EFEITO DA FRITURA POR IMERSÃO NOS MINERAIS DO ACARAJÉ Sabrina Feitosa1*, Maria das Graças Andrade Korn2, Milena Santos Pinelli2, Ralf Greiner3, Deusdélia Teixeira de Almeida1 3 1 Escola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia, R. Araújo Pinho, n° 32, Canela, Salvador-Bahia, CEP: 40.110-150, Brasil (* [email protected]) 2 NQA-PRONEX — GPQA,Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, 40170-290 Max Rubner-Institut, Federal Research Institute of Nutrition and Food, Department of Food Technology and Bioprocess Engineering, Haid-und-Neu-Strasse 9, D-76131 Karlsruhe, Germany RESUMO O acarajé é patrimônio imaterial do Brasil, preparado com feijão caupi (Vigna unguiculata L.Walp), cebola ralada, sal e frito por imersão em óleo de palma bruto. O objetivo deste estudo foi quantificar os minerais do acarajé (AC) e sua massa crua (MC). Uma baiana de acarajé conduziu a fritura por imersão de acarajés durante 5 dias consecutivos (5 horas por dia), totalizando 25 horas de fritura. Potássio e fósforo foram os elementos mais abundantes naturalmente presentes no acarajé (545-719 mg/100 g e 210-375 mg/100 g, respectivamente), enquanto que o sódio apresentou os maiores teores (699-1.869 mg/100 g) devido à adição de sal à massa crua. A fritura ocasionou uma redução significativa (p ≤ 0,05) da maioria dos minerais. O acarajé representa fonte de K, P, Mg, Mn, Na, Mo, Cr, Cu, Fe e Zn. Palavras Chave: acarajé, fritura por imersão, minerais INTRODUÇÃO O acarajé é um ícone cultural e turístico da cidade de Salvador (Bahia, Brasil), comida de rua, vendido por mulheres tipicamente vestidas, chamadas baianas de acarajé (IPHAN, 2005). Esta iguaria é elaborada a partir de diversas variedades de feijão caupi (Vigna unguiculata L.Walp): fradinho, macassar, olho de pombo, costela de vaca, boca preta etc... (CURVELO, 2010). A receita do bolinho consiste de feijão macerado, descortiçado e moído. As massas assim obtidas são acrescidas de cebola ralada e sal, batidas e moldadas com uma colher de pau, em forma de bolinhos, sendo então submetidas à fritura por imersão em óleo de palma bruto (OPB), obtendo-se desta forma o acarajé (IPHAN, 2005). As características funcionais, sensoriais e nutricionais dos acarajés estão diretamente relacionadas à variedade de feijão e ao OPB. O feijão caupi apresenta-se como uma leguminosa de custo relativamente baixo, fonte de proteínas, vitaminas e alguns minerais como o cálcio, ferro, zinco (ALMEIDA et al., 2008; CARVALHO et al., 2012). No entanto, o seu valor nutricional é geralmente reduzido pelo conteúdo de antinutrientes, tais como fitatos, fibras, inibidores de tripsina, lectinas, taninos e polifenóis, que afetam a biodisponibilidade dos minerais (ALMEIDA et al., 2008; SANTOS et al., 2013). O objetivo do presente trabalho foi quantificar os minerais em amostras de acarajés em diferentes tempos de fritura assim como de suas respectivas massas cruas. Página 1 de 5 MATERIAL E MÉTODOS Experimento de fritura e coleta das amostras: foram reproduzidas o mais fielmente possível as condições em que são fritos os acarajés nas ruas de Salvador. Para tal, foi contratada uma baiana de acarajé que montou um tabuleiro típico dos pontos de venda de acarajés, utilizou seus próprios utensílios e técnicas empregados na fabricação e comercialização dessa iguaria. 5 kg de massa crua (MC) de acarajé (AC) foram adquiridos diariamente (dia 1, 2, 3, 4, 5) pela baiana, de um mesmo vendedor, na Feira de São Joaquim, em Salvador (BA): massa previamente moída; da variedade olho de pombo; armazenada sob refrigeração em panela de alumínio até o momento do preparo. Para o OPB, empregou-se como critério de escolha: ser industrializado e uma das marcas mais utilizadas na fritura de acarajés (CURVELO, 2010); sendo adquiridos 30 L integral (oleína e estearina) na mesma feira, acondicionados em dois latões de flandres de 15 L de capacidade cada. O processo de fritura ocorreu sempre a céu aberto. Adicionou-se a MC dentro de uma panela de alumínio, temperou-se com cebola ralada e sal. A seguir, bateu-se a massa com auxilio de uma colher de pau e, com este mesmo utensílio e uma outra colher de alumínio, moldou-se a massa em forma bolinhos (60–110 g cada). Realizou o aquecimento de 5 L de OPB, em um tacho esmaltado, por 12 minutos na presença de uma cebola inteira (ROGÉRIO, 2010), a qual foi reposta sempre que apresentava aspecto de queimada (3 cebolas/dia). Em seguida, 5 desses bolinhos de MC foram sucessivamente adicionadas ao OPB e fritos por imersão, durante aproximadamente 6 minutos. Um total de 110 AC/dia foi obtido – simulando a quantidade média comercializada em um dia nos pontos de vendas de acarajé (ROGÉRIO, 2010). O total de tempo de fritura por dia foi de 5 horas intermitentes, e o processo de fritura foi realizado em 5 dias consecutivos, da mesma forma descrita acima, totalizando 25 horas de experimento. Todos os dias de fritura começaram com 5 L de OPB no tacho. No dia 1, apenas óleo novo foi empregado e, nos dias subseqüentes, utilizou-se uma mistura do óleo restante do dia anterior (óleo usado) com óleo novo. Ocorreu a reposição diária de OPB (máximo 2 L/dia), sendo que nos dias 1 e 2 tal reposição foi apenas com OPB novo; nos dias subsequentes, este procedimento foi realizado com uma mistura aleatória de OPB novo com usado, de acordo com a prática da baiana. Em cada dia, 10 MCs (quantidades relativas aos bolinhos moldados para fritura) foram aleatoriamente coletadas antes do processo de fritura. As amostras de acarajés (10 AC) foram coletadas dos últimos lotes produzidos/dia. Para obtenção das amostras para análises, lotes de 10 (MC e AC separadamente) foram reunidos e aplicada a técnica de quarteamento, até obtenção de 50 g de cada lote (ABNT, 2004), e identificadas de acordo com o tempo de fritura de cada dia: MC 5h, AC 5h (dia 1); MC 10h, AC 10h (dia 2); MC 15h, AC 15h (dia 3); MC 20h, AC 20h (dia 4); MC 25h, AC 25h (dia 5). Tais amostras foram armazenadas em sacos tipo Ziploc a –80 ºC. Liofilizadas (Liofilizador LS 3000 D, Terroni Equipamentos Científicos Ltda., Brasil). Foram então trituradas em um processador de alimentos de aço inoxidável (Cuisinart moedor de café, modelo DCG-20) e armazenadas em frascos âmbar, à temperatura ambiente (25 ºC) para posterior análise. Quantificação dos minerais: as amostras foram digeridas em forno de micro-ondas (modelo Ethos EZ; Milestone, Sorisole, Itália). Utilizou-se para a determinação dos minerais (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Mo, Na, P e Zn) um espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES) com configuração axial (VISTA PRO, Varian, Mulgrave, Austrália). Espectrometria de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) (ThermoScientific, 2008) foi aplicado para a determinação de Al, As, Cd, Co, Cr, Ni e Se (SANTOS et al., 2013). Análise estatística: a análise dos dados foi realizada no software Statistica 6.0 (Statistica para Windows, 2006). As amostras foram analisadas em triplicatas, apresentando-se a média, desviopadrão e calculado desvio-padrão relativo. Foram aplicadas a Análise de Componentes Principais (PCA) e a Análise Hierárquica de Agrupamentos (HCA); teste de Mann Whitney para determinar as diferenças entre os grupos (p ≤ 0,05); e teste de correlação de Spearman. Página 2 de 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os elementos mais abundantes naturalmente presentes na massa crua (MC) e acarajé (AC) foram, respectivamente, potássio (K) (652-719 mg/100 g e 545-613 mg/100 g), fósforo (P) (225-375 mg/100 g e 210-354 mg/100 g) e magnésio (Mg) (115-155 mg/100 g e 106-126 mg/100 g), sendo que o sódio (Na) apresentou os teores mais elevados (699-1.870 mg/100 g e 704-1.517 mg/100 g) em função da adição de sal a MC. Os minerais da MC apresentaram diferenças consideráveis entre si, especialmente na amostra MC 5h (Figura 1). Isso pode ser explicado pelo emprego de diferentes métodos de preparo, com variações no tempo e temperatura de maceração dos grãos, além de mistura com outras variedades de feijão (ROGÉRIO, 2010), assim como com outras leguminosas (ONWULIRI & OBU, 2002). No geral, a fritura por imersão culminou em uma redução significante (p ≤ 0,05) da maioria dos minerais estudados, especialmente Ca, K, Mg, P, Zn, Mo e Mn. Além disso, foi observada uma redução significante (p ≤ 0,05) nos teores de Fe dos AC 10, 15 e 25h em relação às suas