LITERATURA EM TEMPOS DE GUERRA:
A visão dos jornais Arcádia e Inubia
Luiz Henrique Torres (FURG)
No século XIX, a divulgação da literatura rio-grandense está intimamente
vinculada ao aparecimento da imprensa. Frente às dificuldades financeiras, autores
recorriam aos periódicos para publicarem suas obras. A cidade do Rio Grande possui
uma rica trajetória na produção jornalística que remonta ao ano de 1832. Os escritos
literários são encontrados nos mais diferenciados periódicos, sendo que dois deles
dedicaram um amplo espaço para esta divulgação: Arcádia (1867-70) e Inubia (1868).
O objetivo é analisar como estes periódicos se posicionaram frente ao mais importante
conflito militar que o Brasil já esteve diretamente envolvido: a Guerra do Paraguai. Na
análise deste conflito, uma historiografia revisionista com ênfase no imperialismo
dominou o cenário intelectual na análise desde a década de 1970. Os escritos
literários produzidos no ‘calor da hora’ em sincronia com os eventos da Guerra do
Paraguai, permite construir um novo olhar sobre este trágico confronto que contribuiu
para a construção da nacionalidade brasileira.
RIO GRANDE EM 1868
Uma visão da cidade do Rio Grande no olhar de um contemporâneo aos
acontecimentos foi publicada em 1868 na revista Arcádia. Seu autor foi o literato
Carlos Eugênio Fontana que escreveu Apontamentos Históricos, Topográficos e
descritivos da cidade do Rio Grande, consistindo numa ímpar contribuição para a
historiografia local.
No ano de 1868, Rio Grande contava com 1870 casas edificadas e 37
estavam em construção. Haviam 115 sobrados de um andar e 2 em construção, além
de 2 sobrados de dois andares e 1 de três andares. A cidade tinha 33 ruas e 4 becos.
A maioria das ruas haviam sido renomeadas recentemente frente a atuação brasileira
na Guerra do Paraguai. As principais ruas eram: Rua Riachuelo (anteriormente
denominada de Boa Vista), que situava-se junto ao Porto Velho; Rua Pedro Segundo
(antiga da Praia e atual Marechal Floriano) sendo a mais importante rua com “lindos
edifícios e quase toda calçada”; Rua dos Príncipes (antes Direita e atual Bacelar), uma
das principais sendo renomeada em homenagem ao Conde d’Eu; Rua Paisandu (Pito
e atual República do Líbano); Rua Vinte de Fevereiro (antes do Fogo e atual Luiz
Loréa); Rua Uruguaiana (Cômoros e atual Silva Paes); Rua Barroso (Canal) em honra
ao herói da Batalha do Riachuelo; Rua da Caridade (atual Coronel Sampaio), por estar
localizada a Santa Casa de Misericórdia; Rua Francisco Marques, em homenagem ao
primeiro morador da rua e prático da barra, pai do Almirante Tamandaré; outras
denominações de ruas vigentes em 1868 eram Rua da Alfândega (atual Andradas),
Rua do Castro (atual Duque de Caxias), Rua do Rasgado (atual General Neto), Rua
da Câmara (atual Carlos Gomes), Rua dos Quartéis (atual 24 de maio), Rua do
Moinho (atual Aquidaban), Rua das Trincheiras (atual General Portinho), Rua Moron
(antiga rua do Bom Fim), Rua Zalony (antigo Beco do Corpo da Guarda), etc.
Entre os largos e praças havia a Sete de Setembro (antiga Praça do Poço),
São Pedro (atual Júlio de Castilhos), Caridade Nova (atual Barão de São José do
Norte), Tamandaré (antiga Praça dos Quartéis e Geribanda) e Municipal (atual Xavier
Ferreira). A Municipal consistia numa “vasta praça e único passeio recreativo da
cidade, é comumente denominada de Boulevard Rio-Grandense” porém “lamenta-se
que não mereça mais atenção da edilidade”. Na praça Tamandaré, existiam seis
fontes públicas para coleta de água e lavagem de roupa, erguendo-se no centro desta,
“uma modesta cruz ali colocada em 1842 pela missão jesuítica a estas plagas”.
