Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
O olhar do outro: alemães olham Porto Alegre dos séculos XVIII ao XXI
Júlio César Bittencourt Francisco1
Introdução
Como resultado do Projeto de Pesquisa docente do curso de Museologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o presente texto descreve as representações
de estrangeiros e visitantes, através de crônicas e entrevista de alemães sobre a cidade
de Porto Alegre. O título do trabalho ‘O olhar do outro’ refere-se justamente as
impressões dos estrangeiros, imigrantes, visitantes ou forasteiros que contribuem com
suas diversas visões para formação de uma imagem sobre a capital dos gaúchos.
A escolha pela nacionalidade teuta, como condutora de nossa pesquisa, diz
respeito a uma das mais numerosas etnias a impactar a memória da cidade, mas também
àquela que confere uma das identidades mais importantes de Porto Alegre.
A relevância da pesquisa para a área museológica é evidente na medida em que
museus trabalham não só com um ‘olhar’, mas também com memórias, interpretações,
imagens e pesquisas. Outro fator que, a nosso ver, merece destaque é o de utilizar a
história da cidade para costurar o fenômeno migratório germânico para o Brasil. Ao
misturar, cidade e imigração alemã, sintetizamos a gênese e a própria trajetória histórica
de Porto Alegre, sua imagem e cultura.
Partindo do princípio que a identidade se constrói a partir da alteridade, ou seja,
da percepção ou apreensão do olhar, ou ainda do discurso do outro, cabe procurar
compreender como são construídas as representações daqueles que vem de fora, sobre
Porto Alegre, e como se processa esse estranhamento por via de construções sociais e
também através de imagens e narrativas. Além das crônicas dos viajantes e escritores,
trabalhamos com obras de autores alemães dos séculos XIX e XX, e entrevistas
realizadas com estrangeiros residentes ou que visitam Porto Alegre neste terceiro
milênio.
A cidade e a memória como construção social
Fundada por colonos açorianos, depois, habitada por brasileiros de diversas
origens e regiões, a cidade recebeu muitos africanos e seus descendentes, mas também
1
Mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO/RJ, doutorando em História pela PUC/RS e
professor Assistente da UFRGS/FABICO.
1
Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
um grande número de imigrantes, principalmente portugueses, alemães, italianos e
poloneses ao longo do século XIX. O período coincide com a visita à cidade dos
primeiros viajantes europeus, que documentaram suas experiências em crônicas que
foram levadas a uma Europa curiosa por notícias de um país novo, longínquo e exótico,
até então fechado para o resto do mundo.
Na visão da historiadora Sandra Pesavento (2002, p. 9) “a cidade é o objeto de
múltiplos discursos e olhares, que não se hierarquizam, mas que se justapõem,
compõem ou se contradizem, sem, por isso, serem uns mais verdadeiros ou importantes
que os outros”. Nesse sentido, podemos perceber o olhar dos viajantes como ‘um outro
olhar’, conforme afirma Staudt,
Os viajantes europeus se diferenciam na maneira de perceber a cidade e o
espaço público. Uma dessas distinções poderia ser de ordem moral. Muitos dos
viajantes condicionados por valores provenientes da cultura europeia, os
viajantes, ao vivenciarem os usos e costumes da população da cidade, não
estavam isentos de um pré-julgamento. (STAUDT, 2007, p.18)
Ortiz (2000, p.22) ao observar a experiência de Benjamin em Paris diz que “a
viagem é sempre um deslocamento através de espaços descontínuos” e descrevendo o
viajante como um flâneur, aponta o “estranhamento como parte do próprio
deslocamento”. Miriam L. Moreira Leite ressaltou a vantagem do viajante enquanto
“observador alerta e privilegiado do grupo visitado” por ser alguém “de fora” e estar ali
“de passagem”, sem intenção de ser aceito pelo grupo e com o objetivo de relatar o que
conseguiu perceber a seus conterrâneos. Por outro lado, “o viajante traz a postura do
civilizado diante do povo atrasado reforçada por uma série de obstáculos linguísticos,
culturais e econômicos à compreensão do grupo visitado” (LEITE, 1997, p.10).
Mas afinal, qual o poder do olhar do outro? E quais são as suas consequências,
para o habitante do local e também para o outro? De acordo com Paul Ricoeur (2007, p.
