LITERATURA EM TEMPOS DE GUERRA: A visão dos jornais Arcádia e Inubia Luiz Henrique Torres (FURG) No século XIX, a divulgação da literatura rio-grandense está intimamente vinculada ao aparecimento da imprensa. Frente às dificuldades financeiras, autores recorriam aos periódicos para publicarem suas obras. A cidade do Rio Grande possui uma rica trajetória na produção jornalística que remonta ao ano de 1832. Os escritos literários são encontrados nos mais diferenciados periódicos, sendo que dois deles dedicaram um amplo espaço para esta divulgação: Arcádia (1867-70) e Inubia (1868). O objetivo é analisar como estes periódicos se posicionaram frente ao mais importante conflito militar que o Brasil já esteve diretamente envolvido: a Guerra do Paraguai. Na análise deste conflito, uma historiografia revisionista com ênfase no imperialismo dominou o cenário intelectual na análise desde a década de 1970. Os escritos literários produzidos no ‘calor da hora’ em sincronia com os eventos da Guerra do Paraguai, permite construir um novo olhar sobre este trágico confronto que contribuiu para a construção da nacionalidade brasileira. RIO GRANDE EM 1868 Uma visão da cidade do Rio Grande no olhar de um contemporâneo aos acontecimentos foi publicada em 1868 na revista Arcádia. Seu autor foi o literato Carlos Eugênio Fontana que escreveu Apontamentos Históricos, Topográficos e descritivos da cidade do Rio Grande, consistindo numa ímpar contribuição para a historiografia local. No ano de 1868, Rio Grande contava com 1870 casas edificadas e 37 estavam em construção. Haviam 115 sobrados de um andar e 2 em construção, além de 2 sobrados de dois andares e 1 de três andares. A cidade tinha 33 ruas e 4 becos. A maioria das ruas haviam sido renomeadas recentemente frente a atuação brasileira na Guerra do Paraguai. As principais ruas eram: Rua Riachuelo (anteriormente denominada de Boa Vista), que situava-se junto ao Porto Velho; Rua Pedro Segundo (antiga da Praia e atual Marechal Floriano) sendo a mais importante rua com “lindos edifícios e quase toda calçada”; Rua dos Príncipes (antes Direita e atual Bacelar), uma das principais sendo renomeada em homenagem ao Conde d’Eu; Rua Paisandu (Pito e atual República do Líbano); Rua Vinte de Fevereiro (antes do Fogo e atual Luiz Loréa); Rua Uruguaiana (Cômoros e atual Silva Paes); Rua Barroso (Canal) em honra ao herói da Batalha do Riachuelo; Rua da Caridade (atual Coronel Sampaio), por estar localizada a Santa Casa de Misericórdia; Rua Francisco Marques, em homenagem ao primeiro morador da rua e prático da barra, pai do Almirante Tamandaré; outras denominações de ruas vigentes em 1868 eram Rua da Alfândega (atual Andradas), Rua do Castro (atual Duque de Caxias), Rua do Rasgado (atual General Neto), Rua da Câmara (atual Carlos Gomes), Rua dos Quartéis (atual 24 de maio), Rua do Moinho (atual Aquidaban), Rua das Trincheiras (atual General Portinho), Rua Moron (antiga rua do Bom Fim), Rua Zalony (antigo Beco do Corpo da Guarda), etc. Entre os largos e praças havia a Sete de Setembro (antiga Praça do Poço), São Pedro (atual Júlio de Castilhos), Caridade Nova (atual Barão de São José do Norte), Tamandaré (antiga Praça dos Quartéis e Geribanda) e Municipal (atual Xavier Ferreira). A Municipal consistia numa “vasta praça e único passeio recreativo da cidade, é comumente denominada de Boulevard Rio-Grandense” porém “lamenta-se que não mereça mais atenção da edilidade”. Na praça Tamandaré, existiam seis fontes públicas para coleta de água e lavagem de roupa, erguendo-se no centro desta, “uma modesta cruz ali colocada em 1842 pela missão jesuítica a estas plagas”. Fontana afirmou que a Igreja Matriz de São Pedro encontrava-se pouco cuidada. Já a Igreja do Carmo (demolida no