Fontana afirmou que a Igreja Matriz de São Pedro encontrava-se pouco cuidada. Já a
Igreja do Carmo (demolida no final da década de 1920) “é o mais belo templo da
cidade e a ordem a mais rica corporação religiosa. Possui também um hospital e está
prestes a edificar um novo prédio para esse fim”. Neste período estava em construção
“um grande e belo edifício para a Santa Casa, que com algum empenho por parte do
governo da província, poderia ficar brevemente concluído”. Outros prédios que
destacavam-se eram a Casa da Câmara Municipal, o novo Mercado Público, a Cadeia
Civil e o Teatro Sete de Setembro. Conforme Fontana, “o cemitério extra-muros que
teve princípio em 1855, na época da epidemia, já possui alguns belos mausoléus.
Próximo a este cemitério achasse o dos protestantes” (FONTANA, 1868). Neste
período ainda não existia a Cidade Nova existindo uma linha trincheiras que mantinha
os habitantes protegidos dentro dos muros da cidade antiga. Com a Guerra do
Paraguai, os muros foram reforçados para resistir a uma invasão de caudilhos que
apoiassem Solano Lopes. O medo não era uma figura simbólica pois a invasão
espanhola da Vila do Rio Grande, em 1763, deixara um imaginário de apreensões
(TORRES, 2006: 75-82).
A instrução pública primária era constituída por quatro escolas, duas do sexo
masculino e duas do feminino. A instrução secundária era exercida apenas por uma
aula de francês, porém, pouco freqüentada. Como uma das preocupações do período
era a civilização expandindo seus tentáculos através da educação e do
desenvolvimento urbano, o autor destacou o desenvolvimento da cidade rumo a este
ideal.
O tema principal tratado na imprensa desde o ano de 1865 foi a guerra contra
o Paraguai. 1868 foi o memorável ano da tomada da Fortaleza de Humaitá no Rio
Paraná, o maior baluarte militar paraguaio que impedia o acesso ao interior do país.
Pesava muito as informações que chegavam sobre os mortos e feridos, a decadência
econômica e relativa estagnação do Porto do Rio Grande, o medo de uma invasão da
cidade. Uruguaiana e São Borja foram invadidas e Jaguarão foi atacada. Blancos
poderiam se deslocar pela fronteira do Chuy e tomar a cidade. Vários são os fatores
que compõem o cenário do medo desta cidade portuária e estratégica no esforço
aliado pela vitória.
ARCÁDIA
A Arcádia surge em Rio Grande num momento de crise econômica advinda
da Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). O Império do Brasil nas décadas de 185060, estava em crise financeira. Os gastos militares representavam a metade das
despesas imperiais e, durante a Guerra do Paraguai, aumentou para cerca de três
quintos do orçamento (PINTO, 2006: 97-121). Em Rio Grande, inclusive homens que
trabalhavam no comércio eram convocados para a guerra. A cidade, na década de
1860, já se consolidaria como uma praça econômica essencial para a Província. A
presença do porto marítimo fez surgiu um significativo comércio de exportação e
importação e elites ligadas ao capitalismo comercial com conexões nos portos de
Hamburgo, Liverpool, Lisboa, Boston etc, buscavam aformoseamentos urbanos em
sintonia com os padrões estéticos e de consumo vigentes na Europa. Mesmo que o
fluxo de exportação esteja ligado principalmente aos derivados da pecuária, atividade
tradicional do Rio Grande do Sul luso-brasileiro, a elite da cidade, através das
importações, mantém-se em sintonia com o consumo europeu de bens culturais e
mercadorias. Daí a Arcádia surgir um ano antes do Partenon Literário em Porto Alegre,
e ser ela, a Arcádia, a saudar com alegria o surgimento de um parceiro que teria sua
primeira publicação no ano de 1869.
Algumas temáticas presentes na Arcádia, permite pensar o ideário que ela
busca divulgar. A forte presença do pensamento liberal e a aversão à tirania é uma
das convergências principais em vários artigos que contrapõem liberdade e
escravidão. Inclusive com condenações (mesmo que sutis) ao próprio sistema
escravista como na poesia “O Escravo” de Fernando Ozório: “E que Deus odeia a
escravidão! Entre nós deve haver toda a igualdade. Em cada coração, por entre as
carnes. Escrito deve estar – Fraternidade!” (OZÓRIO, 1868: 62). Em matéria não
assinada de 1869, afirma-se que “o elemento servil é um mal; problema definido por si
mesmo, porque é o fruto da opressão do forte sobre o fraco” (ARCÁDIA, 1869: 233).