correspondentes MCs, como também no Cu, exceto para AC 20h. Minerais são estáveis ao calor e não são destruídos durante a fritura. Entretanto, de acordo com Vaquero (1998), o processo de cozimento, especialmente a fritura, pode resultar em lixiviação dos minerais no meio de fritura. Além disso, alimentos com elevado teor de água e baixo em gordura são mais suscetíveis a perda de minerais, como é o caso da massa crua de acarajé na fritura por imersão, o que provavelmente levou à variação na composição mineral dos acarajés. Portanto, o processo de fritura por imersão levou a uma mudança na composição mineral do acarajé em relação à sua massa crua, exceto para amostra do tempo 20h, que já iniciou com um teor mineral bem mais elevado que as amostras dos demais tempos de fritura. De modo que, pela análise de componentes principais (PCA) cujas 1ª e 2ª componentes principais (respectivamente PC1 e PC2) explicam mais de 70 % da variabilidade dos dados, formou-se 4 grupos distintos: MC 5h; AC 5h; MC 10, 15, 20, 25h e AC 20h; AC 10, 15 e 25h (Figura 1b). Um acarajé médio (80 g) contém até 80,9 % de Na, 10,4 % de K, 40,4 % de P e 31,5 % de Mg da recomendação da ingestão diária para tais elementos (DRIs, 1997, 2005), e quase 30 % da recomendação de Fe e Cu (DRIs, 2001) para adultos. Além disso, ainda em relação às DRIs, um acarajé médio fornece mais de 100 % das recomendações diárias de Cr e Mo (DRIs, 2001) – sem ultrapassar o limite tolerável – como também, pode fornecer mais de 50 % do Fe e Mn (Tabela 1). Vale ressaltar também os níveis relativamente altos de alumínio (Al) encontrados neste estudo: de 26 a 66 μg/g na MC e de 23 a 63 μg/g no AC. Entretanto, a interação ente o alumínio de utensílios domésticos e os alimentos é relatada desde os anos 50, e a variação nos teores desse elemento também pode ser explicada pela adição de água de maceração, emprego de processadores de alumínio na moagem dos grãos, além do uso de colher e panela de alumínio desde aquisição até batimento da massa de acarajé (MOHAMMAD, AL ZUBAIDY, BASSIONI, 2011). Tabela 1. Contribuição (%) do acarajé (alimento frito a base de feijão caupi) para as Referências Diárias de Ingestão (Dietary Reference Intakes - DRIs) de minerais para adultos. Mineral do Quantidade b DRIs c acarajéa Homem Mulher Macroelementos (mg/100g) Ca 25 – 39 1.000 K 545 – 613 4.700 Mg 107 – 126 420 320 704 – 1.517 1.500 Na P 210 – 354 700 % DRIs d Homem Mulher 2,0 – 3,12 % 9,3 – 10,4 % 20,4 – 24,0 % 26,8 – 3,5 % 37,5 – 80,9 % 24,0 – 40,4 % Página 3 de 5 Cu Cr Fe Mn Mo Se Zn Micro, traço e ultra-traço elementos (µg/g) 1,8 – 3,2 900 16,0 – 28,4 % 1,0 – 1,9 35 25 228,6 – 434,3 % 320,0 – 608,0 % 38,3 – 50,6 8.000 18.000 39,3 – 50,6 % 17,0 – 22,5 % 10,7 – 14,8 2.300 1.800 37,2 – 51,5 % 47,6 – 64,8 % 0,8 – 1,5 45 142,2 – 266,7 % 0,0 – 0,1 55 14,5 % 23,8 – 29,8 11.000 8.000 17,3 – 21,7 % 23,8 – 29,8 % a: um (01) acarajé médio (80 g); b: mínimo – máximo; c: DRIs (1997, 2000, 2001, 2005, 2011), requerimentos para adultos entre 19 e 50 anos de idade; d: porcentagem alcançada das DRIs com um acarajé médio (80 g). Figura 1. Loadings (a) e scores (b) (PC1 x PC2) das amostras de acarajés (AC) e suas massas cruas (MC) da fritura por imersão (de 5h a 25h). CONCLUSÃO A partir desse estudo, foi possível observar que o processo de fritura modifica a composição mineral da massa crua do acarajé, reduzindo a maioria dos elementos e, ainda assim, esta iguaria é um alimento rico em minerais e que pode suprir parcialmente as necessidades diárias de potássio, fósforo, magnésio, sódio, molibdênio, cromo, manganês, cobre, ferro e zinco. PERSPECTIVAS O acarajé é um alimento que faz parte da dieta da população de Salvador, acessível àqueles economicamente desprivilegiados e que, muitas vezes, o consome como refeição principal. Os dados obtidos a partir deste estudo demonstraram que o acarajé, pode atender parcialmente as recomendações dietéticas de potássio, fósforo, magnésio e manganês desta população, sendo importante conhecer a composição de acarajés elaborados com outras variedades de feijão caupi. Página 4 de 5 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. 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