final da década de 1920) “é o mais belo templo da cidade e a ordem a mais rica corporação religiosa. Possui também um hospital e está prestes a edificar um novo prédio para esse fim”. Neste período estava em construção “um grande e belo edifício para a Santa Casa, que com algum empenho por parte do governo da província, poderia ficar brevemente concluído”. Outros prédios que destacavam-se eram a Casa da Câmara Municipal, o novo Mercado Público, a Cadeia Civil e o Teatro Sete de Setembro. Conforme Fontana, “o cemitério extra-muros que teve princípio em 1855, na época da epidemia, já possui alguns belos mausoléus. Próximo a este cemitério achasse o dos protestantes” (FONTANA, 1868). Neste período ainda não existia a Cidade Nova existindo uma linha trincheiras que mantinha os habitantes protegidos dentro dos muros da cidade antiga. Com a Guerra do Paraguai, os muros foram reforçados para resistir a uma invasão de caudilhos que apoiassem Solano Lopes. O medo não era uma figura simbólica pois a invasão espanhola da Vila do Rio Grande, em 1763, deixara um imaginário de apreensões (TORRES, 2006: 75-82). A instrução pública primária era constituída por quatro escolas, duas do sexo masculino e duas do feminino. A instrução secundária era exercida apenas por uma aula de francês, porém, pouco freqüentada. Como uma das preocupações do período era a civilização expandindo seus tentáculos através da educação e do desenvolvimento urbano, o autor destacou o desenvolvimento da cidade rumo a este ideal. O tema principal tratado na imprensa desde o ano de 1865 foi a guerra contra o Paraguai. 1868 foi o memorável ano da tomada da Fortaleza de Humaitá no Rio Paraná, o maior baluarte militar paraguaio que impedia o acesso ao interior do país. Pesava muito as informações que chegavam sobre os mortos e feridos, a decadência econômica e relativa estagnação do Porto do Rio Grande, o medo de uma invasão da cidade. Uruguaiana e São Borja foram invadidas e Jaguarão foi atacada. Blancos poderiam se deslocar pela fronteira do Chuy e tomar a cidade. Vários são os fatores que compõem o cenário do medo desta cidade portuária e estratégica no esforço aliado pela vitória. ARCÁDIA A Arcádia surge em Rio Grande num momento de crise econômica advinda da Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). O Império do Brasil nas décadas de 185060, estava em crise financeira. Os gastos militares representavam a metade das despesas imperiais e, durante a Guerra do Paraguai, aumentou para cerca de três quintos do orçamento (PINTO, 2006: 97-121). Em Rio Grande, inclusive homens que trabalhavam no comércio eram convocados para a guerra. A cidade, na década de 1860, já se consolidaria como uma praça econômica essencial para a Província. A presença do porto marítimo fez surgiu um significativo comércio de exportação e importação e elites ligadas ao capitalismo comercial com conexões nos portos de Hamburgo, Liverpool, Lisboa, Boston etc, buscavam aformoseamentos urbanos em sintonia com os padrões estéticos e de consumo vigentes na Europa. Mesmo que o fluxo de exportação esteja ligado principalmente aos derivados da pecuária, atividade tradicional do Rio Grande do Sul luso-brasileiro, a elite da cidade, através das importações, mantém-se em sintonia com o consumo europeu de bens culturais e mercadorias. Daí a Arcádia surgir um ano antes do Partenon Literário em Porto Alegre, e ser ela, a Arcádia, a saudar com alegria o surgimento de um parceiro que teria sua primeira publicação no ano de 1869. Algumas temáticas presentes na Arcádia, permite pensar o ideário que ela busca divulgar. A forte presença do pensamento liberal e a aversão à tirania é uma das convergências principais em vários artigos que contrapõem liberdade e