89), a visão do outro, como fonte de infelicidade ou de perigo, pode construir o que
chamou de memória manipulada, que decorre, em última análise, distorções políticas e
ideológicas. O que estabelece a manipulação dessas memórias são, segundo Bourdier
(2008, p. 78), “as disputas que podem ser de gênero, étnicas e de habitus, entre outras,
uma vez que a memória deve ser compreendida como construção coletiva e social
marcada por desencontros, pela disparidade temporal e espacial”.
Os viajantes
2
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Em 1763, os castelhanos, comandados por Don Pedro Cevallos, governador de
Buenos Aires, invadiram o Rio Grande do Sul e tomaram a cidade de Rio Grande. Neste
ano, as populações portuguesas de Rio Grande e do norte da província migraram para a
região de Viamão e Porto dos Casais, engrossando ainda mais o contingente
demográfico desses pequenos aglomerados.
Em 18 de janeiro de 1773, um edital rebatizou a pequena povoação, que passou
a se chamar Madre de Deus de Porto Alegre. O então governador da província de São
Pedro do Rio Grande do Sul, José Marcelino de Figueiredo, ordenou a transferência da
Câmara Municipal de Viamão para Porto Alegre por questões estratégicas. Além da
visão privilegiada da navegação de quem chega pela Lagoa dos Patos, a cidade exercia
um controle mais eficaz sobre as rotas das embarcações nos diversos tributários do lago
Guaíba que levam ao interior.
Além de centro administrativo, Porto Alegre tornou-se uma área militar.
Paliçadas de madeira foram construídas em torno da cidade. Quando chegou a Porto
Alegre em 1775, Johann Heinrich Böhn (1708/1783) – militar alemão contratado pelo
exército português para supervisionar as tropas no Brasil, e cuja campanha vitoriosa
acabou por recuperar Rio Grande dos castelhanos – alertou para a falta de estrutura na
incipiente capital:
Eu expus à Junta a incapacidade dos comissários que ela vinha a nomear para
empregos da maior importância e as consequências prejudiciais que disso
resultaria, indubitavelmente, pedindo seriamente que remediasse o caso. A
resposta era que, todas as pessoas mais hábeis e existentes no continente, as
mais limpas e as mais inteligentes estavam escolhidas, e que era impossível
achar melhores súditos. (BOEHM apud NOAL FILHO, 2004 p.16).
De todo modo, a modesta capital prosperava e em 1804, a Coroa portuguesa lá
instalou a primeira alfândega do Rio Grande do Sul. O acanhado núcleo urbano foi
elevado à vila em 1808, a município em 1809 e a cidade em 1822. A abertura dos portos
brasileiros em 1808 abriu a possibilidade para que viajantes europeus de diversas
nacionalidades percorressem áreas até então dificilmente acessíveis.
O ano de 1824, apenas dois anos após a independência do Brasil, se materializa
um dos primeiros projetos bem articulados pelo Governo Imperial: o estabelecimento da
colônia de São Leopoldo2.
2
A Colônia São Leopoldo abrangia uma região que ia de Sapucaia do Sul até Caxias do Sul e de Taquara
até Montenegro (cidades do Rio Grande do Sul). Essa área era muito maior do que é atualmente o
município de São Leopoldo. O primeiro período da imigração ocorreu de 1824 a 1830, quando entraram
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Distante apenas algumas horas de barco de Porto Alegre, no Vale do rio Caí, os
primeiros alemães foram ali assentados. De acordo com Roche (1969 p.35) “A vocação
comercial foi percebida desde a fundação da colônia. Os colonos não podiam viver
senão vendendo os seus produtos, o que caracterizou as origens rurais do comércio
teuto-riograndense”.
Alemães em Porto Alegre
O Rio Grande do Sul recebeu entre as primeiras levas de imigrantes alemães3,
não só camponeses sem terra, depauperados pela situação econômica local, mas também
alguns homens de letras e intelectuais, além de artistas, artesões e militares mercenários.
Alguns haviam participado das guerras napoleônicas, enquanto outros foram atraídos
para a formação de batalhões Imperiais brasileiros para lutar na guerra cisplatina4 sob a
promessa de que, após as batalhas, fossem agraciados com terras onde se estabeleceriam
como proprietários. Nem todos os imigrantes eram de origem rural. Alguns,
profissionalmente capacitados na Alemanha e habituados à vida citadina, optaram, tão
logo quanto possível, por se estabelecer nas cidades e por exercer diversas profissões
(ROCHE, 1969; GANS, 2004).
