A NARRATIVA HISTÓRICA NO PERIÓDICO ARCÁDIA
Luiz Henrique Torres (FURG)
A imprensa literária no Rio Grande do Sul tem início com o periódico O Guaíba,
lançado em Porto Alegre a 3 de agosto de 1856, perdurando, com interrupções, até 26 de
dezembro de 1858. Com o desaparecimento da Revista O Guaíba, um periódico voltado a
divulgação literária apareceu em 1867 na cidade do Rio Grande: Arcádia, jornal ilustrado,
literário, histórico, biográfico. Segundo Baumgarten, a disseminação de jornais literários e
a atuação do Partenon Literário, que teve como precursores O Guaíba e Arcádia, foram
responsáveis “pela maior uniformidade de pensamento no encarar o fato literário”. A
atividade literária que se fazia no Rio Grande do Sul, “embora estivesse enquadrada dentro
dos moldes estritamente românticos, determinou um novo posicionamento frente ao fato
literário, qual seja, o do aproveitamento do elemento regional, aspecto que possui alta
significação no desenvolvimento da literatura rio-grandense” (BAUMGARTEN, 1982: 87).
Com o surgimento do Partenon Literário (1868-1880), Porto Alegre passa a centralizar o
debate literário em toda a Província. Partenon Literário extrapolou a produção poética
voltada exclusivamente a temática lírica ou regional, manifestando seu ideário político, de
caráter liberal e até republicano, através de críticas a escravidão e apoio ao abolicionismo
(BAUMGARTN, 1977: 70). A glorificação histórica dos farroupilhas está ligada a rebeldia
contra o centralismo monárquico. O estabelecimento de vertentes temáticas regionais
desenvolvidas pelos sócios, exigirá que “às gerações subseqüentes, representadas por
parnasianos e simbolistas”, se posicionassem “perante este passado, aprofundando a
vertente lírica e explorando aqueles recantos da interioridade deixados intocados pelos
românticos locais” (ZILBERMAN, 1980: 17).
Os constantes conflitos de fronteira contra os espanhóis e missioneiros, dotaram de
certo perfil militar a população rio-grandense ao longo dos séculos XVIII e XIX. Entre a
segunda metade da década de 1840 e o final da década de 1860, o jornalismo da cidade do
Rio Grande sofreu transformações e aprimoramentos, superando a publicação de periódicos
necessariamente voltados à defesa político-partidária. Com crescimento do número de
jornais, aparecem grandes jornais diários que buscavam um caráter noticioso e informativo;
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os pasquins, numa linguagem informativa e com enfoque pessoal; e a imprensa voltada à
divulgação da literatura.
Conforme Baumgarten, o primeiro periódico importante para a história da crítica
literária rio-grandense é a Arcádia, pois congregou junto de si os primeiros críticos
literários. Entre os colaboradores estão Apolinário Porto Alegre, Bernardo Taveira Júnior,
Aquiles e Apeles Porto Alegre, Glodomiro Paredes e outros. O português Antônio Joaquim
Dias foi o proprietário, responsável pelo lançamento de quatro séries, sendo as três
primeiras publicadas em Rio Grande e a última em Pelotas. “Apesar da denominação, a
Arcádia foi um dos primeiros veículos a se empenhar na divulgação do ideário romântico,
então em fase de afirmação no Rio Grande do Sul” (BAUMGARTEN, 1977:66).
A publicação, lançada às segundas-feiras, estava voltada a difusão de textos
literários, especialmente autores rio-grandenses; ensaios de história e artigos de crítica
literária; levantamentos biográficos de vultos da história pátria e do Rio Grande do Sul,
com destaque ao espírito de liderança e o sentido de honra e dever de personagens
privilegiados. A definição de temáticas, a busca de uma identidade regional frente ao
nacional, o posicionamento anti-escravista e sensibilizador do sofrimento promovido pela
escravidão, o conflito liberal/ conservador/centralizador, já permeia algumas preocupações
sobre o futuro da Província e as alternativas de desenvolvimento para a cidade do Rio
Grande. Porém, alternativas com enfoque nas especificidades da Província e a autonomia
do regional frente ao nacional, tema tratado pela historiografia republicana a partir de 1882,
não assumem este sentido no periódico. Entretanto, a reflexão da identidade regional
começa a constituir uma busca intelectual.
Fomentando a expressão literária e reflexões sobre a identidade rio-grandense, a
contribuição da Arcádia representa um importante caminho desta construção de um
procedimento intelectual para explicar a realidade. Constata-se que os modelos buscados
para a criação intelectual, transferem ao território sulino os parâmetros estéticos derivados
do Romantismo e que servem de orientação para o desenvolvimento da literatura brasileira.