escravidão. Inclusive com condenações (mesmo que sutis) ao próprio sistema escravista como na poesia “O Escravo” de Fernando Ozório: “E que Deus odeia a escravidão! Entre nós deve haver toda a igualdade. Em cada coração, por entre as carnes. Escrito deve estar – Fraternidade!” (OZÓRIO, 1868: 62). Em matéria não assinada de 1869, afirma-se que “o elemento servil é um mal; problema definido por si mesmo, porque é o fruto da opressão do forte sobre o fraco” (ARCÁDIA, 1869: 233). A construção do inimigo, no calor da hora, evidencia a luta da liberdade contra a escravidão dos caudilhos platinos. O artigo de Antonio de Maria Pinto “A Invasão da Fronteira de Jaguarão” enfatizou que o exército oriental não passava de uma horda de verdadeiros salteadores. O povo jaguarense, “repelindo a invasão, cobriu-se de glória. Deu a pátria mais um dia de verdadeiro regozijo, e castigou , com altivez e bravura o vandalismo dos atilas da América do sul! (...) este povo compreendeu e desempenhou o mais sagrado dos deveres do cidadão: viver com a pátria ou morrer com ela (PINTO, 1868: 49). O grande tema do ano, em que se vislumbrava o final da guerra, estava ligado a passagem de Humaitá e a tomada desta poderosa fortaleza. A passagem de Humaitá pela esquadra brasileira, é relatado como um dos feitos mais grandiosos da marinha de guerra e que “seus anais levarão a posteridade em brilhantes páginas (...) Mais uma vez os filhos do gigante império sul-americano, deram provas dessa coragem prudente, que tanto os distingue – atributo do homem civilizado que respira o ar da liberdade” (TIBULLO, 1868: 50). A expectativa é de que a ditadura de Solano Lopez estava em seu final: “o pobre povo que ele tem fanatizado e oprimido, dentro em pouco será livre. Ao Brasil deverá ele sua liberdade. A escravidão de um povo, como já dizemos, não pode ser eterna. Os triunfos da barbárie são apenas momentos. E o poder dos tiranos é zero quando deus diz – basta” (TIBULLO, 1868: 52). Devido à passagem de Humaitá, enfatizou a Arcádia, às festas populares em Rio Grande, foram marcantes. No dia 5 de março a companhia dramática deu uma representação em regozijo as importantes notícias. O teatro estava repleto de espectadores. Depois de cantado o hino nacional, por toda a companhia, o sr. Subdelegado soltou diferentes vivas que foram com explosão correspondidos. Em seguida, ouviram-se muitos recitativos análogo aos festejo, primeiramente os srs. Zeferino Rodrigues filho, c.l. jardim, Menezes, paredes, João Borges, Apolinário Porto Alegre e os atores Lisboa e Barbosa, já pela eloqüência, já pelo mérito das produções. O entusiasmo tocava ao frenezi, cavalheiros e damas tomavam igual parte no grande festim. Findo o espetáculo ainda a patriótica união comercial percorreu as ruas, sempre acompanhada de imenso povo, que não cessava de entoar hossanas. Toda a cidade adorna-se de primorosas galas. Iluminação e musicas pelas principais ruas. Entusiásticos vivas e demonstrações de jubilo. Espetáculo e recitações (ARCADIA, 1868: 39). A queda de Humaitá aparece no periódico como o ápice do conflito. Estrategicamente é a derrota de Solano Lopez que comandava pessoalmente a fortificação e que se retirou dela. Porém a guerra continuaria por quase dois anos. No discurso proferido no Teatro Sete de Setembro na noite de 5 de agosto pelo articulista do periódico L. Ulrich, constata-se o otimismo e o reforço da defesa da liberdade caiu humaitá! E o anjo da vitória entoa os cantos de jubilo em honra do exército, que a seus pés viu cair as mais formidáveis ameias do Gibraltar sul americano. E ao Brasil, nossa querida pátria, que pertence a honra de abalar até os alicerces o orgulho do insensato que atrozmente o insultara e provar ao infeliz povo que ainda geme sob os