A construção do inimigo, no calor da hora, evidencia a luta da liberdade
contra a escravidão dos caudilhos platinos. O artigo de Antonio de Maria Pinto “A
Invasão da Fronteira de Jaguarão” enfatizou que o exército oriental não passava de
uma horda de verdadeiros salteadores. O povo jaguarense, “repelindo a invasão,
cobriu-se de glória. Deu a pátria mais um dia de verdadeiro regozijo, e castigou , com
altivez e bravura o vandalismo dos atilas da América do sul! (...) este povo
compreendeu e desempenhou o mais sagrado dos deveres do cidadão: viver com a
pátria ou morrer com ela (PINTO, 1868: 49).
O grande tema do ano, em que se vislumbrava o final da guerra, estava
ligado a passagem de Humaitá e a tomada desta poderosa fortaleza. A passagem de
Humaitá pela esquadra brasileira, é relatado como um dos feitos mais grandiosos da
marinha de guerra e que “seus anais levarão a posteridade em brilhantes páginas (...)
Mais uma vez os filhos do gigante império sul-americano, deram provas dessa
coragem prudente, que tanto os distingue – atributo do homem civilizado que respira o
ar da liberdade” (TIBULLO, 1868: 50). A expectativa é de que a ditadura de Solano
Lopez estava em seu final: “o pobre povo que ele tem fanatizado e oprimido, dentro
em pouco será livre. Ao Brasil deverá ele sua liberdade. A escravidão de um povo,
como já dizemos, não pode ser eterna. Os triunfos da barbárie são apenas momentos.
E o poder dos tiranos é zero quando deus diz – basta” (TIBULLO, 1868: 52).
Devido à passagem de Humaitá, enfatizou a Arcádia, às festas populares em
Rio Grande, foram marcantes. No dia 5 de março a companhia dramática deu uma
representação em
regozijo as importantes notícias. O teatro estava repleto de
espectadores. Depois de cantado o hino nacional, por toda a
companhia, o sr. Subdelegado soltou diferentes vivas que
foram com explosão correspondidos. Em seguida, ouviram-se
muitos recitativos análogo aos festejo, primeiramente os srs.
Zeferino Rodrigues filho, c.l. jardim, Menezes, paredes, João
Borges, Apolinário Porto Alegre e os atores Lisboa e Barbosa,
já pela eloqüência, já pelo mérito das produções. O entusiasmo
tocava ao frenezi, cavalheiros e damas tomavam igual parte no
grande festim. Findo o espetáculo ainda a patriótica união
comercial percorreu as ruas, sempre acompanhada de imenso
povo, que não cessava de entoar hossanas. Toda a cidade
adorna-se de primorosas galas. Iluminação e musicas pelas
principais ruas. Entusiásticos vivas e demonstrações de jubilo.
Espetáculo e recitações (ARCADIA, 1868: 39).
A queda de Humaitá aparece no periódico como o ápice do conflito.
Estrategicamente é a derrota de Solano Lopez que comandava pessoalmente a
fortificação e que se retirou dela. Porém a guerra continuaria por quase dois anos. No
discurso proferido no Teatro Sete de Setembro na noite de 5 de agosto pelo articulista
do periódico L. Ulrich, constata-se o otimismo e o reforço da defesa da liberdade
caiu humaitá! E o anjo da vitória entoa os cantos de jubilo em
honra do exército, que a seus pés viu cair as mais formidáveis
ameias do Gibraltar sul americano. E ao Brasil, nossa querida
pátria, que pertence a honra de abalar até os alicerces o
orgulho do insensato que atrozmente o insultara e provar ao
infeliz povo que ainda geme sob os ferros da mais dura
escravidão, comprimido pelo mais nefando fanatismo, que do
seu vencedor deve esperar sua ressurreição política e tomar
em breve um lugar distinto entre as nações cultas e vivificadas
pelo progresso e pelos raios da civilização (ULRICH, 1868:
215).