O encaminhamento é idêntico ao realizado por críticos do Rio de Janeiro e São Paulo e
as matérias dos escritores locais revelam que a intenção da Província “é de se ajustar a
essas teses, introduzindo o Rio Grande no debate sobre as questões relativas à natureza da
literatura nacional” (MOREIRA, 1991: 155).
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Para Eunice Moreira, esta geração de críticos rio-grandenses, conheceram
tardiamente as bases do movimento romântico, tratando de encampá-las e adotá-las como
estímulo ao aparecimento da literatura nativa. Desta forma pode-se reconhecer que a
expressão desta imprensa literária no Rio Grande do Sul nasce “sob o signo da estética
romântica, procurando os críticos locais salientar os recursos próprios da região para
obtenção da autonomia artística e, portanto, da originalidade literária brasileira”
(MOREIRA, 1991: 155). Os estudos encaminhados na Arcádia, terão continuidade nos
escritos dos representantes da geração do Partenon Literário, até 1880. Mesmo com o
esgotamento do romantismo de cunho liberal, essa primeira geração, deixará na tendência
as temáticas regionalistas “um leito comum à literatura gaúcha” (CESAR, 1971: 19) que
sobreviveu ao longo das décadas.
O ESPAÇO DA HISTÓRIA
No século XIX, as concepções historiográficas passaram por mudanças
fundamentais. Esse século tornou-se conhecido como o “Século da História”. As correntes
historiográficas do século XIX convergem no aspecto de recuperar o conceito de história
em seu sentido original grego. A história deixa de ser considerada como uma crônica
baseada nos testemunhos legados pelas gerações anteriores e passam a entendê-la como
investigação (MARTINS, 2010: 10-11). Foi na segunda metade do século XIX que se
travou o debate sobre a arte de escrever história com encanto literário do estilo e os padrões
de controle metódico requeridos pelo paradigma experimental das ciências naturais,
dominantes na concepção mesma de conhecimento científico (MARTINS, 2010: 13). Na
direção cientificista, vai se destacar a concepção positivista fundada na filosofia do fato
histórico, fatos estabelecidos mediante os documentos, indutivista, com narração fundada
no trabalho metódico das fontes, daí ser mais apropriado ser referida como uma „escola
metódica‟. (MARTINS, 2010, 12).
A historiografia brasileira no século
XIX teve na fundação do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro em 1838, o nascimento da organização sistemática da preservação da
memória histórica no Brasil (ARRUDA, 1999: 33). O grande clássico da História do Brasil
neste século fora escrito por Adolfo de Varnhagen e finalizado até o ano de 1857. O livro se
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reveste de um modelo de erudição tendo por inspiração os objetivos do IHGB de
construção de uma história da nação brasileira, a partir de um exaustivo estudo de fontes
documentais.
A historiografia no Rio Grande do Sul até a década de 1870 é muito rarefeita em
obras. A partir da década seguinte, o número de estudos amplia-se estando ligado a uma
historiografia republicana com ênfase no regional. O nascimento da historiografia do Rio
Grande do Sul está relacionado ao estudo de José Feliciano Fernandes Pinheiro os Anais da
Capitania do Rio Grande de São Pedro (1819), com forte ênfase na história política e
factual (TORRES, 2004). Fora esta obra, poucos trabalhos se dedicaram à história da
capitania/província sendo utilizado os relatos de cronistas estrangeiros como fonte
historiográfica (TORRES, 2011). Para os que na Arcádia tentaram enveredar a escrever a
história, poucas leituras disponíveis havia como os livros de Antônio Câmara Ensaios
Estatísticos da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1851) e de Antônio Camargo
Quadro Estatístico e Geográfico da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1868)
os quais mantêm-se fiéis aos princípios monarquistas e bragantinos do Império.
A Arcádia surge em Rio Grande num momento de crise econômica advinda da
Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). O Império do Brasil nas décadas de 1850-60, estava
em crise financeira. Os gastos militares representavam a metade das despesas imperiais e,
durante a Guerra do Paraguai, aumentou para cerca de três quintos do orçamento (PINTO,
2006: 97-121). Em Rio Grande, inclusive homens que trabalhavam no comércio eram
convocados para a guerra. A cidade, na década de 1860, já se consolidaria como uma praça
econômica essencial para a Província. A presença do porto marítimo fez surgiu um
significativo comércio de exportação e importação e elites ligadas ao capitalismo comercial
com conexões nos portos de Hamburgo, Liverpool, Lisboa, Boston etc, buscavam
aformoseamentos urbanos em sintonia com os padrões estéticos e de consumo vigentes na
Europa. Mesmo que o fluxo de exportação esteja ligado principalmente aos derivados da
pecuária, atividade tradicional do Rio Grande do Sul luso-brasileiro, a elite da cidade,
através das importações, mantém-se em sintonia com o consumo europeu de bens
culturais e mercadorias. Daí a Arcádia surgir um ano antes do Partenon Literário em Porto
Alegre, e ser ela, a Arcádia, a saudar com alegria o surgimento de um parceiro que teria sua
primeira publicação no ano de 1869.
