setor?
27
-Como as crenças se mantém e se alteram através do tempo?
Eles encontraram que as crenças sobre a identidade da empresa é parte fundamental do
modelo mental dos gestores, bem como as crenças compartilhadas definem as escolhas
estratégicas a serem tomadas no espaço competitivo, onde cada estrategista procura descobrir
quem eles estão se tornando neste espaço fluido.
b) Retrospeto A questão do retrospeto foi estabelecida em Weick (1969). Como a percepção do
mundo é de um mundo passado, uma vez que a memória é definida como a experiência do
passado, então toda percepção é uma forma de memória. Weick (1995) embasa-se em Schutz
(1967) para analisar a experiência vivida significativa. Por isto,
(1) a criação de significado é um processo “atencional” para o que já ocorreu;
(2) a atenção é direcionada para trás de um ponto específico no tempo (aqui e agora) e
tudo o que ocorre no aqui e agora influenciará o que é descoberto quando as pessoas olham para
trás (influenciados pelo contexto situacional)
(3) porque o que será interpretado é somente uma memória, qualquer coisa que afete a
lembrança afetará o sentido dessas memórias
(4) uma ação somente se torna objeto de atenção depois que ela ocorreu, em outros
termos, o estímulo somente é conhecido depois da resposta
Para a clarificação desta propriedade, volta-se aos escritos de 1969 para explicações sobre
as experiências em termos de pura duração (experiencing) e episódios específicos (experiences).
A consciência das ações somente ocorre depois que elas tenham sido completadas e nunca
durante a ação (acting), pois a consciência é sobre os processos sensórios e não sobre os
processos motores (MEAD, 1956). Weick (1995) procura clarificar com a metáfora do cone de
luz (item 1 deste estudo).
Não há pragmatismo no estudo da propriedade retrospectiva da criação do sentido, pois
cada experiência será reconstruída em uma história diferente dependendo do seu resultado mais
ou menos favorável e dos interesses e projetos do ator no aqui e agora. É importante lembrar
ainda que: (a) o aspecto retrospetivo pode envolver tempo relativamente curto entre ação e
reflexão, (b) através da retrospeção o passado pode clarear, mas não o faz transparente e (c) um
dos objetivos de criar sentido é a busca do sentimento de ordem, claridade e racionalidade, ou
seja, quando esse sentimento é atingido o processo retrospectivo para.
No estudo de Porac et al.(1989), na região escocesa de Hawick, os pulôveres são feitos à
mão pois se acredita que tal decisão estratégica traga maior qualidade ao produto. Weick (1995)
questiona o quanto o motivo do produto ser feito à mão é por realmente fornecer alta qualidade
ao produto, quando comparado com produtos industrializados de fabricação mais barata, ou
porque o motivo é que sempre foi feito assim?
c) Decretos sobre ambientes sensíveis A palavra utilizada por Weick (1995) é enactment para
preservar o fato que na vida organizacional as pessoas produzem parte do ambiente que elas
encontram. Gestores constroem realidade a partir dos atos de autoridade ou dos decretos em que
limitam, rotulam e categorizam aspectos do ambiente. O decreto é uma lei, um limite que o
legislador escolhe. Na prática não há muita diferença entre 399, 400 ou 401 chamadas
telefônicas, mas ao impor um valor (400) o decretante estará deixando vários insatisfeitos. Por
isto o decreto em si pode levar ao fracasso do ‘decretante’, porque os ambientes que sofrerão o
decreto não são únicos, monolíticos, fixos, imparciais para as pessoas. As pessoas são muito mais
uma parte de seus próprios ambientes. As pessoas são ativas no ambiente.
28
Os atores organizacionais agem e acabam por condicionar as ações no ambiente por eles
criado através de restrições e oportunidades. O autor se embasa em Follet (1924) que entendia
que as pessoas recebem estímulos em função de sua própria atividade no ambiente. Causa e efeito
se confundem em sujeito e objeto e são somente descrições de momentos em um processo.
Quando as pessoas categorizam, elas agem como se existisse algo fora para ser descoberto, como
uma ordem externa e factual que faz sentido.
É a partir dessa propriedade que a teoria institucionalista pode ser ligada à abordagem da
criação do sentido. O processo de entender emerge a partir da necessidade dos indivíduos de
construir uma ordem factual externa ou reconhecer que há uma realidade externa em seu
relacionamento social. As pessoas agem na medida em que suas características de realismo
começam a aparecer para elas. A construção social passa a ser institucionalizada a partir do
momento que toma uma forma de uma realidade objetiva específica com regras e ações
rotineiras. (Ring e Van de Ven, 1989) Essa institucionalização da construção social dentro da
maneira como as coisas são feitas e a transmissão desses produtos liga a criação do sentido com a
teoria institucional (Weick, 1995).
No trabalho de Porac et al. (1989) Weick destaca que a crença na identidade e sobre como
gerenciar o negócio afeta suas escolhas estratégicas como por exemplo a crença em utilizar
agentes que vendem roupas masculinas clássicas o que faz a informação do mercado seja
altamente filtrada, sendo que tais agentes são como se fossem os donos da marca Hawick.
d) Social Criar sentido é um processo individual e social, pois ambos são seus aspectos
essenciais. A conduta individual é contingenciada pela conduta de outros, uma vez que esses
outros podem ser imaginados ou estar fisicamente presentes. Para esta propriedade, o
embasamento de estrutura coletiva de Allport está presente no entendimento de como o
pensamento, o sentimento e o comportamento do individuo são influenciados pela presença do
outro, seja ela real, imaginada ou insinuada. E ainda, que as decisões trarão implicações em
termos de entendimento, efeitos ou aprovação dos outros.
A criação do sentido nunca é solitária, porque o que a pessoa faz internamente é
contingenciada por outros, pois até mesmo os monólogos e comunicações solitárias presumem
uma audiência. O ser humano é essencialmente social, pois as idéias e pensamentos são criados
no contexto de interação com outros e são comunicados ao grupo social, que se viáveis, podem
tornar-se parte da cultura. Kahlbaugh 1993
Interessa ao pesquisador de criação do sentido as formas de fala, discurso e conversa
porque é como o contato social é mediado. A literatura corrobora isto em Shotter (1993), March e
Olsen (1976), Gron (1983), uma vez que palavras induzem a conexões estáveis, podendo
estabelecer entidades para as quais as pessoas se orientam, união em tornos de projetos e
informação significativa (Weick, 1985). O aspecto social da criação de sentido é mais do que
compartilhar entendimento, uma vez que o aspecto social é considerado uma cola que mantém as
pessoas juntas.
Porac et al. (1989) estudou comunidades cognitivas, observou-se que os gestores
comunicam-se frequentemente de maneira formal e informal, além de haver imitação direta ou
indireta entre as empresas. Através desse modelo mental passa a ocorrer a convergência de
combinação de criação e imitação pulverizadas em redes de competidores, fornecedores e
competidores onde a intersubjetividade, a subjetividade genérica e o nível de análise cultural tem
lugar (WEICK, 1995).
29
e) Contínuo/Processo A criação do sentido nunca começa e nem nunca pára, uma vez que as
pessoas estão sempre no meio de coisas. O começo ocorre a partir da focalização do passado por
alguma pessoa a partir de algum ponto. È através do entendimento desses fluxos constantes que o
criador de sentido se encontra no meio de situações complexas e transitórias que tenta lidar.
Quando se está no meio de um processo é impossível evitar agir, voltar as ações e refletir sobre
elas, não se sabe dos efeitos da ação, não se tem representação estável da situação, toda
representação é interpretação e linguagem é ação.(idéias de Heidegger)
O contexto de gestão consiste no fluxo de ações e palavras em uma organização que é
pontuada por eventos como lançamentos, planejamento estratégico, orçamento. Eles focalizam e
cristalizam significado nas organizações. Podem ser eventos com alguma significância, servem
para criar novas histórias. Promover ações futuras, anunciar novos começos, marcos e fins,
desencadear mudanças em curso, reafirmar identidades individual e organizacional. = Eccles e
Nohria 1992 Se uma pessoa esta no meio de um projeto então a pessoa vê no mundo aspectos que
lembram o projeto. A realidade do fluxo torna-se mais aparente quando o fluxo é interrompido.
Uma interrupção de um fluxo induz a uma resposta emocional que vai influenciar na criação do
sentido. Os fluxos dos processos são objetos para interrupção, nos quais a criação do sentido está
fusionada com sentimento. (Weick, 1995).
A literatura que Weick (1995) se embasou para a construção desta propriedade foi:
Dilthey e Heidegger entendidos por Rickmann (1976), Katz e Kahn (1966), Langer (1989),
Cohen, March e Olsen (1972), Starbuck (1983), Ecles e Nohria (1992), Berscheid e Mandler
(1984), Berscheid, Gangestad e Kilaskowki, (1983).
A emoção aparece no intervalo de tempo em que uma sequência organizada é
interrompida e o momento em que tal interrupção é removida ou a resposta substituta encontrada
que permite com que a sequência seja completada. Quando a primeira interrupção ocorre, há um
esforço redobrado para completar a sequência original. Se há muitas maneiras diferentes em que
uma interrupção pode ser completada, então o interesse não é para construir muito mais. Isto
sugere que generalistas, como as pessoas que são hábeis para improvisar, deveriam demonstrar
menos comportamento emocional e menos emoções extremas nessas situações, pois possuem
mais comportamentos substitutos que mais rapidamente podem organizar a sequência
interrompida. Neste sentido, é mais fácil interromper planos mais pervasivos do que planos
ordenados por leis ou legislados.
Quando ocorre a interrupção de um fluxo nas organizações, os locais que são mais
frouxamente acoplados deveria ser locais em que a interrupção no projeto provoca menos emoção
porque as interrupções são menos disruptivas (quebra). Locais em que os planos são pouco
desenvolvidos deveriam se menos interruptivos e exibir menos emoção, uma vez que os
processos não possuem sequência de respostas tão bem estruturada. Isto é sobre a frequência da
emoção e não sobre o tipo de emoção que ocorre.
Emoções negativas ocorrem quando uma sequência de comportamento organizado é
interrompida inesperadamente e esta interrupção é interpretada como prejudicial. Emoções
positivas são associadas com remoção repentina de obstáculos de estímulos interruptores, por
exemplo quando um colega chato é transferido, o telefone está desconectado, ocorre um feriado,
entre outros. Ou ainda, quando eventos repentinos e inesperados aceleram a finalização do plano.
Por exemplo, quando m artigo é submetido a um periódico e o primeiro rascunho é aceito para
publicação há uma interrupção inesperada dos planos de muitas e severas revisões, tal interrupção
gera uma emoção positiva. Também no contexto do relacionamento com outras pessoas as
30
emoções positivas podem ocorrer quando o outro remove estímulos interruptores para finalização
de um plano, ou ainda quando o outro ajuda a completar planos que a pessoa sozinha não poderia
completar.
Se a interrupção pode ser sanada, ocorre uma experiência de alívio, se a interrupção foi
frustrada, passa de raiva a fúria ou mesmo uma irritação. Essas emoções afetam a criação de
sentido porque lembram uma emoção congruente. As pessoas lembram eventos como o mesmo
tom emocional do que o atual. Quando o sentimento é de raiva na interrupção do processo,
encoraja lembranças em que o mesmo sentimento de raiva foi dominante.
Logo, nesses momentos de raiva quando as pessoas olham para eventos passados e
descobrem experiências de eventos similares, os prévios eventos podem sugerir algo sobre o
significado dos eventos presentes. Eventos passados são reconstruídos no presente como
explanações, não porque eles olham o mesmo, mas porque sentem o mesmo. Como resultado é
usado uma memória baseada em sentimentos para resolver um quebra cabeça que faz a criação de
sentido mais difícil porque tenta juntar duas formas diferentes de evidência. É isto precisamente
que possibilita observar porque a criação de sentido está em processo, nunca começa e nunca
termina por inteiro.
No trabalho de Porac et al. (1989) a questão do fluxo aparece em alguns aspectos
organizacionais como na fábrica em si e na rede de transações. As questões sobre emoção não se
sobressaíram, talvez porque interrupções são raras. A relação com os agentes de mercado trazem
agressividade ao seu preço, mas sua interrupção poderia ser devastadora devido à inércia do
mercado.
f) Pistas As pessoas veem mais facilmente produtos que processos. Para neutralizar essa
tendência, é preciso ver como as pessoas desafiam os paradoxos, dilemas e eventos inconcebíveis
e também a maneira como as pessoas percebem, extraem pistas e anunciam o que elas extraíram.
Pistas são estruturas familiares como sementes, a partir das quais as pessoas desenvolvem um
amplo sentido do que pode estar ocorrendo. Uma pista (uma parte) é considerada equivalente ao
todo do qual ela pertence. Por exemplo, em uma indústria têxtil um pedaço de tecido mostra-se
desbotado. Esta pista pode mostrar que a tinta estava quimicamente instável e que todo o tecido
estava desbotado. A extração de pistas sugere uma conseqüência mais óbvia que era sugerida
pelos dados totais originais. Assim, um pedaço de tecido desbotado sugere que a roupa ficou um
curto espaço de tempo no processo previsto, o que não poderia ter sido observado na mera
inspeção da roupa em si. Extrair pista a partir de um pedaço, uma parte do todo, mostra uma
implicação que era invisível e indefinida.
Esta propriedade está embasada em Miller (1978); Bartlett (1932); Bruner, (1973); Swann
(1984); James, (1950); Smircich e Morgan (1982); Shooter (1983); Cyert e March (1963);
Milliken, (1988); Goffmann, (1974); Ring e Van de Ven (1989); Starbuck e Milliken, (1988);
Fiske e Taylor (1991); Kiesler e sproull (1982); Leiter (1980); Salancik e Pfeffer (1978);
Mailloux (1990).
Um exemplo de extração de pistas é o da profecia autor-realizável em que uma pista
extraída é usada para predizer a natureza do referenciado a partir do que ela foi extraída. Quando
a pessoa atua com segurança, como se houvesse uma referência maleável das características
inferidas a partir das pistas, a referência é frequentemente compartilhada em direções consistentes
com a profecia. Mas a profecia, em si, é também ajustada. Cada elemento, da profecia e das
referências, é informado e ajustado para emergir imagens de outros, resultando que quase
31
nenhum antigo ponto da referência fará um novo começo. Isto estimula uma estrutura cognitiva
que leva as pessoas a agirem com mais intensidade, a qual cria uma ordem material no lugar de
uma ordem presumida (WEICK, 1983). Essa sequência lembra o fluxo de eventos
freqüentemente descritos como a profecia auto-realizável.
O autor cita como exemplo a história do soldado lituano que se perdeu de sua tropa em
meio a selva gelada dos Alpes. Por dois dias nevou e quando ele pensou ter sido despachado sua
própria tropa para morrer, esta o reencontrou no terceiro dia. Como eles tinham encontrado sua
direção? Eles também haviam se considerados perdidos e esperando o fim, quando um dos
soldados encontrou um mapa em seu bolso. Isto acalmou a todos. Lançaram-se a campo depois
da tempestade de neve, e com o mapa descobriram sua orientação. O lituano pegou emprestado o
mapa e descobriu, para sua surpresa, que o mapa não era dos Alpes, mas dos Pirineus. [Incidente
preservado no poema de Holub (1977)]
Os soldados encontraram a saída a partir de um velho mapa porque eles estavam ativos,
eles tinham um propósito e eles tinham uma imagem de onde estavam e onde deveriam estar.
Eles continuaram se movendo, informando pistas e atualizando seus sentidos para onde eles
estavam. Como resultado um mapa imperfeito provou ser o suficiente. As pistas que eles
extraíram e mantiveram atuando na fé entre a indeterminação e ambientar a criação de sentido em
movimento. Uma vez que o ambiente está em movimento, a criação de sentido tende a confirmar
a fé através de seus efeitos sobre as ações que fazem material o que previamente tem sido
meramente visualizado. Extraindo pistas simples, estruturas familiares como sementes é que as
pessoas desenvolvem um sentido amplo para o que pode estar ocorrendo. A metáfora da semente
captura a incerteza (vagueness) e indeterminação da criação de sentido. “Elas formam pontos de
referência ou núcleos a partir dos quais as idéias podem ser conectadas em redes de
significado”(CHOO, 2003, p. 127).
Assim, uma pessoa começa a agir (enctment/criação), gera resultados tangíveis (pistas) no
mesmo contexto (social) e ajuda a descobrir (retrospecto) o que está ocorrendo (processo) que
precisa ser explicado (plausabilidade) e o que deverá ser feito (mudança/incremento de
identidade). Gestores esquecem que é isto e não o que planejam que explicam o seu sucesso. Eles
dão crédito ao plano, o que é um erro, gastam mais tempo planejando e menos tempo agindo.
No trabalho de Porac et al. (1989) as pistas são reunidas dentro de um modelo mental, que
precisam de um contexto para fazer sentido. Neste trabalho, aparecem quatro fontes de pistas aos
gestores: a partir dos agentes de venda (direta ou indiretamente), pistas do mercado a partir dos
consultores, o que ouvem nas visitas as lojas e feiras, no encontro entre as empresas descobrem o
que está acontecendo. E ainda, pistas são enviadas quando algum dos competidores muda de
estratégia e começa a agir diferente.
g) Aceitabilidade em detrimento da precisão A abordagem da criação do sentido invoca uma
ontologia realista – algo fora pode ser registrado e sentido detalhadamente e uma ontologia
idealista – sugestão que algo de fora precisa ser combinado de maneira aceitável. Por isso, a
precisão é boa, mas não é necessária.