Ao longo da primeira metade do século XIX a imigração alemã continua através
de uma política Imperial de povoamento do Sul do Brasil, até a Revolução Farroupilha,
(1835-1845) quando há um refluxo dos desembarques no Rio Grande do Sul por conta
da situação política. A participação dos colonos alemães neste conflito é descrito no
livro de Hilda Agnes Flores (2008) que informa que “entre os colonos alemães o maior
número se posicionou ao lado dos farroupilhas, com quem comungaram os ideais do
liberalismo europeu”, porém afirma que muitas lideranças “foram mortas ou deportadas
entre 1836-37 enfraquecendo a atuação farroupilha em São Leopoldo”.
Porto Alegre sofreu invasão e sítio dos rebeldes, e experimentou uma drástica
redução em suas atividades econômicas. Desta forma descreveu a cidade o imigrante
na colônia 4.856 pessoas, sendo que os primeiros 39 imigrantes alemães chegaram à Colônia de São
Leopoldo em 25 de Julho de 1824. Sobre esta empreitada participaram ativamente D.Pedro I através da
Imperatriz D. Leopoldina e o Major alemão George Anton Schaeffer que, a partir do escritório montado
em Hamburgo, agenciou a vinda de militares mercenários além de milhares de imigrantes alemães.
3
No caso dos imigrantes europeus de origem germânica, aportados no Brasil, a categoria “alemã” é
globalizante, pois reúne grupos diferentes de imigrantes, simplificados por características semelhantes
(WEBER, 2006).
4
Assim, foi criado dois Batalhões de Caçadores o 27º e o 28º que atuariam no Rio Grande do Sul na
Guerra Cisplatina 1825-28, ao final da qual seriam desmobilizados radicando-se e reforçando a colônia
alemã de São Leopoldo.
4
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alemão Johann Karl Dreher, em 1840: “A cidade de Porto Alegre, cercada por um
cinturão de valos de proteção (trincheiras) que, de trechos em trechos, eram protegidas
por canhões de defesa, apresentavam antes um aspecto de destruído do que de alegre”
(WEIMER, apud NOAL FILHO, 2004, p. 80). Ainda segundo a pesquisadora
(FLORES, 2008, p.87) “no início da revolta, muitos colonos buscaram proteção dentro
dos muros de Porto Alegre, mas com o deslocamento da guerra para campanha5 houve
um enorme progresso da colônia como maior produtora regional, entre 1842-1845,
quando a guerra dizimava rebanhos em outras regiões do Rio Grande”. Com o fim da
revolta, Porto Alegre se expandiu rapidamente para além dos muros e, em pouco tempo,
converteu-se no polo da região mais desenvolvida da Província, como destaca Paul
Singer.
O papel de Porto Alegre dentro dessa rede urbana sofreu profundas mutações,
pois, até aproximadamente 1860, a Capital desempenhava função econômica
secundária no Estado, o qual tinha então em Pelotas e Rio Grande — centros
diretamente ligados à produção e à comercialização do charque — seus polos
mais expressivos. A partir dessa época, no entanto, a capital assumiu,
paulatinamente, a condição de centro mais importante devido à sua condição de
porto fluvial, o que fazia com que se centralizasse o processo de
comercialização da produção das áreas coloniais. (SINGER, 1977, p. 125)
A segunda metade do século XIX trouxe a cidade milhares de imigrantes
alemães, muito deles contratados como militares pelo Império do Brasil na campanha
contra Rosas, como é o caso de Joseph Hörmeyer, (1824/1873), Carlos Von Koseritz
(1830/1890), Carlos Jansen (1829/1889) e Herrmann Wendroth6, (s/d-1860), que faziam
parte do grupo de jovens soldados alemães, de bom nível intelectual e que ficaram
conhecidos como os brummers (resmungões em alemão, ou criadores de casos –
tradução livre). Em 1858 o médico alemão Robert Avé-Lallemant (1812/1884) em
visita ao Rio Grande do Sul escreveu o seguinte sobre Porto Alegre;
(...) a reminiscência nórdica não se restringe apenas ao alto da cidade de Porto
Alegre, de onde se pode contemplar a grande distância. Desce também a parte
comercial. Ali em toda a parte se vê gente de raça loura perambulando. A cada
momento se vê um alemão transitando, a cada momento se vê um
nome
alemão sobre as portas das casas e se houve falar rude da língua do Holstein e
do dialeto pomerânio até o bávaro renano. Deve haver em Porto Alegre uns três
5
A região da campanha, no Rio Grande do Sul, compreende a parte sudoeste do estado, junto às
fronteiras onde é predominante o ecossistema do Pampa, formado por grandes pradarias e elevações
suaves denominadas de coxilhas.