O editor da publicação, Antonio Joaquim Dias, também se pronunciou sobre a
guerra enfatizando que o governo brasileiro não queria o conflito o qual foi provocado
pelo ditador do Paraguai, Solano Lopes. A fronteira do Rio Grande do Sul era
frequentemente atacada por “bandidos orientais”. No Uruguai, a propriedade particular
brasileira não era respeitada pelos ladrões que cometiam crimes e infâmias contra
“pacíficos cidadãos do Império”. Para Dias, os roubos e assassinatos eram diários e os
clamores chegaram ao trono de D. Pedro II, um monarca “exemplar, que não podia ser
indiferente às vozes da angústia e desespero daqueles seus súbditos ameaçados pelo
mais feroz canibalismo” (DIAS, 1868: 89). A comunidade portuguesa no Brasil, para
Dias, apóia a participação brasileira no conflito, admirando o valor e o heroísmo com
que se tem batido os soldados do Império. “Não se queixam das conseqüências da
guerra e se tanto fosse preciso, imitando muitos que lá tem empunhado a espingarda,
correriam com entusiasmo a debelar o inimigo comum” (DIAS, 1868: 93).
O INUBIA
O periódico Inubia foi lançado neste contexto em que o Brasil está envolvido
numa guerra de grandes proporções envolvendo quatro países. Esta guerra se reflete
em Rio Grande de forma contundente: seja através da movimentação de tropas
oriundas de várias províncias brasileiras; nos recrutamentos locais ou pelo impacto
econômico no movimento portuário, sentido pela expressiva burguesia ligada ao
comércio de exportação e importação que estava sediada na cidade.
Num momento crucial do conflito é lançado no dia 15 de março de 1868, o
Inubia, que tinha quatro páginas sendo publicado aos domingos na Tipografia do jornal
Artista. Apresentava-se como um periódico literário e o significado do seu título era
uma trompa indígena de guerra, utilizada pelos índios Tupi-guarani. Seus proprietários
eram Cardoso, Lemos, Mello e Estrela, todos empregados do Artista, sendo chefe da
redação Menezes Paredes. Sua assinatura era trimestral e custava 2$500 (ALVES,
1999: 148). Como ocorreu com a quase totalidade da pequena imprensa rio-grandina
do século 19, o tempo de duração do periódico foi efêmero. A manutenção financeira
sempre é um fator de comprometimento destas iniciativas. O último número conhecido
do Inubia é o 36 do dia 15 de novembro de 1868. Desta coleção existente na
Biblioteca Rio-Grandense, restaram 28 números que totalizam 77%. Os exemplares
desaparecidos são os de números 28 a 35. Como é a partir do número 21 que se
intensificam notícias sobre a Guerra do Paraguai, entre os números faltantes é grande
a possibilidade de que o tema tenha sido abordado. Mas como grande parte da
pesquisa em imprensa, a pesquisa é feita com fragmentos e não com a totalidade das
coleções.
O periódico dedica um espaço relevante aos acontecimentos da Guerra do
Paraguai possibilitando compreender o seu enfoque sobre as motivações do conflito. E
a interpretação prende-se a um discurso de defesa do liberalismo político e de
personagens ligados ao pensamento liberal centrado em Manoel Luís Osório, o
‘General Osório’. A presença do confronto entre conservadores e liberais está
indiretamente explicitada numa crítica ao comandante Caxias (Luís Alves de Lima e
Silva), ligado ao Partido Conservador e indicado por D. Pedro II para comandar
militarmente as operações no Paraguai. Conforme o periódico, a retirada do General
Osório e de seus 12.000 homens da área da Fortaleza de Humaitá foi ordenada por
Caxias, provocando muitas mortes entre a tropa: “Foi tão arrojada a empresa do
general Rio-Grandense que seu poncho ficou crivado de balas. Contava que o general
Osório abandonaria o Exército, por lhe ser negado o auxílio reclamado” (Inúbia, 2 de
agosto de 1868:3). O quadro político-partidário do confronto entre liberais e
conservadores fica evidenciado nesta condenação a Caxias por parte do periódico e a
exaltação ao heroísmo de Osório, sendo difícil na época exercitar a isenção políticopartidária na imprensa.