Para essa propriedade, a lógica dedutiva em que o ator organizacional vai na direção, ou
no mínimo de informação consensual, a partir de idéias que provém alguma certeza faz mais
sentido. Neste caso, a razão não é necessariamente correta, mas ela se ajusta aos fatos, embora às
vezes imperfeitos, assim como a razão é baseada em informações incompletas (Embasado em
Isenberg 1986). Na prática, uma coisa que um executivo não precisa é uma percepção totalmente
32
acurada, precisa. Ver no quadro 3 alguns motivos para a precisão ser secundária na abordagem da
criação do sentido.
Quando o gestor segue percepções não precisas, ou mesmo comete um erro de percepção,
isto pode ser benéfico para superar tendências inerciais e perseguir os objetivos em ambientes
avaliados com total objetividade. Esta propriedade está embasada em Starbuck e Milliken (1988);
Sutcliffe (1994); Bruner (1973); Swann (1984); Brunsson (1982); Taylor (1989); Gagliardi
(1990).
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Fonte
Precisão é secundário na criação de sentido
É preciso distorcer e filtrar sinais da torrente de projetos se Miller, 1978
elas não são massacradas com dados.
Como os objetos tem muitos significados e significâncias, Bartlett, 1932
seguir muitas pistas pode não ser profícuo, pois a precisão
perde o sentido quando significa algo do passado.
Ocorre um trade-off entre velocidade e precisão, sendo a Bruner,
velocidade eleita pelos gestores, pois é preciso habilidade 1973,
para usar poucas pistas em categorizações de eventos.
Precisão responde a questões especificas e não gerais e não Swann 1984
há tempo para isto.
Precisão faz mais sentido ao investigar percepções de objeto
do que percepções interpessoais, porque a tradução do
significado da percepção interpessoal é melhor modelo que a
percepção do objeto.
Precisão é um projeto específico e pragmático
(instrumentalidade), enquanto que a capacidade para ação
afeta a crença do que pode ser feito, o que se acredita ser a
conseqüência da ação é o que faz sentido
Percepções detalhadas tem o poder para imobilizar. Pessoas Brunsson
que querem agir tendem a simplificar em vez de elaborar.
1982
Quadro 3: Motivos para a precisão ser secundária na abordagem da criação do sentido
Fonte: Embasado em Weick (1995)
Enfim, algo que um executivo não necessita é uma percepção totalmente acurada, precisa.
Ações deliberadas e detalhadas não tem mais seu lugar no tempo de rapidez (embasado em
Starbuck e Milliken, 1988). Mesmo que precisão não seja necessária na criação do sentido, é
preciso preservar a coerência, uma vez que algo que é razoável, incorpora a experiência passada e
a experiência, pode ser construído retrospectivamente, que captura o sentimento e a idéia, ajusta
exceções, é divertido para construir, ou seja, o que é necessário é uma boa história para
proporcionar a aceitabilidade que propicia a ação.
O mundo pósmoderno entendeu que políticas e interpretações necessitam ser precisas,
tornando-se uma obsessão, muito mais ajudas são armadilha simbólicas da criação de sentido
como mitos, metáforas, fábulas e paradigmas (Gagliardi, 1990). Muito mais do que fábulas e
mitos que são sem contexto e impessoais, uma boa história dispara elementos que energizam e
guiam a ação, aceitabilidade através do sentido retrospectivo que as pessoas criam e engajam as
pessoas a contribuir para a criação geral do sentido.
O estudo de Porac et al. (1989) mostra que a escolha estratégica das empresas de Hawick,
na escolha de agentes de vendas, restringe muito as informações do mercado sobre preferências
dos consumidores e estrutura competitiva no setor. Resulta em feedbacks filtrados e
relativamente uniformes. Como as empresas constituem um oligopólio cognitivo elas trocam
33
informações que criam sentido para elas, nessas transações extraem pistas e encorajam ações
coordenadas aceitáveis e conhecidas.
2.1.5 Fontes da abordagem do sensemaking
A abordagem da criação do sentido organizacional foi estabelecida no livro de 1995. Por
isso, Weick oferece uma cronologia histórica dos trabalhos que fundamentaram o conceito.
Observa-se que, além da literatura citada pelo autor no livro Sensemaking in Organizations
(Quadro 3), muitos outros autores foram por ele referenciados em seus trabalhos. No caso dessa
abordagem, as fontes são consideradas pelo autor como diversas e específicas e cada contexto de
trabalho enriquece o outro. Das 55 obras citadas pelo autor, observa-se que oito delas são de
pesquisadores de outras disciplinas, tais como filosofia ou psicologia (seminais) e os 47 restantes
trabalham com o tema das organizações. Destes, 21, ou seja 38% são pesquisas embasados nos
conceitos de Weick (Quadro 4).
James, 1950
Thomas e Thomas, 1928
Mead, 1954
Roethlisberger e Dickson, 1939
Barnard, 1938
Weber, 1947
Selznick 1949
Jaques, 1951
Deutsch e Gerard, 1955
Boulding 1956
Festinger, 1957
March e Simon, 1958
Dalton 1959
Thompson e Tudden,1959
Burns e Stalker, 1961
Bittner, 1965
Katz e Kahn, 1966
Garfinkel, 1967
Schutz, 1967
Berger e Luckman, 1967
Weick, 1969
Blumer, 1969
Steinbruner 1974
Staw, 1975
March e Olsen, 1976
Giddens, 1976
Bougon, Weick e Binkhorst, 1977
Salancik e Pfeffer, 1978
Pondy, 1978
Brown, 1978
Assunto
Seletividade
Subjetividade e grupos
Interação
Pessoas e o trabalho
Organizações controladas
Estrutura das organizações
Institucionalização
Cultura organizacional
Grupos
Teoria dos sistemas
Dissonância Cognitiva
Adaptação organizacional
Aprendizagem organizacional
Tomada de decisão
Inovação organizacional
Conceito organizacional
Psicologia da organização
Interações
Atenção e experiência
Construção social
Epistemologia evolucionária
Interacionismo simbólico
Cibernética/grupos
Grupos nas organizações
Decisões organizacionais
Estruturas sociais
Cognição organizacional
Processo de informação
Liderança
Socialização organizacional
Organiz.
Filosofia
Psicologia
Psicologia
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Psicologia
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Sociologia
Psicologia
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Psicologia
Psicologia
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Pesq. Criação Sentido
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Daft e Wiginton, 1979
Ranson et al, 1980
Louis, 1980
Pfeffer, 1981
Kiesler e Sproull, 1982
Meyer, 1982a
Martin et al.,1983
Putnam, 1983
Daft e Weick, 1984
Smircich e Stubart, 1985
Mintzberg e McHugh, 1985
Barley, 1986
Daft e Lengel, 1986
Dutton e Jackson, 1987
Starbuck e Milliken, 1988
Porac et al, 1989
Feldman, 1989
Isabella, 1990
Dutton e Dukerich, 1991
Gioia e Chittipeddi, 1991
Gioia, 1992
Pentland, 1992
Weick, 1993b
Elsbach, 1994
Linguagem e organização
Estrutura organizacional
Novatos e sensemaking
Ação administrativa
Resposta organizacional
Adaptação ao ambiente
Histórias organizacionais
Estrutura social organizacional
Aprendizagem organizacional
Estratégia organizacional
Estratégia organizacional
Relacionamento e tecnologia
Design organizacional
Estratégia organizacional
Cognição executivos
Cognição executivos
Cognição na organização
Mudança organizacional
Identidade organizacional
Mudança estratégica
Desastre organizacional
Sensemaking de consumidores
Desastre Organizacional
Institucionalização
e
sensemaking
Quadro 4: Fontes para a abordagem da criação do sentido
Fonte: Embasado em Weick (1995)
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Ao observar o Quadro 4, é possível perceber a crescente literatura interessada no
entendimento dos processos de criação do sentido propostos por Weick que trataram dos mais
diversos temas sobre as organizações. Tal aspecto corrobora a importância do significado do
conteúdo, mais do que o conteúdo em si, uma vez que conteúdo é embebido em pistas, estruturas
e conexão que são material para a criação de sentido.
Observa-se neste trabalho de Weick (1995) um salto em termos de taxonomias,
abrangência e importância do conceito voltado para a teoria das organizações quando comparado
com seu livro de 1969. Observa-se que, nesta edição, o autor fez um esforço de compilar escritos
que diversos pesquisadores fizeram a partir de sua abordagem, bem como reuniu ideias de autores
exteriores ao entendimento da criação de sentido e ainda utilizou literatura anterior ao seu volume
de 1969 para fortalecer a sua abordagem. O amadurecimento da abordagem é considerado pelas
pesquisas realizadas após 1995, em que trouxe uma miríade de temas, abrangência
(ANDERSON, 2006) e potencialidade.
Observa-se que a literatura ficou muito mais dispersa e flexível e porque “nenhuma das
teorias das organizações caracterizam o paradigma do sensemaking” (WEICK, 1995, p.69).
35
Quanto a essa questão, o autor responde a uma crítica que Burrel e Morgan (1979) fazem aos
teóricos que tentam utilizar as idéias da hermenêutica, fenomenologia e interacionismo
simbólico, os quais enfatizam alta subjetividade e negam a existência de estruturas sociais e de
realidades sociais concretas, mas que, ao operacionalizar suas idéias caem na armadilha de uma
‘oscilação ontológica’. Por isso, considera que os decretos (enactive) são importantes para
mostrar um limite tangível sobre a expectativa das pessoas. Como explicação à sua necessidade
de uma continência, ou seja, em uma estrutura própria do funcionalismo, o próprio Weick (1995)
critica a rigidez com que os paradigmas de Burrel e Morgan (1979) foram desenhados e alega
que, se as pessoas têm múltiplas identidades, não podem ser puristas ontológicos. Diante disso,
Weick mostra que tem um affair com o funcionalismo, no sentido da necessidade de certo
estruturalismo. Coerente com essa visão, Machado-da-Silva et al., (2005, p.24) consideram o
trabalho de Weick como multiparadigmático.
Várias pesquisas foram realizadas embasadas total ou parcialmente na abordagem da
criação de sentido de Weick. Sua teoria não somente é base para programas de pesquisa em
estudos organizacionais, como também fornece insights para gestores do mundo todo
(SUTCLIFFE et al., 2006). A tradicional revista Organization Studies publicou em 2006 um
capítulo especial em homenagem a Weick com o título “Making Sense of Organizing: in Honor
of Karl Weick”. Neste capítulo, Marc H. Anderson pesquisou a influência do livro de 1969 de
Weick através do número de citações dessa obra no âmbito europeu e americano. Em comparação
das citações desse livro com outros estudos organizacionais clássicos, encontrou sua grande
influência. Dentre as citações, os temas de maior influência (aproximadamente 70%) são
enactment e equívoco. Encontrou ainda, que nos estudos americanos, há maior interesse na
diferenciação entre organizing e organization enquanto que nos estudos europeus aparece mais
questões referentes às perspectivas de processo e interpretativas (ANDERSON, 2006).
Gioia (2006) escreve um artigo na edição especial acima citada, e defende que Weick
mudou o nível de conversação sobre a maneira de pensar, falar e agir da teoria organizacional,
devido aos termos complexos e profundos, bem como trouxe sofisticação ao campo das teorias
organizacionais.. “A conversação muda quando você enfatiza verbos e gerúndios” e isso é uma
das razões porque, quando se tem uma visão ‘Weickiana’, as coisas são vistas diferentemente
(GIOIA, 2006, p. 1711). Para este autor, Weick deixa como legado muitos insights e
entendimentos a cada releitura de seus textos.
36
Existem inúmeras pesquisas aplicadas nos melhores periódicos internacionais que trazem
diferentes aspectos da criação de sentido (ANDERSON, 2006). Em pesquisa na Base de Dados
EBSCOHost ao solicitar a palavra Weick contendo no Abstract dos artigos aparecem 272
trabalhos que utilizaram os escritos de Weick como seu autor seminal. Quando se solicita artigos
nesta mesma Base com a mesma palavra de busca, mas estando citada no corpo do artigo,
aparecem 4.873 resultados.
Em revisão à posição do conceito da criação do sentido, Weick, Sutcliffe, Obstfeld (2005)
concluem, através do estudo de diversos trabalhos que tratam sobre o assunto, que algumas
características da criação de sentido tem sido explicadas, mas negligenciadas, algumas tem sido
assumidas, mas não explicadas, algumas tem mudado o significado através do tempo e algumas
aparecem equivocadas. O objetivo dos autores é fazer um levantamento do conceito da criação de
sentido, o qual materializa um significado central em teoria organizacional que reúne identidade e
ação. O artigo faz um apanhado deste conceito através do tempo, inicialmente relatando um
incidente profissional de uma enfermeira pediátrica, em seguida é discutida a evolução do
conceito de criação do sentido intraorganizacional, promoção, plausibilidade e identidade. Para
eles, criar sentido é um processo significante de organização em que se desenrola uma sequência
em que as pessoas se envolvem com identidade no contexto social de outros atores engajados na
circunstância do processo, onde ocorre extração de pistas, onde ocorre uma reflexão retrospetiva,
plausível, enquanto agem mais ou menos dentro das circunstâncias do processo.
Neste artigo, a natureza da criação de sentido organizacional é subdividida entre a visão
descritiva, a visão conceitual e a visão prospectiva. Na visão descritiva, a busca da criação de
sentido inicia compreendendo a história que está se desenrolando através da resposta à questão:
Como algo se tornou um acontecimento para os membros da organização? Esta pergunta evoca a
seguinte questão: O que significa esse acontecimento? Essa questão remete à importância do
significado no fluxo dentro da existência, em uma busca retrospetiva para organizar, em meio a
uma sequência indiferenciada de impressões. Portanto, respondendo a questão “qual é a
história?” traz o acontecimento à existência e a questão “o que devo fazer?” traz sentido à essa
existência através de pensar uma ação para o futuro, continuam a agir e se envolvem no constante
fluxo de experiência.
37
Na visão conceitual, os processos de mudança, criação, seleção e retenção são
incrementados a partir dos estudos de 1969. No novo entendimento, o relacionamento recíproco
entre mudança ecológica e criação sofre a constante influência das atualizações do processo,
como novidades indesejadas que causam discrepâncias, ocasionado mudança no fluxo das
situações. O número de possíveis sentidos reduz a carga sobre o processo de seleção através da
atenção retrospetiva, modelos mentais e articulação do resultado reduzindo a imobilização e
trazendo aceitabilidade para a história. Na visão prospetiva, futuras direções para a pesquisa da
criação do sentido são estabelecidas, em temas a serem mais bem explorados como instituições,
distribuição do “sensemaking”, poder e emoção. Outro aspecto da abordagem que deverá ser
cada vez mais aprofundado será a Gestão da Incerteza.
2.1.6 Organizações de Alta Confiabilidade (OAC)
As OAC distinguem-se das outras organizações por apresentar características como a
interligação de diferentes processos e tecnologias em um sistema sensível a qualquer erro, o que
pode ocasionar consequências desastrosas, pois uma pequena falha em um local, pode tornar-se
grande em outro e quanto mais complexa for a interdependência mais difícil será de controlar o
problema, por isso podem ser chamados de acidentes normais (ROBERTS; BEA, 2001). Se é
certo que tais organizações são mais suscetíveis a problemas, como preveni-los?
Cada ver mais o mundo estará dependente das OAC, tais como plantas nucleares, vôos
espaciais, maior controle do tráfego aéreo, indústrias químicas, redes elétricas, de computadores e
telecomunicações, redes financeiras, engenharia genética, armazenamento de resíduos nucleares
entre outros. Como gerenciar organizações neste nível de complexidade de maneira eficiente?
Para Roberts e Bea (2001b) a confiabilidade requer constante atenção aos processos como
comportamentos intragrupais, intergrupais, comunicações; ou seja, atenção aos detalhes,
treinamento constante para a vigilância integral. “Eficiência é obtida através de decisão racional,
confiabilidade é obtida através de intuição treinada e análises em profundidade” (ROBERTS;
BEA, 2001b, p. 181).
Perrow (1999) sugere aspectos organizacionais para reduzir vulnerabilidades da
infraestrutura, pois nenhum sistema organizacional é perfeito ou invulnerável. O planejamento
das ações envolve expectativas que são representantes da ordem e da rotina, os quais as OACs
38
não podem prescindir, mas a realidades destas organizações podem surgir diferente das
expectativas imaginadas e das experiências, representantes da desordem e do inesperado
(BALOGUM; JOHNSON, 2005; WEICK; WESTLEY, 1996). Quando ocorre essa quebra da
expectativa nos processos, as rotinas e padrões são enfrentadas como momentos problemáticos de
interrupção na operação processual que precisa ser reparada através da escolha de uma solução de
problemas, entretanto o processo continua vulnerável à outra interrupção (WEICK, 1995).
Para Weick, Sutcliffe, Obstfeld (1999) as OACs são formas organizacionais precursoras
de adaptação em um ambiente cada vez mais complexo. Para esses autores, as OACs são
ambientes em que imperam a incerteza e um aparente exotismo, mas fornecem a infra-estrutura
cognitiva que permite a aprendizagem adaptativa simultânea e desempenho confiável (p. 81).
Essas organizações são especialistas em tomar rápidas decisões com base em dados imperfeitos e
sabem abandonar rotinas em favor da improvisação (WALLER; ROBERTS, 2003, p. 813).
