PEQUENOS ERROS PODEM TER GRANDES CONSEQÜÊNCIAS Calculadoras eletrônicas são precisas e nunca, nunca cometem um erro. Pelo menos, isto é o que gostaríamos de pensar. Entretanto, na verdade, tais erros ocorrem o tempo todo. A questão é que praticamente não notamos. Pegue, por exemplo, uma calculadora de bolso que tenha as teclas de “quadrado” e “raiz quadrada” e faça o seguinte: tecle o número 10, aperte a tecla de quadrado e, a seguir, a de raiz quadrada. Como esperado, o número 10 aparece no visor, pois a raiz quadrada do quadrado de 10 é, obviamente, 10. Até aqui, tudo certo. Agora tente: tecle o número 10, aperte a tecla raiz quadrada 25 vezes e, em seguida, a de quadrado 25 vezes. O resultado, como esperaríamos, deveria ser o número 10 novamente, mas o visor indica algo como o número 9,9923974. De modo geral, nenhuma atenção é dada a esta pequena divergência de 0,07%. É certo que, usualmente, podemos tolerar. Contudo, repita a experiência apertando as teclas de raiz quadrada e de quadrado 33 vezes. O número que resulta, 5,5732436 ou algo parecido, nem de longe lembra a resposta correta que, evidentemente, é 10. A razão deste fenômeno, que, de uma forma ou outra, ocorre infalivelmente em todas as calculadoras digitais, é o fato de que o número pode ter infinitas casas decimais. Um exemplo é a fração 1/3. Ao expressá-la em decimais, resulta um número infinito de dígitos após a vírgula decimal. Mas – e quero dizer um “mas” muito grande – calculadoras pode apenas armazenar uma quantidade finita de números. Como regra geral, os computadores truncam valores numéricos após 15 casas. Assim, erros muito pequenos existem entre os números verdadeiros e os valores indicados no visor. Em geral, toleramos essas imprecisões, pois não é difícil conduzir a vida diária com apenas dois ou três dígitos após a vírgula decimal. No entanto, há ocasiões quando erros de arredondamento podem levar a catástrofes. No dia 25 de fevereiro de 1991, durante a Guerra do Golfo Pérsico, uma bateria americana de mísseis Patriot, estacionada em Dharan, Arábia Saudita, falhou na interceptação de um míssil Scud iraquiano. O Scud atingiu um alojamento de soldados americanos, matando 28 deles. A causa deste trágico percalço foi uma imprecisa conversão do tempo, medido em décimos de segundo, aos valores binários armazenados no computador. Especificamente, o tempo decorrido era medido pelo relógio interno do sistema em décimos de segundo e armazenado em números binários. E o resultado deveria ser multiplicado por 10 para fornecer o tempo em segundos. Este cálculo foi feito usando 24 bits. Portanto, o valor 1/10, que tem expansão binária infinita, foi truncado após 24 bits, resultado em um erro minúsculo. Este erro de truncamento, quando multiplicado pelo grande número que corresponde ao tempo em décimos de segundo, levou ao que seria o erro fatal. Ao anoitecer do dia das eleições, 5 de abril de 1992, o Partido Verde do estado alemão de Schleswig-Holstein estava jubiloso. Por uma pequeníssima margem, o partido havia conseguido vencer a barreira de 5% dos votos para integrar o parlamento estadual. No entanto, a dura realidade veio logo após a meia-noite. Os resultados oficiais da eleição foram publicados e os Verdes descobriram, com grande desalento, que tinha, na verdade, recebido apenas 4,97% dos votos. O programa que calculara os resultados da eleição ao longo do dia listar apenas uma casa decimal após a vírgula, e a parcela de votos fora arredondado para 5,0%. Este programa específico havia sido utilizado por vários anos, mas ninguém pensou em desligar a opção de aproximação – para não dizer bug – naquele momento crucial. A consequência foi que os Verdes não conseguiram ocupar ao menos uma cadeira no parlamento. Em 4 de junho de 1996, o foguete não tripulado Ariane 5 foi lançado do cento espacial de Kourou, na Guiana Francesa, mas explodiu 40 segundo após o lançamento. O foguete havia se desviado da rota de vôo e teve de ser destruído pelo controle terrestre. Devido a um erro de software, o sistema de guiamento interpretou erroneamente um número arredondado. Em 1982, a bolsa de valores de Vancouver introduziu um novo índice e fixou o valor inicial em 1.000 pontos. Após menos de dois anos, o índice havia caído quase a metade, embora o valor médio das ações houvesse aumentado cerca de 10%. A discrepância era, novamente, devida a erros de arredondamento. Ao calcular o índice, as médias ponderadas dos preços das ações foram truncadas após um número demasiadamente pequeno de casas decimais. No entanto, em um caso particular, erros de arredondamento levaram a uma descoberta significativa. Um dia, na de década de 1960, Edward Lorenz, meteorologista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, estava ocupado observando simulações climáticas no computador. Dentro em pouco, achou que precisava de um descanso. Lorenz interrompeu o programa e anotou rapidamente os resultados intermediários. Após tomar um café, Lorenz retornou ao computador e deixou que as simulações seguissem seu curso normal. Para sua surpresa, o clima simulado no computador assumiu um estado completamente diferente do esperado, tendo por base simulações anteriores. Após meditar algum tempo sobre esse enigma, Lorenz percebeu o que havia acontecido. Antes de sair para tomar o café, havia anotados os números que via no monitor do computador. Estes números eram exibidos com três casas decimais. Entretanto, no computador, os números eram armazenados com oito casas decimais. Lorenz deu-se conta que o programa de computador esteve trabalhando com valores que tinham sido arredondados. Como as simulações climáticas envolvem diversas operações não lineares, não era surpresa alguma que divergências se acumulassem rapidamente. Expressões não lineares – ou seja, expressões como elevar ao quadrado ou tomar a raiz quadrada – têm a irritante característica de amplificar erros minúsculos muito rapidamente. A descoberta de Edward Lorenz estabeleceu a base para a chamada teoria do caos, que hoje é um conceito bem conhecido. Uma das consequências dessa teoria é o notório efeito borboleta. Basicamente, isto quer dizer que o movimento das asas de uma borboleta pode provocar um furacão do outro lado do mundo. Os minúsculos redemoinhos caudados no ar pelo bater das asas da borboleta podem representar não mais que uma mudança na trigésima casa decimal. Entretanto, não linearidades no clima podem aumentar minúsculos movimentos de ar bilhões de vezes e, assim, transformá-los em um furacão. Contudo, há um outro lado, menos sinistro, de olhar as coisas. Ao bater suas delicadas asas, uma borboleta poderia, pela mesma razão, evitar a ocorrência de um furacão. Modelos matemáticos que utilizam o reverso do efeito borboleta encontraram aplicações, por exemplo, em cardiologia. Pequenos choques elétricos, aplicados no momento exato, podem corrigir batimentos caóticos do coração e prevenir um ataque. Fonte: A vida secreta dos números: 50 deliciosas crônicas sobre como trabalham e pensam os matemáticos. George Szpiro. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008. (conto 24) pp 141-145