ferros da mais dura escravidão, comprimido pelo mais nefando fanatismo, que do seu vencedor deve esperar sua ressurreição política e tomar em breve um lugar distinto entre as nações cultas e vivificadas pelo progresso e pelos raios da civilização (ULRICH, 1868: 215). O editor da publicação, Antonio Joaquim Dias, também se pronunciou sobre a guerra enfatizando que o governo brasileiro não queria o conflito o qual foi provocado pelo ditador do Paraguai, Solano Lopes. A fronteira do Rio Grande do Sul era frequentemente atacada por “bandidos orientais”. No Uruguai, a propriedade particular brasileira não era respeitada pelos ladrões que cometiam crimes e infâmias contra “pacíficos cidadãos do Império”. Para Dias, os roubos e assassinatos eram diários e os clamores chegaram ao trono de D. Pedro II, um monarca “exemplar, que não podia ser indiferente às vozes da angústia e desespero daqueles seus súbditos ameaçados pelo mais feroz canibalismo” (DIAS, 1868: 89). A comunidade portuguesa no Brasil, para Dias, apóia a participação brasileira no conflito, admirando o valor e o heroísmo com que se tem batido os soldados do Império. “Não se queixam das conseqüências da guerra e se tanto fosse preciso, imitando muitos que lá tem empunhado a espingarda, correriam com entusiasmo a debelar o inimigo comum” (DIAS, 1868: 93). O INUBIA O periódico Inubia foi lançado neste contexto em que o Brasil está envolvido numa guerra de grandes proporções envolvendo quatro países. Esta guerra se reflete em Rio Grande de forma contundente: seja através da movimentação de tropas oriundas de várias províncias brasileiras; nos recrutamentos locais ou pelo impacto econômico no movimento portuário, sentido pela expressiva burguesia ligada ao comércio de exportação e importação que estava sediada na cidade. Num momento crucial do conflito é lançado no dia 15 de março de 1868, o Inubia, que tinha quatro páginas sendo publicado aos domingos na Tipografia do jornal Artista. Apresentava-se como um periódico literário e o significado do seu título era uma trompa indígena de guerra, utilizada pelos índios Tupi-guarani. Seus proprietários eram Cardoso, Lemos, Mello e Estrela, todos empregados do Artista, sendo chefe da redação Menezes Paredes. Sua assinatura era trimestral e custava 2$500 (ALVES, 1999: 148). Como ocorreu com a quase totalidade da pequena imprensa rio-grandina do século 19, o tempo de duração do periódico foi efêmero. A manutenção financeira sempre é um fator de comprometimento destas iniciativas. O último número conhecido do Inubia é o 36 do dia 15 de novembro de 1868. Desta coleção existente na Biblioteca Rio-Grandense, restaram 28 números que totalizam 77%. Os exemplares desaparecidos são os de números 28 a 35. Como é a partir do número 21 que se intensificam notícias sobre a Guerra do Paraguai, entre os números faltantes é grande a possibilidade de que o tema tenha sido abordado. Mas como grande parte da pesquisa em imprensa, a pesquisa é feita com fragmentos e não com a totalidade das coleções. O periódico dedica um espaço relevante aos acontecimentos da Guerra do Paraguai possibilitando compreender o seu enfoque sobre as motivações do conflito. E a interpretação prende-se a um discurso de defesa do liberalismo político e de personagens ligados ao pensamento liberal centrado em Manoel Luís Osório, o ‘General Osório’. A presença do confronto entre conservadores e liberais está indiretamente explicitada numa crítica ao comandante Caxias (Luís Alves de Lima e Silva), ligado ao Partido Conservador e indicado por D. Pedro II para comandar militarmente as operações no Paraguai. Conforme o periódico, a retirada do General Osório e de seus 12.000 homens da área da Fortaleza de Humaitá foi ordenada por Caxias, provocando