Apesar dos erros poderem gerar conseqüências catastróficas, eles podem ser evitados nas
OACs (ROBERTS, 2005), pois a confiabilidade é tão importante quanto os resultados dessas
organizações (ROBERTS et al., 1994). Não se pode esquecer que as OACs, em sua maioria,
possuem uma base tecnológica complexa (ROBERTS, 2005). Apesar disso, o que foi
inicialmente um interesse exótico por compreender as OACs tornou-se um movimento
interdisciplinar de livros, congressos, cursos, conferências, revistas (CZARNIAWSKA, 2007).
Karl Weick tem chamado a atenção para o fato de que as falhas na atenção são fontes de
acidentes (PERROW, 2009). Em 2007, foi lançada a segunda edição do livro Managing the
Unexpected: Resilient Performance in an Age of Uncertainty de Weick e Sutcliffe (2007). Nele
os autores analisam salas de emergência em hospitais, controle de aeronaves e operações de
bombeiros como modelos a serem seguidos. Essas organizações desenvolveram modelos de agir
e estilos de aprender que faz com que gerenciem melhor o inesperado que outras organizações.
Este livro apresenta um viés aplicado, uma vez que cada vez mais o inesperado está presente na
vida diária das pessoas, como furacões, enchentes ou araques terroristas, ou de formas mais sutis
como pequenos lapsos nas organizações, ou pequenos eventos que levam a uma crise.
Weick e Sutcliffe (2001, 2007) consideram que as organizações que precisam alta
performance em indústria/setores em que pequenas falhas provocam graves efeitos, tais como em
sistemas de controle aéreo, emergência médica ou negociação com reféns. Estas organizações
“não têm escolha” a não ser funcionar de maneira altamente confiável. Para isso, existem
39
algumas práticas, que promovem um ambiente de confiabilidade, passíveis de aprendizagem, que
ocorrem com essas organizações (Figura 7).
Características das HRO
Descrição
Preocupação com o fracasso
Não subestimam pequenas falhas e as entendem como um sintoma
de que algo está errado, tentando compreender o sistema
atualmente (dinâmica organizacional).
Relutância em aceitar
HRO sabem que o mundo é complexo, instável, desconhecido e
simplificações
imprevisível. Não subestimam a complexidade e tentam
compreender os diversos aspectos implicados em cada situação.
Como? Promovendo debate com pessoas de diferentes pontos de
vista, sem destruir as diversidades. Mais visão com menor
simplificação.
Sensibilidade para as operações
Importância às operações de como o trabalho é realizado –
entender que os eventos são situacionais (dinâmicos) e que
existem ‘falhas latentes’ no operacional.
Compromisso com a resiliência
Entendem que nenhum sistema é perfeito. Resiliência é uma
combinação de pequenos erros e soluções improvisadas que fazem
o sistema funcionar. Para isso é preciso o trabalho de experts,
pessoas com experiência, habilidade de recombinação e
treinamento em pessoas com características de serem mentalmente
estimulantes.
Consideração à perícia
Migração da hierarquia/liderança para pessoas com maior
expertise na área, conforme a situação. Decisões são tomadas na
linha de frente, por pessoas com condições de resolver a situação e
não necessariamente obedece a hierarquia.
Figura 7: Características das práticas verificadas nas OAC’s
Fonte: WEICK e SUTCLIFFE, 2001
Roberts e Bea (2001a) evidenciam que o aprendizado com as OAC podem ser espraiados
à prática dos executivos e as lições podem ser aplicadas às organizações.
2.2. LUHMANN
Nessa seção serão apresentadas as ideias do pensamento de Niklas Luhmann como uma
visão global do pensamento do autor, necessitando de maiores aprofundamentos a ser realizado
depois da Qualificação.
A teoria de Niklas Luhmann incorpora conceitualizações da filosofia, sociologia, lógica
formal, direito, teologia, biologia, física entre outras. Este intercâmbio ajudou a desenvolver uma
teoria que oferece uma ampla variedade conceitual que permite dar conta de vários fenômenos
sociais (RODRÍGUEZ e TORRES N., 2003). Na década de 1960, quando foi estudar na Harvard
com Talcott Parsons, Luhmann percebeu que a compreensão da sociedade como um sistema dos
sistemas era insatisfatória. Para Parsons, a sociedade era entendida como resultado de padrões
40
comportamentais produzidos em um sistema de interação de atores individuais, ou seja,
compreendia um equilíbrio entre o controle dos impulsos individuais pela padronização cultural e
a autonomia dos agentes (RIBEIRO, 2006).
Niklas Luhmann é conhecido por sua teoria sobre os sistemas sociais ou ainda sobre a
Nova Teoria dos Sistemas em que buscou formular uma teoria geral da sociedade, tentando
superar a estreiteza da conexão entre o micro e o macro, o que o levou a analisar cada contato
social como um sistema (NEVES, 1997). A teoria luhminniana pode ser considerada tendo duas
partes: a primeira de 1960 a meados de 1980 sua teoria era considerada funcional-estrutural
(parecida com ideia de Parsons) onde procurava estabelecer a diferença entre sistema e ambiente,
em que através de um mecanismo de seleção o sistema procurava reduzir a complexidade. Na
segunda parte de sua teoria adaptou os conceitos de autopoiese dos cientistas chilenos Maturana e
Varela em que substitui a teoria dos sistemas abertos pela teoria dos sistemas autopoiéticos.
Assim, o sistema social passa a ser visto como fechado, autoreferenciado, poiético, segundo o
qual é possível analisar a sociedade moderna (NEVES, 1997).
Sistemas autopoiéticos para Luhmann são sistemas que se realizam graças a uma
reprodução recursiva de seus elementos como unidades autônomas. Conforme Luhmann (1995)
autopoiéticos são os tipos de unidades que produzem e reproduzem os elementos dos quais estão
constituídos. Todos esses elementos utilizam como unidade (elementos, processos, estruturas, de
si mesmos) e devem ser produzidos mediante essas mesmas unidades. Mesmo que haja relações
com o entorno, elas se situam em um nível de realidade diferente do nível da autopoiesis
(RODRÍGUEZ e TORRES N., 2003). Sistemas autopoiéticos são, nas palavras de Luhmann
(1997b, p. 53) “sistemas que precisam produzir, eles próprios, todas as unidades que necessitam
para a continuidade de suas operações”.
A comunicação é vista como uma realidade independente e sui generis, que emerge de um
sistema operacionalmente fechado. Somente a comunicação pode comunicar, pois não existe
comunicação entre os sistemas, como por exemplo, não existe comunicação de consciência a
consciência (não é possível pensar o pensamento de outra pessoa) e nem entre o indivíduo e a
sociedade (RODRÍGUEZ e TORRES N., 2003). Mas, se “todos os sistemas de comunicação
estão acoplados a processos de consciência” (LUHMANN, 1997b, p.67) é porque a comunicação
necessita da consciência, “mas não significa que eventos de consciência (percepções e
41
pensamentos) como tal, possam ser elementos de comunicação”, pois o sistema de comunicação
permanece um sistema referencial operacionalmente fechado (LUHMANN, 1997b, p.67).
“À sociedade pertence apenas aquilo que no processo de comunicação é tratado como
comunicação” (LUHMANN, 1997b, p.70) que acontecem como referência recursiva a outras
comunicações. Portanto, Luhmann (1997b) não nega o indivíduo, nem a sua existência corpórea e
psíquica, nem seu comportamento perceptível, mas considera que estes e todos os aspectos que
não são entendidos como comunicação permanecem como ambiente do sistema. Conforme
Luhmann (1997b), esta visão ‘anti-humanista’ lhe rendeu críticas, especialmente de Jürgen
Habermas sobre o ‘valor’ da vida humana. Mas, para Luhmann (1997b), a resposta a tais críticas
é que a teoria dos sistemas não está fixada em um objeto especial, mas na diferença entre o
sistema e o ambiente. Assim, o ser humano, para a teoria luhminniana é referência externa e não
mais na ótica do sujeito/objeto, a qual defende que precisa ser abdicada. A seguinte citação é
esclarecedora desta questão:
“Para a teoria da sociedade, o ser humano é o outro lado [objeto], e na sociedade
e em suas comunicações, ele está continuamente presente através da
diferenciação entre autorreferência e referência externa” (LUHMANN, 1997b,
p.71)
Portanto, a autorrenfencialidade é a sociedade e qualquer referência ao ser humano deve
ser entendida como referência externa. Luhmann (1997b) destaca que também podem ser
observados como sistemas, o sistema psíquico, cérebros, células, sistemas imunológicos etc, dos
seres humanos como “sistemas-no-seu-ambiente”.
Segundo Fedozzi (1997b), Luhmann realiza uma crítica radical aos clássicos e as teorias
da ação, as quais são construídas sobre uma teoria de indivíduo antropológico e pouco preciso.
Por isso, três obstáculos epistemológicos precisam estar superados: (a) o preconceito humanista:
pressupõe que a sociedade é constituída de pessoas ou de relações entre as pessoas; mas
Luhmann vê as pessoas concretas como “parte” dos diferentes sistemas sociais, como a
economia, política, ciência, direito (NEVES, 1997b); (b) preconceito das unidades ou fronteiras
territoriais e/ou políticas: as fronteiras estão sendo diluídas, existe, na modernidade, diferença na
sociedade e não entre as sociedades; (c) o preconceito da objetividade do social: crítica à
separação entre sujeito/objeto, pensamento/existência ou conhecimento/objeto equivale à
42
diferenciação entre autoreferência e referência externa. Portanto, a comunicação para Luhmann é
um conceito inovador entendida como produto dos sistemas sociais enquanto operação
reprodutora desses mesmos sistemas, não como pessoas, nem como papel, nem como ação, mas
como comunicação, que se condicionam reciprocamente (FEDOZZI, 1997b).
A insatisfação de Luhmann, com o pensamento de Parsons, resultou do entendimento de
que a teoria não poderia enfrentar o problema dos sistemas de sentido, os quais traziam maior
complexidade. Percebeu avanços no paradigma da autorreferência e na compreensão da autoorganização e toma emprestado o termo de Maturana da autopoiesis para o entendimento da
teoria dos sistemas sociais (RODRÍGUEZ; TORRES N., 2003).
Para Luhmann, sistemas
autopoiéticos são considerados “sistemas que produzem e reproduzem os próprios elementos, dos
quais eles se compõem através dos elementos, dos quais, até então, eles compunham”
(FLICKINGER; NEUSER, 1994, p.77).
A autopoiese para Luhmann é baseada em acontecimentos, pois a desintegração da
continuidade (diferente do conceito de homeostase) é condição para a manutenção do sistema
através dos pensamentos e comunicação que buscam uma conexão de sentido (p. 79), por isso
para que o sistema se mantenha, ele deve sempre criar algo novo internamente, que é a
‘capacidade de replicação das estruturas’ por meio da linguagem (p.80). Portanto, para a
autopoiese em Luhmann, existem perturbações no sistema que devem ser eliminadas pelo sistema
auto-organizado. “Luhmann se concentra no ‘interior’ do sistema. Maturana, por sua vez, nas
condições do meio ambiente e seu significado para o sistema” (FLICKINGER; NEUSER, 1994,
p.82). Assim, para Maturana, a origem da vida refere-se ao processo de clausura de certas
proteínas e, para Luhmann o processo de socialização (humanização) foi possível graças a uma
rede fechada de comunicação. A rede de comunicação abriga tudo o que se refere à rede de
comunicação de sentido (RODRÍGUEZ; TORRES N., 2003).
Assim como a origem da vida tem a ver com o processo de clausura de certas proteínas,
assim, na proposta de Luhmann, aquele que foi designado como processo de humanização
(socialização) foi possível graças ao surgimento de uma forma emergente, uma rede fechada
(autopoietica) de comunicação (LUHMANN, 1995, p.122) que se tornou a humanidade. Os seres
humanos não são os criadores do processo de civilização, mas são dependentes desta rede
emergente de ordem superior, submetidos às suas condições para poder contatar outros seres
humanos.
43
É importante frisar que, para Luhmann, não são os seres humanos os criadores da
civilização, o que lhe rendeu várias críticas como já visto, mas eles são dependentes da rede de
comunicação que é de ordem superior (denominada de sociedade) dentro da qual existem os
contatos com outros seres humanos.
Esta rede de comunicação de ordem superior é o que denominamos sociedade. O social
não surge do homem. Consiste em uma solução evolutiva que precede os sujeitos e que
provê estruturas de sentido que se impõe à tendência radical de desintegração
(LUHMANN, 1995, p. 122).
Assim, para Luhmann os sistemas autopoiéticos são aplicados aos sistemas vivos,
neuronais, as consciências e aos sistemas sociais, pois são realizadas graças a uma reprodução
recursiva de seus elementos como unidades autônomas. Portanto, o social não é constituído por
seres humanos, mas pela comunicação que não depende nem é resultado da ação do ser humano,
mas existe por si mesma, pois não é possível haver comunicação de consciência a consciência,
nem entre o indivíduo e a sociedade. Portanto, a sociedade é autônoma não somente no plano
estrutural, mas no plano do controle da organização de suas estruturas (RODRÍGUEZ; TORRES
N., 2003).
Luhmann (1996a) entende as organizações como um sistema social. O principal
componente que distingue as organizações de outros sistemas sociais é a comunicação das
decisões, ou seja, “a produção das decisões através da comunicação” (p.345). Por isso,
organizações são sistemas sociais baseados em comunicação, que precisam ser interpretadas
como decisões sobre incertezas. As incertezas (autogeradas) acabam por “irritar” o sistema até
serem transformadas em uma certeza autogerada que é a produção da informação. Portanto, a
realidade é construída através da produção e reprodução de decisões significativas em constante
referência entre o aspecto interno e o externo do sistema. Assim, a “decisão em si representa a
auto-observação do sistema, mas o conteúdo da decisão reconhece fatos ambientais” ou externos
(LUHMANN, 1996a, p.345). São as fronteiras permeáveis do sistema da organização que
promovem a sua adaptação ao ambiente através da autotransformação.
Um dos pontos essenciais na teoria de Luhmann é a complexidade da sociedade moderna,
a qual necessita teorias com novos paradigmas para conseguir compreendê-la (NEVES, 2007).
Complexidade refere-se a elemento e relação: com o aumento de elementos que devem
permanecer unidos no sistema, crescem a possibilidade de relações, fazendo com que o sistema
44
precise selecionar a forma como deve relacionar tais elementos (LUHMANN, 2010). Por
complexo se designa
“a soma de elementos que em razão de uma limitação imanente de uma capacidade de
conexão do sistema, já não possibilita que cada elemento permaneça sempre vinculado”
(LUHMANN, 2010, p. 184).
Por isso, a complexidade obriga à seleção que situa e qualifica os elementos
(contingência) que significa risco (NEVES; NEVES, 2006). A questão do acoplamento é
estudada por Weick (1985), que conclui que sistemas acoplados com certa amplitude são mais
estáveis do que aqueles com acoplamento mais estrito (tight coupling), ou seja, sistemas perfeitos
não existem, conclusões estas que não trazem algo novo para a teoria da complexidade, segundo
Luhmann (2010). Já a Teoria da Racionalidade Limitada de Simon (1957) refere-se à gradação de
níveis de complexidade, como incrementar complexidade no sistema e como este pode continuar
operando como, por exemplo, a evolução e o planejamento de uma organização (LUHMANN,
2010).
Luhmann identifica, na confiança, a possibilidade de gerenciar a complexidade das
sociedades modernas (GILBERT, 1998), pois pode ser um elemento de redução da complexidade
(LUHMANN, 1996b). Para Luhmann (1996b), a confiança é instituidora da vida social, pois sem
ela o ser humano ficaria imobilizado e a partir da qual são derivadas as regras e conduta
apropriada. O mundo com que o ser humano se depara é demasiado complexo e as respostas do
homem objetivam lidar e enfrentar esta complexidade. A complexidade é natural ao mundo
social, mas a confiança fornece uma base para que aumente as possibilidades de experiência e de
ação neste mundo, mesmo que corra o risco de aumentar a complexidade, ainda assim fornece
uma estrutura que faz com que seja reduzida a complexidade. A familiaridade e a confiança são
formas complementares para absorver a complexidade e estão unidas do mesmo modo que o
passado com o futuro. Assim, “mostrar confiança é antecipar o futuro” (LUHMANN, 1996b,
p.15), pois a confiança somente pode manter-se no presente, pois o futuro representa “uma carga
excessiva para a habilidade de representação do homem”, por isso tenta simplificá-lo e assim
reduzir a sua complexidade, através de uma tentativa de projetar o futuro, de garanti-lo.
A noção de tempo tem para Luhmann importância fundamental no entendimento da
confiança, pois o passado é complexidade já reduzida, uma vez que tornou o complexo em
45
familiar. A complexidade do mundo futuro, por sua vez, se reduz por meio do ato da confiança de
que o futuro se assemelhe com o presente.
Assim, a confiança possui, para Luhmann (1996), uma natureza instável, formada por três
componentes principais: (a) enquadramento em uma ordem externa mais complexa, (b)
necessidade de aprender e (c) o controle simbólico. A confiança está associada com a redução e a
compreensão da complexidade resultante das ações das outras pessoas. Portanto, a confiança é a
expectativa generalizada que o outro gerenciará sua liberdade, seu potencial perturbador de ação
adversa, mantendo sua personalidade socialmente visível (p. 65-66), portanto todo o problema da
confiança gira em torno da interação e a forma com que se apresenta é o meio pelo qual as
decisões ocorrem.