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Algumas temáticas presentes na Arcádia, permite pensar o ideário que ela busca
divulgar. A forte presença do pensamento liberal e a aversão à tirania é uma das
convergências principais em vários artigos que contrapõem liberdade e escravidão.
Inclusive com condenações (mesmo que sutis) ao próprio sistema escravista como na
poesia “O Escravo” de Fernando Ozório: “E que Deus odeia a escravidão! Entre nós deve
haver toda a igualdade. Em cada coração, por entre as carnes. Escrito deve estar –
Fraternidade!” (OZÓRIO, 1868: 62). Em matéria não assinada de 1869, afirma-se que “o
elemento servil é um mal; problema definido por si mesmo, porque é o fruto da opressão do
forte sobre o fraco” (ARCÁDIA, 1869: 233).
A definição de Literatura utilizada no periódico é relevante pela sua amplidão de
ilustração e propagação do conhecimento humano produzido em sociedade.
A literatura é o primeiro elemento da civilização dos povos. Necessária e
útil, é sobre suas bases que sustentam-se os monumentais edifícios do
progresso e da riqueza, ao tempo que torna-se o mais sublime ornamento
de uma sociedade. É por ela que as gerações transmitem aos pósteros seus
efeitos e glórias; é ela que ilustra as nações, e sem a sua propagação o
conhecimento humano seria um mito. Que nos põe em contato com a
história dos tempos heróicos, e faz saber os costumes e caráter dos povos
sepultados no pó? O mundo em seu primitivo estado, os impérios e reinos
decaídos, as vitórias e conquistas das antigas nações, tantas maravilhas,
homens ilustres, tudo, enfim, seria por nós ignorado se a literatura não nos
fizesse tradicionalmente reconhecer que existiram (DIAS, 1868: 5).
Quando da instalação em Rio Grande (4 de abril de 1869) do Grêmio Literário RioGrandense, o primeiro secretario, José Vicente Thibaut, proferiu um discurso sobre o papel
da literatura. Para ele, historicamente, literatura é o conjunto dos monumentos do
pensamento humano, manifestados pela palavra escrita. Um história completa da literatura,
deveria, pois, abranger a poesia, a eloqüência, a filosofia, a política, a história natural, a
retórica, a crítica, o romance, o gênero epistolar, a lingüística e em geral as ciências, pois,
para se manifestarem, todos os gêneros, todas essas ciências precisam tomar uma forma
mais ou menos literária (THIBAUT, 1869:195). Para o articulista, a Literatura é o
objeto principal e o fundamento dos estudos, pois as letras falam ao coração e a razão,
formando o homem inteiro. Constata-se que a Literatura é apresentada como um “grande
guarda-chuva” a ser usado por todos os gêneros científicos para poder tomar forma
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discursiva. Cabe questionar se neste período da década de 1860, a história já não estará
relativamente emancipada da literatura pelos debates promovidos pela historiografia
historicista e positivista? A Arcádia não estará defasada em sua visão literária com a
“estrada real da inteligência humana” sem levar em consideração a especificidade das áreas
do conhecimento?
Chama atenção à presença de um considerável espaço para publicações voltadas a
História no periódico. Entre outras abordagens podem ser destacados estes estudos com
ênfase histórica: Apontamentos para a História da Revolução da Província do Rio Grande
do Sul (1835-45) por Spartacus; Apontamentos históricos, topográfico e descritivos da
cidade do Rio Grande por Carlos Eugênio Fontana; A Guerra do Paraguai por Tibullo;
Utilidade da História por A.L. Ulrich; Parecer sobre a tese histórica A Vinda dos jesuítas ao
Brasil foi benéfica ou perniciosa por Achylles Porto Alegre (artigo anti-jesuítico e polêmico
sobre a teocracia da Companhia de Jesus); etc.