Esta Guerra é uma luta entre a liberdade e a tirania, sendo a missão dos
brasileiros libertar o escravizado povo paraguaio do sanguinário Francisco Solano
Lopez. A defesa do liberalismo é explicitada em matéria sobre os festejos da
Independência do Brasil: “E a sombra de instituições liberais, debaixo do sistema
representativo, ele caminha altivo pela trilha do progresso e da civilização”. Esta
“guerra titânica” que se ocorre na “semi-bárbara república do Paraguai”, tem custado
ao Brasil um “número espantoso de seus filhos e todas as reservas do tesouro
público”. Mas nada tem podido “entorpecer a marcha do gigante americano, que já
ocupa lugar distinto no catálogo das nações que se orgulham do seu poder, do seu
progresso, da sua liberdade!” (Inubia, 7 de setembro de 1868: 1).
Na coluna ‘álbum poético’ é publicada a poesia “Ao Corpo de Cavalaria de S.
Leopoldo”, aparecendo uma referência a Guerra do Paraguai na forma de poesia em
tom de defesa da pátria contra o invasor hostil: “Avante, patriotas!... Nos campos da
guerra/Mostrai que tivestes por berço o Brasil/Honrai vosso berço, rojando por
terra/Aquele que o afronta do modo mais vil...” (Inubia, 10 de maio de 1868: 3).
Mesmo que distante da área do conflito, a movimentação militar é um tema
que agita a cidade do Rio Grande e que até um periódico literário se converte em
noticioso: “Vapores. Entraram ontem dois vapores de guerra nacionais, mas não
fizeram o sinal do registro, e por isso ignoramos os nomes e fins de viagem. É de
supor que venham com tropas para o teatro da guerra” (Inubia, 7 de junho de 1868: 2).
Os milhares de mortos não são apenas dados quantitativos mas também problemas
sociais que espalham-se entre os países envolvidos. O papel filantrópico assumido por
jornais da época buscando levantar fundos para a pobreza, amplia-se frente ao
cenário da Guerra e das viúvas dos combatentes, muitas destas viúvas e de seus
filhos, passam a dedicar-se a mendicância.
Cenas de miséria que passam a fazer parte da vida de brasileiros são
provocadas pela “audácia de um bárbaro déspota”. Contrapondo a isto, está o
exemplo “sublime de heroísmo e bravura”. Os brasileiros que “guiados pelo farol da
liberdade, cruzam por sobre montões de cadáveres ensopados em sangue, para
arrancar do cativeiro e da ignorância, um povo infeliz!” (Inubia, 7 de setembro de
1868:1). A imprensa estava construindo uma versão de que a Guerra estava prestes a
ser encerrada. De fato, a insanidade e a carnificina ainda perduraram até março de
1870, quando da morte de Lopez. Com a queda da Fortaleza paraguaia de Humaitá,
considerava-se o conflito basicamente encerrado, sendo gravadas duas importantes
páginas nas histórias dos dois povos: “numa contemplar-se-á os efeitos do
despotismo, sobre um povo ignorante e fanático e outra, um triunfo sublime da
liberdade e uma fecunda conquista da civilização”. O momento era de felicitação pelo
triunfo dos aliados, pois ele é o mais “lisonjeiro prenúncio para a breve conclusão
desta sanguinolenta guerra que o Brasil tem mantido com o sangue e ouro de seus
filhos”. A ação brasileira é vista não apenas como militar mas como um movimento
cruzadista e regenerador para um povo escravizado: “Lopez insensato! Ignoras acaso
que Deus protege a causa santa dos brasileiros e que teu audaz atrevimento será
punido? Cada gota de sangue derramado nesta santa cruz, será uma epopéia que a
posteridade abençoará” (Inubia, 9 de agosto de 1868: 1).
A declaração de final do conflito era esperada a qualquer momento passando
a ser organizado festejos. Subscrições para serem aplicados nas comemorações
passam a ser feitas por “pessoas influentes” (anos depois, os jornais davam notícias
do desaparecimento do dinheiro que não foi aplicado nas comemorações...). A visão
historiográfica heróica dos eventos não é uma supremacia de uma historiografia militar
conservadora mas parte dos próprios opositores liberais que estão construindo esta
heroicização dos personagens participantes na contemporaneidade dos eventos. “A
paz alcançada por esses bravos que, cheios de abnegação, heroicamente
sucumbiram em holocausto à pátria. A paz alcançada com eterno renome para a
história militar do Brasil” (Inubia, 16 de agosto de 1868:1).