Outra importante característica da teoria de Luhmann (1996b) é a intersubjetividade, uma
vez que é através dela que o sentido é organizado para fazer frente às condições complexas. A
capacidade de confiança varia de acordo de como o sentido e o mundo estão constituídos
intersubjetivamente. Ocorre que tal constituição não é consciente e racional, por isso a
familiaridade é simples, porém frágil, por isso, ao mesmo tempo em que abriga expectativas
confiáveis, contém algum risco. Assim, para a familiaridade, o passado prevalece sobre o
presente e o futuro, por isso a complexidade passa a ser reduzida, por isso a história é a forma
mais importante de reduzir a complexidade. Se há confiança que comportamentos familiares (do
passado) permanecerão, há a solução de um problema social: a exclusão da expectativa da ação
inesperada. Por isso a confiança somente é possível em um mundo familiar, pois precisa da
história como um pano de fundo confiável. Quando os fatos mostram que esta expectativa não é
realizada, levanta-se a confiança nos sistemas sociais que estão embasados na constituição
intersubjetiva, sobressaindo-se de uma confiança puramente interpessoal para uma confiança no
sistema que implica renunciar a maiores informações, bem como a controle dos resultados. A
confiança no sistema não se refere somente a sistemas sociais, mas a outras pessoas vistas como
sistemas pessoais. A troca da confiança interpessoal para a confiança no sistema são definidas em
termos emocionais, mais do que em termos de apresentação (LUHMANN, 1996 b).
2.3 RELACIONANDO WEICK E LUHMANN
Ao relacionar o pensamento de autores como Weick (1973, 1995) e Luhmann
(1996a,1996b, 1997a, 1997b, 2010) percebem-se algumas similaridades e algumas dissonâncias.
46
Como similaridades, pode-se observar que a problematização do tempo é significativa para suas
respectivas teorias. Enquanto Luhmann preocupa-se com o tempo no futuro através do estudo da
confiança como expectativas, Weick o estuda no passado sobre os efeitos nas memórias de
eventos passados para construir sentido sobre o entendimento da experiência vivida. Para
Luhmann (1996b) o futuro contém muito mais possibilidades do que as que poderiam acontecer
no presente, e do presente transformar-se em passado. Para reduzir a complexidade do futuro
deve ‘podar’ o futuro de modo que se assemelhe com o presente através da interpretação e
estruturação da experiência 25. Já para Weick (1973) a compreensão sobre o passado muda em
cada momento, dependendo do tipo específico de atenção que o ego lhe outorga em cada
momento.
Outra questão abordada por ambos é a questão da complexidade. Para Luhmann (1996), a
dimensão social da existência humana aumenta o potencial de complexidade. A familiaridade e a
confiança são formas complementares para absorver a complexidade e estão unidas do mesmo
modo que o passado com o futuro. Para Weick (1973), as pessoas buscam construir sentido de
eventos inesperados a partir da tentativa de diminuir parte da ambiguidade da informação.
Ambiguidade é o excesso de significado quando se tenta construir sentido sobre um evento
inesperado ou situação complexa, ou seja, procura-se criar sentido em um mundo repleto de
complexidade.
Observa-se que ambos utilizam conceitos da cibernética de segunda ordem, em Weick
através dos trabalhos de Maruyama (1963) onde compreende a capacidade de auto-organização
do sistema de modo que o organismo pudesse se adaptar às condições do contexto para
sobreviver, através de uma retroalimentação positiva (GRANDESSO, 2000). Termos e aspectos
apropriados para a Teoria dos Sistemas, aproveitados por Weick no entendimento da interrelação
entre os processos evolutivos. Luhmann (2010) entende que a cibernética de segunda ordem
auxilia na observação do sistema enquanto sistema de observação.
Outro ponto comum em ambas as teorias é a base do entendimento evolucionista, pois
Weick entende os processos organizacionais para diminuição da ambiguidade (criação, seleção e
retenção), os quais são incitados por uma ‘mudança ecológica’, enquanto Luhmann acredita que
os sistemas precisam evoluir sob pena de sua extinção através da autopoiesis.
Um ponto polêmico no encontro entre as duas teorias é a visão da importância delegada
ao homem enquanto indivíduo independente e com capacidade de modificar o seu meio. Weick
47
entende que o homem cria o ambiente ao qual o sistema depois se adapta e é esse ambiente criado
que é trabalhado pelos processos da organização (WEICK, 1973). Nesse sentido, pode-se
observar que, para Weick, o homem tem a capacidade de criar o ambiente e o sistema deve
posteriormente se adaptar a este ambiente (criado pelo homem), enquanto para Luhmann, o
indivíduo é entendido como um sistema dentro de outro sistema. Para Weick, cabe aos processos
(criação, seleção e retenção) afastar o excesso de ambiguidade da informação. Pergunta-se se o
conceito de processos que buscam afastar a ambiguidade para Weick não pode ser entendido
como um sistema que busca diminuir a complexidade (na lógica de Luhmann)?
Observa-se que Weick considera o aspecto cognitivo do ator/pessoa como elemento do
ambiente criado, como por exemplo através da memória, percepções de si e do outro, etc. Esse
ponto pode ser marcado como distinto entre as duas teorias, pois isto faz com que se entenda a
“organização [como] mutável
porque sofre influência das ações de seus membros, por
intermédio dos sentidos que esses produzem continuamente na resolução de situações
complexas” (BORGES; GONÇALO, 2009b). Mas, para Weick, a cognição tenta entender e fazer
sentido da ação, ou seja, existe um elemento não volitivo na ação constituída intersubjetivamente,
parecido com o pensamento de Luhmann em que a ação acontece através da comunicação no
sistema social. Talvez esse entendimento pode aproximar o pensamento de ambos os autores.
Para Luhmann o que liga os diversos sistemas é a comunicação, portanto o homem pode
ser entendido como referência externa ao sistema social. Por isso, entende-se que as duas teorias
podem ser complementares, uma vez que a pragmática coletiva, ou seja, os elementos sociais
possuem grande repercussão sobre o indivíduo em Weick e em Luhmann as ações acontecem por
meio da comunicação entre os sistemas dentro do sistema. Para ambas as teorias a comunicação
mostra-se ponto em comum e necessária para o entendimento da ação, principalmente quando se
estuda as OACs.
Conforme Barbara Czarniawska (2005) a teoria dos sistemas abertos tornou-se o
sustentáculo da análise organizacional, mas na visão de Weick e Sandelands (1990) permaneceu
subdesenvolvido. Weick desenvolveu o tema através da utilização de conceitos relacionados à
autopoiética, autoregulação, mas admite que autores como Luhmann (1990) e Maruyama (1974)
trouxeram desenvolvimento ao campo do estudo dos sistemas (CZARNIAWSKA, 2005)
Diante disso, propõe-se uma tentativa de avanço teórico a partir da investigação empírica
destas duas teorias.
48
3. METODOLOGIA
Esta seção está dividida da seguinte maneira: primeiramente será apresentada a proposta
da metodologia, em seguida aprofundar-se-á na abordagem da Análise da Conversa, em seguida
nas narrativas e por fim, apresentar-se-á um artigo publicado que teve o objetivo inicial de
investigar parte do framework desta proposta no campo empírico, o qual serviu como um teste de
pesquisa (pesquisa exploratória inicial). Para Meredith (1993) o ciclo normal da pesquisa, a
descrição, a explanação e o teste da pesquisa devem estar em contínua interação, não sendo um
processo linear. Meredith (1993) chama a atenção para a característica do framework em cada
pesquisa, indicando a importância do seu poder explanatório.
Esta proposta de pesquisa delimita-se a partir das ciências sociais a partir de estudos
empíricos que pretendem compreender aspectos do mundo social das organizações (STABLEIN,
2001). Para esta proposta, pretende-se compreender o processo de eventos inesperados a partir da
ótica de Karl Weick com o avanço teórico do entendimento de Niklas Luhmann. Para isto,
pretende-se realizar uma pesquisa de caráter exploratório, de cunho qualitativo, devido ao grau de
complexidade interna que o objetivo sugere, bem como por ser fenômenos específicos e
delimitáveis (MINAYO & SANCHES, 1993). Os fenômenos serão específicos e delimitáveis,
pois partir-se-á da ocorrência de eventos inesperados em instituições consideradas OACs, para a
partir disso, verificar a interrelação entre os construtos da pesquisa especificados na Introdução.
Para se atingir aos objetivos da pesquisa, propõe-se as seguintes etapas desta pesquisa:
49
Figura 10: Descrição das etapas da pesquisa
Fonte: Embasado em Collis & Hussey (2005)
A estratégia de investigação proposta neste projeto é o estudo de casos. O tipo de
pesquisa a ser escolhida está diretamente relacionado com o tipo de questão de pesquisa proposto.
Neste caso, o tipo de questão de pesquisa proposta é complexo e para responder à questão, é
preciso um estudo profundo das evidências coletadas a partir do framework de investigação
(MALHOTRA, 2001). Conforme Yin (2001), o estudo de caso permite uma investigação em que
são preservadas as características holísticas e significativas dos eventos e dos processos
organizacionais.
O estudo de caso a que esta proposta se refere, compreende o entendimento do contexto
de cada instituição a ser estudada, bem como a escolha e análise de três eventos inesperados em
cada uma delas.
Pretende-se investigar as seguintes instituições consideradas OAC devido ao alto risco
humano e financeiro que sua atividade lida diariamente: Centro de Operações do Sistema (COS)
no setor elétrico do Rio Grande do Sul e sistema de atendimento pré-hospitalar móvel (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência – SAMU) em uma cidade da grande Porto Alegre.
50
No setor energético de eletricidade pretende-se pesquisar eventos inesperados que
ocorreram no Centro de Operações do Sistema (COS), responsável pelo controle de geração e
transmissão elétrica do Rio Grande do Sul, que tem uma população com mais de mais de 11
milhões de habitantes.
Este contexto empírico de pesquisa do setor elétrico caracteriza-se como um ambiente que
trabalha sob constante pressão e vigilância, em que pequenas falhas podem gerar grandes
consequências. Mais especificamente, o problema de pesquisa é suscitado a partir do aumento da
ocorrência de crises que elevam a complexidade ambiental em que as organizações, e
especialmente as Organizações de Alta Confiabilidade (WEICK e SUTCLIFFE, 2001), se
deparam diariamente (BORGES; GONÇALO, 2010a). Nesta instituição, pretende-se analisar três
eventos considerados inesperados, onde analisar-se-á as narrativas dos eventos, e a fala-eminteração no momento do evento através da análise da gravação dos diversos telefonemas
realizados durante o acontecimento selecionado. Além disso, pretende-se realizar pesquisas em
profundidade e semi-estruturadas com os funcionários de diferentes níveis hierárquicos daquela
instituição.
No setor da saúde, pretende-se estudar um sistema de atendimento pré-hospitalar móvel
(Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU) em uma cidade da grande Porto Alegre.
O SAMU consiste de um serviço de assistência, padronizado nacionalmente, que opera através de
uma central de regulação que recebe telefonema e que possui uma regulação regionalizada,
hierarquizada e descentralizada (MINAYO; DESLANDES, 2008).
As equipes de socorro são compostas segundo o grau de complexidade, conforme o tipo
de unidades móveis, suas atribuições e recursos. As vítimas telefonam para a SAMU (linha 192)
que dispõe de ferramentas operacionais (mapas, pontos de apoio das unidades básicas, entre
outros) e objetivam oferecer suporte imediato (20 minutos) a vítima para que minimize as
sequelas (MINAYO; DESLANDES, 2008). Neste contexto, pretende-se realizar um estudo de
caso, aprofundando-se em três eventos considerados inesperados, através da análise da gravação
do telefonema, bem como da narrativa dos participantes no evento e entrevistas em profundidade
e semi-estruturadas com os funcionários de diferentes níveis hierárquicos dessa instituição.
Como o framework proposto entende a comunicação como a base dos sistemas sociais, a
metodologia desta proposta busca uma profunda compreensão da comunicação que ocorre nestes
eventos inesperados. Para isto, propõe-se a utilização da abordagem metodológica da Análise da
51
Conversa, para analisar as falas-em-interação gravadas no momento dos eventos inesperados,
bem como a utilização da técnica das narrativas, além de técnicas de pesquisa mais utilizadas
como entrevistas em profundidade, entrevistas semi-estruturadas e observação.
3.1 ANÁLISE DA CONVERSA2
Os pesquisadores organizacionais sentem uma constante inquietação relacionada a novos
métodos que auxiliem na compreensão da complexidade dos ambientes organizacionais,
especialmente no que tange à abrangência das interações e discursos organizacionais (COOREN,
2006).
A Análise da Conversa, doravante denominada AC, é o estudo da fala, ou seja, é análise
sistemática da conversa produzida em situações diárias da interação humana no processo
denominado de fala-em-interação (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998). A conversação através das
formas da fala, discurso e conversa ocorrida na empresa, interessa aos estudos organizacionais,
pois sua análise revela como o contato social é mediado (WEICK, 1995). A fala que interessa à
AC é aquela que ocorre naturalmente, sem ser produzida em um laboratório, pois objetiva
descobrir como o participante entende e responde ao outro em seu turno de fala, com o foco
central nas seqüências de ações que são geradas (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998). Portanto, na
busca por novas maneiras de compreensão da complexidade organizacional, a AC mostra-se um
importante ferramental que pode auxiliar a aumentar esta compreensão. Apesar de seu uso ser
considerado limitado nos estudos organizacionais, observa-se que trabalhos que utilizam esta
metodologia nos estudos organizacionais tem aumentado (NIELSEN, 2009).
A Análise da Conversa iniciou seu desenvolvimento há 40 anos. Seu objetivo é descrever
as competências e procedimentos envolvidos na produção dos diversos tipos de interações sociais
(ARMINEN, 1999). Segundo Stephen Levinson (1983), a AC tem sua origem na
Etnometodologia, movimento que estuda os métodos étnicos (dos próprios participantes) de
produção e interpretação da interação social. A Escola da Etnometodologia foi fundada por
Harold Garfinkel (1967) e lida com a questão de como as pessoas produzem a realidade social no
processo interativo e através deste. Realidade social pode ser aqui entendida como produzida
localmente (‘aqui e agora’ no curso da ação), endogenamente (no interior da situação),
audiovisualmente e na interação pelos participantes(FLICK, 2004). Portanto, a Etnometodologia
52
reespecifica a ordem social como fenômeno construído nas ações ordinárias e cotidianas dos
membros do grupo social, reconhecendo a identificação destas ações com o seu contexto social
(McCLEARY, 2009).
A preocupação central dessa abordagem é o estudo dos métodos empregados por
membros na produção da realidade da vida cotidiana. O programa de pesquisa etnometodológica
é caracterizado pelo interesse nas atividades cotidianas, na sua execução e na constituição de um
contexto de interação, localmente orientado no qual se realizam as atividades. Em geral, o
programa de pesquisa etnometodológica é realizado nas pesquisas empíricas da Análise da
Conversa (FLICK, 2004).
O precursor da AC é Harvey Sacks (1935 – 1975), cientista do departamento de
sociologia da Universidade da Califórnia primeiramente e depois de Irvine, entre 1964 e 1972.
Para ele, a fala-em-interação é sistematicamente organizada e profundamente ordenada; sua
produção é metódica e finalmente a análise deve ser baseada em dados que ocorreram
naturalmente (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
O objeto de análise da AC é a fala na interação social e os dados são dessas interações
naturalísticas gravadas em tape e/ou vídeo, que enfatizam o papel social da interação como uma
realidade autônoma sui generis (ARMINEN, 1999).
A fala que interessa à AC é aquela que ocorre naturalmente, sem ser produzida em um
laboratório, pois objetiva descobrir como o participante entende e responde ao outro em seu turno
de fala, com o foco central nas seqüências de ações que são geradas (HUTCHBY & WOOFFITT,
1998).
O foco da análise da conversa não é o significado subjetivo para os participantes, mas a
forma como essa interação é organizada. O tópico de pesquisa é o estudo da vida cotidiana, por
isso é crucial o papel do contexto em que as interações ocorrem. Cada evento de fala-eminteração apresenta esforços de produção dos membros ali mesmo, ou seja, das contribuições
conversacionais dos membros. Enfim, a Etnometodologia preocupa-se com a descrição dos
métodos dos membros, em vez de suas perspectivas, a fim de descrever o processo em estudo a
partir de dentro (FLICK, 2004).
Na AC, a fala das pessoas é estudada per se, e não seus pensamentos, emoções, atitudes,
crenças ou experiências de vida, os quais são assumidos como subjacentes à fala e que podem ser
expressos por meio dela. A Análise da Conversa trata da fala como uma forma de ação social,
53
como uma forma de fazer coisas no mundo (OSTERMANN, 2006 apud PASSUELO e
OSTERMANN, 2007, CLIFTON, 2006). Portanto, a fala pode ser compreendida como ação
social tangibilizada na interação, por isso "o foco de atenção não é a linguagem na condição de
um sistema abstrato de regras, mas a linguagem é tomada como meio para interação" (p.246), por
isso é importante estudar as falas nas práticas sociais, pois clareia ao pesquisador o que as
pessoas fazem de fato (PASSUELO e OSTERMANN, 2007).
AC é a análise sistemática da conversa produzida em situações diárias da interação
humana, denominada de fala em interação (talk-in-interaction), que ocorrem naturalmente, sem a
interferência do pesquisador. O foco da AC é na seqüência, pois através do curso da conversa em
interação os falantes dispõem, na próxima seqüência de turno, um entendimento do que era o
primeiro turno (ver Exemplo de Interação1). A ferramenta básica da AC é o next-turn proof
procedure, ou seja, o próximo turno pode ter uma seqüência desejada ou indesejada, conforme o
que o falante anterior disse. São as propriedades ordinárias da fala (HUTCHBY & WOOFFITT,
1998).