6
Wendroth realizou uma verdadeira crônica pictórica da cidade e da Província. Infelizmente por falta de
espaço neste artigo deixamos de apresentar suas brilhantes telas sobre Porto Alegre.
5
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mil alemães ao passo que toda cidade não tem mais de 20.000 habitantes
(AVÉ-LALLEMANT apud NOAL FILHO, 2004, p.110).
O embaixador e naturalista suíço Joahann Jakob Von Tschudi (1818/1889), em
visita à cidade no ano de 1861, assim a descreve:
(...) na verdade a cidade não tem como muitas vezes é descrito, um caráter
predominantemente alemão, mas pelo menos o elemento germânico está
fortemente representado nos letreiros alemães sobre as abóbadas comerciais,
oficinas, bares e padarias etc. são tão frequente como as de brasileiros
(TSCHUDI apud NOAL FILHO, 2004, p.119).·.
Magda Gans (2004, p.13) informa que o “núcleo de alemães que se desenvolveu
em Porto Alegre não fazia parte de um projeto articulado do Governo Imperial
brasileiro, ele parece ter-se desenvolvido em discreta espontaneidade”.
De acordo com as pesquisas de Gans (2004), na segunda metade do século XIX, uma
razoável comunidade alemã7 em Porto Alegre já estava estabelecida com comércio, serviços
e pequenas indústrias e formavam a classe média da cidade juntamente com os
descendentes de portugueses. Além disso, conseguiram se organizar com eficácia,
estabelecendo igrejas, jornais, clubes, associações de auxílio mútuo, e mais para o fim
do século elegendo deputados na Corte8, onde lutavam pelos interesses da colônia. Tais
informações ficam evidente no relato de Amand Goegg, (1820/1897) ativista político
alemão, em visita a Porto Alegre no início da década de 1880.
Entretanto, quem mais contribuiu na Província do Rio Grande, durante trinta
anos, para o seu desenvolvimento cultural e sua tendência política liberal, como
também para sua influência preponderante no Império e, especialmente, para a
valorização da cultura alemã, é Karl Von Koseritz, de Dessau, culturalmente
talentoso e de alta formação científica. Ele escreve no diário mais influente em
língua portuguesa, ou seja, brasileira, A Gazeta de Porto Alegre, e no Deutsch
Zeitung, que sai duas vezes por semana e exerce grande influência sobre os
deputados e homens de Estado. (GOEGG, A. apud NOAL FILHO, 2004 p.174).
Roche (1969, p.155) nos diz que na virada do século XIX para o XX “as grandes
firmas fundadas por alemães, comerciantes rurais, prosperaram em Rio Grande e Porto
Alegre (...) eles estreitaram laços com a Alemanha”. Este é o caso das empresas
Bromberg e Cia, (Instituto Delfos PUC/RS) fundada por imigrante alemão que se
instalou em Porto Alegre em 1863 com empresa importadora e expandiu seus negócios
7
Segundo a autora a comunidade teuta da capital era formada primordialmente por imigrantes vindos
diretamente da Alemanha e, em menor número, descendentes de alemães reimigrados das colônias no
interior do Estado.
8
Antes de 1881, a legislação brasileira não dava direito de voto aos não católicos, contingente
significativo entre os imigrantes alemães. Com a Lei Saraiva, criou-se a possibilidade mais concreta de se
eleger uma bancada teuta para atuar na Assembleia Provincial.