No último número disponível do Inubia e na sua última página, foi publicada
uma poesia intitulada “O General Osório – comunicado por uma senhora”, exaltando o
líder liberal: “Que a pátria abençoe teu nome valente/Que a paz florescente não deixe
teu lar,/Que ao sal da vitória e ao som dos morteiros/Os brados primeiros, te aclamam
sem par?” (Inubia, 15 de novembro de 1868:4).
Apesar da postura liberal do Inubia (cujo Partido Liberal de Osório passa a
dominar a vida política rio-grandense até o final da Monarquia, em 1889) este apoio
não foi decisivo para a sobrevivência do periódico evitando o seu desaparecimento do
firmamento literário. Durante a Guerra do Paraguai, a defesa patriótica e intransigente
do Brasil a partir da perspectiva liberal, conduz a uma configuração dos personagens
na dimensão dos brasileiros como guerreiros da liberdade que deveriam libertar o
povo paraguaio da opressão ditatorial de Lopez. Visão localizada a partir de
referenciais ideológicos de sua época e construída no calor dos eventos. Portanto, a
Guerra dos Paraguai recebe da maioria dos periódicos que existiram neste período,
uma interpretação de defesa contra a tirania. Constata-se que o Inubia não faz parte
da elite dominante brasileira de sua época, não enquadrando-se, conforme certa
historiografia, num veículo ideológico defensor de um Brasil imperialista com
interesses na destruição do Paraguai. Certa historiografia brasileira na década de
1970, especialmente centrada no jornalista Julio Chiavenato, enfatiza o Brasil numa
perspectiva imperialista de conluio com a Inglaterra, buscando esmagar uma saída
latino-americana para o capitalismo. Lopez surge como um mártir anti-imperialista e
um emancipador do povo paraguaio e não como um ditador sanguinário. A posição
comprometida ideologicamente do jornalista Chiavenato chega a ser deprimente frente
às novas leituras científicas do tema como em Doratioto no livro Maldita Guerra.
A contribuição que Arcádia e Inubia pode trazer ao tema diz respeito à
interpretação da Guerra do Paraguai: para os periódicos, no calor da hora e não numa
reflexão a posteriori, o excesso de poder e a personalidade sanguinária do ditador
Lopez é que leva ao conflito e não uma política expansionista do Brasil em relação ao
país vizinho. Como a historiografia da década de 1970, induz que a aversão a Lopez é
uma construção ideológica de uma historiografia conservadora posterior ao conflito,
constatar que o periodismo literário não apresenta esta visão e que também não faz
parte da classe dominante conservadora ou liberal do período, permite lançar um
questionamento sobre onde realmente pode residir a manipulação ideológica da
história...
REFERÊNCIAS
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Grande: EdFurg, 1999.
ARCÁDIA. Jornal ilustrado, literário, histórico, biográfico. Dirigido por Antonio Joaquim
Dias. 1 série, Rio Grande, Tipografia do Diário do Rio Grande, maio de 1867.
BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. A crítica literária no Rio Grande do Sul: do
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Círculo do Livro, 1988.
DIAS, Antonio Joaquim. Arcádia. Rio Grande: vol. 2, 1868.
______. Até que enfim. Arcádia, Jornal ilustrado, literário, histórico e biográfico.
Pelotas, 1870, 4ª série.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
FONTANA, Carlos Eugênio. Apontamentos Históricos, Topográficos e descritivos da
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INUBIA. Rio Grande: n° 1 a 27 e 36. Período de 15 de março a 15 de novembro de
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OZÓRIO, Fernando. O Escravo In: Arcádia. Rio Grande: vol. 2, 1868.
PAREDES, Menezes. Inúbia. Rio Grande: 15 de março de 1868.
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PINTO, Genivaldo Gonçalves. A Província na Guerra do Paraguai. In: História Geral
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SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do
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SPARTACUS In: Arcádia. Segunda série. Rio Grande, vol. 2, 1868.
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TORRES, Luiz Henrique. Brasilidade e platinidade na produção historiográfica do Rio
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________. Os Muros da Cidade Antiga: as trincheiras. In: Biblos. Rio Grande: FURG,
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ULRICH, Artur de Lara. Utilidade da História In: Arcádia. Rio Grande: vol. 1, 1867.
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