Para a AC, segundo Hutchby & Wooffitt (1998), os turnos de fala não são serialmente
ordenados, ou seja, cada interagente fala na sua vez, mas sequencialmente ordenados. Existem
maneiras descritíveis de observar que os turnos são ligados em uma seqüência ordenada, através
da:
(i) next turn: local onde os participantes dispõe seu entendimento sobre o primeiro
turno para possível compreensão. Os próprios participantes analisam o processo de
produção da fala para negociar sua participação nela.
(ii)
content: o próximo falante de turno prioriza o conteúdo do turno, ou seja, a
ação que tem sido designada para fazer.
Além dessas maneiras de observar a ordem inferencial de fala, deve-se atentar para o tipo
de cultura e recursos interpretativos dos participantes levam ao entendimento de maneiras
diversas e próprias (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
Convencionalmente as interações ocorrem em pares, é a seqüência conversacional que
ocorre através dos pares adjacentes. Nem sempre os pares adjacentes ocorrem de maneira
uniforme e ideal, ou seja, nem sempre a primeira parte do par faz uma formulação reconhecível e
a segunda parte produz um segundo par a partir do que reconheceu do primeiro par. Os pares
adjacentes têm uma significância fundamental em AC: a questão de como o entendimento mútuo
54
é acompanhado e arranjado na fala. Os participantes podem usar o mecanismo de pares
adjacentes para arranjar e/ou analisar o processo de entendimento e sensemaking da fala do outro.
Os pares adjacentes constituem uma estrutura normativa de poder para avaliação de ações do
interlocutor e motivos da produção da primeira parte. Isso mostra que a fala em interação é um
problema de realização de ações, assim o fracasso na troca de turno já é um tipo de ação
representativa (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
Vários conceitos foram sendo estabelecidos para o entendimento e análise dos dados
transcritos tais como tomada de turno, par adjacente, preferência/despreferência, sequência
lateral, reparo, abertura, pré-fechamento entre outros, os quais não são objetos do presente
trabalho, mas que representam parte da riqueza analítica do pensamento de Harvey Sacks, o qual
foi inspirado por Harold Garfinkel e seguido por Emmanuel Schegloff e Jail Jefferson a partir dos
anos de 1970 (McCLEARY, 2009).
Nos contextos institucionais, normalmente existe um script interiorizado de conversação
natural. Porém, não basta a intuição em saber qual o comportamento mais adequado para cada
contexto social, é preciso relatar o significado público que os participantes demonstram para os
outros, sua orientação para o contexto e seu entendimento da relevância do contexto institucional
de cada ação do outro (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998). Nos contextos institucionais, os
participantes cumprem a natureza disciplinada da conversação em si. A abordagem da Análise da
Conversa trata do importante papel da fala na produção da vida social. Esses autores argumentam
ainda que, segundo essa abordagem, a fala nos ambientes institucionais está envolvida no
cumprimento da sua natureza institucional (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
A utilização da AC nos estudos organizacionais situa-se nos trabalhos que examinam os
diferentes contextos institucionais. Nestes contextos, é exaltado o papel da fala na produção da
vida social, pois a fala é sempre situada, seja em entrevistas de seleção, reuniões de negócios,
reuniões entre supervisores e trabalhadores, orientador (a) e orientando (a), avaliações, venda de
produtos através de call-centers, consultas médicas, comportamento de clientes em visita a
museus, audiências do PROCON entre outras. Nos contextos institucionais, os participantes
parecem se orientar por sistemas de falas, variando conforme a ocasião, grau de formalidade,
entre outras. Nestes contextos institucionais, há uma redução ou sistematização das práticas
disponíveis na conversação, de acordo com o papel institucional e com a maior ou menor
formalidade do contexto (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998), por exemplo, espera-se um tipo de
55
comportamento de uma testemunha em um julgamento e outro tipo de comportamento em uma
entrevista de seleção para emprego.
Ambientes organizacionais são considerados contextos institucionais para a AC. Ora, se
conversa é ação então "organizations are talk, and talk is organizations" (CLIFTON, 2006, p.
202). A utilização da AC nos estudos organizacionais está crescendo (NIELSEN, 2009;
CLIFTON, 2006), e os estudos estão demonstrando diferentes aspectos que a AC pode contribuir
nos estudos organizacionais.
Segundo Baraldi e Gavioli (2007) a Análise da Conversa pode ser um bom ferramental de
entendimento dos Sistemas Sociais, mesmo que à primeira vista haja algum estranhamento no
uso da AC para abordagens macrossociológicas. Observa-se, porém que o método elaborado pela
AC parece interessante para complementar uma teoria da sociedade, pois os sistemas sociais “são
constituídos por uma série de eventos comunicativos e a sua parte visível são as sequências de
ações” (BARALDI; GAVIOLI, 2007, p. 126) em que sua compreensão não é diretamente
observável. Assim também a AC observa as interações como uma sequência de ações produzidas
pelos interlocutores, convidando ao estudo dos detalhes destas sequências de ações e assim
descrevendo a interação como um sistema social (BARALDI; GAVIOLI, 2007).
3.2 NARRATIVAS3
É no contexto organizacional que ocorrem os sistemas de relacionamentos, os quais
podem explicitar o conteúdo e o processo através das narrativas de experiências pessoais
(SNOWDEN, 2002; PETTIGREW, 1990). São as narrativas, consideradas essenciais na vida
organizacional, de que trata a abordagem do Storytelling. A abordagem das narrativas ou
storytelling tem sido utilizada no ambiente organizacional para diversos objetivos, entre eles: a
propagação da estratégia; a análise da memória; a análise das normas, valores, cultura
organizacional; transmissão de altos níveis de complexidade; promoção do aprendizado na gestão
do conhecimento; catalisador dos sentimentos dos consumidores, e divulgação da mensagem
estratégica (BOJE, 1995; GARGIULO, 2000; SWAP et al, 2001; SNOWDEN, 2002; ABMA,
2003; KÜPERS, 2005; ALLEN, 2005; DENNING, 2006; ADAMSON et al, 2006).
Métodos históricos de análise organizacional devem ser reconhecidos, sob o risco de
excluir condições antecedentes e dados retrospectivos como uma fonte pragmática do passado. A
56
abordagem de contar histórias vem ajudar a explicitar o contexto em que as ações estão
ocorrendo à medida da seqüência de acontecimentos, resultados, ritmos, características próprias,
onde tempo e história são aspectos centrais das análises dos processos (PETTIGREW, 1990).
Através da abordagem metodológica da narração, o narrador pode revelar aspectos que
não revelaria em uma entrevista, por exemplo, pois a narrativa apresenta certa independência ao
narrador; através da narrativa há maior revelação do que as teorias que a pessoa carrega e ainda
as pessoas expõe eventos da maneira como vivenciaram (FLICK, 2004). A narração pode ser
utilizada não somente para a contação das histórias de vida, mas também para narração de
episódios, adequados para o entendimento dos eventos inesperados nas organizações. Segundo
Flick (2004) as experiências são armazenadas nas formas de conhecimento narrativo-episódico
(vinculado a situações e circunstâncias concretas) e semântico (suposições e relações abstraídas
das situações concretas). A narrativa episódica vincula os dois tipos.
Estudos recentes vêm utilizando a abordagem do Storytelling para objetivos específicos.
Observa-se que muitos destes estudos têm estimulando a utilização desta abordagem na
compreensão do ambiente organizacional para identificar dimensões como transferência do
conhecimento, conhecimento de clientes e/ou propagação da estratégia (ver quadro 1, a seguir).
Dimensão
Autor
Educação
Memória
organizacional
Paciente s cardíacos
BARONE,
1992
BOJE, 1995
BERS et al,
1998
Storytelling
como
prática gerencial
GARGIULO,
2000
Transferência
conhecimento
SWAP et al,
2001
de
Complexidade
SNOWDEN,
2002
Cultura
BANKS-
African
Especificidades da abordagem
Transformar a educação através de histórias honestas
contadas pelos professores e ouvidas dos alunos.
Análise da história de Tâmara Land para entender a Disney
como organização.
Utilização do Storytelling Agent Generation Environment
(kit em base web para criação de histórias) para ajudar a
jovens pacientes cardíacos a suportar a doença.
Histórias podem ser usadas estrategicamente para estimular
uma organização de muitas maneiras diferentes. Ajudam
líderes a fazer uma leitura precisa de suas organizações para
comunicar novas visões e missões aos empregados, propicia
novas maneiras de pensar sobre suas organizações, assim
como fornecem grandes insights e oportunidades.
Histórias se originam dentro da organização e refletem suas
normas, valores e cultura, através de elementos que
identifiquem um padrão familiar na história, um arquétipo. É
um importante meio de transferir conhecimento, pela riqueza
de sua dimensão tácita.
Modo de lidar com a transmissão de altos níveis de
complexidade e transmitir formas densas de experiências de
formas simples.
Storytelling para capturar a tradição oral da cultura African
57
American
WALLACE,
2002
ABMA, 2003
Aprendizado
organizacional
Conhecimento
Lealdade
consumidores
KÜPERS,
2005
dos
ALLEN, 2005
Construção de marca
através
do
Storytelling
SRINIVASAN
, 2005
Disciplina
narrativa
empresarial
DENNING,
2006
da
Fonte de inspiração
de
mudanças
corporativas
ADAMSON et
al, 2006
American.
O aprendizado é facilitado através de workshops de
Storytelling em cuidados paliativos, visto como um processo
dialógico.
Utilização da Storytelling na Gestão do Conhecimento,
através de um framework fenomenológico que clarifica o
status relacional entre conhecimento tácito, implícito e
narrativo.
Storytelling como catalisador para permitir aos
consumidores acesso aos sentimentos, fundamentais para a
sua lealdade.
Uso do Storytelling como ferramenta para construção de
uma marca através da identificação de uma core story que
contenha valores da estratégia de diferenciação da marca
através dos atributos dos produtos. Apresenta as
características e elementos de boas histórias.
Apresenta oito padrões de narrativas diferentes para
redirecionar objetivos, inspirar marcas, compartilhar
conhecimento, transmitir valores, diminuir rumores nefastos
à organização, mostrar o futuro, etc.
Ferramenta de estratégia corporativa para que o executivo
principal possa inspirar os funcionários a mudanças vitais na
estratégia, através de histórias estratégicas inspiradoras.
Histórias tem o potencial para revitalizar os negócios.
Divulgação da mensagem estratégica através de Storytelling,
por meio de narrativas da história corporativa.
Divulgação
da MARZEK,
mensagem
2007
estratégica
Quadro 1: Características na utilização da abordagem de Storytelling
Fonte: Dados desta pesquisa
Dos autores que utilizaram a abordagem de Storytelling/Narrativas, citar-se-á os que mais
interessam a esta proposta de pesquisa.
Boje (1995) analisou a história de Tâmara Land para entender a Disney como
organização, conceituando Storytelling organizacional como um sistema coletivo em que a
performance das histórias é uma peça chave para fazer sentido (sense-making) e significado, por
permitir um suplemento de memória individual com a memória institucional.
Snowden (2002) preconiza que Storytelling pode ser um modo de lidar com a transmissão
de altos níveis de complexidade e transmitir formas densas de experiências de modo simples.
Histórias têm a habilidade de enviar em linguagens simbólicas uma grande quantidade de
conhecimento ou informação de modo sucinto. Cada símbolo tem um significado diferente
conforme a combinação de símbolos que o precedem. A habilidade para transmitir altos níveis de
complexidade através de histórias contém quantidades elevadas de abstração através das
58
associações simbólicas na mente dos observadores quando ouvem as histórias. Isto desencadeia
idéias, conceitos, valores e crenças nos níveis emocional e intelectual simultaneamente.
Assim, Storytelling emerge como uma ferramenta organizacional capaz de estimular toda
a organização, revelar seus valores, crenças e atitudes, agir como um catalisador para
compreender a organização como um sistema de atividades que fazem sentido para todos
(WEICK, 1973).
3.3 PESQUISA EXPLORATÓRIA INICIAL
A seguir é apresentado o artigo “Aprendizagem através do sensemaking e da confiança:
um estudo em um ambiente de eventos inesperados” de autoria da aluna e do professor
Orientador, o qual foi apresentado no 3rd Latin and European Meeting on Organization Studies
(LAEMOS) em Buenos Aires, abril de 2010. Este artigo é apresentado nesta seção a título de
exemplificação da aplicabilidade empírica de parte do framework desta proposta, bem como da
apresentação da abordagem metodológica da Análise da Conversa.
Introdução
Eventos inesperados transcendem a ordem das rotinas e do planejamento, entretanto quando
ocorrem, demandam das organizações soluções tão eficientes e eficazes quanto àquelas previstas para
eventos programados. No caso específico de organizações cuja característica de suas atividades envolvem
se deparar constantemente com tais eventos, uma importante atividade gerencial é a criação de situações
de aprendizado para capacitação de sua gestão na solução de problemas. Nestas organizações, quando as
decisões não conseguem responder com eficácia frente aos eventos inesperados , as conseqüências
geralmente são catastróficas, devido ao tipo de atividade de alto risco em que estão inseridas, tais como
companhias de energia elétrica, energia nuclear, emergências de hospitais, torres de controle aéreo, times
de bombeiros entre outros.
Pesquisas sobre as organizações de alta confiabilidade (HRO) estão presentes nos estudos
organizacionais, tratando de questões sobre acidentes e risco (PERROW, 1994; PERROW, 1999;
PERROW, 2007; ROBERTS, 1990; STRAHLEN et al, 2008; WONG et al, 2005) tomadas de decisões
(ROBERTS et al, 1994); falhas nos sistemas organizacionais (ROBERTS, BEA, 2001; SCHULMAN et al,
2004) entre outros temas. Em comum está o entendimento de que as HRO’s constroem maneiras mais
eficazes de enfrentar eventos inesperados do que outras organizações.
Diante de uma situação imprevisível, as pessoas responsáveis procuram compreender o problema
a partir de elementos que façam sentido em suas estruturas de análise (sensemaking), levando em
consideração as suas experiências e as interações com o grupo de trabalho, para, enfim, encontrar a
decisão possível e eficaz. A compreensão do processo do sensemaking (WEICK, 1995) é crítico no
enfrentamento de situações imprevisíveis, bem como a busca pela diminuição da complexidade através da
59
identificação de familiaridade na situação (LUHMANN, 1996) em prol do comportamento mais adequado
para a situação no momento. Assim, o objetivo deste estudo é compreender a interrelação produzida
entre os microprocessos que compõem o sensemaking (WEICK, 1995) e a construção da confiança
(LUHMANN, 1996) presentes em eventos inesperados. Utilizou-se como objeto de estudo um evento
inesperado no contexto organizacional de um Centro de Operações do Sistema Elétrico Brasileiro (COS)
identificando suas características e repercussões de aprendizagem para a organização. Analisou-se desde o
processo de reconhecimento do evento inesperado até a decisão escolhida. Este COS é responsável pelo
controle de geração e transmissão elétrica de um importante estado brasileiro, que tem uma população
com mais de mais de 11 milhões de habitantes.
Este contexto empírico de pesquisa caracteriza-se como um ambiente que trabalha sob constante
pressão e vigilância, em que pequenas falhas podem gerar grandes consequências. Mais especificamente,
o problema de pesquisa é suscitado a partir do aumento da ocorrência de crises que elevam a
complexidade ambiental em que as organizações, e especialmente as Organizações de Alta Confiabilidade
(WEICK e SUTCLIFFE, 2001), se deparam diariamente. Para atingir ao objetivo, inicialmente será
apresentado o referencial teórico sobre sensemaking, confiança e aprendizagem, em seguida será
apresentado o contexto empírico e procedimentos metodológicos, acompanhados da análise dos dados, e
finalizando com o framework teórico proposto.
2. Referencial Teórico
2.1 Sensemaking como ponto de partida
Sensemaking é um conceito teórico que traz nova perspectiva para o entendimento das
organizações (WEICK, 1995), pois consegue o intento de relacionar a ação com o contexto organizacional
através do modo como pessoas criam sentido a partir de elementos da sua experiência, bem como do
contexto cultural e discursivo em que estão inseridas naquele instante (BORGES e GONÇALO, 2009).
Para Weick (1969, 1995, 2005), as organizações devem ser compreendidas como processos dinâmicos que
sofrem continuamente a influência das ações de seus membros. Sensemaking é um processo cognitivo
que os indivíduos e os grupos estão envolvidos na busca pela resolução de situações complexas através da
diminuição da ambiguidade de eventos problemáticos nas organizações (organizing). Na verdade,
sensemaking envolve o processo retrospectivo de imagens plausíveis que racionalizam o que as pessoas
estão fazendo através do envolvimento da identidade no contexto social para extração de pistas que criam
certa ordem nos eventos (WEICK, SUTCLIFFE E OBSTFELD, 2005).
Para que esforços do sensemaking ocorram é preciso que algo aconteça diferente do esperado
(WEICK, SUTCLIFFE OBSTFELD, 2005), tal como um fluxo de eventos que demonstra discrepância de
sinais ou pistas e desajustamento das expectativas. Diante da surpresa, tenta-se lembrar de algo
semelhante e não se encontrando nada iniciam-se especulações sobre o que está ocorrendo. Surgem então
hipóteses que as pessoas começam a discutir, pois os contatos são cruciais na construção e percepção do
problema que evolvem identidade ou reputação (WEICK, 1995; BORGES E GONÇALO, 2009, P. 186).