As temáticas desenvolvidas apontam de forma indireta para a inserção dos escritos
em posições engajadas a certa visão de mundo, e onde o documento, quando aparece, é
usado para comprovar determinada interpretação. É o caso da série de escritos chamado
“Apontamentos para a História da Revolução da Província do Rio Grande do Sul (183545)”, onde a interpretação liberal induz a escrita, fazendo com que a História seja um
instrumento educativo para promover o conhecimento das expressões históricas de uma
vertente de ação política: o liberalismo na Revolução Farroupilha. O pseudônimo de quem
assina a matéria é “Spartacus”, que lembra a luta na antiguidade escravista romana pelo
reconhecimento da condição humana e a ferrenha repressão e tirania dos escravistas. A “pá
de cal” colocada pelo Império ao final da Revolução Farroupilha, tornando o tema um
assunto a ser evitado, teve através de escritos literários a retomada das interpretações do
conflito e do ideário liberal radical/moderado. Este processo de retomada do ideário e
valorização de personagens do decênio farroupilha, chegou ao ápice com a organização dos
Clubes Republicanos a partir de 1882, tendo por patrono Bento Gonçalves da Silva. A
Arcádia,
precocemente,
já
tocava
a
temática do resgate farroupilha. Conforme
“Spartacus”, que considera ser o primeiro a usar o termo revolução e não rebelião (termo
oficial do Império), a revolução é um direito do povo. Quer política, quer cientificamente
falando, as revoluções representam um direito natural e as mais das vezes – necessário
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(ARCÁDIA, 1867, 9). O autor usou documentos do período, fazendo transcrições literais e
induzindo o leitor as conclusões pró-liberais, além de fazer uma seleção de documentos que
comprovassem a sua visão de que os rio-grandenses lutaram contra o despotismo para
defender a sua liberdade.
Carlos Eugênio Fontana (autor do romance O Homem Maldito publicado em Rio
Grande em 1858), assinou uma série de artigos sobre Rio Grande. Estamos diante da
primeira tentativa de escrever uma história da cidade do Rio Grande. Fontana constatou que
entre os livros destinados ao ensino, não encontrou nenhum que tratasse da história local,
animando-se em “confeccionar este imperfeito compêndio de apontamentos, para suprir em
parte aquela falta”. (FONTANA, 1867). Ele reconheceu a “inabilidade para tão importante
trabalho, que requer habilitações que não possuo”, mas decidiu ser “útil a mocidade
estudiosa”. Fez leituras da coleção de Angelis e das viagens de Felix de Azara, entre outros.
O resultado foi uma descrição que teve início em 1737, comentando alguns aspectos
ligados a política e sociedade local. Fontana não foi árido em sua narrativa (como era
comum nos estudos historiográficos cientificistas do período que enfatizavam a narrativa
factual e cronológica), emitindo juízos de valor e comentando sobre dificuldades e sucessos
na constituição da sociabilidade em Rio Grande. Um exemplo está nesta passagem: “Esta
província pode contar-se como uma das mais felizes do Império, pois não teve por
povoadores gente tirada do Limoeiro e outras cadeias de Portugal, como aconteceu a
algumas” (FONTANA, 1867: 42).
Os artigos dedicados a “Guerra do Paraguai”, relatam a vitoriosa campanha
brasileira que soma glórias e heroísmo contra os assassinos paraguaios liderados por um
tirano. Não há distanciamento temporal e emocional dos acontecimentos, que são narrados
de forma engajada no esforço da Tríplice Aliança em vencer Solano Lopes. O autor assina
como “Tibullo”, um pseudônimo que permite o anonimato do autor no caso de uma
reviravolta no conflito? O mesmo pode ter coerência no pseudônimo “Spartacus”, pois o
assunto Revolução Farroupilha apresenta brasas ainda não adormecidas e os conservadores
ainda se fazem presente.
Segundo “Tibullo”, a escravidão de um povo não pode ser eterna. “O primeiro erro
de um tirano em política internacional é sempre a causa de sua queda; Rosas foi um
exemplo, além de outros, para a humanidade; Francisco Solano Lopes também o será
153
brevemente” (TIBULLO, 1868: 100). Para ele, a guerra de libertação do Paraguai é uma
“missão sublime” que derrubará a árvore do despotismo que afronta a civilização do mundo
americano que respira liberdade. O brasileiro então dirá ao guarani: “irmão nosso pelo solo,
não somos vosso inimigo; viemos somente libertar-vos do jugo que vos oprime; levantaivos ; arrancai a venda que vos cobre os olhos e no regaço da paz gozai de hoje em diante
conosco os foros de povo livre” (TIBULLO, 1868: 102).