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para o resto do país e Argentina, abrindo inclusive um escritório de compras em
Hamburgo. Wilhelm Vallentin, cronista alemão em visita a Porto Alegre na primeira
década do século XX confirma a presença e participação teuta na vida econômica da
cidade com o seguinte relato: “Porto Alegre ocupa lugar de destaque no comércio e na
indústria; justamente o elemento germânico, foi o quê, nesta área, assumiu a vanguarda
inquestionavelmente”. (NOAL FILHO, vl. 2, 2004 p.105). Da mesma forma, porém, um
tanto quanto exagerado, relata Karl Grube, ator e pianista alemão em visita a capital em
1910: “Porto Alegre é uma cidade de comercio progressista com aproximadamente 150
mil habitantes, aproximadamente. Uma boa parte de todos os moradores, se não mais,
são de descendência alemã” (NOAL FILHO, vl.2, 2004 p.144)
Com o advento da I Guerra Mundial, (1914-1918) muitas empresas importadoras
teuto-brasileiras, que concentravam seus negócios com a Alemanha declinaram ao
ponto de desaparecer, principalmente diante de uma Alemanha incapacitada de produzir
bens de consumo e de capital para exportação, mas também pela ação de parte da
população luso-brasileira, conforme o relato de Alfred Funke, professor e teólogo
alemão em visita a capital em 1917; “também a Sociedade Germânia foi ateado fogo
pela população enfurecida [...] a Bromberg e Cia foi igualmente incendiada e muito
mais chamuscada [...] apesar do Presidente do Estado ter mandado afixar; Respeite a
propriedade dos alemães!” (NOAL FILHO, vl.2, 2004 p.200). Heinrich Timple, alemão e
padre católico, em visita a capital em 1921 diz o seguinte: “o elemento alemão está
presente por cerca de 10 por cento da população, portanto, bastante presente, mesmo
após a guerra [...] casas comerciais de alemãs foram depredadas ou incendiadas,
determinando considerável azedume à vida dos pacatos comercantes.” (NOAL FILHO,
vl.2, 2004 p.175)
Entre os brasileiros cresce a desconfiança para com os alemães9 e seus
descendentes, principalmente depois que o governo central se colocou ao lado dos
aliados na Segunda Grande Guerra (1939-1945). Soma-se a isso uma política
nacionalista implementada pelo Estado Novo de Vargas (1937 – 1946) que proibia o
ensino e transmissões radiofônicas em idiomas estrangeiros no Brasil. Mesmo assim
9
Na virada do século XX em Porto Alegre, imigrantes e descendentes de alemães, neste trabalho
categorizados como ‘teutos ou alemães’ mesmo estando integrados a vida nacional e sem isolamento
geográfico, ainda mantinham, em larga escala, casamentos endogamicos, o que favoreceu um sentimento
de separação cultural entre teutos e luso-brasileiros. Segundo Gans (2004, p. 117) isso se dava por existir
ligação bastante atualizada da capital com a Alemanha e com a cultura alemã.
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Maria Kahle, cronista alemã em visita a Porto Alegre em 1936 escreveu o seguinte
relato em seu livro publicado na Alemanha no ano seguinte “o empenho cultural dos
alemães; em 1932 a grande Sociedade Ginástica Alemã festejou seus 40 anos de
existência, em 1931 o jornal Deutsche Volksblatt completou seus 60 anos [...] a
Comunidade Evangélica Alemã comemorou seus 75 anos [...].” (NOAL FILHO, vl.2,
2004 p.227)
Diante de uma Alemanha beligerante, num cenário de sistemáticos
afundamentos de naus brasileiras ao longo da costa, no início dos anos de 1940, a
opinião pública nacional se volta de vez contra tudo que é alemão. A Lei 4.166 de 1942,
em seu artigo 11 § 1º determina que “os bens das sociedades culturais e recreativas
formadas por alemães, japoneses e italianos, poderão ser utilizados no interesse público,
com autorização do Ministério da Justiça”. A execução da lei representou um duro
golpe na capacidade associativa teuta de Porto Alegre.
Considerações Finais
Porto Alegre nasce geograficamente isolada do centro político e administrativo
do país. A cidade cresce depois que todas as outras capitais importantes do Brasil já
estarem consolidadas, algumas com mais de duzentos anos de história, soma-se ainda os
dez anos de estagnação econômica por conta da Revolução Farroupilha no século XIX.
A capital recebe, durante o século XIX, cerca de 350 mil estrangeiros imigrantes.