Portanto, circunstâncias inesperadas que quebram a rotina organizacional são compreendidas
explicitamente em palavras que refletem ações e escolhas, as quais precedem objetivos e planos
(ANDERSON, 2006; WEICK, SUTCLIFFE OBSTFELD, 2005). Assim, as expectativas (representantes
da ordem e da rotina) apresentam-se diferentes das experiências (as quais referem-se à desordem e ao
inesperado) (BALOGUM e JOHNSON, 2005; WEICK e WESTLEY, 1996). Quando ocorre essa quebra
da expectativa nos processos, as rotinas e padrões são enfrentadas como momentos problemáticos de
interrupção na operação processual que precisa ser reparada através da escolha de uma solução de
problemas, entretanto o processo continua vulnerável à outra interrupção (WEICK, 1995).
60
As High Reliability Organizations (HROs) caracterizam-se por apresentarem maior resistência às
várias interrupções. Nas HROs, apesar dos erros poderem gerar conseqüências catastróficas, eles podem
ser evitados (ROBERTS, 2005), pois a confiabilidade é tão importante quanto os resultados dessas
organizações (Roberts et al., 1994). Não se pode esquecer que as HROs, em sua maioria, possuem uma
base tecnológica complexa (ROBERTS, 2005).
Weick, Sutcliffe, Obstfeld (1999) preconizaram que as HROs são formas organizacionais
precursoras de adaptação em um ambiente cada vez mais complexo. Para esses autores, as HROs são
ambientes em que imperam a incerteza e um aparente exotismo, mas fornecem a infra-estrutura cognitiva
que permite a aprendizagem adaptativa simultânea e desempenho confiável (p. 81). Essas organizações
são especialistas em tomar rápidas decisões com base em dados imperfeitos e sabem abandonar rotinas em
favor da improvisação (WALLER, ROBERTS, 2003, p. 813).
Karl Weick tem chamado a atenção para o fato de que as falhas na atenção são fontes de acidentes
(PERROW, 2009). Weick e Sutcliffe (2001, 2007) consideram que as organizações que precisam alta
performance em indústria/setores em que pequenas falhas provocam graves efeitos, tais como em sistemas
de controle aéreo, emergência médica ou negociação com reféns. Estas organizações “não têm escolha” a
não ser funcionar de maneira altamente confiável. Para isso, existem algumas práticas, que promovem um
ambiente de confiabilidade, passíveis de aprendizagem, que ocorrem com essas organizações (Figura 1).
Características das HRO
Descrição
Preocupação com o fracasso
Não subestimam pequenas falhas e as entendem como um sintoma de
que algo está errado, tentando compreender o sistema atualmente
(dinâmica organizacional).
Relutância
em
aceitar HRO sabem que o mundo é complexo, instável, desconhecido e
simplificações
imprevisível. Não subestimam a complexidade e tentam compreender
os diversos aspectos implicados em cada situação. Como?
Promovendo debate com pessoas de diferentes pontos de vista, sem
destruir as diversidades. Mais visão com menor simplificação.
Sensibilidade
para
as Importância às operações de como o trabalho é realizado – entender
operações
que os eventos são situacionais (dinâmicos) e que existem ‘falhas
latentes’ no operacional.
Compromisso
com
a Entendem que nenhum sistema é perfeito. Resiliência é uma
resiliência
combinação de pequenos erros e soluções improvisadas que fazem o
sistema funcionar. Para isso é preciso o trabalho de experts, pessoas
com experiência, habilidade de recombinação e treinamento em
pessoas com características de serem mentalmente estimulantes.
Consideração à perícia
Migração da hierarquia/liderança para pessoas com maior expertise
na área, conforme a situação. Decisões são tomadas na linha de
frente, por pessoas com condições de resolver a situação e não
necessariamente obedece a hierarquia.
Figura 1: Características das práticas verificadas nas HRO’s
Fonte: WEICK e SUTCLIFFE, 2001
2.2 Confiança
61
O tema confiança é considerado uma abordagem controversa com diferentes enfoques originados no
campo da psicologia, da sociologia e da economia, o que conduziu a variadas definições (SINGH &
SIRDESHMUKH, 2000) as quais trazem valor ao conceito (ROUSSEAU et al., 1998).
Nos estudos organizacionais, a confiança é estudada sob os aspectos interorganizacionais e
intraorganizacionais (ROUSSEAU et al., 1998; LANE & BACHMAN, 2002). Para a compreensão da
construção da confiança nos processos cognitivos, será considerada a confiança sob o aspecto
intraorganizacional. Sob este ponto de vista, a confiança é compreendida como um tópico cultural
complexo das organizações (ALLEE, 2002), como um fator do sucesso para a colaboração bem sucedida
entre times (HERZOG, 2001). E ainda, como sustentadora da efetividade individual e organizacional
(McALLISTER, 1995), mais como causa do que consequência das mudanças econômicas (ZUCKER,
1986), enfim como um conceito “meso” integrador de vários níveis compreendendo desde processos
psicológicos a arranjos institucionais (ROUSSEAU et al., 1998).
Um consenso geral entre pesquisadores conclui que a confiança intraorganizacional (within) é
importante em uma escala de atividades e processos organizacionais, tais como o trabalho em equipe,
liderança, direcionamento dos objetivos, avaliação de desempenho e comportamento cooperativo que
beneficie as organizações e seus membros (AXELROD, 1984; GAMBETTA, 1988; McALLISTER, 1995,
KRAMER, 1999).
Diante das diversas abordagens com que a confiança é tratada, dentre os estudos que enfatizam o
entendimento interrelacional da confiança (McALLISTER, 1995; LEWIS e WEIGERT, 1985;
WHITENER et al., 1998; CHO, 2006), as ideias de Luhmann (1979, 1996) mostram-se fundamentais. A
teoria sociológica contribui de maneira fundamental para o entendimento do complexo papel da confiança
(MEYER et al., 2008) principalmente através da análise neo-funcionalista de Luhmann que identifica, na
confiança, a possibilidade de gerenciar a complexidade das sociedades modernas (GILBERT, 1998),
colocando assim a confiança no centro das teorizações sociológicas sobre as sociedades contemporâneas
(LEWIS e WEIGERT, 1985).
Confiança, no entendimento de Luhmann (1996) é o modo com que as pessoas conseguem lidar
melhor com a complexidade produzida pela dimensão social da existência humana. A busca da redução da
complexidade pode ser conduzida através do enquadre cognitivo em um sistema que busque semelhança e
familiaridade em um mundo em que a dimensão social aumenta a complexidade. A confiança fornece uma
base para que aumente as possibilidades de experiência e de ação neste mundo, mesmo que corra o risco
de aumentar a complexidade, fornece uma estrutura que faz com que seja reduzida a complexidade. A
familiaridade e a confiança são formas complementares para absorver a complexidade e estão unidas do
mesmo modo que o passado com o futuro. Assim, “mostrar confiança é antecipar o futuro” (p.15), pois a
confiança somente pode manter-se no presente, pois o futuro representa “uma carga excessiva para a
habilidade de representação do homem”, por isso tenta simplificá-lo e assim reduzir a sua complexidade,
através de uma tentativa de projetar o futuro, de garanti-lo.
Outra importante característica da teoria de Luhmann (1996) é a intersubjetividade, uma vez que é
através dela que o sentido é organizado para fazer frente às condições complexas, tanto que a capacidade
de confiança varia de acordo de como o sentido e o mundo estão constituídos intersubjetivamente. Ocorre
que tal constituição não é consciente e racional, por isso a familiaridade é simples, porém frágil, por isso,
ao mesmo tempo em que abriga expectativas confiáveis, contém algum risco. Assim, para a familiaridade,
o passado prevalece sobre o presente e o futuro, por isso a complexidade passa a ser reduzida, por isso a
história é a forma mais importante de reduzir a complexidade. Se há confiança que comportamentos
familiares (do passado) permanecerão, há a solução de um problema social: a exclusão da expectativa da
ação inesperada. Por isso a confiança somente é possível em um mundo familiar, pois precisa da história
62
como um pano de fundo confiável. Quando os fatos mostram que esta expectativa não é realizada, levantase a confiança nos sistemas sociais que estão embasados na constituição intersubjetiva, sobressaindo-se de
uma confiança puramente interpessoal para uma confiança no sistema que implica renunciar a maiores
informações, bem como a controle dos resultados. A confiança no sistema não se refere somente a
sistemas sociais, mas a outras pessoas vistas como sistemas pessoais. A troca da confiança interpessoal
para a confiança no sistema são definidas em termos emocionais, mais do que em termos de apresentação.
2.3 Aprendizagem
O conceito de aprendizagem organizacional mostrou-se como forte valor explicativo para o
enfrentamento dos eventos inesperados nas organizações. O contexto competitivo em que as organizações
estão inseridas, aponta a aprendizagem organizacional como favorecedora para a sobrevivência das
organizações na medida em que pode fomentar a inovação em produtos e processos (SOUZA, 2004), bem
como a capacitação para enfrentar momentos críticos.
Para Fiol e Lyles (1985), a aprendizagem tem importância estratégica como processo de ações de
melhoria que amplie o conhecimento e a compreensão que implique em melhoria dos resultados
organizacionais. Portanto, a aprendizagem organizacional viabiliza a empresa a construir uma
interpretação e um entendimento do ambiente de onde está inserida possibilitando avaliação de estratégias
viáveis (DAFT & WEICK, DONALDSON & LORSCH, STRARBUCK et al apud FIOL & LYLES,
1985).
Por outro lado, Crossan et al. (1999) consideram que a aprendizagem é um meio de alcançar o que
chamam de renovação estratégica e desenvolveram uma modelo para o processo da aprendizagem
organizacional. Esta estrutura de aprendizagem apresenta quatro premissas: tensão permanente entre
exploration e exploitation; cognição afeta a ação e vice-versa; multinível (individual, grupal e
organizacional), os quais interagem com os processos sociais de psicológicos da intuição, interpretação,
integração e institucionalização.
Para Weick & Westley (2004) aprendizagem organizacional é um oximoro, pois são processos
antagônicos. “Aprender é desorganizar e aumentar a variedade. Organizar é esquecer e reduzir a
variedade”(p.361). Esta antítese significa que a aprendizagem é possível em espaços sociais que
justapõem a ordem e a desordem em uma tensão saudável, as quais incluem momentos de humor,
improvisação e pequenas vitórias. Entender a organização como cultura ajuda a compreender a natureza
da aprendizagem, pois a cultura está inserida em produtos visíveis como a linguagem, nos artefatos e nas
rotinas das ações coordenadas. Dessa forma, o invisível (relações sociais) torna-se manifesto no tangível
(artefatos como modelos).
O relacionamento entre aprendizagem e organização é essencialmente uma tensão. As organizações
adhocráticas são mais hábeis em adaptar-se em ambientes mutantes, pois são organizações que se
autodesenvolvem, enquanto que as burocráticas estão voltadas à eficiência e a colher os benefícios da
curva de aprendizagem, às distinções e racionalidades claras que tentam suprimir ou ocultar qualidades
confusas ou contraditórias. Ambas exploram posições mais vantajosas, o desafio é encontrar um ponto
intermediário entre as duas estruturas, ou seja, uma justaposição ótima entre a ordem e a desordem, “não
mediante a alternação entre as duas, mas mediante a conexão íntima e contínua entre as duas”(WEICK &
WESTLEY, 2004, p.369).
Assim, para Weick e Westley (2004) a aprendizagem organizacional tanto é um resultado quanto é um
processo. A aprendizagem depende, mas não é exclusividade dos indivíduos, pois ocorre também nas
estruturas organizacionais, tais como a cultura que aparece na linguagem, palavras, frases, vocábulos e
expressões que os grupos desenvolvem, nos artefatos, nos objetos materiais que um grupo produz. As
organizações podem auto-desenvolver-se, quando procuram por pequenas mudanças contínuas, ou
burocráticas, quando buscam a eficiência.
63
As organizações que se auto-desenvolvem aprendem enquanto que as burocráticas organizam. A
aprendizagem depende da linguagem presente na interação social, a qual é o seu instrumento e repositório
(WEICK E WESTLEY, 2004). Portanto, a aprendizagem é um momento nas ações rotineiras quando
ordem e desordem se justapõem (erros, quase acidentes, etc) como encontrar áreas permeáveis num tecido
impermeável. Como característica, as organizações de aprendizagem retêm elementos de redundância, de
desordem e flexibilidade, em que a fronteira entre o planejar e o fazer desaparece. A improvisação confere
um novo significado às experiências, pois variam, combinam e recombinam um conjunto de figuras que
dão coerência à peça, tal como em um quebra-cabeças. Enfim, para Weick e Westley (2004), a
aprendizagem organizacional está próxima da estética da imperfeição.
3. O contexto empírico e procedimentos metodológicos
Em um país em desenvolvimento como o Brasil, a infraestrutura elétrica precisa ser confiável para
garantir a expansão da oferta e evitar novas crises de suprimento em 2009 e 2010 (CORREIA et al., 2006).
O autor refere-se à crise como o evento inesperado de 10 de novembro de 2009 em que 60 milhões de
brasileiros ficaram no escuro em função do blackout elétrico que atingiu 18 dos 26 estados do Brasil e os
deixou sem energia elétrica por até quatro horas (BROOKS, 2009).
Este contexto sugere a necessidade de pesquisas dos COS elétricos compreendidos enquanto
Organização de Alta Confiabilidade (High Reliability Organization - HRO). Segundo Weick e Sutcliffe
(2001), HRO’s operam sob condições extremas, tais como verificadas no contexto do Centro de
Operações do Sistema (COS). Elas desenvolveram comportamentos mais eficazes para lidar com o
inesperado do que organizações tradicionais e muito lhes podem ensinar.
O COS tem a responsabilidade de supervisionar e controlar o sistema de transmissão e geração de
energia do seu Estado viabilizando o suprimento de energia às concessionárias de distribuição, bem como
a consumidores livres, produtores independentes e outras empresas de geração. O principal objetivo do
COS é manter os consumidores abastecidos de energia elétrica.
O evento inesperado analisado ocorreu em duas hidrelétricas deste Estado brasileiro, nos dias 24 e
25 de setembro de 2009, o qual foi gerenciado pelo COS. Para analisar este evento inesperado, os
procedimentos metodológicos adotados foram:
- Entrevistas - Seis entrevistas semi-estruturadas conduzidas com os diversos níveis hierárquicos do COS,
desde a gerência até os despachantes (operadores que controlam os painéis).
- Análise da Conversa (AC) - Análise dos principais excertos da conversa entre os despachantes e o
supervisor desde o início do evento até a sua finalização (gravadas em tempo real).
3.1 Compreendendo a Análise da Conversa
As ciências sociais reconhecem que a linguagem é um recurso simbólico essencial para a
compreensão da realidade social (SAMRA-FREDERICKS, 2003). Neste contexto, a fala é entendida
como uma forma de ação social (CLIFTON, 2006). A utilização da Análise da Conversa (AC) nos estudos
organizacionais situa-se nos trabalhos que examinam os diferentes contextos institucionais, tais como os
ambientes organizacionais, nos quais é exaltado o papel da fala na produção da vida social. Se a fala é
ação (SAMRA-FREDERICKS, 2003) então "organizations are talk, and talk is organizations"
(CLIFTON, 2006, p. 202). A utilização da AC nos estudos organizacionais está crescendo (NIELSEN,
64
2009; CLIFTON, 2006), e as pesquisas estão demonstrando diferentes aspectos que a AC pode contribuir
nos estudos organizacionais.
O objetivo da AC é descrever as competências e procedimentos envolvidos na produção dos
diversos tipos de interações sociais (ARMINEN, 1999). Segundo Stephen Levinson (1983), a AC tem sua
origem na Etnometodologia, movimento que estuda os métodos étnicos (dos próprios participantes) de
produção e interpretação da interação social. entendida como produzida localmente (‘aqui e agora’ no
curso da ação), endogenamente (no interior da situação), audiovisualmente e na interação pelos
participantes(FLICK, 2004).
Portanto, a Etnometodologia reespecifica a ordem social como fenômeno construído nas ações
ordinárias e cotidianas dos membros do grupo social, reconhecendo Etnometodologia foi fundada por
Harold Garfinkel (1967) e lida com a questão de como as pessoas produzem a realidade social no processo
interativo e através deste. Realidade social pede a identificação destas ações com o seu contexto social
(McCLEARY, 2009).
A preocupação central dessa abordagem é o estudo dos métodos empregados por membros na
produção da realidade da vida cotidiana. O programa de pesquisa etnometodológica é caracterizado pelo
interesse nas atividades cotidianas, na sua execução e na constituição de um contexto de interação,
localmente orientado no qual se realizam as atividades. Em geral, o programa de pesquisa
etnometodológica é realizado nas pesquisas empíricas da Análise da Conversa (FLICK, 2004).
O precursor da AC é Harvey Sacks (1935 – 1975), cientista do departamento de sociologia da
Universidade da Califórnia primeiramente e depois de Irvine, entre 1964 e 1972. Para o precursor da AC,
Harvey Sacks, a fala-em-interação é sistematicamente organizada e profundamente ordenada; sua
produção é metódica e finalmente a análise deve ser baseada em dados que ocorreram naturalmente
(HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
O objeto de análise da AC é a fala na interação social e os dados são dessas interações
naturalísticas gravadas em tape e/ou vídeo, que enfatizam o papel social da interação como uma realidade
autônoma sui generis (ARMINEN, 1999).
