Iracema – José de Alencar
I – A Época
• O panorama social brasileiro pós-independência, em 1822,
apresentava
uma
classe
dominante
urbana
com
características da classe rural imediatamente anterior,
fundadas na grande propriedade e no trabalho escravo.
• Os negros, portanto, que constituíam a mão-de-obra escrava,
não podiam representar os anseios patrióticos de apresentar
literariamente uma raça alternativa à européia que pudesse
ostentar a glória nacional.
• A sociedade da época apresentava uma classe dominante
que não trabalhava, mas que usufruía do trabalho de seus
escravos; compreende-se, portanto, que o trabalho e os que
o realizavam não poderiam ser valorizados.
• Faz-se necessário lembrar que José de Alencar, como os
demais escritores de seu tempo, pertencia a essa classe
dominante, à qual também pertenciam os leitores de então.
• Esse espaço foi ocupado no imaginário intelectual pelos
índios, não apenas pela influência estrangeira, principalmente
de Cooper e Chateaubriand, mas também por outros fatores,
como a presença do elemento folclórico (muito bem
explorado por Alencar), a tendência anti-lusitana e o
sentimento nativista, e a conseqüente busca de valorização
de um idioma brasileiro para tratar de assuntos brasileiros.
I I– O Movimento: Romantismo 1ª Fase: Nacionalista
ou Indianista
• Exaltação da natureza
• (Sabiá como símbolo)
• Retorno ao passado
• Herói nacional ( índio )
• Sentimentalismo
• Religiosidade
• Mulher idealizada e inatingível
• Ilogismo
III– O Autor
• Formação literária: amor aos clássicos; leitura dos românticos
não o impediu de ver mais longe que seus contemporâneos
• Preocupado com o estilo – conteúdo\forma
• Sua preocupação era criar um estilo brasileiro
• A Arte de narrar consistia em pintar com as palavras:
descrição
• Vida primitiva de nossos indígenas – excelente material para
romance histórico no Brasil
• Indianismo pouco teria de exato historicamente
• Vida dos selvagens poetizada
• Costumes indígenas deturpados pela imaginação do autor
• Índio como valorizador da nacionalidade
IV– Narrador
• Terceira pessoa onisciente
“ O cristão contempla o ocaso do sol. A sombra que
desce dos ,montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembrase do lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou.”
• O tom do narrador é o de quem conta uma história que já faz
parte da cultura de um povo.
• É uma lenda, que não se inventa na escrita de um livro.
• Sustentação histórica: baseada na figura de Martin Soares
Moreno, que teria sido o verdadeiro fundador do Ceará.
• Índio Poti que teria adotado o nome cristão de Antônio Felipe
Camarão
• Em alguns momentos, o narrador arrebatado chega a revelarse de primeira pessoa: “ O sentimento que ele pôs nos olhos
e no rosto, não o sei eu.”
V – Espaço e Tempo
• O cenário é a natureza cearense, em toda sua exuberância.
• As personagens sempre se identificam com elementos da
natureza: pássaros, árvores, peixes e outros animais são
recursos de comparação para indicar destreza, inteligência,
velocidade, força, amor,etc.
• Tempo é rigorosamente cronológico (1608-1611)
• A marcação do tempo no decorrer da narrativa também é
bastante preciso e linear, marcados por elementos da
natureza
“ Há três sóis partimos para a caça; e, perdido dos meus, vim
aos campos dos tabajaras.”
“ A alegria ainda morou na cabana todo o tempo que as
espigas de milho levaram a amarelecer.”
VI – Personagens
• Iracema- perfeita mulher romântica: bela, frágil, sentimental
e sofredora.
“ Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu
talhe de palmeira.
O favo da jati não era tão doce como seu sorriso; nem a
baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem,(...). O pé grácil e nu,
mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a
terra com as primeiras águas.”
• Essa heroína comete uma transgressão por amor, que tem
uma solução romântica: a morte.
• Como virgem de Tupã, ela não poderia ser possuída por
nenhum mortal.
• Ao se entregar a Martim, ela comete a mais alta transgressão
possível pelo código da tribo.
• Essa violação não admite reparo, e a punição é morte.