(GERDAU, 2001, p.129) As mais importantes contribuições alemãs para Porto Alegre
foram o comércio e os serviços num primeiro momento, e a indústria posteriormente. O
sucesso desses empreendimentos serviu para consolidar a importância da cidade no
contexto regional e destacar a capital no cenário nacional, tornando a imigração alemã
sinônimo de ascensão social no Rio Grande do Sul. Além disso, a cidade, nos séculos,
XIX e XX atraiu uma elite de origem europeia, especialmente alemã, ainda que
rapidamente tenha se integrado a populações de origens diversas.
No decorrer do século XX as diferenças entre Porto Alegre e outras grandes
cidades brasileiras foram se escasseando no contexto da integração nacional, da
globalização, da especulação imobiliária e do poder do capital, representado pela
expansão do capitalismo, que, entre nós, também gerou desigualdades e pobreza. A
própria comunidade teuta foi se tornando mais integrada a sociedade local como um
todo, inclusive as uniões com pessoas de origens diversas foram se tornando comum
ente os teuto-brasileiros.
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
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Em 2013, movido pela curiosidade em estabelecer o que mais poderia chamar
atenção de um visitante alemão, diante do impacto da chegada a Porto Alegre, que
poderia ser considerada a ‘mais alemã das cidades brasileiras’ indagamos a uma
estudante, que chegou a capital em 2011, para realizar um curso na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, quais eram suas primeiras impressões sobre a
cidade; e eis aqui a sua resposta: “cidade de muitos edifícios altos e feios, até nos
arredores do mercado público há prédios abandonados, desrespeito pelo pedestre,
trânsito agressivo, custo de vida alto, muitos moradores de rua” (Entrevista em
21/05/2013 com Martina, Alemã de 37 anos natural de Kiel sobre Porto Alegre)
Invertendo a perspectiva do olhar, Porto Alegre, como uma ‘cidade alemã’, nada
tem de alemã, conforme a opinião da entrevistada. A cidade se parece com qualquer
outra capital brasileira que, sem planejamento urbano, entregue a especulação
imobiliária, suja, trânsito caótico e com muitos moradores de rua, foi muito mais
influenciada pela situação política e social do pais, do que pela presença alemã,
presença esta que procuramos demonstrar ao longo deste trabalho, tanto na atuação
comunitária, quanto nas instituições, empresas, associações e jornais de origem teuta na
cidade.
Diante disso podemos concluir apoiando as assertivas de Roche (1969) e Gans
(2008) nas seguintes questões: A ascensão social dos imigrantes teutos foi relativamente
lenta e difícil no interior. Em Porto Alegre os alemães possuidores de capital ou
representantes de marcas alemãs fundaram grandes casas de importação e (com o
suporte da colônia através de redes de apoio: remigração do interior e fluxo imigratório
constante) foram bem sucedidos sendo a sua ascensão social rápida e contínua,
evoluindo do comércio para indústria. Os caixeiros viajantes do interior investiram seus
lucros em indústrias estabelecidas na capital, principalmente em fábricas de fiação,
curtumes, fundições, usinas metalúrgicas, fabricas de sabão, vidros e manufaturas de
calçados entre outras.
A comunidade teuta de Porto Alegre contraria duas situações padrão apontada
pela historiografia. A primeira é a presunção de que somente o isolamento é capaz de
preservar características culturais de uma comunidade. A segunda é que a assimilação
se dá, forçosamente, por contato prolongado com a sociedade hospedeira. Em Porto
Alegre o convívio com luso-brasileiros é antigo e nunca houve isolamento, porém o
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
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fechamento cultural foi, de certo modo, forte e se deu através da prática religiosa, dos
jornais em língua alemã e das associações étnicas, pelo menos até metade do século XX.
A visão tradicional de grupo étnico dá ênfase a aspectos e traços culturais, mas
na visão de Frederick Barth, trata-se de uma construção e desconstrução contínua de
limites étnicos daquilo que ele chamou de ‘fronteira’ em relação a outros grupos. Não
devemos confundir, no entanto, etnicidade alemã, que é termo mais limitado com
cultura alemã, que é conceito mais abrangente. No caso dos descendentes de alemães
em Porto Alegre no início do século XXI, ainda observamos a existência de parte da
população etnicamente considerada teuto-brasileira. Assim, o conceito de etnicidade é
essencialmente uma forma de interação entre grupos culturais, operando dentro de um
contexto cultural comum.
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alemães olham Porto Alegre dos séculos XVIII ao XXI Júlio César