Um artigo escrito por Artur de Lara Ulrich, Utilidade da História (ULRICH, 1867:
104-106), é elucidativo em relação ao engajamento e o papel moral da narrativa histórica:
Não é sem razão que a história tem sempre sido olhada como a luz dos
tempos, a depositária dos acontecimentos, a testemunha fiel da verdade, a
fonte dos bons conselhos e da prudência, a regra da conduta dos costumes
(...). Pode-se dizer que a história é a escola comum do gênero humano,
igualmente aberta e útil aos grandes e aos pequenos, aos príncipes e aos
súditos, e ainda mais necessário aos grandes e aos príncipes do que a
todos os outros (ULRICH, 1867: 104).
Para Ulrich, o estudo da história nos faz ajuizar sobre os grandes homens da
antiguidade. Assim a história, quando bem ensinada, “torna-se uma escola de moral para
todos os homens”.
Ela descreve os vícios, desmascara as falsas virtudes, desengana os
prejudicados, e dissipa o prestígio encantador das riquezas e de todo este
vão brilho que deslumbra os homens, ela demonstra por mil exemplos
mais persuasivos que todos os raciocínios, que não há ai de grande e de
louvável senão a honra e a probidade (...). Ela ensina a respeitar esta
virtude e a distinguir a beleza e o brilho através dos véus da pobreza,
adversidade, obscuridade e mesmo algumas vezes da infâmia... (ULRICH,
1867: 106).
Para Ulrich, a história é uma “escola moral” que lança luzes contra o arbítrio e a
obscuridade do conservadorismo e autoridade excessiva no trato do poder ou na vida
cotidiana, numa ênfase do pensamento liberal contra o conservador. A escola deve
ensinar a virtude e contrapor esta com a
infâmia. O período era de embate entre o
Partido Conservador, que mantinha o poder desde o processo de reconstrução do Rio
Grande do Sul com o final da Revolução Farroupilha (1845) e o fortalecimento do Partido
Liberal que chegou ao poder no ano de 1868 e que o manteria até o final do Império. O
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enfoque moralizador não é destituído de uma visão política liberal de superar as práticas
autoritárias características da vida pública provincial e que serão institucionalizadas com o
estabelecimento do poder republicano castilhista na década de 1890. Neste sentido as
matérias aqui sumariamente analisadas, mostram um leito comum de engajamento a causa
da liberdade e a ênfase em temas polêmicos e engajados a uma história do presente. A
História enquanto um aprendizado moralizador para atuação engajada no presente é um
lugar comum nos escritos.
Porém, a recepção na comunidade local ficou aquém do esperado pelos envolvidos
na publicação. O esgotamento do projeto literário já está expresso no ano de 1869 em
matéria melancólica de Menezes Paredes (Rio Grande, 15 de julho de 1869) que observa
uma maioria positivista triunfar sobre poucos defensores das letras:
Arcádia. Numa época toda de materialismo e cálculo, quando apenas as
operações aritméticas traduzidas em valor monetário servem de alavanca a
mola social, a mocidade, essa flor esperançosa de todos os países, atira-se
avante as portas do futuro, desprezando os anteparos do positivismo, que
em vão busca tolher-lhe os passos. E nessa luta descomunal travada entre
uma fração mínima de nossa sociedade – a mocidade estudiosa – com a
maioria positivista, sempre por honra nossa, temos visto o triunfo daquela.
É a moralidade e o talento reagindo contra a corrupção da época, e
encaminhando-se ao total aniquilamento dos retrógrados. ... Temos visto o
desanimo e a frieza com que foram recebidas as primeiras tentativas
literárias em nossa província, mas também com bastante satisfação
observamos a nobre dignidade com que os modernos justadores se
atiraram na arena das letras. ... Confiamos em Deus e no futuro
(PAREDES, 1869).
Antonio Dias, em 1869, também demonstrava cansaço e procurou outro espaço para
tentar manter vivo o periódico, deslocando-se para Pelotas e lançando nesta cidade, no ano
de 1870, o derradeiro número da Arcádia. Dias se referiu as dificuldades em resistir ao
indiferentismo da época, aos golpes traiçoeiros de invejosos desafetos, ao murmúrio dos
maldizentes. Para ele, vencer todos esses miseráveis empecilhos e seguir avante pela
estrada do útil e do bem, “deixando a retaguarda os zoilos a morderem-se de raiva,
é glória e heroísmo” (DIAS, 1869: 302). A Arcádia perderia sua última e “heróica” batalha
encerrando sua atividade ao final da Guerra da Tríplice Aliança. Deixava de tentar mudar a
história intelectual da cidade/província do Rio Grande para tornar-se uma fonte para
155
entender o ideário romântico e os fundamentos do regionalismo literário no Rio Grande do
Sul.
REFERÊNCIAS
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156
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157
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