muitas mortes entre a tropa: “Foi tão arrojada a empresa do general Rio-Grandense que seu poncho ficou crivado de balas. Contava que o general Osório abandonaria o Exército, por lhe ser negado o auxílio reclamado” (Inúbia, 2 de agosto de 1868:3). O quadro político-partidário do confronto entre liberais e conservadores fica evidenciado nesta condenação a Caxias por parte do periódico e a exaltação ao heroísmo de Osório, sendo difícil na época exercitar a isenção políticopartidária na imprensa. Esta Guerra é uma luta entre a liberdade e a tirania, sendo a missão dos brasileiros libertar o escravizado povo paraguaio do sanguinário Francisco Solano Lopez. A defesa do liberalismo é explicitada em matéria sobre os festejos da Independência do Brasil: “E a sombra de instituições liberais, debaixo do sistema representativo, ele caminha altivo pela trilha do progresso e da civilização”. Esta “guerra titânica” que se ocorre na “semi-bárbara república do Paraguai”, tem custado ao Brasil um “número espantoso de seus filhos e todas as reservas do tesouro público”. Mas nada tem podido “entorpecer a marcha do gigante americano, que já ocupa lugar distinto no catálogo das nações que se orgulham do seu poder, do seu progresso, da sua liberdade!” (Inubia, 7 de setembro de 1868: 1). Na coluna ‘álbum poético’ é publicada a poesia “Ao Corpo de Cavalaria de S. Leopoldo”, aparecendo uma referência a Guerra do Paraguai na forma de poesia em tom de defesa da pátria contra o invasor hostil: “Avante, patriotas!... Nos campos da guerra/Mostrai que tivestes por berço o Brasil/Honrai vosso berço, rojando por terra/Aquele que o afronta do modo mais vil...” (Inubia, 10 de maio de 1868: 3). Mesmo que distante da área do conflito, a movimentação militar é um tema que agita a cidade do Rio Grande e que até um periódico literário se converte em noticioso: “Vapores. Entraram ontem dois vapores de guerra nacionais, mas não fizeram o sinal do registro, e por isso ignoramos os nomes e fins de viagem. É de supor que venham com tropas para o teatro da guerra” (Inubia, 7 de junho de 1868: 2). Os milhares de mortos não são apenas dados quantitativos mas também problemas sociais que espalham-se entre os países envolvidos. O papel filantrópico assumido por jornais da época buscando levantar fundos para a pobreza, amplia-se frente ao cenário da Guerra e das viúvas dos combatentes, muitas destas viúvas e de seus filhos, passam a dedicar-se a mendicância. Cenas de miséria que passam a fazer parte da vida de brasileiros são provocadas pela “audácia de um bárbaro déspota”. Contrapondo a isto, está o exemplo “sublime de heroísmo e bravura”. Os brasileiros que “guiados pelo farol da liberdade, cruzam por sobre montões de cadáveres ensopados em sangue, para arrancar do cativeiro e da ignorância, um povo infeliz!” (Inubia, 7 de setembro de 1868:1). A imprensa estava construindo uma versão de que a Guerra estava prestes a ser encerrada. De fato, a insanidade e a carnificina ainda perduraram até março de 1870, quando da morte de Lopez. Com a queda da Fortaleza paraguaia de Humaitá, considerava-se o conflito basicamente encerrado, sendo gravadas duas importantes páginas nas histórias dos dois povos: “numa contemplar-se-á os efeitos do despotismo, sobre um povo ignorante e fanático e outra, um triunfo sublime da liberdade e uma fecunda conquista da civilização”. O momento era de felicitação pelo triunfo dos aliados, pois ele é o mais “lisonjeiro prenúncio para a breve conclusão desta sanguinolenta guerra que o Brasil tem mantido com o sangue e ouro de seus filhos”. A ação brasileira é vista não apenas como militar mas como um movimento cruzadista e regenerador para um povo escravizado: “Lopez insensato! Ignoras acaso que Deus protege