O foco da análise da conversa não é o significado subjetivo para os participantes, mas a forma
como essa interação é organizada. O tópico de pesquisa é o estudo da vida cotidiana, por isso é crucial o
papel do contexto em que as interações ocorrem. Cada evento de fala-em-interação apresenta esforços de
produção dos membros ali mesmo, ou seja, das contribuições conversacionais dos membros. Enfim, a
Etnometodologia preocupa-se com a descrição dos métodos dos membros, em vez de suas perspectivas, a
fim de descrever o processo em estudo a partir de dentro (FLICK, 2004).
O foco da AC é na seqüência, pois através do curso da conversa em interação os falantes dispõem,
na próxima seqüência de turno, um entendimento do que era o primeiro turno (ver Exemplo de
Interação1). A ferramenta básica da AC é o next-turn proof procedure, ou seja, o próximo turno pode ter
uma seqüência desejada ou indesejada, conforme o que o falante anterior disse. São as propriedades
ordinárias da fala (HUTCHBY & WOOFFITT, 1998).
As conversas telefônicas são passíveis de serem analisadas pela perspectiva da Análise da
Conversa. Para Hutchby (2001), em chamadas telefônicas ocorrem alguns eventos conversacionais típicos,
tais como a identidade do chamador, atendente e respondente. Para este autor, a pessoa que realiza a
ligação (chamador) tem uma posição superior, uma forma de poder social, sobre o atendente, pois não tem
65
certeza da identidade do chamador. Existem muitas maneiras com que as estruturas normativas da
interação conversacional ao telefone podem se estruturar.
Por questões éticas, todos os nomes de instituições, empresas, pessoas, cidades, usinas e sistemas
foram trocados para preservar seu anonimato, sendo substituídos por outros nomes escolhidos de maneira
aleatória.
4. Análise dos dados
Como evidência empírica é analisado um evento inesperado no COS de um importante estado
brasileiro, entre 24 e 25 de setembro de 2009 nas Usinas Hidrelétricas do Taí e Salto Azul, as quais
produzem 35% da carga consumida pelo Estado.
Para atingir aos objetivos deste estudo, iniciar-se-á com a exposição do evento inesperado
analisado. No dia 24 de setembro foi verificado um aquecimento anormal (ponto quente na relação
primária) de um transformador de corrente na Usina Salto Azul. Para resolver esse problema, considerado
rotineiro neste contexto, foi realizado o desligamento de urgência deste transformador. Assim, a usina Taí
passou a operar de forma isolada do sistema suprindo as cargas de duas regiões do estado. Para atender a
configuração de operação, foram também desligados três geradores da usina Roberto Peres.
Depois da conclusão da manobra, foi realizado o processo de interligação da Usina de Taí e a
1h19min com a Salto Azul (referente ao Momento 1 da Figura 2). No momento do fechamento do
disjuntor no terminal da Usina Salto Azul e sua junção ao sistema, ou seja, no momento da realização do
sincronismo (fechamento de paralelo) com a Usina do Tai ao sistema, houve o desligamento automático
das seis unidades geradoras da Usina Taí, permanecendo o atendimento das cargas da área, até então
isolada, através do sistema, pela linha que foi energizada. À operação de desligamento automático
conjunto das unidades geradoras chama-se desarme, ou seja, a usina foi desligada automaticamente para
fins de proteção e não manualmente (FARIA et al, 2002). Este desarme ocorreu devido à falha da
operação do Salto Azul que ligou o disjuntor da Usina Tai sem atender as condições de sincronismo.
Como conseqüências foram acionados vários relés de sobretensão e houve descarga das garrafas de CO2,
menos em uma unidade geradora por problema de queima de contato em um relé.
A 1h22min houve outro equívoco, desta vez do operador do Taí (referente ao Momento 2 da
Figura 2), em que o operador abriu vários disjuntores para recomposição, sendo que um deles encontravase aberto. Assim, houve interrupção de energia elétrica para duas cidades, deixando mais de 340 mil
pessoas sem abastecimento de energia elétrica por quatro minutos. As unidades geradoras voltaram
paulatinamente ao funcionamento até 3h28min depois. A demora deveu-se a inspeção nas máquinas.
Impedir a interrupção no fornecimento de energia elétrica é um dos objetivos do COS, como mostra a fala
do entrevistado ED3:
Isso [o objetivo do COS] envolve a cada momento manter ligados as linhas e os
transformadores do sistema de transmissão que transmite energia pra todo o
estado e controlar a produção de energia nas usinas.
Como conseqüência, além das duas cidades ficarem sem energia elétrica por 4 minutos devido ao
desligamento geral da Usina do Taí que operava ilhada, após conclusão de manutenção programada em
Salto Azul, a operação do Taí interpretou equivocadamente que o desarme das seis unidades geradoras era
um desarme geral e executou os procedimentos de recomposição previstos para o desarme geral [descarga
de CO2].
66
Figura 2: Representação dos dois principais momentos do Evento
Fonte: Dados desta pesquisa
Depois do evento, como providências foram realizadas reuniões de esclarecimento do evento,
onde foram discutidos os procedimentos adotados no evento, identificação das causas que levaram a
interpretação equivocada de desarme geral e esclarecimento dos procedimentos corretos a serem
executados. Também foi realizado treinamento dos operadores quanto aos procedimentos e as restrições a
serem observadas durante o fechamento de paralelo (sincronismo) entre as áreas do Sistema de Potência.
Houve também as substituição do contato danificado no relé da unidade geradora.
Neste ambiente do COS, todas as conversas telefônicas dos despachantes do COS são gravadas. A
seguir, são apresentados e analisados vários excertos de conversas telefônicas que evidenciam aspectos de
sensemaking e de confiança. As conversas selecionadas não abarcam todo o contexto do evento, mas
referem-se às categorias que respondem à questão inicial do artigo.
As chamadas telefônicas constituem um dos ferramentais essenciais para a eficácia do COS, pois
os operadores centralizam informações do Estado todo, para isso, contatam por telefone com os diversos
setores, empresas, usinas, entre outros, para receber informações de rotina e gerenciá-las, bem como para
agir em casos de eventos inesperados. Para isso, tais conversas contêm um script próprio de atendimento
de chamadas, por exemplo:
1
2
3
((telefone chamando))
Ana: É Ana
Nilo: Ana é Nilo.
Observa-se que, neste ambiente institucional, convencionou-se iniciar a conversação através da
identificação dos nomes, assim Ana é a pessoa que atendeu ao telefone e o chamador é Nilo. Verifica-se
que existe subtração das palavras convencionalmente aceitas em conversas telefônicas como o “Alo” e
“Quem fala”, por exemplo, gerando maior agilidade e objetividade na chamada telefônica. Outra
característica deste ambiente institucional são as abreviações dos nomes de equipamentos, operações,
67
ocorrências, etc. Conforme Hutchby e Wooffitt (1998) nas interações institucionais ocorre redução e
especialização sistemática de várias práticas utilizadas na conversação cotidiana, tais como os exemplos
no atendimento ao telefone.
Por questões éticas, todos os nomes de instituições, empresas, pessoas, cidades, usinas e sistemas
foram trocados para preservar seu anonimato, sendo substituídos por outros nomes escolhidos de maneira
aleatória. Foram selecionados três excertos de conversas naturalísticas gravadas entre os despachantes do
COS e os operadores das Usinas envolvidas no evento. Estes excertos foram selecionados porque
apresentavam aspectos definidos no objetivo desta pesquisa.
Excerto 1 (25/09/09 as 0h:12min)
((Nilo aguarda enquanto Ana fala no rádio com Zeno))
17 Ana: Nilo::
18 Nilo: ah.
19 Ana:
agora o Zeno me passo que tá incendiando a parte da R: da RPV que é ali na eleve:: que
tem um ponto quente em cima do transformador
20 Nilo: (.) tá e ai: o Z. o Zeno quer que faça o que?
21 Ana: não. só pra te falá
22 Nilo: (.) >tem aéle em CIMA do transformador?<
23 Ana: isso Aha
24 Nilo: (.) ºbarbaridadeº. Bom=
25 Ana: = tu aguarda qualquer coisa te do o retorno en[tão ta bom]
26 Nilo:
[E ai o] que que eles querem? Querem que
desligue a KZ? Faça alguma coisa:: que que:.
27 Ana: não. tá tudo desligado aqui pra nós. por isso que nós por isso que nós fizemos: agora o pessoal
da transmissão ta la. eles tão no escuro la. o Zeno foi levar lanternas pra vê XXX XX ta bom?
28 Nilo: ta bom ta oquei tudo bem
((desligam o telefone))
Obs.: Ver convenções de transcrição na Nota 1
Neste excerto, fica claro o contexto de urgência que a equipe do COS trabalha. Ana é operadora
da Usina Salto Azul e Nilo, despachante do COS. Observa-se que Ana relata na linha 19 uma ocorrência
de incêndio em um transformador. A narração é realizada de uma maneira calma, sem pressa sendo a
primeira parte do par na conversação. Como segunda parte do par (linha 20), Nilo fica um momento em
silêncio e quer investigar que tipo de ação ele (representando o COS) pode tomar, mas Ana apenas relata o
acontecido e reitera “só pra te falá”. O “não” da linha 21 e 27 mostra-se resposta despreferida em formato
de ação preferida (HUTCHBY e WOOFFITT, 1998), ou seja, uma negativa de maneira simples, direta e
sem demora. A esta negativa, Nilo realiza na linha 22 uma formulação de maneira rápida “tem aéle em
CIMA do transformador?”
O objetivo da formulação é compreender o que ambos os interagentes estavam fazendo em
conjunto (ANTAKI, BARNES & LEUDAR, 2005), ou seja, através da formulação é possível esclarecer o
sentido explícito do que foi dito (DREW, 2003). Como a formulação ocorre em pares adjacentes
conversacionais (linha 22), há a preferência para concordar na segunda parte do par adjacente (linha 23),
através da expressão ‘isso Aha’ uma vez que depois de uma formulação o outro deve reconhecê-la e
ratificá-la (HERITAGE & WATSON, 1979 apud ANTAKI, BARNES & LEUDAR, 2005).
Na linha 24, Nilo fala com tom de voz baixo a expressão regionalista “barbaridade” que pode estar
significando ‘que coisa absurda’. Nilo pretende continuar com seu turno de fala utilizando o marcador
“Bom” quando Ana se auto-seleciona na linha 25 para encerrar a conversa, causando uma interrupção no
68
turno de Nilo. A interrupção pode ser interpretada como instrumento de controle e poder (OSTERMAN,
2006), reafirmando a vontade de Ana de encerrar a conversa com Nilo. Observa-se que, ao mesmo tempo
em que Ana pretende encerrar a conversa, Nilo não fica satisfeito com o final da conversação e faz um
overlap (linhas 25 e 26). Conforme Hutchby & Wooffitt (1998), o overlap é caracterizado como uma
sobreposição da fala entre os interagentes, pois através de sua marcação, importantes pontos do
gerenciamento da conversação podem ser revelados.
Na linha 26, esse overlap parece estar indicando a necessidade e urgência que Nilo mostra para
auxiliar na resolução do incêndio no transformador, não concordando com a maneira tranqüila de Ana e
não se orienta para a finalização da conversa. Assim, observa-se que Nilo fica procurando na memória
formas de agir diante do evento do incêndio em cima do transformador, ao qual Ana tenta tranquilizá-lo e
produz grande quantidade de fala explicando as ações realizadas na usina, terminando com a expressão “ta
bom?” Pode-se compreender que Ana constrói uma explicação (account) sobre suas ações (linha 26) que
objetiva evitar inferências negativas a seu respeito, de modo que a sua construção de versão sobre a
realidade pareça sólida e não problemática (POTTER, 1996 apud PASSUELO e OSTERMANN, 2007).
Ana consegue convencer Nilo com sua explicação, uma vez que ele reafirma a concordância por três vezes
(linha 28): “ta bom ta oquei tudo bem” em formato preferido. Mesmo assim, observa-se que Nilo está
orientado para a consecução da tarefa na interação institucional e não quer abrir mão dela, nem de sua
identidade institucional, caracterizando a fala-em-interação institucional (DREW E HERITAGE, 1992).
Através desta análise é possível associar ações dos interagentes que ficaram explícitas no excerto
1 com os microprocessos que compõem o sensemaking (WEICK, 1995). Por exemplo, na linha 19, quando
Ana relata o incidente do incêndio em cima do transformador de maneira calma, Nilo percebe que há
ambigüidade entre o conteúdo na notícia e o modo calmo de relatá-la, ao qual reage com um breve
silêncio e pergunta que tipo de ação pode tomar diante do evento.
Para Weick (1973), ambiguidade refere-se ao excesso de sentido de uma informação. Assim, a
linha 19 provocou excesso de sentido na informação (ambigüidade entre o conteúdo na notícia e o modo
calmo de relatá-la). Nilo tenta diminuir a ambiguidade através das perguntas das linhas 22 e 26. Observase ainda que o evento provoca complexidade no entendimento de Nilo. Complexidade para Luhmann
(1996) ocorre quando as possibilidades excedem a capacidade de resposta, conforme verificado na linha
26 quando Nilo pergunta “Querem que desligue a KZ? Faça alguma coisa:: que que:.”. Observa-se ainda
nesta linha, que Nilo procura em sua memória ações que poderiam ser realizadas para ajudar a solucionar
o evento do incêndio no transformador, o qual pode trazer consequências graves. Ao procurar fazer
sentido de um evento (sensemaking), os envolvidos buscam em sua experiência algum episódio parecido
de modo que possa ser aplicado ao evento presente, tal como Nilo faz na linha 26, pois criar sentido é um
processo de atenção para o que já ocorreu, atenção essa influenciada pelo contexto atual do sujeito e pelos
processos da memória (WEICK, 1973).
O inesperado está sempre dentro do possível das HRO’s, pois existe uma sensibilidade para as
operações, ou seja, falhas são passíveis de ocorrer (WEICK e SUTCLIFFE, 2001), tal como mostra a fala
do entrevistado EA2:
Então o centro trabalha com uma previsão programada, mas nem sempre aquilo
que ta programado é o que vai ser executado. Ele tem uma certa temática, certa
rotina, mas nem sempre acontece exatamente assim. E tem aquelas situações que
são totalmente inesperadas, que são as ocorrências.
Portanto percebe-se que o excerto 1 demonstra o início do evento inesperado e a presença
dinâmica dos microprocessos de ambigüidade e de experiência (Sensemaking) e complexidade
(Confiança) de modo interrelacionado.
Excerto 2 (25/09/2009 as 0h:20min)
69
19 Ana: Nilo
20 Nilo: Eu
21 Ana: Vai ser feito por uma XXX inspeção (.) ligar os disjuntores e fechar os
seccionadores
22 Nilo: Ta assim ó ó ó. Ana. me consegue alguém que me dê informações ã: ã:
mais conCRETAS, me me me coloque os pés no chão. >porque eu não to
vendo vocês aí< tá: quero sabê. o que que vocês vão faze tá bom?
23 Ana: Ta bom
24 Nilo: Me consegue alguém aí que me dê informação. brigado
((desliga o telefone))
É próprio das interações que ocorrem em contextos institucionais que os interagentes preservem a
identidade profissional ou institucional, pois ela se faz relevante nas atividades de trabalho em que estão
engajados (DREW e HERITAGE, 1992). O objetivo dos interagentes é manter a imagem pública, em
outras palavras, manter a imagem do “eu” delineada em termos de atributos aprovados socialmente e
assim preservar sua face (GOFFMAN, 1955). Observa-se que na linha 22, Nilo fere a face de Ana ao
solicitar outra pessoa que possa dar informações mais precisas. Como o processo de manutenção da face é
uma condição da interação, mas não é seu objetivo, para a continuação das interações e para que se
atingisse o objetivo de resolução do evento emergencial, Nilo opta por solicitar outra pessoa para
continuar a tratar do evento e portanto, acaba por ferir a face de Ana.
Através desta atitude, Nilo demonstrou que não encaixa mais Ana na categoria de operadora
confiável que entenda o suficiente para dar informações claras do que esta acontecendo na usina de Salto
Azul. Conforme Silvermann (1998), a categorização dos membros em uma instituição envolve a
identidade dos trabalhadores como capazes de entender e solucionar problemas relacionados às tarefas de
seu trabalho. Na linha 22, Nilo não reconhece as ações de Ana dentro da categoria de operador eficiente.
Por isso, a fala da linha 22 mostra a sua reação deste não enquadre através de estranhamento,
anormalidade, por isso solicita que outra pessoa passe as informações, pois não está compreendendo o que
está acontecendo diante do evento emergencial.
Ao realizar o ato de ferir a face de Ana, Nilo produz grande quantidade de fala através de várias
explicações, repete várias vezes várias palavras, como “me me me” e termina solicitando a compreensão
dela. Observa-se que Nilo toma algum cuidado, pois realiza uma pré-seqüência quando diz “Ta assim ó ó
ó.” (linha 22). A pré-sequência foi usada para projetar um novo tipo de seção (SILVERMAN, 1998), mais
delicada. Desta vez, foi Nilo que produziu explicação (account) sobre suas ações (linha 22). A explicação
objetiva que Ana não faça inferências negativas a respeito de Nilo, de modo que a sua construção de
versão sobre a realidade pareça sólida e não problemática (POTTER, 1996 apud PASSUELO e
OSTERMANN, 2007), através da explicação “>porque eu não to vendo vocês aí<”.
