Correção cirúrgica das fissuras congênitas da asa nasal RELATO DE CASO Correção cirúrgica das fissuras congênitas da asa nasal Surgical correction for the congenital clefts of the nasal wing Alcir Tadeu Giglio1, Aristides Palhares2, Michel Pavelecine3, Silvio Hernandez4, Roberto Gabarra5, Adriano Yacubian6, Gabriele Miotto7, Felipe Rushel8, Gustavo Ducati9, Mateus Violin10, Roberto Chem11, Silvio Zanini12 RESUMO abstract Não há tratamento padronizado para a correção das fissuras congênitas da asa nasal, em decorrência de sua raridade. Assim sendo, os autores apresentam os resultados obtidos com a associação de duas técnicas descritas na literatura: para a cobertura cutânea uma zetaplastia com três retalhos; e para o forro nasal um retalho condro-mucoso do septo de Burget e Menick. As the congenital cleft of the nasal wing is not common, there is no standard treatment for this problem. The authors propos a solution for the correction of the congenital cleft of the nasal wing through the association or two techniques found in existent literature: for the skin cover, a zetaplasty with three flaps; and for the nasal lining, a chondromucuous flap of the nasal septum Descritores: Coloboma. Nariz/cirurgia. Nariz/anormalidades. Key words: Coloboma. Nose/surgery. Nose/abnormalities. 1. Cirurgião plástico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial (ABCCMF), e instrutor do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. 2. Cirurgião plástico da SBCP e SBCCMF, mestre e doutor em cirurgia plástica e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil. 3. Cirurgião plástico da SBCP, mestre em cirurgia plástica e instrutor do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. 4. Cirurgião plástico da SBCP. 5. Neurocirurgião, mestre e doutor em neurocirurgia e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil. 6. Neurocirurgião, doutor em neurocirurgia e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil. 7. Cirurgiã plástica da SBCP. 8. Cirurgião plástico da SBCP e instrutor do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. 9. Neurocirurgião, mestre em neurocirurgia 10. Neurocirurgião, mestre em neurocirurgia 11. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Porto Alegre (homenagem póstuma). 12. Cirurgião plástico, ex-chefe do Serviço de Cirurgia Craniofacial do HRAC/Bauru, Bauru, SP, Brasil. Correspondência: Alcir Tadeu Giglio Praça Maurício Cardoso, 170/302 – Porto Alegre, RS, Brasil – CEP 90570-010 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(4): 263-6 263 Giglio AT et al. INTRODUÇÃO Figura 1 - Caso 1. Embriologicamente, a asa nasal desenvolve-se a partir dos processos nasais lateral e medial em forma de ferradura. As fissuras paramedianas como as que atingem a asa nasal, classificadas por Tessier como 1 e 2, provavelmente ocorram por falta de migração mesodérmica, conforme teorias desenvolvidas por Pathen e Stark1, uma vez que não se localizam em zonas de fusão de processos faciais como ocorrem nas fissuras 0 (zero), decorrente da falta de fusão entre os processos nasais mediais entre si, e na 3 (três), por falta de fusão entre os processos nasal lateral e maxilar. Pela sua baixa incidência, as fissuras congênitas da asa nasal não possuem uma padronização terapêutica. Talvez por isso as técnicas disponíveis para o seu tratamento sejam escassas na literatura e, via de regra, voltadas para o tratamento de lesões nasais de outra natureza, como trauma ou tumores, devendo ser adaptadas à correção das malformações. Esse pode ter sido um dos fatores determinantes do insucesso no tratamento inicial nos dois primeiros casos apresentados nesse trabalho. Com o intuito de repará-los, adotamos a associação de duas técnicas descritas previamente: a primeira, para fechamento tegumentar, consiste numa zetaplastia modificada com três retalhos2,3; a segunda, preconizada por Burget e Menick4-7, tem por objetivo criar um forro e esqueleto para a falha da asa nasal, de maneira a evitar as retrações cicatriciais predisponentes às recidivas. O presente trabalho foi desenvolvido no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (até 2008), e no Hospital da Criança Santo Antonio da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. A B C D Caso 2 Paciente portadora de uma displasia fronto-nasal com hiperteleorbitismo acompanhada de fissura da asa nasal à esquerda, lateralmente ao domus, classificável como uma fissura 2 de Tessier (Figura 2A). Esta paciente também foi operada pelo autor no primeiro ano de vida, sem resultado satisfatório (Figura 2B), por razões semelhantes às do caso 1. Esta paciente, além da correção da fenda nasal pela proposição desse trabalho (Figura 2C), também foi operada do hiperteleorbitismo em Bauru, como último estágio do seu tratamento (Figura 2D). RELATO DOS CASOS Figura 2 - Caso 2. São apresentados três casos de portadores de solução de continuidade congênita da asa nasal esquerda, sendo que os dois primeiros já haviam sido operados pelo autor sem sucesso, e o terceiro não havia sofrido nenhuma intervenção prévia. Caso 1 Paciente que apresentava fissura mediana labial, com tubérculo, associada a uma fenda nasal paramediana esquerda lateralmente ao domus, que, de acordo com a classificação de Tessier, seria considerada uma fissura 2 (Figura 1A). Esta paciente sofreu uma primeira intervenção com um ano de idade pelo próprio autor, quando foram corrigidos o lábio e a asa nasal. A correção da fenda da asa nasal apresentou recidiva (Figura 1B) por provável insuficiência de retalhos, tanto para forro quanto para a cobertura cutânea, que veio a ser corrigida posteriormente pela proposição atual, com resultado classificado como superior à primeira tentativa (Figuras 1C e 1D). Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(4): 263-6 264 A B C D Correção cirúrgica das fissuras congênitas da asa nasal Caso 3 Paciente portador de fissura isolada da asa nasal esquerda que não foi submetido a cirurgias prévias (Figuras 3A e 3B). A proposição que fazemos para o tratamento das fendas da asa nasal consiste na associação de dois procedimentos distintos para a reparação da pele e do forro nasal na região da fissura. Figura 4 - Zetaplastia modificada A B C Cobertura cutânea Para a cobertura tegumentar, é utilizada uma zetaplastia modificada pela confecção de um terceiro retalho constituído pela asa nasal remanescente (Figura 4). Como as incisões dos retalhos são transfixantes, permitem ampla exposição do septo nasal ipsilateral, para a realização da etapa de reconstrução do forro nasal. Revestimento interno Burget e Menick4-7 descreveram o retalho para forro que tanto pode ser pericondriomucoso como condromucoso, sendo esta segunda opção a utilizada nos pacientes aqui apresentados, por entendermos que a cartilagem propicia melhor sustentação da asa nasal. O retalho para forro é desenhado no septo nasal (Figura 5), sendo pediculado na artéria septal, ramo da artéria labial superior. Possui um componente mucoso maior, que contém uma ilha de cartilagem central retangular de tamanho menor que a mucosa e que servirá de esqueleto para a asa nasal. Depois de dissecado e mantido preso apenas ao pedículo mucoso, o retalho composto é rodado para o sítio receptor, para formar o forro e o esqueleto da asa nasal. Uma vez realizada a confecção do forro, completa-se o procedimento pela transposição dos retalhos cutâneos previamente incisados para o seu sítio definitivo, conforme especificação dos esquemas e transoperatório. Todos os pacientes são instruídos ao uso do modelador nasal, com o intuito de preservar a abertura nasal de eventuais retrações cicatriciais secundárias às incisões. Em pacientes de pouca idade, este objetivo nem sempre é alcançado, o que nos remete à possibilidade da ocorrência de estreitamento da narina. Figura 5 - Retalho para forro. A B Figura 3 - Caso 3. DISCUSSÃO A A presente solução para o tratamento das fissuras congênitas da asa nasal nos pareceu eficaz, sobretudo se considerarmos que melhorou o aspecto nasal dos dois pacientes previamente operados e proporcionou uma solução sem recidiva para o caso 3, sem cirurgia prévia. Com relação à cobertura cutânea, os retalhos triangulares em Z, embora deixem cicatrizes visíveis, impedem as retrações secundárias tegumentares, o que proporciona um aspecto natural ao nariz. No entanto, a confecção do forro com excedente de B Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(4): 263-6 265 Giglio AT et al. mucosa, em relação ao esqueleto cartilaginoso e ao defeito, parece ser o elemento fundamental a evitar o surgimento de retrações secundárias, como o ocorrido na primeira intervenção dos casos 1 e 2. A técnica de Burget e Menick4-7 torna-se de execução relativamente fácil a partir das incisões cutâneas visando à confecção da zetaplastia, uma vez que o septo fica exposto. Em todos os casos operados, foi prescrito e usado o modelador nasal durante 6 meses, para se evitar o estreitamento da narina. Tal prática tem se revelado eficaz na manutenção da permeabilidade à corrente aérea. CONCLUSÕES A associação dessas duas técnicas para a correção da fissura da asa nasal demonstrou eficácia funcional e estética, pelo que entendemos ser esta proposta adequada e facilmente reprodutível por outros cirurgiões da especialidade. Os casos operados apresentaram significativa melhora com preservação do contorno da asa nasal, integridade do forro e sem retrações secundárias obstrutivas. As fossas nasais mantiveram-se permeáveis com o uso do modelador nasal. Limitações do procedimento • Presença de cicatrizes no dorso nasal; • Possibilidade de retração residual na junção do retalho C com a columela, sobretudo em casos secundários; • Necessidade do uso do modelador, por vezes desconfortável para o paciente. REFERÊNCIAS 1.Kawamoto H. Rare craniofacial clefts. In: McCarthy J, ed. Plastic surgery. v. 4. Philadelphia: Saunders Company;1990. p.2922-73. 2.Stricker M, Gérard H, Moret C, Vigneron J, Malet T, Stricker C. Les fentes faciales rares. Ann Chir Plast Esthet. 1997;42(5):401-41. 3.Barton Jr FE, Byrd HS. Acquired deformities of the nose. In: McCarthy J, ed. Plastic surgery. v. 3. Philadelphia: Saunders Company;1990. p.1938. 4.Burget GC, Menick FJ. Nasal support and lining: the marriage of beauty and blood supply. Plast Reconstr Surg. 1989;84(2):189-202. 5.Burget GC, Menick FJ. Nasal reconstruction: seeking a fourth dimension. Plast Reconstr Surg. 1986;78(2):145-57. 6.Burget GC, Menick FJ. The subunit principle in nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985;76(2):239-47. 7.Shewmake KB, Kawamoto Jr HK. Congenital clefts of the nose: principles of surgical management. Cleft Palate Craniofac J. 1992;29(6):531-9. Detalhes importantes • Nos casos em que a asa nasal remanescente é muito pequena (retalho C), o seu pequeno tamanho deverá ser compensado com um retalho A maior; • O retalho de mucosa para o forro deve ser maior que o defeito, para que não falte tecido decorrente da rotação dele para colocá-lo em posição de sutura; • O pericôndrio do lado oposto deverá ser respeitado para contribuir para uma possível regeneração da cartilagem septal doadora. Trabalho realizado no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru, Bauru, SP, e no Hospital da Criança Santo Antonio da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. Artigo recebido: 28/5/2010 Artigo aceito: 9/9/2010 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(4): 263-6 266