a causa santa dos brasileiros e que teu audaz atrevimento será punido? Cada gota de sangue derramado nesta santa cruz, será uma epopéia que a posteridade abençoará” (Inubia, 9 de agosto de 1868: 1). A declaração de final do conflito era esperada a qualquer momento passando a ser organizado festejos. Subscrições para serem aplicados nas comemorações passam a ser feitas por “pessoas influentes” (anos depois, os jornais davam notícias do desaparecimento do dinheiro que não foi aplicado nas comemorações...). A visão historiográfica heróica dos eventos não é uma supremacia de uma historiografia militar conservadora mas parte dos próprios opositores liberais que estão construindo esta heroicização dos personagens participantes na contemporaneidade dos eventos. “A paz alcançada por esses bravos que, cheios de abnegação, heroicamente sucumbiram em holocausto à pátria. A paz alcançada com eterno renome para a história militar do Brasil” (Inubia, 16 de agosto de 1868:1). No último número disponível do Inubia e na sua última página, foi publicada uma poesia intitulada “O General Osório – comunicado por uma senhora”, exaltando o líder liberal: “Que a pátria abençoe teu nome valente/Que a paz florescente não deixe teu lar,/Que ao sal da vitória e ao som dos morteiros/Os brados primeiros, te aclamam sem par?” (Inubia, 15 de novembro de 1868:4). Apesar da postura liberal do Inubia (cujo Partido Liberal de Osório passa a dominar a vida política rio-grandense até o final da Monarquia, em 1889) este apoio não foi decisivo para a sobrevivência do periódico evitando o seu desaparecimento do firmamento literário. Durante a Guerra do Paraguai, a defesa patriótica e intransigente do Brasil a partir da perspectiva liberal, conduz a uma configuração dos personagens na dimensão dos brasileiros como guerreiros da liberdade que deveriam libertar o povo paraguaio da opressão ditatorial de Lopez. Visão localizada a partir de referenciais ideológicos de sua época e construída no calor dos eventos. Portanto, a Guerra dos Paraguai recebe da maioria dos periódicos que existiram neste período, uma interpretação de defesa contra a tirania. Constata-se que o Inubia não faz parte da elite dominante brasileira de sua época, não enquadrando-se, conforme certa historiografia, num veículo ideológico defensor de um Brasil imperialista com interesses na destruição do Paraguai. Certa historiografia brasileira na década de 1970, especialmente centrada no jornalista Julio Chiavenato, enfatiza o Brasil numa perspectiva imperialista de conluio com a Inglaterra, buscando esmagar uma saída latino-americana para o capitalismo. Lopez surge como um mártir anti-imperialista e um emancipador do povo paraguaio e não como um ditador sanguinário. A posição comprometida ideologicamente do jornalista Chiavenato chega a ser deprimente frente às novas leituras científicas do tema como em Doratioto no livro Maldita Guerra. A contribuição que Arcádia e Inubia pode trazer ao tema diz respeito à interpretação da Guerra do Paraguai: para os periódicos, no calor da hora e não numa reflexão a posteriori, o excesso de poder e a personalidade sanguinária do ditador Lopez é que leva ao conflito e não uma política expansionista do Brasil em relação ao país vizinho. Como a historiografia da década de 1970, induz que a aversão a Lopez é uma construção ideológica de uma historiografia conservadora posterior ao conflito, constatar que o periodismo literário não apresenta esta visão e que também não faz parte da classe dominante conservadora ou liberal do período, permite lançar um questionamento sobre onde realmente pode residir a manipulação ideológica da história... REFERÊNCIAS ALVES, Francisco das Neves. 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