A resposta de Ana na linha 23 aceitando chamar outra pessoa, através das palavras “tá bom” traz
implicações para o entendimento do discurso assimétrico. Uma delas é a caracterização de um discurso
assimétrico, pois conforme Hutchby & Wooffitt (1998), o discurso assimétrico é entendido em termos de
poder dos agentes institucionais para estabelecer a oportunidade de participação dos falantes e para definir
seu resultado. É comum que as interações institucionais tenham o caráter assimétrico percebidos na
distribuição dos turnos e nos controles dos tópicos, tais como demonstrados nas linhas 22 e 23. A resposta
da linha 23 é preferida (concorda com o outro interagente) em formato preferido (simples, direta e sem
demora) (HUTCHBY e WOOFFITT, 1998).
Observa-se que a interação analisada através do Excerto 2, mostra que, para que Nilo pudesse
criar sentido (sensemaking) do que estava acontecendo na usina de Salto Azul, ele realiza um conduta que
pode ser entendida dentro do micro-processo da interação (no entendimento de sensemaking) e do
comportamento social (no entendimento da confiança). Como a conduta individual é contingenciada pela
conduta de outros e se mostra nas formas de fala, discurso e conversa, porque é como o contato social é
70
mediado (WEICK, 1995), observa-se que Nilo realiza uma ação drástica para a interação solicitando que
outra pessoa passe as informações. Tal ação ocorreu, porque ele não estava conseguindo criar sentido da
situação diante das respostas de Ana, para que conseguisse diminuir a ambigüidade e procurar
experiências que lhe auxiliassem a tomar atitudes para a resolução do evento analisado.
Comparativamente, pode-se analisar tal atitude através do micro-processo de comportamento
social, pois o comportamento social é gerador de complexidade (LUHMANN, 1996) quando a confiança
não consegue ser estabelecida para a diminuição da complexidade. Sob esse ponto de vista, observa-se que
Nilo mostra que entende que Ana (linha 22) não está sendo digna de confiança, pois o comportamento de
cada pessoa tem implicações simbólicas e toda ação ou inação tem possíveis efeitos no comportamento
social (LUHMANN, 1996), ou seja, na interação. Dessa maneira, Nilo deseja conversar com outra pessoa,
para que possa criar sentido da situação (sensemaking), bem como construir confiança e assim diminuir a
ambigüidade e a complexidade do evento inesperado.
Excerto 3 (25/09/2009 as 1h:27min)
((Telefone chamando))
1 Aldo: Sim Aldo
2 Nilo: Aldo porque a RPV ligou pro Fausto?
3 Aldo: Ã:? Desarmou todo o Taí XXX
4 Nilo: >Tava conectado com o SALTO AZUL<
5 Aldo: (.) Peraí então:: acho que o operador:: fe:z bobagem então. Só um momentinho aí
6 Nilo: Tu não tem a tensão lá do salto azul? (0.4) ((vozes ao fundo)) Alo. Alo. Alo:: >tu não tem a
tensão do salto azul?<
7 Aldo: (.) não não é o seguinte >nós tamo pegando as proteção tamo com tudo o setor
desligado agora< ta oquei?
8 Nilo: Tá mas tu não tinha a tensão do salto azul?
9 Aldo: Ã?
10 Nilo: Tu tinha a tensão do salto azul?
11 Aldo: Tinha. não. Ta desarmado o salto azul
Aldo trabalha na Usina Taí e Nilo é despachante do COS. Este excerto ocorre no momento crucial
do evento em que ocorre o desligamento das seis unidades geradoras da Usina Taí. A conversa entre Nilo,
despachante do COS, e Aldo, operador da Usina do Taí tentam compreender o que está acontecendo.
Ao atender ao telefone, Aldo anuncia seu nome, na forma característica da conversação telefônica
desta instituição. Observa-se que Nilo não anuncia seu nome, e já pergunta porque a concessionária RPV
telefonou para o Fausto, como um sinal de alerta de que algo está fora do esperado. Observa-se que Nilo
repete o nome de Aldo, funcionando como uma pré-sequência para a questão da linha 2, a qual envolve a
orientação para a tarefa de entender o que está acontecendo com a Usina do Taí, uma vez que houveram
pistas de anormalidade. A orientação para a tarefa é próprio dos ambientes institucionais (DREW E
HERITAGE, 1992) e principalmente de contextos de HRO. Observa-se que Aldo responde com “Ã:?”
demonstrando estranhamento, mas logo afirma “desarmou todo o Taí” como um evento relacionado.
Na linha 4, Nilo faz a afirmação de que a Usina do Taí estava conectado como Salto Azul por isso
desarmou. Observe-se que neste primeiro momento ele afirma, para em seguida repetir isso em forma de
indagação (linhas 6,8 e 10). Através da afirmação de Nilo, Aldo (linha 5) realiza uma pré-sequência
alongada “peraí então::” e faz uma formulação concluindo que “o operador fez bobagem”, pois através da
formulação é possível esclarecer o sentido explícito do que foi dito (DREW, 2003). Por conta do sentido
produzido por esta formulação, Aldo solicita “só um momentinho”, mas Nilo continua com sua questão,
que não fora respondida. Nilo continua orientando-se para a tarefa de descobrir se a Usina do Taí recebia a
tensão do Salto Azul, precisando esperar 4 segundos enquanto escuta vozes ao fundo. Conforme Weick e
71
Sutcliffe (2001) as HRO’s levam em consideração os diferentes aspectos de cada situação, não
subestimando a complexidade e isto aparece na fala do entrevistado ED3:
O importante na ocorrência é tu não te ater apenas aos contatos relacionados
com aquela ocorrência, porque o mundo continua, entendeu? Tá tratando
daquela ocorrência, mas tá o cara te ligando para outra coisa e isso interfere
muito.
Esta característica é enfatizada pelo entrevistado EA2 que alerta para a questão da simultaneidade
de acontecimentos e da necessidade de gestão, que envolvem a resiliência e decisões tomadas na linha de
frente, as quais são características das HRO’s (WEICK e SUTCLIFFE, 2001):
É tudo simultâneo, então uma pessoa tem que falar com a distribuidora, outro
tem que fazer uma análise de carga, ou tem outro serviço e todas essas
atividades ocorrem em paralelo, então ali um é o supervisor, um é o energético e
o outro elétrico, mas essas atividades elas são todas interligadas, não são
separadas, o sistema é uma coisa só, então no caso de uma ocorrência, uma
contingência eles tem que trabalhar em sintonia.
Retornando à análise do excerto, Nilo tenta retomar a conversa e chama “Alo. Alo. Alo.” (linha 6),
característica utilizada para chamar o interlocutor à conversa telefônica. Aldo responde com uma présequência (linha 7) depois de um momento em silêncio e as palavras “não não é o seguinte” não estão
significando respostas desprefidas, mas uma pré-sequência à explicação (account) “tamo pegando as
proteção”. Observa-se que Aldo utiliza uma expressão engajadora “nós” como uma maneira de se referir a
ação representativa realizada pelos trabalhadores da Usina, comum em um contexto institucional (DREW
E HERITAGE, 1992). O account, objetiva ao falante evitar inferência negativa a seu respeito (POTTER,
1996 apud PASSUELO e OSTERMANN, 2007) e espera que o outro interagente concorde. Mesmo com a
concordância de Nilo ao account através “Tá”, logo se reorienta para sua dúvida inicial que é saber se a
Usina de Taí recebe tensão do Salto Azul. Aldo, então na linha 11 responde à questão de maneira “Tinha.
não. Tá desarmado o salto azul”, ou seja, inicialmente diz que tinha tensão, depois nega e depois faz uma
formulação para deixar claro que a Usina do Salto Azul está desarmada, ou seja, a usina foi desligada
automaticamente para fins de proteção e não manualmente (FARIA et al, 2002), conseguindo assim
esclarecer o sentido explícito do que foi dito.
A não manutenção dos equipamentos ligados gera problemas para a Instituição, pois uma parte
dos equipamentos é alugada. Assim, quando estão desligados trazem prejuízos financeiros à empresa.
Pode-se perceber isso na fala do entrevistado ED3:
[Falta de energia pros consumidores] continua sendo uma grande variável, mas
tem a outra que é manter os equipamentos ligados, porque os equipamentos da
[Instituição] são alugados e eles tem que permanecer ligados, se eles forem
desligados você perde dinheiro.
Assim, observa-se que nos ambientes HRO’s a complexidade não é subestimada (WEICK e
SUTCLIFFE, 2001). Neste excerto, observa-se que há uma busca emergencial pela compreensão dos
diversos aspectos do evento, em que Nilo não se contenta até não esclarecer sua dúvida. Aldo cria o
sentido (sensemaking) de que houve falha operacional (linha 5) “acho que o operador fez bobagem”, pois
sabem da importância como o trabalho é realizado (WEICK e SUTCLIFFE, 2001). Torna-se interessante
perceber que o sensemaking ocorreu através de uma formulação, que justamente esclarece o sentido
explícito do que foi dito (DREW, 2003) no momento da interação. Isso mostra a importância do
microprocesso interação, pois criar sentido é um processo individual e social (WEICK, 1995). Assim
72
também ações engajadoras como o uso de “nós” também representa este microprocesso, pois remete à
contingencia social presente no microprocesso do sensemaking de interação.
Percebe-se que o microprocesso da confiança denominado comportamento social também está
presente, pois Aldo procura manter sua integridade através da promoção do account, o qual objetiva evitar
inferências negativas a seu respeito, de modo que a sua construção de versão sobre a realidade pareça
sólida e não problemática (POTTER, 1996 apud PASSUELO e OSTERMANN, 2007). Assim, através da
utilização de accounts, o microprocesso comportamento social da confiança que é a busca pela integridade
para garantir a confiança do outro (LUHMANN, 1996).
Nas HRO’s, a aprendizagem mostra-se indispensável na prática diária, pois assim ficam mais
resistentes às interrupções (ROBERTS, 2005). É prática desta Instituição, realizar análises dos eventos,
reuniões, treinamentos, entre outros, conforme aparece na fala do entrevistado ED3:
Uma ocorrência no sistema pode interromper o consumo, pode derrubar uma
linha, ficar um tempo fora, tu perder dinheiro, ali uma análise dessa ocorrência
tu tem que ir lá na décima casa depois da vírgula, pra ver o que que gerou, o que
não funcionou bem, como tinha que ser e aí geramos recomendações. [...]
Também tem a reunião de análise de ocorrência que é uma reunião bimensal
onde tu analisas todos os fatos que deixaram alguma margenzinha de dúvida, tá.
E ali a gente gera uma recomendação, coloca lá no mapa, vai para o responsável
com prazo.
Diante deste ambiente complexo, a aprendizagem é possível em espaços sociais que justapõem a
ordem e a desordem em uma tensão saudável, as quais incluem momentos de humor, improvisação e
pequenas vitórias (WEICK e WESTLEY, 2004). Neste evento, observaram-se esses aspectos, e também
deliberações que indicam que houve aprendizado, tais como treinamento específico com os operadores
sobre o sincronismo, além dos reparos técnicos nos sistemas afetados e que se mostraram com defeito.
5. Framework teórico proposto
Este artigo teve o objetivo de compreender a interrelação produzida entre os microprocessos que
compõem o sensemaking (WEICK, 1995) e a construção da confiança (LUHMANN, 1996) presentes em
eventos inesperados. Diante do desenvolvimento da metodologia e análise do evento inesperado, propõese um framework teórico de entendimento para tais eventos. Ressalta-se que a característica do framework
teórico é a compreensão do problema complexo em questão, mesmo perdendo parte de sua capacidade
explicativa quando retirado do seu contexto.
O framework teórico proposto pode ser representado conforme a Figura 3.
73
Figura 3: Framework teórico proposto
Fonte: Dados desta pesquisa
Através dos resultados apresentados é possível concluir que existe interrelação entre os
microprocessos do sensemaking, aqui considerados como ambigüidade, experiência e interações e os
microprocessos da confiança, considerados como complexidade, familiaridade e comportamento social. A
interrelação entre os microprocessos também é verificada, pois diante de uma situação inesperada ocorre
ambigüidade que é o excesso de sentido de uma informação (WEICK, 1995), bem como aumento da
complexidade que é quando as possibilidades excedem a capacidade de resposta (LUHMANN, 1996).
Observe-se que ocorreram nas análises algumas situações que estavam mais situadas no entendimento dos
microprocessos do sensemaking, como quando a ambiguidade devia ser diminuída através da busca na
memória por experiências similares e culminava com as interações que frisava a mediação do contato
social. Outras situações foram mais bem compreendidas através dos microprocessos da confiança em que
iniciava-se com o aumento da complexidade e culminava com o comportamento social que apresentava
efeitos com implicações simbólicas para a confiança.
Observou-se que a metodologia da Análise da Conversa mostrou-se útil para o entendimento dos
microprocessos do sensemaking e da confiança, pois é uma abordagem que auxilia no entendimento da
ação dos envolvidos na conversação. Através disso, todas as ações ou inações dos interagentes são
registradas e analisadas. Como uma importante conclusão do trabalho observou-se que o microprocesso da
interação (sensemaking) foi produzida através de formulações. Na AC, as formulações procuram
esclarecer o sentido explícito do que foi dito (DREW, 2003), enquanto que no comportamento social a
estratégia interacional utilizada mostrou-se o account, ou seja, explicações que objetivam evitar
inferências negativas a respeito do interagente que a pronuncia (POTTER, 1996 apud PASSUELO e
OSTERMANN, 2007). Esses são exemplos de ações dos sujeitos inseridos em um processo relacional em
busca de solução para eventos inesperados. Sugere-se que esses aspectos podem ser aprofundados em
pesquisas posteriores.
74
Portanto, diante de eventos inesperados em contextos complexos, a análise das falas rápidas,
decisões que sobrepujam hierarquia, valorização de pequenos problemas como pistas desencadeadoras de
grandes conseqüências, formulações, accounts através da metodologia da AC mostrou-se produtiva para o
entendimento das HRO’s. E ainda, a estrutura do framework apresentada mostrou-se consistente para
subsidiar o entendimento da dinâmica dos eventos inesperados que culminam com aprendizagem em
ambientes de HRO’s.
Como limitação pode-se citar poucos excertos analisados, bem como a necessidade de maiores
pesquisas para validar o framework em outros contextos e eventos. Como recomendações gerenciais,
sugere-se que pequenas falhas operacionais não sejam relevadas na rotina organizacional, que a interação
entre as diversas pessoas que fazem parte da organização sejam valorizadas e que a aprendizagem com
pequenos eventos seja efetivada a fim de evitar maiores complicações. Sendo assim, beneficiar-se-ão deste
entendimento, organizações que fizerem de sua gestão o mais próximo das HRO’s e que leve em conta os
microprocessos do sensemaking e da confiança nas suas decisões para gerenciamento das crises que
conduzam ao aprendizado organizacional.
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Nota 1 - Convenções de transcrição das interações telefônicas gravadas
Fonte: Jung Lao e Osterman (2005, p. 88)
[
]
=
(0.0)
(.)
ABC
::
?
.
ºabcº
><
XXX
(( ))
indica o início de uma sobreposição de fala
indica o final de uma sobreposição de fala
indica que um turno é imediato ao próximo
indicam pausa maior do que três segundo
indica uma pausa menor do que três segundos
indica entonação enfática
indica alongamento do som precedente
indica elevação de entonação
indica uma entonação descendente
indica uma fala em tom de voz mais baixo
indica aceleração na velocidade da fala
indica incapacidade para ouvir o que era dito
indicam as descrições do áudio convencional
4. RECURSOS
Os recursos a serem utilizados para a consecução deste projeto de pesquisa consistem em
várias visitas às instituições para proposta, negociação e aceitação da realização da pesquisa.
Serão necessários recursos de suporte como gravador MP3, notebook, livros, material para
pesquisa além de investimento financeiro em transporte entre outros.
77
5. CRONOGRAMA
2010
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
Etapas
Realização
de
estudo
exploratório
Defesa do projeto de pesquisa
Revisão
da
literatura
e
adequação do projeto
Contato e negociação com as
instituições
Solicitação e liberação no
Conselho
de
Ética
da
instituição quando necessário
Realização das entrevistas
Realização das observações
Coleta de dados secundários
Coleta de conversas em áudio
Transcrição
do
material
coletado
Análise do material coletado
Análise final dos dados
Conclusão
Redação final
Revisão final e entrega
MA
MJ
JA
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√
2011
SO
2012
ND
JF
MA
MJ
JA
SO
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√
Notas:
1- Pretende-se realizar um aprofundamento teórico sobre o tema das decisões e sobre confiança
como complemento ao Referencial Teórico da tese.
2- Publicaram-se três artigos que versaram e/ou utilizaram a abordagem da Análise da Conversa:
BORGES, Maria L. e GONÇALO, Cláudio R. Aprendizagem através do sensemaking e da
confiança: um estudo em um ambiente de eventos inesperados In: 3rd Colloquium Latin and
European Meeting on Organization Studies (LAEMOS), Buenos Aires, 2010a.
BORGES, M.L.; GONÇALO, M.L. “Contribuições da Análise da Conversa aos estudos
organizacionais”In: VI ENEO- Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 2010, Florianópolis,
Anais VI Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 2010
BORGES, M. L. ; GONÇALO, C. R. Learning Process promoted by sensemaking and trust: a study
related to unexpected events Cadernos Ebape – FGV , no prelo (a ser publicado em 2010 Issue Special
LAEMOS – Classificação B1).
3- Publicou-se um artigo que versou sobre Storytelling
78
BORGES, Maria L. GONÇALO, Claudio R. Abordagem de Storytelling: Ferramenta para Identificação
de Estratégias Praticadas In: Anais do 3Es: Encontro de Estudos em Estratégia do ANPAD, Recife - PE,
2009
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