• Sabedora disso, ela abandona seu povo e segue o homem
branco, não para evitar a punição, mas consciente de que a
morte a espera.
• Após participar do mito fundador, o elemento índio se aniquila
para que a nova civilização floresça
• Pode-se considerar a relação da ará e de Martim com
Iracema uma alegoria da fundação: o pássaro, amigo da
índia, é o elemento natural, abandonado em favor da cultura
européia, mais adiantada, que domina a natureza e segue em
frente.
• Martin – representante da cultura superior, bom colonizador.
Cristão, tem sangue de português, chega avisando que é
proprietário das terras e sugere que quer mais. É amado
pelos bons índios: Iracema e Poti(tribos inimigas).
“ – Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje
têm os meus.”
• Moacir – filho da dor, simboliza a nova civilização
• Poti – guerreiro pitiguara, exemplo do índio aculturado,
conquistado pelo colonizador branco, a quem segue como
uma sombra.
“ Os dois irmãos encostaram a fronte na fronte e o peito no
peito para exprimir que não tinham ambos mais que uma
cabeça e um coração.”
“- Como a cobra tem duas cabeças em um só corpo, assim é
a amizade de Coatiabo e Poti.”
• Araquém – pai de Iracema, o pajé, guardião das ritos
sagrados dos tabajaras.
• Caubi – irmão da protagonista. Inicialmente, ele acolhe o
inimigo Martin, depois o combate e afinal perdoa Iracema e a
visita em sua nova morada.
• Irapuã – chefe tabajara, impulsivo e intolerante, que quer
caçar Martin e Poti a qualquer preço.
• Andira – velho guerreiro, irmão de Araquém
• Ará – pequena jandaia, que é abandonada pela dona por
causa de Martin
VII – A Verossimilhança
• Após a primeira edição, Alencar teria sido questionado sobre
a possível inexatidão de algumas circunstâncias:
 a habilidade de Poti flechar um peixe dentro d´água do alto
de uma rocha;
 a jandaia ter viajado uma longa distância, do Ipu a Mecejana;
 contestação da existência do coqueiro no Brasil no início do
século XVI.
VIII – O Enredo
• O romance começa pelo fim: 1º Capítulo apresenta Martin,
Moacir e o cão Japi deixando o litoral cearense em uma
jangada.
• A cena será retornada no Capítulo 33 (último).
• História de Iracema: Capítulo 02 a 32.
• Chegada de Martin do RN. à aldeia dos Tabajaras.
• Primeiro contato: estranheza (flecha).
• Quebra da flecha / Condução até a cabana de Araquém.
“- Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de
Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo e
mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te
obedecerão.”
• Martin, apesar do tratamento, revela-se como inimigo.
• Martin percebe uma movimentação na tribo para atacar os
pitiguaras e tenta fugir
• Interceptado por Iracema.
• Iracema sugere que Martin espere Caubi para que possa
acompanhá-lo para lhe dar segurança.
• Iracema sente ciúmes de Martin (Noiva na terra Natal)
“ Quando a virgem tornou, trazia numa folha gotas de verde e
estranho licor vazadas da igaçaba, que ela tirava do seio da
terra. Apresentou ao guerreiro a taça agreste:
- Bebe!
Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém
logo a luz inundou-lhe os seios d’ alma; a força exuberou em
seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os
tinha vivido; fruiu a realidade de suas mais belas esperanças.
Ei-lo que volta à terra natal, abraça a velha mãe, revê mais
lindo e terno o anjo puro dos amores.”
• Importante: Irapuã é proibido de entrar no bosque sagrado.
• Iracema explica a Martin por que não pode se casar.
“ Iracema soltou-se dos braços do mancebo, e olhou-o com
tristeza:
- Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé, e guarda o
segredo da jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de
Tupã morreria.”
• Caubi e Martin viajam
• Iracema os segue durante um tempo.
• Irapuã quer matar Martin
• Som das trombetas Pitiguaras
• Volta.
• Martin é protegido do Pajé contra a vontade de Itapuã.
• Preparação para guerra: Iracema e Martin escondem-se em
uma gruta
• Encontro com Poti, que vai embora sozinho.
• De volta à cabana, ocorre o defloramento de Iracema
“Agora podia viver com Iracema e colher em seus lábios o beijo,
que ali viçava como o fruto na corola da flor. Podia amá-la e
sugar deste amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no
seio da virgem.”
• Iracema se entrega a Martin, sabendo que se entregava à
morte.
• Transgressão da lei tabajara: deveria partir.
“ A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura.
Ficou tímida e inquieta como a ave que pressente a borrasca
no horizonte. Afastou-se rápida e partiu.
As águas do rio banharam o corpo casto da recente
esposa.
Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.”
• Ritual tabajara
• Poti volta para levar Martin, que é acompanhado por Iracema.
• Os homens não querem que ela continue, mas ela declara
não ser possível o retorno.
• Combate entre Pitiguaras e Tabajaras (Derrota destes).
• Depois de três dias entre os pitiguaras, Martin resolve partir
com Iracema, para diminuir o sofrimento dela.
• Aos pés de Mocoripe, Martin reflete sobre a conveniência de
instalar uma cidadela.
• Depois de algum tempo, Martin demonstra cansaço da vida
mansa e da monotonia conjugal e resolve partir com Poti para
caças e batalhas.
• Martin deixa uma flecha espetada em um caranguejo e um
ramo partido.
“ - Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum,
e guarde sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor
todo o tempo até morrer.”
• Nasce o filho do casal na ausência do pai.
“Nossa hora em que o canto guerreiro dos pitiguaras
celebrava a derrota dos guaraciabas, o primeiro filho que o
sangue da raça branca gerou nesta terra da liberdade, via a
luz nos campos da porangaba.”
 Grande acontecimento do romance: nascimento do
primeiro filho da terra do Ceára, o resultado de um pacto:
da raça autóctone e raça invasora.
• Solitária e saudosa Iracema tem dificuldade para amamentar
o filho.
• Martin fica longe oito luas (oito meses).
• Encontra Iracema na beira da morte / Entrega do filho.
• Enterro no coqueiro, à beira do rio.
• Alguns anos depois, acompanhado de outros brancos,
inclusive um sacerdote “para plantar a cruz na terra
selvagem”.
“ Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho;
não sofria ele que nada mais o separasse do seu irmão
branco. Deviam ter ambos um só deus, como tinham um só
coração.”
• Começa a colonização e narrativa termina.
“Tudo passa sobre a terra”
VIII – A Questão da Intenção e da Realização
• Uma questão que se coloca na leitura do texto de Iracema é a da
valorização do indígena.
• Há por certo a intenção do autor de cantar as glórias dos índios,
exaltar a exuberância natural da terra brasilis, bem como a beleza
física – que não se vê, embora saiba que existe – e moral de
Iracema.
• Reside ainda em sua intenção dar valor ao índio como espírito da
civilização nacional, como elemento heróico e poético de nossas
origens, de nossa nacionalidade.
 Aí é que se evidencia o paradoxo: por que então Iracema, seu povo
e seu Deus morrem, demonstrando uma fragilidade incompatível
com sua presumida grandeza?
 Por que Poti se acultura, renunciando a sua religião, atirando-se à
cruz sem hesitar?
• Há momentos em que o narrador, vigiado pelo autor, denuncia sua
postura pró-brancos.
• Um é aquele em que Martim começa a enjoar do mel de Iracema e
da fidelidade de Poti, quando o narrador descreve seus
sentimentos:
“Como o imbu na várzea, era o coração do guerreiro branco na guerra
selvagem, a amizade e o amor o acompanharam e fortaleceram
durante um tempo, mas agora, longe de sua casa e se deus irmãos,
sentia-se no ermo. O amigo e a esposa não bastavam mais à sua
existência cheia de grandes desejos e nobres ambições.”
 Aí está o que supomos ser um ato falho do narrador.
• Na ânsia de expressar os sentimentos do cristão, ele eleva ao
máximo seus desejos e ambições, esquecendo-se de que, assim o
fazendo, está automaticamente atribuindo ao elemento índio o
oposto, ou seja, pequenos desejos e ignóbeis ambições.
 O grandioso está ao lado do homem branco.
• Outro momento é aquele em que, numa das notas ao capítulo 11, o
autor desautoriza a magia indígena, a propósito de uma ação do
Pajé Araquém.
“- Ouve seu trovão e treme em teu seio, guerreiro, como a terra em sua
profundeza.
Araquém, proferindo essa palavra terrível, avançou até o meio
da cabana; ali ergueu a grande pedra e calcou o pé com força no
cão; súbito, abriu-se a terra. Do antro profundo saiu um medonho
gemido que parecia arrancado das entranhas do rochedo.”
• A cena chega até nós como uma bela mágica perpetrada pelo
feiticeiro.
 Em sua nota à passagem, entretanto, o autor arranca toda a beleza
de seu encanto.
“Todo esse episódio do ruído da terra é uma astúcia, como usavam os
pajés e os sacerdotes de toda a nação selvagem para fascinar a
imaginação do povo. A cabana estava assentada sobre um rochedo,
onde havia uma galeria subterrânea que comunicava com a várzea
por estreita abertura; Araquém tivera o cuidado de tapar com
grandes pedras as duas aberturas, para ocultar a gruta aos
guerreiros. Nessa ocasião, a fenda inferior estava aberta, e o Pajé o
sabia; abrindo a fenda superior, o ar encanou-se pelo antro espiral
com estridor medonho, e de que pode dar uma idéia o sussurro dos
caramujos.”
 A explicação do autor é apontada por Silviano Santiago como
desnecessária e preconceituosa:
“Dentro de uma determinada atitude alencariana de ceticismo quanto
aos valores e mecanismo do sagrado entre os indígenas, percebe-se
aqui o desejo exagerado de querer, em nota fora do texto,
propriamente, desmistificar possíveis ações sobrenaturais que são
plenamente verossímeis ao nível da ficção. Intromissão pouco
pertinente e sobretudo demonstradora do preconceito
etnocêntrico do romancista. O que é manifestação de magia entre
os indígenas é compreendido e traduzido pelo escritor “civilizado”,
que no mito indígena apenas descobre um fenômeno que pode ser
explicado pela física. Assim é que a linguagem da terra, ou fala de
Tupã, descoberta e usada pelos pajés para acentuar seu poder
religioso entre os companheiros, é vista, na nota, como mera
“astúcia”, enquanto o fato sobrenatural (dentro da ótica indígena) é
apenas “natural” para Alencar. (...) Talvez esse seja um dos maiores
exemplos do conflito entre o texto e a nota, entro o filho-texto e o paiautor, mostrando como aquele se encontra tolhido em sua “verdade”
pela nota esclarecedora do pai que logo assinala como “falso”.”
 Apesar de qualquer possível intenção de valorizar a cultura
indígena, fica evidente que o autor adota uma postura etnocêntrica
em favor do conquistador, e a ótica estruturadora do romance é
claramente a do civilizado e do cristão.
 Eis aí o que chamamos de paradoxo entre a intenção e a
realização.
• O mito da harmonia das raças só funciona na intenção, e o
resultado é a dominação econômica e cultural da terra pelo
colonizador branco, tendo o indígena como aliado, após a
eliminação dos que resistiram.
• Essa dominação,emoldurada por um discurso lírico, se consuma no
amor entre Martim e Iracema, símbolo da terra que se recusa ao
próprio índio.
IX– Comentários Finais
 Em Iracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o
fidalgo português Martin domina toda a obra;
 A Ação é reduzidíssima, o que dá ao livro o notável espaço
lírico de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais
poética;
 Temas mais comuns:
 Felicidade primitiva dos selvagens, que começa a se
corromper diante da primeira aproximação do civilizado;
 A idéia do bom selvagem;
 O exótico da paisagem;
 O conflito representado pela oposição de índole dos dois
mundos: o da velha civilização européia e o Novo Mundo da
América.

Referências:
1. Iracema – José de Alencar – Editora Objetivo
2. Iracema – Análise da Obra – Prof. Fernando Teixeira de Andrade - Sistema
de Ensino Objetivo
3. O mito poético da origem dos cearenses – Uma análise crítica de Iracema –
Coleção Pitágoras. 2000.
4. As observações finais foram baseadas em uma análise de Antônio Soares
Amora.

Observação: as referências acima não seguem o padrão da ABNT por
opção do professor.
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